"História Oral"

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FUNDAÇÃO MARIO COVAS

em revista

ano 1 - março 2009 - n º 4



Em revista

hist贸ria oral



editorial

Uma história contada por muitos Você lembra aquele dia quando estávamos... Uma vez ele me contou... Durante uma discussão ele sempre... A participação dele foi... Eu me lembro um dia em que ele... As frases iniciadas assim foram recorrentes nos últimos oito meses de 2008, durante a realização do Projeto de História Oral, do Centro de Memória da Fundação Mario Covas. Um projeto que veio concretizar um antigo anseio do grupo mais próximo de colaboradores, amigos e familiares do ex-governador. Nos anos de convivência com ele, eram comuns os comentários: “Ah! Essa história é muito boa. Precisamos colocar isso no papel. Alguém está registrando tudo isso?”. O corre-corre cotidiano impediu o registro organizado dos momentos e bastidores presenciados pelas testemunhas da trajetória de Mario Covas. Muitos registros existem em documentos, livros, entrevistas, reportagens, jornais, áudio e vídeo. Inúmeros já resgatados e organizados em nosso Centro de Memória. Mas nós queríamos ir além, queríamos mais. E fizemos. Fomos buscar na memória e na emoção de cada um dos que compartilharam do dia-a-dia de Mario Covas um pedaço de sua história. Juntas, as partes contam não só a vida de um homem público, mas a história recente de um país. As lembranças abrem as portas para o que veio antes e depois, diz Fernando Frochtengarten, mestre em Psicologia Social da USP. No artigo Memória Oral no Mundo Contemporâneo, o mestre afirma, com propriedade: “Uma recordação chama a outra, compondo uma teia de rememorações mais ou menos singular, cuja textura se alinhava pela maneira como cada memorialista recolhe e amarra as imagens pregressas e busca sua significação...”. E mais: “Narrar o passado deveria ser um direito estendido a todos os homens. Aqueles que partem sem ter o heroísmo de sua biografia reconhecido por um ouvinte deixam a impressão de ter morrido duas vezes. Uma vida é vivida quando narrada.”

Antonio Carlos Rizeque Malufe Presidente da Fundação Mario Covas

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índice

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Uma vontade realizada

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A infância em Santos

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Os amigos da praia

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A Escola Politécnica, começo de tudo

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Lila: mulher, amiga, companheira

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Os filhos

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Os netos

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Os familiares

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O trabalho do engenheiro

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A primeira campanha

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O senhor deputado

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A cassação

23

Dez anos de iniciativa privada

24

Volta à política

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A convenção de 1981

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Prefeito de São Paulo

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Senador constituinte

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Nasce o PSDB

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A campanha presidencial

42

Rumo ao governo de São Paulo

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Governador de São Paulo

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A reeleição

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A saúde de Covas

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Covas e os políticos

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O estilo Covas

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O legado

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Créditos

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Uma vontade realizada Em oito meses, o projeto de História Oral realizou 144 entrevistas, gravadas em mais de 150 horas de vídeo digital

Mario e Lila Covas na posse do primeiro mandato como governador no Palácio dos Bandeirantes Ao iniciar o trabalho de História Oral, do Centro de Memória da Fundação Mario Covas, elaboramos uma lista entre familiares, amigos de Santos, contemporâneos da Poli, colaboradores da época da prefeitura de São Paulo e do governo do Estado, adversários políticos, líderes partidários e tantos outros. Puxando pela memória, chegamos a uma primeira lista com 120 nomes. Fomos à luta, mas sabíamos que o ano eleitoral de 2008 seria um complicador. Seria difícil conciliar agendas, horários, encontrar pessoas, todas elas atarefadas. Mas para nossa surpresa, no final de dezembro estávamos com mais de 150 horas de gravação. Nos oito meses da primeira fase do projeto, a equipe percorreu os quatro cantos da cidade de São Paulo, da periferia ao centro, das zonas norte, sul, leste e oeste e também a cidade de Santos. Em escritórios, residências e até mesmo

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barzinhos e restaurantes, foi possível resgatar as histórias de quem, em algum momento, ou em boa parte de sua vida, trabalhou, presenciou, observou, conviveu e aprendeu com Mario Covas.

A equipe No projeto de História Oral, coube a Ione Nunes, relações públicas, a tarefa dos agendamentos e contatos. “Ficou para mim o triste pesar por não ter tido a oportunidade de conhecer Mario Covas pessoalmente, mas também a esperança por ter aprendido que é possível fazer política com seriedade, paixão e honestidade”, disse Ione. A jornalista Márcia Telles ficou com a incumbência da pesquisa, da leitura de documentos, livros, jornais e revistas para os depoimentos com os memorialistas. “O jornalismo e a história utilizam um instrumento dos mais fascinantes para mim: a entrevista, o depoimento. Tive o privilégio de

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O governador Mario Covas caminha com a população em evento do governo do Estado de São Paulo

dar voz aos companheiros, amigos, familiares e até adversários de Mario Covas, buscar suas experiências e memórias e, sobretudo, dar espaço a suas emoções”, disse Márcia. “Quantos choros foram gravados e quantas risadas foram registradas”, lembrou. Ao também jornalista Guilherme coube o trabalho técnico de gravação dos depoimentos em mini-DVDs, utilizando o equipamento de vídeo da Fundação Mario Covas. “Foi uma experiência única poder ouvir relatos interessantes e fatos relevantes da história contemporânea brasileira, contados por personalidades de destaque da política e por pessoas comuns. Mas o que mais me impressionou foi saber como Mario Covas se importava com o povo e suas causas”, afirmou Guilherme. Não foi definido um padrão e muito menos um tempo de gravação para as entrevistas. A ordem foi deixar falar, estimular a memória e contar histórias. As únicas exigências, se é que podemos chamá-las assim, foi contar como os entrevistados conheceram Mario Covas, qual o seu legado, e que relatassem passagens ou momentos que mostrassem o “estilo Covas” ao lidar com as mais diferentes situações. Foram meses de pura emoção. Primeiro, porque os entrevistados ficaram empolgados em participar do projeto; segundo, porque todos, sem exceção, tinham histórias pessoais para contar, o que nos leva a crer que, mesmo com aquele jeito que muitos consideravam turrão e bravo, Covas fez com que todos que com ele conviveram fossem considerados especiais, e terceiro, risos e lágrimas correram soltos nas entrevistas, muitas delas com mais de duas horas de gravação.

É claro que muitos temas importantes, do cenário paulista e brasileiro, sugiram durante os depoimentos e muitos narram o mesmo episódio sob sua óptica. Nossa tarefa não era fazer contrapontos ou chamar atenção aos fatos. Muitos falaram sobre a atuação do engenheiro civil, outros sobre seu trabalho na prefeitura de Santos, na capital paulista e no governo de São Paulo. Alguns relataram passagens de Covas no parlamento, como deputado federal e senador da República, diversos depoimentos revivem o político, a cassação, suas opções e embates. O fato é que todos foram unânimes em deixar registrado o comportamento e a postura ética e moral de Mario Covas. Ao finalizar o projeto com a produção desta revista, foi necessário fazer uma escolha editorial e, para isso, uma pergunta foi colocada: Como editar tantas entrevistas gravadas em vídeo em uma publicação impressa e com limitação de páginas? Optamos por ter como fio condutor a história cronológica da vida de Mario Covas. Com isso, pudemos organizar melhor os depoimentos, e deles retirar breves, mas importantes extratos. Outra escolha foi apresentar os entrevistados com a designação que tinham à época dos fatos relatados. Pois bem, o projeto de História Oral da Fundação Mario Covas não acaba aqui. Ele será disponibilizado na internet, no site da Fundação, para que todos tenham acesso, e mais, muitos depoimentos não entraram nessa edição, já que os prazos acordados impossibilitaram essa tarefa e outros depoimentos ainda precisam ser colhidos, jáque muitas histórias ainda precisam ser contadas.

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A INFÂNCIA EM SANTOS De onde veio o apelido zuza? nidia covas barrenuevo, única irmã de mario covas, conta essa e outras histórias Mario Covas Junior nasceu em Santos em 21 de abril de 1930, filho do comerciante de café Mario Covase neto de Jesus Covas Peres, espanhol de Pontevedra, que imigrara para o Brasil com 14 anos. Sua mãe, Arminda Carneiro Covas, descendia de portugueses e brasileiros. A Casa Comissária Covas & Assunção, sociedade entre Covas pai e Horácio Assunção, permitiu que a família levasse vida de classe média alta. para Lambari, uma estação de águas. Naquele ano, o Zuza, pequeno, foi com ela e eu fiquei com papai, pois estava em aula. No Carnaval, eu e papai fomos encontrar com eles. Não é que papai começa a flertar com uma funcionária do hotel? Mamãe, desconfiada, foi encontrar os dois namorando numa praça. Papai tomou uma surra de guarda-chuva, e nós voltamos para casa.

O arteiro

Nidia Covas Barrenuevo

Os avós Nosso avô paterno, Jesus Covas Peres, veio da Espanha, da região da Galícia, com 14 anos de idade, acompanhado por um tio. Contam que ele seria filho de um padre. Mas nunca conseguimos checar isso. Minha avó paterna, Ana Rodrigues Peres, era portuguesa. Veio ao Brasil com três anos de idade. A grande coincidência é que depois de muitos anos eles se conheceram e descobriram que chegaram ao Brasil no mesmo navio. Do lado materno, o vovô era português e tinha uma panificadora em Santos. Vovó Rosalina era brasileira. Eles tiveram sete filhos, três homens e quatro mulheres. Papai, Mario Covas, o mais velho dos homens, era um comerciante bemsucedido em Santos. Nós não nascemos em berço de ouro. Todos sempre trabalharam muito.

O pai e a mãe Papai era um homem generoso e solidário. Não era bonito nem atraente, mas tinha alguma coisa que agradava as pessoas. Era um pouco Don Juan, mulherengo. Separou-de de mamãe no final de 1948: ela foi morar em São Paulo, e ele ficou em Santos. Foi um casamento tumultuado. Lembrome de uma passagem. Mamãe todos os anos ia

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Somos de uma geração em que menina brincava com menina, e menino, com menino. Portanto, não tenho muitas recordações de nossa infância juntos, até porque, dos 7 aos 18 anos estudei em uma escola onde ficava semi-interna. Ia pela manhã, e só voltada para casa no início da noite. Zuza era muito arteiro. Adorava mexer nas minhas coisas, que eram muito organizadas, e gostava futebol. Uma vez, estávamos na calçada lá de casa, e os vizinhos soltavam fogos de artifício. Ele gostava muito. Não é que um dos fogos veio bater no peito dele? Foi uma correria danada, e a queimadura foi grave. Quem conviveu com ele deve lembrar que o Zuza tinha dificuldade de audição em um dos ouvidos. Quando era menino, teve uma infecção muito séria, que acabou perfurando o tímpano. Fez tratamento, mas ficou a seqüela. Na época, ele ficou anêmico, e o médico receitou bastante ferro na alimentação. Eu acabei entrando na dança. Todo dia, mamãe fazia sopa de aveia com caldo de bife de fígado. Ela passava o bife na frigideira bem rápido, e depois extraía o suco. Ficamos fortes, mas nunca mais comemos fígado. Mamãe era festeira, gostava de Carnaval, festa junina. No Carnaval, ela sempre nos fazia fantasias muito elaboradas. Nas festas juninas também colocávamos roupas típicas, e o nome Zuza vem daí. Uma vez, escreveram esse nome do chapéu de palha dele e pegou. Zuza pra cá, Zuza pra lá, e o apelido ficou. Na família e para alguns amigos mais próximos, Mario Covas era papai; meu irmão era o Zuza. Ele adorava uma anedota e era muito amoroso.

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OS AMIGOS DA PRAIA Líder nato, mario covas discutia política na adolescência, entre um e outro jogo de futebol com os amigos de santos O próprio Mario Covas, que nunca se vangloriou de sua infância confortável, nunca a escondeu, destacando que a prosperidade atingia uma grande parte dos santistas. Fez muitos amigos em Santos e os cultivou. Em 1998, ao final de seu primeiro mandato no governo do Estado, autorizou a restauração do prédio da Bolsa Oficial de Café de Santos, o que lhe valeu um agradecimento formal dos Amigos de Mario Covas.

Luiz Pereira de Carvalho amigo de escola

Carlos Frigério amigo de juventude A turma se reunia na praça Fernandes Pacheco, para conversar e jogar futebol. Ali Mario Covas já demonstrava liderança. Com 13 ou 14 anos, falava sobre política e tinha atitudes firmes e sérias. Nós jogávamos vôlei e, uma vez, fomos a Campinas jogar contra um time de lá, que tinha grande rivalidade com o nosso pessoal de Santos. Nós ganhamos a partida, e a torcida campineira xingava, ameaçando. O diretor do Campinas sugeriu que o time do Santos saísse pelos fundos, para evitar tumulto. ‘Vamos sair pela frente’, decidiu Mario Covas. No futebol, Covas era um craque. Aos domingos, jogávamos no Caiçara Club – e isso durou até quando já era deputado. Mas quando Covas achava que era falta, parava a bola e falava para o juiz: ‘marca aí!’. Eu fui um dos fundadores do grupo Amigos do Mario Covas, criado quando ele concorreu à prefeitura de Santos. Saíamos às ruas com cartazes, fazendo o corpo a corpo. Ele tinha uma lealdade muito grande com o grupo, que o acompanhou a vida toda, em todas as campanhas. Depois de cada eleição, Covas marcava um almoço ou um jantar com os amigos. Ele era um líder, e nós, jovens revolucionários, achávamos que Covas era o mais indicado para defender nossos ideais.

Estudamos juntos por um bom tempo. O Zuza foi filho de pai rico e de pai pobre, mas para ele não tinha problema, tratava todos de forma igual. Ele era pequeno, gordinho, alegre, gostava de tirar sarro dos outros e a paixão era o futebol, ou melhor, o Santos Futebol Clube. Tínhamos cadeira cativa. Era fácil ser amigo de Covas.

Elias Abib Elias – amigo Naquela época ele já mostrava que poderia ser um bom político. Sempre que voltava a Santos, era procurado por muitas pessoas e atendia a todas. Quando ele fez o discurso em defesa de Marcio Moreira Alves, todos nós fomos para a casa dele. Eu lembro da prisão na Base Aérea e da atitude da Lila que, depois de saber onde ele estava, se plantou lá com os filhos até deixarem -na ver o marido. Um ato maravilhoso, o dela.

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A ESCOLA POLITÉCNICA,

COMEÇO DE TUDO

Durante o curso de Engenharia Civil, Covas casou-se com lila e despontou como um brilhante orador Em Santos, Covas cursou o primário e parte do secundário, integrantes do atual ensino fundamental. Transferiu-se em 1947 para São Paulo, onde preparou-se para o ingresso no ensino superior. Formou-se em Química Industrial pela Escola Técnica Bandeirantes em 1951 e graduou-se em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – Poli-USP, em 1955.

Plínio Assmann amigo da Poli e secretário de Transportes do Estado Uma característica inesquecível de Mario Covas é que, naquela época, ele já era um orador brilhante. Teva uma vez em que duas alunas de Engenharia de Porto Alegre, filhas de militares, teriam por lei o direito à transferência para a Poli sem novo vestibular. Isso mexeu com os brios de todos, toda a comunidade era contrária. O grêmio convocou uma assembléia para discutir o assunto, com as duas moças presentes. O Zuza fez um discurso fenomenal e convenceu a todos que elas fossem aceitas. O Mario era sentimental e detentor de uma lógica objetiva, clara.

João Carlos de Souza Meirelles amigo da Poli e secretário da agricultura

Adão Clementino Coltri amigo da Poli Quando estávamos na Poli, fomos à Faculdade de Direito da USP falar sobre a greve. Na época existia muita disputa, e os alunos do Direito não respeitaram o presidente do grêmio da Poli. Mas o Zuza não titubeava e fez um discurso que acabou, arrasou os alunos de Direito, e dentro da casa deles, a faculdade do Largo São Francisco. Vieram cumprimentá-lo. Onde o Mario falava, a argumentação prevalecia.

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Naquele momento (anos 1950) havia um estado muito positivo de tensão que se manifestou em tudo, até na música popular brasileira, o surgimento da bossa nova, uma coleção de valores culturais e políticos que explodiam. E o Mario era entre todos nós um dos grandes líderes, respeitado dentro da escola. Empolgava pelo que foi a marca de sua vida inteira: a higidez do seu caráter e a coerência ideológica permanente. O Mario elegeu como padrão de vida a coerência.

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Paulo Breves Stefani amigo da Poli Ficamos na mesma turma na Escola Politécnica e também na de topografia. Mario Covas tinha uma liderança natural. No terceiro ano, interesseime pelo futebol. No quarto ano, participei da competição Pauli-Poli. O Mario não jogou, ganhamos de 1 a 0 e eu fiz o gol. No último ano, além de jogador de futebol, Covas era o técnico. Toda quarta-feira tinha treino. Eu só pensava no jogo contra o Mackenzie, era o primeiro MackPoli. No dia do jogo, o Mario me deu uma camisa de reserva e disse: ‘não fica sacaneado’. Não fiquei. Entrei no segundo tempo, fiz um gol e ganhamos de 2 a 1. Ele era inteligentíssimo, uma liderança espontânea, natural.

Mário Eduardo Duarte Garcia amigo da Poli Mario Covas era brincalhão, mas muito responsável e sério. Trabalhava enquanto estudava e foi um dos poucos que se casaram durante o curso. Ele dava aulas no cursinho da Poli e se dedicava muito ao grêmio, que funcionava como uma empresa. O Centro Acadêmico representava os alunos perante a direção da escola, mas o mais importante era participar de movimentos políticos estaduais e nacionais. A gente se metia em tudo, na morte do Getúlio, na tentativa de impedir a posse de JK. O Covas tinha uma presença forte, personalidade marcante, fazia tudo com muita seriedade porque já trabalhava e acompanhava a vida política. Mas seguia sempre uma linha voltada à política como vivência do bem comum.

José Carlos Nadalini amigo da Poli Até hoje guardo uma camiseta comemorativa dos 50 anos da Atlética da Poli, que traz estampada na parte de trás o trecho de um discurso de Covas no Senado, que diz o seguinte: ‘Na mesma medida que a Escola Politécnica forma o profissional, é o esporte que desenvolve no homem os principais aspectos do seu caráter. É onde se aprende a ganhar e a perder, é onde se pratica o tempo todo a solidariedade, é onde se cultua o respeito pelo oposto. A Atlética da Poli faz isso: ela ajuda a melhorar o ser humano’.

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LILA: MULHER, AMIGA, COMPANHEIRA Ainda estudante da Poli, Mario Covas casou-se com Florinda Gomes, que lhe deu três filhos e apoio incondicional Envolvido em política desde os tempos da faculdade, Mario Covas chegou a dirigente da União Estadual dos Estudantes (UEE) e da seção paulista da União Nacional dos Estudantes (UNE). Ainda cursando Engenharia, na Poli, Covas casou-se em 15 de outubro de 1954 com Florinda Gomes, a Lila. Permaneceram juntos durante 55 anos. Tiveram os filhos Renata, Sílvia e Mario Covas Neto (Zuzinha). Um quarto filho, Tomás, nasceu em Brasília no dia 10 de agosto de 1968, mas viveu apenas poucas horas. O casal teve quatro netos: Bruno, Gustavo, Mario Covas e Silvia.

A vida em Brasília Quando nos casamos, o Mario ainda estudava, e os colegas da Poli iam lá para casa. Na Câmara Federal, era a mesma coisa. Em Brasília, os parlamentares ficavam sem as mulheres. O Mario era Caxias, ia até o fim da sessão, e, depois, levava todo mundo para casa. Adorava certas coisas e achava que eu ia adorar também. O xadrez, ele queria me ensinar, e eu nunca quis. Em Brasília, se ele ia fazer um discurso, eu tinha de estar lá, aplaudindo. O Mario era ciumento: eu só podia bater palmas para ele e lá na Câmara, junto com os jornalistas. Quando o Mario foi eleito deputado federal, ia para Brasília e voltava no fim de semana. Eu ia levá-lo e buscá-lo no aeroporto todo fim

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de semana. Quando foi eleito líder, a família mudou-se para Brasília. Só o deputado tinha direito a passagem de avião. Eu, dirigindo, e meus filhos, fomos e voltamos de carro fazendo a mudança, naquela estrada vazia, quilômetros e quilômetros. Mas eu gostava. Antes de mudar para Brasília, coloquei uma escrivaninha na sala de nossa casa em Santos e ficava atendendo os eleitores de manhã e à tarde. Em Brasília, passei a ser mulher, mãe e dona de casa, coisa que eu não era havia muitos anos.

A prisão Mario foi levado para a Base Aérea de Cumbica, sem que a família fosse informada. O Oswaldo Martins e o Fausto, meu irmão, seguiram a Kombi que levava o Mario, mas se perderam

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em determinado ponto. Foi numa noite de sexta-feira. No sábado, ligou o secretário de um ministro procurando pelo Mario e eu respondi: ‘ele que procure, porque o Mario foi preso ontem, aliás, raptado, já que não avisaram a família’. Mandaram-me preparar uma mala, que levariam para o Mario. A mala voltou e logo vi que o ministro ia cair. E caiu. No sábado, liguei para todos os quartéis em São Paulo. Eu sabia que o oficial que tinha recebido o Mario era um major e ele ainda estaria em serviço. Falei com todos, e nada, não conseguia informação. Liguei para uns amigos do Mario, que eram colegas da Poli e trabalhavam na Prefeitura. Eles montaram um grupo e foram procurar o Paulo Maluf, que era prefeito de São Paulo e estava de cama, com gripe. Com um telefonema, o Maluf descobriu onde o Mario estava preso e pediu que não contassem a ninguém que essa informação havia sido dada por ele.

passava na vida pública. No primeiro Carnaval da cassação, voltamos logo para casa. As pessoas choravam, vinham dizer que tinham rasgado o título. Aquilo fazia mal para ele. As pessoas sumiram não por desprezo, era a vida normal. Mas todos continuaram amigos. O Mario não falava em política, evitava completamente. A Renata dizia: ‘Como o papai aguenta?’ Ele pensava que atrapalharia os outros. Mas não se lamentava.

Sem jornal No começo, a cassação foi difícil, ele chutou muita coisa, muita canela. Passei a não comprar mais jornal. Ele lia no café da manhã e passava mal. Via o futuro. Passamos dificuldades no início. Tiramos as crianças da escola paga, dispensamos a empregada, vendemos o carro e hipotecamos a casa. As crianças aprenderam a pegar ônibus e compreenderam, ninguém foi para o psicólogo.

