INSTITUTO SISTEMAS HUMANOS
NÚCLEO DE ESTUDO E PRÁTICA SISTÊMICA FAMÍLIA, INDIVÍDUO E GRUPO
O EU HISTORIADOR DE SI MESMO: GENOTATADRAMA COMO INSTRUMENTO DE INVESTIGAÇÃO DA ALMA NARRADA DE MÃOS DADAS COM OS BONECOS DE PANO ANCESTRAIS
ORIENTADORA: PROFA. DRA. DENISE MENDES GOMES
ELISETE LEITE GARCIA
SÃO PAULO 2018
Oração para honrar os antepassados.
Oh! Meus antepassados, oh! Meus ancestrais. Vocês a quem conheci e amei E que se foram antes Com nomes e vidas que desconheço Mas ainda vivos em meu corpo E nas tradições da minha família. Que o calor desta chama Transmita minhas bênçãos Neste momento eu os honro E peço o melhor de vocês Que tudo de bom seja preservado Oh! Meus ancestrais em qualquer mundo que estejam, que seus caminhos sejam abençoados. Flora Macas, 2017 (Comunidade Indígena Ingá Caquetá, Colômbia)
Com o tempo, assim como as estações do ano, trocamos as folhagens, mas as raízes sempre continuam em solo firme, nos dando força para seguirmos produzindo novos frutos.
Agradecimento especial.
Muitas pessoas passam por nossas vidas, mas algumas penetram em nossa alma e dão sentido ao nosso ser e estar.
À professora Suzanna Levy, que com sua delicadeza e suavidade em seu silencioso observar, trouxe em suas aulas e no meu Genograma a potência de sua presença plena, sustentando energeticamente o campo, dando suporte a todos nós e a sua parceria de docência, que nesse processo tão profundo de cura, dirigiu meu Genograma, conduzindo-o com amor e respeito. Meu afetuoso carinho à professora Dra. Denise Gomes, uma parteira que respeitou meu tempo, minha respiração e maturação, para entrar em trabalho de parto, com mestria possibilitou o nascimento das múltiplas vozes dos bonecos de pano ancestrais, em meu processo no Genograma, tornando-se minha orientadora nesta monografia, convidandome a ir além da cena temida, presenteando-me, com a força de caminhar juntas, neste momento especial.
AGRADECIMENTOS. Ao Instituto Sistemas Humanos e todos que fazem parte dessa família, só posso dizer: GRATIDÃO. Cada um me presenteou com seu jeito singular de ser. Presenças marcantes, guiadas com ternura, mas possibilitando, em todos nós, outras maneiras de ver as coisas. Professores desta formação, cada um tendo sua representação dentro de cada ano de nossa jornada, pai, mãe, tios, e vários outros papéis, eram invocados por alguns momentos e nossa criança ferida entrava em ação, convidando a cada um se conhecer para conhecer o outro. Tudo isso era subliminar, mas se evidenciava quando tomávamos consciência do fato ocorrido. Possibilitando revisitar a história do Ser Terapeuta em sua construção. Marcos Pontes & Janice Rechulski- Doçura, dureza e compaixão. Adriana Fragas & Eliete Belfor - Desafios, ternura e consolidação. Denise M. Gomes & Suzanna Levy – Diferenças, provocação e humildade. Sandra Fedullo Colombo - sabedoria, provocação, reflexão e encontro. Marcia Zalcman Setton, doçura, presença e profundidade. Ana Sterling, futura professora do Sistemas Humanos, que nos acompanhou desde o 1º ano, fechando nossa formação mantendo mestria, presença, dedicação e crescimento, nos apresentando o caminho de sua própria formação. À equipe de suporte logístico do Instituto Sistemas Humanos, Nice e Ana, que com cuidado e primor, se dedicavam ao nosso delicioso café “convivência” e nossas saborosas jornadas, além da logística diária para que todos os detalhes funcionassem como um sistema vivo.
Amigos e colegas de Classe. Aos meus amigos queridos que comprovaram mais uma vez que no grupo, podem acontecer nossas curas, onde nossos sentimentos puderam ser explorados e integrados, durante nossas trocas e reflexões e do encontro emergiram saberes, pois acreditamos no ser humano. Juntos e em cumplicidade adentramos em conceitos complexos revelando histórias e nos nutrimos na construção de cada etapa do “SER TERAPEUTA”. Amigos que comprovamos a sabedoria de construir juntos, brincamos, sorrimos, refletimos, choramos, remexemos nossas histórias, mergulhamos em conceitos complexos, nos unimos, nos nutrimos, confiamos no grupo e nos fortalecemos enquanto artesanalmente fomos construindo nosso papel. Meu profundo agradecimento por me permitirem ser Elisete, dando um suporte inacreditável ao meu genograma, pois se tive a coragem de me despir e mergulhar profundo em meu inconsciente, tinha vocês à minha volta, ancorando-me e protegendome, sendo cúmplices neste processo. Aos amigos Edson e Simone que com prontidão acolheram meu convite e deram voz aos personagens pai e avô, simbolizados em forma de bonecos de pano ancestrais, atuando entre o personagem e o ser em minha cena temida e guardada a mais de cinco décadas. Amo todos vocês e aqui está retribuída minha gratidão em forma de trabalho para que em vida outras pessoas possam revelar o que fica trancado na alma. Alexandra Leal Passos Sanchez, Ana Carolina Escobar Sarra, Ana Cecilia Santoro, Ana Maria Lambert, Ana Paula Kienast, Célia Amaral Souza Narengo Barth, Daniele Freire Monteiro de Carvalho. Denise Liesegang. Doroti Riotto, Edson Miyahara, Elvis Henrique Santos Andrade, Fernanda Jafet, Flavia Camargo, Maria Lúcia Orlandi Pereira, Marta Gonzaga, Monica Mortara, Simone Zagallo., Ana Lucia C. R Starling; Adriana; Sanchez.
Agradecimento amoroso ao GESH - Grupo De Estudo Para Seguir Construindo, dirigindo pela professora Denise Mendes Gomes, onde com a cumplicidade dos colegas, Tânia Regina Ferri Prexinotto, Gustavo Pavan Inserra e a generosa Maria Luiza Bambini Vasconcelos, me permitiram dirigir o primeiro GENOTATADRAMA OFICIAL. Ao Vasco, meu marido, que com carinho e afeto, me estimulava a estar todas as sextasfeiras na formação, sendo cuidadoso e atento às minhas necessidades, também preparando seus deliciosos pratos e me auxiliando a me manter presente nesta dissertação. Durantes as inúmeras madrugadas em que eu escrevia, rabiscava, reescrevia, ele me trazia um afago e um chocolate. O Vasco é uma das pessoas mais importantes em todo meu processo de crescimento. Nestes quase trinta e quatro anos de relacionamento, a construção da nossa relação é continua e se renova, produzindo com isso nossa individuação. Ele sempre disse que o homem que souber deixar sua esposa voar, terá sempre a sua presença, pois sua casa se tornará seu verdadeiro ninho. Aos meus filhos Paloma e Pablo, que desde sempre, me acompanham nessa jornada com os bonecos ancestrais falantes, muitas vezes me auxiliando nos trabalhos de grupo e vivendo seus próprios processos com o método Tatadrama, respeitando ter bonecos por todos os lugares da casa, compreendendo a profundidade destes anos de investimento e minha ausência durante as viagens a trabalho. À nossa equipe do consultório Islauvia e Fabiana que com paciência, cuidado e dedicação me auxiliaram a montar toda a logística do trabalho. A todos os seres visíveis e invisíveis que me acompanham nesse processo. Aos meus ancestrais, meu pai, minha mãe, meus irmãos, tios, sobrinhos, cunhados e todos familiares que mesmo em forma de bonecos, estiveram presentes neste Genograma, possibilitando vivenciar esta experiência de vida, como mediadores que com certeza facilitaram e estiveram presentes num momento em que era convidada a tornar público um segredo e tendo vocês todos como testemunhas , que com certeza também facilitaram esse trabalho psíquico.
Sumário APRESENTAÇÃO ......................................................................................................... 9 SER TERAPEUTA. ...................................................................................................... 10 O GENOGRAMA ......................................................................................................... 16 MONTAGEM DO GENOGRAMA ............................................................................ 18 SIMBOLOGIA DO GENOGRAMA .......................................................................... 19 O MÉTODO DO TATADRAMA ............................................................................... 24 ÁREAS DE ATUAÇÃO: ............................................................................................. 28 Esporte. ................................................................................................................................... 28 Comunidades........................................................................................................................... 29 Clínica ...................................................................................................................................... 30
FUNDAMENTOS TEÓRICO-PRÁTICOS DO MÉTODO TATADRAMA. ........ 31 AQUECIMENTO........................................................................................................................ 31 DRAMATIZAÇÃO ...................................................................................................................... 32 COMPARTILHAMENTO ............................................................................................................ 32
AS BONECAS ANCESTRAIS COMO OBJETO INTERMEDIÁRIO .................. 33 O ATO DE BRINCAR E O MÉTODO TATADRAMA ........................................... 35 PSICODRAMA E SOCIODRAMA ............................................................................ 36 TATADRAMA: UMA ABORDAGEM TERAPÊUTICA TRANSDISCIPLINAR 37 ESTUDO DE CASO ..................................................................................................... 39 CONTRIBUIÇÃO DO TATADRAMA AO PROJETO SOCIAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA DAS MULHERES BONEQUEIRAS NO PÉ DE MANGA – CRATO ........................................................................................................................................ 42 O SONHO DA BONECA MENINA OU DA MENINA BONECA. ........................ 45 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA VIOLÊNCIA FAMILIAR. ....................... 49 O QUE AS BONECAS DE PANO ANCESTRAIS SABEM SOBRE A FAMÍLIA. ........................................................................................................................................ 50 A PARTEIRA E O SER TERAPEUTA ..................................................................... 51 O GENOTATADRAMA NASCE DA VIVÊNCIA DO GENOGRAMA. ............... 52 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 59 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 62
APRESENTAÇÃO O significado do termo ‘geno’ vem do grego, “provir de”, “originar-se de” e “grama” ‘sinal’, ‘marca’ (Cunha, 1982) desse modo pode-se compreender “Genograma” como a representação, por meio de sinais, da origem e dos eventos familiares. Esta experiência além de aumentar o nível de autoconsciência representa um modelo de análise que poderá ser usado no trabalho com as famílias e, nesse trabalho em particular, o Genograma dialogou com o Tatadrama, cuja proposta terapêutica é conduzir o participante através de técnicas corporais, fundamentadas no Psicodrama e Sociodrama (Moreno, 1889) e no conceito de curva orgástica (Reich, 1981). Essas práticas possibilitam acessar símbolos ancorados no corpo e possibilitam uma imersão no universo do imaginário e do inconsciente, abrindo-se espaço e momento propício para o contato com os bonecos ancestrais, que cumprem a função de objeto intermediário (Rojas-Bermudez, 1970) propiciando a projeção e transformação dos conflitos internos através da caracterização e transformação do seu próprio boneco. Os dois processos terapêuticos acima descritos possibilitaram uma profunda pesquisa da origem e dos eventos de minha família e através da personificação de parentes e dos seus laços relacionais nos bonecos ancestrais vivenciei, com o devido apoio dos colegas e da professora, a cena temida e através da dor e do perdão atingi a cura e a liberdade vivenciada por aqueles que têm a possibilidade de atingir um nível mais elevado de consciência e autoconhecimento. O processo terapêutico que uniu Genograma e Tatadrama foi tão fecundo e tão transformador que gerou um terceiro e novo método batizado de Genotatadrama que traz consigo um enorme potencial depositado por aqueles que o geraram, um método que nasce do vigor do vivido e da experiência acumulada pelos seus métodos antecessores.
