Série Percurso Educativo
EDUCAR-SE PARA EDUCAR
Dom Filippo Santoro é Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro, leciona teologia na Pontifícia Universidade Católica - PUC Rio. Marco Coerezza é pedagogo formado na Universidade Católica "Sacro Cuore" de Milão. Coordenador da FISM (Associação de 150 escolas para a infância na Itália). Colaborador da revista INICIAR - Itália. Heloisa Gissoni é pedagoga no Rio de Janeiro, especialista em psicopedagogia faz parte da equipe de profissionais do Pró-Saber - Centro de Estudos em psicopedagogia, atuando na formação de professores. Atua também como orientadora pedagógica de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental.
Dom Filippo Santoro Marco Coerezza Heloísa Gissoni (palestrantes)
Série Percurso Educativo
EDUCAR-SE PARA EDUCAR
Luisa Cogo Elisabete R. do Carmo (organizadoras)
Associazione Volontari per il Servizio Internazionale
Belo Horizonte 2003 - 1ª reimpressão
Ministero Affari Esteri - Italia Cooperazione allo Sviluppo
Educar-se para Educar Série Percurso Educativo
Organização: Luisa Cogo e Elisabete R. do Carmo Preparação de textos: Elisabete R. do Carmo Revisão: Paula de Carvalho Miranda Projeto gráfico: Juliana Vaz Produção Gráfica: Derval O. Braga Júnior Fotolitos: Laser Plus Impressão: Gráfica Real Brasil 1ª reimpressão - março 2003
Catalogação na Fonte do Departamento Nacional do Livro E26 Educar-se para educar / Luisa Cogo, Elisabete R. do Carmo (orgs.). Belo Horizonte: CDM: AVSI, 2001. 80 p.; 21 cm. - (Percurso educativo) ISBN: 85-88559-01-3 (broch.) 1. Educação, I. Cogo, Luisa. II. Carmo, Elisabete R. do III. Título IV. Série: (Percurso educativo) CDD: 370.1
Sumário
Apresentação
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O Risco de Educar Palestra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Debate . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
A Aventura da Educação Palestra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 Debate . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Um Olhar Psicopedagógico na Formação de Educadores Palestra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 Debate . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
Apresentação
Apresentação
Educar-se para educar é o primeiro passo do percurso educativo que nasce da realidade de várias experiências; creches, escolas, centros educativos, espalhadas em várias cidades do Brasil. São obras que nasceram em momentos e situações diversas, a partir da iniciativa de pessoas de alguma maneira envolvidas com AVSI e que, provocadas pela realidade, começaram a compartilhar a vida com pessoas que foram encontrando nos bairros e, sobretudo em favelas, realizando tentativas de resposta às necessidades emergentes, como a de um lugar onde as crianças pudessem ser educadas. Com o tempo, o trabalho se fortaleceu, chegando a atingir mais de três mil crianças. Nos últimos anos, o desejo de responder às perguntas que surgiam no cotidiano e de compartilhar as experiências feitas levou os amigos que trabalhavam nas obras a viverem uma proximidade maior, partilhando algumas situações emergentes desse cotidiano chegando até às exigências da LDB e sua regulamentação nos Municípios. Aos poucos cresceu a consciência de ser um lugar de novidade no mundo, novidade que se expressa em uma diferente maneira de olhar a criança e a educação; uma novidade já visível para as famílias que buscam um lugar de abrigo para os filhos onde encontram pessoas disponíveis à compartilhar a vida, mas que precisa ser fortalecida e transformada cada vez mais através de um método. As obras foram envolvidas em um Projeto de Rede de Infância, gerido pela AVSI – Associação Voluntários para o Serviço Internacional e pela CDM – Cooperação para o Desenvolvimento e Morada Humana – através de um convênio realizado
Luisa Cogo
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Educar-se para educar
com a CEI – Conferência Episcopal Italiana e o MAE – Ministério do Exterior do Governo Italiano. Tal projeto tem a pretensão de colaborar para o fortalecimento dessas escolas para a infância, contribuindo para o melhoramento da qualidade de vida das crianças e de suas famílias residentes nas favelas. Ao mesmo tempo, a partir destas experiências o projeto quer contribuir para o desenvolvimento das políticas sociais voltadas para a infância nos níveis municipal, nacional e internacional, difundindo o plano cultural e científico desse modelo de intervenção. O livro coleta as atas do seminário “Educar é um Risco”, que foi o evento de abertura do projeto em Belo Horizonte e Salvador e propõe uma reflexão para os participantes. Os funcionários das obras, envolvidos nos vários níveis de experiências educativas, colocaram-se diante de perguntas como: “O que significa educar?”; “O que nos habilita a educar e quais são os passos do método educativo?”; “Quais os nexos com o poder público?”. Educar-se para educar não tem a pretensão de ser um instrumento para especialistas da área educacional, mas para pessoas envolvidas na apaixonante aventura do educar que aceitam a provocação do fato que educar é sempre se colocar na disponibilidade de ser educados pela própria realidade, que em primeiro lugar, no processo educativo, é representada pelas crianças. Tão pouco quer representar um manual de educação com regras e receitas, mas retrata o fruto de uma experiência que como tal pode ser enriquecida com a reflexão de todas as pessoas que terão a bondade de comparar-se com aquilo que estamos propondo. Representa a primeira publicação de uma série que irá acompanhar as atividades desenvolvidas ao longo do projeto, continuando a aceitar os desafios, como é da natureza dessas obras surgidas pela provocação de um encontro com a realidade, que a própria realidade cada vez mais coloca.
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O Risco de Educar
O Risco de Educar
Dom Filippo Santoro
Dom Filippo Santoro
Palestra I. O que significa ser educador? Vamos começar com o primeiro ponto: o que significa ser educador? Os elementos fundamentais daquilo que vou apresentar se encontram no texto de Luigi Giussani, Educar é um Risco1, por isso acentuarei mais o aspecto da minha experiência. O que significou e o que significa para mim ser um educador? O trabalho educativo, seja como professor e sobretudo como Bispo, significa uma atenção às pessoas, na perspectiva de favorecer o máximo desenvolvimento delas. Para poder dizer o que significa ser educador, parto de um ponto que posso expressar assim: o que significou para mim encontrar um mestre? Porque para ser educador de outros é importante encontrar um mestre, encontrar alguém que ensine a ensinar, alguém que ajude nessa tarefa. O que significou para mim encontrar um mestre? Encontrar alguém que favoreceu a educação da minha pessoa: A Educação é um processo global, não é só dar conhecimentos, é o desenvolvimento pleno da pessoa, o desenvolvimento da personalidade. É fazer aflorar e realizar toda a riqueza que se encontra na nossa vida e na vida das pessoas com quem estamos, sobretudo quando elas são crianças. Então, em minha experiência, o que significou o encontro com um mestre? Estou no Brasil, exatamente no Rio de Janeiro, há 17 anos. Fui Padre durante 12 anos, e, quando começava a pensar em voltar para a Itália, o Cardeal do Rio de
Encontrar um mestre
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GIUSSANI, Luigi.
Educar é um risco: São Paulo: Companhia Ilimitada, 2000.
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Educar-se para educar
Mestre auctoritas, “aquele que faz crescer”
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Janeiro, Dom Eugênio Sales, e por meio dele o Santo Padre, me chamaram para ser Bispo. Fiquei e aqui estou com muita alegria. Antes de vir ao Brasil, tinha feito os meus estudos na Itália, na Universidade Gregoriana de Roma, que é uma das melhores do mundo em Teologia. Tinha nessa Universidade grandes professores que me falavam da fé, me falavam da cultura, das perguntas e dos anseios do mundo de hoje. Mas o que eles me diziam permanecia a um nível bastante teórico, não era alguma coisa que imediatamente tocava a minha experiência. Falo do período de 1968 a 1972, período de grande contestação estudantil no Brasil e no mundo inteiro. As várias universidades e escolas viviam a contestação das estruturas, das instituições julgadas como opressivas e sem vida, totalmente esclerosadas, ignorando muito a liberdade, a criatividade e a valorização da pessoa. Neste clima, lembro que o ideal da vida era a bandeira da liberdade: poder conseguir certas coisas, poder fazer o que quiser, poder ser o dono de todas as minhas ações e poder me realizar plenamente. Nessa situação havia coisas justas e coisas equivocadas. O aspecto mais interessante era a possibilidade de uma realização plena da minha pessoa. Eu estudava na faculdade de teologia e vivia num seminário que obviamente tinha um conjunto de regras, como por exemplo a hora de entrar e de sair, de almoçar, de rezar etc. Então, num primeiro momento, toda a nossa luta era a de poder sair e entrar quando quiséssemos e poder participar de tudo que aparecia no mercado, das passeatas, cortejos, protestos políticos etc. Havia um desejo de aproveitar tudo aquilo que o mercado cultural e político oferecia. Eu recebia tantas informações interessantes pelos jornais, pelos sindicatos, pelos meus professores, mas tratava-se de uma série de teorias que me impulsionavam a agir sem ter que dar conta a ninguém. Teorias libertárias ou teorias teológicas avançadas, mas sempre teorias, um conjunto de doutrinas. Tudo mudou em minha experiência quando fiz o encontro com um educador, exatamente com o autor do livro Educar é um Risco, Padre Luigi Giussani. Qual era o aspecto interessante nesse encontro? O aspecto mais interessante era o método. Não me dizia apenas coisas verdadeiras e justas, mas me indicava como poder viver essas coisas, como é viver os meus interesses e os meus ideais. Encontrei assim uma autoridade verdadeira, exatamente eu que detestava qualquer autoridade porque a confundia com o autoritarismo. Ele não me dizia “tem que fazer isso, tem que fazer aquilo”, mas me ajudava a descobrir a mim mesmo, como um pai com seu filho.
O Risco de Educar
Descobri que autoridade, auctoritas, significa “aquele que faz crescer”, e deriva do verbo latino augere, fazer crescer; encontrar alguém que me faz crescer, que permite ao meu eu desenvolver-se e assim ser verdadeiro e livre. Alguém que tornava possível o meu crescimento em plenitude e riqueza. Este encontro constituiu a possibilidade de viver as grandes coisas que me eram ensinadas, os conteúdos do Cristianismo, a grandeza da fé, o protagonismo na sociedade. Encontrar um mestre era o encontro com alguém que me ajudava a poder viver, a poder enfrentar a minha realidade, a estar dentro da minha vida. Ele me dizia: “a coisa mais importante está em você, a coisa mais importante é a sua vida, é a sua pessoa”. O encontro para mim foi a descoberta da minha pessoa, a descoberta da minha humanidade. Não é que antes o meu eu não existisse, mas ele estava como que adormecido e desde então eu comecei a desejar viver intensamente, como essa pessoa vivia, com a mesma intensidade que ele tinha. O encontro com um educador, com um mestre é, em primeiro lugar, aquilo que torna possível o encontro com o meu eu, o encontro comigo, o encontro com a minha pessoa. Essa era exatamente a possibilidade de crescer. Antes o ideal era uma busca contínua, uma busca de tantas coisas, mas sem um ponto de chegada concreto e objetivo, uma busca indefinida. Comecei aprendendo que o importante não era a pura busca pela busca, mas a busca do crescimento do meu eu em todas as coisas, crescimento do meu eu no relacionamento com os outros e na realidade toda, o crescimento da pessoa em todas as suas manifestações. O encontro com o mestre é, portanto, a possibilidade de encontrar a si mesmo. Esta, desde os tempos mais antigos, é a característica fundamental da Educação. Quando as pessoas, por exemplo, no tempo da grande Filosofia Grega, encontravam Sócrates, o que aprendiam? O que ele ensinava? Ensinava aos seus discípulos a se perguntar sobre o valor da vida, sobre o significado da virtude, sobre a essência do eu, sobre o valor da realidade. O encontro com ele era a ocasião para se encontrar. Quem encontrava Sócrates encontrava um mestre que ajudava a pessoa a pensar, a ter um juízo sobre a realidade, a ter um juízo sobre as coisas, a ter critérios sobre a vida. Séculos depois, no grande encontro dos apóstolos com Jesus acontecia algo semelhante e mais profundo ainda. O encontro com Jesus era o encontro com um mestre exterior, mas também o encontro com o magister intus, o mestre que está em cada um de nós, e que está exatamente no nível do
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Ajuda a descobrir o meu eu, as minhas exigências
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Educar-se para educar
Comunicação de uma hipótese explicativa...