A fé

A greve de fome Às onze e meia da noite, fui para Cumbica com meu irmão Tite e minha cunhada. Levei roupa e um bilhete que dizia o seguinte: ‘Sei que você estará logo de volta porque acredito em quem comanda a nação.’ Sabia que o Mario ia ficar bravo, mas era o jeito de o bilhete chegar até ele. Na segunda-feira, o major Vale me ligou e eu entrei em Cumbica. O Mario estava em greve de fome, o major não queria que acontecesse nada com ele. E eu disse: ‘Vocês querem que eu acredite nisso? Foram raptá-lo no escritório’. O major então me mandou escrever um bilhete para o Mario, eu não quis. O Mario me disse depois que, pela janela, me via entrar e sair do prédio. Escrevi o bilhete e o Mario só assinou. Comecei a chorar, o major quase me pegou no colo. Eu ia lá dia sim, dia não. O Mario falava: ‘Vamos sair do país’. Depois, esqueceu. Ele só recebeu a mala na segunda-feira, quando eu estive lá. Eu levava pastel e eles me deixavam ficar. Mario ficou 23 dias preso. Quando saiu, às dez da noite, ligou dizendo que queria sopa de ervilha. Eu fiz.

A cassação Com a cassação, sumiu todo mundo. Foi outra vida. Antes iam lá em casa saber o que se

Mario era religioso. Rezava todo dia de manhã com o joelho no chão. Não deixava de rezar um só dia, atrasado ou não. Na Câmara Federal, quando fazia algum discurso na tribuna, ficava descalço, em respeito. Ele dizia que era um ato de humildade, para pedir ajuda, para proteger e usar as palavras certas. Nunca ninguém viu.

A política Participei de todas as campanhas e da vida partidária do Mario. Na prefeitura e no governo do Estado, trabalhei, ajudando quem mais precisava, como os mais pobres, os mais velhos e os portadores de necessidades especiais. Aprendi com o Mario e defendo a militância partidária. Nas campanhas, montava comitês. No começo, os comitês funcionavam na minha casa. Depois, fomos crescendo, nos organizando, buscando parceiros e implantando novas ideias. Formei o Clube dos Tucaninhos. Os adultos ainda tinham medo de entrar em comitês políticos. Aí pensei, vamos formar as crianças, falar de política, mostrar a elas os direitos e deveres dos cidadãos. Com isso, as crianças passaram a chamar os pais. Quando saí, deixei 25 mil crianças formadas no Clube dos Tucaninhos.

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OS FILHOS Renata e Mario Covas Neto falam da convivência com o pai político e das lições que aprenderam com ele

A cassação Meu pai ficava caladão, nunca praguejou contra a cassação. Devia sofrer. Minha mãe cortou o jornal de casa. Devia ser doloroso. As pessoas começaram a atravessar a rua, não porque eram canalhas, mas porque tinham medo. Minha mãe costumava passar no ponto de ônibus e oferecer carona. Apareceu um jogo de botão no carro. Não era o do Zuzinha. Um dia, toca o telefone, era o menino que esqueceu o jogo no carro. Foi buscar lá em casa. O muro era baixo. O pai ficou na outra esquina para não ser visto na casa do Mario Covas. Imagine como o clima era ruim. Daí para a frente nada mais nos impressionou.

A prefeitura de São Paulo

Renata Covas Lopes

O estilo Quando eu era pequena, mudamos de casa. Me lembro de entrar na nova casa de mãos dadas com ele. Subimos para ver os quartos, e eu me decepcionei, achei pequenos. Ele falou que havia famílias inteiras que moravam num quarto do tamanho daqueles. Quarenta anos depois, ele, como governador, se dedicou à habitação. Em outra ocasião, já adulta, estávamos vendo TV, e passou uma reportagem sobre a Lei do Inquilinato. Achei que era sacanagem com o dono do apartamento. Ele imediatamente falou: ‘É porque você pensa com a cabeça do dono, tem que pensar com a cabeça do inquilino’. Meu pai não gostava de música e fez a Sala São Paulo. Não mexia com cartão, e fez o Poupatempo. Falo dele com orgulho, e não com vaidade. Ele era um cara legal.

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“Na época da prefeitura, eu ia muito aos mutirões. Ou eu ia ou não via meu pai. Tudo o que era fora do gabinete ele adorava. Dizia que só assim é possível ver a realidade. Foi ali, na periferia da cidade, que ele começou a ficar impressionado com a força das mulheres. Naquela época não era como hoje. As mulheres ficavam no bairro e sabiam o que era preciso, as mulheres estavam à frente das associações. Ele fez coisas incríveis, como a criação do Passe dos Idosos. Tratou de forma correta o acampamento de funcionários na porta da Prefeitura e fez a intervenção nas empresas de ônibus. Tinha que ser muito macho para fazer. Foi em cima de uma ameaça dos donos das empresas de ônibus. Ele ficou tão danado e foi muito corajoso.

As campanhas de 1989 e 1990 A campanha presidencial de 1989 foi uma loucura, a mais bonita. Foi a última vez em que o vi apaixonado pela política, trabalhando com muita garra. Era uma candidatura para valer, e, no final das contas, ele ficou sozinho. Ia para lugares onde não tinha praticamente ninguém. Em 1990, o partido apertou e ele saiu candidato, mas acabou ficando sozinho. Puxaram o carro. No meu entendimento, o povo estava com muita raiva do apoio de Mario Covas a Lula, no segundo turno da campanha presidencial. Mas eu acho que não tinha outro jeito e teria ficado assombrada se ele apoiasse o Collor.

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Mario Covas Neto

Líder na Constituinte A cassação Lembro de voltar da escola e encontrar minha mãe fritando alguma coisa e chorando: ‘seu pai foi preso’. Eu tinha uns dez anos, não tinha a dimensão das coisas. Aquilo era um problema de adultos. Mas lembro que aí começou uma nova fase na família. De mais convívio com os filhos, de maior proximidade. Ele teve uma conversa comigo e com minhas irmãs bastante séria. Perguntou se nós achávamos que ele era um bom pai. Eu fui claro e disse que não. A Renata ficou brava comigo. Mas acho que a resposta fez com que ele nos desse mais atenção.

O apoio a Lula Ele tomava posições em virtude de conceitos, com lógica e coerência. A autoridade no âmbito político era sempre ele. Por exemplo, um momento muito difícil politicamente para a gente foi quando ele perdeu a eleição em 1989 e não foi para o segundo turno. Na época, havia uma divisão entre os eleitores do PSDB sobre a tomada de posição pró Lula, pró Collor ou nenhum dos dois. Pensar em apoiar o PT depois da Prefeitura, da Constituinte, para mim não passava. Não sei por que tomou a decisão de apoiar Lula – o tempo mostrou que ele estava certo. Mas ocasionou uma reação hostil. O apartamento em que a gente morava sempre teve o número do telefone na lista. Precisamos mudar o número diante da hostilidade.

Vivi uma experiência que talvez nunca tenha novamente, numa reunião dele com lideranças partidárias. O que fosse consensual era colocado, o que não tinha acordo, ficava para depois. Era fantástico. Várias pessoas representativas, lideranças, cada uma com sua convicção, fazendo defesas brilhantes. Eu não sabia para que lado eu ia. Uma experiência das mais ricas. E ele ficava por último. E assim foi. Ele era o marisco entre a onda e a pedra. Se subordinava à opinião da maioria.

O PSDB e a campanha presidencial Na Constituinte, ficou claro que o PMDB era inviável para tantas correntes. Valeu para a redemocratização do país, mas era um momento novo. Acho que o PSDB acabou acontecendo quando meu pai disse que ia para o partido. Em 1988, ele já participou das eleições para prefeitos das capitais, e em 1989, da presidencial. Não tinha recursos nem estrutura partidária. Mas era uma proposta de afirmação de um novo partido. Até que foi bem, foi o mais votado na cidade de São Paulo. Era uma adesão por crença, e isso é diferente. Tinha gente chorando com o título de eleitor na mão. Foi marcante o comício de encerramento em Santos. O clima estava tão para cima, o comício com palanque na areia, entre o mar e a praia, um mar de gente. Foi um comício emocionante. O dia estava feio, choveu, o céu estava com nuvens. Na hora em que meu pai foi falar, abriu um pedaço de nuvem no céu, o sol se pondo iluminou o palanque, um negócio de arrepiar.

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OS NETOS Gustavo e Bruno, filhos de Renata Covas, e Silvia, filha de Mario Covas Neto, contam como se relacionavam com o avô Gustavo Covas Lopes Lembro que algumas vezes as pessoas reclamavam que o governador não estava fazendo nada por São Paulo. Conversei com meu avô e perguntei por que ele não falava para a população o que estava fazendo. Sabe o que ele respondeu? Com o dinheiro da publicidade ele poderia comprar novas viaturas para a polícia e construir escolas, casas e estradas para a população. Outra conversa que tivemos foi sobre o episódio do enfrentamento com os professores em greve na Praça da República. Eu disse que ele não precisava ter ido até lá e passar por aquilo tudo. Na hora ele me respondeu: ‘É o governador do Estado de São Paulo que não pode ser impedido de ir ou entrar aonde é preciso, não eu’.

Silvia Covas Bruno Covas Lopes Quem o conheceu sabia que ele fazia tudo com paixão. Quanto se envolvia e quanto sofria. Era impossível você ver aquilo e não se contagiar. Quando fui morar com ele, em 1995, vi o quanto se dedicava. No meio do jantar, lembravase de alguma coisa, já telefonava, mandava o sujeito entrar, não deixava nada para depois. Às vezes eu saía para a faculdade e ele já tinha saído. No jantar, ele ainda não tinha retornado. Trabalhava 24 horas. Não fazia nem com o fígado nem com o cérebro, fazia mesmo com o coração. Meu sobrenome é pesado e leve ao mesmo tempo. Pesado porque as pessoas sempre dizem: ‘Você está fazendo isso, será que seu avô faria isso?’ Sei lá, não tem como saber. Mas também acho que o sobrenome que é leve, por causa do respeito, o carinho que as pessoas tinham por ele.

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Tenho um nome forte e me orgulho disso. Antes eu só tinha a imagem do avô. Agora, paro para pensar no que ele fez, sobre o jeito que agia, suas posturas, sempre calmo, dando risada, todo mundo ria junto e tenho mais noção da importância dele. Na oitava série, tive que fazer um trabalho sobre ditadura e, lá na Riviera, assisti a um vídeo sobre o AI 5. Aí vi muita coisa que meu avô fez. Até hoje muita gente fala bem de Covas para mim, quando ficam sabendo que ele era meu avô, e sempre tem um reconhecimento. Uma mulher mais velha veio me dizer que uma vez dançou com meu avô; outro, que ele fez um projeto que o beneficiou. Na escola, mesmo os professores petistas diziam que votavam em Covas. Uma vez, em um clube, quando fui apresentada como neta de Covas, uns garotos começaram a falar mal dele. Depois descobri que eram parentes do Paulo Maluf.

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OS FAMILIARES Sobrinha e prima de Mario Covas falam da convivência com o político em tempo integral Estar ao lado de Mario Covas era respirar e viver a política. Os parentes mais próximos não escaparam da regra. Renira, sobrinha de dona Lila, e Renata, prima de sangue, acompanharam a trajetória.

Renira de Nardo sobrinha e secretária particular de dona Lila No dia 31 de dezembro de 1994, véspera da posse, o tio Mario me chamou para uma conversa lá no apartamento: ‘Olha, a partir de amanhã você vai ser a mulher mais linda o mundo, a mais inteligente e vão querer te dar presentes. Não acredite em nada disso. Em quatro anos tudo vai acabar’. Eu era secretária da presidente do Fundo Social de Solidariedade, a tia Lila, e morava com eles no palácio. Depois que todo mundo ia embora, o expediente lá na ala residencial continuava, ele me chamava e pedia as coisas. Foi a tia Lila que me convidou, porque precisava de uma pessoa de confiança. Ele não queria me contratar, por ser parente. Mas tia Lila precisava. Então o Covas resolveu o problema à sua maneira. Eu pedi licença sem vencimentos na prefeitura de Santos e ele me pagava o salário do próprio bolso.

Regina Covas prima e militante política Sou 11 anos mais nova que o Mario, e desde muito pequena, depois da morte de meu pai, fui morar com nossa avó em Santos. O tio Mario, pai do Mario Covas, depois que se separou, também foi morar lá. Minha convivência com ele foi familiar e cresceu sob o pilar da política. Quando ele era deputado federal, passamos a conviver mais de perto. Eu estudava na UNB, era militante estudantil e estava sempre na casa dele, na 105 – Sul, nunca me esqueço desse endereço. Era um verdadeiro quartel general da política brasileira, com grandes discussões, reuniões e encontros. Mas não era só isso. Na época da ditadura, o Mario abrigou muita gente naquele apartamento.

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O TRABALHO DO ENGENHEIRO De volta a Santos, Mario Covas passou a trabalhar como engenheiro na Secretaria de Obras da prefeitura municipal Em 1956, três dias consecutivos de violentas chuvas provocaram alagamentos e deslizamentos nas encostas dos morros de Santos. O Monte Serrat, conhecido pelo antigo cassino construído no topo e pelo funicular que lhe dá acesso, perdeu um pedaço tão grande de sua encosta que lhe alterou a forma. Uma proteção de concreto, construída depois das chuvas, ficou como marco da catástrofe. Os deslizamentos no morro do Marapé e no José Menino comoveram a público. Como engenheiro da prefeitura, Mario Covas participou intensamente dos socorros à população atingida. O noticiário da televisão mostrou as imagens do resgate de uma senhora grávida dos escombros de sua casa. Mario Covas, que dirigia a operação, começou a se tornar conhecido.

Oswaldo Ali amigo de Santos Era uma coisa dantesca. Foram soterrados uns 40 chalés, morreram 22 pessoas. O Mario era o engenheiro encarregado dessa parte, dedicou-se a um trabalho insano. Foi marcante sua dedicação à população, revelando sua identificação com o sofrimento das pessoas e com as causas populares. Ele deixou um marco que mereceu a admiração de todos nós. Começou aí a possibilidade de Covas ser candidato a um cargo administrativo.

Moacir Bezerra da Silva fiscal de obras da Prefeitura de Santos Rigoroso, correto, ele não queria saber de encrenca. Era tudo na caneta. Covas faz muita falta, é como um pai de família que se afasta. Faz falta para o povo, para o Estado, para o país. Como um pai bom. Politicamente, Mario Covas foi um exemplo não só para o Brasil, mas para outros países. Começou cedo, era inteligente, sabia tudo o que ia fazer, não fazia coisa errada.

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A PRIMEIRA CAMPANHA Em 1961, os contatos políticos haviam se aprofundado o bastante para Covas ser convidado a se candidatar à prefeitura de Santos A política paulista do início dos anos 1960 era dominada por duas figuras rivais: Adhemar de Barros e Jânio Quadros. Nas eleições santistas de 1961, Adhemar apoiava Luís La Scala Junior, candidato do então prefeito Silvio Fernando Lopes. Jânio Quadros preferia Mario Covas, candidato da oposição. Apurados os votos, La Scala foi declarado vencedor e diplomado. Mas não chegou a tomar posse. Vítima de um acidente de automóvel, entrou em coma e morreu poucos dias mais tarde. Surgiu, então, uma controvérsia sobre quem deveria assumir. Alguns opinavam que esse direito cabia ao vice-prefeito da chapa vencedora. Outros afirmavam que o correto seria entregar o cargo ao segundo mais votado. A questão foi decidida pelo próprio Mario Covas. Colocando suas convicções acima do interesse imediato, defendeu a posse do vice. Consultado a respeito, o Supremo Tribunal Federal referendou o entendimento de Covas. Criou-se assim uma jurisprudência, invocada em 1985 para a posse do vice José Sarney, em lugar do presidente eleito Tancredo Neves, vítima de doença fatal antes do início de seu mandato.

Luiz Antunes Caetano amigo de Santos Sou testemunha de como o Mario entrou para a política. Logo depois do episódio do morro, ele ficou muito à mostra, ficou notório na cidade. Em Santos havia o ademarismo e o grupo que o combatia. Havia também o Fórum Sindical de Debates. Eu estava na casa de Covas, no Campo Grande, quando apareceram os diretores do Fórum, presidido pelo Osvaldo Martins Rodrigues, o Badeco, que era do sindicato dos Agentes de Navegação, o presidente do Sindicato dos Contabilistas, o Vitelmino e o Expedito. Eles tinham feito uma pesquisa em Santos e detectaram que o candidato a prefeito tinha que ser engenheiro. O Mario foi convidado e disse que gostaria de conversar com o prefeito, Silvio, que era o chefe dele. Foi para essa conversa na casa do Silvio e, na volta, afirmou: ‘eu sou candidato!’.

Durval Figueira amigo de Santos A campanha de Covas para prefeito de Santos foi belíssima. O símbolo era a girafa, que identificava Covas como ‘um candidato à altura’. Foi um sucesso. Perdemos a eleição, mas ali começou a atuação dos Amigos do Mario Covas. Quando veio a campanha para deputado federal, Covas teve o apoio dos portuários. Lembro que íamos à noite ao cais do porto de Santos , do 1 ao 25, fazendo campanha. Uma maravilha.

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O SENHOR DEPUTADO A campanha POLÍTICA para a prefeitura de Santos tornou o nome de Mario Covas suficientemente conhecido para elegê-LO deputado federal Sob a legenda do Partido Social Trabalhista (PST), liderado por Jânio Quadros, Mario Covas foi eleito deputado federal em 1962. Empossado em fevereiro de 1963, conquistou no mês de abril seguinte a viceliderança do PST na Câmara, passando, em fevereiro de 1964, à liderança do bloco dos pequenos partidos. Além do PST, esse bloco englobava o Partido Social Progressista (PSP), o Partido Trabalhista Nacional (PTN), o Partido Republicano (PR), o Movimento Trabalhista Renovador (MTR) e o Partido Democrata Cristão (PDC). Com a derrubada do presidente João Goulart pelos militares no dia 31 de março de 1964, iniciava-se o longo período de ditadura militar. Nos primeiros quatro anos, entretanto, o Congresso continuou aberto, embora submetido a fortes ingerências do Executivo. Todos os partidos existentes foram extintos pelo Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, dando lugar ao bipartidarismo, no qual os deputados se viam obrigados a escolher entre a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Reuniram-se na Arena os que apoiavam o governo, enquanto a oposição se reconhecia no MDB. Na recomposição da Câmara, em novembro de 1966, Covas reelegeu-se pelo MDB, conquistando a sua liderança em março de 1967. A seu lado, militavam políticos de atuação expressiva, como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e André Franco Montoro.

Koyu Iha deputado “Estudante de Direito, disse ao então deputado federal Mario Covas que gostaria de me candidatar a vereador por São Vicente. Ele me deu todo o lastro, fui o terceiro mais votado pelo MDB. Estive na casa de Covas para prestar solidariedade quando ele foi cassado. Ficava impressionado com o fato de Covas não sair do país. Ele dizia: ‘Sair por quê? Não devo nada para ninguém!’ Foi uma grande lição que ele deu para quem tinha receio da repressão política. Deixou uma grande força moral.”

Como líder da oposição, Covas procurou derrubar os dois projetos de lei enviados pelo governo que mais limitavam o exercício do jogo democrático. O primeiro deles enquadrava 68 municípios brasileiros como áreas de segurança nacional. Em vez de eleitos, seus prefeitos passavam a ser indicados diretamente pelo Executivo. Para evitar que esse projeto fosse votado, e provavelmente derrotado, a liderança do governo esvaziou o plenário, ocasionando a aprovação por decurso de prazo. O segundo projeto combatido por Covas foi o da criação de sublegendas, para eleições majoritárias e proporcionais. Esse projeto permitia que a Arena continuasse a abrigar grupos separados por interesses regionais e que não queriam perder sua identidade.

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A CASSAÇÃO Na tribuna da Câmara Federal, Covas defende um deputado, entra em confronto com os militares e é cassado e preso O grande embate entre o governo e a oposição liderada por Mario Covas surgiria no final de 1968. O deputado Márcio Moreira Alves pronunciara um discurso considerado ofensivo às Forças Armadas, e os militares resolveram pressionar o Congresso Nacional para que este concedesse licença para se proceder ao processo contra o deputado. No dia 12 de dezembro, Covas fez um discurso contrário à concessão da licença, utilizando argumentos de naturezas jurídica e política. “Contesta-se, sob o império da razão política, uma prerrogativa da qual não temos o direito de abdicar, porque, vinculada à tradição, à vida e ao funcionamento do Parlamento, a ele pertence, e não aos parlamentares. (...) Tem o Poder Legislativo o direito de transferir a outro Poder um problema que, surgido no seu âmbito, da sua competência, o colocará em confronto com outros poderes e instituições? É possível que o faça. Mas, nesse momento, não será um Poder.” Ao término de seu pronunciamento, Mario Covas explicitou a profissão de fé que embasara sua atitude: “Creio na palavra, ainda quando viril ou injusta, porque acredito na força das ideias e no diálogo que é seu livre embate. Creio no regime democrático, que não se confunde com a anarquia, mas que em momento algum possa rotular ou mascarar a tirania. Creio no Parlamento, ainda que com suas demasias e fraquezas, que só desaparecerão se o sustentarmos livre, soberano e independente (...)”. No dia seguinte, o governo editou o Ato Institucional nº 5, que fechou o Congresso e desencadeou uma série de cassações de direitos políticos e prisões. Suspendia também o direito ao habeas corpus. Considera-se geralmente o AI-5 como o principal marco do endurecimento do regime militar. Não restava então outra opção, senão o confronto, pois votar pela concessão significaria abdicar das prerrogativas do Legislativo. Todos os deputados do MDB e mais quatro da Arena manifestaram-se contra. Mario Covas foi preso no dia 15 de dezembro e levado para uma dependência do Exército em Brasília, onde permaneceu por oito dias, sendo liberado na antevéspera do Natal.

Oswaldo Martins amigo, jornalista e secretário de comunicação Mario foi preso pelo Exército em Brasília e, ao ser solto, voltou a Santos. Eu ia toda noite à casa dele conversar. Ele me dizia: ‘Nunca mais vou sair de casa’. A justificativa era: ‘Com que cara vou sair à rua, se sou líder do partido da oposição, 33 deputados são cassados e eu sou poupado? O mínimo que vão pensar é que eu fiz um acordo com os milicos’. Houve uma torcida para ver se saía uma segunda lista, para que ele pudesse ficar aliviado. Foi o que aconteceu em 16 de janeiro de 1969. Nessa noite, estávamos só nós dois, ouvindo a Voz do Brasil como nos dias anteriores, na esperança de alguma novidade. Aí saiu a segunda lista de cassados, com o nome dele. Ele ficou aliviado: ‘Nossa, finalmente eu posso sair na rua!’ Coincidentemente, também saí do jornal em que trabalhava e ficamos os dois desempregados. E fomos procurar o que fazer na vida.

