Arquitetura cidade #01

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ARQUITETURA | CIDADE

1 edição ano 2017

APROXIMAR CIDADE E PESSOAS Como estamos colaborando para isso?


projeto editorial URBE ateliê de arquitetura

projeto gráfico e diagramação Mariana Rocha

edição de fotografias Mariana Rocha




ASSOCIADO

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foto: Mariana Rocha


EDITORIAL Mariana Rocha Formada em 2016 em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Santa Catarina. Sócia-fundadora do URBE ateliê de arquitetura em Florianópolis

A formação do arquiteto sempre foi conhecida por proporcionar diversos caminhos a serem percorridos. Um arquiteto pode ser projetista, construtor, arquiteto de interiores, técnico, urbanista, planejador urbano, paisagista, light-designer, restaurador, designer industrial, diretor de arte, cenógrafo, comunicador visual, fotógrafo de arquitetura, empreendedor, professor, e por aí vai. Nossa formação nos traz estudos sobre estética, proporções, materiais, teorias de cores… e esses conhecimentos abrem caminho para práticas artísticas (como criar uma revista, por exemplo). Por outro lado, ao aprendermos a planejar a execução de um projeto, trabalhamos com nossa visão estratégica, conseguindo ver o processo tanto na visão macro, quanto na micro. Pode parecer complexo, e até mesmo controverso, na hora em que estamos na faculdade cursando tantas

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disciplinas que, naquele momento, nos parecem desconexas. Mas certamente é essa vastidão de temas estudados e pesquisados que nos permite reinventar a arquitetura e o urbanismo a cada dia. E é apenas uma pequena parcela dessa reinvenção que trazemos para vocês nessa primeira edição da revista ARQUITETURA | CIDADE. Essa reinvenção baseia-se na inversão do fluxo de projeto que foi ensinado por muitas gerações. Fomos “alfabetizados” no ensino superior dentro de uma doutrina de ensinamento. E, tanto na arquitetura, quanto no urbanismo, perdemos o contato com as pessoas. Ao pensarmos e planejarmos cidades fomos acostumados a recorrer somente a mapas, (infinitos mapas!) dados estatísticos, coeficientes urbanísticos… Mas de que adiantam todos esses dados impessoais se não entrarmos

de corpo e alma no lugar em que vamos intervir? Entrar de corpo e alma é viver, vivenciar, observar, experimentar esse lugar. Ouso dizer que o arquiteto e urbanista deveria agir como um olheiro em busca de um novo talento. Disfarçado no meio da multidão e observando... Observando as pessoas, seus movimentos, observando o cotidiano dos lugares. Eis a inversão do fluxo de projeto mencionada. Se queremos fazer cidade para as pessoas, devemos nos reaproximar das pessoas, nos reaproximar da cidade, entender as necessidades desses dois sujeitos a partir de uma visão sensível de seus desejos e problemas. Não adianta a resposta vir somente de nós, profissionais. Para que nossos projetos respondam efetivamente às vontades e

necessidades de uma população, é preciso que ela participe do processo, trazendo o cidadão ao protagonismo para pensar a cidade conosco. Os textos, crônicas, reflexões e exemplos de ações urbanas que trazemos aqui ilustram ações e visões contemporâneas de arquitetos e urbanistas que, em seus trabalhos, buscam formas de promover essa (re)aproximação. Esta, como vocês poderão ver, vem sendo feita de inúmeras maneiras, com o intuito de investir em cidadania, de criar laços de pertencimento entre as pessoas e as cidades que elas vivem. Somente tais laços aliados à uma ação cidadã presente têm a verdadeira capacidade de transformar nossas cidades em cidades para as pessoas e com as pessoas. Afinal, a arquitetura e o urbanismo devem servir à sociedade como um todo.

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O MOVIMENTO TRAÇOS URBANOS

AÇÃO URBANA

em Florianópolis / SC

32 AÇÃO URBANA

editorial

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quem somos

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nossos colaboradores

ESPAÇO

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PÚBLICO território de muitos ou espaço de ninguém?

36 URBANISMO COLABORATIVO As experiências práticas do instituto CO•URB

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a transformação de vagas de estacionamento em vagas vivas temporárias

O lugar de vivenciar arte

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AÇÃO URBANA coletivo VAGA VIVA! e a construção de parklets

AÇÃO URBANA

URBE ateliê de arquitetura

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A cidade real é construída ignorando a idealização de profissionais, acadêmicos e instituições. Qual é então nosso papel em meio às soluções urbanas que as pessoas empreendem na prática?

DO EXPERIMENTO À EXPERIÊNCIA

O que é o estar na rua?

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APRENDENDO COM A CIDADE REAL

evento DE BOA NA LAGOA

A cidade é para brincar!

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Qual a importância da inclusão do público no fazer artístico e nos diversos reflexos sociais que isso implica na cidade? A prática do P.R.A.I.A. em Florianópolis como espaço destinado a experiências artísticas que aproximam arte, artista e observador.

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As intervenções urbanas do grupo Basurama

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CONSTRUINDO POSSIBILIDADES URBANISMO PARA CRIANÇAS

Urbanidade, espaço público, direito à cidade e plano diretor são palavras e conceitos que surgem tarde nas nossas vidas, ou, muitas vezes, passam despercebidos. Entender a própria cidade, sentir-se cidadão e parte da vida urbana são exercícios que devem começar muito cedo, ainda na infância.

VISITANDO A CIDADE QUE VOCÊ MORA Vivemos ou sobrevivemos onde moramos? Visitar um lugar é o mesmo que vivenciá-lo?

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CIDADES DESESTABILIZADAS E POSSÍVEIS AFETOS URBANOS

por uma cartografia das camadas da cidade A cidade é palco de várias existências. Insinuo nessa escrita a possibilidade de se afetar por todas essas maneiras de existir. Dialogar com o outro num estar com e na cidade. Trago à tona uma noção de experiência relacional e coexistência pensando numa possibilidade de autorização de um diálogo na cidade contemporânea.

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COLABORADORES

URBE Ateliê de Arquitetura Ana Carolina B Bazzo Ana Claudia A Bigi Ana Luiza Zabotti Angela Marschall

Daniela Accorinte Lopes Mariana Rocha S A Souza Paula Machado Cury

Co-studio Felipe A. Rizzon Lucas A. Passold

Tamiris K. Walter Luiza Telles

Bloco B Arquitetura Camilla Ghisleni Gabriela Favero Julia Faveri

Silvia Ribeiro Lenzi

P.R.A.I.A. Jaqueline Silva

Rodrigo Gonçalves dos Santos

CO•URB Adriano Rodrigo Ana Virgínia S. Leite Bruno Ávila Katianne M. Barbosa Lis Cavalcante Marcos Alvim

Germano Johansson Hélio Sallum Izadora Laner Mariana Fernandes Mariana Morais Maryon Brotto

Guilherme Galdo Ruchaud

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foto: Ana Luiza F Cartana

Há quase um ano, nós da URBE abríamos as portas de nosso espaço que foi construído a partir de princípios de coletivismo e colaboração.

QUEM SOMOS? Mariana Rocha

Nosso grupo nasceu antes mesmo de nos formarmos em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Santa Catarina. Em 2015 iniciamos o processo de construção ideológica do que queríamos ser como um grupo de profissionais. Desde o início, para nós, este deveria ser um espaço transdisciplinar e de experimentação. E durante essas reuniões surgiu o conceito, por mais controverso que pareça, da coletividade e individualidade. No fundo, o que queríamos dizer era que buscávamos crescer individualmente a partir do crescimento e amadurecimento de nosso grupo. Nos fundimos em grupo e indivíduo, em família e sócias. No início de 2017 finalizamos a primeira volta ao sol da URBE. Durante esse breve percurso conseguimos alinhar nossos sonhos e amadurecer, tanto individualmente quanto em grupo. E hoje, fizemos daquele grupo de quase formadas, um ateliê de arquitetura que desenvolve projetos de arquitetura e urbanismo focados na transformação da qualidade de vida urbana e social. Nós acreditamos em um mundo onde as cidades e a arquitetura sejam feita de pessoas e para pessoas, e acreditamos na influência que um bom espaço público tem na qualidade de vida de cada um de nós. Desde o início pudemos contar com a colaboração de outros colegas de profissão, amigos e familiares: dicas, conselhos, contatos, parcerias e bate papos enriquecedores. Sabemos que sozinhas somos apenas um grão de areia, mas que juntos conseguimos transformar sonhos em realidade. A todos que colaboraram conosco nesse primeiro ano da URBE, o nosso muito obrigada!

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APRENDENDO COM A CIDADE REAL Todo ano, quando chega o calor de Dezembro, eu sei que logo vou estar na estrada saindo de Floripa em direção a Niterói, onde passo o natal com a família. É uma viagem comprida, que normalmente fazemos em dois dias, com um pouso no trecho paulista da Dutra. Assim, no fim da manhã seguinte costumamos cruzar a Baixada Fluminense, antes de enfim atravessar a Linha Vermelha em direção à Ponte Rio-Niterói. Esse trecho da Baixada é todo ano um dos que mais me chamam a atenção na viagem. São cidades realmente muito grandes, cujas interfaces com a rodovia impressionam, inclusive pela escala – cada um desses municípios periféricos parece ser maior do que aquele em que moramos, que é a capital do nosso Estado e já é um bocado caótico. Não me arrisco a falar sobre o que há para além do que se pode ver da estrada, já que não conheço os lugares. Mas, com essa mania que arquitetos/as têm de ficar observando as cidades, posso falar sobre o que vemos na Dutra. Alternam-se alguns galpões de fábrica, lojas imensas de materiais de construção (e de outras coisas), grandes bairros de casas, muitas vezes construídas muito próximas e que parecem nunca estar

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exatamente prontas (o que explica as lojas de materiais) e conjuntos habitacionais compostos por blocos, uns mais novos, outros mais antigos, todos igualmente desalentadores, além de viadutos e vias de acesso aos bairros. Neste ano acabamos pegando um engarrafamento em algum lugar nesse caminho. Do lado esquerdo da rodovia víamos uma paisagem de casas, em que predominam a cor de tijolo, o azul das caixas d’água e algumas paredes pintadas com cores vivas. Do lado direito uma série de prédios baixos separados por um espaço exíguo onde o sol jamais deve ter tocado, apesar dos varais com roupas penduradas pro lado de fora das janelas. Eu e meu pai, sentados no banco da frente, começamos a divagar, um pouco para distrair-nos do trânsito. Um de nós, de forma despretensiosa, trouxe meio sem querer uma questão simples: se tivéssemos que ficar ali onde estávamos, qual das opções visíveis escolheríamos? Então o contraste se expôs, e entre as casinhas do lado esquerdo ele começou a identificar as várias em que havia varandas cobertas, grandes janelas, algumas delas com redes penduradas, umas cobertas por lajes e outras por telhados. Os prédios da direita não mereceram grande atenção, até porque suas formas puderam ser apreendidas sem um olhar mais criterioso.