... que introduz à realidade total
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nosso coração. Encontrar Cristo era encontrar a voz que explicava a vida, iluminava a verdade e se fazia companhia ao destino. O encontro com Jesus não era apenas o encontro com alguém que dizia coisas sublimes, mas era o encontro com a manifestação humana do mistério invisível e infinito que cada coração deseja. Voltando à minha experiência, o encontro com um mestre significou o encontro com alguém que permitiu o descobrimento do meu eu. Portanto: o que significa educar? Educar significa ajudar a pessoa a descobrir-se, a descobrir o seu eu, as suas exigências verdadeiras e não apenas as exigências induzidas pela sociedade, pelo ambiente cultural no qual estamos. Junto com este aspecto do método, o outro ponto muito importante no encontro com Pe. Giussani foi a percepção de “uma hipótese” para enfrentar todas as coisas. Com esse amigo padre se percebia a presença de “uma hipótese explicativa”, de uma hipótese positiva sobre toda a realidade. Enquanto outras coisas me lançavam fora, me lançavam a correr distante de mim, esse encontro me ajudava a descobrir a riqueza que estava em mim, a riqueza que estava na minha vida. Isso significou estar atento à realidade toda, com uma capacidade de surpreender-me diante das coisas, surpreender-me diante da natureza, diante dos fatos que acontecem e ser conduzido não por preconceitos, mas deixando-me educar pela realidade. Este aspecto é importante porque muitas vezes eu percebia que os juízos sobre as coisas que aconteciam não dependiam da atenção às mesmas, mas do preconceito que os jornais ofereciam. Lembro que naquele tempo eu usava algumas revistas italianas como a minha fonte cultural, do tipo Veja, Isto É, Folha de São Paulo, O Diário de Minas ou O Jornal do Brasil – alguns instrumentos eram acriticamente utilizados como ponto de referência, ao passo que o método de Dom Giussani me dizia: “fique atento à realidade, veja você mesmo se as coisas estão assim, veja você mesmo se isso é verdade” , porque essas revistas, muitas vezes, estão repletas de pressupostos ideológicos e de preconceitos. Então comecei a ter uma atenção diferente às coisas e às circunstâncias, aos fatos, à história, a tudo aquilo que acontecia. Comecei a descobrir o primado da realidade, da atenção em avaliar toda a realidade. Dom Giussani afirma: “educação é a introdução à realidade total”. Educação como introdução à realidade total quer dizer não eliminar nada, não censurar nada, se deixar provocar pela realidade toda, não eliminar alguns aspectos que você não tinha
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contemplado, não eliminar alguns problemas que você não tinha previsto. Naquele tempo, sobretudo em certos ambientes que queriam fazer a revolução, eliminava-se o problema religioso. O único problema verdadeiro era o compromisso político. E, uma atitude realista exige que se leve em conta tudo, também o problema religioso, que é o problema do destino do homem. Em síntese, trata-se de afirmar o primado da realidade, da atenção à realidade em todos os seus fatores. Essa atenção não acontece imediatamente, mas se desenvolve com o tempo, com um certo trabalho. Ajudar a perceber todos os fatores de uma determinada realidade é uma das tarefas do educador. Mais que comunicar coisas, o educador ajuda a olhar para a realidade inteira, a observar a riqueza presente nas coisas, nas pessoas e, em primeiro lugar, em nós mesmos. Se o educador possui uma riqueza de olhar ajudará também o educando a perceber a realidade inteira, começando pelas suas exigências, sobretudo por aquelas que a sociedade procura ignorar, como por exemplo a exigência do relacionamento com o infinito, a exigência de um sentido pleno e total. Junto com o aprender a ler, a escrever, a se alimentar, a Educação deve levar em conta essa fome secreta de significado, de infinito, que se encontra em cada coração, em cada um de nós. Resumindo, educar significa estar atento ao eu, às suas exigências verdadeiras, constitutivas e não àquelas induzidas, não àquelas produzidas pelo consumismo. Por exemplo: você passa no supermercado e vê tantas coisas e imediatamente lhe vem o desejo de comprá-las, às vezes sem nenhuma necessidade. Qual é o único freio? É a falta de dinheiro, porque se tivesse mais dinheiro certamente compraria tudo. Saiu uma pasta de dentes novíssima, extraordinária, espetacular – vamos pegar essa! Saiu uma outra coisa... A propaganda provoca o desejo de coisas que muitas vezes não são essenciais, são supérfluas, são induzidas. A grande arma do marketing é transformar os desejos em necessidades. Esse perfume é o máximo, é sucesso garantido com as mulheres, é garantia de status na sociedade, de afirmação no trabalho etc. Por isso a Educação é atenção às exigências fundamentais, às exigências fundamentais do coração, e não àquelas que o mercado ou que a mentalidade dominante oferecem, pois de outra forma ficamos escravos. Então como é que a gente faz? Por isso existe um critério na estrutura do nosso coração: me serve mesmo essa coisa? Serve mesmo para o meu filho essa coisa? ou o meu filho em lugar do último brinquedo não estará precisando de mais afeto? será feliz quando tiver o último brinquedo? Não é exatamente
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perceber os fatores da realidade
Atenção às exigências do coração
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Suscita um gosto pela liberdade
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isso, está precisando de outra coisa. As nossas exigências básicas gritam. Quando elas não são atendidas, mesmo tendo tantas coisas, ficamos num vazio terrível. Essas exigências muitas vezes são encobertas, sepultadas pelas cinzas dos preconceitos e da mentalidade dominante, mas nunca podem ser destruídas. Por isso, o encontro com um educador permite a atenção à realidade toda, começando pelas exigências verdadeiras. Quero apresentar um terceiro ponto para responder a pergunta: que significa educar? O encontro com um mestre suscitou em mim o gosto pela liberdade. Educar significa, portanto, fazer que as pessoas tenham gosto pela liberdade, sejam elas mesmas, aprendam a caminhar com suas pernas, a pensar com suas cabeças, a serem atentas à realidade. Trata-se porém não de uma liberdade abstrata, mas da liberdade como possibilidade de se realizar plenamente, de se realizar por inteiro. Não a liberdade fictícia de escolher produtos artificialmente preparados pelo mercado, ou parcial de eu poder comprar uma pasta de dentes ou uma outra, um barbeador ou um outro. A liberdade como a possibilidade de realização da minha vida. O gosto de uma plenitude percebida como possível, o gosto pelo protagonismo. Na tarefa educativa é de capital importância esta educação à liberdade. Assim, o primeiro aspecto é a atenção ao meu eu, o segundo aspecto é a atenção à realidade a partir dos critérios fundamentais que se encontram em mim, o terceiro aspecto é educar o gosto pela liberdade, educar a pessoa a ser apaixonada pela liberdade da sua vida e pela liberdade dos outros. O gosto pela liberdade é educar gente livre, não pessoas falsas, não pessoas que não têm essa fome e essa sede pela liberdade. E o que significa educar à liberdade? Aqui também Dom Giussani diz: “é inútil dar definições, é importante partimos da nossa experiência”. Quando eu me sinto livre? Quando realizo um desejo, quando realizo uma aspiração. A liberdade é a realização de uma exigência, de um desejo. A liberdade é a realização do desejo inteiro que está em nosso coração, de todo desejo que está em nós. A pessoa é como a semente de uma planta chamada a ser uma árvore grande que não pode ficar satisfeita quando se desenvolve apenas pela metade. E quando cresce como árvore grande? Quando realiza a medida do coração, que é uma medida infinita. Educar é então ter o gosto por essa realização plena, não por uma realização imediata e sobretudo mesquinha. Eu fiz essa experiência; não sou livre simplesmente quando
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posso escolher entre duas coisas, posso escolher “a” e posso escolher “b”, sou livre quando encontro aquilo que me realiza totalmente. Não é apenas a liberdade de escolha, que na linguagem técnica chama-se “livre arbítrio”, a liberdade é aderir a algo que me responde plenamente. Então a força do educador é exatamente a capacidade de educar a pessoa a ter experiências plenamente livres. Existe um texto de um poeta francês, Charles Peguy, falando da liberdade e de Deus: “a ação de Deus é com o a ação de um pai que educa seu filho, que ensina seu filho a nadar; se o sustenta muito, o filho nunca aprenderá a nadar, se, pelo contrário, o sustenta muito pouco, ele vai beber um bom bocado de água salgada”. Essa é a sabedoria: saber sustentar na hora certa e largar na hora certa, de forma que a pessoa aprenda, se realize; de forma que a pessoa tenha o gosto de estar nas coisas, de afirmar a verdade e a liberdade da própria pessoa dentro das coisas. Mas atenção! O conceito de liberdade é exatamente um dos mais equivocados que existe. Normalmente liberdade é fazer o que se quer, “serei livre quando puder ter uma casa, serei livre quando puder ter isso ou aquilo”. Sempre faço um exemplo quando falo da liberdade: quando sou convidado para uma bela festa, normalmente no início tem as bebidas, tem uma caipirinha gostosíssima, tem outros coquetéis, outras coisas. Então, na entrada eu bebo a primeira caipirinha. Enquanto eu não me sinto tonto bebo mais uma, e visto que está liberada, vou beber mais outra. Ora, se eu bebo direto três caipirinhas, depois não vou aproveitar nada durante o almoço e no resto da festa, porque vou ficar como um doido. É claro que eu posso beber três ou quatro, sobretudo quando é de graça, mas a conseqüência é que fico doido e não aproveito das outras bebidas, dos outros pratos, da festa, da música e da companhia. Essa liberdade não constrói, mas sim, destrói a pessoa e a sua capacidade de apreciar a realidade inteira, de se realizar em todos os seus aspectos. A liberdade é exatamente a possibilidade de se realizar por inteiro e não apenas por um aspecto parcial, que absolutizado, faz perder o melhor, no nosso caso, o conjunto da festa. Ser educador comporta exatamente esse terceiro aspecto: favorecer o gosto pela liberdade. O educador é como um pai ou mãe e é caracterizado pela paixão pela felicidade e realização dos educandos, sejam eles crianças, adolescentes ou adultos. A Educação é exatamente um aspecto da paternidade e da maternidade, um aspecto pelo qual a pessoa ama o destino de quem está com ele e não se substitui a ele.
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Saber sustentar na hora certa
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Educar-se para educar Forma concreta de enfrentar a realidade
Educação à liberdade
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É interessante essa identificação do educador como um pai, porque o educador de fato manifesta, encarna em si, comunica em si aquela expectativa que a criança ou o jovem tem de uma possibilidade de realização da vida. Apresenta a vida não como um sonho inacabado ou abortado, mas como algo que pode ter uma realização plena. O mestre é, deste modo, indispensável exatamente em força do relacionamento pessoal com o educando, pois mostra a ele uma forma concreta de enfrentar a realidade como protagonista. Numa forma de cultura como a nossa, as figuras do educador e do pai muitas vezes somem. O educador é apenas aquele que na melhor das hipóteses comunica técnicas educativas e não vive um relacionamento de paternidade ou de maternidade. Observando atentamente a Lei de Diretrizes e Bases, encontramos esta orientação da Educação como fato prevalentemente técnico, tendo como objetivo a cidadania e o trabalho. A LDB não quis optar por um conteúdo ou outro, mas de fato acabou deixando indefinido este aspecto, sem especificar qual é a natureza da Educação, assinalando apenas os processos pelos quais ela se desenvolve. De fato não é a escola quem oferece os conteúdos, eles são oferecidos pelas experiências vivas que existem na comunidade. O Estado deve oferecer a possibilidade de desenvolvimento de uma técnica dentro dos conteúdos e da cultura destas experiências vivas. Na educação à liberdade, o educador retoma aspectos da figura do pai e portanto se mostrará muito crítico com aquela forma de Educação que, a partir do final dos anos 60, foi chamada de “educação permissiva”. Esta é o contrário de uma verdadeira educação à liberdade. Uma pesquisa feita nos Estados Unidos mostrou que o resultado desta educação permissiva é o narcisismo, a formação de uma pessoa narcisista. Vocês conhecem o mito de Narciso como é apresentado na Mitologia Grega. Ele era um jovem que estava junto de um rio e viu a sua imagem espelhada na água, ficou admirando sua beleza, tentou se abraçar, e, para abraçar-se, se atirou no rio e afogou-se. O narcisismo é a incapacidade de sair de si mesmo, de lidar com os outros, de ter relacionamento com os outros e com a realidade. Crianças e adolescentes assim são marcados por uma profunda fragilidade. O impacto com os outros é muito problemático. Em lugar de favorecer a liberdade, o permissivismo a limita e a fragiliza. Em lugar da integração com os outros, o resultado é o isolamento e a incapacidade de comunicação. Uma paternidade efetiva ajuda nesse ponto, oferece
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as linhas de um caminho que eduque a pessoa a descobrir o seu eu, e depois a descobrir os outros e a realidade. O narcisismo é a afirmação do eu sem a realidade, sem as coisas, e a pessoa afunda; afunda e se perde.
II. Passos do método O primeiro passo que indico, sempre retomando o texto Educar é um Risco, é a valorização da tradição, a valorização da cultura na qual a pessoa nasce, a valorização da história passada – a história passada é importantíssima. Um filósofo marxista italiano, Antonio Gramsci, disse: “um período histórico pode ser julgado pela sua própria maneira de julgar o período pelo qual foi precedido. Uma geração que deprecia a geração anterior, que não consegue ver suas grandezas e seu significado necessário, só pode ser mesquinha e sem confiança em si mesma... Na desvalorização do passado está implícita uma justificação da nulidade do presente” (Cadernos manuscritos, cap. XXVIII). Quem não conhece o passado é condenado a repetir os erros do passado. O primeiro passo educativo é uma atenção àquela bagagem de vida, de valores, de experiências que a história carrega e que traz até mim. Afirma L. Giussani: “a tradição conscientemente abraçada oferece uma totalidade de olhar sobre a realidade, oferece uma hipótese de significado, uma imagem do destino”. A pessoa entra no mundo com uma hipótese de trabalho com a qual encara a realidade inteira e que se baseia na tradição viva que nos é oferecida pelo passado. O segundo passo é educar para viver o presente. O passado deve ser assimilado e acolhido no nosso presente de maneira crítica. O passado é algo oferecido à minha liberdade, o passado se atualiza na decisão da minha liberdade no presente. É importante que o eu seja ativo no presente, que o eu recebendo uma história, uma cultura, uma tradição, possa ser ativo, protagonista do meu presente. E neste protagonismo do presente coloco também um ponto, educar para ser crítico – a ter uma criticidade. Crítico significa ter um juízo, crisis do grego significa “juízo”, eu sou crítico evidentemente quando submeto à um juízo o que eu estou fazendo. Mas para ser crítico é importante ter um critério. Com quê eu julgo a realidade? Se não tenho um critério, um ponto de referência, não posso criticar nada. Qual é o critério com que
Valorização da tradição
Viver o presente
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Coração
Uma posição ecumência aberta à realidade inteira
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eu julgo a realidade, julgo as coisas? O critério é dado pelas exigências constitutivas do meu eu, o critério é dado pelas exigências fundamentais que cada um de nós tem em si. A Bíblia chama de “coração” o critério com o qual a pessoa julga a realidade toda. Na nossa época, porém, coração significa sentimento, emoção, ao passo que na Bíblia o coração é o conjunto das exigências que constituem a pessoa, a saber: a razão, a afetividade, o desejo e a capacidade de decisão. Trata-se de uma visão completa que nos oferece o critério de juízo com o qual avaliamos a realidade. Com efeito este critério não é dado pelos jornais, pela televisão, pela opinião dominante, mas é dado por algo que está em mim, pelas exigências constitutivas, fundamentais que constituem a minha vida. Assim é possível descobrir a riqueza que está em mim, a inteligência, a sensibilidade, a vontade, a capacidade de decisão, o coração. Então, o mestre é aquele que ajuda nessa descoberta. A coisa mais desconhecida é exatamente o coração. O coração, esse enigma, esse mistério, porque é um sinal, é sinal de algo infinito. Em cada um de nós existe uma medida infinita e o educador ajuda a pessoa a descobrir de que ela é feita, como ela é preciosa, como é grande, como está cheia de dignidade. O primeiro aspecto da função do mestre é ajudar nesse descobrimento, o descobrimento do eu. Quando no ano passado se fazia todo um discurso sobre o descobrimento do Brasil, eu pensava sempre: o maior descobrimento é o descobrimento da nossa pessoa, daquilo que está em mim, daquilo que está nos meus filhos, nos meus alunos, nas pessoas que estão comigo. É necessário precisar que o coração está em nós, está no sujeito, mas é o mesmo em qualquer ponto da Terra. Assim, nosso ponto de partida não é o subjetivismo, pois o critério está no sujeito mas não é o meu arbítrio. O critério está em mim, mas não é o meu capricho, está no sujeito, mas o sujeito o encontra em si como elemento comum às outras pessoas, é algo objetivo. É como uma voz que encontramos na própria vida, uma voz que grita e que faz perceber o valor e o não valor, a conveniência e a não conveniência de certas coisas, a correspondência e a não correspondência. Muitas vezes sabemos que certas coisas não correspondem e, se as fazemos igualmente, é sinal que a nossa liberdade vai contra o coração, contra a razão, contra a nossa plena realização. Damos agora um terceiro passo. Depois da tradição e do critério que está no presente, exatamente no nosso coração, o terceiro passo usa uma palavra que não é
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muito comum, mas que o Padre Giussani usa, a palavra ecumenismo. Ser ecumênico significa ser aberto à realidade inteira. Normalmente, por ecumenismo se entende o movimento que promove a união entre os cristãos das várias confissões. Aqui usamos a palavra no sentido de ser aberto. Ecumenismo vem do grego oikumene, que significa toda a terra habitada, a terra que se torna casa (oikós em grego). Ecumenismo é a atenção a toda a terra, a toda a realidade. Por isso, uma educação ecumênica promove e facilita uma abertura diante da realidade, diante das coisas com a atenção a valorizar o positivo onde ele se encontra. Educação ecumênica é o contrário de uma posição fechada, negativa diante das coisas. Esta capacidade de valorizar o positivo deve ser educada, não nasce de um dia para o outro. Normalmente valorizamos o que já conhecemos, o que sabemos, o que gostamos. O que não gostamos é logo eliminado, o que gostamos é cuidado com muito carinho – isso é preconceito. A positividade é algo que se aprende, sobretudo quando encontramos um mestre aberto, encontramos uma pessoa que vive uma grande abertura sobre a realidade. Aprendemos o significado de ecumenismo quando valorizamos toda a realidade, valorizamos o bem que se encontra em qualquer aspecto, abrimos a cabeça diante dos sinais positivos e adotamos uma postura crítica diante dos sinais negativos.
III. A Educação e o Poder Público Qual é o relacionamento com o Poder Público? Qual é o nosso relacionamento com as autoridades do Estado, com as autoridades do Município, com a Legislação? Como nos relacionamos com tudo isso? Estamos, não só no Brasil mas no mundo inteiro, em alguns países mais, em outros menos, diante de um modelo de Educação dominado pelo Estado. O domínio do Estado chama-se modelo estadista. Neste modelo, o Estado determina tudo, determina os projetos educativos e até mesmo os programas. O que se ignora nesse modelo? Ignora-se que o Estado é uma coisa e a sociedade outra. A sociedade é feita de pessoas e de tantas culturas. O Estado deve respeitar a sociedade civil, que é pluralista. O Estado deve respeitar a cultura, a tradição, os valores das várias tradições presentes na socied ade. Assim, o modelo de Educação verdadeiramente democrático
Modelo estadista ou democrático
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Subsidiariedade
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LEI DE
DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL, n. 9394, 23 dez. 1996.