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DEZ ANOS DE INICIATIVA PRIVADA Alijado da política, Mario Covas abriu uma empresa de comércio exterior e trabalhou como engenheiro O afastamento compulsório da política obrigou Mario Covas a procurar outras atividades. Em um primeiro momento, tentou montar uma empresa de importação e exportação. Foi para o Rio de Janeiro e FEZ vários contatos com embaixadas que, na época, ainda não haviam se transferido para Brasília. Surgiu, no entanto, outra possibilidade. Esmerino Arruda, deputado também cassado em 1964, montara a empresa Rent TV, dedicada ao aluguel de aparelhos de televisão, sobretudo para hotéis. Sugeriu que Mario Covas montasse uma empresa similar em São Paulo, onde as condições pareciam ser ainda mais favoráveis. O deputado federal Ubirajara Keutenedjian, presidente do PST, partido por meio do qual Covas entrara na política, era proprietário de uma cadeia de hotéis, interessou-se não apenas em alugar os aparelhos da empresa a ser montada, como a apresentá-la a outros proprietários de hotéis. Covas possuía, ainda, valiosos contatos por intermédio de parentes de sua esposa, Lila Covas, comerciantes no ramo de eletrodomésticos. Por motivos ignorados, entretanto, essa ideia não se concretizou. Covas preferiu insistir no seu primeiro projeto e montou a MACO Importação e Exportação.

Jair Manhani e Alzira Monteiro dos Santos Manhani amigos de Santos e atuais proprietários da MACO Mario Covas era muito rigoroso e detalhista. Uma vez, um fiscal da alfândega queria falar com o dono da empresa, com o Mario Covas, especificamente, antes de desembaraçar a mercadoria. Ele, irritado, disse: ‘Eu vou até lá pessoalmente ver o que ele quer’. Foi e, ao chegar lá, já com as garras afiadas, constatou que o fiscal queria era rever o velho amigo dos tempos de juventude. Todo mês era uma loucura. Ele fazia o balancete mensal da empresa aos domingos. Chamava todo mundo, fumava feito um louco e ficava até as dez da noite fazendo o balancete, conferindo e refazendo todos os cálculos. Às vezes ele ficava sozinho no escritório, e quando ia embora, deixava o escritório todo aberto. Batia a porta e saía. As meninas que faziam ponto ali na rua ligavam para a casa da gente avisando. Na mesa dele tinha uma campainha para chamar as pessoas. A campainha tocava o dia inteiro. Não ligava se achavam que ele era chato.

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Um dia depois de aberta a empresa, foram ao escritório de Santos militares da Aeronáutica à paisana e um delegado do Dops. Prenderam Covas sem dizer para onde seria levado. Oswaldo Martins seguiu os militares até o comando da Quarta Zona Aérea na capital, prosseguindo até a Base Aérea de Cumbica, local da detenção. Em Cumbica, Covas ficou onze dias, período no qual depôs como testemunha no caso Parasar, por ele denunciado. O caso referia-se ao brigadeiro João Paulo Burnier, do gabinete do ministro da Aeronáutica Márcio de Sousa e Melo. Atribuía-se a Burnier um plano para explodir o gasômetro do Rio de Janeiro e sequestrar 40 políticos da oposição, que seriam levados em um DC-3 e atirados ao mar.

Paulo Maluf prefeito de São Paulo Em 1969, eu era prefeito de São Paulo e fui procurado por um amigo comum. Eu me dava muito bem com o comandante da Quarta Zona Aérea, brigadeiro José Vaz da Silva. Liguei para ele e perguntei sobre o Mario Covas, disse que a família estava preocupada. Falei que Covas e eu éramos contemporâneos da Poli, dei boas referências e avisei a família.

Uma vez liberado, Covas voltou às suas atividades na iniciativa privada, não sendo mais incomodado pelos militares. Como os negócios de importação e exportação não deram os resultados esperados, mudou-se para São Paulo, onde passou a trabalhar como engenheiro na Codrasa, empresa de Léo Maniero, ex-colega da Escola Politécnica. Lá permaneceu até 1977, transferindo-se então para a Ductor Implantação de Projetos, outra empresa de engenharia formada por ex-colegas da Escola Politécnica da USP.

Lúcia Maria Dal Médico colega na Ductor e assessora especial do governador Nossa afinidade foi instantânea. Ele dizia que eu tinha um nariz político, queria que eu lesse um livro sobre política eleitoral. Fiquei amiga da família, a gente pensava da mesma forma. Eu estudava astrologia, fiz o cálculo do ascendente dele, era Touro com ascendente em Touro. A teimosia não era só por causa do lado espanhol. Eu chegava de manhã, ele me chamava para conversar sobre assuntos gerais, mas a política estava sempre presente, uma paixão. Covas foi uma figura enfática. Dizia que não era bravo, era enfático e trabalhava muito. Na Ductor, usava aquelas fichas de contabilidade, conferia centavos, extrato bancário, era apegado à perfeição. Tinha senso de justiça e coerência com ele mesmo.

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Mario Covas discursa durante convenção do MDB em 1979, após recuperar os seus direitos políticos

VOLTA À POLÍTICA mario Covas mantém atividade política semiclandestina no período de cassação, apóia o MDB e participa de campanhas de outros candidatados Durante os anos em que esteve cassado, Mario Covas nunca deixou de fazer política. Participou de vários encontros semiclandestinos com lideranças e personalidades interessadas em pensar o futuro do país. Também acompanhava e incentivava a trajetória ascendente do MDB. O partido oposicionista ganhara visibilidade redobrada na transição de Emílio Garrastazu Médici para Ernesto Geisel na presidência da República, quando Ulysses Guimarães lançara a sua “anticandidatura”. Em companhia do candidato a vice, Barbosa Lima Sobrinho, Ulysses Guimarães percorrera as capitais brasileiras divulgando o ideal da volta à democracia. A impossibilidade de vitória no Colégio Eleitoral, na eleição a presidente de 15 de janeiro de 1974, não impedira a ampla repercussão popular da campanha. Os reflexos seriam sentidos naquele mesmo ano, quando o MDB elegeu 15 senadores nas 21 vagas em disputa e 165 deputados federais dos 364 que haviam sido eleitos. Nas eleições seguintes, marcadas para 1978, Covas não podia concorrer diretamente, pois não se esgotara o prazo de sua cassação. Mas voltou à arena política e, mais uma vez, sua ação foi decisiva. Uma das sublegendas do MDB apresentara o nome de Fernando Henrique Cardoso para o Senado. Na mesma sublegenda, Antonio Angarita concorria a deputado federal. Por coincidência, o comitê eleitoral de Angarita ficava próximo da Ductor, onde Mario Covas trabalhava. Os dois se conheciam e se estimavam. Era quase inevitável que, ao terminar o expediente, Covas passasse pelo comitê de Angarita. A convivência com Angarita, incentivada por amigos comuns, levou Covas para a campanha de Fernando Henrique Cardoso. Embora oficialmente cassado, arriscou-se a participar, comparecendo a comícios e multiplicando os contatos. Além do mais, o prestígio do seu nome alavancava qualquer candidatura.

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Graças em boa parte a esse apoio, Fernando Henrique elegeu-se suplente do senador Franco Montoro com 1.250.000 votos. Vigorava então o sistema de sublegendas, duas por partido nas eleições majoritárias. Dentro do mesmo partido, podiam concorrer no caso do Senado até dois candidatos por sublegendas. O mais votado assumia e o segundo mais votado tornava-se primeiro suplente. Em 16 de janeiro de 1979, Mario Covas recuperou seus direitos políticos. Naquela ocasião, amigos e correligionários lotaram o Teatro Independência, em Santos. No seu discurso de agradecimento, Covas reafirmou os valores democráticos fundamentais que haviam embasado, dez anos antes, seu último discurso antes da cassação do mandato de deputado federal. A força do arbítrio que o afastara do caminho da política não fora o bastante para abalar suas convicções.

José Maria Guimarães Monteiro – coordenador de campanha e presidente da cosesp Foi emocionante o ato que marcou o fim do período de cassação do Covas. O apresentador foi o ator Carlos Zara, amigo e ex-colega da Poli. Também estavam presentes José Richa, Fernando Henrique Cardoso, Ulysses Guimarães e Oswaldo Martins, este o grande artífice do evento. O mais tocante foi quando Mario Covas subiu à tribuna e retomou o discurso do ‘credo’ de 1968, onde ele afirmava que acreditava na palavra, no regime democrático e no parlamento. A crença de Mario Covas continuava para a construção da democracia.

Eva Wilma - atriz e amiga Meu marido Carlos Zara tinha orgulho da amizade com Covas. O próprio Mario o convidou para apresentar seu retorno à vida política em Santos. Aí eu vi Mario Covas falando. Era uma fase de conscientização permanente, oportunidade inesquecível. Posteriormente, a amizade se solidificou, quando me engajei na campanha contra a ditadura e pela anistia. Formamos um grupo que liderou a campanha de artistas pela anistia, com Antônio Fagundes, Carlos Vereza, Renato Consorte, Zara. Levamos 700 assinaturas a Brasília, em mãos. A oportunidade da campanha quem nos deu foi uma turma de homens como Sérgio Motta e Mario Covas.

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A CONVENÇÃO DE 1981 mario Covas disputa com orestes Quércia a candidatura a vicegovernador na chapa de Franco Montoro A reformulação partidária desencadeada com o fim do bipartidarismo, em 29 de novembro de 1979, levou Covas a filiar-se ao PMDB, sucessor do MDB, assumindo a presidência da comissão executiva regional. A mudança de nome não apaziguara a rivalidade entre as facções do partido. A convenção de 20 de junho de 1981 ratificou o nome de André Franco Montoro como candidato do partido à eleição para governador, vencendo as pretensões de Orestes Quércia, que lutava pelo posto. Houve, no entanto, uma contrapartida. Estava acordado que Covas sairia candidato a vice-governador na chapa de Montoro, mas Quércia tumultuou a convenção através do MR-8, grupo que ele controlava integralmente, e conseguiu o lugar para si.

Nelson Fabiano Sobrinho secretário de Governo na Prefeitura Era preciso compor a executiva do partido, e estava difícil. Vários integrantes foram para a minha casa - na sala ficaram Franco Montoro, Fernando Henrique, Grama e acho que o Almino Afonso. No quarto estavam Quércia, Goldman, Robson Marinho, Resk e eu, andando do quarto para a sala. A chapa ficou com Covas presidente, Goldman vice, mas eram cinco componentes. Fabiano percebeu que os dois grupos queriam o mesmo nome para o quinto cargo, que seria João Gilberto Sampaio. Combinou-se que o grupo de Quércia fingiria aceitar o nome de Gilberto. Na convenção do partido, Covas tinha sido escolhido vice. Quércia queria ser vice e havia risco de rachar o partido. O MR-8 estava apoiando bravamente Quércia, e Covas não teve dúvida. Mesmo já escolhido, abriu mão da candidatura em nome da unidade do partido.” Maria de Lurdes da Silva (lurdinha) militante e assessora de governo A convenção foi uma briga de foice. Houve um primeiro momento em que a disputa ficou entre o Quércia e o Montoro, o Montoro levou vantagem, o Covas como vice dele. Aí o Quércia saiu e foi criar um caso desgraçado para virar o vice, e virou, mas foi uma briga terrível. Todo mundo gritava e muita gente contra, até porque o pessoal do MR-8 era ligado ao Quércia. Briguei muito nessa convenção. Eu não podia subir ao palco. Estava lá o Ulysses Guimarães, o Montoro e o Covas, que era o presidente do partido. Iam me tirar de lá, mas eu disse que não ia sair. O Zuzinha falou: ‘larga ela aí’. Ninguém ia me tirar de lá. Eu só arrumava confusão. Respondi a tanto processo na minha vida por causa de política. Fazia tudo da minha cabeça, não ficava esperando ninguém, e o Mario Covas sempre me apoiava.

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Covas dedicou-se à sua candidatura a deputado federal, elegendo-se em 1982, no mesmo pleito em que André Franco Montoro tornou-se governador do Estado de São Paulo.

Maria Cristina Mazagão militante e chefe de gabinete do memorial da américa latina Mario Covas era candidato pela primeira vez depois da cassação. Desde que eu soube que ele era candidato, tinha decidido que ele era meu voto para federal. Foi aberto um comitê na avenida Juscelino Kubitscheck, no meio do caminho onde eu morava e onde estava instalado o comitê do Montoro. Um dia, fui até lá com a cara e coragem, bati na porta, e disse: ‘Vou votar no Mario Covas e vim buscar material’. Na campanha do Montoro, eu cuidava das reuniões com candidatos a vereador na capital. A gente precisava de mais espaço, e lá fui eu pedir no comitê do Covas. Na primeira reunião alguém me disse que o Mario Covas queria me cumprimentar. Covas gostava de ver as pessoas, conversar com elas, dar atenção. E para mim foi uma maravilha. Eu parecia uma menina de colégio, não parecia que eu já estava no meio da política, ao conhecer um daqueles ícones da luta contra a ditadura. Ele foi muito gentil, acompanhou de longe cinco minutos da reunião e me pediu para fazer uma reunião em Santos, no comitê dele, nos moldes do que fazíamos na capital. Chamava Projeto Brigadas, nem lembro a razão, mas era um projeto grande, com várias pessoas envolvidas. E lá fui eu a Santos junto com Mario Covas. Fui e voltei. Uma das coisas que mais impressionavam no Covas era a capacidade de dar atenção às pessoas.

Covas e Montoro mostravam-se favoráveis a uma mudança na legislação, permitindo a volta das eleições diretas para a prefeitura da capital. Havia um projeto de lei nesse sentido, e a mudança parecia possível. Enquanto essa questão não se decidia, Covas exerceu as funções de secretário dos Transportes do governo Montoro. Em maio de 1983, ao se verificar a inviabilidade imediata de eleições diretas, Covas assumiu a Prefeitura por indicação de Montoro.

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PREFEITO DE SÃO PAULO No comando da capital paulista de 1983 a 1985, Mario Covas buscou reduzir a desigualdade social Em seu discurso de posse como prefeito nomeado do município de São Paulo, Mario Covas anunciou como diretriz o esforço para diminuir as desigualdades sociais. “O espaço entre o centro da cidade e o mais longínquo trecho da periferia não se mede em quilômetros apenas, mas, sobretudo, em distância social. Ali, as pessoas vivem sob padrões elevados. Acolá, tentam precariamente administrar a própria sobrevivência. De um lado, o superconsumo do supérfluo, de outro, o subconsumo do essencial.”

Antonio Benjamim Giosa assessor do prefeito Covas ficava intolerável, chutando lixo, passando mal, com os nervos à flor da pele, quando tinha de aumentar a tarifa do ônibus, porque sabia que atingia direto o bolso do trabalhador. Era um horror. Ele nunca enganou ninguém: se dava para atender, atendia; se não dava, dizia logo. Atendia todos os vereadores, independentemente do partido. Lembro também que ele não queria aumentar quadro de pessoal e não atendia secretários que vinham pedir novas contratações. Para esses, dava um chá de cadeira.

Lelivaldo Benedicto Marques presidente da Cohab Nunca trabalhei tanto, ganhei tão pouco e fui tão feliz. O Mario não se incomodava com coisas pessoais, com o que falavam dele, queria fazer o bem. Trabalhamos muito na Cohab. Havia um grande estoque de terra e financiamento do Sistema Financeiro da Habitação. Foram 33 mil habitações emtregues em 34 meses. Concluímos o Conjunto Habitacional Cidade Tiradentes, que começou com o Paulo Maluf, continuou com o Reynaldo de Barros, mas estava todo deteriorado. Na inauguração, Covas pediu desculpas por entregar um local tão distante do centro aos moradores. As unidades eram entregues em sorteios, obedecendo a uma fila. Nunca fui peemedebista ou psdebista, sou covista.

A preocupação com a periferia orientou várias medidas para levar até ela serviços antes só disponíveis nas ruas centrais, como a implantação, em outubro de 1985, da varrição e da limpeza em todas as ruas asfaltadas da capital. Até então, esse serviço só existia em 20% das vias públicas.

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Edson Tomaz militante e diretor da cosesp O Mario Covas tinha uma prática política avançada e pedagógica, quando chamava a população a se organizar, a participar dos mutirões. Ele sabia distinguir muito bem quem falava de problemas pessoais ou quem era termômetro social – nesses casos, ficava mais de uma hora conversando. Ele adorava.

Francisco de Assis Silva (Chicão) líder comunitário Na época, nós organizamos um mutirão cata-lixo no Jardim das Oliveiras, onde não havia coleta de lixo porque nenhuma rua era asfaltada. A idéia era levar as 12 toneladas de lixo para o gabinete do prefeito, no Ibirapuera. Mario Covas ficou sabendo e foi até o bairro ver o que estava acontecendo. Ele ficou impressionado com a organização da população. Mandou retirar o lixo e marcou uma reunião no gabinete, quando surgiu a idéia dos mutirões de guia e sarjeta. Era prefeito amassa barro, ajudava a assentar guia, dona Lila ia junto, até debaixo de chuva.

Para atender as vastas áreas sem pavimentação de São Paulo, foi desencadeado um programa de mutirões para a colocação de guias, sarjetas e calçamento. A preferência pelos mutirões, solução encontrada para contornar a escassez das verbas disponíveis, contribuiu intensamente para tornar mais conhecido o nome de Mario Covas. Ele fazia questão de visitar pessoalmente todas as obras, passando a maioria de seus fins de semana na periferia da capital paulista.

Cleuza Ramos líder comunitária Conheci Mario Covas como prefeito da cidade, nos mutirões de guias e sarjetas da periferia, e logo me apaixonei. Ele estava lá com a gente nos finais de semana, chegava às sete horas da manhã, e isso fora do período de eleição. Covas era do povo, punha a mão na massa, não chegava à periferia como prefeito.

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Carlos Eduardo Sampaio Dória secretário das Administrações Regionais

Ele dedicou parcela importante da infraestrutura e da equipe da prefeitura para equipar melhor as administrações regionais, para melhorar o diaa-dia da população, com atendimento melhor, com máquinas e pessoal capaz de atender com qualidade. Covas parou a decadência das administrações regionais. Era tão angustiado em atender a periferia que não se conformou com o papel burocrático e passivo. Tomou a iniciativa de ir em busca dos problemas. Luiz Carlos Frigério assessor de gabinete Um dia ele abriu um monte de pastas e mandou eu escolher uma. Estava escrito: Pirituba-Perus. Ele disse: ‘É isso que eu quero que você faça, no fim de semana, com seu carro. Você vai visitar escolas, postos de saúde, creche, parques. Vai fazer vistoria em cada lugar e trazer o relatório. Te dou um mês’. Isso ele fez com cada subprefeitura e com cada assessor. Tinha que trabalhar mesmo. A gente era os olhos dele. Não que ele não tivesse olhos. Toda noite, quando saía do gabinete, ele queria ver alguma coisa. Na época, a prefeitura comprou uma máquina de frisagem e ele quis ir lá na Freguesia do Ó ver, às nove da noite. A máquina ia operar, era nova. Atrás vinha a equipe para asfaltar as ruas. Ele achou que o funcionário que operava o esguicho de óleo quente não estava fazendo de forma correta. Foi lá, pegou o esguicho e mostrou ao rapaz como devia ser feito. Ficou todo sujo de óleo. Com a máquina nova de desentupir bueiro ele fez a mesma coisa.

Marilene Batista dos Santos, Tia Lena líder comunitária Na época da prefeitura, fizemos um laço de amizade, de luta, sempre juntos. Durante os mutirões, Covas ia às entidades, e o almoço era pão francês com mortadela. Covas tinha um carinho, uma atenção especial para as associações que trabalham em prol da comunidade. Pesquisava a condição de vida dos moradores, caminhava com a gente na periferia e valorizava muito o trabalho da mulher e a participação feminina na vida política.

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Jayme Aparecido de Souza líder comunitário A diferença entre Covas e os outros políticos é que ele era popular, carismático, fazia por onde ganhar a confiança da gente, nunca se atrasava, não faltava aos encontros marcados, não deixava ninguém falando sozinho. Pedia para marcar um pedido num pedaço qualquer de papel e depois mandava fazer. Ia para o bar com os moradores tomar café e comer pastel. Mario Covas não era prefeito, senador, governador. Era amigo. Ia lá em casa, comia marmitex e pedia licença para tirar a camisa.

Padre Rosalvino Era engraçado o jeito de ele falar com a população. Quem não conhecia, achava que ele estava agredindo o povo. Mas, prestando atenção, chegando mais perto, era fácil ver a vontade, a força a garra. Ele queria que o povo participasse do progresso e do desenvolvimento. Não achava correto a prefeitura fazer, inaugurar e ir embora. Para Mario Covas, o povo era o autor da obra, o verdadeiro protagonista. Na periferia, cabia às lideranças agregar e motivar a população. Aí ele vinha, cobrava, fazia junto e chorava. Muitas vezes vi lágrimas de emoção no rosto de Covas nas inaugurações de guias e sarjetas. E não era só ele que chorava.

A iniciativa mais marcante de sua passagem pela prefeitura foi a criação, em dezembro de 1983, da Carteira de Passageiro Especial – O Passe do Idoso, permitindo que as pessoas com mais de 65 anos viajassem gratuitamente nos ônibus da cidade, entrando pela porta dianteira dos veículos. A repercussão extraordinária dessa iniciativa pioneira, copiada posteriormente por um grande número de cidades brasileiras, é considerada uma conquista definitiva, que hoje ninguém pensaria em abolir. Além disso, Covas iniciou os corredores de ônibus, com a implantação do corredor Santo Amaro – Nove de Julho e a corajosa intervenção no sistema de transporte de ônibus da capital.

Adriano Murgel Branco conselheiro da cmtc Covas foi ousado na prefeitura da capital. Dificilmente os prefeitos têm coragem para enfrentar a máquina do transporte privado, que sempre foi muito forte. A gente conhecia a máquina e não havia mais a pressão dos militares. Podia dar errado a iniciativa dele, mas não deu.

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Getúlio Hanashiro secretário de Transportes Covas sempre relutava em tomar uma decisão em prejuízo da população mais carente. Na época, os empresários do setor de transporte coletivo publicaram matéria paga nos jornais, ameaçando não aceitar mais o Passe do Idoso. Foi o estopim para Mario Covas, e a prefeitura fez a intervenção. Às 18h57 do dia marcado, Covas deu entrevista para a rádio Jovem Pan, dizendo: ‘Face a ameaça das empresas de ônibus, e para que a população não sofra, decreto a intervenção no sistema de transporte de ônibus em São Paulo’. Aí entrava no ar a Voz do Brasil. Disparamos o processo, saímos do gabinete para as treze empresas, e Mario Covas foi junto para uma delas. Foi uma medida de preservar a autoridade pública em defesa do interesse público. Em menos de 24 horas mobilizamos mais de 1.100 pessoas. Ganhamos em todas as instâncias jurídicas do país. As empresas foram pegas totalmente de surpresa, e a lei era clara. Toda a arrecadação que entra é gerenciada pela prefeitura e tudo que sai é pago pela prefeitura, com técnicos da CMTC gerenciando as empresas durante a operação. Deu para ver o alto grau de rentabilidade das empresas, na época.

Sua gestão também se mostrou superior no que se refere ao número de quilômetros pavimentados e ao preço pago aos empreiteiros. Segundo um levantamento publicado pelo Jornal da Tarde, em 13 de junho de 1989, o metro cúbico na sua gestão saiu por pouco menos de 5 OTN’s , valor um pouco inferior ao pago por Olavo Setubal e menos de um quarto daqueles vigentes nas gestões de Reynaldo de Barros e de Jânio Quadros. Por outro lado, a média mensal de 35 quilômetros pavimentados na gestão Covas foi mais do que duas vezes superior à observada nas gestões de Setubal, Jânio, Reynaldo de Barros ou Paulo Maluf.