Guilherme G. Ruchaud Natural de Niterói, graduou-se em Arquitetura e Urbanismo pela UFSC em 2016. Desenvolve projetos no Coletivo Praia e está prestes a iniciar mestrado em Antropologia na UFPel.

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croqui do autor: rodovia Presidente Eurico G. Dutra na altura na Baixada Fluminense. Terreno e entorno dos conjuntos cidade tiradentes I, II, III e IV - São Paulo - ilustra a construção da cidade a partir das soluções empreendidas pelo povo foto: peabirutca.org.br

E aí nesse momento é que aquela massa amorfa de construções começou a tomar forma diante dos nossos olhos, e as soluções e qualidades construtivas foram se revelando aos poucos, enquanto a outra massa amorfa, a de veículos sob o sol escaldante da Baixada, permanecia inerte. Do lado direito estavam as supostas soluções habitacionais delineadas pelas mãos de profissionais e oferecidas pelo aparato institucional; e do lado esquerdo estavam as soluções habitacionais do próprio povo, por vezes delineadas ali mesmo enquanto eram construídas, de acordo com as necessidades de cada morador/a e com suas limitações materiais. A rodovia engarrafada expunha, entre tantas contradições urbanas, o nada novo desalinho entre as soluções urbanas convencionais e a cidade real.

Quando vemos, com um olhar breve, que a precariedade da periferia possui algumas soluções mais apropriadas do que aquelas produzidas pelo aparato institucional, isso deve nos fazer pensar. Não acho que eu precise repetir as já tão conhecidas críticas aos programas habitacionais brasileiros, que nunca foram habitacionais, mas sim de fomento ao crescimento econômico pela via da construção civil. Acho que, em vez disso, é mais o caso de olharmos pro outro lado da rodovia e pensarmos de que maneira podemos aprender com as soluções empreendidas pelo povo e como elas se inserem nas soluções oficiais. Se a romantização da periferia é anacrônica, também o é (e talvez ainda mais) a pretensão de resolver os problemas urbanos e habitacionais somente pelo traço e técnica dos/as arquitetos/as, partindo de uma leitura inadequada, e até de uma verdadeira negação da cidade real. No meio dessa discussão sobre soluções, seja no engarrafamento, na academia ou no ofício, entre um anacronismo e outro, a mensagem que fica para as pessoas quando as soluções institucionais são inapropriadas é a de não ter com quem contar. E é isso que tem acontecido nos últimos séculos, e as pessoas, diante disso, se viram como podem. Constroem suas casas, suas histórias, suas vidas, constroem a cidade real, sob as condições de que dispõem. Produzem cidades que, se muitas vezes são adequadas a suas necessidades, por outro lado recaem freqüentemente em baixa qualidade material, reduzido conforto ambiental, precariedade de espaços públicos e de saneamento básico e mesmo em grave degradação ambiental. Essa cidade real insustentável é negada pelo aparato institucional, tratada como um equívoco, excluída de qualquer possibilidade de solução, e é rebatida com outro modelo de cidade insustentável com a qual se contrasta Metodologia participativa utilizada pela ONG Peabiru (SP) para propor soluções em habitação popular.

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foto: peabirutca.org.br

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repensar a forma como escrevemos a narrativa histórica das cidades. As periferias que tradicionalmente só têm lugar na historiografia sob a forma de um erro a ser expurgado correspondem, talvez, à forma mais usual de produção de cidades no nosso país. E nós – arquitetas/os, academia, instituições – fazemos parte desse processo. As soluções urbanas e habitacionais adequadas não poderão passar por nossas mãos até que sejamos capazes de ler e entender melhor a nossa própria realidade e o nosso papel nela. De que forma as soluções urbanas e habitacionais populares podem contribuir nas soluções oficiais? De que forma as qualidades construtivas dessa ou daquela periferia são mais apropriadas às condicionantes culturais locais?

População presente na construção do Conjunto Alvorada - São Paulo (SP) em 2011. foto: peabirutca.org.br

Essa discussão envolve um equilíbrio delicado entre o reconhecimento da

e que ajuda a reforçar esse processo. Tudo isso que nos ocorreu durante o engarrafamento da Baixada (e o outro que pegamos na Linha Vermelha em que a prefeitura tenta esconder a periferia com muros), não é nenhuma descoberta, afinal de contas essa discussão não é exatamente nova, e já existem idéias sobre como lidar com essas leituras e proposições inadequadas. É dessas contradições que surge, por exemplo, a discussão da Assistência Técnica Habitacional como forma de atuação profissional. A questão da Assistência Técnica tem origem na aprovação da Lei 11888/08, que versa sobre o acesso público e gratuito por famílias de baixa renda a serviços de arquitetura e engenharia. A lei precisa de regulamentação nos Estados e Municípios pra vigorar, e é realidade em muito poucos lugares

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realidade e de suas qualidades e uma perigosa romantização da precariedade, que pode turvar a visão na mesma medida em que o faz a negação da realidade. A compreensão dos processos que guiam a construção das nossas cidades não pode se dar sem um verdadeiro contato com aqueles/as que a constroem, com um olhar que se alterne entre uma visão acadêmica e profissional e uma visão sensível e despida de preconceitos. Do mesmo modo, as soluções produzidas devem ser construídas coletivamente. Os resultados de uma prática dirigida por esses processos ainda são uma incógnita, a não ser por algumas raras experiências, mas a tendência é de soluções mais apropriadas, em termos qualitativos, mas também no sentido da própria noção de valor e apropriação da cidade por parte de seus/as verdadeiros/as autores/as.

do país, mas tem um importante papel de trazer a discussão sobre a nossa relação com a cidade real a partir de uma forma de atuação profissional alternativa àquilo que aprendemos sobre o mercado e sobre as instituições. Tratase, em resumo, de uma forma de permitir a aplicação da técnica desenvolvida na academia à cidade real. Nesse sentido, e normalmente independentemente da aplicação da Lei, algumas experiências interessantes têm surgido espalhadas pelo Brasil, empreendidas por arquitetas/os e outras/os profissionais que buscam atuar de forma mais alinhada com a realidade das nossas cidades. São os casos da ONG Soluções Urbanas, de Niterói, do Peabiru, de São Paulo, entre outras iniciativas que têm sido inspiradas por reflexões como a deste breve texto. Além de repensar a prática profissional aplicada à construção das cidades, essas reflexões nos permitem mesmo

Folder das oficinas de assistência técnica. foto: peabirutca.org.br

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MOVIMENTO TRAÇOS URBANOS Silvia Ribeiro Lenzi

Guardo uma lembrança de criança, quando passava as férias na fazenda dos meus tios. Próximo da casa havia um rio raso e correntoso onde, juntamente com minhas irmãs e primos, costumávamos brincar atravessando de uma margem à outra. Íamos pisando de pedra em pedra, às vezes nas maiores outras vezes nas mais pequenas, escolhendo aquela que nos parecesse a mais firme para dar suporte ao nosso próximo passo. E assim seguíamos adiante com o propósito de chegar à outra margem. Estas memórias infantis representam, para mim, o que vimos buscando no Movimento Traços Urbanos. Sabemos que queremos uma cidade mais humana, com espaços públicos mais dignos para as pessoas, mas ainda não temos claro todo o percurso para se aproximar desse sonho. Cada novo integrante, cada parceria, cada projeto nos leva à esta direção, mas ainda não conseguimos prever com muita antecedência

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Registros do evento Nossa Rua realizado em novembro de 2016. fotos: André Moecke

primeiras conversas em agosto de 2016 e rapidamente este grupo foi aumentando com a inclusão de pessoas das mais diversas áreas atraídas pela possibilidade de contribuir de forma pró-ativa com esta qualificação

todos os passos desta caminhada. Traços Urbanos surgiu da inquietação de um grupo inicial de cerca de 20 pessoas, predominantemente arquitetos, que se reuniu buscando encontrar uma forma de contribuir coletivamente com a qualificação urbana de Florianópolis, principalmente das suas áreas públicas. Iniciamos nossas

O perfil heterogêneo do grupo contribui com distintas visões que trazem à tona matizes de vivências urbanas diferenciadas e que precisam ser devidamente contempladas como condição para gerar espaços públicos mais dignos, capazes de dar suporte à uma vida urbana complexa e plena nas suas potencialidades. A cada novo encontro do Movimento para troca de informações, reflexões coletivas e apresentação de alguns resultados já alcançados, surgem novas ideias e atitudes convergentes que confirmam o entendimento de que é possível

seguir avançando nessa direção. Não temos a pretensão de assumir responsabilidades concorrentes com gestores dos espaços públicos, mas queremos sim, estar mobilizados para contribuir na agregação de valores aos espaços urbanos. Estas iniciativas deverão ser precedidas de discussões e de reflexões com aqueles que de alguma forma constroem, interferem, usam e desfrutam destes espaços e ocorrerão sempre de forma compatível com a nossa capacidade de realização e com a possibilidade de parcerias. Através de uma estrutura mais horizontalizada buscaremos articular iniciativas compatíveis que no seu conjunto possam servir de referência para um jeito diferenciado e mais consistente de se fazer cidade. Verão 2017

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Primeiro evento realizado pelo grupo MOVIMENTO TRAÇOS URBANOS em novembro de 2016. O evento contou com a apresentação de trabalhos de estudantes de arquitetura e urbanismo com propostas de revitalização para o centro histórico de Florianópolis, confraternização e intervenção urbana em frente ao Museu da Escola de Santa Catarina - MESC.

