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Antecedentes do Estudo: o Problema de Pesquisa
A tendência do jovem rural a deixar o campo, escolhendo em geral a migração para uma cidade próxima, é fenômeno que vem ocorrendo desde a década de 40-50 do século passado. Esta tendência foi discutida em detalhe por Camarano e Abramovay (1999), e continua a ser observada e aprofundada, considerando os dados do último Censo (IBGE, 2010) (Figura 1).
Camarano e Abramovay analisaram uma série histórica de estimativas de saldos e taxas líquidas de migrações rural-urbanas por sexo e grupos quinquenais de idade para o Brasil e suas cinco regiões para as décadas de 50, 60, 70, 80 e o primeiro quinquênio dos anos 90. Concluíram que a saída de agricultores do campo para as cidades incluíam pessoas cada vez mais jovens, com uma predominância crescente das mulheres. Tanto no Brasil como na América Latina, segundo relatório da FAO (1995, apud Camarano e Abramovay, 1999) fica no campo o filho a quem “la cabeza no le dá para más [a cabeça não dá para mais nada]” .
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Figura 1: População residente em área urbana e rural no Brasil, no período 1950-2010 (em milhões de pessoas). Fonte: IBGE, 2010.
Os mesmos autores (Camarano e Abramovay, 1999) mostraram que em 1950 havia mais moças que rapazes no meio rural brasileiro. Em 1960, a proporção entre os sexos era praticamente a mesma; nas décadas seguintes, o predomínio populacional dos rapazes foi crescente. Em 1996, o número de rapazes na faixa de 15 a 24 anos foi superior em 14% ao número de moças. Os autores salientam que o aumento no predomínio masculino entre os jovens rurais é nítido, sobretudo, no período mais recente, em todas as regiões brasileiras. O Nordeste era a região cuja área rural apresentava o menor grau de masculinização; o Sul era a segunda região rural menos masculinizada do Brasil e, o Centro-Oeste, a mais masculinizada; para a região Norte, havia uma tendência ao predomínio dos rapazes no meio rural. Os achados de Camarano e Abramovay vêm se repetindo, a cada ano. Dados do Censo brasileiro de 2010, por exemplo, indicam que a população brasileira, com um total de 190,7 milhões de pessoas, está concentrada nas cidades, onde vive 84,36% deste total. Por outro lado, entre os 15,64% que vivem no meio rural, 8,23% são homens, e 7,41% são mulheres, o que evidencia uma continuação, nesta década, da tendência que vem sendo observada no Brasil desde os anos cinquenta.
Por outro lado, como observam Camarano e Abramovay (1999):
“Uma das preocupações explícitas da União Europeia ao reformar sua política agrícola em 1992 foi evitar aquilo que na França é conhecido como “desertificação rural” ... Por mais que haja um certo exagero no termo, o fato é que hoje nos países capitalistas centrais quase ninguém encara o esvaziamento social do campo como uma contrapartida natural (e no limite desejável) do progresso. Ao contrário, há inúmeras políticas públicas na Europa e nos Estados Unidos voltadas ao povoamento do meio rural.
O envelhecimento e a masculinização do meio rural são, talvez, a expressão mais flagrante de seu declínio. É bem verdade que, nos últimos anos, as migrações de retorno de populações aposentadas e com um bom nível de renda têm contribuído para inverter processos de desagregação que pareciam irreversíveis ... Mas é claro que a ausência de jovens e a desproporção entre os sexos acabam por comprometer as próprias chances desta retomada.” (Camarano e Abramovay, 1999, pg. 15).