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é um modelo atento às várias culturas de um país, às várias tradições presentes em um país, atento à cultura das famílias, atento à cultura dos grupos, atento à cultura das formações sociais que compõe a sociedade. Quando se fala de Estado totalitário, Estado comunista ou Estado fascista? Quando o Estado quer passar a sua ideologia, sobretudo no campo educativo. A LDB, Lei de Diretrizes e Bases2, quer ser uma Educação democrática, porém, no fundo, quem tem o monopólio da Educação é o Estado. A nossa visão é uma visão pluralista contra o monopólio da Educação e a favor de uma pluralidade de entidades que possam educar, que possam desenvolver um projeto cultural e um projeto educativo. As famílias têm o direito natural de educar os filhos na cultura que elas desejarem, na tradição que elas desejarem. A família tem o direito natural reconhecido pela Constituição, mas o que de fato domina é o modelo de tipo estadista. As famílias devem ser habilitadas a desenvolver o seu projeto cultural, a cultura e a tradição que elas desejam para seus filhos. De onde vem esta palavra subsidiaridade? Essa palavra quer dizer que uma coisa que pode ser feita por uma entidade menor não deve ser feita por uma entidade maior, como o Estado, como o Município, como a União. Assim, o que pode ser feito por uma entidade menor não deve ser uma ingerência da entidade maior. Subsidiaridade quer dizer: dar às famílias o direito de desenvolver a Educação que elas preferem, dar às entidades intermediárias o direito de se desenvolverem. Não pode o Estado substituir o modelo educativo, as possibilidades e as capacidades de grupos e associações. Por exemplo, uma rede de creches como esta tem uma percepção da realidade, uma cultura, uma tradição etc. O que o Estado deve fazer? Ele deve reconhecer essa cultura, reconhecer e valorizar essa tradição, dar os meios para que se possa desenvolver. Nas creches do Rio de Janeiro, sobretudo nas creches municipais, deve ser esta a orientação educativa, pedagógica, permitindo o desenvolvimento de uma linha pluralista, segundo as várias correntes que constituem o território. Então esse é o princípio de subsidiariedade: uma entidade maior não deve substituir uma entidade menor no desenvolvimento do trabalho educativo e também em outros campos. Falo agora, para terminar, somente daquilo que vivemos no Rio de Janeiro, sobretudo no Ensino Religioso. O Ensino Religioso é um exemplo de estadismo. A LDB, depois de tantas discussões, determinou o Ensino Religioso, um Ensino
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Dom Filippo Santoro
Religioso que não é ensinar uma religião em particular; o catolicismo, o protestantismo, o judaísmo, mas é educar valores, se diz valores comuns à todos. Quem determina esses valores? É o Estado. No Rio de Janeiro nós conseguimos, com a colaboração de deputados e vereadores, uma coisa diferente: não é o Estado quem determina os conteúdos a serem ensinados, mas são as várias religiões que determinam os conteúdos, é exatamente uma experiência pluralista. O Estado oferece os meios , quer dizer, realiza um concurso público. A pessoa deve ser mestre, deve fazer parte do magistério, deve estar garantida do ponto de vista do exercício de sua profissão. Mas os conteúdos são definidos pelas diferentes religiões e culturas. É um exemplo de aplicação da liberdade de educação. A liberdade de educação é a possibilidade de cada pessoa, grupo ou família se educar na sua cultura, na sua visão da vida, e, no caso do Ensino Religioso, na religião que ele quiser. A grande batalha não é apenas para os católicos, mas para todos. É uma batalha de liberdade para que cada um tenha a possibilidade de se expressar plenamente, segundo a cultura e a formação que constitui a sua história. Termino simplesmente dizendo que esses passos que indiquei são passos de uma experiência, são passos de um trabalho educativo no qual estamos continuamente envolvidos. É justo o aspecto da Educação como um processo constante, a Educação como um contínuo caminho, não como algo já definido e cristalizado. A Educação é exatamente essa arte, a arte da edificação da pessoa, a arte da edificação de um povo no qual o aspecto mais interessante é o gosto pela liberdade, a arte da educação de um povo livre e protagonista. Muito obrigado!!!
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Educar-se para educar
Debate Dentro das dificuldades cotidianas do trabalho, qual a postura mais indicada: responder à realidade imediatamente ou refletir para encontrar a positividade? Afirmar um significado
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Sobre a primeira pergunta, nem sempre é possível parar para refletir, muitas vezes você deve decidir na hora, no momento, em pouco tempo, não dá para parar. Depende muito do critério que usamos e o critério deve estar presente em nossa prática, em nossa mente e em nosso coração. Quanto mais utilizamos um certo critério nas circunstâncias particulares, mais teremos a possibilidade de aplicar a positividade. Vendo as possibilidades, tendo hipóteses positivas na Educação, essas coisas acontecem. Qual é o significado daquilo que estamos fazendo? Qual é o valor daquilo que estamos fazendo? Uma hipótese positiva é portanto uma atitude ecumênica de valorizar o positivo e de julgar o negativo. Depende de afirmamos ou não um significado. Qual é o significado por exemplo na cozinha? Qual o significado que se afirma através daquele gesto? Pode ser a pura e simples alimentação da criança, pode ser o amor que se dá através da alimentação da criança – é muito diferente, pode-se falar de positividade quando se afirma o sentido, o porquê. Claro que existe um porquê imediato que é a sobrevivência, o nosso salário. Mas a mesma coisa feita dentro de um sentido maior tem uma riqueza e me faz trabalhar com uma intensidade nova. Vocês sabem daquela história do homem que carregava pedras? Um homem encontrou outro homem e perguntou: o que você está fazendo? “Carregando pedras e estou suando feito um desgraçado!” Perguntou para um outro: o que está fazendo? “Estou construindo uma casa para a minha família”. O carregar os tijolos é o mesmo, o gesto é o mesmo, o motivo é que é outro, o significado que você afirma é diferente. O peso do tijolo é o mesmo, porém se tem um significado... é sempre o significado que dá valor aos vários aspectos da vida. Então, uma atitude ecumênica é possível quando se afirma um significado, é o significado que te faz agüentar o sacrifício, porque a adesão e o amor é sempre acompanhado por um sacrifício, a necessária obra de construção. Não se constrói nada sem um sacrifício, sem aplicar a nossa liberdade, sem a dedicação a um ideal; de
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outro lado, quem não tem um ideal faz um sacrifício quatro vezes maior; o homem que carrega os tijolos somente para encher a barriga.... Não se pode pensar em uma hipótese positiva sem um significado. Muitas vezes a Educação é assim fragmentada. Por que se reduz à técnica? Porque não é a afirmação de um sentido que tem haver com a minha vida e com a vida das crianças. Edificar dentro de um sentido pessoal não tira o sacrifício, o cansaço porém está dentro de uma grande construção. Posso ter momentos negativos, mas dentro de um grande sentido, dentro de uma experiência, de um grande amor. Como ajudar a transição das crianças da creche para as outras instituições? Eu sei que nós não temos um fundo de garantia para o que vai acontecer depois, ou para aquilo que começa depois da creche, da escola. Temos simplesmente um trabalho bem feito, e por ser bem feito ele deixa a sua marca. Por viver num certo ambiente, aprende uma forma de ser tratado como pessoa, e depois, mesmo se encontrar dificuldade, aquela experiência que ele viveu servirá pelo resto da vida. Saberá o que significa ser amado, ser tratado como pessoa, ser valorizado. É como a vida na família. A família é o lugar onde certas coisas se aprendem. É esse momento da creche, um início cheio de significado e de amor que me dá algo que me acompanhará como bagagem positiva, mesmo que depois as circunstâncias sejam adversas. Luisa: me parece que essa preocupação é muito presente nas nossas creches, e de fato em muitas realidades se tenta fazer alguma coisa a mais. Tenho exemplos de lugares onde estão o reforço escolar, em Belo Horizonte o Centro Alvorada, em Salvador o Centro João Paulo II, porque de verdade quando se encontra alguém e se começa um caminho com essa pessoa, se deseja compartilhar com ela mais. Esse é um desejo justo, porém, me parece que quando não existem as condições concretas de poder realizar – as escolhas são diferentes, em alguns lugares tem o gesto da caritativa, a visita às famílias – existe uma criatividade também no acompanhar os meninos, que não é só o ter esses meninos ali num lugar protegido. A segunda coisa: eu gostei muito da resposta de Dom Filippo porque, a nossa responsabilidade é no presente e naquilo que agora estamos enfrentando e se de
Viver o presente
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verdade respondermos a esses meninos, com toda disponibilidade que temos, com todas as possibilidades que damos a eles, essa experiência permanecerá a vida inteira. Como não fazer do ecumenismo um total relativismo? Como fazer para que a questão da interdisciplinaridade não se sobreponha ao sujeito? A afirmação de uma identidade...
... torna possível o diálogo
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A primeira pergunta é muito importante. O ecumenismo não vira relativismo quando parte do encontro de identidades bem claras. O ecumenismo comporta a afirmação de uma identidade, a pessoa que se abre aos outros, podem ser outros credos, podem ser outras linhas pedagógicas, podem ser outras coisas, é alguém que tem uma identidade, que sabe qual é o sentido e a razão da vida, qual a razão da obra educativa, daquilo que faz. O ecumenismo é afirmação e encontro de identidades diferentes, não anulação de identidades, não é que, para dialogar com um judeu devo compartilhar tudo aquilo que ele acredita, não, eu estou firmemente convencido da vinda de Jesus como salvador e redentor, e ele está firmemente convencido de que o Messias vai chegar. Não é que eu relativiso e você relativisa e nos encontramos em um terreno neutro. Nos encontramos nos aspectos verdadeiros de nossa experiência, na experiência da vida. E mesmo quando eu discordo, digo que discordo e respeito a posição do outro, portanto a posição é clara, é a afirmação de uma identidade que torna possível o diálogo. O diálogo não é calarmos sobre as diferenças. O diálogo é afirmar uma identidade e a partir dessa identidade acolher a realidade do outro. O Papa escreveu uma carta que afirma que o valor do Cristianismo é o diálogo com as outras religiões, e ele diz exatamente que o diálogo é possível pela experiência de uma identidade e também pela forma não absoluta de viver a identidade. O Cristianismo é absoluto, mas a modalidade com a qual eu vivo a forma não é absoluta. Portanto, é possível um ponto de encontro, e isso é muito importante, e é justamente o contrário do diálogo sem identidade. A mesma coisa pode se aplicar na questão do Ensino Religioso; tem a LDB que fala de princípios antropológicos comuns a todos, como por exemplo, a abertura à transcendência, e a lei que aprovamos no Rio sobre o Ensino Religioso fala
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o contrário de encontro de religiões, de confissões religiosas claras. Eu digo sempre que não é verdade que a primeira é universal, porque o fenômeno religioso, a antropologia religiosa aberta à transcendência não é igual para todos, não é toda antropologia que é aberta à transcendência, só um certo tipo de antropologia é aberto à transcendência, há outra antropologia que diz que o fenômeno religioso não vale nada, é o ópio dos povos; outra antropologia, de Freud, diz que o fenômeno religioso é uma neurose infantil mal resolvida. Portanto, não se pode dizer: vamos pegar o elemento básico comum; o elemento básico comum se afirma quando se afirma uma identidade. Ecumenismo no amor à uma identidade e também no fato de que a forma prática na qual eu vivo uma certa experiência não é absoluta. Depois a outra pergunta sobre a tradição, o valor da tradição é exatamente o valor dessa história na qual eu nasço. É importante valorizar a história onde sou formado. Sem o respeito de uma história, de uma tradição, nós somos condenados a repetir, a repetir essa história essa tradição. Quanto ao valor da técnica, vocês sabem que a técnica é importante, porém existem na Educação certos elementos que nenhuma técnica pode substituir. A técnica é importante, mas muitas vezes a técnica cobre um vazio enquanto que a Educação não é tanto a habilidade de usar certos instrumentos. A Educação é a comunicação da nossa própria vida e nada substitui a comunicação da sua vida. O ato educativo é comunicar uma vida, é fazer que o outro desenvolva plenamente sua vida. O coração da Educação não pode ser substituído, encoberto por uma técnica, o conteúdo é sempre um relacionamento humano, a técnica pode ser utilizada a serviço do conteúdo.
Dom Filippo Santoro
Conteúdo e técnica
Queria saber o que significa valorizar e corrigir a cultura e a tradição de cada um? Como utilizar uma técnica para educar sem ferir a tradição de uma criança, uma vez que essa tradição muitas vezes leva a criança para coisas ruins como as drogas etc? Como tirá-lo da agressividade familiar? A primeira coisa é que nem tudo que vem de uma situação e de uma tradição é positivo. Por isso, é importante que a criança possa ter diante dos olhos, junto com os maus exemplos, bons exemplos, exemplos positivos que ela recebe na creche pelas
Dentro de uma experiência maior
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professoras, pelas educadoras, pelas outras pessoas, mostrando que a realidade não é só aquilo que encontra nos pais e nos vizinhos, pessoas envolvidas no tráfico e na violência. Mostrar a presença de exemplos positivos é valorizar o positivo, de modo que ela possa discernir, possa ter a cabeça iluminada. Mas não é só um discurso, é um exemplo de uma vida diferente, é isso que cabe aos educadores, aos professores e a vocês. O educador está dentro de uma escola maior, de uma escola que é maior que a sua casa, que a sua família, está dentro de uma comunidade que te educa. Assim a própria família é ajudada, iluminada por um horizonte maior. A pessoa se encontra dentro de uma escola maior, nós mesmos somos educados por uma escola maior, uma comunidade, a comunidade nos educa. A comunidade a qual pertencemos. E os critérios que temos, as formas práticas de agir, nos dão motivações, razões, incentivos a viver e sobretudo nos acompanham, então, a própria escola cresce na medida em que se encontra dentro de uma escola maior. E escola maior são os amigos, as outras pessoas que te ajudam. Por exemplo, esta rede de creches onde a experiência de um ajuda na experiência do outro, dentro de um horizonte comum, é o horizonte da experiência comum que educa à todos. Não apenas o que eu faço, mas o que eu faço dentro de um contexto maior. Que espaço de importância tem o diálogo? Se a minha pessoa está dentro de uma experiência maior, ela se alimenta constantemente. Se não está dentro de um a experiência maior, ou pelo menos aberta à uma experiência maior, acaba por repetir aquilo que já sabe e não cresce. O crescimento ocorre na medida em que se segue algo maior. A novidade da Educação não está na repetição das mesmas coisas, mas no assumir constantemente uma forma nova. São como os programas dados por um professor. Se ele está aberto a um horizonte maior, ele inova, cria, faz coisas novas, se não está aberto a uma coisa maior, ele se repete, repete as coisas sem brilho.
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Educar significa realizar um projeto que tenho sobre a criança ou aprender com ela também?
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Educar significa atenção àquilo que ela precisa, ao caminho que ela precisa. É claro que é muito mais cômodo quando eu faço uma coisa segundo aquilo que eu decidi e não estou atento àquilo que a criança precisa. Este é um aspecto muito mais importante que, em termos gerais, significa se deixar educar pela realidade, não sobrepor à criança aquilo que nós sabemos, se deixar guiar pelas exigências verdadeiras que ela tem. Não aplicar um pacote, um esquema, mas uma vigilância contínua, um se deixar educar, é uma coisa menos cômoda, mas, ao mesmo tempo, mais criativa. É viver um relacionamento efetivo com a aquilo que a outra pessoa está precisando, uma resposta atenta, se deixar guiar pela realidade. É sempre a realidade que nos educa e nos conduz, e neste caso a realidade é uma realidade viva, ainda mais interessante, que determina como eu devo estar atento e não aplicar um esquema préestabelecido.