Antonio Arnaldo Queiroz e Silva secretário de Vias Públicas Quando eu levava proposta de asfalto para regiões mais nobres da cidade, Covas era contra. O que ele queria era diminuir a distância social. Empresários, empreiteiros tinham dificuldade em falar com o prefeito, ao contrário de entidades como associações de bairro, que eram logo atendidas. Covas era trabalhador sério e honesto. Eu lembro que a grande carência da população naquela época era o asfalto, e então Covas bolou os mutirões de guias e sarjetas nos bairros pobres. Foram quatro mil ruas asfaltadas, um negócio de louco, mas Covas adorava essas coisas do povo e dizia: ‘A pavimentação valoriza o imóvel e facilita a vida das pessoas, até caminhão de lixo, de gás e de entregas podem transitar’.

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Na Educação, as três prioridades eram a reestruturação da carreira, a reorganização escolar e o currículo. Covas refez todo o regimento escolar, dando mais força para o conselho escolar e favorecendo a participação de pais e professores na gestão da escola. Esse processo, em detalhes, está depositado na Fundação Carlos Chagas. Covas acompanhou de perto todo o processo e a participação da população.

Guiomar Namo de Mello secretária da Educação Quando Covas acreditava na proposta, ficava ao nosso lado e nos dava confiança para ousar. Mudar toda a carreira de professor, enfrentar a burocracia da secretaria. A briga pela merenda escolar, com uma oposição inconseqüente e leviana, foi tarefa árdua. Trabalhar com ele foi uma experiência de ousadia e firmeza. Mario não transigia, desde as coisas menores às grandes. Se concordava comigo, ia até o fim. Na época, existiam recursos para construir 21 pré-escolas, mas Covas pediu uma revisão. Ele ajudou, e pudemos construir 57 escolas, das quais 14 de ensino fundamental.

Durante sua gestão na prefeitura, Mario Covas aumentou de 28% para 39% a participação da área social no orçamento do município. Ainda assim enfrentou quatro greves do funcionalismo, conflitos com os sem-teto e outros movimentos reivindicatórios, como o dos desempregados que permaneceram acampados diante da prefeitura em setembro e outubro de 1984.

João Dória Junior presidente da Paulistur No custo do Carnaval, ele discutia centavos. No início, o custo total do Carnaval era bancado pela prefeitura. No final da gestão Covas, a iniciativa privada arcava com 75% desses custos. Ele adorava frequentar os eventos da ‘equipe dos menudos’ da Secretaria de Turismo e da Paulistur e dizia: ‘Só me convidam para eventos prazerosos, não me pedem dinheiro’.

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Denisard de Oliveira Alves secretário de Finanças Herdamos a prefeitura de São Paulo quase quebrada. Durante um tempo, só vinham pessoas querendo receber, não tinha dinheiro nem para a folha de pessoal. Em janeiro, foi feito um empréstimo com o Banespa, uma antecipação de receita para pagar o funcionalismo. Foi dureza o primeiro ano para recuperar. O Mario era duro nas negociações, forçou redução de preços de pavimentação, obras, coleta de lixo. Recuperamos as finanças do município sem aumentar os impostos.

Iberê Bandeira de Mello secretário de Negócios Extraordinários Mario Covas não era homem de revanche. Na época, o bairro de Santo Amaro queria se emancipar, e um deputado do MDB fez um pronunciamento na Assembléia Legislativa, dizendo que Covas usava métodos escusos. Ele, é claro, não gostou nem um pouco. Passou. Um belo dia, Covas me chama para testemunhar uma conversa em seu gabinete. Entro na sala do prefeito e lá está sentado o tal deputado. O clima, no início tenso, foi ficando tão bom que o deputado se dispôs a pedir desculpas publicamente. Mario Covas não quis. Era homem de grandezas.

A gestão de Mario Covas na prefeitura de São Paulo terminou em 31 de dezembro de 1985.

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SENADOR CONSTITUINTE Em 1986, Mario Covas elegeu-se senador com 7,7 milhões de votos, o maior resultado eleitoral no Brasil até então A volta das eleições diretas para prefeito nas áreas de segurança nacional deveria fazer de Mario Covas o candidato natural do PMDB. Mas, como recorda Fernando Henrique Cardoso em A Arte da Política, uma manobra política no Congresso vedou aos titulares das prefeituras o direito de se candidatar em 1985. “Favorecia-se, assim, a candidatura do ex-presidente Jânio Quadros, do PTB, em coligação do PFL, com a eliminação do competidor mais forte da oposição, Mario Covas.” A alternativa do PMDB consistiu em apresentar o próprio Fernando Henrique no lugar de Covas. Jânio venceu as eleições. Covas também não conseguiu a indicação para as eleições ao governo de São Paulo em 1985. A escolha recaiu sobre Orestes Quércia.Em compensação, em novembro de 1986, Covas elegeu-se senador com o maior resultado eleitoral da história política do Brasil até então – 7.785.667 votos. Empossado em 1º de fevereiro de 1987, primeiro dia de funcionamento da Assembléia Nacional Constituinte, assumiu logo a seguir a liderança do PMDB, rivalizando em influência com o presidente Ulysses Guimarães.

Fernando Padula Clube dos Tucaninhos Um dia toca o telefone lá em casa: ‘O senador quer falar com você’. Era a primeira vez que eu iria ao escritório dele, e ele falou: ‘Menino, você sabe onde é o prédio da IBM? Meu escritório fica em frente. Passa aqui’. Lá fui eu. Minha mãe não estava em casa nem meu pai. Minha tia foi comigo. Eu fiquei lá, um menino de 11 anos, conversando durante uma hora e meia com o senador Mario Covas. Acho importante falar isso porque mostra o quão diferenciado ele era. Um senador em pleno exercício do mandato, com quase 8 milhões de votos, com alguém que não era filho de ninguém conhecido. Nessa conversa, ele disse: ‘Agora, uma vez por mês, você me liga, passa aqui, pra gente ir conversando’. Eu estava no Boletim de Ligações do senador Mario Covas. Como líder de bancada, Covas ganhou a reputação de excelente negociador. Não reunia o número de votos para vencer um embate direto com o Centrão, bloco parlamentar majoritário. Mas, negociando cuidadosamente, conseguiu dar cunho mais avançado a assuntos quase tabus, como o da reforma agrária.

Mendes Thame deputado federal constituinte e secretário de recursos hídricos Mario Covas teve um papel extremamente importante para que a Constituição corrigisse problemas, para que a legislação não fosse só um conjunto de regras sobre direitos, mas um indutor de comprometimentos, inibindo os deletérios e estimulando aqueles com propostas mais avançadas no campo das reformas, nos temas de preservação do meio ambiente e nas grandes questões sociais. Defendeu o parlamentarismo e opôsse aos cinco anos de mandato para o presidente José Sarney. Embora vencido nesses dois embates, sua atuação mostrou-se essencial para a evolução da política partidária no país.

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Antonio Delfim Netto deputado federal constituinte Eu era presidente da Comissão de Princípios, e o Covas, comandante do bando que se acreditava socialista. Era divertido ver o Mario invadindo a Comissão para exigir dos liderados os votos. Havia bom humor, enriquecia as divergências. Ele não era mal humorado, era turrão. Tínhamos divergências ideológicas, mas nunca tive intenção de convencê-lo. O importante era que tanto eu quanto ele acreditávamos no teorema de Pitágoras. Nem eu perdi tempo para tentar convencê-lo nem vice-versa.

Miguel Reale Junior secretário de Administração e Modernização do Serviço Público Durante a Constituinte, eu assessorava a presidência, e Covas era o líder do PMDB com uma posição marcante. Pela manhã, os líderes se reuniam, e Covas, como líder da maioria, presidia as reuniões. Fazia a lição de casa, anotava tudo, tinha absoluta memória e raciocínio lógico, unidos à capacidade emocional. Os discursos na Constituinte impressionavam pela firmeza do raciocínio e a emocionalidade. Ele sempre teve posições de coerência e fidelidade a seus princípios, às vezes exageradamente. Como no caso da votação sobre os cinco anos para o governo Sarney. Covas fez uma consulta não oficial aos convencionais, que mostrou que a maioria do partido votaria pelos quatro anos. Fui interlocutor de uma proposta de José Sarney, de parlamentarismo já e cinco anos para seu mandato. Eu e o Nelson Jobim levamos a proposta para o Mario, que foi inflexível: ‘Se o partido resolveu quatro anos, não aceito’. Uma decisão que contrariava sua própria opinião. Mas Mario Covas era muito firme em suas convicções, não concedia nada que as ferisse.

As posições assumidas por Covas no Senado funcionaram como um divisor de águas, canalizando numa só corrente os políticos do PMDB interessados na renovação do partido. No âmbito paulista, esse desacordo político se via agravado pela velha rivalidade entre o grupo de Covas e o de Orestes Quércia. Além do distanciamento pessoal, havia a separá-los divergências profundas no modo de encarar a prática política. Assim, em junho de 1988, Covas e seus aliados afastaram-se da sua antiga agremiação e reuniram-se sob uma nova bandeira partidária: a do Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB.

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NASCE O PSDB Covas sai candidato à presidência da República na primeira eleição direta desde o fim da ditadura Ao lado de Covas, encontravam-se no PSDB políticos de expressão, como Fernando Henrique Cardoso, Franco Montoro, José Richa, José Serra e Pimenta da Veiga. Mas era urgente confirmar a identidade da nova agremiação, apresentando um candidato próprio à presidência da República. Muito embora as circunstâncias não fossem das mais favoráveis, Mario Covas aceitou a incumbência. Era a primeira eleição direta para a presidência da República desde o fim da ditadura, e ele, que tanto lutara por esse dia, sentiu que não poderia se esquivar.

Maria Helena Berlinck chefe de GABINETE DO GOVERNADOR Não haveria partido se Mario Covas não quisesse. Ele era uma espécie de lastro do PSDB, o que dava sentido e rumo ao partido. Até o fato de terem decidido que a presidência seria ocupada alternadamente em rodízio, foi ideia de Mario Covas. O interessante é que, enquanto Fernando Henrique Cardoso formava os multiplicadores, o Mario Covas viajava. Ele e a Lila saiam pelo interior do Estado fundando os diretórios municipais. Iam de fusquinha, e muitas vezes era o próprio Covas que ia dirigindo.

Avelásio Jacobina líder comunitário Mario Covas foi fundamental para a criação do PSDB. O retrato de 1987 é o retrato de hoje. Quércia dominava São Paulo, pagava camisetas, carro, gasolina, e nós não tínhamos nada. O Mario se reuniu com Montoro, e disse: ‘Vamos criar um novo partido’ com Euclides Scalco, Montoro, Fernando Henrique, Tasso Jereissati, Dante de Oliveira. Covas deu vez e voto para as lideranças comunitárias, foi o grande mobilizador das massas. Dizem que é um partido de elite, mas surgiu porque Covas deu voz às massas. Tinha grandes pensadores, lideranças, que foram ajudando a fazer o estatuto. Mas o mobilizador das massas foi o Mario. Ele era invejado, mas jamais igualado.

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Antonio Perosa deputado CONSTITUINTE e presidente do daee Foi uma dificuldade grande fundar o PSDB. Eu fui o sexto a assinar a lista. A fundação partiu da bancada do PMDB de São Paulo, a maior e mais importante. Ali estavam Ulysses, Covas, Montoro, os grandes líderes políticos da ocasião. Partiu daqui. Companheiros de outros Estados aderiram por princípios. Para mim, pessoalmente, foi muito difícil. O governador de São Paulo, que era o Quércia, quando a gente saiu do partido, foi à minha cidade na campanha subsequente e me chamou de traidor. Eu enfrentei muitas dificuldades, a gente estava deixando um partido organizado e estruturado para criar algo novo. Tanto que não me reelegi. Meu voto era de companheiros do PMDB que tinham feito minha campanha. Quando eu saí, eles não vieram junto. Me lembro de Mario Covas ter dito: ‘Você vai ter dificuldade para se reeleger’. Eu sabia. Mas não podia deixar de ir junto com meus companheiros de partido. Foi uma dificuldade grande para todo mundo. Imagina para um deputado que já tem cinco ou seis mandatos largar um partido tradicional. Foi superdifícil, a gente enfrentou muita oposição, interna do PMDB e externa, sobretudo do PT. De uma certa forma, a gente ocupava espaço semelhante em termos éticos e morais, até então. E o partido só saiu quando Mario Covas deu a palavra de que iria para o novo partido. Ele tinha uma noção de ética muito grande, e o partido só foi fundado depois da Constituinte. Ele não queria enfraquecer a liderança do Ulysses. Necessariamente, a saída do PMDB significava isso. Nós éramos a ala do Ulysses, mas a gente não podia concordar com algumas coisas. Ulysses, para ficar, teve que concordar com isso. Nós saímos. Bob Fernandes - jornalista Deles todos, Mario Covas era o mais dedicado ao partido. O PSDB nasceu e existe porque tinha o Covas. As demais lideranças não tinham dimensão nem estrutura para montar o partido. O Covas acreditava e trabalhava da forma mais profunda e arrojada.

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A CAMPANHA PRESIDENCIAL Partido novo e dificuldade de acordo com políticos influentes deixam Covas em quarto lugar no primeiro turno Na sessão do Senado de 28 de junho de 1989, Covas apresentou as bases de sua campanha presidencial com um discurso de ampla repercussão e que ficaria conhecido como o do Choque do Capitalismo. Nele, anunciava sua crença na social democracia como “a mais vitoriosa experiência política do pós-guerra” e explicitava sua opinião sobre pontos delicados, como o das relações entre Estado e iniciativa privada. Ronaldo César Coelho deputado federal constituinte Covas era uma referência ética na política. Não era referência do meio acadêmico, mas da capacidade de contato com o povo e também de integridade. Entendia o povo mesmo quando o povo não o entendia. Viajei com Covas pelo Brasil todo na campanha presidencial de 1989. A bela campanha que desfraldava a bandeira da ética. Ele não se traiu em momento algum. Íamos a lugares onde não tinha ninguém para receber o candidato, e Covas em nenhum momento demonstrou tristeza ou rebeldia. Foi uma aula para mim - às vezes, não aceito o destino. Aprendi com ele essa superioridade. No fim da campanha, ele ligou pessoalmente para cada um que ajudou.

A necessidade de dar identidade ao PSDB dificultava os acordos com políticos influentes. Em Minas Gerais, o governador Helio Garcia manifestou o desejo de apoiar Covas, mas não chegou a concretizá-lo, pois seu nome foi vetado por Pimenta da Veiga, então prefeito de Belo Horizonte. Pimenta da Veiga, que coordenava a campanha de Covas em Minas Gerais, ambicionava candidatar-se ao governo estadual em 1990 e não tinha interesse numa aproximação com Helio Garcia. A única adesão a Mario Covas entre os governadores partiu de Tasso Jereissati, do Ceará, que deixou o PMDB e aderiu ao PSDB.

Woyle Guimarães coordenador do programa de TV O Covas era explosivo, autêntico, tinha consciência do papel que representava como político. À primeira vista, era formal, preocupado com a campanha, mas depois se mostrou alegre, expansivo. Era reflexivo e tinha medo de ser transformado em boneco de TV. Queria agir como se estivesse numa tribuna onde podia ser eloquente, falava de cima para baixo, com maior volume de voz. Na TV tinha que ser diferente, mas ele era um sedutor. Começaram as gravações, a campanha era tumultuada por ser a primeira, o PSDB não tinha base pelo país, havia Estados onde não tinha sequer local para fazer comício. Foi uma campanha guerreira, com muito envolvimento, Mario Covas olhando de frente, falando a verdade, como sempre fez.

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Covas lutou pela vitória. Ao final do primeiro turno, Covas obteve 11,52% dos votos válidos.No segundo turno, depois de intensa discussão interna, o PSDB acabou por apoiar Lula. Covas manifestou o seu apoio pessoal no Rio de Janeiro. José Serra presidente do psdb “Concordei com o apoio a Lula e internamente defendi a liberação do voto, já que a vontade da maioria era apoiar Brizola no segundo turno. Mas a decisão estava tomada e fui com Covas ao comício do Lula, no Rio de Janeiro. O apoio a Lula em 1989 trouxe desgaste em parte dos eleitores, principalmente em São Paulo, já que muitos não entenderam os motivos do apoio. Em 90 foi muito difícil. Covas não queria ser candidato a governador. O Quércia apresentava um grande volume de obras, e nós não tínhamos prefeitos no Estado. Eu era presidente do partido e os deputados queriam o Covas como candidato a governador para garantirem as suas eleições. Ele foi empurrado para ser candidato. Somando a tudo isso, tínhamos o mote principal do PT naquela eleição, que era nos atacar, apesar do apoio a Lula em 89. Em São Paulo Covas perdeu o governo e Montoro o senado. No Paraná, Richa foi derrotado e em Minas Gerais, Pimenta da Veiga também perdeu a eleição”.

Fábio Feldman DEPUTADO E SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE Ninguém queria apoiar o Collor, mas apoiar Lula era difícil. Num comício, começaram a cantar a Internacional Socialista, os outros líderes se afastaram e Mario Covas ficou. E pagou caro por isso. Hoje podem achar estranho, Lula está bem. Mas em 1989 era outro momento. O presidente da Fiesp sugeriu que se saísse do país. Covas apoiou Lula e foi quem mais pagou por esse apoio. Arnaldo Madeira vereador “O PSDB nacional decidiu apoiar o Lula, e Covas, com sua coerência, foi em frente. Mas a sociedade paulista ficou com um pé atrás com ele. O apoio provocou desgaste. Em 90 conversei com ele que não devia ser candidato pelo desgaste de 89. Ele concordou, mas havia pressão dos deputados que haviam ido para o PSDB e queriam um candidato a governador para puxar votos. Ele acabou cedendo, foi para o sacrifício para eleger a bancada. Ele tinha espírito partidário, mesmo em prejuízo próprio”.

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RUMO AO GOVERNO DE SÃO PAULO Na disputa de 1990, Covas não passou do primeiro turno, voltou ao Senado e, corrigindo a rota, elegeu-se em 1994 Em 1990, Covas candidatou-se pela primeira vez ao governo do Estado de São Paulo, não passando do primeiro turno. A eleição foi vencida pelo candidato do ex-governador Orestes Quércia, Luiz Antonio Fleury Filho, que derrotou Paulo Maluf no segundo turno. Zulaiê Cobra Ribeiro candidata a vice Mario Covas me chamou no dia 1º de junho de 1990. A convenção aconteceria no dia 3. Fiquei contente, encantada, era viúva recente, não sabia se sairia candidata a deputada federal – o que significava mudar para Brasília, e meus filhos eram pequenos. Mario Covas me chamou para vice, ia apresentar meu nome na reunião da executiva, mas pediu que eu não fosse. Ele falou: ‘Só saio candidato se você for minha vice e não quero você lá’. Não fui. Havia cinco pré-candidatos a vice, todos homens. Eu não tinha sido nada ainda, e ele cortou qualquer manifestação contra mim: ‘ou aceitam ou saio e não volto’. Fui para a convenção, tenho belas fotos. É bom que se saiba que em 1990 era muito difícil mulher ser vice. No comício, em carreata, perguntavam: quem é aquela mulher ali? Foi uma campanha muito difícil.

Paulo Markun coordenador do programa de TV Na campanha para o Senado, Covas sentava em um banquinho no estúdio e contava uma história. Foi eleito com quase 8 milhões de votos. Em 1990, ele insistia no mesmo conceito. Mas era preciso apresentar o programa de governo, e Covas não aceitava ponderação de não entrar na briga com Fleury. A campanha começou com 42 pontos nas pesquisas e terminou com 14. Ele não queria ser candidato, estava extremamente mal humorado. Quatro anos depois quis e se elegeu. A coisa era tão complicada que um dia me ajoelhei aos pés dele e implorei que gravasse o programa. Mas não adiantava, qualquer alternativa que eu ou o Marcelo Vaz apresentássemos ele não aceitava. Mas não dizia o que queria. Fomos ficando sem programa.

De volta ao Senado, Covas assumiu papel relevante no principal acontecimento político do início da década de 1990: o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. Durante os debates, os defensores do presidente haviam alegado que a CPI fora aberta para apurar os desmandos de PC Farias e seria desvirtuá-la de suas finalidades envolver o presidente. Respondera Covas, citando Pedro Collor, que PC Farias ficava com apenas 30% dos ganhos ilegais, cabendo 70% ao presidente. Dessa maneira, não havia como desvincular um nome do outro, a não ser que se quisesse rebatizar a Comissão como a CPI dos 30%.

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Jorge Bornhausen senador constituinte Em fevereiro de 1992, fui chamado pelo presidente Fernando Collor de Mello, depois de uma votação na Câmara Federal em que o governo teve um só voto. Collor queria formar um ministério multipartidário para restaurar o governo. Demorei para aceitar, mas depois me empenhei a fundo. Convidamos Tasso Jereissati, então presidente do PSDB, e Fernando Henrique para comporem o ministério. Jereissati para a Integração Regional e FHC para as Relações Internacionais. Tratei muito com FHC, de quem era próximo. O PSDB, pelo voto de desempate de Mario Covas, não aceitou. Nem por isso a amizade ficou abalada. Covas estava certo. Com a renúncia de Collor em 29 de dezembro de 1992, o vice-presidente Itamar Franco, já presidente interino desde 2 de outubro, assumiu definitivamente o cargo. Mario Covas defendeu no PSDB a tese vitoriosa de um governo de união nacional em torno de Itamar Franco. Em janeiro de 1993, Fernando Henrique Cardoso assumiu o Ministério das Relações Exteriores do governo. Deixava vaga a liderança da bancada do PSDB no Senado, que foi ocupada por Mario Covas.

O governador dos paulistas

Antonio Angarita coordenador do Programa de Governo e secretário de Governo

Em dezembro de 1993, Mario Covas lançou-se candidato ao governo de São Paulo, e a proposta básica do programa de governo, elaborada por ele, era mudar o Estado por meio de três revoluções. A primeira delas era ética: o governo não poderia mais continuar dando motivo para ser agredido pela sociedade. A segunda seria uma revolução administrativa, e a terceira, contra o desperdício. Em torno dessa trilogia, foram criadas as políticas públicas que viriam a nortear todas as ações do governo Mario Covas.

Várias pessoas queriam ajudar Mario Covas na Fundação Getúlio Vargas. Também havia o contingente de engenheiros da Poli que sempre o acompanhara, além do pessoal que havia vivido a experiência da prefeitura. Além desses, muita gente procurava a Casa do Programa, o que, na verdade, era um complicador – talvez seja mais fácil administrar a escassez do que a abundância. Foram criados 30 grupos de trabalho. Para que não houvesse um único coordenador em cada grupo, que poderia pensar que já seria secretário, entregamos o comando a três pessoas: um político, um ligado a universidade e outro de empresa. A orientação foi cumprida em cerca de 70% dos casos. Cada um levou seu próprio contingente. Era muita gente. A dificuldade era deixar de discutir o programa, todo mundo queria conversar. Eu não podia derrubar o entusiasmo nem deixar o programa escapar de nossas mãos. A campanha já nas ruas, e o programa sendo elaborado. Havia divergências, discórdias, conflitos entre membros da equipe. E a GW, produtora do programa de televisão, pressionando. Até que um dia, o Luiz Gonzalez pegou um livrinho qualquer e mostrou no ar como sendo o programa do governo. Mario Covas ficou muito bravo.