NOSSA RUA

movimento traços urbanos

foto: André Moecke

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URBANISMO COLABORATIVO e a Construção Coletiva das nossas cidades CO•URB

Com a rápida urbanização das cidades latino americanas, o avanço da cultura digital, o aumento da consciência ambiental e demais transformações urbanas e sociais, novas práticas de gerir, desenhar e participar das nossas cidades são demandadas. Se olharmos em volta, veremos que nossas cidades são construídas também pelas mãos das suas comunidades. Ao mesmo tempo, vemos que planejadores muitas vezes não contemplam as necessidades da população, impondo estruturas urbanas dissociadas de seu contexto local. Como podemos unir o saber técnico ao conhecimento e experiência dos seus usuários, construindo cidades inclusivas, de maneira mais colaborativa? O COURB busca, a partir do conceito de urbanismo colaborativo, mapear ações colaborativas e integrar entidades que atuem incentivando a apropriação da cidade por seus usuários, intermediando a participação em intervenções urbanas relacionadas tanto

O CO•URB é uma organização sem fins lucrativos fundada por uma rede multidisciplinar de profissionais trabalhando pela construção de cidades mais inclusivas, vibrantes e sustentáveis. Por meio da união do conhecimento acadêmico, profissional e da vivência urbana em diferentes realidades, o COURB auxilia municípios e comunidades em sua construção e estruturação social e urbana. Atuam no desenvolvimento de planos e projetos urbano, na produção de pesquisas, na capacitação e no engajamento cívico. Acreditam na construção colaborativa, no poder da participação social e no empoderamento como agentes de transformação.

à dinâmica da cidade em si, quanto ao seu planejamento urbano. Desde planos e projetos urbanos, ações de engajamento e pesquisa, o COURB tem como objetivo principal a integração dos agentes sociais envolvidos, dialogando com os interesses divergentes e construindo ações inclusivas. Nosso Instituto acredita que a arquitetura é um instrumento de transformação da vida urbana e social quando centra-se nas pessoas, observa peculiaridades locais, práticas culturais e cria cenários para um inerente desenvolvimento urbano e social. Durante o ano de 2016, entre outras atividades realizadas, 3 práticas em diferentes escalas apresentam como temos trabalhado para essa construção coletiva: O desenvolvimento da plataforma #Engaja, a organização do primeiro encontro de urbanismo colaborativo do Brasil e a realização de uma ação courbana em São Paulo.

Intervenção urbana Área de Lazer e Convívio Laranjal desenvolvida pelo Coletivo Formigas de Viçosa/MG. A ação do coletivo foi selecionada para participar do I Encontro de Urbanismo Colaborativo realizado pelo CO•URB em novembro de 2016 na cidade de Curitiba/ PR..

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foto: courb.org

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| Plataforma #Engaja

| 1° Encontro de Urbanismo Colaborativo

Em desenvolvimento, o #Engaja consiste em uma plataforma georreferenciada de mobilização de pessoas, voltada ao planejamento e execução de mutirões e ações comunitárias. Seu objetivo é empoderar qualquer cidadão, conectando-o com pessoas próximas interessadas e mobilizando recursos materiais e financeiros para ações de escala local que promovam a melhoria da qualidade dos espaços públicos.

Realizado em Curitiba-PR, o primeiro Encontro Urbanismo Colaborativo foi uma grande oportunidade de compartilhamento de ideias e integração entre quem já está promovendo a participação cidadã e fazendo a diferença em seus bairros, comunidades e cidades. Participaram

das palestras, painéis, oficinas e da Mostra de Projetos realizados cerca de 150 pessoas, entre representantes do poder público, organizações, academia e líderes comunitários, de 13 diferentes estados brasileiros, que seguem agora conectados por essa rede de urbanismo colaborativo

| Ação courbana na Praça José Molina Realizada em dezembro de 2016 em São Paulo, a ação urbana objetivou a compreensão dos desejos dos participantes para o local e o desenho participativo para construção colaborativa de ideias de melhorias para a praça, projeto que segue em desenvolvimento em 2017.

A partir dessas experiências, buscamos gerar condições que estimulem e elevem o convívio à colaboração ativa, transformando usuários em agentes de transformação do meio urbano que já lhes pertence. Registros do I Encontro de Urbanismo Colaborativo realizado. fotos: cedidas pelo autor

Registro da oficina participativa realizada com a população para o desenvolvimento de um desenho participativo para melhorias na Praça José Molina, em São Paulo. fotos:cedidas pelo autor

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ESTAR NA RUA URBE ateliê de arquitetura

estarnarua #10 Mariana Rocha

Cidades são a materialização da capacidade do homem de alterar e produzir ambientes que lhe sejam favoráveis. Estima-se que até 2050, mais de 70% da população humana viverá no meio urbano e não mais no meio rural. As cidades vem se consolidando como o habitat “natural”, construído pelo homem e para o homem. O modo como a cidade é construída e, principalmente, como é apropriada, é reflexo da sociedade em que está inserida e das possibilidades que lhe são dadas a partir das características de seu espaço urbano. A sociedade contemporânea estarnarua #08 ainda herda a rotina de prazos, horários e intensa carga de trabalho da sociedade industrial. Essa herança nos traz uma rotina automatizada no espaço urbano. Sequer prestamos atenção no caminho que fazemos de casa para o trabalho, simplesmente somos levados por nossos pés, que já sabem o rumo certo. Essa caminhada, que poderia ser rica em experiências com o outro e com o espaço, é muitas vezes um caminho vazio. Quando passamos por lugares que nos atraem e que poderiam nos despertar a vontade de parar, surgem os “mas…”. “Mas é perigoso”; “mas falta iluminação”; “mas parece abandonado”; “mas não tem onde sentar”; “mas parece tão sujo”; “mas falta tempo”... O desenho urbano, direcionado aos espaços públicos, tem a capacidade de transformálo em um lugar mais agradável para se estar, mais convidativo àqueles que passam. fotomontagens: URBE Ateliê de Arquitetura

O projeto #ESTARNARUA nasceu da vontade de pensar a cidade, visando a transformação de locais centrais de Florianópolis em lugares mais vivos. Buscamos fomentar a discussão de como locais com potencial podem ser melhor apropriados pelos cidadãos. A partir de um levantamento elaborado por nossa equipe dos espaços residuais em áreas centrais da cidade, porém hoje subutilizados, elaboramos uma série de 10 ensaios de intervenções urbanas durante o ano de 2016. Elas são feitas a partir da vivência no local e da observação do papel que estes poderiam exercer no recorte urbano onde se encontram, tendo como principais usuário aqueles que hoje já os utilizam. Os resultados visuais são sempre divulgados com o intuito de fomentar novas visões de como esses lugares poderiam ter maior qualidade urbana, muitas vezes com ações bastante simples. Agora em 2017 ampliamos o conceito do #estarnarua. A ideia é conhecer e trabalhar com outros grupos pelo Brasil que, como nós, têm pensado e desenhado suas cidades, contribuindo para a qualidade de vida urbana. Construímos um mapa colaborativo onde cada grupo marca espaços residuais em locais chave de sua cidade e adicionam as impressões que se tem destes. A cada mês, serão escolhidos dois lugares para a realização de ensaios, um em Florianópolis e outro em outra cidade brasileira. Assim criamos uma rede de propostas e de trocas de experiências, esperando difundir cada vez mais idéias inovadoras e simples para a melhoria da qualidade de vida em nossas cidades.

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Para saber mais sobre o projeto ESTAR NA RUA acesse nosso site: www.atelieurbe.com

estarnarua #06

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ESPAÇO PÚBLICO | território de muitos ou espaço de ninguém? Silvia Ribeiro Lenzi Graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a arquiteta e urbanista Silvia Lenzi mora há mais de 30 anos em Florianópolis e dedicou a maior parte da sua trajetória ao planejamento urbano. A arquiteta foi presidente do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis na década de 1980 e atuou como planejadora e depois como consultora no Plano de Urbanização Cidade Universitária Pedra Branca, um marco na criação de um bairro-cidade com foco em princípios de sustentabilidade urbana. Foi também presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil de Santa Catarina (IAB-SC) por duas vezes, integrando também o Conselho Superior dessa entidade por diversas vezes. Atualmente, atua como conselheira do CAU/SC.

Quando visito pela primeira vez uma cidade, procuro passear pelo seu centro tradicional para poder memorizar uma imagem que identifique e diferencie esta de outras cidades que conheço. Esta paisagem urbana vai sendo formada por visões parciais das praças, das ruas percorridas, das suas edificações, notadamente os prédios monumentais e mais emblemáticos. E a partir desses registros vou compondo uma imagem, enriquecida pelos detalhes que uma caminhada a pé oferece de observar as pessoas, suas atividades, apreciar as vitrines e descobrir os lugares mais pitorescos. E ao ir deparando com elementos amigáveis e gentis como calçadas confortáveis e arborizadas, bancos e floreiras, sinalização clara, me sinto acolhida e pertencente ao grande coletivo da civilização planetária. Isso me torna, de uma forma universal, responsável por zelar também por este lugar, que passo a reconhecer como lugar de muitos. Mas, ao invés, se encontro um ambiente hostil, com ausência de calçadas, ar poluído, ruídos fortes, esgoto a céu aberto, mal iluminado, quero me afastar o mais rápido possível sem estabelecer relação alguma com este lugar. Ambos são espaços públicos só que um acolhe e o outro repele. Este último é o território dos confrontos, da marginalização que gera tensões sociais e dificulta a convivência entre os diferentes. Representa uma ameaça para todos. É um território sem direito à cidadania. É uma terra de ninguém. O advento do automóvel exigiu dos nossos centros tradicionais intervenções radicais para adequação do sistema viário e a destinação de áreas para estacionamentos. É uma demanda sem fim, que nunca chega a ser suficiente para atender o intenso número de veículos particulares utilizados como principal meio de transporte nas nossas cidades. Essa voracidade automobilística na ocupação das áreas centrais, lugar de convergência

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dos principais fluxos em função da concentração de grande número de empregos e de serviços, vem ameaçando a qualidade do ambiente urbano e comprometendo os espaços públicos como áreas para o encontro e a convivência das pessoas, transformando-os em terra de ninguém. O confronto vem ficando mais evidente na medida em que as pessoas vem buscando um novo estilo de vida, mais saudável, menos estressante e com mais atividades ao ar livre. Assim como o sistema de áreas públicas dá suporte à vida urbana com seus distintos fluxos e redes de infra estrutura, é imprescindível que em igual grau de importância estes lugares dêem suporte à vida cidadã, oferecendo a cada criança, idoso, turista, pessoa com vulnerabilidade social, caminhos acessíveis, calçadas confortáveis e seguras, lugares aprazíveis para se estar, conversar e contemplar a paisagem.