Dom Filippo Santoro A realidade nos educa
Liberdade e limites: como estabelecer? Os limites são indicados pela própria realidade, são fatores objetivos que não somos nós que criamos ou inventamos. Se a criança pega uma pedra e quer comê-la, não é você que diz que é proibido comer uma pedra, você está apenas mostrando os limites que a realidade tem. Educar a criança a estar atenta às coisas. A realidade não é pensar que ela é a dona de tudo no Universo, aquilo que vale para nós, vale para eles. Não somos nós que impomos limites, é a realidade que nos diz: isso ajuda no crescimento. Então, os limites são objetivos. Não é educação permissivista. É educar a pessoa a ver que a liberdade consiste em reconhecer a realidade, respeitar a realidade, respeitar a liberdade dos outros. Como saber se estou agindo segundo as exigências do meu coração, uma vez que no mundo em que vivemos muitas das nossas exigências parecem ser essenciais e não são, são induzidas, qual o critério para se dar conta disso? O critério para ver se algo corresponde ou não ao coração está dentro de cada um de nós, cada um verifica se corresponde ou não e se compara com outros que fazem a mesma experiência. São dois aspectos: o primeiro é que existe em cada um
Correspondência e comparação
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de nós a percepção da correspondência de algo, e segundo eu me comparo a outras pessoas. Eu estou dando aula e vejo que os meninos estão atentos, participam, fazem perguntas, estão interessados, é uma aula na qual todos estão envolvidos, então digo: “que bom, essa foi uma aula que me correspondeu”, de fato foi, segundo aquilo que eu queria, um relacionamento bonito com as crianças , um relacionamento criativo. Em um outro dia dou uma aula na qual é uma bagunça infernal, um chora de um lado, o outro puxa o cabelo de um terceiro, uma confusão, o meu tema nem é retomado, essa aula não me correspondeu. Eu tenho dentro de mim o critério: essa aula me corresponde, essa outra aula não me corresponde. Mas não é só o fato de ganhar dinheiro, não é isso, tem uma coisa mais profunda do que ter feito passar o tempo, tenho em mim o critério no qual eu julgo se algo me corresponde ou não. Então, o primeiro aspecto é algo interno, intrínseco ao coração, porque em nós está o critério para dizer se algo é verdadeiro ou falso, justo ou injusto; o segundo é a comparação com as outras pessoas que me ajudam nesse caminho a estar atento ao coração. Se uma criança nunca experimentou algo, não pode nem imaginar o que significa, por exemplo, uma forma de estar junto que é sadia, respeitosa; se uma criança recebeu só violência e maltrato, o coração dela está coberto dessas coisas, sendo importante que ela encontre o outro estilo. Que encontre uma professora atenta, que cria um clima bonito, onde cada um escuta, onde cada um participa. É necessário que o nosso coração seja ajudado também pelo testemunho de outros, pelo testemunho em particular de um mestre. Isso vale para tantas coisas. Você sai com os amigos um dia para comer uma pizza, num grupo de dez, quinze pessoas. Se aquele grupo faz uma bagunça infernal, um gritando de um lado, falando besteira do outro, você diz: “que porcaria, saímos para ficar juntos e ninguém ficou junto”. Se ao contrário saímos e um conversa, o outro aprofunda, um outro conta uma piada, o clima é bonito, de construção recíproca e você diz: “oh! É disso que eu gosto!” Muitos meninos e meninas me dizem: “Padre, nós nunca tínhamos experimentado uma coisa assim, nunca tinham nos tratado dessa forma”. Significa que entrou um novo elemento, não é simplesmente aquilo que você experimenta imediatamente, é esta abertura de comparar tudo com o coração, o contato com outros que te permite experimentar algo novo que sozinho você nunca teria imaginado. Perceber a
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correspondência com algo que não é imediatístico e superficial. A função do mestre e do amigo é justamente esta de abrir o horizonte, de fazer perceber algo novo que você mesmo diz: é isso que eu quero, é isso que me corresponde de verdade. Esse aspecto vale com as crianças e com qualquer coisa na nossa vida. Explore um pouco mais a questão do coração. Como consideramos os aspectos negativos da realidade e por que algumas pessoas não suportam a realidade? Dom Giussani entende o coração como o conjunto das exigências fundamentais que nós temos, aquela experiência elementar presente em cada pessoa. Eu falei que a palavra coração é importantíssima também na Bíblia. Qual é o centro da pessoa? A Bíblia responde que o centro da minha pessoa é o coração, essa coisa é a mais importante do ponto de vista antropológico e humano. Este coração tem dentro de si vários aspectos; é a sede da afetividade e a sede da inteligência, da cabeça. Para nós o cérebro está na cabeça, mas a raiz do cérebro está no coração, as raízes da inteligência, o pensamento, estão conservados no coração. Coração é razão e inteligência, não é só emoção. A pessoa que se deixa conduzir pelo coração não está se deixando conduzir pelo sentimento, ela se deixa conduzir pelo juízo, o juízo nasce no coração, o juízo reconhece o que é verdadeiro e o que não é, o que é bom e o que não é bom. O coração também é sede das decisões. O coração é desejo de algo infinito, não de uma coisa que passa, mas de algo que dura para sempre. Por isso o coração é essa realidade central e complexa, e com essa palavra o desejo se sintetiza. Seja a parte racional, seja a parte emocional, seja a parte afetiva, seja a parte de decisão: é desejo. Porém, é desejo de realização plena, desejo de realização total, não é desejo de algo que passa, desejo de felicidade, o desejo é ilimitado. O coração é como o sacrário da pessoa, um coração que me acompanha sempre e que afirma algo infinito. Esta é a característica fundamental que Dom Giussani aprofunda, tendo presente o que a Bíblia fala do coração. Com relação aos aspectos negativos. Eu falei que a Educação precisa ter uma hipótese positiva, precisa estar aberta à realidade, a todos os fatores, valorizando o positivo. Como então julgar os aspectos negativos? Os aspectos negativos fazem parte da realidade. Eu imagino que vocês vivam todos situações difíceis, situações marcadas
Coração, conjunto das exigências fundamentais
Abertura à realidade toda dentro de uma hipótese positiva
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pela violência, pelo tráfico, pelo maltrato, os aspectos negativos são muitos. Como eu posso trabalhar com isso? Posso trabalhar, por exemplo, se a criança encontra pelo menos um ponto no qual as coisas não são violentas, não são opressivas. O lugar por exemplo da creche, ou o lugar da escola, deve ser o lugar no qual a pessoa encontra algo diferente, no qual a pessoa em primeiro lugar é amada. Isso não significa que o negativo não exista, o negativo existe e continuará existindo, porém a pessoa e a criança faz a experiência de uma outra coisa, faz a experiência de ser amado, de ser respeitado, valorizado. Isso é importante, porque se ela faz essa experiência positiva não vai se conformar com o negativo em que vive, será obrigada a julgar o negativo. Por isso é importante a possibilidade, na creche, de um relacionamento onde a pessoa faça uma experiência nova, bonita, mesmo dentro das dificuldades. A pergunta sobre as pessoas que não suportam a realidade. A realidade se suporta quando se há um sentido, um significado. Quando você faz a experiência de um significado muito grande, a realidade se carrega: todos os sacrifícios que uma mãe faz é por amor a seus filhos, é a partir de um amor, de um significado que se carrega a realidade. Por que não se suporta a realidade? Porque a sociedade tende a destruir o significado, tende a destruir o valor das coisas. Quando se afirma um valor, um sentido, uma razão, pode-se carregar a realidade, senão não se pode carregar, pois a realidade é muito pesada. Frequentemente não carregamos a realidade, simplesmente somos passivos, sofremos o peso da realidade. Muitas vezes, não somos capazes de eliminar os problemas, mas encontramos amigos, encontramos significados que nos ajudam. A união com outras pessoas ajuda a carregar a realidade. A amizade, pouco a pouco, ajuda a encontrar o sentido da vida. Os pais estão depositando toda a responsabilidade da educação dos filhos nas mãos dos educadores. Como podemos reconstruir a unidade com a família?
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A experiência da creche ou da escola é uma suplência em relação à família, mas pode-se favorecer iniciativas nas quais por meio da criança encontram-se os pais, através da criança se conhece a família, através da criança se chega aos pais e ao contexto familiar. Um trabalho de ligação onde se ajuda a família a descobrir o seu papel. Isso é um método educativo provável. É uma possibilidade de se chegar à
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origem do problema, porque geralmente o problema não é da criança, é do adulto. O problema é dos pais ou professores, da Educação. Por meio das famílias pode-se chegar a tocar nos problemas, nas exigências que estão no próprio lar. Pensando e programando uma proposta também para as famílias, a creche vira um ponto de irradiação para um trabalho conjunto. A comunidade educativa é o lugar no qual a criança e também o adulto fazem um encontro. A instrução é uma coisa admirável, mas as coisas mais importantes da vida não se podem ensinar, só se podem encontrar. O ensino é uma coisa, mas aquilo que conta na vida é encontrado, se aprende através de um encontro. A Matemática se ensina, o Português se ensina, a Geografia se ensina, mas aquilo que serve para orientar a vida, o destino, a felicidade da pessoa, isso se encontra. Então, na comunidade educativa o adulto também faz um encontro.
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A Aventura da Educação
A Aventura da Educação
Marco Coerezza
Marco Coerezza
Palestra O que significa educar? O que significa educar dentro de uma escola? O que habilita uma pessoa a educar? O que é educar? Educar significa gerar, e gerar não é só dar vida a uma criatura, mas introduzi-la na vida, dando a ela também uma hipótese, um significado, uma explicação para a vida e acompanhando para que esse significado, esse escopo possa ser verificado na sua experiência de desenvolvimento, no encontro com a realidade, afim de descobrir a felicidade. A felicidade é o cumprimento da satisfação plena, dos desejos verdadeiros que cada um tem dentro do seu coração. Gerar à essa vida um significado pode ser compreendido como uma experiência. A experiência não significa fazer alguma coisa, não significa somente entender, compreender as coisas, a experiência quer dizer: tomar consciência de quem eu sou, quem me fez e para que me fez, e qual tarefa tenho dentro da vida. A tarefa é sempre algo de concreto, porque esse caminho educativo só pode acontecer dentro de algo concreto. Então uma experiência é algo que acontece, é algo que a pessoa descobre acontecendo dentro de si, pouco a pouco. E isso se dá a partir do encontro com uma realidade. Existem algumas teorias que pensam a Educação acontecendo automaticamente, mecanicamente, mas isto não é o que a realidade nos mostra. Um exemplo é o da semente na terra: se colocarmos uma semente em cima dessa mesa, talvez ela fique aqui uns mil anos, mas não acontecerá nada, porque para que a semente se
Educar significa gerar
Educação: uma experiência
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Educar-se para educar
Educar dentro da escola
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desenvolva é preciso que ela seja colocada dentro de uma morada. É esta morada que acolhe a semente e que cria as condições para que ela desenvolva o que tem dentro de si. Aquilo que a semente desenvolverá já está dentro dela porque alguém colocou, mas sem uma morada, sem as condições básicas, a semente não poderá expressar todas as suas potencialidades. Então, uma experiência de educação acontece na medida em que existe uma morada na qual a criança encontra a realidade, através da relação com alguém que lhe oferece essa realidade, com uma hipótese positiva de significado desta realidade. Para educar é necessário um tempo. A experiência é uma resposta que dou a alguém que me entrega uma tarefa, e essa resposta devo dar livremente. Não existe educação sem o respeito pela liberdade. Por isso a educação é um risco. A Educação é antes de mais nada a educação à liberdade como responsabilidade. É uma resposta dada a alguém. É estar atento à realidade, ao que acontece e como acontece. Para nós, na Itália, esse problema da atenção é de fundamental importância, porque nossas crianças crescem numa distração, como alguém que se encontra num grande supermercado. Devemos acompanhar a criança e o adolescente a estar diante da realidade, mas tendo claro que eles precisam caminhar com as próprias pernas, não podem ser carregados pelos adultos. Eles devem realizar as próprias potencialidades. Um autor polaco, Tischner, sobre este aspecto dizia que o educador é um administrador de confiança, alguém que administra um bem que não é dele, através da confiança de quem é dono. De quem é o bem de uma pessoa? De quem é o destino de uma pessoa? De quem o fez. O educador é um administrador de confiança de um bem que não é dele. O que significa educar dentro da escola? Educar dentro da escola significa fazer com que a criança e o adolescente se introduzam na realidade através da cultura, através daquela particular forma de viver e ver a realidade que é determinada pelas condições históricas do ambiente no qual vivem. Educar dentro da escola significa também educar dentro de uma ordem, uma ordem que é feita de um caminho particular, que tem suas exigências. Para os meninos maiores, a disciplina é uma janela aberta sobre a realidade. Impõe um certo método para enfrentar a realidade. A escola usa essa modalidade. O
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maternal educa a criança através da vida cotidiana, usa um método semelhante ao da família: educa a comer, a se arrumar, a vestir a roupa, a brincar, tudo isso dentro de uma ordem que permite à criança memorizar e reconhecer o significado das coisas que acontecem. É necessário que o adulto se pergunte quem o habilita a educar: é a universidade que dá uma formação? ou é uma vocação? Educar é uma vocação. Para responder à alguém necessitamos ser leais com a própria profissão. Competência só não basta. O Estado também não pode dizer qual é o escopo último da ação educativa. O destino de uma pessoa está dentro dela, é um mistério que eu e ela podemos descobrir nesse relacionamento que nos une. Não podemos educar uma pessoa a partir do escopo de uma outra pessoa. Precisamos considerar que a pessoa não conhece seu escopo de vida antes que ele se concretize. Somos feitos para uma felicidade, para uma satisfação total, que temos e não podemos brincar com as nossas mãos. Existe hoje um outro risco que se corre na cultura moderna: parece que a descoberta da tarefa que uma pessoa tem seja o puro cumprimento do conhecimento. Parece também que isso pode acontecer num caminho autônomo. Mas esta é uma maneira de ver as coisas não natural, porque se assim fosse, uma pessoa teria sempre que começar outra vez, teria que refazer todo o caminho do homem, desde quando ele existe. A Educação é um grande paradoxo: não pode acontecer senão dentro da relação com um homem, mas esse homem não pode determinar nem o percurso, nem a meta deste percurso. Então, a vocação educativa é pertencer a alguém, pertencer a quem te fez e a quem me faz constantemente. Há outra passagem que quero desenvolver, pois me parece extremamente importante na descrição de uma dinâmica educativa. Porque se falamos aqui no relacionamento educativo, temos uma coisa que deve ser analisada individualmente entre a minha pessoa e a criança que me é confiada. E isto é um fato extremamente frágil, porque não sou sempre capaz de tratar a criança com respeito, ou seja, esperando que se mova a liberdade dela. Então, acontece um fato muito estranho: se eu compreendo que a criança sozinha não consegue, eu a coloco nas minhas costas e a faço trilhar o meu caminho. Isso acontece porque eu quero o bem daquela pessoa, mas não compreendo que o bem dela não está nas minhas mãos.
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Educar é uma vocação
Educação: experiência que acontece dentro do relacionamento humano
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Onde isto pode acontecer? Dentro de uma unidade de pessoas que se chama povo, que se chama família, que se chama escola. Entre nossas relações com o Estado, com as entidades públicas, aquilo que desejamos afirmar é que a Educação é uma experiência que acontece dentro do relacionamento humano. O fundamento é uma comunhão no sentir a vida, no olhar para a vida, no querer se ajudar a caminhar de forma livre. O Estado deve permitir que essas comunidades façam a experiência através da construção de obras, de escolas por exemplo, que tornam sistemático esse caminho. Em uma escola existem condições interiores que facilitam esse caminho. Darei uma lista sintética: dentro da escola existem pessoas vivas, com gosto pela vida, alegria para a vida, pessoas que vivem com intensidade tudo que acontece. Existem pessoas que a partir da profissão de professores desejam conhecer bem a criança, conhecer bem as atividades que propõem, conhecer bem as disciplinas que enfrentam. Deve existir dentro da escola a unidade entre essas pessoas. Há possibilidade que entre essas pessoas se constituam lugares nos quais essas pessoas sejam ajudadas a crescer, porque eu não educo se eu não sou educado, não sou um pai se não sou um filho. Nestes lugares, nestes momentos de unidade, existem momentos nos quais uma pessoa é continuamente chamada a prestar atenção à verdade da posição humana. Porém, os professores não fazem unidade somente na medida em que apontam as coisas a serem realizadas. Há uma ordem a ser dada nessas coisas. A unidade acontece no momento em que as pessoas se ajudam em tudo aquilo que acontece, em tudo aquilo que é preciso fazer, a fim de contribuir para o crescimento da pessoa segundo o seu destino. O grupo de trabalho é um lugar onde alguém continuamente faz memória de quem o habilita a educar. É o lugar onde alguém encontra outras pessoas que o ajudam, que o guiam, que são para ele autoridades. Uma pessoa tem autoridade quando ajuda o outro a crescer na sua vocação. A organização de uma escola nunca é neutra: a maneira de fazer as coisas, ajeitar e arrumar a sala, o modo de preparar as atividades propostas para as crianças, a forma de preparar a comida, as coisas que as crianças vêem e ouvem não são indiferentes. Há atenção à todos esses detalhes, porque tudo tem que ajudar a criança a olhar para uma direção, a levantar o olhar. Então, quando as coisas são belas,
A Aventura da Educação
ordenadas, limpas, chamam a atenção, são um sinal que alguém as fez assim e ajudam a criança a estar dentro daquela realidade, não instintivamente, mas com a atenção despertada a responder a alguém. Dessa forma, se existe uma lixeira ou uma cadeira fora do lugar, vou colocá-la no lugar não porque tenho a mania de ordem, mas como um exemplo a ser seguido pelas crianças. Tudo isso se torna uma maneira de estar dentro da realidade como resposta à alguém. Há uma conseqüência desse discurso: quem abre a criança ao conhecimento? O método natural do conhecimento não parte de uma análise da realidade, mas sim, de uma atração pela realidade. Tanto a criança quanto o adolescente aprendem aquilo que lhes é proposto com uma razão, um significado, de forma interessante, fascinante e bonita. A análise, o conhecimento mais analítico das coisas é o passo seguinte. Quanto mais uma pessoa é atraída, apaixonada e aberta, tanto mais é capaz de entrar na realidade com uma inteligência. Um amigo italiano, astrofísico, Bersanelli, dizia: “lembro-me perfeitamente que as perguntas que eu fazia para o céu com as suas estrelas que eram numerosíssimas: quantas são? quantas serão grandes? quantas serão distantes? quantas serão velhas? Mas todas elas eram precedidas de uma exclamação: as estrelas! A maravilha da existência delas”. Pode-se ter a sorte de encontrar pessoas inteligentes e competentes, então a maravilha e o estupor se desenvolvem. Dentro deste caminho, deve-se partir sempre do acolhimento da criança como ela é e não como acredita-se que ela deva ser. Antes de concluir, desejo pontuar o que vimos nos documentos ministeriais locais, na LDB. Tentamos entender os vínculos que o Estado coloca e que podem ser de certa forma aceitos, e em quais condições eles podem ser aceitos. Falei no início que o Estado não pode indicar a meta, o fim da Educação. Mas poderia dizer também, olhando a experiência italiana, que ele não deveria nem mesmo indicar as modalidades de realização deste fim, porque isso é tarefa do professor. A primeira condição para poder acertar os vínculos com o Estado é o respeito absoluto à liberdade do professor ensinar, segundo o ideal educativo que lhe corresponde e na modalidade mais adequada. Ora, esse princípio não é afirmado nesse documento, mas também não é negado.