O tema de migração, especialmente dos jovens rurais, foi estudado por muitos pesquisadores brasileiros, nos anos que se seguiram à identificação deste fenômeno. Esta literatura - da qual são exemplos Schneider (1994), Carneiro (1998), Abramovay (2001, 2005), Galizoni (2002), Brumer (2007, 2008), Castro e Aquino (2008), Carvalho et al. (2009), Lisboa (2008), Martins (2008), Menezes et al. (2008), Castro et al.,(2009), Castro e Andrade (2009), Ferreira e Alves (2009), Junges (2009), Neves (2009), Silva e Andrade (2009), Wedig e Menasche (2009), Silva e Moreira (2010), Novaes (sem data), Cordeiro (2009), Silvestro et al.(2001) – tem se expandido nos últimos anos, possivelmente como influencia do interesse pessoal dos pesquisadores pelo tema, mas também como um reflexo de sua emergência como questão relevante na agenda política dos países, em parte motivado por conscientização do que representa para as agriculturas nacionais, em parte por incentivos de organismos internacionais, como a ONU.
De fato, o Programa Mundial de Ação para a Juventude (PMAJ), lançado em 1995 pela ONU, colocou o debate sobre a necessidade de políticas dirigidas aos jovens, suas oportunidades de trabalho e seu futuro, como agenda política relevante para os países em geral e, em especial, para os países em desenvolvimento.
A questão da migração dos jovens rurais passa gradualmente a ser entendida não como uma tendência inexorável, mas como um fenômeno que deveria ser mais bem entendido, em suas causas e consequências, que permitissem identificar alternativas que possibilitassem um desenvolvimento mais harmônico do campo e das cidades, traduzindo-se isto em termos de políticas que melhorassem a vida do jovem rural no campo, dando-lhe oportunidades de trabalho e permanência, em primeiro lugar. Segundo documento sobre o problema de pesquisa, divulgado pelo IICA (2011):
“Em 2004, o Governo Federal formulou orientação estratégica no sentido de renovar a política externa e priorizar a América Latina e a América do Sul, com foco no Mercado Comum do Sul (Mercosul). Em decorrência, o governo brasileiro sugeriu e viu aprovada sua proposta de criação da Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar – REAF. ...
Entre 2008 e 2010 o GT Juventude Rural da REAF realizou o Curso Regional de Formação de Jovens Rurais do Mercosul, com apoio da FAO para América Latina e Caribe, e reuniu jovens dos Estados Partes em quatro módulos, para discutir políticas públicas, integração regional e experiências e exemplos de jovens das diversas regiões rurais da América do Sul. .... Posteriormente, com base nas propostas elaboradas no curso, os temas do acesso à terra para jovens e a institucionalidade da juventude rural foram identificados pelo GT Juventude Rural da REAF como os mais importantes para o desenvolvimento rural sustentável da região.
“Los cuatro temas destacados de la agenda … fueron acceso a tierra y reforma agraria integral, fortalecimiento institucional para la juventud rural, educación rural y manejo sustentable de proyectos. Transversalmente se identificó el tema de las migraciones.” (ANEXO VI MERCOSUR/XIII
REAF/DI N° 3/10; GRUPO TEMATICO DE JUVENTUD RURAL, 1 de junio de 2010, Mar del Plata, Argentina.)
De acordo com estudos recentes, tornou-se claro ser essa uma questão crucial para a permanência e continuidade da agricultura familiar e camponesa no meio rural. Contudo, como apontado pelo GT, o acesso à terra deve ser compreendido no contexto mais amplo que envolva a reforma agrária e a mudança do modelo produtivo. Dessa forma, analisar as condições da juventude rural, nos programas e políticas de acesso à terra, implica observar não apenas as políticas diretas de acesso, mas também as demais políticas relacionadas à garantia da permanência na terra sob condições dignas. ...
Por outro lado, a continuidade dos programas em curso ou a adoção de novos deve ser realizada em conformidade com os programas específicos já adotados. É fundamental, ainda, por um lado, conhecer os limites e as dificuldades enfrentadas no acesso a essas políticas e programas e, por outro, avaliar as iniciativas, identificando as que obtêm respostas positivas e as que não alcançaram o resultado esperado.” (IICA, 2011, págs. 15-16).
Dada a continuidade deste fenômeno e suas implicações para a estrutura produtiva e social no campo e nas cidades, esta pesquisa se apresenta como um passo necessário para contribuir para a formulação de políticas públicas, certamente de longo prazo, com o propósito de alterar ou atenuar essa tendência.