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Para evitar ciúmes e clivagens determinadas por lideranças diversas dentro do próprio PSDB, algo que prejudicara gravemente a campanha anterior, Covas ampliou o número de colaboradores ligados às principais lideranças do PSDB naquele momento: Montoro, Serra, Fernando Henrique e Sérgio Motta.

Robson Marinho coordenador da campanha de 1994 e secretário da Casa Civil Recebi dele duas recomendações de imediato: primeiro, que nenhuma briga, nenhuma disputa, nenhuma fofoca de campanha eleitoral chegasse até ele, que fosse resolvida e estancada no nascedouro. Segundo, que fizéssemos a campanha de acordo com os recursos arrecadados e no ritmo em que os recursos financeiros estivessem disponíveis. Nunca gastar um tostão além daquilo que arrecadasse, porque ele não tinha patrimônio pessoal para honrar dívida de campanha. Essas foram as duas primeiras recomendações. Geraldo Alckmin vice-governador Em 1993, eu era presidente estadual do PSDB e sempre me chamou a atenção a preocupação de Covas com a democracia interna. Havia dois candidatos a governador: Covas e Serra. Eu marquei a data de inscrição das primárias para dezembro de 1993, e em janeiro seria a escolha. Covas foi e se inscreveu. Serra abriu mão, não se inscreveu. Serra saiu candidato a senador, e Covas, a governador. Coordenei o processo até a convenção. Mario Covas não tirou do bolso do colete um candidato a vice. Fez uma reunião na véspera da convenção na casa dele, com umas 40 pessoas. Havia dois possíveis candidatos a vice: eu e o Walter Barelli. Mandaram a gente sair para comer uma pizza e ficamos esperando sair a fumaça branca do episcopado. Voltamos para o apartamento, e Covas chamou Barelli para conversar. Eu tinha sido o escolhido. Gugu Liberato apresentador de TV Sempre pensei em participar do PSDB, desde a fundação do partido. Já havia sido convidado para participar de campanhas políticas de candidatos de outros partidos, mas nunca aceitei. Com Mario Covas foi diferente. Nele, eu confiava.

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Danilo Palásio editor-chefe do programa de TV nas campanhas de 1994 e 1998 Covas era uma pessoa apaixonada pelo que fazia. Nosso primeiro contato foi numa noite, num encontro de apresentação entre a equipe e o candidato. Chamou a atenção Covas ter ficado o tempo todo, mais de duas horas, de mãos dadas com dona Lila, muito amoroso, acariciando as mãos dela. Um contraste com a imagem do Covas guerreiro, brigador. De início, Covas ficou desconfiado em relação ao plano do programa de TV, reclamou que tinha que ir gravar várias vezes por semana. Depois passou a ser mais colaborativo, respeitava a equipe. Outra coisa que me marcou logo nos primeiros dias era a obstinação com a exatidão das informações. Em uma reunião sobre educação, Covas chamou um monte de gente, queria saber como ia implementar os projetos, de onde viriam os recursos etc. Ele não se incomodava em ser chato. A reunião durou mais de dez horas.

Favorito desde o início da campanha, Covas passou para o segundo turno em novembro de 1994 e venceu facilmente Francisco Rossi.

JUSCelino Cardoso deputado estadual e secretário da Casa Civil Teve uma passagem que me marcou no segundo turno, eu já eleito deputado estadual. Francisco Rossi estava crescendo e alguém disse a Covas que havia problemas com os salários dos professores e que ele tinha de assumir na campanha o compromisso de aumentar os salários. Covas respondeu: ‘Por que vou falar isso? E se não tiver condições de atender? Vou pegar o Estado falido, não sei se posso honrar esse compromisso. Primeiro tem que sanear. Se tiver que perder a eleição, eu perco, mas mentir eu não vou’. Fiquei olhando, poucos fazem isso. Irene Ravache atriz Quando junto o meu nome ao de um político é porque estou acreditando na proposta de um cidadão. Não faria contratada, não é um comercial, é um testemunho. Fiz algumas campanhas para Mario Covas.

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GOVERNADOR DE SÃO PAULO Com coragem, lisura e austeridade, Covas enfrentou as dificuldades do Estado e buscou as soluções Mario Covas sabia dos problemas que iria encontrar para administrar as finanças paulistas e definiu o ajuste fiscal como objetivo inicial de seu governo. Por mais drástico que fosse esse ajuste, entretanto, a crise não seria resolvida sem a renegociação da dívida do Estado com o governo federal, que crescia de forma exponencial, a uma taxa de juros que chegou a 4% ou 5% ao mês.

Ricardo Trípoli deputado estadual, presidente da Assembléia e secretário do meio ambiente Quando assumi a presidência da Assembléia de São Paulo, em 1995, Covas me disse: ‘Olha, serão os dois piores anos das nossas vidas. Vamos votar a rolagem da dívida do Estado, as privatizações e as concessões’. A assembléia tinha que ser parceira em projetos que nem sempre eram simpáticos. As votações de projetos importantes eram sempre com plenário cheio, tomado por membros das três centrais sindicais, vaiando deputados, o pessoal do setor elétrico contra a privatização da CESP. Covas trabalhou duro. Chamava os sindicatos para explicar a necessidade da aprovação. Tudo com diálogo, conversa, e sem tropa de choque os projetos iam sendo aprovados. Mario Covas não facilitava a vida de ninguém.”

Sueli Martins secretária Quando chegamos, o Palácio dos Bandeirantes estava um caos, sujo, com os poucos computadores quebrados, abertos, uma coisa. Aí eu falei: ‘Meu Deus, o que eu vim fazer aqui?’ Mas tínhamos uma missão, eu, principalmente, desde a época de Santos. Fui como secretária, éramos duas, depois começou apertar muito, e chegamos a ficar em quatro pessoas, fazendo rodízio. Eu ficava o dia inteiro. Ele não tinha hora. Até organizar tudo foi muito complicado. Todo mundo queria falar com ele. Os secretários com mil problemas, os políticos, os fornecedores, era uma loucura. No começo foi uma barra. Ele atendia todo mundo. E tínhamos que ficar até ele terminar. Mas as pessoas eram muito engajadas. Todos nós éramos amigos, companheiros, o Covas fazia as pessoas agirem dessa maneira. Você acabava fazendo parte da resolução dele, do projeto político dele. Era icansativo, mas incrível.

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Walter Feldman deputado, líder do governo e secretário da casa civil Naquele ano, uma grande bancada foi eleita, e Covas me convidou para ser seu líder na Assembléia. Eu estava chegando na Casa e perguntei a ele: ‘Como vou montar maioria?’. ‘Problema seu’, respondeu Covas. Era um desafio quase impossível de ser superado. Com Covas não havia nenhum tipo de troca. Era a força moral. Um período de grandes transformações, concessões de rodovias, mudanças tributárias, priorização de políticas sociais. O trabalho era diuturno. Depois de um ano, conseguimos atrair a bancada do PMDB. Era uma prática republicana, com o compromisso de compartilhar a gestão. Assim, aprovaram tudo. Do primeiro para o segundo ano houve pressão de deputados sobre o orçamento de Covas. Falei para o governador que a situação estava crítica, a maioria era instável, os deputados queriam mudanças. Covas respondeu: ‘Diga para os líderes rejeitarem o orçamento, é isso que eu quero deles’. E eu argumentei: ‘Você está preparado para ser derrotado?’ E Covas: ‘Eu quero ser derrotado’. E o orçamento foi aprovado. Covas não se curvava.

Rubens Rizek Junior chefe de gabinete da Assembléia Legislativa Lembro-me que uma vez fui despachar com o governador, acompanhando o deputado Macris, presidente da Assembléia Legislativa. Nós entramos na sala dele, ele cumprimentou com uma certa distância institucional, eu estranhei, mas ele disse: ‘Presidente – chamou o Macris de presidente – presta atenção no que você vai me pedir, porque o governador não fala não ao presidente do Poder Legislativo, eleito pelo povo’. Ele falou aquilo com autoridade pública, ele deu um sentido tão nobre àquela reunião entre o chefe do Poder Executivo com o chefe do Poder Legislativo, que deixamos de lado os assuntos que não tinham relevância. Covas constrangia as pessoas de forma elegante, sempre lembrando a elas a importância do cargo que exerciam. Isso para mim foi muito marcante.

Milton Flávio líder da bancada do PSDB e presidente do iamsp Covas sempre incentivou o debate, e seus projetos sempre exigiram embates acalorados. As corporações vinham aqui, jogavam moedas, havia ameaças físicas. O governador gostava disso, que tivéssemos coragem de defender o modelo que queríamos em São Paulo. Uma coisa importante, que me envaidece, é que Mario Covas nunca pediu que transgredíssemos. Ele dizia: ‘Não estou pedindo que aprovem, mas que votem’.

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Finanças Às vésperas da posse, surgiu uma agravante inesperada. Pedro Malan, presidente do Banco Central, telefonou para Covas avisando que o Banespa estava com grandes dificuldades, e Pérsio Arida, que o substituiria no cargo, iria a São Paulo conversar sobre o assunto. Na mesma tarde, Arida sugeriu a Covas que tomasse a iniciativa de solicitar a intervenção federal no Banespa, a exemplo do que acabara de fazer o governador do Rio de Janeiro, Marcelo Alencar.

Eugênio Staub empresário Uma vez fui convidado pela revista Veja para responder a um teste. Nele, classifiquei Mario Covas como um político de esquerda liberal. Era assim que eu o via. Covas tinha qualidades que não se encontram em políticos. Era preocupado com o momento social, obstinado, honesto, coerente com seus ideais e fiel com os companheiros. Um homem teimoso, mas teimosia não é, necessariamente, um defeito. Todos devem sempre lembrar o quanto ele lutou e teimou em relação ao Banespa.

Paulo Cunha empresário Eu presidia o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento do Estado de São Paulo, criado por empresários, para discutir o desenvolvimento industrial do Brasil. Procuramos Mario Covas, ele se interessou muito, nos instou a procurá-lo com mais freqüência. Eu, o Paulo Francini, o Eugênio Staub e o Cláudio Bardella passamos a nos reunir com Covas para tratar da indústria paulista. Não me lembro de ocasião em que o assunto não fosse o Brasil, São Paulo. A política era sua cachaça. Nos encontros, falávamos muito sobre política econômica. Nunca vi Mario Covas fazendo críticas públicas ao governo federal, ele tinha uma grande lealdade e sempre deixava claro seu apoio ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.”

Tanto o governo federal quanto o do Estado de São Paulo tinham interesse numa solução rápida, pois seus destinos estavam indissoluvelmente ligados. Grosso modo, o governo, em seus três níveis, aplicava em São Paulo em torno de 20% do PIB, mas arrecadava em torno de 40%. A diferença era transferida para o governo federal e, por intermédio deste, para os demais Estados, especialmente por meio do Fundo de Participação dos Estados e Municípios. Não havia, portanto, possibilidade de consolidar o Plano Real sem um acerto com São Paulo. Tanto mais que os outros Estados tomavam São Paulo como exemplo e só cediam nas negociações o que São Paulo cedesse. Por outro lado, a demora em encontrar uma solução fazia crescer rapidamente o montante da dívida paulista.

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Yoshiaki Nakano secretário da Fazenda A relação com o governo Fernando Henrique Cardoso tinha duas dimensões: Mario Covas era de uma lealdade absoluta, mas divergia totalmente do tipo de política do governo federal. Covas dava prioridade absoluta à geração de empregos e à melhoria das condições de vida da população. Portanto, não podia haver juros altos, câmbio valorizado. Havia divergências, defendia juros baixos, câmbio mais favorável para exportação, Covas era contra expandir gastos e aumentar carga tributária e assinou mais de 170 atos reduzindo o ICMS. Covas também queria, de imediato, as reformas da Previdência, a tributária e a política para deixar para depois a reforma econômica.

Havia, é claro, a saída, finalmente aceita, de saldar parte das dívidas com a venda ou entrega de ativos. Mas, além das dificuldades para o estabelecimento de critérios de avaliação, sobravam implicações políticas. Durante a Constituinte, Covas criara uma imagem de adversário das desestatizações. Nunca admitiu, aliás, que se afirmasse como questão de princípio a inferioridade da empresa pública diante da empresa privada. Mas fora obrigado a reconhecer a impossibilidade em que se encontravam as empresas públicas de São Paulo de investir as somas necessárias a seu desenvolvimento, motivo pelo qual já aceitara as desestatizações como parte do Programa de Governo.

André Franco Montoro Filho secretário de Planejamento O Covas, sempre visto como esquerdista estatizante, tirou a ideologia desse processo e fez o que era necessário para o povo. E enfrentou com bravura os protestos da oposição. Fazia questão de ir pessoalmente aos leilões das empresas energéticas e não se amedrontava diante das manifestações.

Assim, a Companhia Paulista de Força e Luz acabou leiloada em novembro de 1997 por 3,015 bilhões de reais. No mês seguinte, a Eletropaulo foi dividida em quatro empresas, duas de distribuição, uma de geração e uma de transmissão, que logo depois passaram a ser cotadas na Bolsa de Valores. Veio depois a venda da Cesp em julho de 1998, e da Comgás, no primeiro semestre de 1999.

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Mauro Arce Diretor da CESP e Secretário de Energia

Andréa Matarazzo presidente da CESP e secretário de Energia Na CESP, a intenção inicial não era privatizar, mas sanear e dar continuidade às ações da empresa. Mas, depois de avaliar os dados, optamos pela desestatização. A CESP tinha 22 mil funcionários, a maioria trabalhando em escritórios na avenida Paulista. Reduzimos para 8 mil e devolvemos os imóveis. A história vai julgar Mario Covas pela sua simplicidade. Ele não tinha segundas intenções, era transparente. Entendia o que a sociedade queria, não fazia um personagem político. Resistia às pressões contrárias à privatização, e todos somos unânimes em dizer que, tomada a decisão, tínhamos total apoio dele.

Foi um período difícil, onde era preciso tomar decisões importantes, pensando no futuro do Estado de São Paulo e do país. Privatizar não era uma questão ideológica para Mario Covas. Era uma necessidade. Não tinha outra saída. Havia uma dívida imensa, e Covas foi obrigado a fazer, porque o Estado estava quebrado. Ele participava de tudo, das reuniões, da tomada de decisão, discutia preço, prazo e condições. Nesse processo todo, sua força moral foi de extrema importância. Ele brigava muito, mas quando resolvia a questão, era disciplinado, ético e cumpridor. E mais, segurava a barra de todo mundo. Era um agregador.

Antes que o processo terminasse, o governo de Mario Covas já ganhara força bastante junto ao governo federal para negociar sua dívida em melhores condições. E sua maior credencial era o êxito do ajuste das contas públicas. Além do valor simbólico como “banco dos paulistas”, o Banespa, na opinião de Covas, atravessara apenas um período de má gestão, mas tinha todas as condições de se recuperar. O correr do tempo, no entanto, deixou claro que a equipe considerava a privatização como caminho obrigatório para todos os bancos estaduais. Restou aos paulistas o consolo de ter salvado a Nossa Caixa.

Adroaldo Moura da Silva amigo e empresário Foi um momento de alta tensão. Eu estava na casa de Mario Covas, com minha mulher, Rose, e a Lila Covas, quando ele recebeu a notícia da intervenção no Banespa. Covas ficou enlouquecido. Mas o episódio mostrou bem seu caráter. Ele dava estocadas no Fernando Henrique, no Malan, mas segurou o pepino por respeito ao presidente. Demorou muito tempo para Covas deglutir a intervenção.

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Fernando Henrique Cardoso presidente da República Antes do primeiro turno da eleição de 1994, eu e o Mario fomos visitar D. Paulo Evaristo Arns. O Mario chegou mal humorado, de óculos escuros, não entendi nada. Eu sabia que ia ser eleito e achava que o Mario também. Falei para ele: ‘Temos um pepino, o Banespa. Indique três pessoas para discutir o caso’. Ele indicou o Adroaldo, o Angarita e o Calabi. Foi para o segundo turno e seguramos o anúncio da intervenção para não prejudicar a eleição. Eu concordei com a intervenção. Comigo ele nunca teve uma explosão, só resmungava. Explosão foi com o Malan. O Banco Central sempre se opôs à negociação sobre o Banespa. Fechamos quase 40 bancos, e se não tivéssemos fechado, hoje estaríamos capotando. O Mario sempre achou que foi injustiçado. Mas não é verdade.

Graças à soma de esforços empreendidos pelo governo de Mario Covas, foi possível assinar o acordo de renegociação com o governo federal em termos favoráveis. A dívida do Estado de São Paulo, que chegava a 76,8 bilhões de reais em dezembro de 1994, caiu para 64,6 bilhões de reais. Os pagamentos ficaram limitados a um teto de 13% da receita corrente líquida. Havia uma cláusula do acordo prevendo juros diferenciados, dependendo de o financiamento cobrir ou não a totalidade da dívida. Para os Estados ou municípios que quitassem 20% do total no ato da assinatura do contrato, os juros anuais seriam de 6%. Para os que não fizessem esse pagamento, os juros anuais subiriam para 9%. São Paulo foi dos poucos que pagaram os 20%, cedendo ao governo federal ativos como os da Fepasa.

Francisco Graziano secretário de Agricultura e Abastecimento Mario Covas nunca titubeou sobre a grande reforma administrativa que precisava ser feita na Secretaria da Agricultura de São Paulo. Ele deu apoio incondicional para arcar com os custos financeiros e políticos das demissões no Ceagesp, que foi privatizada em sua gestão. Fora isso, enfrentou as reclamações de prefeitos que se sentiam desprestigiados, mas seguiu em frente, enxugando uma estrutura hierarquizada e modernizando o Estado.

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A revolução administrativa A segunda revolução anunciada por Covas referia-se à parte administrativa, necessitada de um salto de qualidade e de uma aproximação com o povo. O instrumento principal consistiu na aplicação em larga escala da tecnologia da informação, ou seja, a conjugação da computação com as novas tecnologias de telecomunicações. Todas as informações do governo seriam digitalizadas e os diversos setores conectados em rede, constituindo o que se convencionou chamar de “governo eletrônico”.

Alexandre Schneider assessor da Secretaria de Governo A situação do estado era caótica, com muitas dívidas. Covas pediu a Angarita, secretário de Governo, com quem eu trabalhava, para ver pessoalmente todos s contratos. Angarita argumentou que era muita coisa, mas Covas disse que queria mesmo assim. Angarita então trouxe dois carrinhos de mão cheios de contratos e ali começou a informatização dos dados, o que possibilitou levantamento de custos e como conseqüência o corte de despesas.

Dalmo do Valle Nogueira secretário adjunto de Governo Ele não negociava individualmente com a Assembléia. Achava que, se a instituição era ruim, um dia ia melhorar. É injusto considerar Covas centralizador. Ele discutia tudo, queria saber de tudo e receber todas as informações, e na maior parte das vezes as decisões eram dos secretários, que escolhiam os presidentes das empresas e se reportavam a eles. Antigamente a diretoria só falava com o governador e não com o secretário. Covas não foi substituído, não tem ninguém com o peso dele, respeitado como estadista.

Com sua formação de engenheiro, Mario Covas logo percebeu o alcance das inovações que o governo paulista estava propondo e cuidou de viabilizá-las através de um empréstimo obtido junto ao BID em setembro de 1995. Isso permitiu que a capacidade dos técnicos do governo fosse ampliada pela contratação de consultores em informática ou de empresas de softwares para o desenvolvimento de produtos eletrônicos. Dentro da revolução administrativa proposta por Covas estava o cadastramento eletrônico de 20 mil fornecedores e a padronização de editais e contratos.

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Vitor Levy Aly assessor especial do governador Eu e o Zeppo, dois engenheiros, fomos colocados pelo governador em uma sala ao lado da dele. Fazíamos tabelas, planilhas e gráficos, dos mais variados assuntos de governo. Ele queria tudo em ordem, e para ontem, é claro. Passou o primeiro ano tendo sobressaltos. Fazia reuniões, chamava pessoas e o som da sala dele vazava na nossa. A gente deixava o ar condicionado ligado pra não ouvir a conversa. O ar condicionado era velho e barulhento, mas a gente não deixava trocar. A gente fazia tudo, precatórios, Banespa, obras, serviços preferenciais do estado e a prestação de serviços terceirizados, que deu origem a tabela de preços, que mudou toda esta questão de gestão, preços preferenciais e concorrências. Foi duro ficar tão próximo, mas foi um aprendizado.

Saulo de Castro Abreu Filho corregedor geral da Administração e presidente da Febem

Edward Zeppo assessor especial do governador Eu e o Vitor tínhamos a tarefa de acompanhar as 220 obras prioritárias do governo. Nós não fiscalizávamos, mas fazíamos o acompanhamento da obra. Foi feito um programa e a gente tinha o cronograma de todas as obras. Eram de 2 a 3 mil quilômetros de estrada a cada 15 dias. Na volta, com o relatório e fotos na mão, o governador cobrava. Além das prioritárias, haviam mais de 2.000 obras paradas, algumas, dependendo de pequenos valores para terminar. Ele fez um estudo de viabilidade de cada obra. Chamava o o empreiteiro junto com o secretário da área e nós tínhamos o levantamento de quanto a obra ia custar. Ele falava para o empreiteiro: Em quanto tempo você me entrega a obra pronta? A pessoa dava o prazo e ele respondia: Pois bem, neste prazo, posso te pagar tanto por mês. Pode confiar. Covas não era homem de falar uma coisa e fazer outra. Com suas atitudes, a credibilidade voltou para o governo de São Paulo.

A determinação do governo era apurar todas as denúncias, sem revanchismo, mas indo a fundo. Para isso, era preciso criar um grupo com técnicos. Criamos sistemas de decisões do governo, inclusive com fotos de obras e sistema de contratos terceirizados. Com isso vieram os indicadores. Gerou-se economia de bilhões e sem quebrar contratos. Era um processo transparente. O governador se mantinha bem informado e melhorou a qualidade do serviço público. Tinha auditoria de campo, buscamos a lei de 1950, de Jânio Quadros, criamos a corregedoria geral da administração. Chagamos a 80 corregedores, deu uma boa moralizada. Tinha o aspecto punitivo, com demissões, exonerações, prisões. O governo federal e municípios copiaram esse modelo. Era um trabalho delicado, as pessoas iam reclamar com o governador. Covas então colocava o reclamante frente a frente comigo. Já criava um constrangimento. Ele fazia questão de sempre ter o contraditório e nunca pediu para interromper uma investigação. E era com gente graúda, até mesmo do PSDB.