Marco Coerezza
Método do conhecimento: uma atração pela realidade
Vínculos que o Estado coloca
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Educar-se para educar
Subsidiariedade
Há outro elemento que se pode recolher nessa documentação legislativa. Não parece estranho, mas é muito parecido com o problema que temos na Itália, apesar de se apresentar de forma diferente. Sendo a Educação uma experiência de vida, não pode existir uma Educação que não contenha também a assistência, o cuidado com as pessoas, o interesse para o concreto da pessoa, para a totalidade da pessoa. Ora essa insistência da legislação é interessante porque pode exprimir o desenvolvimento da idéia de que a Educação é a educação da pessoa na sua totalidade. Há também um terceiro elemento para compreender um ponto no qual a legislação é carente: é preciso colocar no centro do processo educativo não somente o professor, mas o professor na sua comunidade, para se dar, de certa forma, a centralidade ao povo como sujeito educativo. Do ponto de vista institucional, afirmamos que a gerência da escola deve se tornar esse sujeito, esse povo que é o conjunto de professores, alunos e família, para acompanhar o processo educativo, a partir de uma codivisão do ideal educativo. Este partilhar significa uma maneira de ver e sentir uma pessoa, porque obviamente não existe uma Educação neutra. Se olharmos a nossa Legislação, constataremos a falta do princípio de subsidiariedade. O princípio de subsidiariedade é um princípio muito simples: se uma pessoa, dentro de seu povo, dentro da sua comunidade de referência, cresce como pessoa, é capaz de organizar um serviço com a escola que responda às necessidades das crianças e dos adolescentes. O Estado deve ajudar este sujeito através de um financiamento, sem determinar a concepção educativa desta obra, porque ela tem um significado se é reconhecida pelas pessoas, pelas famílias. Há elementos que o Estado pode identificar para definir se aquela escola responde às características de uma escola. Então, frente ao Estado, o grau possível de liberdade é colocar-se em condições de responder às necessidades das pessoas a partir de uma identidade cultural, mantendo a escola dentro das características de uma escola. Obrigado!
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A Aventura da Educação
Marco Coerezza
Debate Como educar o outro e como valorizar o educador enquanto educador? Como eu posso educar um adulto? Como educar o adulto? Se a Educação é uma experiência que acontece dentro de um relacionamento, também o adulto tem de estar dentro de uma relação que o ajude a crescer como pessoa. Na escola isso pode acontecer se a profissão de professor é vivida dentro de uma amizade, em companhia de pessoas que se ajudam a fazer sempre melhor o trabalho e compreendem que o que cada um faz é um pedaço de uma obra maior, que é a obra educativa da escola. Sendo que a escola não é algo neutro e cada coisa que acontece no interior dela tem um significado, cada ação, desde a pequena até a maior, tem um objetivo educativo. Isso não acontece com o adulto de forma mecânica. A pessoa adulta deve ser acompanhada e educada, e isso só é possível dentro de uma amizade, dentro de uma companhia. Quando eu falava de povo, eu falava dessa companhia grande, porque a escola é uma parte de um povo que vive desta experiência. Numa creche, o valor da ação da cozinheira que faz bem a comida está no fato de satisfazer o menino e o colocar em condições de aprender bem; se a comida não é boa, também a aprendizagem não será boa, porque aprender, para uma criança pequena, é como comer. Então, o valor daquela cozinheira é tanto quanto o da educadora. Se sou acolhido, cuidado e servido, de certa forma, estou sendo reconhecido na minha dignidade como pessoa. De fato, uma coisa que as crianças fazem normalmente quando estão organizando uma ação diante de um adulto é se dirigirem a ele pedindo: “olha-me, esteja diante de mim e faça-me compreender que eu sou alguém para você”. Agora, que o adulto faça isso dentro da escola, não é um fato instintivo, que nasce assim em sala de aula. Isto só acontece se o adulto foi acolhido nesta dimensão, nesta dignidade. Tudo o que ouvi durante a palestra me fez pensar no que fazemos na creche. Lá conhecemos a realidade do aluno, estamos junto dele ajudando-o a crescer. Uma hora ele sai da creche e vai para uma escola do Governo. Não terá mais
Relação que ajude o adulto a crescer como pessoa
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Educar-se para educar
o nosso acompanhamento. O Brasil não dá subsídio para que a escola pública possa olhar a criança como pessoa humana. Será que o tempo que a criança passa na creche dá a ela capacidade para se defender das diferenças que encontrará na escola?
A diversidade da realidade no processo educativo
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A pergunta é muito interessante porque coloca o problema da preocupação educativa como algo que não pode ter um fim, não pode acabar. No meu entender, existem dois aspectos dentro da pergunta: o primeiro é como fazer com que este olhar para as crianças dado na creche possa continuar e o segundo aspecto é como acontece a educação realmente? Vou partir deste segundo aspecto porque ele esclarece também o primeiro. O que continua realmente no processo educativo? Evidentemente, a criança é aquilo que continua. O que é diferente no processo educativo? A realidade que a criança encontra precisa ser sempre diferente para que ela possa crescer. Quando eu tenho uma criança pequena, para fazê-la crescer, começo dando leite e não macarrão, massa, pizza, porque obviamente ela precisa daquele alimento. Mas eu não posso continuar sempre dando leite. A diversidade da realidade é fundamental no processo educativo porque, sem essa diversidade, a criança não percebe a realidade. Isso acontece também no nível do conhecimento, na capacidade de compreender as coisas. Na Itália, por exemplo, hoje se discute muito esse tema. Alguém sustenta que a aprendizagem pode acontecer enfrentando o assunto de uma só vez em todo o seu percurso escolar, porque continuará repetindo as coisas, mas o problema não é assim. O problema é que cada vez que a criança enfrenta o mesmo assunto, em idades diferentes, ela o enfrenta com consciência diversa, com capacidade diversa, compreendendo coisas diferentes, ampliando seus conhecimentos. A diversidade da realidade é fundamental, mas a preocupação educativa originária, de olhar a pessoa na sua totalidade, é uma preocupação justa. Esta é a razão pela qual se pede que o Estado ajude o sujeito, a comunidade de pessoas, a construir escolas a partir de uma maneira de ver a vida e o homem, porque isso pode garantir a continuidade do projeto inicial, segundo formas diferentes. A Educação, quando realizada como um encontro bonito, deixa sempre uma marca, e isto, para a criança, é uma marca que não se apaga nunca. Como educadores,
A Aventura da Educação
Marco Coerezza
devemos viver essa esperança de que a Educação não está somente em nossas mãos. Isso não quer dizer aceitarmos passivamente a realidade, e sim, fazermos de modo que essa experiência possa continuar, mas com o olhar sempre positivo sobre a pessoa. O que habilita um professor a trabalhar aprofundando a realidade em um meio cultural diferente do que ele vive? Creio que em parte a resposta já foi dada. Posso acrescentar apenas algumas observações. A competência ajuda a ser mais adequado à situação, mas aquilo que me habilita a enfrentar a situação é a consciência do desejo que eu tenho em relação à pessoa que está na minha frente. A partir desta consciência, a competência será sempre mais precisa. Se eu tenho um significado grande a comunicar, a comunicação tem que ser perfeita. Se devo transportar algo de valor, cuidarei para que o transporte seja o mais cuidadoso possível. A comunicação perfeita e o transporte perfeito são os instrumentos para trazer aquela coisa grande ou aquele valor que eu quero transportar. Não existem condições sociais diferentes que não possam ser reconduzidas ao mesmo coração, ao mesmo desejo humano. O coração do homem é verdadeiramente igual em todo o mundo, e é por isso que eu posso educar, e é por isso que eu posso educar se eu sou educado. Trabalho no reforço escolar, na área de música. No que diz respeito em ser educado para educar: meu nível de escolaridade não permite ainda que eu seja educadora, só tenho o Ensino Médio, no entanto, a partir de um relacionamento, de uma amizade, de um encontro, posso hoje chegar diante de 120 crianças e ensinar música. E eu percebo o quanto elas se sentem ajudadas e o quanto o relacionamento com essas crianças me ajuda a crescer e me faz entender como essa coisa do desejo do coração do homem é gritante dentro daquela realidade. Como saber que eu não estou invadindo a experiência daquela criança que está tão acostumada com “tapinha não dói”? Até que ponto eu posso lidar com essa criança sem impor uma mudança radical de cultura?
Competência e consciência do desejo
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Educar-se para educar
Por que é tão importante a realidade, educar é um risco por causa da realidade? Liberdade é fazer aquilo que me faz crescer
O encontro com a realidade
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A primeira pergunta, como posso educar respeitando a liberdade da criança? Acho importante compreender bem o que é liberdade. Liberdade não é fazer aquilo que eu quero, porque isso é somente instinto. Liberdade é fazer aquilo que me faz crescer. Quando uma música é bonita, é bonita e me abre para a liberdade. É claro que quando uma criança chega a mim, não chega vazia, chega com toda carga de sua tradição, está com os ouvidos sintonizados com um certo tipo de música. Eu devo valorizar aquela tradição, tentando educar a criança a acolher aquilo de bom que o mundo tem. E o que fazer com o que o mundo tem de menos bonito, menos significativo? Pegando gancho com a segunda pergunta, apresentar uma hipótese educativa, hipótese de explicação de significado, ou seja, a experiência de música bonita, que a criança poderá comparar à tradição dela. A hipótese educativa não exclui nunca alguma coisa, mas ajuda a dar um sentido a tudo aquilo que acontece. Ajuda a descobrir o desejo de beleza que está dentro do coração. A realidade é importante, pois sem ela eu não me dou conta do existir. Uma criança sem o encontro com uma realidade boa para ela, uma realidade acolhedora, não pode gostar de crescer. Crescer não é uma coisa que acontece por acaso. É importante aderir àquilo que me faz crescer, mas para que isso aconteça, é preciso que eu não permaneça sozinho. Uma educação para a liberdade pode acontecer em um relacionamento com um mestre. Aqui não existem garantias de espécie nenhuma. Existem só condições que devem ser asseguradas: respeitar a liberdade do outro, não teorizar a realidade, de modo que a partir dela a criança possa ter um encontro comigo, com um olhar positivo, capaz de valorizar tudo e levar em conta tudo. Para que isso aconteça, o mestre precisa de uma experiência assim consigo mesmo.
Formação de Educadores
Um Olhar Psicopedagógico na Formação de Educadores
Heloísa Gissoni
Heloísa Gissoni
Palestra
1ª transparência Bom dia a todos vocês. Me sinto muito honrada de estar nesse grupo em que, desde um primeiro contato, já se percebe todo um engajamento, toda uma força. Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a oportunidade de estar aqui com vocês, pessoas que estão unidas por essa causa, tão nobre, que se chama Educação. Em segundo lugar, agradecer aos organizadores do evento pela confiança demonstrada, ao me convidarem para este momento tão significativo, Primeiro Seminário do Projeto Rede de Creches, que envolve todos os educadores da Educação Infantil ligados a essa proposta tão séria. Então, por esses motivos, quero agradecer e dizer que vou me empenhar para corresponder às expectativas.
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Educar-se para educar
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Acredito que a minha história com a educação, vai encontrar eco em muitas histórias das pessoas que estão aqui nesse auditório (principalmente as mais antigas). Me formei no curso de magistério, no Instituto de Educação do Rio de Janeiro e me especializei em Educação Infantil. Fui trabalhar nesta área, onde me sentia muito bem. Trabalhei por dez anos com o pré-escolar, no próprio Instituto de Educação. Enquanto fazia esta especialização, tive a oportunidade de ser aluna da professora Heloísa Marinho, fundadora do Método Natural de Alfabetização e Estimulação para Crianças Pequenas. Com esta Mestra, comecei a perceber que o caminho para trabalhar bem na área de Educação seria muito menos o de procurar “receitas prontas” e muito mais o repensar, refletir sobre a própria experiência. Depois que tive minhas duas filhas, retomei os estudos e fiz o curso de Pedagogia na PUC do Rio de Janeiro. Continuei estudando, buscando aprofundar meu foco maior de interesse, nesta ocasião: como é que o ser humano aprende? Que processos acontecem em cada um de nós quando nos defrontamos com algo desconhecido e que nos desperta interesse? Fui, então, buscar a Psicopedagogia. Formação que marcou de maneira especial a minha forma de trabalhar e de entender a Educação. Fiz o curso no Centro de Estudos Psicopedagógicos do Rio de Janeiro, durante três anos, onde todas as aulas são seguidas de grupo operativo. Esta experiência me levou a fazer a especialização em Teorias e Técnicas em Grupos Operativos. Este curso também foi muito significativo na minha formação, me instrumentalizando para trabalhar melhor com grupos. Em 98 e 99 tive encontros sistemáticos com a professora Madalena Freire, para estudar a questão da formação do educador. ... Faço questão de contar essa história porque tem tudo a ver com a minha crença: acredito que, nós educadores, temos que estar estudando, revendo constantemente a nossa prática, buscando aprofundar nossos conhecimentos teóricos. Grupos enormes se formam em Pedagogia e fico pensando: qual é o espaço que estas pessoas têm para discutir a sua forma de trabalhar, poder ampliar seu conhecimento e ao mesmo tempo ir se reconhecendo profissionalmente com mais competência. Isto exige um buscar constante e pressupõe algumas condições. Então, é do lugar de uma professora que busca constantemente ter mais consistência no que faz para melhorar a sua prática pedagógica, que vou conversar com vocês.
Formação de Educadores
Heloísa Gissoni
2ª transparência Pró-Saber, é o Centro de Estudos Psicopedagógicos do qual a faço parte. Fica no Rio de Janeiro, no Largo dos Leões, Humaitá. Tem como lema: “um lugar onde se cultiva a esperança”. Lembram-se da hipótese positiva, que Dom Filippo tão bem colocou ontem e nos trouxe como uma possibilidade muito forte para o nosso trabalho? Esta também é a intenção do Pró-Saber, ser um lugar de esperança, um lugar onde se acredita na possibilidade.
3ª transparência A partir do tema “refletindo sobre os objetivos e socializando práticas”, quero discutir com vocês sobre o que pretendemos quando oferecemos assessoria para escolas e, principalmente, quero socializar uma prática, socializar o “como fazemos”.
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Educar-se para educar
4ª transparência Esta é uma prancha para organizar didáticamente da minha fala. Temos dois grandes objetivos para o dia, hoje:
5ª transparência
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O primeiro, é muito importante porque mostra a nossa crença na educação enquanto possibilidade de humanização e a realização plena do homem. É fácil falar do que se pretende, e de como a gente acha que deve ser, mas, na verdade cometemos muitas contradições e divergências na nossa ação. Acreditamos que estas contradições podem até nos ajudar a chegar mais próximo dos objetivos, quando nos dispomos a discutir sobre elas. É este o enfoque do segundo tópico.
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6ª transparência Todos nós temos uma crença, eu por exemplo acredito que o ser humano constrói o seu conhecimento ao longo de toda a vida. Acredito que a cada nova proposta, a cada novo objeto de conhecimento temos a possibilidade de resignificar nossas aprendizagens numa concepção que significa a possibilidade de transformação contínua, de superação. Então, buscamos as teorias que possam dar conta da crença. Na medida em que vivemos uma experiência, sentimos necessidade de voltar à teoria e essa teoria nos abastece para um retorno à prática, formando-se assim um circulo virtuoso, que, a cada vez, se torna mais enriquecido. Na transparência estão colocadas setas de cores diferentes, na medida em que entram e saem vão se transformando, se enriquecendo. Esse movimento é fundamental para nos aproximarmos, com mais coerência das nossas intenções, da nossa crença. Na prática, às vezes, nossas intenções escapam e é sobre esses momentos que precisamos refletir. Precisamos de interlocutores, precisamos “parar” e pensar junto. Estudar, podemos fazer sozinho, num quarto fechado com livro na mão. Mas, repensar nossa prática só é possível quando a gente tem um interlocutor, por isso acho tão importante esse encontro de pessoas para falar de sua prática, para entender o que está sendo feito, para poder olhar com um certo distanciamento o realizado, e aí sim voltar à teoria.
