Elogio à Poesia - Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

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CONCURSO AGOSTINHO GOMES - 20 ANOS DE POEMAS

ELOGIO À POESIA

FICHA TÉCNICA Edição e propriedade Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis Coordenação editorial e redatorial Biblioteca Municipal Ferreira de Castro Composição gráfica Gabinete de Comunicação Ilustração António Alves Impressão Sersilito - Empresa Gráfica, Lda. Tiragem 500 Exemplares ISBN 978-989-8677-12-9 Depósito Legal



CONCURSO AGOSTINHO GOMES - 20 ANOS DE POEMAS

ELOGIO À POESIA


Elogio Ă Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas


Sumário

SUMÁRIO Prefácio 4 Agradecimentos 6 Evocação de Agostinho Gomes (1918 -1998) por Abel Couto

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O Valor da Obra Inédita - O Legado de Agostinho Bento Gomes por Maria Luísa Castro

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Recordando Agostinho Gomes por Joaquim Devesas

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Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

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Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

PREFÁCIO Neste ano, 2019, o Concurso de Poesia Agostinho Gomes atinge a sua 20ª edição. Comemorar 20 anos do concurso é comemorar a afirmação do seu grande desígnio: conhecer o poeta, divulgar a sua obra, contribuir para a afirmação de novos poemas e por consequência de novos poetas. Como forma de assinalar esta data emblemática, a câmara municipal, como parceira deste concurso, decidiu editar um livro composto essencialmente pelas poesias premiadas ao longo destes 20 anos. Digo essencialmente porque, no primeiro capitulo do livro, memorizamos um olhar de amigos e família sobre o poeta e a sua obra.

Depois segue-se a publicação das poesias premiadas ao longo destes 20 anos. Num só livro seremos transportados para uma experiência nova de leitura, na medida em que num só livro encontramos setenta e oito poemas, escritos por setenta e oito autores, todos com um olhar diferente sobre a vida e o mundo. Terminamos convictos que muitas outras edições do concurso irão acontecer e com elas novos poemas e novos poetas. A todos os que tornaram esta edição uma realidade, o nosso obrigada. Ana Jesus Vereadora da Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis

A capa é uma das ilustrações, constantes do livro de Agostinho Gomes “Canas ao Vento e Canções do Mal-Amado”, que faz parte de um conjunto de 25, oferecidas à biblioteca, do pintor António Alves e expostas no espaço Agostinho Gomes, na nossa biblioteca.

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Prefácio

Oliveira de Azeméis orgulha-se de ter um punhado de figuras incontornáveis nas artes e na cultura. Dessa lista sobressai o escritor Agostinho Gomes, personalidade oliveirense ligada ao estudo e à divulgação da cultura portuguesa. O seu valor intelectual, a sua dedicação às questões culturais e o seu exemplo de vida estão na base da criação, em 2000, do Concurso Nacional de Poesia Agostinho Gomes. A decisão foi um ato de justiça e a melhor forma de homenagearmos essa figura estimulando o aparecimento de valores literários. Esta publicação pretende projetar os poemas premiados durante as 20 edições do concurso e reconhecer publicamente o percurso literário e a vasta obra de Agostinho Gomes constituída por 11 obras poéticas, livros de ficção e seis ensaios, apresentados em comunicações em Portugal e em vários países da Europa. O poeta natural de Cucujães faz parte da memória e do património literário de Oliveira de Azeméis, subsidiada pela doação de espólio feita pela família do escritor oliveirense ao município. Além do legado literário do poeta e do amor à sua profissão, os oliveirenses têm em Agostinho Gomes a expressão de valores inestimáveis e um importante testemunho de vida. São esses valores e a importância da sua obra que queremos perpetuar e fazer chegar às novas gerações. Este livro enquadra esse objetivo. Joaquim Jorge Ferreira Presidente da Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis

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Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

Aconteceu o teste de Português e a menina quando chega a casa mostra o seu trabalho... é que a parte final relativa à composição era um soneto que tinha sido construído na aula... foi motivo de orgulho e de novo um desafio para a avó que quis que o poema se não perdesse... E assim é a vida que através da memória nos retorna ao passado com Amor. Singela homenagem à Vovó Dita* 2001 * Ilda Gomes Bento Fraga, esposa do Poeta e Vovô Agostinho Gomes

A Palavra Com palavras se estuda, se vive e se sente Com palavras se fica triste, outras vezes contente. Com palavras se libertam as emoções, Se entusiasma, ama… se odeia e destroem corações. Com as palavras se estabelece a paz… …se iniciam as guerras. É aliança, a indiferença, a agressividade. É a humilhação, o ressentimento… a felicidade. Com as palavras mostramos quem fomos. Quem somos e quem seremos. É a força das palavras que nos faz sonhar!

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Agradecimentos

Ilda Bento Gomes Filha de Agostinho Gomes

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EVOCAÇÃO DE

AGOSTINHO GOMES (1918 -1998) Abel Couto

Ermelinda Couto (colaboração) 8


Evocação de Agostinho Gomes (1918 -1998) por Abel Couto

O polígrafo, o docente, o amigo

concelho de Oliveira de Azeméis.

Falar de um autor prolífero que se passeou como senhor pelos

Frequenta a Escola Primária do Picoto, (espaço mais tarde recordado

terrenos da Poesia, da Ficção, do Ensaio, da Tradução não é tarefa fácil, tendo em conta a riqueza da mensagem e o rigor e a fina subtileza da forma plurissemântica na sua força visual e auditiva.

no conto “Acha do Natal”, do livro “Um Rio Separa os Homens”).

Recordar o Dr. Agostinho Gomes é rever com saudade o Escritor, o Amigo leal, o Conselheiro avisado, o Pedagogo experiente e sabedor. Valores de que ele era o autêntico ECCE HOMO. Assim, nós, seus amigos e admiradores, sentados em redor da Távola Redonda, parafraseamos os poetas da Lapa dos Esteios, dizendo: Sobre as asas da Poesia Aqui nos trouxe a Amizade. A poesia de Agostinho Gomes triunfou sem muletas académicas, sem guardas, sem amparos. Em jeito camoniano, diremos – vai fermosa e bem segura. Antes de alguns dados biobibliográficos, peço licença para referir o meu privilégio de ter privado com o Dr. Agostinho Gomes na então Escola Secundária n.º 2 de V. N. de Gaia. Recordo com saudade as breves tertúlias que o saudoso companheiro, o Dr. José António Sampaio, e eu mantínhamos com ele, a propósito de situações linguísticas francesas (éramos os três de Românicas). E tudo se esclarecia com tão alegre quão enigmático grito do Ça gaze! E a garrafeira do Dr. Agostinho Gomes? Néctar como o dele nem o dos banquetes do Olimpo! Passemos a um breve retrato biobibliográfico de Agostinho Gomes: Nasce em 7 de Janeiro de 1918 na aldeia de Couto de Cucujães,