“ Mas, ao invés, se encontro um ambiente hostil, com ausência de calçadas, ar poluído, ruídos fortes, esgoto a céu aberto, mal iluminado, quero me afastar o mais rápido possível sem estabelecer relação alguma com este lugar. Ambos são espaços públicos só que um acolhe e o outro repele. Este último é o território dos confrontos, da marginalização que gera tensões sociais e dificulta a convivência entre os diferentes.”

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Estas conquistas passam pela adoção de um novo paradigma de desenvolvimento onde o cenário almejado abrange toda essa coletividade construindo, compartilhando e zelando por um ambiente urbano inclusivo e sustentável. É possível resgatar e fortalecer essa cidade para as pessoas. Um estudo criterioso, a partir de uma visão do sistema de áreas públicas e suas articulações permite identificar os usos potenciais e complementares e as intervenções prioritárias. O espaço público não pode ser o resultado de iniciativas individuais e sim resultado de um projeto coletivo que contemple os distintos olhares dos moradores e daqueles que desfrutam dessa área. Este projeto ao abordar as áreas preferenciais para pedestres deve buscar inicialmente uma convivência pacifica com automóvel, criando

“O espaço público bem tratado é um convite para que as pessoas saiam para a rua e vivenciem as suas cidades.”

Evento De boa na Lagoa que transformou 2 vagas de estacionamento em vagas vivas na Lagoa da Conceição, em Florianópolis. foto: Angela Marschall

zonas de baixa velocidade, e definir à curto prazo trajetos para bicicletas e transportes coletivos compactos e com fontes alternativas de energia. A disponibilização de mobiliário e equipamentos urbanos funcionais e esteticamente tratados e a iluminação pública na escala do pedestre trazem mais segurança para o lugar, assim como a criação de incentivos para adoção de fachadas ativas, gerando maior interação do espaço público com o espaço privado. Iniciativas como essas têm trazido resultados altamente positivos e imediatos para as cidades que fazem esses investimentos e atuam como ações motivadoras agregando outras iniciativas convergentes e articuladas direcionadas para os mesmos objetivos. O espaço público bem tratado é um convite para que as pessoas saiam para a rua e vivenciem as suas cidades. Para que percebam o ritmo do seu cotidiano, não mais através da janela dos automóveis climatizados, mas nas caminhadas a pé quando os cheiros, as cores, o clima, os detalhes

da vegetação, a expressão facial e a voz das pessoas podem ser melhor percebidas. Isso cria uma cidade com maior interação social, mais rica nas suas trocas, mais solidária, mais alegre e consequentemente mais feliz. As procissões e carnavais, festas sagradas e profanas, grandes celebrações da cidade pontuam um calendário no qual as celebrações do cotidiano também estão presentes na contemplação do por do sol e no nascer da lua cheia, no encontro com os amigos nas mesinhas das calçadas, na caminhada no parque iluminado. A cidade, como lugar do encontro, a cidade entendida como o maior artefato produzido pelo homem, esta cidade tem que estar, antes de tudo, a serviço das pessoas e de suas dimensões física, emocional, racional e espiritual. A cidade é das pessoas, a cidade é para as pessoas. Esse entendimento deveria ser suficiente para estabelecer políticas públicas com as prioridades e os ajustes que se fazem necessários.

Intervenção no Largo São Francisco, São Paulo, projetado pelo escritório dinamarquês Gehl Architects, conhecido por seus projetos de cidades para as pessoas. foto: gehlpeople.com

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DE BOA NA LAGOA URBE ateliê de arquitetura Bruno Farias e Mariana Rocha S A Souza

Montagem das vagas vivas para o evento De boa na Lagoa, em Florianópolis. foto: Mariana Rocha

A cidade que é produzida a patir de interesses econômicos perde a conexão entre espaço e pessoas. Devemos chegar em um equilibro de infraestrutura urbana que atenda às necessidades das cidades no mundo contemporâneo, mas também que tenha como principal protagonizante a escala humana, a escala das pessoas. Ela é a extensão de nossas casas, a grande sala de estar, nosso lugar para novas experiências, novos encontros. Ela é o palco de nossas vidas e está aí para ser utilizada, ocupada e vivenciada. Para isso, é necessário que ela oferte espaços de convivência e de encontro para as pessoas. Dessa reflexão estão surgindo vários conceitos, formas de intervenção na cidade que reinvente a relação das

o que movimentou e chamou mais a atenção das pessoas que passavam pela rua. A ideia era mostrar as infinitas possibilidades de apropriação que o espaço urbano oferece. Foram realizadas oficina, exposição de arte indepentente, live paintings e música ao vivo na pequena praça montada.

pessoas com ela. Uma dessas é a criação de parklets ou vagas vivas, que se trata em transformar espaços das vias públicas - usualmente utilizados como estacionamento de veículos- em minipraças, locais de permanência e que possibilitem o lazer urbano. Os parklets podem ser considerados extensões das calçadas, que criam ambientes mais agradáveis e saudáveis para as pessoas que por ali vierem a passar. Ele surge como um instrumento capaz de amenizar o impacto que a urbanização não planejada causa na população que frequenta e utiliza o espaço público.

Um dia de muita alegria e cor. Um dia no qual duas vagas de estacionamento no centrinho da Lagoa da Conceição ganharam vida e proporcionaram o encontro e o lazer de pessoas incríveis.

O DE BOA NA LAGOA, fruto da união dos escritórios de arquitetura URBE (Florianópolis), Urb-i (São Paulo) e o café Jack & Jack’s, foi a primeira intervenção efêmera do tipo realizada na Lagoa da Conceição, em Florianópolis. O trabalho de montar o espaço projetado começou pela manhã do sábado (04 de fevereiro de 2017) e o espaço foi, ao longo do dia, se transformando devido às diversas formas de apropriação presenciadas, sendo desmontado a noite. Além de criar o espaço, foi montada uma programação com diversas atividades,

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Participações de artistas gráficos independentes de Florianópolis realizando live-paintings. 01 - Felipe Abarno | 02 - Samuel Adiala | 03 - Dylan Pazello fotos: Angela Marschall

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CONSTRUINDO POSSIBILIDADES | Urbanismo para crianças Bloco B arquitetura O Blobo B é um espaço idealizado para acolher diferentes áreas da arquitetura, desde o desenvolvimento de projetos, elaboração de oficinas, até ações que envolvem expografia e a vida no espaço urbano. Com o objetivo de aproximar as pessoas da criação e da obra Bloco B é um espaço de discussão, aprendizado e trocas.

A sala de aula estava lotada de crianças entre 7 e 12 anos, havia muito isopor no chão, canudos espalhados, caixas e tintas abertas pelo piso. Três horas depois, tudo havia se transformado. Uma longa conversa sobre urbanismo fez florescer cidadãos mais críticos e uma cidade bastante diferente: as ruas eram

Registro do mutirão de reforma do AMOCANTO

Registro da oficina Reinventando o Espaço ao Redor que ocorreu com a parceria do Bloco B e ORIGINAL KIDS. fotos: cedidas pelo autor

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rolantes, o hospital parecia uma casa e as casas voavam entre as árvores. No Brasil, a leitura do espaço urbano ainda é assunto acadêmico. Existe uma grande distância entre os Arquitetos Urbanistas e a sociedade civil. Segundo o IBGE, dos 190 milhões de brasileiros, 160 vivem em área urbana e, apesar do número exorbitante, pouco -ou nadase fala sobre urbanidade, direito à cidade ou plano diretor. Essa conversa torna-se ainda mais insignificante quando pensamos no ensino básico. Nossas crianças estão crescendo sem a consciência de que o modelo de cidade em que vivemos é insustentável, sem saber que existem outros modelos e que novas possibilidades devem ser experimentadas. Em parceria com a Original Kids, o Bloco B arquitetura desenvolveu dois modelos de oficinas com crianças: Reinventando a Cidade e Reinventando o Espaço ao Redor. Ambas, em diferentes

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escalas, têm o espaço como questão fundamental. De maneira bastante lúdica, as oficinas buscaram ampliar a consciência espacial e a capacidade crítica ao observar o espaço em que vivemos, seja ele a cidade ou a sala de aula que frequentamos todos os dias. A rapidez de uma criança em compreender o espaço e a liberdade criativa, sem amarras do que pode ou não ser real, trouxe resultados mágicos. Criamos uma Cidade dos Sonhos e salas de aula muito diferentes do que estamos acostumados a frequentar.

Registro da oficina Reinventando o Espaço ao Redor que ocorreu com a parceria do Bloco B e ORIGINAL KIDS.

Registro do mutirão de reforma do AMOCANTO fotos: cedidas pelo autor

A motivação dos pequenos foi tamanha que eles queriam ver aquilo tudo sair do papel e da maquete. Com o apoio da Original Kids e da Neoway conseguimos verba para reformar duas salas do AMOCANTO, no Canto da Lagoa. O espaço recebe semanalmente crianças do bairro para oficinas com diversos profissionais de áreas criativas. A reforma foi feita no formato de mutirão; convocamos todas as pessoas envolvidas no projeto, especialmente as crianças, para dois dias inteiros de reforma. Todo mundo colocou a mão na massa, aprendeu, se divertiu e principalmente despertou para aspectos sensíveis do exercício da cidadania relacionados ao uso do espaço e da coletividade. A pequena sala de aula realmente saiu do papel, foi transformada com muito esforço e colaboração. A Cidade dos Sonhos, projetada pelas crianças, esperamos que seja construída por eles no futuro. Acreditamos que iniciativas como essa podem criar cidadãos menos passivos e mais atuantes na busca de soluções urbanas que criem qualidade de vida e cidades mais humanas para todas as pessoas do nosso país.