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“Quando você fala ou escreve em sua própria voz, você se torna mais sujeito do que objeto, você transforma seu destino.” (Bell Hooks, 1994) SER TERAPEUTA. A construção do papel do terapeuta de família. O desejo de ser terapeuta de família e casal nasceu na 1º Jornada de Terapia Familiar que participei organizada pela Associação Paulista de Terapia de Família, em 2008 e do curso que fiz em Belo Horizonte em 2013: “O Romance familiar contado pelo Genograma”. Posteriormente participei de todas as Jornadas da APTF e dos Congressos Brasileiros de Terapia de Família, realizados entre 2013 a 2018, e em 2015 iniciei minha formação no Instituto de Sistemas Humanos. Foi quando nasceu a pergunta: Será que na terapia de familiar há lugar para os bonecos de pano ancestrais? Foi no Instituto Sistemas Humanos que pude revisitar novamente meu baú de emoções, cheio de memórias e sentimentos, num diálogo com minha criança interior, entrelaçando com a teoria complexa e profunda da formação, viver desafios, questionamentos e muitas reflexões, possibilitou libertar-me de muitas fórmulas engessadas e rígidas que ainda existiam dentro de mim. Ampliar a consciência da importância da relação entre o narrador e seu interlocutor de modo mais significativo das demandas no mundo contemporâneo ,num processo integrativo do ser em processo de formação no Sistema familiar. Voltando-se o olhar para o contexto de formação do SER TERAPEUTA, tendo a compreensão da proposta de formação que se estrutura a partir da intersecção de nossa história pessoal, com a teoria e nossos atendimentos de casal e família, possibilitando nos momentos de conversação e interação contínua, com a de formação dando corpo e sentido a visão sistêmica, ampliando os diálogos , com uma escuta curiosa e ativa, culminando nas práticas dialógicas
e colaborativas propostas pela teoria, além da
criação de contextos conversacionais , na legitimação do outro e de seu saber.
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Nossa história de vida tem voz, acolhimento, se tornando parte do processo teórico, possibilitando uma conexão entre o terapeuta e sua prática, além do vínculo que estabelecemos entre os colegas de classe e professores numa escuta empática. Muitas coisas vivemos em grupo e no grupo, nessa formação. Só o processo de se tornar terapeuta já valeria um artigo, pois navegar pelo aprendizado de formação em mares desconhecidos, provoca desconforto e inquietação, percebendo que este é o tempero do Instituto Sistemas Humanos que traz sua essência
exclusiva.,
nos convidando a
mudanças de paradigmas onde comungamos, entre livros e artigos que permeiam a construção deste novo papel, sendo o grande valor e diferencial dessa formação. Aprendi com os mestres do Sistemas Humanos que a terapia familiar sistêmica é construída, através de nossos encontros semanais e nossa troca íntima e profunda sobre nosso próprio sistema familiar, identificando nesta perspectiva a construção coletiva e individual do nosso papel profissional. Revisitamos muitos papéis e funções características de nossas próprias famílias, e refletimos em grupo para iniciarmos nossos atendimentos. Ser um terapeuta de família e casal é conhecer seus valores e sua forma de estar no mundo, devendo conhecer a linguagem da família que irá atender, sem perder sua cultura própria, compreendendo o que pessoalmente nos toca e se sentimos conveniente, o espaço para uma intersecção, podemos compartilhar a partir da ressonância de nossos próprios sentimentos. Isto é libertador, nos propicia um encontro e construção do vínculo de uma forma mais verdadeira. A construção deste papel profissional ao longo destes anos desde que resolvi mudar de profissão em 1998 tem sido uma longa aventura que me levou a diferentes ambientes, provocando experiências originais que exigiram muita disciplina, concentração, intuição, imaginação e perseverança. A relação com o corpo e a consciência da riqueza que ele comporta, foram dados fundamentais. Compreender que há uma profunda relação entre o processo de estruturação dos papéis sociais e o mundo afetivo foi sempre uma tarefa surpreendente que mereceu grande dedicação e cuidados. Não fazia ideia do impacto que esse meu interesse em trabalhar com casal e família me causaria, impacto que eu trabalharia para me transformar no “SER TERAPEUTA”. 11
A consciência é uma compreensão em outra dimensão, porém, se não tivermos integrado este saber enquanto seres, não teremos propriedade suficiente para unir teoria e prática em sua dimensão maior, onde essa interlocução constitui caminhos possíveis para atuação junto à família. “E não me esquecer, ao começar o trabalho, de me preparar para errar. Não esquecer que o erro muitas vezes havia se tornado o meu caminho. Todas as vezes em que não dava certo o que eu pensava ou sentia – é que se fazia enfim uma brecha, e, se antes eu tivesse tido coragem já teria entrado por ela. Mas eu sempre tivera medo de delírio e erro. Meu erro, no entanto, devia ser o caminho de uma verdade: pois só quando erro é que saio do que conheço e do que entendo. Se a verdade fosse aquilo que posso entender – terminaria sendo apenas uma verdade pequena, do meu tamanho. “A verdade tem que estar exatamente no que não poderei jamais compreender.” Lispector, Clarice, 2017
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DESPINDO DE MINHAS TINTAS. “Procuro despir-me do que aprendi Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, É raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras, Desembrulhar-me e ser eu... É preciso esquecer a fim de lembrar, É preciso desaprender a fim de aprender de novo...” Alberto Caeiro, 2005
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Seus filhos não são seus filhos. Eles são os filhos e filhas do desejo que a vida tem por si só. Eles não vêm de você, mas através de você, E apesar de estarem com você, eles não pertencem a você. Você pode dar-lhes o seu amor, mas não os seus pensamentos, Porque eles têm seus próprios pensamentos. Você pode hospedar seus corpos, mas não suas almas, Porque suas almas vivem na casa do amanhã, que você não pode visitar, nem mesmo em sonho. Você pode se esforçar para ser semelhante a eles, mas não tente torná-los semelhantes a você. Porque a vida não retrocede e não perde tempo com o dia que já passou. (Gibran, 2001).
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O GENOGRAMA Ao pensarmos sobre o que herdamos dos antigos, olhando para como nos relacionamos e como esses afetos nos influenciam agora, abrimos espaços para múltiplas vozes e perspectivas que estavam abafadas em nós; dessa convivência interior olhamos para tudo que nos influenciou e que marcou nossa alma. O Genograma consiste em uma técnica que visa representar de forma gráfica o desenho familiar ou árvore familiar, é através deste instrumento que podemos obter uma visão geral da estrutura familiar. As interações existentes entre os membros, laços afetivos, positivos e negativos, bem como padrões de comportamento que se repetem entre as gerações, ou seja, um fluxograma para identificar os processos biológicos, sociais, emocionais, culturais, entre outros fatores que compõem uma família por várias gerações. A criação do Genograma teve início com os estudos do biólogo e botânico Johann Mendel (1822-1884), que criou a teoria denominada “Lei de Mendel”, tal estudo possibilitou a descrição das linhas de transmissão familiar de doenças clínicas, descobriu em experiências com cruzamento de diversas variedades de ervilhas a herança biológica. Com a necessidade de se obter mais informações sobre os pacientes, acrescidas informações sobre os antecedentes familiares, bem como o histórico socioeconômico e outros dados que fossem pertinentes e condicionantes de seus problemas de saúde. (Yurss, 2001). O Genograma consiste em uma técnica que visa representar de forma gráfica e investigativa, mediada por encontros conversacionais, atingir de uma forma mais próxima possível, estratégias terapêuticas para alcançar e encontrar os fios que tecem o tecido de transmissão familiar, atingindo no mínimo três gerações, com o objetivo não só de ampliar estratégias mas, também, ofertar ao cliente, um panorama mais amplo de sua construção vincular e visão geral de sua rede transgeracional. Na literatura se observa a existência de diversos termos para se referir ao genograma, tais como: árvore genealógica, familiograma, genetograma, porém o comitê acadêmico de revisão do genograma recomenda o uso do termo “genograma”, devido às pesquisas documentais realizadas (Correia; Martins apud Kruger,2009) 16
O Genograma de forma geral consegue englobar e ser aplicado a diversas รกreas do conhecimento humano como na medicina, enfermagem, psicologia, serviรงo social entre outras รกreas.
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MONTAGEM DO GENOGRAMA O genograma pode ser conceituado como uma representação gráfica da constelação familiar, compreendendo várias gerações, permitindo uma visão global da estrutura familiar e dos modelos do funcionamento da família numa perspectiva tanto cronológica quanto dinâmica. (Machado apud Vitale, 2004). A construção do genograma pode ser realizada de forma fragmentada didaticamente em: traçado da estrutura familiar; registro das informações e plano das relações familiares. (Rodrigues apud Andolfi; 2018). Sendo também encontrado como genograma estrutural (o qual é representado por estrutura e informações) e genograma funcional. (Machado apud Vitale, 2004). O aspecto estrutural do genograma representa a arquitetura familiar, sendo disposto de forma horizontal e vertical. As linhas verticais representam as gerações familiares, o que segundo McGoldrick (1987), deverá registrar informações sobre os membros da família por no mínimo três gerações; logo o genograma apresentará de três a quatro linhas verticais, conforme o histórico familiar apresentado. O registro das informações é o principal aspecto na construção de um genograma. O conteúdo de suas informações poderá ser variável de acordo com o objetivo da aplicação do genograma. Segundo Rodrigues apud Vitale (2004), deverá conter informações demográficas como: idade data de nascimento e óbitos; datas de casamentos, divórcios, separações; nível educacional quando necessário, ocupações, profissão, identificação de patologias e fatores de risco, assim como alcoolismo e drogadição, histórico de êxito e de fracasso familiar ou individual, identificação e padrões comportamentais, sempre respeitando a ordem cronológica dos fatos. As relações familiares trazem as características subjetivas referentes à maneira como os membros familiares se relacionam. (Webdt;Crepald, 2008). “O genograma funcional complementa as informações obtidas no estrutural e permite uma visão mais dinâmica, pois indica as interrelações dos membros da família”. (Machado apud Vitale, 2004). Neste fragmento é que serão identificados os laços afetivos dos membros. As informações contidas no genograma são coletadas através de entrevista com o paciente identificado, podendo ser realizada também de forma coletiva com os membros da família, conforme o objetivo da aplicação do instrumento. 18
SIMBOLOGIA DO GENOGRAMA A simbologia utilizada por McGoldrick, a qual foi estabelecida pela Comissão de Revisão Acadêmica do Genograma, que após um período de estudos de 1978 a 1998, definiu os padrões de construção do Genograma. (Gomes apud Vitale, 2004). A estrutura inicial do genograma é realizada através da identificação dos membros da família segundo seus gêneros. Sendo assim levamos o paciente a refletir sobre sua responsabilidade em escolher, em manter ou não o padrão familiar constatado no genograma , em que se pode observar que o instrumento possibilita uma gama de informações que, em um único instrumento, auxilia de diversas formas os profissionais, pois cada profissional irá direcionar as perguntas, para posteriormente utilizar em sua prática. O profissional estará observando o sentido de que o indivíduo atribui a sua vida e seus relacionamentos. As histórias contadas, através do Genograma, integram o patrimônio relacional familiar (Vitale, 2004); White e Epson (1990 apud Soifer, 1983) consideram ser este o fundamento da abordagem terapêutica, através de encontros conversacionais novas histórias. Não qualquer história, mas sim uma nova tentativa, nova narrativa que encontre sentido no contexto histórico daquela família. O Genograma cria um espaço para o não dito, segredos escondidos que nos impedem de chegar ao perdão, aceitação e a gratidão. É também um espaço que propicia ao narrador e a história narrada incorporar possibilidades de ampliar seu olhar sobre si mesmo, libertando Tramas e Dramas muitas vezes transgeracionais, identificando padrões de transmissões em diferentes contextos. Possibilita a ampliação de estratégias terapêutica tanto para o paciente como o profissional em sua construção vincular por meio de uma visão geral da estrutura familiar tendo como fundamento a teoria sistêmica possibilitando contextualizar e problematizar a análise do contexto psicossocial que o paciente está inserido. Sendo um mapa relacional que dá subsídios facilitadores para ampliar e visualizar uma escuta mais refinada do contexto familiar. De uma forma metafórica é uma “radiografia” psicossocial do paciente, um mapa relacional.