Faz os estudos secundários no Colégio Singeverga, no Colégio de Oliveira de Azeméis e no Colégio de Coimbra. Em Coimbra, frequenta a Faculdade de Letras, onde se licencia em Filologia Românica. Nesse período, já fazem eco as suas qualidades de escritor, em crónicas, contos e poesia. Toma aí contacto com nomes de escritores ligados ao Neo-realismo. O seu primeiro livro, “Da Minha Saudade”, publicado aos 22 anos, consagra-o já, no meio coimbrão, como figura intelectual de prestígio. Segue depois as etapas habituais da carreira docente: professor eventual, estagiário, efetivo (quadro do Liceu de Leiria). Mas vai mais longe: é Leitor de Literatura Portuguesa em Estrasburgo (5 anos) e em Bordéus (2 anos). Regressa a Portugal e continua a sua docência no Liceu de Oeiras, no Alexandre Herculano do Porto, e na Escola Secundária n.º 2 de V. N. de Gaia, onde permanece até à sua aposentação, em 1988. A suas qualidades docentes também o levaram a lecionar no Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP). Dos belos tempos de Coimbra vem o seu relacionamento com Ilda Gomes Bento Fraga com quem vem a casar, em 1946, na Sé Catedral de Viseu. Desta união nascem os filhos: Agostinho Bento Gomes, (em 22 de Julho de 1952), licenciado em Românicas, nosso colega na Escola Secundária Almeida Garrett, e grande amigo, arrebatado já do nosso convívio, (em 11 de Julho de 2011).

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A 7 de Setembro de 1953, nasce a filha Ilda da Conceição Bento Gomes, licenciada em Pintura pela Escola Superior de Belas Artes do Porto. O Dr. Agostinho Gomes consegue, com mestria, conciliar a sua vida de exemplar docente com a intensa atividade literária. Mas a vida esgota-se-lhe. Vítima de ataque cardíaco, aos 80 anos, deixou-nos para sempre, em 11 de Julho de 1998. Mas ficou entre nós uma extensa lista de trabalhos, diversificados, que perpetuam a sua memória. Recordaremos então o Polígrafo: 1 – O Poeta: 1940 - …Da Minha Saudade 1945 – Ladeira (2.ª edição 1964) 1957 – Música do Silêncio

1963 – Terra Abandonada (11 contos) 1998 – Vendedores de Pedras (9 contos) – edição póstuma da Câmara de Gaia 3 – O ensaísta: - O Universo Poético de Alexandre Herculano; - Ferreira de Castro – O Homem; - Quando um Rio é Memória; - A Moderna Poesia Brasileira; - Os Descobrimentos e a Arte Portuguesa do séc. XVI. 4 – O tradutor: - Contos de C. F. Ramuz e de Guy de Maupassant. 5 – Colaborador assíduo na vária imprensa da época: crónicas, críticas literárias.

1968 – A Sombra dos Dias 1994 – Galiza, Minha Ternura Publicações póstumas: 2008 – Janela - e Rua e Mar ao Fundo 2009 – Criança, Meu Amor Sempre 2010 – Quando a Poesia é Visita 2011 – Canas ao Vento e Canções do Mal-Amado 2013 – Paisagem sem Cantora 2 – O prosador: 1957 – Um Rio Separa os Homens (18 contos)

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Agostinho Gomes, ainda estudante de Românicas, em Coimbra, dá sinais de dotes para crónicas e contos publicados na imprensa regional: Opinião – Oliveira de Azeméis; Diário de Coimbra; Correio do Minho; Correio de Azeméis. É lugar comum dizer-se que os bons sonetistas contam-se pelos dedos. O mesmo será válido para os contistas. Agostinho Gomes tem o dom de surpreender o quantum satis da vivência do homo tragicus e do breve regresso à Idade do Ouro do Jardim da nossa infância. O autor de “Terra Abandonada” escreveu, em jeito de explicação: “quem me conhece sabe a minha adesão ao telúrico: a terra foi-me berço da infância, calejou-me as mãos tenras, embalou e sepultou sonhos dos que me são caros pelo sangue e pelo coração”.


Evocação de Agostinho Gomes (1918 -1998) por Abel Couto

Dos três livros de contos já referidos, saliento dois contos de “Um Rio Separa os Homens”: “Acha de Natal e “Um Rio Separa os Homens”, conto que serve de título ao volume. O Poeta Algumas linhas de força político-culturais ajudam a um melhor entendimento da obra de Agostinho Gomes: – as duas Grandes Guerras;

Em 1940, o Jornal “Notícias de Évora” anuncia a publicação do livro de poemas – “… Da Minha Saudade” - “do poeta conimbricense Agostinho Gomes”. Tinha o autor 22 anos e a vivência de uma Coimbra aberta a todas as experiências culturais. Não são de estranhar ainda ecos de grandes nomes da nossa poesia como: Cesário Verde, António Nobre, José Régio, Teixeira de Pascoais, entre outros. Podemos observar com Agostinho Gomes, da “janela” de Cesário Verde, a passagem dos condenados à vida que percorrem o poema Via Dolorosa:

- o 1.º e o 2.º Modernismo (Grupo da Presença);

Vejo-os passar a minha porta…

- o saudosismo de Teixeira de Pascoais (viver do passado pela Lembrança; viver do Futuro pela Esperança;

Fatos de ganga, esburacados,

– o Neo-Realismo (que esteve mais ao serviço de ideologias do que na luta pela Dignidade do Homem).

rotas, nos pés…

grandes tamancas

O Poeta temia a adesão a um compromisso. O peso de uma “bandeira” pode trair a intemporalidade, delir o halo do mistério inerente à poesia, despojá-la da encantação do símbolo do universo da sugestão.

Lançam às coisas, consternados,

Como escreveu Joaquim Devesas, Agostinho Gomes é Homem da Veritas, não da Vanitas.

dum condenado

Homem de estudo, de reflexão e de viagem no tempo e no espaço, soube resguardar a sua independência em relação a rivalidades de escolas literárias, a grandes vaidades de pequenos homens, mas sempre voz sonora na denúncia do sofrimento do mundo. A poesia de Agostinho Gomes é um protesto corajoso contra todas as Hieroshimas e todos os Goulags, que são a lepra da Condição Humana. Por isso, é voz incómoda, sobretudo a quem tem medo de pensar…

uns olhos longos, tristes, magoados, como se fossem de um embarcado,

às galés… E o vento frio, o vento algente, glacial, como punhal percuciente, passa-lh’as roupas rotas e leves, fere-os nos ossos duramente.