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A CIDADE É PARA BRINCAR Basurama Basurama é um coletivo dedicado à investigação, criação e produção cultural e ambiental, fundado em 2001. Estuda fenômenos inerentes à produção de lixo real e virtual na sociedade de consumo, buscando contribuir com novas visões que atuem como geradoras de pensamento e atitude. texto e imagens: basurama.org

Que seria da cidade sem brinquedos, sem balanços, sem árvores e sem pessoas desfrutando de tudo isso? Vãos vazios sob viadutos cheios de carros, sobre rios enterrados. A Cidade é para Brincar transforma na Virada Cultural de São Paulo o Viaduto do Chá, no Vale de Anhangabaú e o Minhocão (elevado Costa e Silva) em parques de brinquedos pra crianças de 0 a 99 anos. O objetivo: a ativação desses espaços para fazer o que mais gostamos quando somos crianças: brincar e balançar. O projeto para Virada Cultural 2013 é mais uma intervenção no espaço público de São Paulo, que dá continuidade ao trabalho desenvolvido por basurama no Brasil desde 2007 com projetos como Bras-Madri, Parque de Diversões Minhocão (com MUDA_coletivo e Sociedade Anônima) e O Lixo não Existe. Na realização da intervenção foram utilizados materiais descartados como banner publicitário, pneus e vãos de viaduto.

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VISITANDO A CIDADE QUE VOCÊ MORA Lucas Passold CO-STUDIO O co-studio é um escritório transdisciplinar que através da co-criação elabora projetos ímpares para a cidade de Florianópolis e região. O grupo desenvolve processos de criatividade colaborativa a fim de transformar a cidade através das interseções entre arquitetura, arte, design e tecnologia. Imagens do mapa de Florianópolis elaborado pelo CO-STUDIO fotos: cedidas pelo autor

Para muitos de nós, escolher um determinado local urbano para se viver tem sido em primeiro lugar uma questão de oportunidade de sobrevivência, colocando em segundo plano a livre seleção de uma cidade que simplesmente nos agrada pelo o que ela é. Mudamo-nos para lá porque precisamos de um trabalho, porque queremos estudar em tal faculdade ou porque um familiar está lá para nos ajudar. São raras as vezes em que decidimos mudar nossa relação de vida colocando como prioridade a cultura que uma cidade oferece, as pessoas que ali vivem, as paisagens que ela cria, o sistema de transporte que ela oferece ou então os estabelecimentos comerciais interessantes que abastecem a vida urbana. E assim, o surgimento das cidades acaba sendo tão espontâneo quanto a própria intenção do ser humano em viver nelas. Começamos a trabalhar, estudar, e estabelecemos nossas raízes naquele lugar mas, será que de fato vivemos na cidade que moramos? Historicamente temos seguido principalmente nossos familiares nessa empreitada e, dependendo da situação, tendemos a nos estabelecer perto deles, criando pequenas comunidades de bairros. Conhecemos bem a nossa rua, alguns vizinhos, o mercadinho da esquina e alguns comércios das próximas quadras. Quando trabalhamos e estudamos, também sabemos o trajeto até lá ao pé da letra, e já sabemos qual é o melhor restaurante, o bar que mais enche e quais ruas têm trânsito. Mas e a cidade como um todo? Será que a conhecemos? Em uma cidade como Florianópolis, que possui uma grande extensão de território e bairros

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funcionando como uma espécie de subcentros afastados um do outro e intercalados com morros e áreas verdes de preservação, é quase inevitável que a relação das pessoas se resuma ao seu próprio bairro de moradia e de trabalho e estudo. Em uma rápida pesquisa com pessoas que não moram ou trabalham no centro de Florianópolis - perguntando lhes se conhecem o centro histórico, suas praças, museus, restaurantes e bares, poucas demonstram ter conhecimento claro desse local Com grandes distâncias a serem percorridas, com um sistema de transporte público deficiente e com espaços públicos mal cuidados, realmente não é nenhuma surpresa em preferir ficar onde estamos. Mas também não podemos dizer que as nossas cidades não oferecem nada de agradável para aproveitarmos. No caso de Florianópolis, conhecida pela sua beleza natural, as praias são os maiores atrativos no verão e consequentemente os locais onde os empresários e a prefeitura mais investem. Com tal infraestrutura, esses locais se tornam agradáveis (e caros) para morar e principalmente um marco para receber turistas. Assim, quando queremos ir para algum lugar “diferente”, acabamos indo para esses lugares que são mais bem cuidados e nos tornamos turistas em nossa própria cidade. Não há nenhum mal nisso, afinal, podemos ir para onde quisermos. Mas, posso dizer com uma certa segurança, que a cidade que moramos tem muito mais a oferecer do que nosso bairro, nosso trabalho e o mesmo ponto turístico que visitamos todo verão. A aglomeração de atividades humanas, culturais, mercantis e financeiras é o que

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torna a cidade atraente. Quandos nos limitamos a nossa própria rotina, não há realmente porque viver na cidade a não ser para trabalhar e sobreviver. Então, é preciso enxergar esse mundo urbano com um olhar mais amplo e desafiar-se a explorá-lo para entendêlo melhor. Quando entendemos melhor, passamos a nos interessar por determinadas coisas, a nos apaixonar por pequenos cantos escondidos, a conversar com moradores locais e a viver a cidade de maneira saudável. Para facilitar a descoberta das jóias raras de Florianópolis, o Co-studio criou o MAPE, um mapa para exploradores de cidades. Em vez de localizar pontos da cidade em grande quantidade ou de evidenciar apenas pontos turísticos, o MAPE mostra os melhores pontos de cultura local, agregando restaurantes, museus, paisagens e festas que os manezinhos mais gostam e frequentam. Foi uma maneira simples de trazer para perto dos moradores (e por que não dos turistas também?) um pouco da cidade real, despertando sua curiosidade e valorizando os espaços que contribuem para a identidade da cidade. De certa forma, esses lugares passam a ser vistos com um outro olhar e as pessoas que começam a frequentá-los levam para eles um novo significado. Quando nos tornamos parte do meio urbano, passamos a querer cuidá-lo melhor como um todo, e não apenas a calçada da nossa rua. Começamos a exigir melhores espaços de encontro, transporte público de qualidade, criação de praças e parques, enfim, passamos a evoluir com ele entendendo a importância da sua existência. E você, já se desafiou a sair da rotina, pegar o seu mapa e vivenciar a sua cidade hoje?

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COLETIVO VAGA VIVA Zebu Mídias

O coletivo VAGA VIVA desenvolve soluções de parklets com o propósito de ocupar espaços públicos por meio de projetos colaborativos, criativos e sustentáveis. O grupo é formado por arquitetos urbanistas, designers e produtores. Em 2015 o projeto mais expressivo do grupo consistiu na criação, desenvolvimento, produção e implementação de uma VagaViva para a Via Varejo S.A. (Ponto Frio) em São Paulo, na Rua Alameda Lorena.

O grupo, em sua totalidade, acumula um portfólio extenso e experiência de atendimento a projetos em diversas áreas de atuação.

Estes fazem parte de uma associação de gestão compartilhada sediada na Zona Portuária do Rio de Janeiro, a GOMA – composta por cerca de 30 empresas atuantes nas áreas de negócios sociais e sustentabilidade. Dentre as iniciativas que compõem o Coletivo VagaViva estão: a Zebu, Entrenós, a Maloca Querida, a Alline Cipriano e a Elisa Ferreira. Em 2014 foram implementadas (05) cinco VagasVivas na cidade do Rio de Janeiro, sendo a primeira em parceria com o coletivo SerHurbano no Bairro de Fatima, em maio de 2014.

texto: zebumidias.com.br imagens: malocaquerida.com

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DO EXPERIMENTO À EXPERIÊNCIA | O lugar de vivenciar arte Jaqueline Silva Jaqueline Silva é fundadora do P.R.A.I.A., Arquiteta e Urbanista formada pela UniSociesc.

Estamos em processo de transformação da vivência das artes, desde o pós-moderno até os dias atuais, o momento contemporâneo. Abandonamos a obra, o objeto em si, para dar atenção ao processo de fazer arte, e por consequência tudo tem um grande potencial de virar arte, principalmente o cotidiano da vida humana. Frederico Morais, criador e organizador do projeto “Domingos de Criação” que ocorreu entre janeiro e julho de 1971 no vão aberto do MAMRio, nos coloca o processo da criação; por consequência das aspirações que rodeiam o fazer que antecede o objetoresultado, tudo é arte e inspiração: a vida é o material de investigação do contemporâneo. É a partir dessa valorização do processo que nasce a aproximação do público com a arte: Um objeto quando pronto, pode significar muitas coisas a quem o olha, e está à margem de significações próprias e íntimas do olho que o vê. A linguagem do autor passa despercebida e coloca a arte como algo inalcançável ao receptor. Merlau-Ponty discorre sobre as percepções a partir da linguagem e dos signos como experiências de troca e de reconhecimentos, só sendo possível uma conquista da experiência se percebo no outro o que percebo dentro do meu próprio mundo. Portanto, só é possível uma leitura real da arte a partir da participação no processo, a inclusão do público dentro do fazer artístico, o diálogo constante através do percebido pelos sentidos.

Da necessidade do encontro surge a iniciativa de unir no mesmo local: arquitetura, música, poesia e projetos artísticos, sociais e culturais, gerados através da coletividade. Influenciado pela onda de resistência perante todos os problemas políticos, sociais e econômicos enfrentados recentemente no Brasil, o espaço de criação faz-se como manifesto - ponto libertário para debates, exposições e vivências. O projeto P.R.A.I.A. inicia suas atividades em meio de discussões no cenário político-caótico de 2016, a exemplo de muitos coletivos artísticos do país que, desde as décadas de 192030, surgem de maneira autônoma, em paralelo às poucas ações culturais do estado, para dar vazão à articulação e experiência artísticas.