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Em reflexões com a prof. Denise Gomes minha orientadora, o genograma é mais que uma radiografia, ele é uma construção simbólica que emerge num contexto dialógico de indicação pelo sentido da vida. E necessário a soma de olhares que entrelaçam e dão nascimento a novas perspectivas, permitindo vir a luz novos aspectos da história. Fazendo uma analogia e um olhar mais clínico ao genograma deste trabalho, e como se você olhasse para história que acabou de nascer e ela já nasce velha, ou adulta. Tornando-se assim muito mais que uma radiografia ele é uma construção simbólica que emerge num contexto dialógico de indicação pelo sentido da vida, Denise Gomes me convida a pensar que é necessário a soma de olhares
que entrelaçam e dão
nascimento a novas perspectivas , permitindo vir à luz novos aspectos da história , assim como verão neste relato de experiência.’ Desta forma criam-se formas para novas fecundações, propiciando ampliar no encontro eminentemente criativo a construção de um campo onde a liberdade se coloca a serviço da expressão e ele permite a união entre os fragmentos que muitas vezes necessitam serem juntados e costurados. Esse instrumento quando imbuído de informação e emoção favorece, possibilita e amplia um diálogo, identificando os estressores no contexto familiar
e o
estabelecimento da relação entre os processos saúde- doença. Além do Genograma possibilitar uma representação dessa estrutura e dinâmica familiar, o profissional contempla um rico material para analisar o entrelaçamento do passado e presente dando luz aos sentimentos ocultos e ocultados. Revisando os legados deixados pela família, além dos mitos, crenças e valores tornando visíveis e conscientes aspectos que podem ser transformados no futuro, uma vez que além da genealogia ele amplia o olhar com as representações citadas acima, aspectos dessa repetição podem ser ressignificados, tornando possível dar visibilidade a possíveis transformações no futuro. Tem como função primordial possibilitar a criação de um espaço dialógico e relacional propiciando a transformação da história familiar. Nas últimas três décadas os Genogramas passaram a ser amplamente utilizados em genealogia, medicina, psicologia, serviço social, aconselhamento, enfermagem e outros 20
campos de cuidados à saúde e de atenção ao ser humano até mesmo no direito e nos negócios tendo o uso crescente disseminado para intervenção clínica, particularmente o desenvolvimento do uso do Genogramas do jogo familiar( Galgrik, 1993) Existem diversidades nas formas dos padrões familiares em nossa sociedade e muitas aplicações do Genograma ainda serão desenvolvidas, é um instrumento em constante progresso. Na prática clínica, sua construção e evolução como ferramenta, continuará se transformando à medida que os terapeutas a usarem para rastrear a complexidade do processo familiar. Desde muitos anos tem sido amplamente utilizado na área da saúde como auxiliar na elaboração de hipótese diagnóstica, mas somente na década de 80, Murray, Bower (1978) e Jack Medalie (1987), viriam a definir de forma mais estruturada, os símbolos do Genograma, que são amplamente utilizados na atualidade. Os traçados básicos do Genograma, identificados inicialmente por Gerson e Mc Galdrick (1993), foram definidos utilizando figuras que representam as pessoas e linhas que descrevem suas relações. As primeiras referem-se a símbolos para representação de gênero (masculino e feminino), datas de nascimento e falecimento, gravidez – abortos espontâneos e provocados. □ Homem o Mulher Morte △ Gravidez •
Aborto
Aborto provocado Data nascimento / Falecimento Símbolos para representar pessoas datas e fatos. Pode tirar essa linha Para obtermos estes resultados é necessário seguirmos sua estrutura composta de 3 fases sucessivas. 21
1º O traçado e a estrutura familiar. 2º Informações básicas da família. 3º Delineado das relações familiares. Pedaços de histórias e lendas que ouvimos são fios que tecem do passado ao presente, mas para que lancemos nosso olhar ao futuro, necessitamos trabalhar com paciência e entrega. Na pesquisa de nossa história transgeracional abrimos portas para muitas vozes e personagens esquecidos em nossa memória, é como recuar no tempo para ouvir nossos antepassados conversando e nos dando revelações libertadoras, ajudando-nos para que nos vejamos hoje e para que consigamos uma melhor compreensão sobre nós mesmos e nossas relações familiares. Revisitar memórias é fundamental para nos conhecermos e reconhecermos nossos antepassados. Compreendendo o que fizeram e viveram nos respectivos cenários social, político, cultural e econômico de sua época, vamos nos aprofundando e identificando tudo o que recebemos de valores, crenças, mitos, identidade, cultura e ações, toda bagagem que formaram o sujeito que somos hoje; coleção de fotos, registros em fato e objetos metafóricos complementam o acervo vivencial da montagem de nosso próprio Genograma, incluindo livros antigos, bíblias, terços, aneis, colares, enfim, tudo que tenha um valor simbólico para a família em estudo. Surgem curiosidades diversas, como se tivéssemos uma lupa trazendo o invisível à tona, principalmente das histórias de nossos pais e avós.
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Os tecidos que nos cobrem e nos aquecem em formato de roupas nasceram de emaranhados de fios que foram tecidos por vários teares entre tramas e dramas.
Fios que nos unem são os mesmos que nos afastam, tecidos que cobrem o sentido de afeto são os mesmos que nos unem e nos transformam. (e são os mesmos que podem nos deixar descobertos numa noite fria ou encharcados na tempestade)
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O MÉTODO DO TATADRAMA.
Tudo começou com um desejo. O desejo de unir um vínculo de amor materno a uma infância rica em aprendizados, com o conhecimento profissional e o trabalho psicossocial que estes fatores podem possibilitar. Dona Naninha veio ao mundo, em 1915, no interior do Estado do Ceará, na cidade de Crato, próxima da cidade de Exu do Estado de Pernambuco, “terra de cabra macho e coisa e tal”, como era dito na época. Na sua juventude ouviu muitas histórias de valentias, a crença religiosa também fez parte da sua formação. Tanto que no subdistrito de Crato, hoje cidade de Juazeiro do Norte, despontou o grande líder religioso Padre Cícero Romão e que se notabilizou como o “Padim Ciço”. Uma menina por não ter muita força para a lida na roça ou conhecimento para exercer alguma atividade que lhe desse o sustento, não tinha muita escolha, o destino era o de se casar, ter filhos, cuidar da casa e ajudar o marido no que fosse possível, para contribuir com sustento da prole, até que os filhos crescessem. Ser costureira foi sua profissão. A vida simples e humilde de Ana Leite, minha mãe, com a mais pura expressão do lirismo nordestino, utilizava suas mãos para o simbolismo mágico de costurar bonecas de pano e de me passar conceitos que representam minha infância, através do ato de brincar com estas bonecas, representando em seus cenários, casamentos, guisados , festas religiosas, brigas e até velórios, que na época eram feitos nas casas. De uma forma positiva ou não, projetou o meu aprendizado, promovendo com o que ela me passou, quer seja eu sozinha ou com ajuda de amiguinhos, sentimentos e emoções que criávamos e recriávamos com esses personagens quando representávamos cenas do cotidiano. Assim, eu, Elisete, autora deste trabalho, vivi minha infância, tendo muitos personagens produzidos por minha mãe. Já na vida adulta, sempre fui uma pesquisadora intuitiva sobre a linguagem e múltiplas vozes dos bonecos de pano.
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No campo profissional, já trabalhando como psicodramatista, com grupos de atletas corredores de rua, e também com grupos de gestantes em vulnerabilidade social no Instituto de Apoio à Família em Osasco, no qual fui voluntária por 18 anos. Em 2002 ao visitar uma feira de artesanato em Recife, deparei-me com as bonecas de pano ancestrais, com as quais brincava em minha infância e com a sensação de nostalgia causada pelas reminiscências comprei todas as que encontrei, foram as primeiras vinte bonecas. Esse reencontro reforçou uma ideia que estava em construção: trabalhar com grupos de mulheres com temas diversos e inerentes ao universo feminino, divididos em encontros semanais. Durante esses encontros, decidi inserir as bonecas de pano ancestrais adquiridas na feira de artesanato em Recife, ao inserir estes personagens em seu trabalho, elas começam a ter múltiplas vozes e muitos fenômenos aconteceram com as mulheres do grupo. Percebendo a potencialidade das bonecas de pano ancestrais, fui até a cidade natal de minha mãe em Crato-CE. Junto com uma prima com quem brinquei na infância (que também tinha lembrança das bonecas de pano), deixei-lhe uma incumbência: produzir as bonecas de pano para utilizá-las com outros grupos de mulheres. Fenômenos continuaram a ocorrer, não só com as mulheres dos grupos, mas, também, com mulheres de Crato- CE, que começaram a produzi-las. Das encomendas de bonecas de pano, para mediar outros grupos das oficinas promovidas em vários contextos sociais, nasce a pesquisa do método Tatadrama, que até 2005 era chamado trabalho com bonecas de pano da Cultura Popular Brasileira. Com o apoio e orientação de lideranças científicas vem a necessidade da fundamentação da identidade e do nascimento do método. Na busca por mais compreensão cientifica busquei a formação em Psicologia. Isto remete a compreender hoje, por outros meios, as marcas mais fiéis desse ato de amor de minha mãe ao passar tantos ensinamentos através da tradicional arte das bonecas, feitas com agulha, linha, sobras de pano, enchimento de algodão e muita imaginação. Após compreender essas mensagens, fui levada, muitos anos depois, a me reencontrar com esse saber, mas para analisá-lo do ponto de vista da ciência e do comportamento humano. 25
Pela minha decisão de resgatar e reviver o contato com esse objeto (símbolo), as experiências de minha infância dão a base para transformação e aplicabilidade educativas como técnicas de trabalho. Foi desta forma, despretensiosa, que nasceu a inserção das bonecas de pano ancestrais, que anos depois foi denominado de Método Tatadrama. A concretização do seu mecanismo de ação, se tornando uma abordagem sistemática de atividades que permitem a manifestação de sentimentos, emoções e formas espontâneas de relacionamento, focando o valor da subjetividade de cada participante. Mediante processos participativos, dinâmicos e lúdicos aspira-se criar um espaço de reflexão, acompanhando as características de cada grupo. Quer dizer que de uma maneira geral, o objetivo dos trabalhos realizados com método TATADRAMA é o de produzir esse espaço de vivência e reflexão, dando a oportunidade para a pessoa expressar, sua história de vida e as suas emoções e ao mesmo tempo de recompor a personagem que desempenha e representa no papel social que estiver sendo considerado. Portanto, o TATADRAMA, se constitui num instrumento de auxílio para dimensionar o universo dos sujeitos participantes nas suas inquietações pessoais, sociais, educacionais, culturais e de saúde. A construção desse projeto vislumbrou avanços e práticas profissionais, em vários contextos sociais, contextos ao ar livre, tendo como desafio desenvolver modos de atuação, inclusive em comunidades indígenas. O processo iniciou-se da prática, posteriormente mostra-se na área cientifica em Congressos, Jornadas e simpósios nascendo a necessidade e desejo de fundamentação teórica, com essas ressonâncias nasce a necessidade de transmitir o aprendizado através de livros, artigos e posteriormente cursos, para instrumentalizar outros profissionais. Através da experiência, tive em mãos uma ferramenta agora embasada teoricamente possibilitando intervenções em aspectos psicológicos e subjetivos do indivíduo, para atuar em pequenos, médios e grandes grupos, podendo ser aplicado em Instituições, Universidades e coletivos diversos, abrangendo a área da educação, saúde, esporte, cultura e comunidades, entre outros. Para cada Oficina da Vida: Método Tatadrama, independentemente de ser 40 horas, 12 horas, 8 horas ou 3 horas, sempre foi feita uma pesquisa, missão e valores, local, perfil 26
do público, quantidade de pessoas, objetivo geral, objetivo específico, qual seria o tipo de intervenção, educacional , social, terapêutica ou psicoterapêutica, esse processo de avaliação sempre foi o disparador para a construção do trabalho, que independente do mecanismo de ação ser o mesmo, ele é criado a adequado singularmente para cada ambiente, tornando-se um evento único, pois tem uma logística complexa de pesquisa material e necessidades diversas na sua produção. Tendo em seu processo de construção tanto para desenvolvimento de grupos em situações diversas, como organização de coletivos para atividades de participação social e comunitária, um planejamento identificando demandas e avaliação de planos de trabalho. Antes de adentrar ao processo de trabalho da metodologia, procedimentos e técnicas utilizadas em seu mecanismo de ação, destacarei algumas intervenções para dar noção ao leitor da versatilidade do método.