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Mas seguem…

Estreitada a mim,

…seguem

não vá perder o meu tesoiro

E as suas mãos

A custo conquistado, em estranhas

Nodosas, secas,

Cruentas terras-de-marfim. (…)

Empunham sachos

Poesia, eu levar-te-ei para casa…

E picaretas

E a tudo quanto for

Para arrancar do húmus bruto

Simples, simples e bom,

A erva inculta

Desenterraremos uma canção

Que mal vegeta

Como do fundo dos espaços

E que sepulta

E lírica como o amor.

As pedras toscas das calçadas

Canção imprecisa,

Detendo o esgoto nas valetas… (…)

Que ninguém a palpe!

Em 1945 assistimos ao fim do holocausto que há-de fazer o eterno remorso dos deuses (“mas as crianças, Senhor, porque lhes dais tanta dor, porque padecem assim?”). É deste ano a publicação do segundo livro de poemas de Agostinho Gomes: Ladeira. 1945 é também o ano do reacender da luz do Reino da Beleza que não morre. Então a poesia será o Verbo criador, como nos diz no poema intitulado Promessa:

Que ninguém a veja! Mas que a alma branca Do que é simples e bom A compreenda e sinta… Poesia, ainda:

Poesia,

Eu levar-te-ei para casa…

Eu irei para casa e levar-te-ei…

E que assim seja…

Aconchegada ao seio,

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Canção indefinida,


Evocação de Agostinho Gomes (1918 -1998) por Abel Couto

No seu terceiro livro de poemas, publicado em 1957, Música do Silêncio, a força e a sedução da Esperança cresce, porque bem adubada no sofrimento. Canta-se a música do silêncio que não precisa do timbre de trombetas para derrubar Jericó: Caminheiro, Canta! Na fundura do Tempo, canta! Talvez que em breve, a Lua Varra os medos da noite, Concha aberta p’ra canção – a Tua! Canta o bailado das folhas! O trágico ballet Vai perder-se na Hora… Breve, já não será o que é! Canta a esparsa melodia, O acalanto do mar… Logo serão búzios partidos E corpos de algas a naufragar! Canta o tempo que não é teu, Ido no caudal da Hora… Talvez o próprio amor não persista, Como a flor que o vento deflora! Do fundo de Ti, bem do fundo, alevanta

Um Cântico. Se ninguém o escuta? Embora! Companheiro, canta, canta!... Vinte e dois anos após o fim da 2.ª Grande Guerra, a luz da Esperança perde fulgor. Trágica condição humana! Para conflitos de apocalipse tão curta é a nossa memória! Mas, à semelhança de Sísifo, há que retomar nas mãos a arte de plantar “a árvore da estrada”, como nos exorta, com veemência, o Poeta, num poema do seu livro As Sombras dos Dias, de 1967, intitulado: Em nome de… Em nome da vida, Em nome do Amor, Aceita, planta, cria, Seja onde for. (…) Planta a árvore da estrada Em ninho que aí porão, Aves da madrugada, Aves crepusculares Te ensinarão A simbologia da Canção. (…) Sobretudo Cria música pelo silêncio De baionetas embainhadas, De tambores silenciados

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De corpos sepultos na Paz.

Contudo, o perfume dos frutos,

Em nome da Vida,

picante, ficou-lhe no cerne do corpo.

Da vida no Amor,

- Sua moça, ocê é um perfumão!

Aceita, planta, cria…

E ela fez contas, pegou no dinheiro,

Deixa-te… Deixa-te…

comprou colar de missangas

Seja onde for!

e mirou-se na lisura, toda,

Em 1955, o Professor Agostinho Gomes foi de abalada até S. Tomé participar num júri de exame no liceu local. Da sua estadia aí nasceu o livro Ilha Verde, publicado em 1968. O seu profundo modo de ver paisagens e homens levou-o a cantar estas paragens tão estranhas a europeus, mas tão doces como a canela e a baunilha, como podemos ler neste delicioso poema. Encontro Tudo nela era pequeno, pequeno… - O corpo pequeno, o seio pequeno, O gesto brevemente pequeno… e pequenos também os frutos: canela, baunilha, goiabas, gindungos… Mas o cesto, ânfora de aromas, punha entontecimentos na praça. A moça derramou doçuras de olhos e sorrisos por sobre os frutos. E os frutos foram apetecidos, vendidos…

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do espelhinho de bolso… - Sua moça, ocê é um belezão! E as mãos da moça, baralhadas, desfolhavam um girassol… - Sua moça morenona, eu acompanho ocê! E os córregos silenciaram e havia pássaros em canção e diálogos de buganvílias fragmentários, intermitentes, quando botados à estrada… Passam-se cerca de 30 anos de silêncio poético e só em 1994, quase no fim da vida, vem a público Galiza, Minha Ternura, o último livro de poemas, publicado pelo autor. Melhor que todas as palavras a justificar este livro, são estes versos do poema Oferenda:


Evocação de Agostinho Gomes (1918 -1998) por Abel Couto

“À Galiza de nautas e troveiros de guerreiros, peregrinos de veigas esmeraldinas e Arroios cristalinos. (…) À Galiza que toda se nos irmana na aleluia e na amargura de uma condição humana este desvelo fraterno: Galiza minha ternura”. Se todo o homem é nosso irmão, toda a terra é o nosso lar. Neste volume, há ocasião para, “em gestos irmanados”, saudar Rosalia de Castro, Lorca, Mendinho. Obras póstumas: O Dr. Agostinho Gomes, ao partir, a 11 de Julho de 1998, deixou o seu “baú” repleto de valiosos inéditos. No prefácio de “Canas ao Vento e Canções do Mal-Amado”, Joaquim Devesas, amigo da família e colega de curso de Agostinho Bento Gomes (filho), escreveu: ”o lançamento das várias obras póstumas é fruto de um trabalho lento e nem sempre fácil a que o seu filho homónimo se vem dedicando ao longo dos últimos anos. Quem tem a oportunidade de contactar com os manuscritos do autor aferirá dessa dificuldade, não só pelos suportes físicos utilizados mas, sobretudo, pela caligrafia, só descodificável por quem partilha os mesmos genes”.