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| Estar no contemporâneo

Vivemos o momento da democratização da arte, como defende Morais. É preciso tirar a verticalidade, “em que a arte era um valor intocável”, e incluir o público no processo de criação. “Podendo realizar a obra o espectador rompe o mistério, e o processo de compreensão vem como que por ‘insight’, como uma forma de Na foto acima uma das atividades do “Domingos de criação, projeto de Frederico Morais realizado no Rio de Janeiro em 1971.

foto:museudecuriosidadespedagogicas.wordpress.com

“O ponto fez-se linha, em seguida plano. E este transformou-se em espaço, para desfazer-se no tempo. Como movimento. Virtual, de início, até concretizar-se. É som - espaço acústico. Uma realidade contínua: espaço-tempo. A tela rompe com a moldura - o dentro é o fora, a arte procurando a vida. O suporte, antes neutro, é agora o espaço real, o qual, ampliando-se, serpenteia pela parede até despencar-se no chão, como um bicho. Coisa orgânica, viva. É o vôo de pássaro do Objeto. Cessou a estrutura representativa - é o espaço mesmo que significa. Cessou a metáfora. A arte vive seu próprio tempo. Não havendo mais um muro a separar duas realidades antagônicas, o espaço da arte confundese com o espaço da vida e é o espectador que preenche, agora, o quadrado branco. Tela-mundo. A escultura, em sua evolução, perdeu sucessivamente volume, peso, tornando-se vasada, confundindose com o chão, e depois, aérea e livre, brotou do próprio céu, movendo-se como as folhas de uma árvore. De tão leve fezse brisa, murmúrio, pura imagem colorida na sala escura, um grito no espaço, gota d’água, grama crescendo, um bocejo ou respiração, música. Da escultura-estátua à arte cinética - a desmaterialização sempre crescente. A vida que bate no seu corpo - eis a arte. O seu ambiente - eis a arte. Os ritmos psico-físicos eis a arte. A simples apropriação de objetos, de áreas urbanas, geográficas ou continentais - eis a arte. O puro gesto apropriativo de situações humanas ou vivências poéticas - eis a arte.” MORAIS, 1975, p. 36

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fotos: Bruno Ropelato

| O lugar de vivenciar arte aprofundamento imediato.” Ao criar os “Domingos de Criação” nos deixou um exemplo de arte-atividade, onde artista e público, a partir da vivência, conseguem extrapolar os próprios limites da criatividade, e mais que isso, ao utilizar o vão externo do museu, mostra que um acervo de objetos pode ser substituído pela experiência compartilhada do fazer arte. Em seus domingos, cada qual com um tema diferente - “Um domingo de papel”, “O domingo por um fio”, “O tecido do domingo”, “Domingo terra a terra”, “O som do domingo” e “O corpo a corpo do domingo” - leva à arte o papel que ela deve exercer: o de agente político; propiciando a integração entre todas as camadas sociais, com recursos mínimos, promovendo o nível cultural/educacional, de auto-crítica, de auto-observação, e isso tudo dentro da cidade, o espaço urbano destinado ao encontro. Chegando, desta maneira, a síntese da arte contemporânea: a experiência.

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São muitos os espaços autônomos feitos e desfeitos, em prol de vivenciar a arte experimental de maneira coletiva e aberta à sociedade. E são poucos os que permanecem na ativa. Na iniciativa de levantar quais são esses espaços, quantos são e como funcionam, Kamilla Nunes escreve o livro Espaços Autônomos de Arte Contemporânea. Através desse levantamento temos um bom diagnóstico desses lugares independentes e entendemos a importância do surgimento de novos pontos de arte, criando um grande circuito que fortalece o universo artístico no país. Qualquer lugar pode ser convidativo à arte, uma praça, uma rua, uma casa, uma sala, uma tela. O que é mais relevante neste lugar é a organização do que vai se desenrolar dentro dele, é a criação das condições propícias para exercitar as experiências artísticas de todos que estão envolvidos

Evento Luau com Poesia realizado no coletivo P.R.A.I.A. em setembro de 2016. foto: Jaqueline Silva

no ato criador. Estes espaços, como descreve Nunes “podem ser compreendidos como fusões entre estruturas institucionais e procedimentos artísticos”, e são adotados como lugares na medida em que as pessoas criam seus laços profundos e significativos individuais ligados à memória. Com foco na experiência da liberdade, muitos espaços surgiram de maneira coletiva e de diversas maneiras: com uma equipe fixa e sem interferências de convidados; com uma equipe fixa e com interferências de convidados; com uma pessoa apenas vinculada

a várias outras pessoas em projetos diferentes (formando uma grande rede); de todas as formas possíveis e sempre em prol de um objetivo comum. Também existe o projeto coletivo, onde apenas um evento/projeto vincula várias pessoas. Existem os coletivos com lugar fixo, estabelecendo um endereço referencial dentro da cidade, e existem os coletivos “nômades”, que executam seus projetos em variados locais. São chamados de autônomos os projetos/coletivos/espaços que não recebem incentivos estatais, que se alimentam dos próprios

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recursos para manter suas iniciativas. Normalmente estimulados pelo fato de promoverem o enriquecimento da cultura, são espaços que surgem para dar vazão à produção de arte. E incidem diretamente na sociedade, por “gerarem lugares para debates, encontros, exposições ou mesmo para a formação de jovens artistas.” Os espaços, por serem criados e geridos por artistas ou equipe multidisciplinar, de uma maneira horizontal e sem hierarquias, onde a estrutura vai se formando conforme as situações vão se confrontando, tem uma grande tendência ao fim ou a uma institucionalização ditada por regras e sistemas. Os projetos quase sempre visam as experiências e dificilmente conseguem fazer manter financeiramente um estabelecimento. É comum ter muitas pessoas vinculadas a outros tantos trabalhos para poderem se manter dentro do circuito. Entretanto, essa fluidez garante a grande potência à estes lugares, gerando a possibilidade de criação sem precisar se submeter às regras.

“Se o circuito artístico de Florianópolis, até os anos 80, foi marcado por fatos históricos relacionados à criação de espaços para a arte; ao tímido, mas presente, surgimento de um mercado de arte; ao fomento da produção artística; às idas e vindas para além das fronteiras do Estado; à circulação da produção local em salões nacionais ou, ainda, marcado por figuras como Harry Laus, talvez possamos identificar que dos anos 90 em diante, nossa história passou a ser escrita pelo viés da resistência, da reação ao vazio, das extinções de editais públicos e das retrógradas condutas dos dirigentes de equipamentos culturais voltados para as artes visuais, tanto do estado quanto do município.” (NUNES, 2016, site arqsc.com.br)

complemento aqui a criação do Espaço Embarcação (Lagoa); a Faferia - DNA de Arte (Centro); o Espaço Cultural Armazém - Coletivo Elza (Sambaqui). E entre os espaços de arquitetura que promovem eventos de cunho artístico: o Coletivo P.R.A.I.A. (Santo Antônio de Lisboa); o Ateliê Urbe (Centro) e o Bloco B arquitetura (Trindade), entre outros.

Café concerto com o artista Marcio Biaco no coletivo P.R.A.I.A. - agosto de 2016. foto: Jaqueline Silva

Foto exposição algodão torcido artista Luana Marques que ocorreu no coletivo P.R.A.I.A. foto: Jaqueline Silva

| O Coletivo P.R.A.I.A. em 2016 - um relato pessoal Dentro do circuito nacional, Florianópolis se encontra entre as cidades com menor número de equipamentos culturais no âmbito da arte contemporânea. O que faz os poucos espaços de arte existentes terem boa visibilidade local e grande importância para o circuito artístico da cidade. Suas poucas iniciativas, talvez, refletem o cenário artístico de todo o estado catarinense, que com seu mercado de arte fechado, exporta pouco de si mesmo para fora de suas fronteiras: Nunes cita algumas iniciativas mais recentes, anteriores a 2016: “NaCasa Coletivo Artístico (Trindade), o espaço O Sítio (Lagoa da Conceição), a FAF: Feira de Arte de Florianópolis (Centro), a Tralharia (Centro), o Espaço OficinaGaleria Estúdio (Cacupé), a Sala de Leitura|Sala de Escuta (Ceart/Udesc).” E

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O projeto coletivo do PRAIA começou em janeiro de 2016, entre sonhos pessoais e profissionais. Com a vontade de criar um ponto de encontro de pessoas para celebrar a arte e o momento, o desenho inicial do que veio a se concretizar meses depois foi feito por uma arquiteta e um artista plástico, acrescido por várias mãos que chegaram em cada novo projeto. Totalmente experimental e voltado para experiências. Depois de um ano de vida, entre criação e concretização, chegamos aos moldes de um escritório multidisciplinar, que engloba arquitetura, arte, música e poesia. Um local de encontro entre profissionais de diversas áreas para realizar projetos sociais e culturais, além de projetos arquitetônicos. O primeiro passo do tão amado projeto foi o nome. Entre muitas possibilidades, escolhemos o óbvio, e nem tanto, para um cidade ilhada por águas (e ventos) de todos os lados. Brincamos com as letrinhas e estabelecemos um significado especial para cada uma delas, e que simplificou o que é importante para o coletivo || P.R.A.I.A. : Pessoas Respirando Arte Ideias e Arquitetura ||. Seguindo para a difícil escolha do lugar a nos receber, chegamos realmente à praia, Santo Antônio de Lisboa, numa pousada com várias possibilidades de acontecimentos. Fomos acolhidos por uma amendoeira gigante que cobriu nosso jardim, entre chuva e sol. Tivemos festas, palestras, conversas, exposições, oficinas e filmes. Cada evento foi um projeto a parte, contando com uma equipe fixa e pessoas

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convidadas. Em toda participação nova, o projeto cresceu e modificou-se. Também tivemos feiras de arte embaixo da amendoeira: sábados de música, comida, desenhos, pinturas, artesanato, antiguidades, moda e pessoas. As feiras de arte são eventos em que os artistas locais têm a oportunidade de mostrar seu trabalho para o público “curioso”, além de fortalecer o vínculo com o circuito artístico da cidade. Organizamos um evento de muita sensibilidade: O “Café Concerto”, realizado pelo músico Marcio Bicaco e convidados, que aconteceu num fim de tarde de domingo com uma apresentação de vibrafone, intercalada com declamação de poesia de Lieza Neves, percussão dos músicos do Grupo Livre de Percussão, e conversas entre o músico e o público. Costumamos dizer que não foi uma apresentação e sim um momento de experiência único para todos que estavam ali.