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ÁREAS DE ATUAÇÃO: Esporte. O método na São Silvestre. A preparação e participação em uma corrida misturam sentimentos contraditórios, como ansiedade, medo, paralisação, que interagem com a sensação de desafio, determinação, superação e prazer. Inseri o método Tatadrama para o pelotão feminino de elite da Corrida Internacional de São Silvestre. Durante a oficina, as corredoras compreenderam que o interesse individual poderia transformar-se no desejo comum: fazer uma boa prova e completar o percurso, sem perder o foco, meta e objetivo. Por meio da transformação dos bonecos de pano e todo o mecanismo de ação do método Tatadrama, as atletas fizeram reflexões sobre situações reais da prova que exigem colocar o que têm de melhor em termos de determinação, resistência e dedicação à meta proposta. A atleta Maria Zeferina Baldaia, que já foi boia fria, em Sertãozinho (SP), participou da oficina e foi a campeã da prova naquele ano, vencendo atletas de todo o mundo. Na época, declarou que a participação na oficina do Método Tatadrama, havia influenciado em seu desempenho e contribuiu para obter aquela conquista que lhe deu outra perspectiva de vida. A "Corrida de Rua" é um ambiente que agrega várias e ricas experiências e aprendizado, mas ao mesmo tempo um ambiente que abriga sofrimento, cobranças, pressão e estresse. A saúde física do atleta é trabalhada por técnicos, atletas consultores, dirigentes, preparadores físicos, médicos e fisioterapeutas, mas as demandas emocionais, seus conflitos, lesões inexplicáveis e estresse são relegadas a um segundo plano. A cada Oficina realizada com o método Tatadrama, o atleta, valorizado como indivíduo, traça um objetivo pessoal para a prova, consciente da importância de sua participação como indivíduo, cidadão e agente social de transformação. Este é um projeto que deu certo e promoveu resultados aplicados a mais de 1.300 atletas, incluindo seus familiares.
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Comunidades. Oficina
Pedagógica
Tatadrama:
Práticas
Sócio
educativas
Promovendo
Empoderamento. Entidades Promotoras da Oficina: APAC - Associação de Proteção ao Condenado CASA - Casas Assistencial Semente do Amanhã UFSJ - SÃO JOÃO DELREI - A proposta dessa Oficina Pedagógica Tatadrama, em co-produção com a metodologia APAC, foi criar um espaço para a reflexão, na diversidade dos grupos, em processo participativo e dinâmico, assim conduzindo para que cada recuperanda descubra ou redescubra quais são seus reais valores desvinculados de estigmas e marcas sociais. A oficina também se propôs a conscientizar as recuperandas sobre seu papel como autoras de ações transformadoras a partir da reflexão sobre o conceito de empoderamento. Tendo o Decálogo da APAC como disparador e os bonecos de pano ancestrais como objeto mediador e norteador das ações, reflexões, sentimentos, emoções e relações despertadas , algumas nunca haviam brincado de bonecas. No Equador, na Casa de la Niñez – Fundacion Patronato Municipal San José - Quito - , promovido em parceria com a escala de Psicodrama - Promovemos uma oficina do Método Tatadrama, dirigido a mulheres beneficiarias do projeto do Centro de La Experiencia del Adulto Mayor, instituição que pertence a fundação. Nossa proposta teve como objetivo trazer reflexões “O valor cultural de preservar um bem imaterial na construção de uma identidade” A cultura popular surge e nasce em circunstâncias de imensa pobreza e tem uma função social, o fruto do trabalho intelectual tende a ser coletivizado e o bem imaterial é partilhado. A cultura popular é algo imaterial, através do contato popular que se passa de geração para geração se transformando em arte popular, assim, o fator cultural protege o bem imaterial. Público 50 pessoas, a maioria mulheres do campo e indígenas. Uma indígena transformou sua boneca em uma secretaria, disse que tinha sonho de trabalhar nessa função para auxiliar sua família e um dia estudar, mas manteve na cintura da boneca, um adorno indígena, o cinto de proteção e compartilhou que tem muitos sonhos do homem branco, mas jamais quer perder suas raízes ancestrais.
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Clínica Depoimento: Silvia Chiapa, aluna de Psicologia (depoimento autorizado): “Minha experiência com o Tatadrama foi em 2011, quando estava completamente perdida. Tinha que tomar atitudes radicais em minha vida, mas não tinha coragem. Neste momento, tive a oportunidade de participar do Tatadrama, onde conheci pessoas que também buscavam transformar suas vidas, mas por alguma razão não conseguiam. A experiência foi tão profunda que eu consegui buscar, com a ajuda de Elisete Leite Garcia, a criança adormecida que estava guardada dentro de mim. A dinâmica do Tatadrama me fez passar novamente pela infância, adolescência e chegar na maturidade com toda força de uma mulher corajosa, brava e guerreira que sempre fui mas não sabia. Descobri que posso mudar a minha vida, posso ousar, posso ser filha, mãe, esposa e mulher. Uma mulher sem medo de viver, sem medo de ser feliz”.
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FUNDAMENTOS TEÓRICO-PRÁTICOS DO MÉTODO TATADRAMA.
O método Tatadrama se sustenta em quatro pilares teóricos: o Psicodrama, o Sociodrama, a teoria do brincar e a psicologia reichiana, através do recorte da curva orgástica. Um importante conceito da Psicologia Reichiana assimilado pelo Tatadrama é o conceito de Curva Orgástica. Em suas pesquisas sobre biologia e fisiologia, Wilhem Reich constatou a existência de um ritmo natural presente em todo e qualquer organismo vivo, a saber: uma tensão mecânica que gera uma carga energética, aumenta até o limite da suportabilidade, sendo então descarregada ocasionando um relaxamento, o qual é sentido como prazer. Esta fórmula em quatro tempos (tensão mecânica – carga energética – descarga energética – relaxamento mecânico) foi denominada por Reich como fórmula do orgasmo ou fórmula da vida. No mecanismo de ação do Tatadrama utilizam-se dinâmicas sensoriais e auto perceptivas que seguem a curva orgástica em seus quatro tempos. A curva orgástica é utilizada na estruturação da proposta de trabalho, sendo o alicerce que permite encontrar os pontos sensíveis a serem sustentados e amparados junto a cada grupo e cada situação trazida. A essência desse método é agrupar as diversidades e os sentimentos, conduzindo a uma sistematização dos procedimentos e das dinâmicas, a saber:
AQUECIMENTO a. Descondicionamento do olhar através do uso de imagens. b. Dinâmicas corporais autoperceptivas. c. Trabalho sensorial, concentrando-se no despertar dos cinco sentidos
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DRAMATIZAÇÃO a. De uma coleção variada de bonecas(os), cada participante escolherá um (uma) que tenha a ver consigo mesma(o), iniciando o trabalho de observações sobre a(o) boneca(o) (percepções, sentimentos, emoções e associação livre). b. Ponte entre o personagem e o ser, introspecção, descobertas, reflexões e insights. c. Transformação, produção das vestimentas e ornamentações da(o) boneca(o). d. Cenas dramáticas, que dão voz ao personagem. COMPARTILHAMENTO Reflexão em grupo, contextualização e perspectivas refletidas na boneca de pano ancestral. É no momento da contextualização e da customização que emergem os segredos guardados, muitas vezes desde a infância, escondidos no inconsciente, vêm à luz da percepção para que sejam transformados.
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AS BONECAS ANCESTRAIS COMO OBJETO INTERMEDIÁRIO As bonecas de pano cumprem a função de objeto intermediário do Tatadrama. O termo objeto intermediário foi introduzido pelo psicodramatista colombiano, radicado na Argentina, Jaime Rojas-Bermúdez (1970). Esse conceito surgiu na década de 1960 a partir do uso de fantoches em trabalhos com pacientes psicóticos crônicos, oportunizando a comunicação, a expressão de sentimentos, favorecendo o aquecimento e propiciando vínculos bem como o estímulo na evidência dos conflitos. O conceito de objeto intermediário traz uma comunicação em que o sujeito não expõe sua individualidade, mas produz um contato com seu mundo subjetivo e uma relação com o seu “verdadeiro eu”, favorecendo e ampliando uma comunicação interrompida consigo mesmo. Assim, o objeto intermediário estabelece-se como um facilitador de expressões emocionais e sentimentais, propiciando um dialogo entre instâncias psíquicas, além de um contato com o “tu” e o “nós”. No Tatadrama, a boneca de pano passa a ser esse objeto intermediário, banhada de valores históricos, sociais e culturais. É a representação da imagem do ser humano em sua diversidade, com uma força plástica interna. Graças ao seu próprio estilo e singularidade, propicia fantasias e perspectivas do ponto de vista psíquico. A versatilidade da boneca de pano para atuar em diferentes questões, em grupos diferenciados e com temáticas diversas, atreladas às características de cada boneco, revela um potencial inovador, decorrente do fato de colocar a comunicação a serviço dos jogos simbólicos. A boneca propicia aos participantes a possibilidade de ampliar sua visão sobre o mundo, tudo isso entre linhas, agulhas, retalhos, enchimento de algodão e muita imaginação. As bonecas de pano utilizadas no Tatadrama são produzidas pelas singelas mãos das bonequeiras-artesãs em formato de miniaturas humanas, as quais transmitem ternura (um gesto de amor) e se inserem nas qualidades do conceito de objeto intermediário formulado por Rojas-Bermúdez (1970), sendo um artefato lúdico que permite aguçar o imaginário, cumprindo a função de ideal do ego. O sujeito sempre transforma a boneca a partir de sua própria história. Dessa forma, a boneca representa relações infantis, desejos, medos, vitórias, ansiedades e angústias. No entanto, esse turbilhão de sentimentos não produz uma reação de alarme no sujeito, pois a boneca, enquanto objeto intermediário transmite afeto, se torna real e concreta, já que 33
os participantes (além de transformá-la em seu objeto de desejo) levam consigo esse personagem. A boneca é o núcleo da espontaneidade e da criatividade no Tatadrama, possibilitando revelações, idealizações e transferências emocionais por meio da transformação, contextualização e perspectiva. Dramatização: ao dar fala ao boneco transformado, em um cenário simples, pode-se ampliar e recriar a memória corporal, mobilizar, silenciar ou revelar o cotidiano, fornecendo indicações sobre o inconsciente, aptidões, desejos, aspirações e necessidades. Realidade e fantasia unem-se na catarse emocional. O objeto intermediário pode trazer ao mundo real a subjetividade do participante, possibilitando o surgimento da ação psicodramática dos próprios sentimentos e do relacionamento com os membros do grupo. Permitindo novas formas de lidar com situações atuais ou antigas, podem surgir sentimentos agradáveis ou não, mas nunca indiferentes. Sobre esse assunto, Buchbinder (1996) afirma que nos jogos há a ilusão de recuperar a globalidade perdida no curso da própria história. É o que se observa no Tatadrama, pois os participantes penetram em camadas profundas de si mesmos durante a transformação do boneco.