Foi, na verdade, graças à dedicação extrema, ao trabalho incansável do filho, Agostinho Bento Gomes, que foi possível fazer ressurgir os inéditos. Bem-haja, Agostinho Gomes (filho), por não ter cometido o pecado da avareza, guardando, para si e para os seus, os textos do seu pai, colocando-os, generosamente, na mesa dos famintos de Poesia. Assim, em 2008, vem a público mais um livro de poesia: - Janela - e Rua e Mar ao Fundo. Agostinho Gomes, no seu dote de vagamundo, adquiriu uma invejável perceção do mundo e da vida. A sua mensagem é tecida de sonhos, de amor, de gestos de ternura, de esperança, humanitarismo, paz, beleza cósmica e música. O poema A ter… abarca tudo isto: A Ter a pureza dos teus olhos, plantava-a no azul de uma flor, como o adulto, cúpido, no corpo da mulher que ama ou simplesmente quer. A ter a disponibilidade dos teus ouvidos enchê-los-ia da 1ª Sinfonia surgida no Universo, após o Faça-se da Criação. A ter a virgindade do teu olfato

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sem sentinelas de náusea, buscaria olências de algas, de maresia para perfumar os becos da meia-verdade. A ter a vossa boca rescendente a mel e pão, pediria piedade aos homens para os meninos da fome. A ter a limpeza das vossas mãos, rasgaria bandeiras de guerra, levaria água às searas, aceitantes… Porque pão.

O acrisolado amor do poeta pela Criança explica a elaboração de um novo livro: Criança, Meu Amor Sempre, publicado só em 2009. Ao carinho e arte da filha do Poeta, Ilda da Conceição Bento Gomes, se devem as lindas ilustrações da capa e dos poemas. Este volume, dedicado aos netos “e a todos os Meninos do Mundo, com Amor”, abre com cenas infantis que nos transportam de imediato à sugestiva Rêverie de Robert Schuman e que nos cativam para outro espaço que não este que nos tolhe de matéria. Agostinho Gomes foi o Homem, foi o Pai, atento, responsável, amoroso; foi o Avô que empunhou o arado da ânsia que abre caminho aos netos e, com eles, a todas as crianças do mundo, rumo ao Paraíso perdido. Em “Criança, Meu Amor Sempre”, ele é ainda a voz que clama pelo amor universal pela criança: Diz, Meu Amor… Diz-lhes que a palavra é (re)conforto, como o pão é pão. E que, piamente poupada, a não deflorem ou conspurquem,

Sobretudo, fabricaria chaves para fechar as portas às misérias, todas, do mundo. E seríamos elemento na Sinfonia do Homem!

no espectro da poluição. Meu Amor, dão-te o teatro, o guinhol, concertos, exposições, parangonas de jornais… Dão-te a alma menina do poeta Walt Disney,

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Evocação de Agostinho Gomes (1918 -1998) por Abel Couto

cinema de diversão.

Esperança

(…)

Mesmo que as bombas rebentem,

Criança,

Aniquilamento de Hiroshimas,

pelo cartaz poetizada,

Dos Vietnames, Abissínias…

- Dia, Ano mundial da Criança! -

Há-de haver sempre, na vida,

Até onde a alma alcança

Manhãs e jardins e flores.

E o repúdio é capaz,

E aves para as cantar.

Diz que não!

E, mesmo que estarrecida,

Diz que, grande ou pequenina,

E diluída no coral da Esperança

a Criança é de sempre,

Eterna, a voz menina.

como de sempre é o Amor! E que a fome é muita e, sempre pungente, a Dor… Di-lo à Rosa dos Ventos, Di-lo, Meu Amor!

Na incansável tarefa de não deixar cair no esquecimento a obra do pai, Agostinho Bento Gomes consegue fazer publicar mais um volume, em 2010: Quando a Poesia é Visita, com ilustrações da capa e do interior de Albuquerque Mendes. O Poeta é o bom semeador: semeia estrelas e o pão da fome e sonhos e violetas. E se tudo cai entre as pedras? Diz a Esperança que haverá sempre manhãs e jardins de flores e aves para as cantar:

No ano seguinte, em 2011, renasce mais um volume: Canas ao Vento e Canções do Mal-Amado. De salientar a feliz ilustração da capa e do interior do livro, pela visão artística do colega e amigo, António Alves. Um livro de Agostinho Gomes é, em jeito de paráfrase pessoana, um precioso e raro fragmento de “um mar de além” que toca ao de leve este “mar de sargaço” em que estamos encharcados e que nos tolhe a asa do nosso voo. Raul Brandão, em “Os Pobres”, escreveu: «O homem enredou-se de tal forma na ambição, no ódio, na guerra que perdeu o sentido da vida – tão simples e tão larga». É na ânsia de encontrar o sentido da vida, por mais paradoxal, por mais absurda que nos pareça, que Agostinho Gomes grita a sua crença no Homem, personagem trágica de uma vida de desgraça, de dor, mas também de sonho, e,

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na sua revolta, chega a clamar por justiça contra “os abortadores de sonhos”, como neste poema: Roubo Roubaram-me as árvores,

miosótis”.

Inda promessa de flor,

Disse um dia alguém da velha Roma: “Já que não nos é dado viver por longo tempo, façamos algo que fique a atestar termos vivido”.

Sem o sabor de fruto. (…)

Grande é o mistério da vida, curta a existência para cantá-la.

Roubaram-me as aves do cedro,

No entanto, Agostinho Gomes, em jeito de balanço, confessa o seu legado no poema Epitáfio:

E as suas canções nostálgicas, Frutos magoados de emoções Como os meus poemas. (…) Senhor, se ainda certeiro o raio da justiça de Tua mão, A todos os abortadores de sonhos, Vibra, Senhor, a Tua maldição! Paisagem sem Cantora, de 2013, é o último livro de poemas de Agostinho Gomes, de publicação póstuma. Já não tivemos o auxílio precioso do filho Agostinho Bento Gomes, tão cedo roubado à nossa amizade. Familiares e amigos se reuniram para resgatar os inéditos manuscritos, nem sempre claramente legíveis, devido, por vezes, à quase enigmática caligrafia. Permito-me salientar aqui o carinho e dedicação ímpar da nora, Luísa Castro, que tem sido incansável na preservação da memória de Agostinho Gomes. A obra de Agostinho Gomes, nomeadamente a poética, é vasta e

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rica, quer pela forma, quer pelo conteúdo. A sua poesia entra como um Sol no palácio do rico e na cabana do pobre, porque toda a Arte e, neste caso concreto, a Poesia “acontece azul e simples como os

Que eu cantei, cantei! Se houve concha de coração Para a canção… Se eu o sei?!.... Cantei o sol, cantei a luz… Cantei Galáxias, astros, Cantei noites, cantei dias, Cantei trevas e aleluias Misérias, almas de rastos. Cantei o que fui ou não fui, o que de nós, no caminho, falha a mão de plasmar, ficou matéria em cadinho. Que eu cantei, cantei… Do mais não sei.