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Educação Quando Covas assumiu o governo, as escolas eram amontoados de crianças e jovens; a mesma carteira que recebia o menino de sete anos pela manhã, recebia o rapaz de 24 anos à noite. As escolas funcionavam em quatro ou até cinco turnos, às vezes só com três horas de aula por dia. Nas salas, os materiais não podiam ficar expostos, porque eram destruídos pelos alunos de outros períodos. Covas preferiu fazer uma reforma abrangente, que beneficiasse todos os alunos da rede pública. Os resultados vieram mais cedo do que o esperado. Em 1996, após a racionalização da ocupação, 70% das escolas se tornaram exclusivas para alunos de primeira a oitava séries ou de quinta a oitava séries e de ensino médio. Mais tarde seriam implantadas cinco horas diárias de aula em toda a rede pública. Para combater as taxas de evasão e repetência elevadíssimas, criou-se a chamada progressão continuada ou em ciclos. O sistema introduzia maior flexibilidade, permitindo que alunos com resultados fracos em determinadas matérias não fossem condenados a repetir integralmente o ano letivo. Passavam para a série seguinte, recebendo reforço especial naquilo que não haviam conseguido aprender. O fim da desordem nas matrículas foi mais uma das conquistas do governo eletrônico e, com a informatização do cadastro em 1995, verificou-se em março de 1996 a existência de 280 mil matrículas duplicadas. Feito o ajuste, evitou-se, pela primeira vez, o desperdício nas compras de merenda escolar. Rose Neubauer secretária de Educação Trabalhar com Mario Covas foi uma lição incrível. Nosso grupo era idealista, poder administrar com ele parecia utopia. Durante as inaugurações de escolas, Mario Covas fazia questão de dizer : ‘A escola é de vocês, feita com dinheiro de vocês, não têm que agradecer’. Ele nunca foi de esquerda, mas tinha compromisso com a população, respeito à coisa pública, que muita gente de esquerda coloca no discurso e não põe em prática.

Hubert Alquéres secretário adjunto da Educação Covas deixava as pessoas se manifestarem. Ele também tinha espírito do confronto, quando necessário. Tinha obsessão pela verdade, e não gostava de argumentos falaciosos. No começo da gestão, muitos professores faziam protestos com os holerites nas mãos, dizendo que ganhavam pouco. Mas os holerites não traziam todas as informações. Covas então pediu o salário de todos os professores. Montamos num laptop um programa onde havia todas as informações sobre o professor. No palanque Covas respondia aos manifestantes. Sempre que tinha um grupinho de professores ele topava a briga, rebatia e tinha razão. Com Covas, essa prática acabou.

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Habitação A mistura de boa gestão e boa política, no melhor sentido da palavra, deu resultados felizes na habitação. Do lado técnico, as construtoras e indústrias de construção civil foram incentivadas a desenvolver novas tecnologias de construção e apresentá-las para testes na CDHU — Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano. Um entusiasta do sistema de mutirão, Mario Covas tratou de incentivá-lo, oferecendo aos interessados formas alternativas de construção com peças e estruturas pré-moldadas. No âmbito político, Covas introduziu duas novidades no programa de habitação do estado. A primeira delas refere-se à escolha dos contemplados entre os inscritos na CDHU. Para eliminar qualquer possibilidade de favorecimento, decidiu que a atribuição seria feita exclusivamente através de sorteio público. Esses sorteios logo transformaram-se em eventos acompanhados por milhares de pessoas. Como segunda novidade, o contrato passou a ser assinado, não mais pelo casal, mas exclusivamente pela mulher, que desta maneira se tornava única proprietária. Covas adotou a medida de imediato e passou a referir-se a ela em todos os sorteios públicos, recolhendo a cada vez uma nova onda de aplausos. A medida, uma das mais populares de seu governo, nunca foi contestada, jurídica ou politicamente. Goro Hama presidente da CDHU A habitação popular era um programa de muito sucesso, e Covas participava pessoalmente de tudo. Ou na quarta ou no sábado, ou até duas vezes por semana, lá ia ele participar dos sorteios em vários pontos do Estado. Chegou ao final do primeiro mandato com 120 mil unidades entregues, representando o atendimento direto a 600 mil pessoas, que agora passavam a ter teto e endereço. O governador tinha uma atenção muito especial pela área de habitação, já que ela cuidava diretamente do povo. Covas adorava. A sensação da pessoa receber uma casa, era um negócio inimaginável.

Padre Ticão Ele tinha uma sensibilidade comunitária única, e para nós da zona leste, que pegamos os piores políticos, principalmente na época da ditadura, foi um atraso social enorme, com a periferia inchando sem qualquer planejamento. Mario Covas tinha planejamento, todo um pensar a partir da periferia. Foi um marco histórico. Em políticas públicas Mario Covas deixou um marco importante para todos nós.

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Saúde Uma das principais diretivas adotadas por Mario Covas em seu governo foi a de não começar novas obras enquanto aquelas em andamento não estivessem terminadas. Válida para todas as áreas, essa preocupação mostrou-se essencial no caso da Saúde. Ao assumir o governo, Covas encontrara catorze esqueletos de hospitais iniciados e abandonados. Cuidou de terminar essas construções, começando pelas que estavam mais avançadas ou as localizadas em locais mais necessitados. Somente depois de terminada a fase de finalizações, cuidou de construir hospitais novos, cujo número chegou a quinze: cinco na capital, oito na Grande São Paulo, um em Bauru e um na cidade de Sumaré. A capacidade dessas novas unidades chegava a três mil leitos, número que, somado aos três mil reativados e/ou criados por ampliações nos hospitais antigos, elevou o total de leitos disponíveis em seis mil. Partindo do princípio de que serviço público não precisa ser estatal, Covas submeteu à Assembleia Legislativa e obteve a aprovação da lei que criava as Organizações Sociais. Graças a essa inovação legal, Mario Covas pôde autorizar a assinatura de uma série de contratos de gestão com entidades beneficentes, que recebem o dinheiro do Estado, contratam o pessoal e compram medicamentos.

José da Silva Guedes secretário de Saúde A proposta de Mario Covas foi vista com muita seriedade, e só o PT e o PC do B votaram contra. Alguns juristas chegaram a sugerir que as parcerias poderiam sem implementadas por decreto, mas Covas fez questão de ir para a Assembléia Legislativa. No novo modelo das Organizações Sociais, os hospitais custam 25% menos e têm rendimento 30% maior. Mas Covas fez mais. Logo no primeiro Diário Oficial, no dia 2 de janeiro de 1995, saiu decreto alterando a estrutura da Secretaria Estadual de Saúde. Eram 65 escritórios regionais de saúde, e todos os centros de saúde eram estaduais. Foram reduzidos para 24 diretórios regionais, com tarefas diferentes. Dos cargos de confiança, 800 foram cortados. Sabíamos que seria traumático. Mas, a partir daí, os funcionários precisavam ter um perfil técnico e não político.

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João Batista Rizeque assessor de Obras da Secretaria da Saúde A gente devia muito dinheiro, e o governador dizia que tínhamos que dar satisfação e receber as pessoas. Naquele momento, no início do governo, faltava credibilidade ao Estado. Um dia, ele me chamou e disse: ‘Vamos retomar a obra de um hospital e, se der certo, faremos mais’. Para renegociar os contratos, ele chamou os empreiteiros. Nas reuniões, ele dizia: ‘Vou retomar a obra que está sob a sua responsabilidade na seguinte base: vou pagar tanto e você vai me entregar em tal prazo’. E assim foi. Um por um. Quando sobrava um dinheiro, ele chamava e ia retomando a obra. Era uma conversa de cavalheiros. O empresário aceitava, e se comprometia a cumprir. A maioria dos prazos foi cumprida e as obras, todas entregues como o combinado.

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Justiça e Defesa da Cidadania Na gestão Covas, foi criada a possibilidade de atuar em terras devolutas. Ficaria caro para o governo desapropriar terras para reforma agrária em São Paulo. Mas havia terras, a oeste do Estado, que o Tribunal de Justiça tinha declarado públicas, em 1957. Era 1995 e ninguém tinha feito absolutamente nada para cumprir a lei. E foi cumprindo a lei que Mario Covas fez a reforma agrária em São Paulo.

Belisário dos Santos Junior secretário da Justiça e Defesa da Cidadania O governador gostava muito de ver o momento em que a pessoa recebia um título de terra. Nós entregamos centenas, milhares de títulos, e o governador gostava, ele se emocionava, eram coisas muito fortes. O governador entregou título de terra até para o José Rainha, líder do Movimento dos Sem Terra. E não era só a terra. Fizemos assentamentos, mas também entregamos sementes e colocamos à disposição equipamentos e técnicos do Instituto de Terras. Foi incrível, após um curto período, ver a produção agrícola prosperar naqueles locais.

Edson Vismona secretário adjunto e secretário da Justiça e Defesa da Cidadania O governador só ficava indignado quando as coisas não aconteciam, ele queria resultados. Era fácil trabalhar com Mario Covas, porque ele tinha princípios e valores muito claros. Sua meta era atender à sociedade, não importava se iria ferir os interesses de outros. Lembro quando o Instituto de Terras de São Paulo fez um levantamento de quem ocupava irregularmente áreas públicas há muitos anos, sem que o Estado tomasse alguma providência. Havia nomes muito influentes, e Covas determinou a desocupação imediata das terras, enfrentando as pressões políticas. É preciso ter coragem para governar. E coragem não faltava a Mario Covas.

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Casa Militar

Cel. PM Olavo Sant’Anna Filho Chefe da Casa Militar A Defesa Civil de São Paulo, durante a gestão de Mario Covas, foi pioneira na descentralização. Antes, a atuação era só de emergência, depois de alguma catástrofe – inundação, deslizamento, chuva de granizo. Com Mario Covas, passou a ser também preventiva, com a criação de depósitos virtuais, mapeamento do Estado de São Paulo por áreas de risco e educação infantil nas escolas para desastres.

Jurandir Junqueira Ajudante de Ordens do Governador Os primeiros seis meses foram muito difíceis. Dificuldades físicas, porque você não dorme, a cabeça a mil por hora, vivendo em função do governador, além da vida pessoal, tudo o que cerca o governador, informações, estrutura, viajando terça, quinta e sábado. Nos primeiros quatro anos de governo, foram visitados 645 municípios, viajando de oito a dez cidades por vez. Em todas eu fui, pelo menos duas vezes em cada cidade. Em algumas, fui dez vezes. Teve uma cidadezinha, Itaoca, em que nunca um governador havia pisado. Na hora em que o helicóptero decolou e teve que voltar, ele falou: ‘É a segunda vez que um governador vem aqui’.

Transportes O governo tinha duas metas principais para tocar na área de transportes: uma era o Programa de Concessões de Rodovias e a outra, o trecho inicial do Rodoanel. A oposição batia na Assembléia Legislativa, mas o Estado estava quebrado e sem capacidade de investimento. Fazer a concessão era o caminho, e Covas fez. Os preços dos pedágios eram uma grande discussão. Eles não eram mais baratos nas estradas movimentadas. Se fosse assim, as tarifas teriam que ser mais altas nas regiões mais carentes do Estado, e, portanto, com menos movimento. Mas para o governo era preciso aplicar as regras da social democracia e diminuir as diferenças. As decisões de Covas deram frutos duradouros. São Paulo tem a melhor malha viária do país, e o Rodoanel, que hoje leva o nome de Mario Covas, é uma realidade.

Michael Zeitlin secretário de Transportes As estradas vicinais eram outra grande preocupação de Covas. Foram asfaltados mais de 1.000 quilômetros de vicinais em todo o Estado. Ele dizia que isso era importante para reduzir as diferenças, já que o asfalto facilitava o escoamento da produção agrícola, a ambulância chegava mais rápido, levava as crianças para a escola rural com mais segurança e deixava as cidades mais próximas do homem do campo.

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Luiz Carlos Frayze David supervisor de obras da prefeitura, superintendente do DER e secretário adjunto de Transportes Mario Covas sempre quis a participação das prefeituras no governo do Estado, e fazia questão de assinar os contratos na frente do prefeito e da população, recomendando que os moradores cobrassem do prefeito a manutenção da estrada. Dizem que, no caso da pavimentação, o governador cobrava mais das prefeituras mais ricas e sem distinção partidária. Lembro de uma vez em que fui procurado por Antônio Palocci, prefeito de Ribeirão Preto, com uma proposta de parceria. Consultei o governador, que respondeu na hora: ‘E você não topou por quê? Só porque é do PT? É claro que é para fazer’.

Transportes metropolitanos No setor de transportes metropolitanos, o essencial para Covas era a retomada do que estava parado, basicamente o Metrô, com três extensões paradas há anos e muitas dívidas. Mario Covas dizia: “Não faço nenhum centímetro novo se não resolver o que está parado”. Outro problema sério eram os trens metropolitanos. O governo federal pegou ferrovias centenárias e jogou na CPTM, que também administrava a divisão antiga da Fepasa, com várias ferrovias federais, como a Santos-Jundiaí. Foram tomadas medidas vigorosas, como paralisar a ferrovia por seis meses para obras. O governo paulista mostrou que ferrovia também pode ter dignidade, com a chegada dos novos trens com ar-condicionado e música ambiente, para atender ao trabalhador e morador da periferia da cidade de São Paulo.

Cláudio de Senna Frederico secretário de Transportes Metropolitanos Covas usou o terror negro como instrumento na cabeça de todos. Reunia as piores informações possíveis e usava com o secretariado. Assim, ele estimulava e mantinha a equipe entrosada. Nakano pintava um quadro sem saída. Todo mundo ficava deprimido, e Covas empurrava mais para baixo e dizia: ‘Vocês têm planos? Só que não vão fazer nada se não cortar, economizar’. Saía todo mundo debaixo da porta. Motivou todos assim, para que tomassem medidas drásticas, mas necessárias. Tinha de tirar leite de pedra, e ele não dava leite para ninguém.

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Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico Era preciso buscar investimentos privados, gerar empregos e desenvolver a economia. Em um período em que os governos estaduais deflagraram uma verdadeira guerra para atrair investidores, oferecendo benefícios e subsídios, o governo paulista fez nova revolução. Ampliou seu parque industrial e atraiu novas indústrias estrangeiras sem entrar guerra fiscal. São Paulo poderia oferecer muito e a todos, mas não seria loteada, e os interessados não teriam privilégios.

Emerson Kapaz secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento ECONÔMICO Mario Covas não cedeu à guerra fiscal, em que muitos Estados davam incentivos para a instalação de empresas. Ele não queria nem saber. No seu governo, usamos uma política de convencimento, baseada em seriedade, mostrando as vantagens que São Paulo poderia oferecer – estradas, energia, tecnologia, universidades. Com isso, conseguimos trazer empresas como Toyota, Honda, Compac, HP, Nokia. Ele ficava louco quando alguém falava que São Paulo perdera empresas como a Ford, para a Bahia, e a GM, para o Rio Grande do Sul. Foi uma luta, mas ele, mais uma vez, estava certo. As empresas vieram e ficaram.

José Aníbal Secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico Covas não dava incentivos fiscais, mas oferecia condições de investimento para as empresas. Uma vez, o presidente da Embraer levou a Covas propostas de incentivo fiscal do Paraná e de Minas Gerais. Covas simplesmente rasgou os papéis e ofereceu uma área e outros benefícios. A Embraer se instalou em Gavião Peixoto, causando um grande impacto na região. Outro exemplo foi a Mercedes-Benz, que não podia trazer outra linha de montagem para sua fábrica por causa das enchentes. Liguei para Covas, que mandou fazer um piscinão, tomando uma decisão rápida. Isso era Mario Covas.

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Universidades Com as universidades paulistas – USP, UNESP e UNICAMP, a relação sempre foi de muito respeito, principalmente pela autonomia e pelo cumprimento das leis estabelecidas.

Flávio Fava de Moraes Reitor da Universidade de São Paulo e Secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econô0mico “O Conselho de Reitores das Universidades de São Paulo sempre teve acesso ao governador, com quem se reunia com uma relação cordial e de respeito mútuo. E mais, respeitava a autonomia das universidades. Vale lembrar que em 1989 criou-se o conceito de autonomia financeira, com o orçamento indexado à arrecadação do ICMS. A cada ano a Lei de Diretrizes Orçamentárias propunha uma indexação, quando aprovada, virava lei que durava só um ano. Todo ano, em governos anteriores havia a tentativa de acabar com a indexação. A partir de Mario Covas, mesmo com as finanças do Estado comprometidas, consolidou-se a indexação. Os valores foram alterados: de 8,4% do ICMS líquido, passou para 9% e depois para 9,57%, o que permanece até hoje para as 3 universidades”. Uma simples relação das realizações das vinte e cinco secretarias de governo sob o comando de Mario Covas ocuparia centenas de páginas. E também não seria fácil organizar uma seleção, pois a importância relativa de cada uma delas depende do ponto de vista de cada um. Mas vamos a mais algumas:

Cultura Para os amantes de música clássica, não haverá legado maior do que a Sala São Paulo, uma das mais modernas salas de concerto do mundo e ponto central da revitalização da estação ferroviária Julio Prestes, no bairro paulistano da Luz. Marcos Mendonça Secretário da Cultura “Covas via a cultura como fator de integração social e o Projeto Guri, de formação de orquestras para jovens em situação de risco é o melhor exemplo. Numa rebelião na Febem os meninos esconderam os instrumentos musicais para não serem destruídos. Tido como um homem que não ligava para as questões culturais, Covas deixou marcas importantíssimas. A restauração da Pinacoteca, que possibilitou uma exposição de Rodin, que provocou enormes filas e chamou atenção da população e da mídia. O Memorial do Imigrante e o Museu da Língua Portuguesa, que começou na gestão dele. O projeto Revelando São Paulo, que fez renascer o folclore em São Paulo, e as oficinas culturais.

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Emprego e trabalho Quando a questão envolvia trabalho, para Mario Covas a prioridade era o emprego. São Paulo foi o Estado pioneiro na criação da Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho. A meta passou a ser a mudança de prioridade, ou seja, olhar o orçamento do ponto de vista do emprego, aproveitando as potencialidades do Estado para gerar oportunidades. O programa Auto-Emprego capacitava pessoas para o mercado de trabalho, o Banco do Povo oferecia crédito popular a juros baixos para quem queria abrir ou expandir seu pequeno negócio, além das frentes de trabalho. Walter Barelli Secretário de Emprego e Relações do Trabalho Nas frentes de trabalho, o governo entrava com o dinheiro e as secretarias tinham que encontrar vagas para os trabalhadores. Mario Covas ia pessoalmente visitar as frentes, brigava com os secretários, que também passavam por dificuldades financeiras, mas tinham que arcar com a alimentação e o transporte dos trabalhadores. Além do trabalho e da cesta básica, todos recebiam, uma vez por semana, cursos de qualificação profissional. Os requisitos para entrar no programa eram a cara do Covas: participava quem estivesse mais tempo desempregado, quem era mais velho ou quem tinha mais filhos para sustentar. Era um programa social-democrata, não era capitalista.

Segurança Pública Se a utilidade ou a oportunidade de muitas das realizações de Mario Covas não foram postas em dúvida, nem mesmo por seus adversários, e obtiveram todas grande repercussão popular, o mesmo não ocorreu com algumas políticas públicas, que geraram vivas controvérsias. A mais polêmica delas foi a da Segurança Pública, decididamente voltada para os direitos humanos. José Afonso da Silva advogado e Secretário da Segurança Pública Sempre defendi os direitos humanos, e Covas, também. Ao assumir a secretaria, era o momento de pôr a ideia em prática. Em janeiro de 1995, 60 pessoas foram mortas pela polícia. Em fevereiro, 57. Chamei o comandante e disse: ‘Tire todos os matadores da rua’. Ele colocou 200 na prisão. Em setembro, lançamos o Proar, um programa de seis meses de assistência psicológica aos policiais envolvidos em situação de risco. Foi um problema sério. Deputados da oposição eram contra a política de direitos humanos, alguns do próprio PSDB. Quem fazia a defesa na Assembléia era o PT. Naqueles anos, a criminalidade diminuiu.

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A política de defesa dos direitos humanos foi mal compreendida por uma parcela da população, acostumada a pensar que a violência só pode ser combatida com mais violência. Inúmeras vezes Mario Covas foi avisado de que essa ênfase poderia prejudicar sua popularidade e as chances da reeleição. Mas, segundo o testemunho unânime de seus amigos e colaboradores, quando Covas se convencia do acerto de determinada atitude, era inútil tentar demovê-lo com argumentos de conveniência política imediata. Firme em suas convicções, de acordo com alguns, teimoso ou turrão, segundo outros, ele era de uma veemência inusitada nas discussões internas do governo e fora dele.

Paulo Francini Empresário Covas desfrutava da sinceridade, o que é raro em seres políticos. Em geral, os políticos dizem o que você quer escutar e mudam de conversa de acordo com os ouvidos. Mario Covas, não. O governador tinha convicções e falava delas. Nunca tive a sensação de ser enganado. Ele falava o que pensava. Era um traço particular dele. O chamavam de turrão. Acho que era mesmo, pois só é turrão quem tem convicções. Quem se move ao vento pode ser agradável e nunca será turrão. Acho que essa era uma qualidade dele.

Marco Vinício Petrelluzzi ASSESSOR ESPECIAL DO GOVERNADOR E Secretário da Segurança Pública No meio do primeiro mandato, fui com outras pessoas para Nova Yorck conhecer a experiência bem-sucedida de combate à criminalidade. No segundo mandato, fui chamado para a Secretaria da Segurança. O desafio era reduzir em 50% os homicídios, o que Covas achava irrealizável em quatro anos. Ele não abria mão do respeito aos direitos humanos e à humanização da polícia. O binômio do trabalho foi álcool e armas. Implantamos o Infocrim, um programa que possibilita visualizar todos os crimes, fazer projeções, planejar e colocar metas, Mario Covas queria metas. A polícia deixou de ser reativa para ser proativa.

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Administração Penitenciária Ao iniciar o governo em seu primeiro mandato, Mario Covas assumiu como tarefa prioritária a retomada do controle das polícias, coibindo abusos e violências que haviam se tornado rotina. Fazia parte dessa orientação a humanização no trato dos detentos e dos menores da Febem. A superlotação dos presídios e das cadeias das delegacias banalizara as rebeliões, e estas, por sua vez, eram combatidas com mais repressão, geradora de novos motins, num círculo vicioso sem fim.

João Benedito de Azevedo Marques Secretário de Administração Penitenciária Essa era uma área em que os problemas eram de todas as ordens: atraso de pagamento, desmandos e corrupção, e o governador era visceralmente contra, abominava política de negociata, cambalacho e impunidade. A Casa de Detenção tinha 7.200 presos perigosos e 1.200 funcionários. A comida era feita lá, pagavam carne de primeira e recebiam carne de segunda e em quantidades erradas. Não fizemos nada sozinhos, era uma grande equipe com o mesmo espírito de austeridade de Covas. Sanear, punir, eliminar fraudadores. A gente se sentia amparado e apoiado pelo governador.