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O ATO DE BRINCAR E O MÉTODO TATADRAMA O ato de brincar tem por base um dos pensamentos atribuído a Platão (428 - 347 AC) “Você pode descobrir mais sobre uma pessoa em uma hora de brincadeira do que em um ano de conversa”, com a finalidade de resgatar potencialidades que por motivos sociais e culturais estejam adormecidas, propiciando aos participantes a obtenção desta percepção. O ser humano tem duas importantes características: a razão e a emoção. Quando se brinca perde-se a noção de tempo e espaço, onde a emoção sobrepõe à razão. No brincar mistura-se fantasia e realidade, possibilitando que cada um tenha a experiência única e intransferível, onde o corpo, o pensamento e as sensações se manifestam espontaneamente em sentimentos reais. Para consolidar ou para se ter um equilíbrio entre as potencialidades pessoais e as exigências sociais, torna-se necessário uma dose de emoção, onde o lúdico contribui no mecanismo de adaptações. O lúdico, em seu mecanismo, conduz à subjetividade, afetividade, troca de valores e sentimentos, dando o encanto misterioso do sonhar, despertando a emoção. Assim, a emoção aflora e consegue neutralizar um pouco da razão crua e fria, conquistando o equilíbrio.
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PSICODRAMA E SOCIODRAMA O psicodrama foi criado em 1925 por Jacob Levy Moreno (1889-1974), que, ao se interessar pelo Teatro fundou em 1921 o Teatro Vienense da Espontaneidade, experiência que constituiu a base de suas ideias do Psicodrama e da Psicoterapia de Grupo. Segundo Moreno (1984): “existem possibilidades ilimitadas para a investigação da espontaneidade no plano experimental”. Portanto, a proposta do Teatro da Espontaneidade era de criar uma representação espontânea, sem texto pronto e decorado, onde os atores criavam as cenas no momento, as quais se relacionavam com a plateia. O Psicodrama é um método psicoterápico e socioeducaional de grupo, baseado na ação simbólica, no “aqui e agora”, no “jogo do faz de conta” e do “como se” assemelhandose à ação da criança que resolve muitas de suas dificuldades e tensões através da imaginação criativa e criadora e da espontaneidade. Moreno como pai do psicodrama acreditava que, enquanto Seres Humanos, somos fundamentalmente seres de ação, e que temos vontades de ação que, até serem satisfeitas clinicamente, procurarão gratificação na vida. Ele procurou criar um ambiente clínico no qual estas “fomes de ação” pudessem ser exploradas e resolvidas, um palco clínico em que o entendimento e a percepção se refletissem, ele sentia que, se a dor pudesse ser “purgada” através da representação, a tendência para recriar dinâmicas relacionais disfuncionais na vida diminuiria. O psicodrama torna possível a expansão da realidade através de meios não usados na vida real. O Sociodrama é definido como o método profundo de ação que trata de relações intergrupais e ideologias coletivas. O grupo em Sociodrama corresponde ao indivíduo no Psicodrama e o sentido do Sociodrama é trabalhar as relações em nível social de grupos pré-formados. O Sociodrama visa ressignificar os vínculos sociais para possibilitar mudanças efetivas de valores, assim como o treinamento no desempenho de papéis sociais.
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TATADRAMA: UMA ABORDAGEM TERAPÊUTICA TRANSDISCIPLINAR “Moreno define o Psicodrama como sendo um método para aprofundar o estudo da alma através da ação. Nesse sentido é que eu dou as boas-vindas para o Método Tatadrama como uma nova e valiosa contribuição para o Psicodrama. As bonecas passam a pertencer ao rico mundo criado por Moreno através da Elisete Leite Garcia”.
(Dr. Dalmiro M. Bustos Instituto de Psicodrama J. L. Moreno) Tasso Scaff, Coordenador de Relações Institucionais da Unipaz – DF, Conselheiro Deliberativo da Fundação, Cidade da Paz – Funcipaz sempre acompanhou o processo do desenvolvimento do Método Tatadrama e diz: “Quando Elisete Garcia me apresentou à sua criação mais querida, o TATADRAMA, fui tomado imediatamente pelo sentimento de que estava diante de uma proposta verdadeiramente inovadora, pela sensação de que estava entrando em contato com a semente de um novo pensar e, porque não, com um belo sonho inspirador para a arte do cuidado e para a transformação do Ser Humano, uma contribuição efetiva para todos aqueles que desejam fixar nossa rota rumo a um mundo mais justo, mais pacífico e mais feliz. O foco da prática terapêutica desenvolvida por Elisete são as bonecas de pano ancestral, resgatadas da tradição nordestina, produzidas pelas Bonequeiras no Pé de Manga, Crato-CE, que no decorrer da dinâmica do TATADRAMA, cada participante transformar amorosamente a sua boneca a partir de um conceito de identidade, em um ambiente cheio de sensibilidade e cumplicidade. Uma boneca assim construída é um símbolo riquíssimo em afetividade e conteúdo. Essa propriedade proporciona-lhe o poder de conquistar a imediata empatia do participante, facilitando decisivamente a adesão ao processo. O aspecto lúdico e prazeroso da dinâmica abre o espaço para a reflexão e para a criatividade, descortinando o mundo do imaginário rumo à construção de um projeto transformador. O símbolo é o visível que aponta para o invisível. Neste sentido, o símbolo-boneca aponta instantaneamente para dentro de cada um e também para fora, para o mundo das suas relações e conexões com a vida social e com o meio ambiente. Permite que ele, 37
agora transformado em artesão de bonecas, resgate os seus próprios símbolos e os atualize, tornando-se também o artesão de si mesmo e da sua própria vida. Ao realizar o contato com sua boneca-avatar, o participante se coloca diante da possibilidade de se afirmar e de se reinventar. E ainda, como está brincando, pode sentir-se livre para desfazer, reconstruir, inventar, modificar. O Tatadrama, pela sua dinâmica, é capaz de ativar, simultaneamente, os quatro pilares, razão, sentidos, emoção e intuição e, por meio deste caminho, integrar ciência, filosofia, tradição
e
arte,
proporcionando
uma
abordagem
terapêutica
efetivamente
transdisciplinar. Ciência, porque foi construída sobre sólidos alicerces do psicodrama e do sociodrama e se conduz na busca de conciliar técnicas consagradas e metodologia sistemática, para dar suporte ao inesperado criativo que se há de constituir por meio do inusitado do processo. Filosofia, pela concepção do método que alia metodologia psicodramática a um novo pensar terapêutico construído a partir de vivências concretas que permitiram ao binômio intuição-razão atuar como fator fundamental na concepção da aplicação prática. Também, porque, a partir de feedbacks estruturados, possibilita que a reflexão intuitiva produzida pela dinâmica do grupo, seja elaborada como teoria ou projeto de vida. Tradição e Arte são os aspectos mais evidentes do TATADRAMA. É claro que quando se unem costumes ancestrais, ligados intimamente às raízes de um povo, à pratica da construção de bonecas, modeladas pela ação do sensorial e da emoção, resultando em harmonia, beleza, entretenimento e transformação é porque estão se resgatando, de maneira integrada, Arte e Tradição, estes dois fantásticos pilares do saber humano tão esquecidos por esse nosso mundo normótico, desequilibrado pelo peso da tecnologia.
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ESTUDO DE CASO
A violência mantida em segredo emerge na boneca de pano Mulher, 26 anos, casada há oito anos, tem um filho de quatro anos, depende emocionalmente do marido agressivo, com profundo sentimento de rejeição, abandonada pelo pai na infância e com mãe ausente. No início da terapia foi resistente por temer se ausentar de casa e o marido notar. Sua família também a acusava de passar muito tempo fora de casa, usando o filho como refém desse argumento. Seu desespero era tão grande que a fez vencer seus medos e iniciar a oficina. A oficina teve como proposta trabalhar o autoconhecimento e o pensamento autônomo, através de atividades lúdicas com um grupo de 30 mulheres por 40 horas. A participante percebeu quanto sua relação estava desgastada, que as muitas idas e vindas não a nutriam mais; tomou consciência de que seu homem não a valorizava como mulher, nem no aspecto físico, nem em seu potencial criativo. Teve coragem e oficializou a separação do casal. Não foram dias fáceis, mas ela tinha a sensação de que algo novo e bom estava nascendo: "De repente, durante essa vivência, senti como se estivesse expelindo minhas entranhas e a presença daquele homem de minha vida. Senti como se estivesse tirando todo esse mal com minhas próprias mãos. Eu me senti capaz de mandar toda aquela relação falida para fora do meu mundo". A participante percebeu que poderia tomar suas decisões, que não queria mais ser dependente emocionalmente e adquiriu sensação de autocontrole e de empoderamento para superar as dificuldades e iniciar sua nova vida. Anos depois, ela reapareceu para outra atividade do Tatadrama e trouxe sua boneca antiga. As roupas e acessórios escolhidos transformaram a simples boneca de pano na Mulher-Maravilha, heroína com superpoderes que aparece em filmes, dotada de grande força física e equilíbrio para vencer as lutas contra o mal. A participante também precisou de muita coragem, força e determinação para vencer a batalha de transformar e reconstruir sua vida: terminou a casa própria, comprou um carro e voltou aos estudos. Agora segue mais confiante, reconhece seu potencial e abriu seu coração para o novo amor de um homem que a respeita. 39
Essa oficina, realizada só com mulheres, favoreceu o sentimento do cuidar, do acolher, da empatia e a essência da cumplicidade do feminino. Vieram à luz diversas formas de violência doméstica: ter um marido déspota; ser malvista pela família por ser separada; não ter liberdade para sair com as amigas; ter um marido muito ciumento/controlador/ alcoólatra; saber da existência da "outra", mas suportar a dor por ser dependente financeiramente do marido; sofrer um aborto e não ter o acolhimento da família por ser mãe solteira, mesmo sem ter sido mãe; ser expulsa de casa por causa de uma gravidez precoce; ter um marido que culpa a esposa por um filho ser homossexual ou deficiente; ter um marido que dá "tudo" para a esposa, mas em troca ela perde a autonomia; ter tripla jornada de trabalho para sustentar os filhos e o marido que vive desempregado; ter abandonado seus filhos pelos descaminhos da vida; fingir o orgasmo por desinteresse sexual ou por falta de carinho nesse momento íntimo. Eram mulheres que tinham em comum um sentimento de incapacidade de realizar seus sonhos e seus desejos. A boneca de pano é mediadora de reflexões no ato de brincar, como se pode ver ao associar o caso relatado e as oito qualidades de Rojas- Bermúdez: Existencial Real e Concreto: A Mulher-Maravilha como centro e alicerce da renovação de uma vida. Inocuidade: O ato de transformar de modo inofensivo e a reflexão profunda de processos destrutivos e construtivos nas relações sociais, nos quais a Mulher-Maravilha representou fonte interna da mulher corajosa e forte. Maleabilidade: A flexibilidade de transformar uma boneca em uma heroína como representação de um papel coberto de caráter e valores. Transmissor: O Objeto Intermediário foi utilizado como fio condutor para transmitir mensagens subjetivas transpostas através da criatividade e da expressão como interlocutor, transformando-se em um veículo de comunicação, substituindo o vínculo e mantendo a necessária distância para a transmissão do saber. Adaptabilidade: De modo sutil, possibilitou à participante dar asas à imaginação, com espontaneidade em sua totalidade ao se transformar em Mulher-Maravilha. Assimilabilidade: Conseguiu, na qualidade de transmissor, passar ao grupo o conteúdo do aprendizado de forma fácil e assimilável por todos, com a criação de uma relação de
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intimidade como identificação de si mesmo, estabelecida entre a teoria e os valores subjetivos, na projeção das pulsões mobilizadas na contextualização. Instrumentabilidade: A boneca transformou a mulher sofrida em heroína. Identificabilidade: A identificação com a Mulher-Maravilha, forte, segura, corajosa, linda e capaz de sustentar a carga moral, social, emocional e com valores como foco de equilíbrio e estrutura familiar no processo construtivo. O método Tatadrama não é só uma técnica que conjuga subjetividade e informalismo, mas mantém uma preocupação singular com a herança cultural e a memória coletiva. Ao criar esse espaço de reflexão em um ambiente acolhedor com adultos em vários contextos sociais, busca-se propiciar, com o ato de brincar com a boneca de pano, a liberação, a transformação e o autoconhecimento do sujeito. As bonequinhas de pano que fazem parte da proposta do TATADRAMA, respondem a estes critérios. Pela sua simplicidade, pelo seu formato e pela sua consistência, a boneca de pano da cultura popular possibilita a participação de indivíduos de várias origens, classes ou condições sociais, bem como de todas as faixas etárias. Como podem ser modificadas em todos os sentidos – desde a estrutura dos membros, das vestimentas e dos cabelos – é possível projetar na boneca símbolos e imagens relacionadas à vivência de cada participante. De fato, o ato de customizar o boneco permite que os sujeitos descubram ou redescubram quais são seus reais valores, desvinculados de modismos ou padrões estéticos e sociais atuais, bem como tem a oportunidade de reelaborar e ressignificar conteúdos e inquietações a respeito de seus aspectos pessoais, sociais, familiares, culturais, entre outros.