Evocação de Agostinho Gomes (1918 -1998) por Abel Couto

Apesar do seu desejo de “abarcar o mundo e o universal”, no dizer da escritora Rosa Maria Oliveira, Agostinho Gomes tem consciência das limitações humanas, incapazes de atingir o Absoluto. É o que

E a prová-lo, temos a criação do Concurso de Poesia Agostinho Gomes, instituído no ano 2000 pela Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis, através da sua Biblioteca Municipal, em parceria com

nos parece dizer no último poema deste seu último livro, Paisagem sem Cantora:

o pelouro da Cultura da Junta de Freguesia de Cucujães e o Núcleo de Atletismo de Cucujães, que garante que Agostinho Gomes não morrerá!

Poema inacabado Nem o esplendor, todo, do Sol Nem A claridade secreta das estrelas Nem A húmile contidade da água Nem A alegria e intocável vigor do fogo

Esta é, em jeito de memória, a nossa modesta, mas bem sentida, homenagem ao Poeta Agostinho Gomes, que é dono de uma mensagem universal - sólido alicerce da Dignidade Humana. Não curámos de “carpinteirar” um discurso laudatório, capaz de “épater le bourgeois”. Ao poeta Agostinho Gomes basta este dizer bíblico: “Toda a boa árvore dá bom fruto”. Abel Couto e Ermelinda Couto (colaboração)

Nem a opulência e fecundidade da terra Completariam o poema de amor Que eu deixo inacabado. (Nota: “contidade” – regionalismo, conforme o original) Agostinho Gomes pode partir tranquilo, dizendo, em jeito pessoano: “Da obra ousada é minha a parte feita / O por fazer é só com Deus” … que tem obrigação de acabar o Poema inacabado. Agostinho Gomes podia, sem vaidade, dizer com o poeta latino Horácio: - Non omnis moriar (não morrerei de todo).

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O VALOR DA OBRA INÉDITA -

O LEGADO DE AGOSTINHO BENTO GOMES Maria Luísa Castro 20


O Valor da Obra Inédita - O Legado de Agostinho Bento Gomes por Maria Luísa Castro

Agostinho Bento Gomes (1952-2011) Enquanto procuro a palavra escrita na arca imaterial do pensamento para o lembrar neste vigésimo Concurso de Poesia, recordo a sonoridade da sua voz e o reconhecimento que sempre demonstrou pela Biblioteca Municipal de Oliveira de Azeméis pela continuidade do legado do Poeta Agostinho Gomes. O primeiro livro póstumo “Janela - e rua e mar ao fundo” (2008) corresponde a uma edição organizada de raiz pelo filho com a colaboração do colega e amigo de sempre Joaquim Devesas. Para Federico Sabes, meu Amigo, Teimosamente continuamos a fidelidade ao canto. A vida escoa-se-nos entre o milagre do Amor E a dor de o amortalhar na morte. Por isso, sobre aleluias fugazes, O requiem plangente Das últimas agonias. Alada, a alma vai-se-me no embalo Da tua paisagem – a geografia Da tua alma. As dulçuras da Andaluzia, que te deixou de ser. Tu manténs a amorosa calentura de teu sol, Que é carícia na epiderme dos teus frutos. Daí a sofreguidão de os haver. Por eles viremos, sempre viremos, Quando sanguínea laca de romã Sob o beijo traiçoeiro do Amor Oculte a alma assassina,

O fuzil da morte. Mas nós não cessaremos de vir, Enquanto o Amor é uma promessa… Mesmo que a morte se esconda, Nos canos absconços das espingardas. Escolho este poema pela comunhão no ideário poético de Federico Garcia Lorca, em especial pelo comum amor à Andaluzia. No poema transcrito, a problemática da morte assassina, que se esconde por tantos cantos do mundo e com que ainda hoje somos diariamente confrontados através dos media. Daí, o apelo do Poeta ao não conformismo e, sobretudo, a não desistir de lutar.

O “Criança meu amor sempre” (2009) foi o único livro preparado pelo poeta Agostinho Gomes com o objetivo de o deixar para todas as crianças. Foi durante a fase final de edição desta obra póstuma que o filho do poeta, tendo encontrado umas páginas soltas intituladas “poemas para os meus netos” e os desenhos para ilustração guardados pelo seu pai, apressado e orgulhoso foi entregá-los na certeza de que enriqueceriam o livro dedicado a todas (e às suas) crianças. Na apresentação deste “Criança meu amor sempre” aquando o décimo Concurso de Poesia, Agostinho Bento Gomes afirmou que esta obra “honrará a memória do poeta”. Uma ânsia mais Sabem, meus meninos?, Eu não queria que, um dia, Hábeis gramaticalões Vos abortassem o sentir

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Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

Com buscas, rebuscas, De meandros e palavrões. Gramática que sigo, Prossigo? -É toda coração. Em todos os números, Em todas as pessoas, Sou plo verbo – acção: Amar, dar, dispor, partilhar…

À mulher Bendito o Teu estar – presente: Como a água corrente de uma sede. Como o pão da negridão da fome. Como a acha de frio que consome. Como palmeira, abrigo certo na fornalha de deserto. Como luzeiro na noite, sem fumo que nos acoite.

Ou o verbo – estado, então, -Uma festa de alma De coração Apaziguado. Depois, Nesta cálida gramática de alma, Se necessário for, A eito, Iremos à alma das vozes: Activa e passiva, Se, comum de dois, O Sujeito. Este poema reflectirá para mim o inacabado do ser humano e o magistério da palavra enquanto processo educativo a ter de passar na relação com o outro. Do “Quando a poesia é visita” de 2010, destaco a leitura difícil dos manuscritos encontrados e o desabafo sobre a “caligrafia terrível” a par de vocabulário de “características ora mais populares ora mais eruditas, por vezes com uso de neologismos surpreendentes”.

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Como bordão de viandeiro, perdido o norte, perdido o roteiro, Como bússola adregada de embarcação naufragada, Como presença em alma, Intranquila ou calma da mãe dos filhos que somos, da mãe dos filhos que temos, da companheira que foi nossa, da enfermeira dos nossos males, da vigília das nossas angústias… Mulher, bendigo sempre O Teu estar – presente. Este poema lembra a sensibilidade do Poeta em relação ao género feminino e sobretudo a admiração pelo seu papel na sociedade. A homenagem pelo testemunho vem, quanto a mim, lembrar às gerações actuais que a questão de género passa pelo pleno reconhecimento da diferença, numa sociedade que se pretende cada vez mais igualitária.