O ser humano constrói o seu conhecimento ao longo de toda a sua vida
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Educar-se para educar
Educar é a possibilidade de promover o desenvolvimento do ser humano no seu sentido pleno
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Entender que para se fazer educação que acredite na possibilidade de desenvolver pessoas que saibam pensar sobre o pensar, que vejam a sociedade como conseqüência das nossas relações, da nossa forma de atuar nesse mundo, temos que assumir uma intencionalidade. Assumir que as coisas não acontecem por acaso. Houve época em que a subjetividade era tida como o não científica, tudo que envolvesse a subjetividade era descartado, então se dizia que o professor deveria se esforçar para ser um a pessoa neutra no seu trabalho. Isso hoje a gente sabe que não é possível e nem desejável. O conhecimento era tido como verdadeiro e acabado, da mesma forma para o resto da vida. Hoje, temos informações de várias naturezas, temos o conhecimento de que o universo nasceu de uma organização caótica, numa complexidade onde existe uma organização intrínseca, sabemos que a imprevisibilidade faz parte da vida e que não é possível determinar tudo. Conceber o “conhecer” como entendimento, compreensão, interpretação, não só manipulação de dados, apropriação de informações. O paradigma pós-moderno valoriza a utopia, entende o sonho como fundamental para nos possibilitar a caminhada em direção aos nossos objetivos. A partir dessa visão entendemos que o professor precisa estar repensando a sua experiência para que consiga transformar a sua prática. A tarefa do educador não é construída como as outras profissões. Quando um médico faz seu curso, o modelo educacional que viveu enquanto aluno, durante a sua formação, não vai influir na construção de seu modelo profissional. Entretanto, na sua formação o educador vai internalizando modelos de ensino e aprendizagem que marcarão a sua atuação. Se por um lado esta situação nos possibilita viver a experiência pedagógica, por outro lado determina uma forma de agir. Desta forma, educar é também um risco no sentido que imprime marcas. Então, qual é o nosso desafio? Olhar para essas marcas, rever esses modelos internalizados e recriar novos modelos que atendam melhor as necessidades profissionais atuais, buscando uma nova metodologia de trabalho. Para identificar de que lugar estou falando é importante explicitar que na minha concepção “educar” é a possibilidade de promover o desenvolvimento do ser
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Heloísa Gissoni
7ª transparência
humano no seu sentido pleno, através das possibilidades do ensinar e do aprender. Penso no homem, como criação de Deus e com a liberdade para se transformar sempre. Os outros seres da natureza não têm essa possibilidade. As formigas fazem as suas casas muito bem feitas, mas sempre da mesma maneira desde que elas existem. O homem possui essa capacidade de transformar, de ser agente da sua vida, escolhendo a forma como quer ser e viver. Esta questão está diretamente ligada ao nosso trabalho, ao nosso fazer, à nossa prática. É tarefa do educador influir no desenvolvimento das pessoas (aqui eu falo de uma forma mais ampla, incluindo a família e as pessoas que estão a serviço desse ensinar e desse aprender do ser humano). Como é forte isso! Porque esse desenvolvimento humano não vem espontaneamente, vem através da aprendizagem, do ensinar e do aprender. Vou falar um pouco de como entendo esse ensinar e esse aprender.
8ª transparência
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Educar-se para educar Aprender e ensinar
Um sujeito desejante constrói o conhecimento
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Aprender é adquirir conhecimentos, é reconhecer as informações, é ter posse de todo legado da civilização que a humanidade produziu, mas é, sobretudo, construir o entendimento. Saber transferir o conhecimento adquirido para novas situações. Aplicar os conhecimentos em uma situação não prevista, tendo a compreensão real dos conceitos. O ensinar é a outra face da mesma moeda. É explicitando faltas e necessidades que o educador consegue provocar no aluno o desejo de buscar o conhecimento para aprender. Se tudo está completo, não há nenhuma carência, nenhuma falta não há o que aprender e consequentemente não há o que ensinar. Dentro desta visão o papel do ensinante muda. Ao explicitar faltas e necessidades, o educador precisa propor modelos de aprendizagem que ofereçam a segurança necessária para se enfrentar os primeiros momentos com o novo e criar condições libertadoras para permitir a criatividade e a construção da autonomia de cada um. A forma de ser do educador é por si só um “modelo” para seus alunos. Nessa concepção, ao trabalharmos com a formação do educador, onde se pretende romper com as “marcas” do ensino tradicional, é fundamental se organizar a proposta metodológica como um modelo que possa a ser reproduzido, que propicie esta nova aprendizagem. Quando se trabalha com o educador dizendo simplesmente como ele deve fazer, mas com metodologias atreladas ao ensino tradicional, torna-se muito difícil essa mudança. Estou querendo dizer que para que o educador possa criar uma nova maneira de realizar a sua tarefa é preciso viver sua experiência de aprendizagem de uma nova maneira, tendo um modelo que lhe favoreça esta reconstrução. A outra questão é instrumentalizar, instrumentalizar no sentido de indicar os recursos. Esse instrumental precisa também ser apresentado ao educador além de se valorizar o modelo e a explicitação de faltas e necessidades. Acredito que o homem constrói o seu conhecimento, a partir da ação de um sujeito que deseja, sendo então um papel fundamental para dos educadores suscitar as faltas e necessidades. Só a partir da explicitação das faltas e necessidades que podemos desencadeiar no outro o desejo. Ninguém tem desejo quando está saciado.
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9ª transparência
Ninguém tem desejo de almoçar quando acabou de se alimentar, então é preciso despertar no nosso aluno essa falta para que haja o desejo de construir um novo conhecimento, a partir dos desafios que a própria realidade propõe. Essa construção é permanente, continua pela vida afora, uma construção que não tem fim, a todo momento um sujeito desejante ao se defrontar com desafios do mundo externo tem a possibilidade de construir e reconstruir conhecimento.
10ª transparência Quem é esse sujeito que pode construir e reconstruir conhecimento ao longo da vida? é o ser cognoscente, um ser que pensa, um ser que tem a capacidade de refletir sobre o seu pensar, e que é constituído por três dimensões: a razão, a emoção, e a dimensão relacional que se refere ao contexto de vida intra e interpessoal.
O ser cognoscente é um ser que pensa
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Essas dimensões são constituintes, mas não coexistem em equilíbrio homogênio, isso gera naturalmente algumas interferências no nosso processo de aprendizagem. Enquanto educadores temos que nos dar conta que não basta propor uma aula muito bem organizada, muito bem pensada, muito bem feita para garantir que o aluno aprenda. O que se diz não é absorvido de forma única por todos. Cada ser humano possui condições próprias de se relacionar com o mundo, condições de ordem emocional, racional e relacional que em conjunto vão possibilitar as situações únicas e individuais de aprendizagem. Não basta ter uma sala bem organizada, arrumada com todo carinho para o aluno aprender, é preciso que o educador tenha também recursos pedagógicos que estimulem o pensar dessa criança, é preciso que proponha situações num contexto favorável (o estar bem no grupo é fundamental). Há que se pensar nas várias dimensões que constituem esse ser para favorecer o desenvolvimento desta capacidade cognocente que todos temos.
11ª transparência
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Ao compreendermos melhor o ser humano, poderemos pretender formar pessoas que respeitem a si e aos outros, que se reconheçam enquanto seres pensantes, que se apropriem da possibilidade de dirigir a sua própria vida, da sua liberdade, que sejam compromissadas com a sua realidade, sendo responsável pelos seus atos na busca de uma vida melhor para todos.
Formação de Educadores
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A escola precisa, além de desenvolver os conhecimentos curriculares, estar preocupada em desenvolver pessoas que tenham responsabilidade na construção de um mundo melhor.
12ª transparência
Já vimos o que se quer atingir, em que acreditamos, o que precisamos estudar e agora vamos discutir uma metodologia que possa de uma certa maneira se aproximar dessas questões. O meu foco está na formação de professores, mas considerem que esses mesmos passos podem ser transpostos para a turma de vocês, para a sua sala de aula.
Formação de professores
No primeiro momento precisamos clarificar as necessidades, no segundo momento organizar um plano de ações e depois operacionalizar o plano de ações, sempre acompanhado de uma avaliação permamente.
13ª transparência
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Dois grandes eixos são considerados na organização do plano de ações. De um lado o levantamento das necessidades do grupo em questão e de outro o conhecimento da realidade.
14ª transparência
Levantamento das necessidades
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Com este mesmo procedimento vocês podem fazer um paralelo para organizar o trabalho da turma de vocês. O quadro funcional da escola: que escola é essa, como ela se organiza, quais são as pessoas que gerenciam a escola, quantas turmas, como elas usam aquele o espaço A história da instituição: como surgiu esta escola, documento existentes, projetos pedagógicos desenvovidos, etc (história da turma, se as crianças são novas na escola, qual o tipo de experiência escolar tiveram, etc.). Clientela: o que caracteriza a clientela, qual a relação das famílias com a escola. Qual é a formação básica dos educadores, qual a crença pedagógica predomimante (qual é o conhecimento que essas crianças trazem). Calendário da instituição: tempo e espaço fazem parte de qualquer plano de ações. Recursos materiais disponíveis: não adianta planejar algo impossível dentro dos recursos disponíveis, o plano de ação tem que ser real, temos que trabalhar com o que existe de fato. Necessidades explicitadas: uma coisa são as necessidades explicitadas, e outra coisa são as necessidades reais. Quando se está na função de uma assessoria, é
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fundamental fazer uma análise de dados, para identificar as reais necessidades que nem sempre são claramente ditas ou percebidas pelo grupo diretamente envolvido. É fundamental que essas necessidades sejam constantemente revistas a partir da avaliação.
15ª transparência Neste trabalho achamos importante enfocar pelo menos três aspectos, outros podem ser incorporados, mas estes são fundamentais.
16ª transparência Há neste plano de trabalho três ações de naturezas distintas como pano de fundo (fazendo um paralelo, estas ações podem orientar o trabalho com as crianças).
Plano de ação
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Mobilizar no sujeito sua capacidade cognitiva, propondo desafios. Quando se propõe um desafio, se estimula a necessidade de descobrir, de saber algo que não se sabe, mobilizando o desejo de aprender. Despertar o prazer e a alegria no ato de aprender, valorizando o clima de confiança através de estratégias facilitadoras e que respeitem o ritmo próprio do indivíduo. Esta vertente valoriza o clima de confiança, sempre buscando uma relação transparente. As pessoas percebem, por mais ingênuas que sejam, até as criancinhas bem pequenas, percebem muito bem quando se está dizendo uma coisa, mas que na verdade a coisa é outra. Temos que encontrar a forma adequada, mas é indispensável usar sempre de transparência e lealdade. Valorizar o trabalho em grupo, de forma que todos se sintam bem, repeitando as diferentes formas de contribuição. Contextualizar os conceitos ensinados, buscando a constante relação entre o que é proposto e sua aplicação prática. Trabalhar sempre a partir da possibilidade de aplicar de imediato os conhecimentos adquiridos.
17ª transparência A formação da pessoa
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Esse plano de ação pressupõe eixos norteadores em relação aos conhecimentos teóricos que precisam ser desenvolvidos. Quando falamos em formação de professores, ou quando os educadores estão nas escolas trabalhando com as suas turmas precisam desenvolver conhecimentos específicos, entretanto precisamos também desenvolver atitudes e procedimentos. Não basta possuir conhecimentos
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teóricos, conceituais se não desenvolver atitudes e procedimentos adequados para o exercício da tarefa educativa. Por exemplo: posso ter vastos conhecimentos da teoria piagetiana, mas se não souber como atuar, como criar condições para que meu aluno desenvolva o seu pensamento a minha atitude impedirá que o meu conhecimento teórico seja aplicado. O outro eixo é o auto conhecimento nas relações intra e interpessoais. É importante refletir sobre as questões que interferem na formação da pessoa. Mas, isso só é possível quando existe um ambiente de confiança e as pessoas se permitem discutir sobre a sua forma de ser e a partir do procedimento profissional poder rever conteúdos pessoais. Esses eixos estão presentes no plano de ação enquanto fio condutor do trabalho.
18ª transparência Estou falando de formação de professores, mas esta forma de entender a organização de um programa de curso pode ser considerada em qualquer nível escolar, mesmo para as classes de educação infantil. O programa é o conjunto dos temas que serão desenvolvidos ao longo do trabalho, levando-se em conta os conteúdos pedagógicos específicos da formação, (aquilo que o professor de precisa conhecer e estudar). Como por exemplo: nas séries
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iniciais é indispensável se conhecer aspectos da alfabetização, etapas do processo de alfabetização. Mas, isso não basta por si só, tenho que ter habilidade para despertar o interesse, saber provocar situações que desencadeiem, no grupo, a necessidade de estudar os conteúdos específicos do curso em questão.
19ª transparência O programa se realiza em um movimento aspiral
A formação em serviço
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O programa se organiza em um movimento espiral. No início, temos uma pequena base, constituída por temas, que vai sendo ampliada e enriquecida pelo conteúdo específico e pelas necessidades que emergirem no próprio grupo, provocando um movimento espiral, dialético de ampliação contínua e não constante. Por exemplo, quando estamos falando de Linguagem esse tema não se esgota em um número determinado de aulas, nem numa seqüência pré definida. Nesse movimento em espiral vamos aprofundando e alargando esse conhecimento, sem perder de vista que há uma base temática, um programa a ser desenvolvido. A Formação em Serviço é uma metodologia rica por ser favorecida pela experiência prática. Já enfatizamos o valor do movimento circular virtuoso que da prática retoma a teoria e da teoria reverte para a prática. É uma metodologia voltada para as seguintes questões: 1) O trabalho em grupo. É fundamental que as pessoas possam estar juntas discutindo, a partir de uma tarefa em comum, com objetivos comuns, discutindo as
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questões que surgem. É indispensável a presença de um coordenador que organize o grupo e identifique os temas emergentes, fazendo encaminhamentos e intervenções, impulsionando o grupo a sair do lugar que se encontra para um novo patamar. É uma proposta baseada no modelo operativo de aprendizagem. 2) É uma proposta que 20ª transparência vai se desenvolvendo gradativamente, respeitando o ritmo do grupo de forma não linear, constante mas não contínua. É muito importante que haja constância nos encontros em relação à freqüência, à duração, ao local da reunião, à composição dos do grupo onde exista confiança entre os componentes. Ainda é fundamental a preocupação com a forma não contínua, que nos possibilite respeitar o “clima” do grupo obedecendo a um ritmo constante, numa intensidade não regular, assim como o movimento das ondas do mar. 3) A ampliação e aprofundamento das questões, como foi explicitado na transparência anterior.
21ª transparência
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Educar-se para educar
Esses são os três grandes objetivos se quer perseguir com essa forma de trabalho (vide transparência).
22ª transparência Avaliação
E por fim, a avaliação. Deixei para o final, mas não quer dizer que seja a última coisa. Faz parte o tempo todo do trabalho porque a intenção dela é: (vide transparência). Esse proposta é revista a todo o momento, levando-se em conta todos individualmente e o grupo como um todo, nos momentos de encontro e na prática pedagógica cotidiana e, ainda, a atuação da coordenação. A avaliação é condição primordial para esse trabalho ser desenvolvido, a cada encontro deve haver um momento dedicado ela.
Uma experiência
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Relato de uma experiência O que vou contar é o trabalho que desenvolvi em 98, em uma escola de educação infantil da rede pública oficial do Rio de Janeiro, onde estudam crianças de grupo 2 e grupo 3 (que são os dois anos anteriores a alfabetização), oriundas de uma clientela bastante desfavorecidas, moradoras de favelas vizinhas. N.º de participantes 14, sendo 10 professores e 4 da equipe de direção. Realizamos um total de 29 encontros semanais, de 1 hora e meia, ao final do dia de trabalho das professoras.
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Como nunca temos tempo para fazer os nossos estudos, os nossos planejamentos, no horário de trabalho, o grupo sugeriu que ficássemos todas as segundas feiras de cinco e meia as sete fazendo o trabalho. Total de ausências ao longo do ano: 7. Nesses 29 encontros, essas 14 pessoas só tiveram 7 faltas ao longo de todo o trabalho. Este dado de que após um dia de trabalho, as professoras (quase todas dobravam o turno da escola – manhã e tarde) ficavam na escola para discutir as suas questões, nos mostra ao contrário do que normalmente se ouve, de que o professor não quer estudar. Como surgiu a demanda para o traballho? A direção da escola procurou o Pró-Saber e pediu uma assessoria com a seguinte questão: percebiam muitas dificuldades no desenvolvimento do trabalho, falta de compreensão do referencial metodológico sugerido pelo Parâmetros Curriculares Nacional, dificuldade para lidar com as regras e limites (todos os profissionais, incluindo a equipe de direção), e sobretudo queriam buscar uma unidade na proposta metodológica. Ao fazermos o diagnóstico para elaborar o plano de ações, levantamos as seguintes necessidades: sinais de desmotivação e desinteresse por um trabalho de qualidade em vários elementos do corpo docente, desagregação entre colegas, falta de unidade na proposta metodológica embora essa proposta estivesse clara para a direção, falta de conhecimento sobre os fundamentos da pedagogia e em especial os da educação infantil, ausência de um documento explicitando o projeto político pedagógico da escola e as ações que orientassem a implementação das mudanças pretendidas. A partir dessa clarificação de necessidades, estabelecemos os seguintes objetivos e temas principais. 1) Em relação ao trabalho dos professores: sensibilizar o grupo de professores para o trabalho, ampliando a consciência profissional e o compromisso com a qualidade do ensino público, propiciar condições para o desenvolvimento do vínculo de confiança entre os participantes com pressuposto básico para o fortalecimento das trocas no grupo, trabalhar a identidade da escola e do grupo, valorizar a contribuição de cada um para o crescimento do grupo numa visão cooperativa do trabalho. 2) Em paralelo foi desenvolvido um trabalho com a direção com os seguintes objetivos: articular a escola ideal e a escola real objetivando chegar na escola
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possível, explicitar a identidade e a vocação da escola, proporcionar a integração da equipe de direção da escola, com a coordenação deste trabalho, ampliar a visão do ser que ensina e aprende, percebendo as suas múltiplas dimensões. Como base temática enfocamos: a comunicação, as várias formas de linguagem, as características das crianças da pré-escola, a função do professor na pré-escola, regras e limites (como, por quê e para que?), a importância do grupo no processo de aprendizagem, a formação do professor, concepções de educação, instrumentos pedagógicos, a função do registro escrito, o processo de alfabetização. O trabalho continuou durante os anos de 99, 2000, com outras pessoas da equipe do Pró Saber e agora em 2001 estão novamente comigo, mas, vou enfocar o ano de 98.