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CONTRIBUIÇÃO DO TATADRAMA AO PROJETO SOCIAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA DAS MULHERES BONEQUEIRAS NO PÉ DE MANGA – CRATO As bonecas de pano de Crato - CE constituídas como objeto intermediário para o resgate das identidades individuais e coletivas das participantes das oficinas de Tatadrama propiciaram o nascimento do grupo de “Bonequeiras no Pé de Manga”. O artesanato que elas fazem é a primeira parte da cadeia do projeto que foi sendo construído a partir desse núcleo de pessoas humildes do Nordeste dando início às oficinas onde são utilizadas as bonecas de pano. A confecção das bonecas estimulou a criatividade da comunidade de Crato, atingindo outros grupos carentes. O valor social inicialmente despertado através deste projeto foi o senso de participação desenvolvido nas bonequeiras ao perceberem a importância, o significado e o objetivo do seu trabalho numa convivência solidária. A cada encomenda era transmitido o perfil do grupo que iria utilizar as bonecas para terceira idade, para grávidas, atletas, sempre caprichando nas características de idade, raças, estada físico e sentimentos. Isto gerava discussões entre elas e pesquisas das imagens sobre o papel que as bonecas iriam desempenhar. Para aprofundar esta tendência foram realizadas oficinas na modalidade Tatadrama com as bonequeiras. Puderam assim refletir sobre os seus sonhos, conflitos e suas lembranças das brincadeiras infantis com bonecas de pano feitas pelas mães, tias e avós. A apropriação da identidade individual e coletiva possibilitou o resgate de energias criativas para a sua inserção na construção do projeto de mão dupla: Bonequeiras no Pé de Manga e oficinas de Tatadrama. O Psicodrama e o Sociodrama utilizados com as sistemáticas adotados pelo Método Tatadrama, conseguiram influenciá-las produzindo outros trabalhos comunitários que mesmo a distância repercutiram em ressonância expressando as suas potencialidades. Ao abrir possibilidades para ampliar os contatos junto à sociedade e entidades da comunidade local, obtiveram reconhecimento, respeito e novos significados para suas vidas. Onde o valor do papel profissional (bonequeiras) – mulheres produtoras de bonecas de pano da cultura popular brasileira – se tornou a identidade deste grupo como referência O projeto de Economia Solidaria, “Bonequeiras no pé de manga” envolve valores constituídos por respeito, construção coletiva, autonomia, comprometimento, acolhimento e muita criatividade. Esta inclusão social das mulheres do agreste nordestino ao resgatar seu potencial feminino como artesãs bonequeiras possibilitou o empoderamento, o respeito e reconhecimento da família e da comunidade, desenvolvendo cidadania, identidade, 42
pertencimento, criação e responsabilidade social por serem preservadoras de um bem imaterial da Cultura Popular Brasileira tornando-se agente sociais de transformação, contagiando outros grupos de mulheres.
(GARCIA, 2010).
“Eu estava vendo a vida passar pela janela, essas bonecas me trouxeram alegria e esperança. Mudaram a minha vida.” Gertrudes Leite Oliveira Santos (coordenadora do Grupo).
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O SONHO DA BONECA MENINA OU DA MENINA BONECA. Com quatro anos de vida eu só tinha uma certeza: queria ter uma boneca loira e bem linda! Vim ao mundo pelas mãos de uma parteira, num barraco de dois cômodos, onde já moravam meus pais e meus quatro irmãos. Ali, apertadinha, vivi os primeiros anos de vida. As paredes de madeira, para mim, não tinham cores, pois eu via tudo cinzento, até os chumaços de jornal velho que tapavam as fendas das tábuas das paredes, que nos protegiam do frio, pareciam cinzentos e nebulosos. No quintal, entretanto, havia cores. Nosso pequeno jardim, que era o meu espaço preferido, abrigava margaridas, roseiras de várias cores e muitas outras plantinhas cultivadas em latas. Ah, como eu gostava do poço de onde mamãe tirava água! Com a ajuda de pequeno balde amarrado a uma corda, ela tirava a água com que ia preparar nossa refeição, dar nosso banho e lavar nossas roupas. Minha mãe, retirante nordestina, era exímia na confecção de bonecas de pano. Enchiame de amiguinhas de pano produzidas com as próprias mãos. É bem provável que, por meio das bonecas, ela imaginasse que poderia preencher meu mundo com personagens irreais, imitando os que já existiam ou ainda complementando meu universo imaginário com o amado anjinho, a madrinha, a titia, a vovó e outros personagens feitos de boneca de pano. Não obstante a beleza e singeleza das minhas bonecas de pano, ainda não satisfazia o meu maior anseio: ter uma boneca de verdade, de plástico, com cabelos loiros iguais aos meus, que eu pudesse pentear, trançar e acariciar. Uma boneca que eu pudesse vestir, alimentar, proteger, dar toda a atenção e carinho que eu não sentia receber. Por ser impossível comprar a boneca que eu tanto sonhava, tinha o desejo que alguém pudesse jogar uma no lixo, então ia com frequência ao lixão que havia em frente a nossa casa, com a esperança de encontrar a boneca de plástico lá. Como em todo conto infantil, eu também tive uma “fada madrinha”, minha madrinha de batismo, uma senhora que eu respeitava muito e a quem eu sempre pedia a benção, como era o costume da época. Ela morava num lindo barraco pintado de amarelo e com um piso de cimento vermelho sempre muito bem encerado, dava gosto de ver!
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Foi desse palacete que saiu a tão sonhada “Guigui”, que ganhei de presente da minha madrinha. A linda boneca, grande, quase do meu tamanho, era a realização do tão acalentado sonho. Tinha olhos azuis que abriam e fechavam, bochechas bem vermelhinhas e, o mais importante, lindos cabelos cor de ouro. Como se pressentisse que minha menina boneca precisava morar num ambiente com mais cores e proteção, meu pai adquiriu um terreno e deu início à construção de nossa nova casa, que seria de tijolos. Eu e Guigui saltitávamos em torno da obra apreciando o trabalho dos pedreiros, imaginando a nova morada. Pulávamos como pequenas índias abençoando a transformação do amontoado de tijolos em paredes. A construção, em pouco tempo, transformou-se num belo sobrado com quatro cômodos, varanda, água encanada e um belo pé de jaca no quintal. Eu e a minha loirinha éramos uma só, estávamos radiantes com tanto luxo. Entretanto, era no pé de jaca que nos transportávamos para o nosso mundo imaginário. Meu irmão mais velho adaptou um banquinho de madeira entre um galho e outro, onde só cabia o meu pequeno traseiro, e era desse ponto nobre do pé de jaca, que eu e a Guigui, sempre no meu colo, apreciávamos a garoa, o sol, o vento no rosto, sorríamos e sonhávamos. Lamentavelmente os tempos de risos e sonhos foram breves, precocemente fomos expostas à maldade que não imaginávamos existir no ser humano. Eu estava com 6 anos e, invariavelmente, às terças-feiras, quando meus irmãos estavam na escola e minha mãe ia à feira, um jovem da vizinhança, bem maior e mais forte do que eu, invadia o nosso quintal, tomava a Guigui dos meus braços e “namorava” com ela, no entanto, era para mim que ele ficava olhando enquanto praticava seu ritual de gozo. Fazia isso rindo de prazer ao ver o meu sofrimento. E assim foi durante um ano – aquele que seria o mais longo da minha infância. Na primeira vez em que isso aconteceu, fomos, eu e Guigui, ao pé de jaca e lá no nosso banquinho, abri minha torneirinha de lágrimas chorando por mim e por ela. Sentada ali, prometi que um dia iríamos contar para todo mundo o nosso sofrimento. Queria consolar a minha boneca e não conseguia, minhas lágrimas caíam misturando-se à terra batida e eu sofria. Eu sentia a obrigação de proteger a minha criança ferida, abusada e assustada. Queria contar para os meus pais, mas o medo de que não acreditassem em mim e me castigassem duramente, imaginando que eu estivesse contando uma mentira, me impediam de fazê-lo. Eu pensava que a culpa pudesse ser
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minha, talvez eu tivesse irritado o jovem de alguma maneira e ele quisesse se vingar de mim. Sentada em meu banquinho na jaqueira, calçando sandálias brancas de plástico, balançava as pernas tocando as rendas cor-de-rosa do meu vestido, que era igual ao da minha boneca, ambos costurados por mamãe. Eu indagava: “Como alguém pode ser tão insensível? Por que comigo? Por que com a Guigui? Por que ele não a tratava como eu? Por quê?” O vento no rosto e o calor do sol eram o nosso alívio, nossa consolação. Os galhos da jaqueira nos envolviam simulando o abraço acolhedor de que tanto necessitávamos naquele momento de dor. Num dos dias em que fiquei sozinha em casa, me escondi com a Guigui dentro do guarda-roupa, de lá ouvia os passos do nosso perseguidor andando pela casa à nossa procura. Eu sentia a maciez das toalhas, o acolhimento do paletó do papai, o cheiro da mamãe em seu vestido e imaginava que toda a família estava ali, conosco, nos protegendo. Tentava não demonstrar o meu pânico para a Guigui. Pensava: “Calma, está tudo bem, ninguém vai nos machucar.” Queria acreditar naquilo, mas o sádico nos encontrou e tirou a boneca de minhas mãos com violência, e naquele instante tive saudades do barraco cinza em que morávamos, talvez lá estivesse mais protegida. Com um sorriso macabro, típico de pessoas que sentem prazer com o sofrimento alheio, nosso algoz desenvolvia o seu ritual de atrocidades e eu ficava paralisada sentindo o dilaceramento da minha inocência ao vê-lo ferir a minha criança e abusando do que era sagrado para mim. Agora, mais do que dos galhos, eu precisava da raiz, do tronco, enfim, de todo o pé de jaca, meu companheiro fiel, silencioso, discreto e acolhedor. Sentada no meu banquinho, vendo a vida do alto e tendo os passarinhos como testemunhas, confirmei minha promessa: “Vamos dar voz à nossa história”. Além de tudo, pouco tempo após esses acontecimentos, o meu pé de jaca foi rachado ao meio por um raio, e, após muitos anos, relato os acontecimentos que feriram minha infância. As intercorrências do passado influenciaram o resgate da essência do afeto dedicado ao símbolo boneca, como um fio condutor para a inspiração de conectar essas raízes retirando das entranhas a resiliência da pureza de uma criança brincando, mas, com maturidade, desembaraçando as tramas e dramas. Desejo ao leitor que a vivência com as bonecas e os bonecos seja uma inspiração para a busca de conhecer, e resgatar a essência da criança que foi e que caminhe rumo à sentença de pedra, como a máxima 47
dos escritos de Nietzsche: “Torna-te quem tu és”, assim, livre do poder que os mitos e moralismos exercem sobre todos, inclusive das crenças e religiões, possa encontrar a mais pura essência (Garcia 2010, p. 15)
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CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA VIOLÊNCIA FAMILIAR. A violência familiar, também chamada de violência doméstica, é uma das formas contemporâneas que integram o conceito de violência social. Fazem parte deste conceito a prostituição de adolescentes induzidas pela sua condição socioeconômica; as crianças que sofrem abandono familiar e ficam condenadas a fazerem da rua sua casa e seu território, a desnutrição infantil, as diferentes formas de abuso e o uso de drogas. Em muitos casos a vítima sofre várias destas formas de violência social. Todas elas são consideradas violências sociais por serem produzidas por hábitos que a própria estrutura de dominação da sociedade impõe. A violência familiar tem como característica específica o fato de acontecer no âmbito doméstico, longe de pessoas alheias à família. Acontece como parte de relações intrafamiliares, ou seja, no que é chamado de “vida privada”. As práticas violentas tornam-se rotinas, são praticadas como forma de resolver determinado tipo de problema, são expressão de intolerância, desrespeito e sadismo. Acabam constituindo circuitos de terror de difícil solução. Acontece tanto entre pessoas de idade semelhante (adultas no geral), quanto entre ascendentes e descendentes da vítima. Podem partir do marido ou pai, pode ser do filho (a) em relação aos pais (especialmente se forem idosos). Pode ser exercida pela mãe em relação às crianças ou de um para outro membro de casais hetero ou homossexuais. Na maior parte dos casos, além do cometimento em relação à força física, ao fator econômico ou as regras morais, há na vítima fatores psicológicos que a impedem defender-se ou denunciar os maus tratos. Os trabalhos desenvolvidos nas oficinas do Método Tatadrama sempre incorporaram esta variável. É sempre inscrita no sentido de esclarecimento e compreensão do fenômeno para recuperar a autoestima, dignidade e autonomia. Pela sua abrangência e flexibilidade o Tatadrama constitui-se sem dúvida em instrumento facilitador para trabalhar questões ligadas aos direitos humanos (Garcia 2017).