Nagashi Furukawa Secretário de Administração Penitenciária O que Covas fez foi inovador e um exemplo para o país. Iniciou fechando as carceragens da Polícia Civil, criou os Centros de Detenção Provisória e os Presídios de Segurança Máxima e entregou para as ONGs os serviços de alimentação, rouparia, assistência médica, jurídica e odontológica. O resultado foi maior qualidade e controle e queda dos custos. A alimentação, por exemplo, que custava 10 reais por preso em 1995, caiu para 3 reais e melhor. Fora tudo isso, a informatização do sistema, com os dados de 140 mil presos, de seus parentes e advogados, em um único programa, facilitou o controle dos presídios.

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Saneamento Básico Cuidar das pessoas era uma preocupação constante de Mario Covas. Por isso, ele estabeleceu metas já no programa de governo. Uma das que foram cumpridas à risca foi o saneamento. Na gestão dele, acabou o rodízio de água em São Paulo, 100% da população passou a ter rede de água, 85%, rede de esgoto. Em janeiro de 1995, a Sabesp tinha problemas de caixa, não pagava funcionários, trabalhava com empresas terceirizadas. Em setembro de 1998, foram contabilizadas 1.200 obras entregues em todo o Estado. Hugo Marques da Rosa Secretário de Obras e Saneamento Covas pessoalmente deu a determinação de colocar nos locais de trabalho uma lista com o nome e os horários de cada funcionário. A diretoria foi reduzida, e todos os cargos de confiança foram extintos. Ainda no governo de transição recebemos um plano de recuperação elaborado pelos trabalhadores da Sabesp. Ele propunha algumas medidas duras, inclusive com demissões. Conseguimos negociar e estabelecer critérios para os desligamentos e o governador deu total apoio, não importando se os demitidos tivessem alguma ligação política. Já em 1995 a Sabesp deu lucro.

Comunicação Durante suas diversas campanhas eleitorais, Covas nunca entendeu muito bem o mundo dos “marqueteiros” e dos publicitários. Mesmo admitindo sua importância, preferia se concentrar no que fazia melhor, o contato direto com a população e o uso da palavra. Conservava muito vivo o desejo de expor seus pontos de vista, de convencer. No governo, sempre manteve relações cordiais e simpáticas com jornalistas e formadores de opinião, cultivava pessoalmente alguns relacionamentos conquistados ao longo de sua vida pública, era respeitado por suas posições, mas era intransigente com o gasto do dinheiro público, inclusive nesta área. Não admitia gastar em comunicação e deixar de construir mais casas, escolas, redes de esgoto etc. Mas era um ávido leitor de jornal. E o dia dependia sempre do noticiário. Alexandre Machado Secretário de Comunicação Quando assumi, queria implantar uma política que mostrasse a forma como o governo defendia certos valores. Covas pegou o Estado numa situação de estrago e acho que conseguimos mostrar isso para a opinião pública. Mas a Comunicação tinha dívidas da administração anterior, e nosso orçamento era zero para as agências. Eu conversava com o governador e dizia que a comunicação tinha que espelhar de maneira mais ordenada o que estava acontecendo. Mas não tinha jeito. Covas dizia que enquanto faltasse uma escola no Estado, não daria dinheiro para comunicação. Era um político austero.

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Mary Zaidan Assessora de Imprensa

Teresa Cristina Miranda Assessora de Imprensa A idéia da primeira campanha mostrava a bandeira do Estado, seu maior símbolo, sendo lavada. Era uma representação do limpar, arrumar e colocar a casa em ordem. A agência vai ao gabinete apresentar a campanha e Covas não aparece. Quem presidiu a reunião foi o Angarita e o Sergio Reis, secretário de Comunicação, na época. As lâminas da campanha foram deixadas lá no palácio e colocadas na sala de reunião privativa do governador. Uma madrugada, após um evento em Santos, e já de volta ao palácio, ele me cutuca e diz: ‘O que é isso aqui na minha sala?’ E eu digo: ‘É a campanha publicitária, governador, o Angarita e o Sergio Reis já falaram com o senhor’. Ele olha bem pra mim e diz: ‘Senta aí’. A Lúcia Dal Médico estava junto, e dona Lila chegava da ala residencial com o chá da madrugada. Expliquei a campanha e mostrei a tabela de custos. Aí ele começa a fazer conta e me mostra: ‘Olha quantas casas, quantas salas de aula e redes de esgoto eu poderia fazer com esse dinheiro’. E eu falei: ‘Está certo, mas o senhor também precisa prestar contas do que está sendo feito’. Dona Lila ajudou: ‘Mario, todo mundo fica dizendo que você não está fazendo nada, precisa mostrar’. No final, ele arrematou: ‘A idéia é boa, mas é muito dinheiro’. Ele fez todo mundo sofrer dias, mas a primeira campanha foi ao ar em dezembro de 1996.

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Com os poucos recursos que tínhamos no início do governo - para se ter uma idéia, nossa impressora durante muito tempo foi uma matricial caseira emprestada pelo Zuzinha, filho do governador - privilegiávamos o atendimento direto aos jornalistas, o que, na prática, significava entrevistas quase diárias com o governador. Ele se divertia muito nessas entrevistas tumultuadas, apertado entre câmeras e repórteres. Mas a característica mais marcante para mim na relação de Covas com a imprensa era o tratamento igualitário que ele conferia aos repórteres e aos veículos de comunicação. Quando pegava o telefone para falar com qualquer um deles - e ele fazia isso com frequência quando queria rebater alguma notícia da qual discordava - dedicava o mesmo tempo e atenção a um repórter da grande imprensa quanto a um de um jornal semanal do interior do Estado. Brincava com a fama de que ele não dava lead (síntese do assunto), jamais falava em off (sem ser identificado) e adorava rádio, especialmente entrevistas ao vivo. Sua relação com os jornalistas que cobriam o governo no dia-a-dia era muito intensa, e todos perceberam isso quando, na fase final da doença, ele fez questão de falar com a imprensa, na mais emocionante das entrevistas que presenciamos.

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Cerimonial e eventos Brasília de Arruda Botelho Chefe do Cerimonial na Prefeitura e no Governo do Estado Mesmo não gostando de formalidades, Covas recebia os visitantes e cumpria os ritos de forma correta e elegante. E nunca, na história do Palácio dos Bandeirantes, tantos chefes de Estado e altas autoridades passaram por lá. Na visita do imperador e da imperatriz do Japão, houve uma saia justa. O imperador quis ver um jogo de futebol, e a escolha pela tabela dos jogos foi o final do campeonato paulista no Morumbi, com São Paulo e Corinthians. O combinado era que o imperador assistisse ao primeiro tempo, aí o anfitrião – o governador Mario Covas – deveria se levantar para o imperador ir embora. Mas Covas não levantava, queria ver o jogo. Eu pedia para ele levantar e ele não levantava, dizia que o imperador estava gostando do jogo, até que falei com rigor e ele levantou, mas foi embora contrariado, queria ver o jogo. No episódio do enfrentamento com os professores na Praça da República, quando Covas voltou ao palácio com Malufinho, Osvaldinho e Junqueira, todos rasgados e machucados, parecendo o Exército de Brancaleone, eu perguntei: ‘Vocês não têm juízo?’ E Mario Covas, com um sorriso largo, respondeu: ‘Você não estava lá para dizer quem podia entrar e quem não podia...’

José Salles dos Santos Cruz Assessor do Governador NA PRODUÇÃO DE Discursos e Palestras Ele respeitava a palavra, e como eu mexia com a palavra, foi fácil. A gente sentia que havia uma integração, a tal ponto que, às vezes, eu imaginava que era ele e ele imaginava que era eu. Havia momentos em que ele vinha me contar coisas que eu tinha contado para ele, que estavam nos documentos que eu preparei. Acho que foi um privilégio ter trabalhado com Mario Covas. Eu não sabia por que eu tinha estudado tanto, lido tanto na vida. Acho que, para dar significado ao que estudei, fui trabalhar com ele. Sempre fui um leitor furioso, e poder passar algumas informações para o Covas deu um sentido àquilo tudo. Eu pensava: eu leio por prazer, porque eu quero conhecer, mas só isso? Como eu reparto isso? E o Covas foi o repartidor dessas coisas. Acho que ele deu sentido à minha vida.

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Claudiney Queiroz Mestre de Cerimônias Covas não aguentava e tirava o microfone da minha mão quando alguém fazia uma reivindicação ou provocação. Uma vez no aeroporto em Votuporanga, onde o pessoal da saúde fazia manifestação, com faixas e esparadrapos na boca, ele disse simplesmente o seguinte: eu estou feliz por vocês estarem aqui, eu lutei por isso. Só espero que não seja do hospital que vocês tenham tirado o esparadrapo. E chamou os manifestantes para o palanque. Um representante dos manifestantes falou e foi saindo. Aí o governador chamou e pediu para que ele ficasse no palanque para ouvir a resposta. Ele não deixava passar de jeito nenhum. Outra vez, numa época em que os professores iam sempre atrás de Covas, um deles durante o discurso gritou: É mentira! Prá que. Essa era a palavrachave, era a morte para ele. Trouxeram o RG e os dados do manifestante, o governador tirou o microfone da minha mão e perguntou para o manifestante: O seu nome é tal? Seu RG é tal? Então você hoje ganha tanto, e antes ganhava tanto. O professor respondeu que não era verdade e Covas o desafiou a mostrar o holerite dizendo: Se for mentira eu renuncio agora. E o professor não teve como desmentir. Por isso era gostoso trabalhar com ele.

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A REELEIÇÃO Em 1998, ao aproximar-se o final de seu primeiro mandato, Covas decidiu lançar sua candidatura à reeleição Embora não fosse obrigado pela legislação, durante os meses da campanha à reeleição, Mario Covas preferiu afastar-se do governo, passando o cargo para o vice-governador, Geraldo Alckmin.

Ricardo Penteado advogado em campanhas políticas Mario Covas trabalhava rigorosamente dentro da legalidade, respeitava os limites da lei e prestigiava seus advogados. Tinha preocupação em entender o que a lei determina. Em 1998, aconteceria a primeira reeleição no país, e Covas, contrariando muitos, se afastou do governo, deu uma lição ao jamais utilizar a máquina administrativa. Portanto, não precisou enfrentar na Justiça nenhum questionamento quanto a isso durante a campanha. Depois de um início difícil, a candidatura de Mario Covas à reeleição como governador cresceu muito pouco antes do dia da eleição. Ultrapassou Marta Suplicy, passando para o segundo turno juntamente com Paulo Maluf. Elegeu-se, então, com 9,8 milhões de votos, 53% dos votos válidos.

e ele queria polemizar com o Paulo Maluf. Na televisão, Covas tinha 3 minutos e 14 segundos, e Maluf, 10 minutos, metade do tempo dando pau no adversário. O Maluf colocou o Afanásio Jazadji chamando Zuzinha de ladrão, falando da CDHU. Em resposta ao ataque malufista, o Woyle Guimarães escreveu um texto violentíssimo. Covas chegou à produtora babando, mas quando viu o texto, avaliou: ‘Isso aqui vai dar problema, direito de resposta e punição’.

Luiz Gonzalez coordenador do programa de TV A campanha de 1998 foi a mais sofrida. Mario Covas saiu em quarto lugar, a população o odiava. Fez o primeiro governo na porrada, brigando na rua, teve uma postura diferente da que o eleitor tinha visto na campanha. Ele resolveu ir ver a primeira pesquisa qualitativa e ouviu: ‘Esse é o maior ladrão que tem no país. Todo político rouba, mas faz alguma coisa, esse não fez nada!’. O Covas ficou doido. Havia muita pressão

A maior briga foi sobre educação, a reorganização das escolas, a progressão continuada. Todo dia tinha crítica na pesquisa qualitativa. Fiz um texto para o Covas explicar o que estava acontecendo na educação, mas ele não quis gravar porque parecia que estava pedindo desculpas. Foi uma briga danada. Covas dizendo que o problema não é ganhar a eleição, mas ‘os companheiros que não acreditam na gente’. Ficamos os três – Covas, Woyle e eu –, alucinados, gritando um com outro, parecia briga do cais do porto. Com o Covas era assim, e eu admirava isso. Quando tinha que brigar, brigava pela frente.”

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Antonio Carlos rizeque malufe SEcretário particular Mario Covas era contra a reeleição. Dizia que oito anos era muito tempo. As pesquisas o colocavam em quarto lugar, e ninguém acreditava na reeleição. O segundo turno foi um sufoco. Teve uma boa campanha, com boa assessoria, boa estrutura, a militância nas ruas e menos dinheiro em caixa do que em 1994. Em 1998 ainda tinha muita coisa para ser feita no governo: Metrô, penitenciárias, Febem, calha do Tietê. O governo dele dependia de mais quatro anos para se completar. Covas foi ousado na primeira administração, arrumou o Estado e deu início a muitas obras. Não consigo enxergar outra pessoa no exercício do poder tão inovador em políticas públicas. Covas inventou as Organizações Sociais na saúde; teve o maior índice de assentamentos no Pontal; consolidou a Secretaria de Administração Penitenciária; fez a gestão de empresas públicas; a concessão de rodovias e a concepção clara de políticas públicas na educação. Medidas ousadas, de coragem política em todas as pastas. Além da figura humana com ética e caráter. É isso o que justifica a Fundação Mario Covas cuidar do acervo dele, foi um período revolucionário.

Mariana Caetano Jornalista Eu trabalhava no jornal O Estado de S. Paulo e cobria o governo, portanto, acompanhei todo o período da doença de Covas, desde a primeira manifestação, em dezembro de 1998. A gente teve que aprender junto com ele e a família o que estava acontecendo. Passei muitas horas no Incor para entender o câncer. Foi admirável a forma como Covas conduziu esse período, sempre com verdade e transparência. A abertura que a gente teve com o David Uip e toda a equipe médica que acompanhava o governador foi surpreendente. Ninguém escondia nada, e diariamente os médicos falavam com os jornalistas. Tudo isso foi exemplar, em se tratando de uma figura pública. Também foi doloroso, pelo menos para mim, acompanhar o sofrimento da família. Existiam momentos em que a gente deixava de ser jornalista e vivia o drama. Ele era uma figura que a gente aprendeu a respeitar. Lutou muito para sobreviver e de forma admirável. Como homem público, ele compartilhava, não se escondia e não fugia do assunto.


A SAÚDE DE COVAS No final de 1998, exames de rotina do governador reeleito detectaram câncer de bexiga e abortaram seus sonhos Iniciando o segundo mandato, já com as finanças do Estado de São Paulo saneadas e um ambicioso programa de governo, Mario Covas atingia o melhor momento de sua carreira. A presidência da República parecia ao alcance da mão. Mas estava condenado. No dia 3 de dezembro de 1998, internou-se no Incor para exames de rotina. Detectou-se câncer na bexiga. Não houve tempo para pensar. Foi operado no dia seguinte para retirar o tumor e reconstruir a bexiga com tecido retirado do intestino.

Sami Arap médico urologista

David Uip médico infectologista Mario Covas deu duas determinações: a primeira era que não se escondesse nada dele, da família ou da população. Isso foi uma quebra de paradigma, foi inusitado. A outra determinação é que o tratássemos até o limite e não o deixassem sofrer. A partir daí cumpriu tudo o que foi sugerido, o que não foi pouco, já que foram várias as internações e os procedimentos. E mais, o governador decidiu se tratar num hospital público, no Incor, uma decisão institucional, e também pela equipe. Lembro que, na sexta-feira de Carnaval de 2001, Mario Covas me chamou, dizendo que queria ir para a praia. Concordei que fosse para a Riviera de São Lourenço. Eu fui ao Guarujá, para ficar mais perto dele. No sábado, me chamaram. Fui até lá e vi que ele tinha piorado. No domingo, bati o olho nele e disse: ‘Não dá mais, vamos embora’. Ele perguntou: ‘Para o palácio?’ E eu disse: ‘Para o hospital, governador, para o hospital’. No helicóptero estavam a Renata, a dona Lila, o capitão Junqueira e eu. Covas estava na cadeira de rodas quando eu peguei o pulso dele e vi que estava a mais de 300. Ele falou: ‘David, muito obrigado por você ter deixado eu ver o mar pela última vez’.

Antes da cirurgia, a pressão foi enorme, muita gente querendo dar palpite, emitir opinião e aparecer na imprensa. O governador Mario Covas sentiu isso. Tanto sentiu que pediu para a Renata falar com a gente. ‘Olha, meu pai pediu para conversar com o senhor. Ele está muito preocupado com seu equilíbrio emocional. Porque se o senhor estiver sofrendo a metade da pressão em relação à cirurgia, é para ficar louco. Mas ele pediu para lhe dizer que nem secretário nem ministro nem presidente nem Jesus Cristo vão mudar o que ele já decidiu. Ele vai operar com o senhor e aqui no Incor. Fique tranquilo.’ Isso foi de uma dignidade, de uma lealdade com a equipe médica, particularmente comigo, muito grande. O governador doente capta isso e, inteligente como era, manda a filha conversar com a gente e nos tranquilizar. E foi além. O governador disse que se alguém buzinasse, interferisse, era só avisar para ele remover os obstáculos. Nesses termos. Uma atitude de solidariedade. Achei fantásticos a lealdade e o respeito de Mario Covas.

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Angelo Perosa FOTÓGRAFO E assessor de imprensa No final de 2000, depois de sete anos sem férias, peguei minha mulher e meus filhos e fui para o Nordeste. Dois dias depois, o governador me ligou: ‘Estou aqui todo ferrado e você aí. Onde estão as fotos? Preciso das fotos’. Peguei as malas e voltei para São Paulo. Uma das coisas que Covas mais gostava era viajar, estar com as pessoas, vistoriar as obras, mas ele já não podia viajar. Então queria ver tudo por fotografia. Queria saber o estágio das obras, ver como estava a conservação daquilo que já havia entregado. Ele fez uma lista e nós saímos fotografando tudo. Percorremos o Estado e entregamos para ele 45 álbuns de todas as obras e ações das secretarias e empresas - estradas, escolas, hospitais, unidades habitacionais. Cada vez que eu ia entregar uma foto era terrível, muito pesado e muito difícil. Ele na cadeira de rodas e querendo mais e mais fotos.

O governador reeleito tomou posse no dia 10 de janeiro de 1999, após receber alta do hospital. Submeteuse, então, a três sessões de quimioterapia e, apenas em maio, assumiu plenamente suas funções no governo do Estado. Parecia recuperado, mas o câncer voltou. Já não havia possibilidade de cura. Mario Covas morreu no dia 6 de março de 2001, às 5h30 da manhã, no Instituto do Coração, em São Paulo.

Henry Sobel rabino Covas lutou a vida inteira. Lutou por seus ideais e pelos seus princípios. Lutou por aquilo em que acreditava. Lutou pelo bem estar de sua família, lutou por seu Estado e por seu país. Lutou contra a doença. E sua luta nos dignificou a todos.

Inconformados com esse final prematuro, os familiares, amigos e admiradores de Mario Covas reuniram-se para preservar o seu legado essencial. Nasceu, assim, a Fundação Mario Covas, com uma dupla missão: desenvolver atividades políticas e acadêmicas de estudos e pesquisas, com ênfase na questão social e no desenvolvimento das técnicas de administração pública e privada e de gestão governamental. E defender o ideário político de Mario Covas.

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COVAS E OS POLÍTICOS Correligionários ou adversários, todos reconhecem a importância do político santista no cenário nacional Marta Suplicy prefeita de São Paulo Convivemos em muitos momentos da vida pública brasileira e paulista. Concorremos em lados opostos em eleições, mas existe um momento que ficará marcado em toda a minha vida. Em 1998, concorremos ao governo de São Paulo. Perdi no primeiro turno e apoiei Covas no segundo turno contra o Maluf. Depois ele teve o mesmo gesto comigo na campanha para a prefeitura de São Paulo, mas não foi um gesto qualquer. O Alckmin perdeu a eleição no primeiro turno. Ficamos eu e Maluf no segundo turno, e eu fui conversar com o Covas. Ele não teve a menor dúvida em me apoiar. O mais bonito foi que estávamos num momento difícil, achávamos que se ele não entrasse seria muito difícil ganhar. Ele ia se internar no Incor no dia da eleição, para continuar seu tratamento. Essas são coisas que a gente não esquece. Eu disse: ‘Para mim é fundamental que você venha, pode fazer a diferença’. E ele foi. Era um encontro no Sindicato dos Jornalistas. Ele falou: ‘Marta, eu adiei a entrada no hospital. Além de te apoiar, vou pra rua fazer campanha. Só vou para o hospital quando as urnas estiverem fechadas’. Fiquei emocionada, não era um gesto qualquer, era um gesto com a saúde dele.

Aécio Neves deputado federal e presidente da Câmara Federal

Celso Giglio prefeito de Osasco pelo PTB Covas sempre atendeu muito bem os prefeitos, e comigo não foi diferente em relação a Osasco. Quando levávamos algum pleito, ele era objetivo: pode, pode, não pode, não pode. E se dizia ‘pode’, podíamos confiar.

Mario Covas já governava São Paulo, quando ocorreu um episódio em que a atuação dele foi decisiva na minha trajetória. Quando houve a possibilidade de o PSDB reassumir a presidência da Câmara, havia uma ala que defendia a manutenção do PFL. Fui a São Paulo falar com Covas, que já estava doente. Ele me perguntou se eu estaria disposto a enfrentar a resistência da presidência da República. Respondi que sim, se houvesse apoio dele. Covas foi a Brasília e declarou: ‘Por que não o PSDB?’ Foi uma voz de comando importante. Setores do partido que o temiam, aderiram à minha candidatura. Ganhamos já em primeiro turno. Fiz questão de vir a São Paulo dedicar minha vitória a Mario Covas.

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Paulo Egydio Martins ex-governador de São Paulo O regime militar se assustava com o jeito aguerrido do Mario Covas. Mas eu conhecia a pureza, o idealismo dele. Ele tinha o apoio dos portuários, tinha uma visão mais de esquerda, mas longe de ser comunista. Merecia meu respeito absoluto. A história do país não dava um período de paz, e, com isso, é muito difícil manter a crença íntegra. Quando tem um homem puro como Mario, que tem crença num mundo melhor, como combatê-lo? Ele era crente de que era possível melhorar o mundo.

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Eduardo Suplicy senador pelo PT A relação dos senadores paulistas com o governo Covas era de muito respeito. Sempre encaminhei solicitações e demandas de movimentos sociais, e Mario Covas as considerava com seriedade. Algumas vezes fui ao Palácio dos Bandeirantes acompanhado de prefeitos e em situações de tensão, envolvendo questões de justiça, segurança e terras. Covas tinha o espírito mais aberto, uma crença forte na democracia. Lutou de forma consistente para o aprimoramento do processo democrático, tinha muito bom senso, era respeitado pela seriedade com que se conduzia na vida política. Deixou grandes lições.