O Valor da Obra Inédita - O Legado de Agostinho Bento Gomes por Maria Luísa Castro

A quarta obra póstuma do poeta “Canas ao Vento e Canções do Mal-Amado” de 2011 é fruto do empenho do seu filho, Agostinho Bento Gomes, que pesquisou nas dezenas de arquivos herdados de seu pai. Estes inéditos que aguardavam publicação desde 2009 têm um simbolismo maior para a família e amigos do filho do poeta que colaboraram ao longo do processo da sua edição, quando Agostinho Bento Gomes, por doença, já não pôde estar presente nos passos finais e apresentação da obra. Ao longo dos caminhos… Sonhos, tantos!, vamos deixando Pela margem dos caminhos Do nosso andar vagamundo… Tanto é o pasto da canção, Que pergunta: Porque é que não cantam Todas as aves do Mundo? Esta escolha traduz o vínculo entre os poemas e as ilustrações deste livro. Cumplicidade que foi mantida entre o filho do poeta e o pintor António Alves (autor das ilustrações e amigo de infância de Agostinho Bento Gomes) ao longo do desenvolvimento desta obra. No poema o apelo ao sonho como forma de ultrapassar e vencer todos os problemas que a vida nos coloca. “Paisagem sem Cantora” (2013) a quinta e mais recente obra editada do poeta e que o filho Agostinho Bento Gomes (1952-2011) já não teve oportunidade de ver materializada, apresenta-se como um cumprimento do seu legado. Este livro lembra e saúda os amigos e reforça os laços familiares. A família descendente do primo e “irmão de leite” do poeta cujas raízes são a casa do Couto em Cucujães e que reside em Espanha, colaborou com a edição. Toyi Pereira e Car-

los Andrés Fernández e a ilustração do “Paisagem sem Cantora” aproximou a família, com o rio Douro a unir-nos através dos poemas do livro. Chamam-lhe Vinho do Porto É um vinho de nomes lindos - Generoso e fino, até… Ele tudo pode ser, Mas do Porto é que não é. Vem lá das margens do Douro, Dessas encostas de pedra, Onde só por um milagre A vinha no xisto medra. Vem rio abaixo, aos baldões, Sem pai, sem mãe, só uma aia, Que o cuida e o acarinha… Ele é o Vinho de Gaia. E fica tão de auro, tão nobre, Esse vinho sem igual, Que hoje é o grande embaixador Do pequeno Portugal. Este poema é todo um lado sensorial e cultural com exemplos de fruição, degustação e partilha. É sobretudo um ritual no “Brindar à Vida”. Maria Luísa Castro

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Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

RECORDANDO

AGOSTINHO GOMES Joaquim Devesas 24


Recordando Agostinho Gomes por Joaquim Devesas

O meu conhecimento e a minha ligação ao escritor A.G. e à sua família resultou duma mera casualidade. Em outubro de 1969, há cinquenta anos, ao consultar as pautas de inscrição no curso de

à exposição social, A.G. nunca foi seguidor ortodoxo de escolas ou movimentos literários contemporâneos, embora os conhecesse e acompanhasse. Enquanto viveu, o autor publicou muito pou-

Filologia Românica, que funcionava pela primeira vez na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, percebi que ao meu lado estava outro candidato. Estava longe de imaginar que ao meu lado estava aquele que viria a ser o meu melhor amigo. Chamava-se Agostinho Bento Gomes. Após uma breve troca de palavras circunstanciais, concluímos que não só iríamos ser colegas de curso, mas também que ambos vivíamos em Gaia. Este facto fez com que o meu futuro colega me convidasse espontaneamente para almoçar em casa dos pais, convite que aceitei. Nesse dia entrei na casa do escritor Agostinho Gomes, não só em sentido próprio, mas especialmente em sentido afetivo. Estava longe de imaginar que esse momento seria o início duma longa e profunda amizade com o escritor, o filho e toda a família e que perdura até ao presente. Durante trinta anos de convívio próximo e muito assíduo, fui descobrindo pouco a pouco a pessoa extraordinária que foi A. G. Sendo um excelente pedagogo, possuidor duma vasta cultura clássica, grande conhecedor das literaturas portuguesa, brasileira e francesa, os traços da sua personalidade que mais se destacavam eram a sua simplicidade, a sua pacatez, o seu trato muito afável e respeitador com qualquer pessoa, qualquer que fosse a sua condição social, a sua ligação, verdadeiro amor, à terra, a Cucujães, que o viu nascer, e à qual sempre se manteve ligado, mesmo que as vicissitudes profissionais o tivessem levado a vários locais no país e fora do país, o seu franciscanismo (o poeta chamava-se Francisco…) e um profundo, quase leonino, espírito de família. Era comovente a forma carinhosa como se dirigia à esposa, a Dona Ilda, uma admirável companheira e mãe, aos filhos e aos netos a quem tratava sempre pelos diminutivos dos respetivos nomes, com uma espécie de saudade antecipada na voz, pensando no tempo em que iria partir e ficar privado da sua companhia. O escritor, só o “descobri” muito mais tarde. Avesso ao mediatismo,

cas obras e algumas em edição do autor. Após a sua morte e na sequência duma reforma muito prematura forçada por uma doença grave, mas serenamente aceite, o filho, homónimo, dedicou o tempo de vida que lha restava a recolher e organizar os milhares de textos, na grande maioria poemas, deixados pelo autor, muitos deles em suportes muito “sui generis”, como guardanapos, faturas de restaurantes e até bilhetes de transportes públicos!!!!! Mas se o trabalho de recolha e organização foi difícil e moroso, não menos difícil foi a decifração da caligrafia muito singular do autor. Graças a esse trabalho enorme, verdadeiro tributo filial, a obra inédita do autor foi publicada postumamente, a maior parte ainda em vida do filho. Deste modo a obra de A.G. começou a ser mais conhecida e reconhecida. Sensibilizados pelo filho para a qualidade da obra poética dum “cucujanense” e “oliveirense”, os responsáveis autárquicos da Câmara de Oliveira de Azeméis decidiram, em boa hora, criar um concurso de poesia com o nome do autor, um evento cultural de assinalar, que neste ano de 2019 atinge a sua 20ª edição. Tendo tido uma adesão modesta de concorrentes nas primeiras edições, hoje o número de concorrentes atinge várias centenas, não só nacionais, mas também estrangeiros, projetando, aquém e além fronteiras, o nome do autor, mas também o de Oliveira de Azeméis. Joaquim Devesas

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Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

Criança meu amor sempre Uma ânsia mais Sabem, meus meninos?, Eu não queria que, um dia, Hábeis gramaticalões Vos abortassem o sentir Com buscas, rebuscas, De meandros e palavrões. Gramática que sigo, Prossigo? -É toda coração. Em todos os números, Em todas as pessoas, Sou plo verbo - acção Amar, dar, dispor, partilhar... Ou o verbo - estado, então, -Uma festa de alma De coração Apaziguado. Depois Nesta cálida gramática de alma, Se necessário for, A eito, Iremos à alma das vozes: Activa e passiva, Se, comum de dois, O Sujeito.