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O QUE AS BONECAS DE PANO ANCESTRAIS SABEM SOBRE A FAMÍLIA. A família é definida como base da estrutura social. São pessoas convivendo por longo tempo e em papéis diferenciados, observadas as respectivas culturas e regionalismos. Cada cenário familiar dita o roteiro a ser seguido rumo à vida adulta, roteiro que quase sempre sofre questionamentos por conta das descobertas e conflitos, a cada avanço do indivíduo. Por fim, chegar à maturidade de forma capaz, é resultado de um processo diário em defesa da própria vida. As funções básicas da família podem ser sintetizadas em duas: ensino e aprendizagem. (SOIFER, 1983) WINNICOTT (1989) fala da importância dos pais para o desenvolvimento salutar do bebê. Enfatiza a mãe como primeira cuidadora, mas que, por isso mesmo, também precisa ser cuidada para ter condições adequadas à maternidade. Para ele, o holding, serve para descrever uma conduta emocional da mãe para com o filho - ao redor dos êxitos e fracassos desse holding situam-se os diferentes graus de perturbação psíquica. Em famílias nas quais o processo de desenvolvimento é ameaçador, os padrões de interação e as funções individuais enrijecem-se paulatinamente até que, finalmente, a patologia se instala na criança. Os estudos da família e da importância na estruturação de sintomas têm sido abordados por vários estudiosos que acreditam que as condições nas quais ocorre o desenvolvimento
da
criança
determinam
uma
intrincada
série
de
relações
intersubjetivas, estruturadas em redes de fantasias e de significados que só podem ser corretamente avaliadas se forem incluídas numa psicodinâmica familiar.
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A PARTEIRA E O SER TERAPEUTA O parto é um dos grandes acontecimentos na vida da mulher. Ficamos gestando meses, ou às vezes, simbolicamente, uma vida inteira, para que nasça a cria. Foi assim o parto do Genotatadrama. Para que fosse possível esse nascimento, tive uma parteira chamada Denise Gomes que teve capacidade de interagir de uma forma humanitária e holística, uma parteira sem pressa, respeitando as dores das contrações, uma aliada experiente nesse processo, que como supervisora, colocou seu conhecimento teórico e empírico a serviço deste encontro, dando suporte e continência ao acompanhar as múltiplas vozes desta cria, em processo de nascimento, respeitando o contexto familiar em que estava inserido, ouvindo atentamente cada fato histórico da família, mantendo firmemente a prontidão e flexibilidade, caso houvessem complicações no momento do parto. Agradeço à professora Denise Gomes que foi parteira, tanto do meu Genograma, quanto dessa monografia, possibilitando-me ter
tempo de gestação, sem pressa,
acompanhando-me etapa por etapa, orientando-me a resumir esta monografia. Não foi fácil reduzir as quase duzentas páginas iniciais, convidou-me a seguir por algumas direções e abandonar outras e dizendo-me o tempo todo: “Vá por onde seu coração e intuição forem guiando-a. Acompanharei gestação de seu trabalho nos encontros de supervisão”, acalentou-me e sugeriu colocar no “enxoval” apenas o necessário, pois é típico de uma gestante querer mostrar todas roupinhas de uma só vez. “Mostre seu bebê mais livre, sem tecidos enrolados, sem cueiros, não aprisione seus braços e movimentos, deixe que as pessoas o vejam do seu tamanho, nem grande nem pequeno, apenas do seu tamanho, não sendo mais necessário ficar escondido na barriga da mãe. Venha!
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O GENOTATADRAMA NASCE DA VIVÊNCIA DO GENOGRAMA. O Genotatadrama nasceu durante minha vivência pessoal do Genograma, durante a formação no Instituto Sistemas Humanos. Em 2016 estávamos no segundo ano da formação e durante a definição dos alunos da classe que iriam vivenciar a aplicação do Genograma, em seu próprio processo, para iniciar os atendimentos clínicos, num gesto espontâneo, levantei a minha mão e disse: “minha alma está pedindo que eu faça meu Genograma nesta turma”. Foi tão profundo meu pedido que os colegas e professores, de pronto, acolheram. Estava completamente mobilizada em minha formação em terapia familiar, intuía que este aprendizado, implicaria em remexer o escondido no fundo dos baús da alma, Já tinha muitas anotações, pois sempre me interessei e fui buscadora de histórias familiares. Uma das mulheres que sempre admirei e serviu como referência de criatividade e ousadia em minha vida, foi minha tia Lurdinha, de noventa e quatro anos, lá de Crato- CE. Há alguns anos atrás, pedi para que ela me contasse a história da nossa família e quase dois anos depois ela me entregou um manuscrito com as memórias da família, desde 1870, época de meus tataravós por parte de mãe. Estavam ali registrados nascimentos, separações, mortes, valores culturais e religiosos, fatos pitorescos, além das intrigas na família por questões de terras, tema que se perpetuou por muitas gerações. Fiquei meses lendo o manuscrito de tia Lurdinha, e complementei a busca de fatos indo até Crato, visitando a família, buscando mais conteúdo e descobrindo mais segredos e a partir desse processo, deu-se o nascimento do Genotatadrama. Encomendei para as bonequeiras no Pé de Manga de Crato-CE, a confecção de bonecos de pano ancestrais com as características de meus tataravós, avós, pais, tios e tias, meu marido, meus filhos e meus irmãos e sobrinhos, além de bonecos e suas diversidades para compor meus antepassados de quatro gerações, inclusive, representantes dos índios, escravos, portugueses e holandeses que ocuparam o nordeste no final do século XIX e que certamente estão em nossa linhagem. Foi muito interessante perceber que na família de minha mãe, cheguei a quatro gerações com muitas histórias de nossos ancestrais, mas na parte da família de meu pai consegui informações apenas dos meus tios e do meu avô, pois sua mãe faleceu, de um parto, quando ele tinha oito anos e não consegui muita informação sobre ela. 52
Dando início ao meu Genograma fiz em uma cartolina com os gráficos e símbolos. O Genograma começou a ficar difícil, pois eu era guardiã de um segredo familiar. Eu não tinha ideia que ao se revelar, seria tão transformador em minha vida. Creio ser este o sentimento que gritava na minha alma por libertação. Os bonecos chegaram quinze dias antes de minha apresentação, pedi para que minha irmã me ajudasse a montá-los em um tecido de TNT branco e os bonecos de pano ancestrais foram presos com alfinetes, seguindo o mesmo desenho gráfico do Genograma. Essa montagem com minha irmã Maria, a terceira de cinco irmãos, durou mais de três horas, já foi um intenso processo interno, para ambas, tivemos que parar e dar intervalos. A escolha dos bonecos e sua personalização para constituirmos nossa teia familiar foi longa. A cada boneco que manuseávamos nos remetia aos personagens e suas características, irmãos, tias, tios, avós. Esse processo era vivido com cada boneco(a), transformando-se num grande diálogo com narrativas diversificadas, conscientizações de mágoas e rancores entre aqueles personagens, pois cada uma de nós, tinha um olhar e experiências de vida distintas com pai, mãe, irmãos e tios, principalmente porque a diferença de idade entre nós duas é de oito anos. Eu sou a caçula e ela cuidou muito de mim na infância, exerceu por muito tempo o papel de cuidadora, uma ‘irmã- mãe”. Na semana da apresentação do meu Genograma, meu irmão mais velho, que é marceneiro, entregou-me um minicaixão de defunto, de madeira, que eu havia encomendado intuitivamente. Meu irmão, pintou o mini caixão de cinza e decorou-o com um crucifixo na tampa e frisos laterais com correntes de colar. Ficou perfeito e macabro ao mesmo tempo. Como se ele colocasse em contato e integração de lembranças do passado, experiências do presente e expectativas para o futuro. Na mesma semana de apresentação do Genograma, recebi também da cidade de ExuPernambuco, uma foto do meu avô paterno que até o momento ninguém tinha registro de sua existência. Foi impactante. Emocionei-me e fiquei paralisada e sendo sincera, chorei muito.
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Estava completamente mobilizada para o encontro do Genograma no Instituto Sistemas Humano, uma ansiedade tomou conta do meu ser. Meus avós paternos e maternos foram criados e educados nos valores das décadas de 20, 30 e 40 e seguiam, como a maioria das famílias nordestinas, as doutrinas da igreja católica, com regras sociais, determinando praticamente todo o comportamento social, até com cartilhas, de como deveriam se comportar os membros da família, diante da sociedade, com regras bem claras e reforçadas, principalmente do papel da mulher. Preparei os símbolos, chapéu de cangaceiro, o livro “Minutos de Sabedoria” que ganhei do meu pai aos vinte e quatro anos de idade, onde ele me disse pela primeira vez, que me amava. Pedi para que ele registrasse na primeira capa desse livro, essa sua declaração. Peguei a bíblia de meu pai, que recebi de herança dele quando faleceu, ela ainda tinha seu cheiro. Meu marido preparou para que eu levasse, para o almoço coletivo que fazíamos, um prato típico do Nordeste, o “baião de dois”, para compartilhar com meus amigos e professores, além de água de coco e rapadura para caracterizar os alimentos mais fortes e simbólicos de nossa família nordestina. Levei duzentos bonecos de pano ancestrais com todas as suas diversidades e mais alguns com características da família de meus pais, para representar meus antepassados, parentes ou não, mas que fizeram parte de nossa história familiar. Montar todo esse material na sala de aula, antes de convidar os professores e amigos da classe para entrar, já foi um ritual. Ver tantas pessoas representadas pelos bonecos de pano ancestrais representando a família de minha mãe e o pouco conhecimento da história familiar de meu pai, me entristeceu, pois nunca havia percebido que quase nada sabia da história familiar dos meus avós paternos. Sentindo-me preparada para realizar o meu Genograma, graças à docência compartilhada entre as professoras Denise Mendes e Suzanna Levy, cobri os bonecos que compunham a família de minha mãe e meu pai A professora Denise Mendes Gomes que iria dirigir o Genograma me permitiu trabalhar com os bonecos e me deixou expressar dentro do setting que criamos de uma forma 54
singular, pois teve total sensibilidade de perceber que iriamos longe, e eu já estava superaquecida. Comecei pelos índios, escravos, portugueses, com os bonecos emaranhados e amontanhados simbolizando muitas invasões, explorações, guerras e intrigas familiares por questão de terra. Continuei apresentando meus os tataravós, bisavós, avós, tios e tias, até chegar em minha mãe. Estava bem comovida, mas em total conexão com meus colegas de classe, que se mantiveram presentes o tempo todo no processo, me ancorando nesta grande viagem. Não irei descrever toda a pesquisa feita para o meu Genograma, mas todas as crenças, valores e mitos familiares, apareceram nesta descrição. Meus tios paternos são profundamente queridos e que foram eles nos acolheram em São Paulo quando viemos do Nordeste, como retirantes. Ao retirar o tecido que ocultava os bonecos que os representavam, quase perdi a fala e tive uma grande baixa de energia, pois quando os vi, deparei-me também com o minicaixão. Intui que seria marcante, mas não imaginei a profundidade da cena temida. Na hora de apresentar meu avô paterno, meu coração acelerou, pois eu guardava um segredo a seu respeito, que eu nunca havia imaginado que poderia contar ao meu pai. Ao relembrar o “segredo” meu corpo tremia e quase não tive forças para a ação. Minha mente já havia compreendido e perdoado, mas meu coração e alma ainda não, e eu não tinha ideia dessa dimensão, até aquele momento. Utilizando o método do Psicodrama, convidei dois colegas da turma, para possibilitar o diálogo entre meu avô e meu pai. Nesta ação, um seria meu pai e outro meu avô. Ninguém queria entrar no papel do meu avô. Neste momento quase que desfaleci, fiquei sem energia e os colegas da turma deram-me um copo com água, quase desisti, porém, necessitava verdadeiramente viver a “cena temida”. Mesmo que os personagens fossem bonecos, eles representavam meus ancestrais que já haviam falecido, e eu precisava encontrar meu protagonismo nesse cenário e romper com o pacto de silêncio.