Cláudio Lembo Presidente do PFL-SP

Luiz Paulo Teixeira Ferreira deputado estadual pelo PT

Uma personalidade firme, corajosa, decisiva, mas às vezes excessiva. Conheci a biografia dele por meio de Jânio Quadros, que também tinha grande admiração pelo Covas. Jânio o conheceu em Santos e o escolheu para ser candidato a prefeito. Covas foi cassado porque era vulcânico, tinha explosões verbais de alto nível, irritava os militares. Mario Covas não podia aceitar o golpe de 1964. Na Constituinte, vi atitudes notáveis dele. Era uma assembléia agressiva, e no plenário a figura de Covas acresceu muito. Ele levou intelectuais da área jurídica para Brasília, permitindo um movimento impensável no Brasil, como o artigo 5, com direitos fundamentais da pessoa, a família formada só pelo pai ou a mãe, que é uma realidade no país, os quilombolas, as minorias. Covas percebeu tudo isso.

Quem retomou a capacidade de investimento do Estado de São Paulo foi ele. Mario Covas viabilizou a duplicação das rodovias dos Bandeirantes e dos Imigrantes, a retomada de investimentos no Estado. Justiça seja feita, vejo um marco de realizações. É um dos maiores políticos do Estado de São Paulo. Ao mesmo tempo, tinha visão de esquerda. Fez embate à ditadura militar quando podia ter se escondido, se expôs e foi cassado. Teve um papel enorme ao administrar a cidade com grande atenção à periferia, e um papel fundamental como constituinte, que garantiu uma visão de nação. Queria ressaltar a figura política de talento, a figura humana dele. O governador Mario Covas foi uma pessoa que deu dignidade à figura pública, escreveu seu nome na história.

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O ESTILO COVAS Objetivo, exigente, detalhista e austero são algumas das características do modo Mario Covas de governar

Rubens Rizek amigo Fui convidado para um almoço no Palácio dos Bandeirantes. O Mario estava comendo fritura, e dona Lila disse que era feita com óleo de milho, porque ele era safenado. Aí eu fiz um comentário maldoso: ‘Pena que o safenado pobre não pode comer esse óleo, tem que engolir soja’. Aí o Mario parou de comer, olhou bem sério para mim e perguntou: ‘Por quê?’ Eu falei: ‘Porque o óleo de soja, que está na cesta básica, tem 7% de ICM. E todos os demais óleos vegetais que não estão na cesta básica têm ICM de 18%. Então o pobre não pode comprar esse óleo por causa do imposto’. Ele pensou, pensou, a conversa continuou e mais para o fim do almoço ele disse: ‘Você vai à Secretaria da Fazenda, procura o Clóvis Panzarini e o convença de que é certo baixar o ICM dos óleos vegetais para 7%. Se ele se convencer, que venha me convencer que o Estado não irá perder arrecadação’. Lá fui eu para a Secretaria da Fazenda. Uns três meses depois saiu um decreto do governador baixando para 7% o ICM de todos os óleos vegetais no Estado de São Paulo. Ele era um homem justo.

Luiz Carlos Frigério assessor do governador Eu estava em casa, toca o telefone, era o senador Covas. ‘Pode vir aqui me pegar? Posso, mas eu não tenho carro, só um bug. E isso não é carro? Você não quer me pegar?’ E fui com meu bug. Quando ele viu, perguntou: ‘É isso aí? Como se entra?’ Expliquei, ele entrou, estava sem a capota. Ele sentou e começou a ler um jornal, na avenida Faria Lima. A cara das pessoas exclamando era incrível: ‘É o senador’. Ele tinha uma simplicidade, um jeito determinado de fazer as coisas.

Nagashi Furukawa secretário de Administração Penitenciária Quando parecia que Covas era contra uma determinada proposta, nós precisávamos estar preparados, ele contra-argumentava, chegava aos detalhes. Era difícil, só depois é que aceitava. Quanto mais íntimos, mais xingados. Até que Covas começasse a me xingar, demorou um pouco.

Emerson Kapaz secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico A preocupação de Covas com o dinheiro público era constante. Uma vez, durante uma apresentação sobre a privatização de uma empresa, usei a expressão ‘recursos próprios’ para esclarecer que o recurso vinha do governo. Covas não teve dúvida, interrompeu a apresentação, perguntando: ‘Recursos próprios, de quem? Aqui no governo os recursos sempre serão públicos’. Isso ficou gravado na minha cabeça.

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Sergio Kobayashi jornalista, presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo No segundo ano do governo e com a Imprensa Oficial superavitária, bati na porta do Palácio dos Bandeirantes porque precisava comprar uma nova rotativa. Fiz todos os estudos, projetos e análises para uma licitação. Custava 20 milhões de dólares, e eu tinha dinheiro, estava aplicado na Caixa. Aí a conversa com Covas foi a seguinte: Sergio: Mario, a rotativa está para pifar, a Imprensa Oficial existe por conta do Diário Oficial, imagina não fazer o Diário Oficial, quero comprar uma nova. Covas: Quanto custa? Sergio: 20 milhões de dólares, eu tenho o dinheiro e estou avisando que vou comprar. Covas: Como você tem 20 milhões de dólares? Sergio: Recebi atrasados, economizei, enxuguei a máquina. Covas: Não senhor. Eu aqui desesperado, fazendo das tripas coração para comprar os trens espanhóis e você com 20 milhões sobrando? Não senhor. Passa esse dinheiro para o Nakano, fica sem máquina nova. Bem ao estilo Covas, isso foi feito. A população ganhou o trem espanhol, e a Imprensa Oficial reformou sua rotativa.

Marcos Arbaitman secretário de Esportes e Turismo Um dia, no meio de uma reunião de secretariado, daquelas longas e com muita gente que gostava de realizar, Covas perguntou se estavam cuidando do Parque Villa Lobos, porque passou por lá e viu mato crescendo. Expliquei que quem fazia o serviço eram presidiários de Franco da Rocha, que estavam de férias. Covas perguntou por que não contratava outros e respondi, informando que a licitação era demorada. Covas não teve dúvida e acrescentou: ‘Porque a sua firma não faz?’ Não tinha jeito, a gente se via obrigado a fazer e ficava envergonhado se não fizesse.

Marco Vinício Petrelluzzi O mais relevante em Mario Covas era a sua sensibilidade popular, saber se colocar ao nível do povo e dialogar. Mas também adorava uma discussão. Uma vez saiu do hospital, no início da segunda gestão, e teve um problema na Febem. Tinha uma mãe que começou a discutir com Covas e virou um bate-boca feio. Covas não deixou ninguém intervir. Quando acabou a discussão, ele entrou no carro e disse: ‘Eu estava louco por uma briga’.

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Claudio Senna Frederico Fiz parte do governo de transição, na USP, mas não sabia se assumiria alguma secretaria. Fui um dos últimos a ser convidado. O Covas me chamou e disse: ‘Você vai ficar com Transportes Metropolitanos’. Sempre usei rabo de cavalo, tamanco, brinco, era um tanto heterodoxo, riponga, não gostava de terno. Mas comprei um terno para o dia da posse. Quando Covas me viu assim disse: ‘Esse meu governo vai dar certo, o Claudio está de terno’.

Alexandre Schneider Lembro que, logo no início do rodízio de carros, cheguei mais cedo para trabalhar. Ás sete horas da manhã, Mario Covas passou como um tufão na Secretaria de Governo, que ficava no mesmo andar do gabinete do governador. Ele reclamava que não tinha ninguém trabalhando e disse: ‘Não podemos perder um minuto, fomos delegados pelo povo para trabalhar.

Gugu Liberato apresentador de TV Participei de vários showmícios de Mario Covas, mas lembro de um em especial, em Osasco. O palanque estava cheio de gente e começou a desmoronar. Foi uma correria, uma gritaria, segurança pra tudo que é lado, e o palanque cedendo. Só não foi uma tragédia porque havia um carro embaixo do palanque, que acabou dando sustentação. O sistema de som, é claro, pifou, mas o Mario Covas não se importou. Assumindo suas responsabilidades, virou-se para os organizadores e disse: ‘Deixa que eu falo com a população’. E, aos gritos, pediu calma.

Vanya Sant’anNa amiga e assessora do prefeito O período da prefeitura foi maravilhoso. A gente ia, via o que estava acontecendo e tentava encontrar uma solução. Os mutirões eram uma festa pura. Para Covas, o pior castigo era ficar no gabinete. Ele gostava de estar em contato com as pessoas e ficava na rua o máximo que podia. Quando voltava, estava com os bolsos cheios de bilhetes. Todos os pedidos, inclusive os feitos no papel de pão, eram registrados, e Covas saía com seu caderno com todos os pedidos feitos. Ele tinha um gênio complicado, mas era um explosivo carinhoso, e o mais incrível é que a gente gostava de apanhar dele. Outra coisa, ele despertava mais paixão nos homens do que nas mulheres. Era impressionante, mas os barracos de ciúmes eram frequentes.

Flávio Fava de Moraes Mario Covas tinha algo especial com a Universidade de São Paulo. Primeiro, por ter sido aluno de lá. Segundo, porque via a universidade como pólo referencial. Ele visitava frequentemente as três universidades estaduais. Uma vez, já com a saúde bastante debilitada, foi convidado para paraninfo na formatura dos alunos de engenharia da Poli. Eram uns 400, e ele fez questão de ficar até o fim da cerimônia e tirou foto com cada um dos formandos.

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Alexandre Machado Era começo de governo. Um belo dia, entro na sala do governador e lá está ele lendo jornal, possesso, tenso, vermelho, com raiva, batendo na mesa e gritando: ‘É mentira, é mentira’. Aí eu viro pra ele e digo, tentando acalmar: ‘Nem tudo é má notícia, governador’. E ele, gritando, responde: ‘Hoje não quero saber de notícia boa. Só quero notícia ruim’.

Belisário dos Santos Junior secretário da Justiça e Defesa da Cidadania Numa dessas tardes, acho que no terceiro ano de governo, vem lá um publicitário mostrar um filme, cheio de sobrevôos de helicóptero, aquelas construções da Sabesp fotogênicas, a Carvalho Pinto. Quando acabou o filme, o publicitário perguntou para o governador: ‘E aí?’ A dona Lila perguntou ao governador: ‘Eu falo ou você fala?’ O governador falou: ‘Deixa comigo’. Ele começou dizendo: ‘Você não entendeu absolutamente nada, nada!’ O publicitário respondeu cavando um fosso maior ainda: ‘Mas governador, eu mostrei o que o senhor está fazendo’. Ele respondeu: ‘Esse é o problema. O que eu estou fazendo, qualquer um pode fazer’. Isso eu converso muito quando dou palestra sobre ética do cotidiano. Ele falou: ‘Isso qualquer um pode fazer. Você não está mostrando como nós estamos fazendo. Você valorizou o assentamento, mas não valorizou o processo do assentamento, que foi numa negociação. Você valorizou a CDHU, mas não disse uma palavra que eu entrego a chave para a mulher. Vai ver se pode isso no Direito Civil? Não pode, mas eu entrego a chave para a mulher. Você valorizou o negócio da Sabesp, mas não sabe como a gente recuperou a Sabesp, não falou isso’. Ou seja, ele passou a idéia de que a valorização do processo é a valorização do fim, é a a ética da responsabilidade. Vou fazer uma coisa, mas de uma forma que dê exemplo. Vou criar uma coisa, mas valorizo o processo. Fábio Feldmann secretário do Meio Ambiente Nossa relação sempre foi bastante conflituosa e tensa no governo. Tínhamos opiniões divergentes em alguns temas, mas sempre com muito respeito. Um dia, em um de nossos encontros de trabalho, falei com ele sobre as questões do palmito. Ele não teve dúvida e saiu com a seguinte indagação: ‘Só me faltava essa. Agora você vai me proibir de comer pastel na feira?’ Ele também sabia ser engraçado.

João Dória Junior presidente da Paulistur Covas era um fumante inveterado. Na prefeitura, sempre havia um cinzeiro enorme cheio de bitucas de cigarro. No Anhembi, era proibido fumar nas áreas internas. A primeira vez que Covas foi ao Anhembi, tomei a liberdade de pedir ao prefeito que tentasse não fumar, só se fosse imprescindível. Covas respondeu: ‘Pois é imprescindível. E só faço reunião se fumar’.

Nivalda Rocha de Jesus empregada da família Quando Covas foi eleito governador, eu disse pra ele que queria uma casa da CDHU. E ele falou: ‘Não é assim. Se você quiser, vai entrar na fila igual a todo mundo.’ Eu fiz minha inscrição e não falei nada. No dia do sorteio, o Covas estava lá. Ele me viu no meio da multidão. Sorteou umas dez casas e foi embora. No dia seguinte, perguntou o que eu estava fazendo lá. E eu contei. Com ele não tinha facilidades.

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Arlindo Gomes da Silva motorista de Mario Covas Uma vez, voltando de Santos, tocou o telefone do carro. Era alguém pedindo para Covas representar o governador Franco Montoro num evento no Anhembi, com a presença do então presidente João Figueiredo. Chegando lá, ele desce para o evento, mas antes percebe que o segurança impediu o acesso das pessoas que o acompanhavam. Ele voltou para o carro e disse que ia embora. ‘Se as pessoas que estão me acompanhando não podem entrar, eu também não entro.’ Foi uma loucura. O Exército cercou o carro, disseram que seria prejudicial. Ele ficou, mas com a condição de que todos pudessem entrar.

Robson Marinho coordenador da campanha de 1994 e secretário da Casa Civil Numa segunda-feira, eu estava despachando com o governador quando ele chamou o chefe da Casa Militar e mandou calcular o custo do helicóptero de São Paulo até a Riviera de São Lourenço, litoral sul paulista. Quando o chefe da Casa Militar saiu, eu perguntei: ‘Governador, por que o senhor mandou fazer esse cálculo?’ E ele respondeu: ‘Porque eu quero recolher aos cofres do Estado o custo da viagem até a Riviera, ida e volta’. Eu disse: ‘Mas por quê? Era um final de semana em que sua família estava lá, o senhor estava chegando de viagem ao interior e se deslocando para passar o final de semana com sua família’. Ele respondeu: ‘Não quero saber, eu vou recolher’. Como de fato recolheu aos cofres do Estado, para que ninguém pudesse insinuar que ele estava usando o helicóptero para ir para a casa de praia dele. Isso mostra o respeito dele com o dinheiro o público.

Miguel Jorge executivo Covas era detalhista. Uma vez eu estava com ele e, sobre a mesa, havia um monte de processos de concorrência, uma pilha enorme. A gente estava conversando e eu falei: ‘Mario, você está lendo processos de concorrência?’ Ele respondeu: ‘É, isso aqui é importante. São estradas vicinais’. Eu falei: ‘Não acredito que você esteja lendo um por um’. E ele: ‘Eu vejo todos. Mesmo que tenha que ficar aqui a noite inteira, eu não deixo de ler’. Ele tinha fixação em acompanhar tudo de perto.

OSWALDO MARTINS AMIGO E SECRETÁRIO DE COMUNICAÇÃO Todo político que está no Executivo corre o risco de perder um pouco a noção de realidade, até porque não faltam bajuladores em volta. Onde tem corte, tem o bobo da corte, tem cortesão, tem cortesã, toda corte é assim, seja no império, na monarquia ou na república. Tudo igual. Isso pode iludir, sobretudo se a pessoa for deslumbrada. Mario Covas nunca teve nenhuma atração pelas benesses do poder, até porque,ele não gostava de conforto. Coisa estranha, mas não gostava, ele gostava de sofrer. E quem estava ao lado dele sofria junto, gostasse ou não gostasse, porque estava naquele jogo. Mais uma vez, “A ação conforme a pregação” é um bom rótulo para a trajetória do Mario porque, no Executivo, onde podia ser tudo diferente, não foi nada diferente. Continuou praticando a mesma democracia que defendia e praticava quando estava no parlamento.

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O LEGADO Por onde passou, Mario Covas deixou lições de seriedade na administração pública e coerência com seus princípios e valores

Yoshiaki Nakano secretário da Fazenda O legado de Mario Covas foi Estado saneado, mais condição de investir, Estado com dívida renegociada. Ele recebeu uma herança maldita, o Estado endividado, e pensava no futuro. Pagou as dívidas para deixar o Estado bem.

Paulo Francini empresário O maior legado de Mario Covas é o de um homem político. Essa é a inspiração maior de Mario Covas, vocação de homem público, homem de convicções. Nunca o vi embaralhado em atitudes de corrupção. Tratava com seriedade a questão pública. Tinha convicções dolorosas e uma enorme necessidade de promover o saneamento econômico do Estado de São Paulo. Paulo Cunha empresário É um exemplo, em primeiro lugar, de persistência. Basta olhar sua vida política, de grande determinação. Tinha talento e possibilidades para seguir outros caminhos. Quando foi cassado, trabalhou como engenheiro, administrador. Mas a vocação dele era a de homem público, tratava a coisa pública como coisa pública. Do ponto de vista civilizatório, é um exemplo relevante até hoje. Um homem público.

Ronaldo César Coelho deputado federal constituinte O PSDB e a política brasileira devem muito a Mario Covas. Ele não fez nada sozinho, mas o Brasil, que acordou para a ética e a moralidade, devem muitíssimo a homens como Covas.

Cleuza Ramos Líder Comunitária Para quem tem vergonha na cara, Covas deixou um grande exemplo de trabalho e clareza, de viver para servir. Ele sempre colocou o interesse do outro acima do seu.

Edson Vismona secretário da Justiça e Defesa da Cidadania Aprendi com Covas que é possível fazer política com grandeza. Covas dizia que a política não pode ser esquecida, pois é na política que um país rico como o Brasil tem condição de ser mais justo. Bruno Covas neto Meu avô era um político que não defendia a educação, a saúde, a segurança, a habitação. Ele defendia princípios e valores. A grande bandeira de Mario Covas sempre foi a da seriedade, da honra e da ética.

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Walter Barelli SECRETÁRIO DE EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO O legado de Mario Covas é a social-democracia praticada num país subdesenvolvido, em meio ao neoliberalismo, sem paternalismo, sem fazer o povo sofrer.

Antonio Angarita secretário de Governo Covas teve coragem, a grande virtude do político. Era um trabalhador fora do comum. Eu dizia a ele: ‘Você é pior do que escravo, é galé. Porque escravo come, dança. Galé só rema’. Não era um intelectual. Apesar de muito bem informado, escolheu ser gestor. Não era mal humorado, era grave.

BOB FERNANDES JORNALISTA Seu legado é perceber que é possível ter integridade na política, que é possível ter palavra e cumpri-la. Num meio tão difícil como a política, é ter o respeito do adversário; alguém com começo meio e fim, sabendo que pode ser prejudicado. Covas era admirável. Ainda que absolutamente comum como pessoa, era incomum no comportamento como político. Padre Ticão RELIGIOSO Conosco estabeleceu uma relação tão fraterna que podíamos entender quando ele falava: ‘Não dá para atender’. Mas era muito difícil ele dizer isso. Foi sempre uma pessoa de uma sensibilidade muito grande. Isso marcou nossa região até hoje. Então temos o campus da USP que tem o nome dele, escolas, conjuntos habitacionais, o Mario Covas é lembrado sempre com muito carinho. Até naquilo que muita gente dizia que ele era turrão, para nós foi bom, porque ele era turrão com aqueles que precisavam, como um pastor que tem um cajado e bate no lobo. Ele usava o cajado para defender o povo. Acho que Mario Covas conseguiu passar uma realidade como a nossa de tanta desigualdade, conseguiu mostrar que é possível fazer uma política diferente, fazer a política que é necessária para responder às necessidades básicas da população. Que Mario Covas continue nos iluminando na sua prática.”

Mario Covas Neto (Zuzinha) filho Ele tinha presença. Era daquelas pessoas que chegam e preenchem o espaço, é inerente, não se aprende. Tinha também o poder de comunicação, com toda braveza, “espanholice” e decibéis acima. Seus pequenos gestos eram captados e valorizados, como passar a mão na cabeça, perguntar, valorizar sua opinião. Fora isso, tinha um sentido de justiça forte, com argumentação forte, orientada para a justiça social, nunca pessoal, mas sempre com propósitos coletivos. Se preocupava em estar preparado para tratar dos assuntos e com seriedade. Assumia riscos que causavam admiração até em adversários. Entrava em piquete para defender suas posições.

Rose Neubauer Secretaria da Educação Nas inaugurações de escolas, Mario Covas fazia questão de dizer que “a escola é de vocês, feita com dinheiro de vocês, não têm que agradecer”. Ele tinha compromisso com a população. Nunca foi de esquerda, mas tinha compromisso com a população, respeito à coisa pública, o que muita gente de esquerda tem no discurso, mas não pratica.

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Fundação Mario Covas Diretoria

Presidente da Fundação Mario Covas

Antonio Carlos Rizeque Malufe

Diretor Secretário

Luis Sergio Serra Matarazzo

Diretor Tesoureiro

Marcos Martinez

Conselho Curador Presidente

Bruno Covas Lopes

Vice-Presidente

Belisário dos Santos Junior

Secretário

Marco Vinício Petrelluzzi

Membros Vitalícios

Florinda Gomes Covas

Mario Covas Neto

Renata Covas Lopes

Rubens Naman Rizek

Membros Eletivos

Edson Tomaz de Lima Filho

Edson Vismona

Fernando Padula Novaes

José da Silva Guedes

Luiz Carlos Frigério

Marcos Arbaitman

Marco Ribeiro de Mendonça

Mauro Guilherme Jardim Arce

Michael Paul Zeitlin

Osvaldo Martins de Oliveira Filho

Sami Bussab

Administração

Rosangela Lopes Moreno Baptista

Eduardo Strabelli

Odair Aparecido Ribeiro Campos

Centro de Memória Mario Covas

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Coordenação

Raquel Freitas

Consultora Arquivística

Márcia Cristina de Carvalho Pazin

Técnicos Documentalistas

Gustavo Molina Turra

Noubar Sarkissian Junior

Tiago Silva Rodrigues Navarro

Wesley Cunha Soares

Gestão de Projeto Cultural

FormArte – Projetos, Produção e Assessoria Ltda.

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Fundação Mario Covas em revista Coordenação Editorial

Atelier de Imagem e Comunicação

Teresa Cristina Miranda - MTb 12.170

Editora

Lucia Reggiani - MTb 11.479

Redação

Teresa Cristina Miranda

Lucia Reggiani

Administração

Cláudia Sardinha

Projeto Gráfico e Diagramação

Anibal Sá Comunicação & Design

Fotografia

A2 Fotografia

Edição

Angelo Perosa

Produção

Rosana Jerônimo Ribeiro

Ana Paula de Oliveira Silva

Tratamento de imagem

Daniel Guimarães

Fotógrafo

Luludi/Agência Estado (pág. 8)

Acervo Fundo Mario Covas

nota: Parte do texto sobre a trajetória de vida de Mario Covas foi extraída do Guia do Acervo, publicação do Centro de Memória da Fundação Mario Covas.

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patrocínio

apoio

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FUNDAÇÃO MARIO COVAS RUA 7 DE ABRIL, 59 | 2º E 3º ANDARES | CENTRO | SÃO PAULO | SP | CEP 01043-090 TEL/FAX: 55 11 3129-7341 / 55 11 3129-7657 www.fmcovas.org.br


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