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Janela - e rua e mar ao fundo Para Federico

Quando a poesia é visita À mulher

Sabes, meu Amigo, Teimosamente continuamos a fidelidade ao canto.

Bendito o Teu estar - presente: Como a água corrente de uma sede.

A vida escoa-se-nos entre o milagre do Amor E a dor de o amortalhar na morte. Por isso, sobre aleluias fugazes O requiem plangente Das últimas agonias.

Como o pão da negridão da fome. Como a acha de frio que consome. Como palmeira, abrigo certo na fornalha de deserto.

Alada, a alma vai-se-me no embalo Da tua paisagem - a geografia Da tua alma. As dulçuras da Andaluzia, que te deixou de ser. Tu manténs a amorosa calentura de teu sol, Que é carícia na epiderme dos teus frutos. Daí a sofreguidão de os haver. Por eles viremos, sempre viremos, Quando sanguínea laca de romã Sob o beijo traiçoeiro do Amor Oculte a alma assassina, O fuzil da morte. Mas nós não cessaremos de vir, Enquanto o Amor é uma promessa... Mesmo que a morte se esconda, Nos canos absconços das espingardas.

Como luzeiro na noite, sem fumo que nos acoite.

POEMAS VENCEDORES DO CONCURSO DE POESIA Como bordão de viandeiro, perdido o norte, perdido o roteiro, Como bússola adregada de embarcação naufragada, Como presença em alma, Intranquila ou calma

AGOSTINHO GOMES da mãe dos filhos que somos, da mãe dos filhos que temos, da companheira que foi nossa, da enfermeira dos nossos males, da vigília das nossas angústia... Mulher, bendigo sempre O Teu estar- presente

(2000-2019) 27


2000

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1.º Lugar

João Baptista Coelho João… Qualquer Coisa (Pseudónimo) São Domingos de Rana, Cascais

Gramática do Tempo Na gramática do Tempo conjuguei mil Infinitos; mas fi-lo por passatempo para calar os meus gritos.

E por ser Imperativo cada um dos meus recados, meu tecido Conjuntivo tem os segundos parados.

Passei através das horas a ver, disforme, indolente, a sombra dos meus Agoras deixar morrer o Presente.

Vejo, agora, no meu peito que, com tantos atributos, fui Pretérito Imperfeito no ponteiro dos minutos.

Percorri Condicionais -mostrador dos meus caminhosenquanto os meses, sem cais, iam escorrendo, mansinhos. Mais tarde busquei os anos neste trajecto tão duro; mas tropecei nos enganos dos relógios do Futuro.

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Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

2.º Lugar

3.º Lugar

Henrique Barroso Camilo Pessoa (Pseudónimo)

Armando Silva Coelho Quim Excelso (Pseudónimo)

Braga

Macinhata do Vouga

Aparição (a Virgílio Ferreira)

HAVER

Existir e resistir Mesmo que submersamente Pensando-o até ao fim E escrevendo para sempre.

Há caminhos que sofrem, mãos que não têm gestos. Há perguntas que se suicidam, vozes que não existem e se ouvem. Há intervalos na vida e as outras pessoas que sou. Os dias nem sempre têm tempo para o Céu; nem sempre se ressuscita só. Há uma glória por gozar, um crédito de tempo de Paraíso.

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2001

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1.º Lugar

José Nelson Aires Diogo Maria (Pseudónimo) Árvore, Vila do Conde

Na ponta de um círculo III – P-A-L-A-V-R-A a P-A-L-A-V-R-A nada mais é que: a anulação do P isolado na frente corpórea, os três As liderando o grupo das cinco chagas, o L abraçado a dois As, em menáge à trois, e o V aparte, cúmplice de pernas abertas, vazio, o R retraído pelo pudor do quarto ao lado evidenciam-se os traços carnais de todas as palavras a P-A-L-A-V-R-A verdadeira são os traços do sexo hirto, hímen rasgado desembaraçam-se das suas cinco letras no orgasmo, sémen preto do aparo que nos deleita no eflúvio orgasmo da descoberta, cinco, porque os As são apenas um, multiplicando-se nos suspiros da pele traços, a P-A-L-A-V-R-A dos sons a sua carne, reencarnações da tinta a sua carne do sentimento a sua expressão as cores caligrafia vaidosa vestindo-se no prêt à porter do dicionário não um pronto a vestir… mas sim um costureiro de agulha em punho tesoura no sexo corta e cose à medida de expressão e da insuficiência que tudo sofre

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a P-A-L-A-V-R-A é o seu corpo mãe, nua as consoantes são o esqueleto e os músculos são as vogais que seguram a P-A-L-A-V-R-A formando a carne e os órgãos vitais nas frases soltas e o andrógino corpo emerge do texto construído que se deixa amar nas mãos que o seguram e o beijo forma-se da saliva da voz interior variantes da P-A-L-A-V-R-A camaleão estão camufladas no dicionário catálogo o seu movimento efectuado pela sociabilização entre elas no escuro do pudor, na luz do desejo enriquecidas pela joalharia das vírgulas pontos finais de exclamação… reticências, etc… permanecendo em constante orgia, corporização do seu sentido fruto da metamorfose entre as sílabas companheiras de uma vida com amantes de formas poliglotas adormecendo eternamente joviais no fechar de um livro no sono, nos sonhos dos dedos, nas pálpebras do firmamento onde a terra gira em torno do sol na ponta de um círculo… que ininteligível tentámos alcançar o início e o fim da linha circular círculo que simboliza a eternidade… onde o tempo nada é.


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

2.º Lugar

3.º Lugar

Paulo Alexandre Medina Silva Sundance (Pseudónimo)

Fernando Paulo R. de Sousa João Oluap (Pseudónimo)

Ovar

Fânzeres, Gondomar

CHATROOM #8320

ESPAÇOS PERDIDOS

Tenho-te na polpa dos dedos como antes nenhuma outra paixão. Deslizo a minha pele na tua etérea, cibernética, feita de letras e intenções inenarráveis. Guardas-me do vento nesse calor de seres quem eu quiser e explodes comigo em cada gargalhada que não ouves nem sentes. Amanhã outro acordar telepático, ainda cansados da noite gloriosa que não dormimos, ensopados do amor liberto que nunca fizemos.