De igual valor experimental fizemos o “Luau com Poesia” na noite de chegada da primavera, com a declamação de poemas eróticos feita pelo escritor Demétrio Panarotto, pintura ao vivo por Luana Marques, ao som do piano tocado pelo cubano Mohamed Builo. Envolvendo a todos, com declamações conjuntas entre escritor e público, numa atmosfera de pura poesia.

que garantem retorno financeiro para balancear os que não tem retorno financeiro, mas que são de grande valia igual. Outra grande dificuldade é manter um diálogo afetivo e saudável dentro da coletividade, é conseguir manter o sonho em várias cabeças pensantes, e aceitar que em algum momento as opiniões não irão bater. É trabalhar com o imprevisível.

E numa última ação aberta ao público, com um projeto educacional, sediamos durante outubro, novembro e dezembro, o curso “O desenvolvimento do pensamento plástico” com o artista plástico José Maria Dias da Cruz, que segue turma para 2017.

Durante o ano que se passou, o projeto PRAIA mudou de equipe e de rumo, e mantem-se ativo graças às várias pessoas que participaram de suas ações, graças as ligações articuladas entre vários projetos paralelos, internos e externos. Após tantos experimentos, esperamos que as experiências que tivemos tenham marcado as pessoas, artistas e público, assim como marcou a nós, tomo a liberdade aqui de escrever em nome de vários agentes que fizeram arte com o PRAIA. Que assim sigamos!

| As dificuldades e transformações constantes Das maiores surpresas em gerir e manter um espaço voltado para experiências, é ter todas as experiências em suas mãos. Desde a própria experiência, como a experiência de todos os envolvidos no ato artístico. Isso é maravilhoso. Por mais que o público vivencie o que o artista propõe, somente o mediador consegue visualizar ambos os lados, porém, é estar envolvido com tudo até certo ponto e ficar de mãos atadas quando o tudo passa a estar dentro de cada um, pois cada um é proprietário das próprias memórias. As memórias de experiências passadas que, entrelaçadas às experiências do presente, se darão em respostas totalmente individuais. Das maiores dificuldades em gerir e manter um espaço voltado para experiências, é o tempo necessário para fazer cada projeto sair do papel, e que muitas vezes não garante um retorno financeiro condizente. É se virar do avesso para conseguir realizar vários projetos ao mesmo tempo, os

Referências MERLEAU-PONTY, Maurice. A Prosa do Mundo/La Prose du Monde; tradução de Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 2012. MORAIS, Frederico. Artes Plásticas – a crise na hora atual. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1975. NUNES, Kamilla. Espaços Autônomos de Arte Contemporânea. Rio de Janeiro: Editora Circuito, 2013. NUNES, Kamilla. Artistas de Florianópolis criam espaços de encontros. 2016. Disponível em: < http://arqsc.com.br/site/artistas-criam-zonas-de-liberdade-atraves-de-espacos-independente/> Acesso em: 26 de dez. de 2016.

Paolo Burani em oficina minsitrada no coletivo P.R.A.I.A em julho e 2016.

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foto: Jaqueline Silva

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Neste ensaio realizo uma cartografia de camadas da cidade tentando assim desestabilizar um discurso úncio de cidade. A cidade é palco de várias existências. Insinuo nessa escrita a possibilidade de se afetar por todas essas maneiras de existir. Dialogar com o outro num estar com e na cidade. Trago à tona uma noção de experiência relacional e coexistência pensando numa possibilidade de autorização de um diálogo na cidade contemporânea.

| Noção de experiência A noção de experiência como algo que nos passa, que nos aconteça, que nos toca, e não como algo que passa, acontece ou toca (LARROSA, 2002) é fascinante pelo simples discurso de deslocar para o sujeito a importância da experiência. Larrosa afirma que muitas coisas acontecem, mas muito pouco nos acontece, nos toca. A experiência deve ser separada da informação, pois a informação não deixa lugar para a experiência. Estar “informado” é deixar que nada me aconteça, pois não há espaço para, em virtude da velocidade, quantidade e qualidade de informações, um pensar naquilo que me ocorre. Agregado a isto, pode também, “apontar que a opinião tal como a informação converteu-se em um imperativo, [...] em nossa arrogância, passamos a vida opinando sobre qualquer coisa sobre o que nos sentimos informados [...]Depois da informação vem a opinião. No entanto, a obsessão pela opinião também anula nossas possibilidades de experiência, faz com que nada nos aconteça” (LARROSA, 2002, p. 22). Assim, o par informação/opinião desencadeia o que pensamos que pode ser uma “aprendizagem significativa”, o que, segundo o autor é um dispositivo que funciona da seguinte maneira: informar-se sobre “algo”, emitir uma opinião obviamente própria, crítica e pessoal sobre este “algo”; configurando, assim, por meio desta opinião, uma dimensão significativa da aprendizagem significativa. Geralmente este opinar gira em torno de estar a favor ou contra. Instala-se, desta forma, nas palavras de Larrosa (2002), um dispositivo periodístico do saber e da aprendizagem, dispositivo este que torna impossível a experiência. E a experiência e o tempo? Tudo que se passa se passa muito rápido, estímulos fugazes e instantâneos, excitações igualmente fugazes e instantâneas, vivências pontuais e fragmentadas. Hoje, as coisas nos excitam por um momento sem deixar qualquer vestígio, semelhante às sucessivas páginas de Internet que carregamos em nosso computador, carregadas de informações e estimulando (?) nossas (pseudo) opiniões. E, sem vestígio algum, recortamos e colamos os textos cibernéticos, fechamos as janelas dos browsers e continuamos ignorantemente céticos e cheios de uma anti-experiência ingenuamente chamada de experiência. Eis uma lástima. Organiza-mos em pacotes de tempos efêmeros e fugazes, tão meteóricos que anula qualquer experiência. Acelera-nos cotidianamente e nada nos acontece.

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CIDADES DESESTABILIZADAS E POSSÍVEIS AFETOS URBANOS | por uma cartografia das camadas da cidade Rodrigo Gonçalves dos Santos Rodrigo Gonçalves dos Santos possui graduação em Arquitetura e Urbanismo (1999), mestrado em Engenharia de Produção (2003) e doutorado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PósARQ) da Universidade Federal de Santa Catarina. Coordena o Grupo Quiasma: Estudos e pesquisas interdisciplinares em arquitetura, corpo e cidade (ARQ/UFSC). Integrante do Grupo Alteritas: diferença, arte e educação (CED/ UFSC). Desenvolve estudos e pesquisas sobre experiências estéticas e perceptivas e suas articulações entre a apreensão da arquitetura e da cidade contemporânea com o campo sensível e a poética do espaço.

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“Avenidas rasgam restingas como uma cobra preta que contrasta com o branco da areia e o azul do mar.” da tecnologia resplandece e traz novas manchas de cores ao nosso mapa urbano. Talvez seja uma nova estética que nem conseguimos alcançar por estarmos tão imersos nela mesma. Mas tudo isso me preocupa quando lembro de alguns clássicos. Janes Jacobs nos aconselharia a usar óculos em nossos poucos olhos da rua... As ruas transformaram-se em cenários de filmes hollywoodianos com bulevares e águas coloridas que contam com mecanismos que distanciam as diferentes castas que habitam a cidade. De acordo com as diferenças de cada casta, criam-se anéis invisíveis que segregam os seres humanos. Quem mais se assemelha é reunido em um anel invisível, gerando inúmeros anéis concêntricos. O critério para estar distante do centro sempre privilegia uns em detrimento de outros. Percebo uma “ligeira” fissura no tecido urbano, e arrisco-me a dizer que percebo manchas de tristeza e indignação que poderão explodir de uma hora para outra colapsando uma (pseudo) ordem. Noto um movimento de novos anéis que separam os seres que habitam a cidade por faixas etárias, sexo, estilo de vida. Seria este um reflexo de cobras pretas e aparelhos que prolongam nossos pés isolando transeuntes e ofuscando proximidades? Seriam os aparelhos que prolongam nossos pés os verdadeiros usuários da cidade? Apesar dos pesares, ainda vejo poesia. Principalmente quando teimo em me deslocar até o céu para ver as manchas urbanas que sobrevivem na cartografia da cidade. É ali que vejo como a cidade pulsa.

| Cartografia do mar visto do céu e dos anéis que separam os seres da cidade A quantos passos o céu distancia-se de nós mesmos? Essa pergunta gera um deslocamento. Deslocamento físico e metafórico, mas acima de tudo, um deslocamento urbano. Em nossa cidade, agora um pouco mais comportada e contida, recentemente discutíamos um dispositivo legislativo que controla índices, as construções e o uso do solo urbano. A discussão gerou inúmeros deslocamentos até o céu, pois somente a partir dele, conseguíamos perceber a cidade e suas manchas urbanas. Eram lindas cartografias coloridas que tentávamos reproduzi-las no papel para depois serem aprovadas como dispositivos para controlar aquilo que já havia sido colorido. Era uma tentativa de acompanhar as cores da dinâmica urbana, e, assim, ter um controle sobre as disputas do passado e do futuro, enquanto as do presente aconteciam sem regras. No entanto, justamente essas disputas do presente eram as que determinariam a quantos passos ficaria o céu do futuro! O curioso é que toda a discussão era muito líquida e as cores dos mapas assumiam formas diferentes a cada dia. Até hoje, ainda estamos em litígio sobre a quantidade das cores que serão reproduzidas no mapa do futuro, embora o do passado seja o que mais ganha forma a cada deslocamento até o céu, determinando, dessa maneira onipresente, a quantidade de passos que o céu se distancia de nós mesmos. Penso ser uma (nova) crise. Mas as imagens coloridas da cidade vista do céu ainda cegam os mais céticos. Percebi uma nova transformação, essa sutil, mas com uma força inacreditável. Distanciandome um pouco da primeira impressão compreendi o quanto o mar fascina meus conterrâneos, mas o quanto esse mesmo mar traz uma esclerose urbana. Todos querem ficar perto do mar, mas