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Ao iniciar o trabalho esclareci o funcionamento da proposta, discriminando o objetivo do encontro, o cronograma, as condições de organização do grupo (que não poderia entrar ou sair pessoas e que a falta de uma modificaria todo o funcionamento do grupo, que era importante terem isso bem claro, expliquei a composição do grupo (no início a direção não estava participando, mas a partir do quinto encontro sentiram necessidade de participar, a questão foi trazida para o grupo que já estava formado e só então a direção foi incluída), a importância da pontualidade e que sempre teríamos uma tarefa complementar para ser realizada durante a semana. Estabeleci com elas uma rotina: a cada encontro no início, era esclarecido para o grupo o tema do encontro ou o objetivo e o foco de observação. Sempre trabalho identificando um foco de observação. Peço a uma das pessoas ou ao grupo todo, variando conforme o que esteja percebendo como necessidade do grupo ou de acordo com meu objetivo para aquele encontro, um foco para ser observado. Todos (ou algumas pessoas) ficam com a tarefa de registrar segundo este foco de observação. Expliquei que sempre de um encontro para o outro haveria o pedido de uma tarefa para ser realizada durante a semana, podendo ser desde o estudo de um texto, até a observação de alguma questão que esteja acontecendo na sala de aula.
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Neste contexto houve uma professora que trouxe a necessidade de pensar sobre as crianças que estavam com uma agressividade muito grande, então dei como tarefa daquela semana que observassem comportamentos identificados como agressividade: registrassem uma situação ocorrida e pensassem uma ação pedagógica para aquela situação, trazendo para o encontro seguinte de forma escrita. Sempre no segundo momento do encontro, nos dedicamos a trabalhar sobre a tarefa que foi pedida para a semana . No terceiro momento do encontro há sempre uma discussão, um debate, um estudo, uma aula expositiva sobre um conteúdo, ou um esclarecimento sobre um conceito que desencadeie o levantamento de novas hipóteses ou de sínteses/conclusões provisórias. O quarto momento é sempre de avaliação, devolvendo-se para o grupo o que foi trabalhado o que foi visto e ao final do encontro coloca-se uma tarefa de casa. Esses são os passos, a rotina do momento de encontro, nem sempre obedecendo essa ordem, às vezes a tarefa de casa pode ser o primeiro momento do dia. Eventualmente são oferecidas palestras, encontros fora do local, oficinas, vídeos, filmes, quando se sente a adequação à necessidade do grupo. Nesta experiência, combinei com o grupo, que a partir do segundo encontro iríamos constituir um caderno de registro (o registro, é um instrumento pedagógico nesta modalidade de trabalho). Isso tinha um objetivo também porque esse grupo estava com muitas questões sobre alfabetização e a construção da escrita. Para termos este caderno de registros pedi que alguma pessoa do grupo ficasse com a responsabilidade de registrar o encontro do dia. No princípio, houve uma resistência enorme, muita dificuldade para escrever e principalmente registrar o que estava acontecendo. Isso foi sendo trabalhado e melhorado na medida em que foram tendo maior confiança no grupo para expor suas “escritas” e ao surgir a finalidade concreta para utilização desse caderno, como por exemplo quando alguém precisava faltar e queria conhecer o que foi trabalhado, no momento em que as diretoras se incorporaram ao grupo, quando precisávamos conferir algum combinado do grupo, etc. Ao perceberem esta aplicação prática, relativa “à memória” do grupo, fizeram um paralelo muito interessante com a funcionalidade da escrita, que era uma questão muito forte
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Crenças e teorias
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para elas. O caderno passou a ter um outro sentido, um lugar especial e esta mudança pude perceber, concretamente, quando encaparam e passaram a ter “carinho” com o caderno acabando-se as “brigas” para decidir quem iria registrar. No início era muito difícil escolher quem iria registrar no caderno, foi feita a conta que em 29 encontros caberia a cada uma, no máximo, duas vezes a tarefa de “escritora do grupo”, assim chegou-se a conclusão que não seria tão penoso, havendo um alívio muito grande. E, o caderno foi entrando com mais facilidade... Ao final do ano fizemos a avaliação final apoiada nesses registros. A partir do que estava escrito no caderno fizeram um documento identificando tudo que haviam trabalhado, os momentos significativos vividos no grupo, os temas aprofundados, as tarefas de casa, os focos de observação, as intervenções e encaminhamentos da coordenação . A tarefa foi proposta da seguinte maneira: xeroquei o caderno e dividi três encontros para cada grupo de três pessoas. O material ficou muito rico. Trouxe, como exemplo, só os temas trabalhados, da forma como elencaram: Clarificação dos objetivos do trabalho; Identidade do grupo; Importância de cada um no grupo; Estabelecimento do vínculo de confiança; Observação enquanto instrumento do educador; O que e como conservar; A importância da troca no grupo para a construção do conhecimento; Linguagem (formas de comunicação, registros escritos nas várias formas); O processo de alfabetização; Objetivos e atividades de expressão oral na educação infantil; Agressividade; Afetividade; Registro enquanto memória do grupo; Papel do professor na construção de valores; A importância do lúdico para o desenvolvimento saudável; O lugar da fantasia e da realidade no desenvolvimento infantil; Regras e limites;
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As regras na construção da autonomia; O conceito de liberdade; O erro construtivo; O desenvolvimento da moral; O desenvolvimento intelectual; O período simbólico; Os conflitos como oportunidade para o desenvolvimento das relações. No relatório final escreveram: “no início estávamos com um certo receio, isto é, medo e errar mas aos poucos fomos percebendo que os passos eram nossos, e que todas têm falhas, dúvidas e ansiedades e que estávamos ali para trocar e aprender”. “Eu me senti muito feliz pois há muito tempo eu sentia necessidade de me juntar à outras professoras e trocar idéias e tirar dúvidas, eu achei que o nosso relacionamento melhorou muito, estávamos sem medo de colocar as dúvidas, sem medo de errar”. “No momento em que há chances de refletir e de avaliar, a mudança ocorre de forma gradativa”. “Cada encontro me permitiu rever posições e inventar uma nova forma de trabalhar”. “O texto sobre autonomia foi bem trabalhado, foram vários encontros e proporcionou momentos de questionamento e discussões, o que consequentemente causou modificações na minha prática diária”. “O que me pareceu muito importante nesses encontros foi o surgimento de uma preocupação em repensar nossos objetivos e os interesses das nossas crianças, estamos todos cheios de idéias para o próximo ano, precisamos continuar estudando e trocando novas experiências”. Então, foi isso, obrigada.
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Aprendizagem na escola
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Debate Observação: instrumento para avaliar os resultados de um trabalho
Qual instrumento você utiliza para avaliar os resultados de um trabalho? O que basicamente utilizamos é a observação. Durante os encontros, a partir de um foco de observação, encaminhamos uma questão. Pede-se que a questão observada seja registrada. Isso não é tão simples assim, porque no início as pessoas não fazem registros escritos. Isso é uma construção. Avalia-se, também, a forma como a pessoa traz a sua reflexão sobre a questão. O que se devolve são resignificações de conceitos, são intervenções no sentido de solicitar que busquem melhor a informação e, às vezes, trabalha-se até uma avaliação a partir das devoluções do próprio grupo. Uma outra pessoa do próprio grupo apresenta a mesma questão de uma outra maneira, e nesse confronto, é feita uma avaliação. Há oportunidade de se perceber a mesma questão sob vários pontos de vista. Não há um certo ou um errado. A nossa intenção é sempre identificar em que momento a pessoa está e o que ainda necessita. É mais dirigida no sentido de levantar necessidades e faltas do que dizer se está certo ou errado. Os registros escritos também oferecem possibilidade de se levantar diversas hipóteses, sempre com a finalidade de buscar identificar o que o professor está precisando. Várias coisas da comunicação me provocaram hoje, dentre elas, a questão da construção, que me remeteu a uma colocação de Dom Filippo. Ele disse que educar é ajudar a pessoa a descobrir suas exigências verdadeiras. Gostaria que você comparasse isso com a construção.
Construção dos conteúdos escolares
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É isso mesmo. Essa construção se dá quando o indivíduo sente falta, sente necessidade de algo a mais e aí surge uma pulsão, energia de busca, um desejo. O desejo de conhecer vai se estabelecendo na pessoa, nessa relação com a realidade, com o mundo. Isso se dá pelos desafios que o objeto (que está fora) pode desencadear no
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sujeito. Você trouxe uma questão da qual se falou ontem, voltada para a construção da pessoa enquanto ser humano, e nós estamos falando da construção de conhecimento, dos conteúdos e domínio de conhecimentos que desenvolvemos na escola. Quando Dom Filippo falou, ele trouxe o aspecto da construção do ser, e quando nós falamos da escola, enfocamos a construção dos conteúdos escolares específicos. Embora a maioria de vocês esteja trabalhando na Educação Infantil, devem estar ouvindo os professores de alunos mais velhos dizerem constantemente que não sabem o que fazer, pois os alunos não querem aprender, não querem mais estudar. Na verdade, esses alunos estão precisando de alguém que desperte neles a falta, a necessidade de conhecer, para que o desejo de aprender caminhe na direção das questões que são importantes para o crescimento humano. O mesmo aluno, que o professor diz não querer aprender as questões da escola, quer aprender outras coisas que a sociedade está oferece. Essas outras coisas estão entrando nos espaços que a escola não está preenchendo. Quando falamos dessas questões, temos que estar pensando no nosso ofício, no ofício do professor. Porque o educador que está na escola tem que dar conta desse aprender, objetivamente ligado às questões de domínio escolar e dos desafios que hoje se impõem ao exercício do nosso ofício. E, a construção deste “novo” educador também se dá desta maneira, trabalhando-se sobre as faltas e necessidades, despertando nesse professor a vontade de estudar, de aprender, de se constituir cada vez melhor. Eu gostaria que você falasse um pouco sobre a função social da leitura e da escrita como estímulo para o aprendizado na Educação Infantil. Antes de falar sobre a função social da leitura e da escrita, temos que falar um pouco sobre a função social da linguagem. Falar de linguagem de uma maneira mais ampla. Linguagem enquanto meio de comunicação. A Educação Infantil é o “lugar” por excelência onde podemos despertar na criança a importância de se comunicar, seja através da escrita, seja através de outras formas. Há uma grande possibilidade que, às vezes, deixamos escapar, que é o exercício da fala. Antes da questão funcional da leitura
Função social da linguagem
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e da escrita, essa criança precisa trabalhar a funcionalidade da comunicação via linguagem oral. Quando se valoriza as formas de expressão, naturalmente a escrita vai se incorporando. Há crianças que às vezes não têm em casa essa valorização da fala e da escrita. Cabe à escola propiciar situações onde esta valorização apareça de forma funcional, através de necessidades reais, como por exemplo, precisar enviar um recado para a família. Algo bastante simples, que acontece com freqüência no nosso cotidiano escolar. Quase sempre esses recados vêm prontos, escritos por uma coordenação que entrega o bilhete para as crianças na hora da saída. Perdemos uma grande oportunidade que é a de mostrar que ali tem algo escrito, algo que podemos transmitir oralmente, mas que existe uma outra forma de comunicar, que é pela escrita. Ou ainda, construir o texto junto com a criança e a própria escrever, aproveitando a oportunidade de ler para a criança, mostrando que ela vai levar um recado para a sua mãe comunicando que no dia seguinte haverá reunião de pais. São pequenas coisas que trabalham a questão da comunicação, que vem muito antes da formalização da leitura e da escrita. É interessante perceber como fazemos um corte, como se a leitura e a escrita não fossem construção do ser humano, uma decorrência natural da nossa vida. Fazemos como se fosse algo muito especial. Formalizamos de tal maneira que se perde a naturalidade e a funcionalidade deixa de existir. Precisamos ficar atentos para perceber em que situações isso pode acontecer. A pequenininha quando leva o recado para casa, quando leva o papel escrito, precisa saber qual é o significado daquele papel, e quando isto é respeitado, a criança é capaz de entender perfeitamente. Sabe que no dia seguinte ou na semana seguinte vai haver uma reunião de pais, que é importante avisar aos pais e às mães que precisarão estar na escola. Então, aqui tem um recado escrito! Isso faz sentido, é contextualizado, é significativo, está dentro de uma proposta de funcionalidade da escrita. Hoje em dia, a função do educar parece estar só nas mãos do educador. A família lavou as mãos. Como podemos enfrentar essa situação e estabelecer os limites? Limites e regras
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Esse realmente é um tema muito forte. Ficamos meio perdidos nessa sociedade de hoje, onde parece que os desafios estão piores. Se formos pensar bem
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realisticamente, temos que entender que o papel do educador hoje é incorporar as questões que estão permeando a sociedade e entender que a família também não está dando conta. Não tenho uma receita de como trabalhar essas questões. Posso falar de algumas experiências que tive, como por exemplo, o trabalho realizado com o grupo de professores de uma escola pública, em 1998. Havia uma queixa fortíssima em relação à questão de limites, regras e as professoras perguntavam muito “o que fazer com a criança agressiva, difícil na sala?”. A forma como conseguimos trabalhar esse assunto foi trazendo o tema para a experiência delas, enquanto professoras. Realizamos uma reflexão bastante aprofundada sobre regras e limites da escola, regras e limites que perpassavam a vida daquelas pessoas e, na medida em que o tema prosseguia, íamos, paralelamente, estudando a construção da moral da criança como base para entender a questão do respeito, dos limites, das regras. Pudemos entender como os adultos lidam com essas questões e como a escola (delas), enquanto instituição se relacionava com as regras, como estabelecia seus limites. Enfim, foi todo um movimento de compreensão e de entendimento desse conhecimento. Na verdade, não saberia lhe dizer o que fazer para trabalhar limites em uma escola, precisaria estar junto pensando: que escola é essa? quem são essas pessoas? como lidam com as regras? quais são os códigos que perpassam essa instituição? Sabemos que algumas coisas são estabelecidas como regras, mas, o que faz funcionar são os códigos que estão latentes. As pessoas funcionam a partir de acordos estabelecidos, às vezes, não ditos. O mesmo pode acontecer na sala de aula. São estabelecidas regras com as crianças, mas o que funciona mesmo são os códigos não ditos. Crenças e teorias, fale um pouco mais disso. Podemos escolher as teorias, temos vários autores, vários cientistas, vários pensadores que nos oferecem um cabedal de informações, de visões. Mas o ser humano, ao relacionar-se com o mundo, querendo ou não, transmite sua crença. Uma
Crenças e teorias
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crença que vem lá do fundo do coração, que não é ditada pela teoria. Escolhemos a teoria a partir dessas nossas crenças, então vamos buscar o que nos interessa. Se acredito que o homem já vem pronto, que não tenho nada a fazer a não ser simplesmente treiná-lo para desenvolver suas tendências, suas habilidades, vou buscar teorias para fortalecer esta minha visão. A forma como entendo o mundo me “empurra” na direção de uma teoria que possa justificar a minha ação. Essa forma de entender o mundo vem a reboque de uma sabedoria que não está ligada ao conhecimento formal, está ligada a tudo isso que Dom Filippo falounos ontem, tão bem. Temos na nossa essência a possibilidade de refletir, de querer nos entender enquanto pessoas e essa possibilidade nos dá a condição de fazer escolhas. A crença está por trás, é a forma como vemos o mundo. À medida que vamos nos desenvolvendo, vamos nos relacionando, vamos adquirindo uma forma para explicar o mundo. Vamos criando nossos recursos e criando esses recursos, vamos em busca de algo que nos ilumine, que nos permita tomar posse da nossa prática. É um processo que vai se desenvolvendo em cada ser humano, com as condições que vamos adquirindo ao longo da vida, pela nossa possibilidade de reflexão. Todo ser humano busca explicações e se pergunta: quem sou eu? para onde eu vou? o que eu quero? Essas perguntas não são exclusivas de quem está em uma academia, essas perguntas são de todos os seres humanos, surgindo daí a crença. Trabalho no reforço do Centro Alvorada, em BH, onde existem crianças de 9 a 14 anos que ainda não são alfabetizadas, e dentro das próprias escolas há profissionais que dizem desistir desse trabalho. Como ocorre essa contradição tão grande? Aprendizagem na escola
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Essas mesmas crianças aprendem muita coisa na vida, no mundo fora da escola, só não aprendem as coisas da escola. Concorda comigo? Podem não aprender aquelas coisas que nós valorizamos, mas na vida elas estão vivendo e aprendendo, porque viver é aprender o tempo todo.