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Era como se todos ali, estivessem esperando por esse momento. O boneco que representava meu avô estava trajado como ele sempre se vestia, paletó preto, camisa branca e chapéu preto. O meu colega que segurava o boneco que representava meu avô, ficou paralisado com meu pedido de contar o segredo ao meu pai, e eu, solicitava através da boneca que me personificava, para que meu avô contasse finalmente ao meu pai, o segredo guardado por mais de 50 anos para não magoa-lo e desrespeitá-lo. O boneco avô não conseguiu encarar o boneco filho e nesta cena dramática entre o personagem e o ser criou-se o impasse de contar para o seu filho o que havia ocorrido entre ele e sua neta. A boneca neta reforçou o quanto era necessário e importante que ele, avô, contasse diretamente o segredo ao seu filho, também representado pelo boneco. Quando isso ocorreu num diálogo fictício tenso e angustiante, o boneco pai ficou tonto e disse ao boneco que representava o avô o que sentiu de angústia, vergonha e humilhação. O boneco pai solicitou ao boneco avô que ele pedisse perdão à boneca neta e depois ambos pediram perdão à sua filha e neta. Nesse momento o segredo revelado propiciou a “cura”. Não consigo explicar em palavras, mas eu senti libertação, um alívio que veio da alma, pois transcendeu tempo e espaço, possibilitando um grande salto qualitativo em ser e estar, meu coração se abriu ao perdão verdadeiro, a compaixão por todos nós, pude respirar como nunca respirei. Após o encerramento desta cena Psicodramática entre os personagens e o ser, chegou o momento do boneco avô ser, ao mesmo tempo, simbólica e verdadeiramente enterrado. Não sei ao certo quem fez esse movimento, boneco pai ou boneca filha, mas naquele momento existia a necessidade real e concreta da morte simbólica ser oficialmente concretizada, libertando o segredo aprisionado na alma. O boneco avô foi literalmente colocado dentro do minicaixão, sendo a tampa fechada. Foi forte e visceral, mas necessário e saudável. Neste momento se encerra o Genograma, que teve quase quatro horas de duração. Para finalizar, a Prof. Denise, pediu que todos os presentes escrevessem uma carta para a protagonista compartilhando com ela suas emoções, para ao mesmo tempo, ser um veículo para expressarem suas emoções. 56
Passada a semana do Genograma, esse minicaixão foi literalmente enterrado, com um velório simbólico, tendo eu, o acompanhamento do meu irmão mais velho. Para realizarmos o funeral, fomos a um bosque fechado que fica próximo de minha casa, o portão estava trancado com um cadeado no portão, meu irmão não teve dúvidas, rompeu o cadeado e entramos para realizarmos a cerimônia. Era como se meu irmão mais velho dos homens, estivesse cuidando de mim naquele momento e ressignificando nossa relação de proteção, para literalmente fechar o processo com o símbolo. Procuramos um lugar protegido para a cerimônia, fez um buraco no chão e pediu que eu fosse buscar flores do campo. Sendo meu irmão muito religioso, fizemos praticamente toda a liturgia para essa ocasião, além de orações e cantos. Senhor! Quebra as cadeias, quebra as correntes, quebra os grilhões e as amarras! Vem derrama a paz, em nossos corações, tu és o meu guia e sou teu senhor, tu pagaste o preço naquela cruz, para me libertar para a luz, em ti sou livre, porque o seu amor dissolve todo o mal! Este é o louvor! Meu irmão, que estuda teologia há 15 anos, me tratou com muito respeito e amor nesse momento e conseguimos juntos elaborar um luto que ainda não havia sido processado, mesmo que a morte do meu avô tenha ocorrido na década de 60. Agora tenho a compreensão como protagonista e terapeuta de família que a possibilidade de poder usar os bonecos de pano ancestrais viabilizou essa cura, pois mesmo sendo psicodramatista, se fosse uma cena dramática onde eu tivesse que atuar sem a proteção do objeto intermediário, não teria essa coragem. Mediações terapêuticas permitem falar através do mediador muito daquilo que não podemos encarar diretamente. A compreensão que a libertação se processa no perdão, permitindo a cura. Consciência clara e transparente em que o coração explode de gratidão, conseguindo ressignificar e completar um ciclo vital do processo de resiliência, permitindo que a criança ferida seja realmente acolhida, pois não tem mais que ser a única guardiã de um segredo tão dolorido, permitindo-se ser acolhida pela pessoa, para ela, mais importante no processo: seu próprio pai.
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Partindo desse momento nasceu o Genotatadrama, batizado pela professora Denise M. Gomes, que com sua mestria, presença intensa, amor e acolhimento, conduziu todo o processo do início ao fim, sendo orientadora desse trabalho e com certeza guiada pelos seus mentores. Todo este material tem registro fotográfico que está inserido nos anexos, além de gráficos do Genograma. A energia de todos os seres, visíveis e invisíveis, agregaram-se à minha, iluminando o meu caminho e a luz da aceitação, acendeu verdadeiramente a compaixão, ajudando-me a perdoar a mim e ao meu avô, por ter aprisionado por tanto tempo esse segredo em minha alma.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS O relato apresentado nesta monografia é o produto da experiência vivenciada na pesquisa, construção e apresentação do meu Genograma, que articulado com o Método Tatadrama, que utiliza bonecos de pano ancestrais possibilitou, nesta intersecção, o nascimento do Genotatadrama. Na criação do Genotatadrama dá-se ênfase em ampliar e contemplar outras possibilidades com outros recursos que auxiliem o Genograma, abrindo estórias familiares, que se potencializam e agenciam na imanência da memória, arte, cultura, e tradição, encontrando mais um ponto disparador às novas narrativas de si mesmo. Assim o Genotatadrama introduz um objeto intermediário, o boneco de pano ancestral da cultura popular brasileira como objeto mediador. Imbuídos de valores em sua diversidade, permitindo uma exploração, com os personagens familiares, de um diálogo fictício, onde a imaginação e a criatividade se colocam a serviço de classificar a expansão de significados, que emergem de histórias familiares e se reproduzem no decorrer das gerações e que influenciam nos processos construtivos e destrutivos relacionado a saúde-doença,
afetando a dinâmica do relacionamento familiar livre e
pleno, onde as partes se ligam e se interpenetram. Como exemplo vivo desta integração entre o Genograma e o Método Tatadrama, relato a minha própria experiência vivida na aplicação do Genograma. Compondo a grade curricular de minha formação de terapeuta de família, seguindo a normas e critérios estabelecidos pelo Instituto Sistemas Humanos, para descrever a função e integração da técnica, a autora tornando-se sujeito desta história transformando sua vida, através da compreensão, compaixão e perdão. A apresentação deste trabalho com o Genotatadrama no espaço conversacional terapêutico com a inserção dos Bonecos de pano ancestrais é descrita também nas perspectivas das práticas construcionistas, como produto de determinada comunidade, orientada por hipóteses, crenças e valores particulares. Elegi algumas histórias e abandonei outras para construir o contexto histórico intrínseco da família, que afligia meu coração, pois a história familiar estava configurada em torno de um problema específico: “guardiã de um segredo”, que não mais desejava ocultar, dando relevância aos significados atribuídos as experiências vividas à “história oficial”. 59
Assim, as histórias que contamos de nós mesmos estão estruturadas também por conceitos culturais, ou seja, pelos sistemas sociais nos quais estão inseridos e a única forma de transformar “compaixão, aceitação e perdão em gratidão”, ocorre na medida que os significados emergem na interação e integração desta experiência, trazendo consigo e viabilizando a verdadeira transformação. Sendo a professora Denise Mendes Gomes, a terapeuta que se colocou como alguém que desejava compreender o sistema de significados, que emergiu na conversação dialógica durante a apresentação do Genograma. Respeitando o tempo da aluna que inseriu os bonecos de pano ancestrais para representar desejos introjetados e plasmados nos personagens, viabilizou a compreensão em relação do diálogo que se estabelecia, possibilitando que novos significados fossem gerados, sendo a parteira e madrinha de batismo do Genotatadrama. Nesse sentido pode-se pensar que a terapeuta se insere na conversação como um aprendiz, se coloca a serviço com humildade, sabedoria, mestria e sensibilidade profissional, construindo pontes para dar liberdade e vida ao processo que culminou nesse projeto. Com sua presença genuína, mergulhou nas entranhas vividas no Genograma, sustentando o campo, junto com sua parceria de aula, a Professora Suzanna Levy e de todos os alunos da formação, que ancoraram o processo para que aquele momento pudesse transformar-se numa compreensão colaborativa de novas possibilidades de ser, estar, relacionar e de viver no mundo. Iversen, Gergen e Fairbanks (2005), afirmam que o Genograma pode ser congruente com a prática dialógica na medida em que se avança criticamente de forma que os dispositivos desenhados sejam reapropriados para fins generativos. Propõem que é possível trocar a ênfase da informação pela busca de novas oportunidades para préhistória as experiências vividas. Esta sábia reflexão se concretiza neste trabalho, pois foi através da liberdade de criação, com seriedade e comprometimento, que possibilitou o nascimento deste projeto. A ideia é conceber no boneco de pano ancestral, um significado para comunicação de múltiplas vozes, entre as partes de si mesmo e de toda sua teia familiar, numa experiência fictícia de diálogo entre o personagem e o ser, desencadeando processos de 60
cura, transformação e ressignificação. Criar pontes que nos conectam com nosso mundo subjetivo e inconsciente e nos permitam através do ato de brincar, uma comunicação indireta, um convite para irmos estabelecendo significado com este objeto intermediário, na sua forma simbólica (ser humano em miniatura) e sua diversidade, sendo mais uma representação para compor várias gerações. Isso nos permite ter uma visão global da estrutura familiar e dos modelos de funcionamento em sua construção social, tendo como diferencial criar diálogos entre os personagens personificados nos bonecos de pano ancestrais, possibilitando trazer à luz questões ainda obscuras do emaranhado familiar.
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