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todos o açoitam com benfeitorias que o matam. Contraditório, não? Mas ainda nessa contradição vejo uma poesia (meio mórbida) que esclarece uma condição humana. Avenidas rasgam restingas como uma cobra preta que contrasta com o branco da areia e o azul do mar. Essas cobras pretas separam o transeunte, mas aproxima um aparelho que prolonga os pés daqueles que se deslocam pela cidade e facilitam conexões urbanas cada vez mais individualistas. Achei fantástico! Aproximamo-nos ao mesmo tempo que nos separamos. O quanto esclerosados urbanisticamente nos encontramos? Ainda assim, ficamos estarrecidos pelos aparelhos que prolongam nossos pés e trocamos tais aparelhos a cada versão mais nova. Dizem que agora eles conversam conosco dizendo como podemos chegar mais rápido à praia e a que temperatura se encontra a água do mar. O brilho excessivo

foto: FCFIA

“Principalmente quando teimo em me deslocar até o céu para ver as manchas urbanas que sobrevivem na cartografia da cidade. É ali que vejo como a cidade pulsa.”

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| Cartografia da (in)visibilidade do mar nas trocas de maré Decidi trazer mais poesia à minha vida urbana. Decolei numa viagem pelas cidades ora visíveis, ora invisíveis. Propus-me, assim, descrever-te minhas impressões. Deixei as imagens para trás. Apropriei-me da escrita, e deixei minhas palavras formarem as imagens. Assim, minha viagem não seria tão formal. Seria uma poesia. É ali, na margem da poesia, que me embebedo e trago minhas contribuições de viajante urbano. Inspiro-me no diálogo de Marco Polo e Kublai Kan. Imagino poesia urbana.

“A vida está sempre em obras, e em consequência a arquitetura e a cidade também.” Realizei um percurso numa cidade de tempos atrás. Apeguei-me na cidade dos carrapatos, na cidade das linhas. Aquelas linhas que apontavam o céu. Consegui vê-las acompanhando os postes. Apareceu-me o céu como nunca antes havia aparecido. Um céu urbano. O adjetivo urbano me traz beleza. Detive-me por um tempo. Lancei uma risada. Aquele céu não existe mais. As linhas criaram um cruzamento de informações virtuais que hoje escondem a essência da cidade, daquela cidade tão bem fotografa por seus transeuntes. E os transeuntes daquele tempo? Será que ainda existem hoje? Das linhas passo aos carrapatos. Naqueles tempos de aquecimento global ridicularizado por muitos, já denunciava-se uma estética urbana intimista. Os carrapatos faziam com que nós nos enclausurássemos em nossas salas apertadas com frescor. E o que nos restava? Carrapatos. Acabei lançando outra risada. Aqueles carrapatos, hoje, criaram vida! Andam por toda a cidade. Só que hoje, é difícil dizer quem é o carrapato: o aparelho ou as pessoas que os carregam. Parece-me que a cidade mecanizou-se tanto que aparelhos anexados viraram

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foto: FCFIA

protagonistas e protagonistas de outros tempos anexaram-se a aparelhos. Mas, engraçado, percebi isso naquele passado não muito longe. Logo, as partes delgadas e contínuas ainda estão lá. Reparei ruínas na cidade que transitei, e tais ruínas também me evidenciaram uma cidade em obras. Penso que a cidade sempre estará em obras. Talvez esse seja o legado do ser humano à história: a cidade sempre esteve, está e estará em obras, pois ela acompanha mutações outras. A vida está sempre em obras, e em consequência a arquitetura e a cidade também. Agora, o momento de meu percurso que mais fiquei introspectivo foi meu deleite com o mar. O mar de hoje não é o mesmo mar de outrora. Hoje podemos ter acesso irrestrito à nossa ponte de metal e é apenas dela que podemos ver o mar. Esta nossa ponte sempre foi a imagem de nossa resistência perante às atrocidades urbanas. Mas o cenário que dela vejo é meio estranho. O mar aparece-nos vez ou outra, em trocas de maré. Sua cor é um novo azul, descoberto numa paleta antiga

numa escavação arqueológica de artefatos de design. Mas esse azul conseguimos ver apenas alguns breves momentos, pois na troca de maré os automóveis aguardam em um semáforo que emite um som intermitente de uma pseudorressaca de vento sul. Esse evento dura uns 10 segundos, o tempo do semáforo, após isso a maré é trocada, fecha-se o pequeno canal pelo qual passa o mar e os carros andam sobre o canal fechado a toda velocidade. Não temos mais pontes para ligar a ilha ao continente. É uma nova modalidade de aterro que deu status à nossa ponte de metal e agilidade ao trânsito ainda caótico. O azul some e se tivermos sorte podemos ver algumas gotas que teimosamente saltaram da antiga baía cimentada e devidamente canalizada em prol de um desenvolvimento automobilístico e urbano. Mas, acima disto tudo, sobrevive nossa ponte, para mim, um exemplo digno das trocas e dos mortos. Energias trocadas em espaços quase sagrados. O mar e sua imensidão hoje, se resume a 10 segundos nas trocas da maré. Pelo menos ainda o vemos (ou pensamos que o vemos). E o relato de meu percurso chega ao fim. Ao fim, mas não se cala. Ecoa. Sobrevive com a graça de Ítalo Calvino, aos olhos de Kublai Kan e Marco Polo.

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| Cartografia das casas marcadas e daquilo que alguns não querem ver Eles chegaram numa manhã. Marcaram casas com alguns sinais nas suas paredes. Fotografaram, desenharam rabiscos esquemáticos, preencheram planilhas. Os que ali moravam não sabiam bem ao certo o que estava acontecendo. Da mesma maneira que apareceram, sumiram. Ficou no ar uma incerteza, dúvidas, insegurança. Dias depois avisos de melhorias no bairro acarretando o remanejamento daquelas casas marcadas com sinais, afinal, elas estavam no caminho do crescimento natural da cidade. Aqueles que seriam remanejados iriam para um local melhor e mais longe, mas com mais “qualidade de vida”. Novas cores apareceram. Padrões de beleza televisivos ganharam o espaço das casas marcadas. Novos valores também surgiram. Aluguéis e alguns serviços não cabiam mais no orçamento dos que ficaram. E o local melhor e mais longe continuou recebendo, diariamente, as outras pessoas das casas que não haviam sido marcadas. | Camadas da cidade e a possibilidade da coexistência na experiência relacional Está em pauta, aqui, o jogo das interações humanas, no qual a forma assume sua consistência, nascendo de uma negociação inteligível entre sujeitos. Na invenção destas relações entre sujeitos cada camada da cidade seria uma proposta de habitar um mundo em comum. As camadas da cidade, entendidas aqui como um palimpsesto de acontecimentos no/do espaço urbano abrindo esse mesmo espaço a uma série de possíveis interações entre sujeitos (sendo estas as mais diferentes e com intensidades que passeiam por vezes entre espectros diametralmente opostos), comporiam um feixe de relações com o mundo, gerando outras relações, e assim por diante, até o infinito. Logo, a intersubjetividade não é apenas um quadro social da recepção da experiência da cidade contemporânea. A intersubjetividade, logo, constitui um “meio”, um “campo”, e se torna a própria essência da experienciação da cidade. Por exemplo, eu mostro algo a alguém, que, por sua vez, me devolve à sua maneira. Uma cidade, enquanto obra humana, procura captar meu olhar. Quando algum sujeito intervem no espaço urbano independentemente de sua intensidade e/ ou legalidade, ele nos mostra alguma coisa, expõe uma ética transitiva que situa sua intervenção entre o olhe-me e o olhe isso. Nasce, como sugere Bourriaud (2009) um encontro fortuito entre dois planos de realidade (o meu e o do outro). Pergunto-me, assim, o que seria uma coexistência? É uma interessante noção que ressemantiza o olhar do outro sobre mim. Repensa e (re)situa corpos distintos num espaço.

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É em Bourriaud (2009) que a ideia de coexistência assume uma proporção teórica interessante. A cidade é uma ocasião para uma experiência sensível baseada na troca, ela deve se submeter a critérios análogos aos que fundam nossa avaliação de qualquer realidade social construída. É a co-presença de quem habita a cidade que estabelece a experiência estética e política da cidade. Eis a pergunta crucial: esta cidade me dá a possibilidade de existir perante ela ou, pelo contrário, me nega enquanto sujeito, recusando-se a considerar o outro em sua estrutura? Ao experienciar a cidade, o corpo é trazido em sua totalidade, bem como toda sua história e seu comportamento. Não se trata apenas de uma simples presença física abstrata. Daí, o critério de coexistência.

Penso que toda cidade produz um modelo de socialidade transpondo o real ou podendo se traduzir no real. Portanto, há duas perguntas que cabe fazer a qualquer cidade: Esta cidade me autoriza o diálogo? Eu poderia, e de que forma, existir no espaço que ela define? Residiria, assim, o eu da intersubjetividade: o ser humano confrontando outros seres humanos? Sentimento compartilhável que é o sentimento do belo – do prazer e do desprazer? Ou solidão de estar com e na cidade? No estar com e na cidade, no momento de formarmos um mundo com o espaço urbano, o ressentir do belo nos joga a sós. Nessa solidão, o momento não tem tempo, ele se chama instante, o tempo cronológico inexiste.

Referências BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993. BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009. CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. LARROSA, Jorge. Notas sobre a

experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação. Jan/Fev/Mar/Abr. 2002 p.20-28. MERLEAU-PONTY, Maurice. Conversas, 1948. São Paulo: Martins Fontes, 2004. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994. MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2003.

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