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De que forma a escola está entendendo esse aprender? A escola diz que a criança não aprende, e quando ela está lá fora, aprende até a traficar drogas de uma maneira muito sofisticada, que ninguém consegue pegar, polícia nenhuma consegue pegar. Então, ela aprende coisas muito sofisticadas, não está conseguindo é aprender na escola. Será que o problema não está na escola? Em saber despertar nessa criança o desejo de aprender as coisas que nós valorizamos? Saber dar significado a essas coisas? Um menino que aprende na rua desenvolve várias habilidades e competências. Aprende e aplica estes “conhecimentos” em várias situações de vida (fora da escola). Na escola trabalhamos com conteúdos, com domínios de linguagem, de história e de geografia que ele não vê aplicado em lugar nenhum. Estuda a História do Brasil e não sabe a história da favela onde mora. Como este aluno vai se interessar em estudar a História do Brasil se ainda não construiu o conceito de país? Nós nos iludimos dizendo que a criança não está conseguindo aprender por falta de condições suas. Na verdade, estamos falando com ela uma linguagem que não tem significado. Quando me refiro às bases temáticas para a organização de um programa de ensino, significa que precisamos trabalhar a partir de temas significativos no contexto de vida destas crianças. Não estou dizendo que não se deva ensinar a ler bem, a escrever bem, a contar bem. Estou dizendo que isso tem que estar aplicado com um significado no presente momento. Aprender a fazer contas para resolver um problema da vida, que surge naturalmente no nosso cotidiano, e não para resolver aqueles problemas criados artificialmente pelos professores. Tenho certeza de que essas crianças ditas “que não aprendem na escola” estão desmotivadas e motivação é algo intrínseco, que vem de dentro. Como nós não estamos conseguindo trabalhar os domínios escolares a partir das necessidades dessas crianças, devolvemos para elas dizendo que elas não têm condições de aprender. Claro que são crianças! Estas crianças, de um modo geral, vivem numa adversidade muito grande, vivem no meio da violência. São condições muito complicadas, mas elas têm a possibilidade de aprender como todo ser humano. Ao invés de ficarmos preocupados com didática de ensino de Matemática, Ciências, Geografia e História, precisamos descobrir como mobilizar nessas crianças a vontade, o desejo de aprender aquilo que lhes queremos ensinar.
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Temos uma experiência que é o projeto de uma rádio que foi desenvolvido numa classe de aceleração de um CIEP. Uma turma formada por crianças que estavam no final do curso e não conseguiam o desenvolvimento esperado. Eram considerados os difíceis da escola. Com idade bastante avançada, indisciplinadas, e perturbavam o tempo todo. Desenvolvemos um projeto para criar uma rádio na internet, onde as crianças teriam que construir os programas. Ao mesmo tempo que estivessem construindo o programa, poderiam “ver” o programa acontecendo. A mudança do grupo foi impressionante. Crianças que fugiam da sala o tempo todo ficavam na porta esperando a hora do trabalho, porque queriam gravar no computador a entrevista que tinham feito com um funcionário. Quando souberam que o programa poderia ser ouvido no mundo inteiro, que até um menino japonês poderia ter acesso àquele programa de rádio que estavam criando, se sentiram altamente valorizadas. Houve uma mudança muito grande na atitude, na organização do grupo e um evidente esforço para escrever os textos que seriam gravados. Precisavam estar atentos para observar a gradação das ondas sonoras de forma que pudessem ouvir bem, medir a intensidade do barulho (das interferências). Coisas que diríamos ser bastante sofisticadas foram de grande interesse para esses alunos. Uma outra forma de atingir as crianças é valorizar projetos que tenham um produto. Não adianta dizer que eles estão estudando hoje para aplicar depois, quando forem trabalhar em uma empresa ou em uma indústria. Precisam “ver” imediatamente aplicado aquilo que estão estudando. Desenvolvemos também uma horta escolar, onde as crianças plantavam, colhiam, observavam, tendo claro os objetivos: “o que é que nós vamos plantar? por que decidimos fazer uma feira para vender temperos? para adquirir o quê?”. Vários procedimentos como escolher o espaço para a horta, criar canteiros, encher com terra, ver a transformação do local, trabalhar o conceito de transformação do Meio Ambiente (que é um conteúdo escolar difícil de ser compreendido), fazer contas para se obter a medida dos canteiros. É claro que nós não dissemos para eles que queríamos trabalhar o conteúdo da Matemática, mas para resolver quantos canteiros caberiam naquele espaço, eles tiveram que fazer as contas, calcularam quantos tijolos seriam necessários, fizeram estimativas, enfim todo um trabalho aplicando o conteúdo escolar. Mesmo as crianças que tinham grandes dificuldades de aprendizagem se interessaram (até tomavam conta da horta na hora do recreio para as outras crianças não mexerem). Desta forma, conseguimos dar significado ao conteúdo ensinado.
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O que eu sinto é que a gente trabalha tudo isso, a gente vê na criança essa capacidade, mas quando ela chega na escola alguns profissionais dizem que desistem daquela criança. É por isso que eu acredito também que para se fazer esse tipo de movimento, deve-se estar junto da escola, porque não dá para trabalhar essas questões colocando fora o aspecto escolar propriamente dito. Tenho questionado muito sobre a questão do reforço escolar. Quando oferecemos uma “escola paralela”, estamos dizendo que a escola fracassou. Precisamos pensar como intervir dentro do ambiente da escola..seja até ampliando o horário escolar, mas em estreita parceria. Respeito as experiências que estão voltadas para esse tipo de trabalho, que é oferecer outras atividades em um horário alternativo da escola, mas acho que precisamos ter muito cuidado com isso...
Colaboração com a escola
... eu não estou dizendo escola, mas alguns profissionais... Mas estou querendo trazer isso para a escola, porque acho que isso que você está falando diz respeito à escola como um todo. Uma questão que me provocou é que todo fracasso da criança é jogado no profissional, ninguém fala da instituição, ninguém fala da direção, ninguém fala do sistema do Estado, é muito fácil jogar o problema naquele profissional que tem muitos problemas, que é um ser humano. Esse problema é muito sério porque isentamos o Estado, a instituição... Ótimo você ter apontado essa questão porque corremos esse risco mesmo, de colocar nos professores toda essa dificuldade em que a escola hoje se encontra. Até algum tempo atrás, a função da escola era única e exclusiva de transmitir conhecimento. Hoje, sabemos que não é só isto. A sociedade espera que se atenda outras necessidades. Temos que dar conta inclusive de questões da organização familiar. Fico também muito aflita com essa questão de estar colocando as coisas como se o professor tivesse que dar conta disso sozinho, ele não tem que dar conta
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sozinho. Estive trabalhando o grupo dos administradores e senti como o peso também é muito forte neste grupo. Quem está ajudando essas pessoas que estão gerenciando as instituições a encontrar novos caminhos? Não dá para parar o movimento escolar para repensar toda a nossa função. Ao mesmo tempo que temos que dar conta da sala de aula, do aluno, temos também que estar apoiando o grupo que gerencia as instituições. E, isso tem qu e ser feito baseado numa mesma forma e crença.
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Eu trabalho na creche Cantinho da Natureza, coordenada pela diretora Paola e que está tendo uma assessoria muito boa do Pró-Saber que é passado pela Heloísa, ela é uma ótima pessoa. E a chegada dela na creche deu uma boa avançada porque ultimamente a gente estava muito dirigida por uma teoria antiga, a gente estava sendo lideradas por livros e fazendo, o que o Dom Filippo falou ontem, repetindo muito e também errando bastante. Com a chegada dela a gente teve a oportunidade para repensar e, como foi falado ontem, educar significa suscitar o desejo pela liberdade, pensar com sua própria cabeça. Ela iniciou o trabalho com a gente no início do ano passado e no final do ano ela pediu que nós fizéssemos uma avaliação do trabalho que ela tinha feito com a gente e nós e deu como exemplo uma bula de remédio, com essa bula de remédio ela queria que nós fizéssemos uma avaliação do trabalho feito por ela, e eu fugi à regra, ela pediu uma coisa e eu fiz outra, eu fiz aquilo que eu senti necessidade de fazer, não que eu quisesse ultrapassar aquilo que ela tinha pedido mas eu senti a necessidade de me expressar, de certa forma está ligado àquilo que ela pediu, eu acho que isso aqui é importante para todo mundo, a gente tem que partir de um começo, uma creche, uma instituição é como a construção de uma casa, a gente tem que colocar tijolinho por tijolinho para você conseguir alcançar um certo patamar, e para mim isso foi muito importante e eu fiquei feliz em saber qu e a Paola levou esse papel para um congresso e eu achei gratificante de poder passar o pouco que eu sei para outras pessoas, e eu estou aqui agora tentando passar um pouquinho do que eu sei para vocês.
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Creche “Cantinho da Natureza” Uso adulto e pediátrico: Direção, recreadoras, cozinheiras, auxiliar de serviços gerais, zelador. Componentes: Igual ao ano anterior, porém mais crianças. Informação ao Paciente – Mães: Recreadoras – capacitadas para cuidar, educar, amar, criar e desenvolver trabalhos com crianças. O lugar é seguro e adequado para “todos”. Prazo de Validade: Crianças: 01 ano e meio a 04 anos. Funcionários: tempo indeterminado. Trouxe remédio sem conhecimento do seu médico: “Mãe, só medicamos com receitas”. Informação Técnica: A Creche “Cantinho da Natureza” é uma combinação de: cumplicidade, afeto, carinho e responsabilidade com menores carentes, a fim de dar uma formação geral e um patamar sólido para que estas crianças estejam prontas para encarar o mundo. Reações Adversas: Não se deve: Criar conflito (situação constrangedora) com os responsáveis. Cabe à direção tomar determinadas atitudes; Deixar que as crianças fiquem sujas (cuidar da higiene geral: cabelo, nariz, unha, roupa, fraldas); Deixar as crianças molhadas para não ficarem doentes nem descalças para não se contaminarem com vermes; Faltar com freqüência para não atrapalhar o desenvolvimento do trabalho;
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Deixar as crianças constrangidas ou frustradas com palavras ou brincadeiras. Posologia Adulto: Coragem, força de vontade, uma dose grande de paciência e uma maior ainda de amor, inspiração e criatividade. Posologia Criança: 1ª semana: boa acolhida para adaptação. 2ª semana: muito choro, dúvidas, insegurança e tristeza por se sentir abandonada. Desenvolver a linguagem, socialização, audição, visão e coordenação. Indicação: Para as mães é um lugar acolhedor e seguro para os seus filhos. Para as crianças é um lugar para ampliar seus conhecimentos e descobrir o mundo fora de casa. A Creche é um espaço onde se pode aprender com segurança, vencer os medos e derrubar barreiras, colocando para fora suas imaginações, defeitos, qualidades e inibição e até apresentar menos agressividade. Há momentos gostosos de risos e alegrias. Com o passar do tempo, esta criança estará totalmente independente, segura e disposta e encarar a vida e vai crescer feliz e forte para enfrentar qualquer situação que tenha que passar com boa dicção, leitura, coordenação e que saiba se expressar ativamente. Crianças idade/doses: 1/2 a 2 = movimento, música, coordenação. 2 a 3 = igual ao primeiro, porém com mais liberdade para se expressar. 3 a 4 = imaginação + criatividade. Coordenação e autonomia. Efeito Colateral: “Cansaço” ao fim do dia, mas contente. 76
Nome: Cláudia Pereira
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Quando você falou do desejo não ficou claro se é o desejo do educador ou o desejo só da criança... Se o educador não tem esse desejo de estudar, de se empenhar, de acertar e de aprender, não tem como oferecer isso para a criança, acho que você compreendeu bem, o desejo tem que estar nos dois, se não está no professor não pode estar no aluno. Para despertar o desejo no aluno este desejo tem que estar dentro de você. E, isto tem que ser uma crença.
O desejo do educador e o desejo da criança
Paola: Também o desejo, como a Claudia falava nessa coisa que ela escreveu, o desejo que a criança se realize como pessoa, não é só o desejo do eu aprender, mas que a criança se realize como ser, então esse desejo me move a mover o desejo da criança. Quando se diz que temos que aprender com o aluno, eu não concordo. Não tenho que aprender com o meu aluno conteúdos que são da especificidade da minha profissão . É na possibilidade de construção do ser humano , no desejo de superação, buscando de ser uma pessoa melhor que me encontro e aprendo com o meu aluno. Meu nome é Cibele eu sou de Belo Horizonte e trabalho na Creche Etelvina Caetano de Jesus. Eu queria só completar o que o Alírio falou, uma coisa que me chamou a atenção, assim como eu acho que chamou de muitas pessoas que trabalham nas creches, é com relação a própria função do reforço, a identidade do reforço escolar. Porque ao meu ver, uma coisa que eu aprendi na creche, que o reforço não tem só a missão de estar cobrindo as deficiências da escola, com relação ao conteúdo escolar, o reforço ele tem também a missão de estar ensinando o educar para se desenvolver plenamente, então o reforço nas creches ele é oferecido dessa forma trabalhar diretamente com a criança depois que ela deixa a creche e estar visando também a família, então eu acho que a função social do reforço, não que ele deveria se extinguir para passar a responsabilidade para a escola, ele tem uma função importantíssima com relação a formação do ser humano. E eu queria perguntar com relação a concepção de educação que privilegia as dimensões da razão da emoção e da
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Educar-se para educar
própria relação interpessoal, eu queria saber como fica o conteúdo escolar com relação a formação de pequenos valores, conteúdo versus formação humana. Escola é um espaço onde as pessoas se encontram com uma finalidade
Vou retomar a primeira questão. Quando você fala do reforço escolar para atender a pessoa na sua dimensão mais inteira, que é a relação dela como a família e com a sociedade, é como se a escola não tivesse que dar conta também dessa visão. Como medida paliativa, como medida para atender a situação que existe hoje nas escolas, acho que tem um lugar. Tanto que tem que estas medidas estão existindo e funcionando. Entretanto, a médio e longo prazo temos que devolver para a escola a função que a escola deve ter que é formar pessoas inteiras, não só transmitir informações e conhecimentos. Adquirir conhecimentos, é possível até mesmo estudando sozinha, lendo um livro, mergulhando na Internet, discutindo com um vizinho que sabe mais. A escola é um espaço onde as crianças, as pessoas se encontram com uma finalidade: ser melhor, aprender para viver melhor, não é só para adquirir informação e conhecimentos. Na minha concepção a escola tem que abarcar toda essa possibilidade do aprender, do ensinar, do educar. Entender a pessoa como um todo. A escola deve cumprir todas essas finalidades. Ao transmitir esses conhecimentos e domínios escolares deve trabalhar atitudes, procedimentos e possibilitar que estes conhecimentos possam reverter para a própria vida. Não é dar um aula de geografia, sobre a hidrografia do Brasil sem se dar conta de que o rio que passa ao nosso lado está todo poluído, todo sujo. As crianças que moram na favela precisam ter consciência da sua importância para manter aquele espaço digno de vida, enquanto agentes sociais. Não adianta estar estudando a organização física do Brasil se não trouxermos para a escola a responsabilidade de ensinar como se portar na vida, na sociedade onde mora. O conteúdo escolar não pode estar desconectado de uma atitude, de uma postura de uma vida, da relação com as outras pessoas. Eu acho que o reforço é também uma oportunidade da escola estar dando as mãos para outras instituições que também tem essa função...
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Concordo plenamente, sou uma lutadora para que estas iniciativas sejam em parceria. Acredito na possibilidade dos esforços se juntarem para que as coisas possam acontecer de uma forma mais efetiva.
Formação de Educadores
Heloísa Gissoni
Gostaria que todas as escolas pudess em pensar sobre essas questões como estamos fazendo aqui. Paola: eu queria dizer uma coisa que eu fiquei muito marcada no trabalho desses dois dias porque eu levo para casa ainda mais a certeza de que a gente tem que trabalhar e encontrar, e inventar momentos dentro do nosso trabalho, que são momentos de trabalho onde a gente coloque em discussão ou repense o trabalho como hoje a Heloísa explicou, de um jeito sistemático. Porque normalmente na nossa mentalidade é como se esses momentos não fossem momentos de trabalho, ao invés o nosso tipo de trabalho como educador nós precisamos ser educados, é uma necessidade que eu sinto muito forte desses momentos nos quais a gente olha para o nosso trabalho, discute e repense o trabalho. Essa é a coisa que eu mais agradeço você e Dom Filippo por ter suscitado em mim essa necessidade de inventar momentos assim. Como o tempo está se esgotando, gostaria de me despedir de vocês. Mas, em especial, gostaria de agradecer. Quero agradecer a oportunidade que me propiciaram para repensar e acrescentar muitas coisas ao meu modo de ver, a oportunidade de conhecer um grupo de pessoas muito sérias que estão nessa caminhada para que, juntos nessa busca, possamos melhorar a educação, pensando no crescimento do ser humano como um todo. Muito obrigada pela oportunidade e pela confiança que depositaram em mim. Luisa: nós acreditamos que esse foi o primeiro momento do nosso trabalho, o primeiro juntos pois nós já fizemos um longo caminho que nos levou até aqui, até a necessidade de compartilhar o nosso método, de refletir mais, de ver o que nós precisamos, porque a nossa experiência, dentro das obras educativas que nós estamos, se fortalece, seja uma oportunidade não só para nós mas para as pessoas que nós encontramos para a sociedade de hoje.
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