Percorro espaços um por um na carícia do vento sinto saudades resignadas. Partilho espaços com a memória um por um na luz longínqua deposito a visão ténue. Encontro espaços um por um onde guardo segredos que só tu conheces. Aprendo gestos esquecidos um por um quando os anjos da noite quebram silêncios e cantam só para mim.

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2002

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1.º Lugar

Aida de Fátima Viegas Pires de Oliveira Cotovia (Pseudónimo) Aveiro

TUDO PASSA Tudo passa nesta vida Nos caminhos e nos ventos Nas correntes de água turva Na mente, nos pensamentos. Passa a mágoa com o tempo, Passa a dor e passa a vida Passa a paz e a alegria Passa a noite, passa o dia. Há passantes, há passado. Há o passo a procissão. Uns seguem pelos caminhos Outros param na ilusão. Há quem esteja a ver passar. Há quem vá de escantilhão. Outros seguem arrastados No meio da multidão. Há passivos pacientes E quem vá só de empurrão. Os perdidos vão seguindo Caminhos de escuridão.

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Passam luas sem luar Dias sem sol e sem luz. Há quem passe derreado, Carregando sua cruz. Tudo passa A fome, a guerra. Passa a banda a procissão. Passa o ódio e o amor Passa o luto e a paixão. Passa o vento, passa o rio O Outono e o Inverno. Passa o calor, passa o frio, Só não passa o que é eterno.


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

2º Lugar Luís Aguiar AfonsoCarvalhoDias (Pseudónimo) Oliveira de Azeméis

Ferreira de Castro Há um lugar inextinguível onde a respiração dos gestos tem como afluente as antinomias do velho vapor Jerôme. Com a aparição da tristeza sobre o dorso da água À foz do Amazonas, descobriste demasiado jovem os sofrimentos somados às injustiças e misérias... Sentias uma feroz necessidade de escrever, de dar forma aos esboços que permaneciam dentro da tua alma... A escutar os sons preencheste o reflexo literário das palavras... A escutar as palavras determinaste a germinação da angústia... A escutar a angústia sacrificaste a paisagem da tua dor... A escutar a tua dor aprendeste a amar, mesmo até o amor...

Viajaste pelo mundo, imprimindo a tua noite; o teu verbo; o teu dia; o seringal; a solidão do Homem perdido na floresta... Até ao dia em que encontraste a absolvição do sossego desatado pela pele escurecida num gesto de acácia - pensamento ancorado na respiração do teu quarto imóvel - elegia exígua de um lugar impossível – sonho Lusitano de um corpo desabitado na hemorragia do silêncio...

Mas tudo isto se passou noutro tempo, noutro lugar. Passou-se numa Selva de Terra Fria com inúmeros Emigrantes. Mas esta era a tua Missão José Maria, esta era a tua Eternidade demasiada grandiosa para este Tempo. Reformulaste os múltiplos sentidos, dissolvidos nos incêndios da chama provocada pela essência de Diana de Lis, mas mesmo as suas Pedras Falsas curvaram-se perante o teu frágil, mas nobre coração - perfume de Lã e da Neve.

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Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

3º Lugar Gilberto José de Sousa Pereira Astrogildo de Sousa (Pseudónimo) Argoncilhe – Santa Maria da Feira

VIDA os olhos já beberam a salgada água das ondas que cobriam a face, as mãos, essas, deixaram-se cair lentamente sobre a areia, cavando pequenas sepulturas que irrompiam sobre a espuma como navios, sob uma tempestade... o mar engole lentamente o corpo estendido na praia, onde mais uma vez o consolo chegou e a loucura, cada vez mais frequente, repousou finalmente no caos das ondas fustigantes sobre as rochas... o sal chegou à boca, cada vez mais familiar, deixou a recordação de ser, confundiu as lágrimas que sempre correram na face, e as águas do mar pareciam o acumular de todas as noites em que uma pequena gota de água escorria lentamente, pela face macia, e descansava na almofada... noites em que a alma se vestia de luto, se destronava do ser e vagueava, sem esperança, sem prazer, sem saudades e crenças de uma existência só e infeliz, que perdurava indefinidamente e fazia o desejo da escuridão infinita crescer sempre.

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os olhos engoliram as lágrimas de sal dos oceanos, lentamente o sol desaparece na prata do horizonte, as gaivotas voam livremente, e uma onda leva a seringa abandonada ao longo do corpo, e a vida escorre lentamente, perdidamente, pela agulha ensanguentada.


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

Prémio Revelação Juvenil Joana Margarida Martins da Silva Bianca (Pseudónimo) Valongo

Os tambores da Paz Ouço um tambor a tocar Uma criança a chorar, - Porque choras? - Pergunto eu. - É que meu pai morreu.

Um dia, ternura e alegria Vão governar as crianças do mundo Pois só não tem alegria Os filhos de Raimundo.

- Disseram à minha mãe, Que morreu a lutar Diz-me a criança a chorar: - A lutar pela Pátria mãe.

Mas os tambores da Paz Irão tocar, tocar, E cada rapariga e rapaz, Vão cantar, cantar.

- Como se chamava o teu pai? - Raimundo - seguido de um “ai” Diz-me a criança a chorar, E continuou a tocar. E se as pancadas no tambor, Fossem beijos de amor, Naquela criança do mundo, O filho de Raimundo.

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2003

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1.º Lugar

Carlos Manuel Moreira Rodrigues Carlos Malmoro (Pseudónimo) Freixo - Ponte de Lima

Ana Catarina Oliveira Marques Rosalinda Oríon (Pseudónimo) Ovar

PROFECIA

Três objectos Três construções

Quando o clamor pela justiça se esbater Na deriva dos ecos do silêncio, e os sonhos De liberdade forem agrilhoados à vertigem Do ter; Quando a dor, a tristeza, a morte E a fome, se revelarem como destinos últimos Da poesia, e os regressos quedarem-se como Delírios, por não existir ponto de partida; Quando A memória for trocada por um fotograma, a Imaginação tiver como matriz o bite e a alma Decifrada em códigos de barra; Quando o último Anjo da morte tomar o poder e desaparecer O derradeiro espírito da estirpe que caminha Na senda do elemento onírico;

I O cinzel repousa no intervalo dos seios em pedra sumptuosamente esculpidos da sua extremidade cortante escorre lento osangue cálido ( do criador ou da coisa criada? ) como aferir a origem deste instante peculiar se a fusão antecede qualquer forma explicativa? Contudo os seios parecem vibrar ou flutuar no estremecimento de uma pulsação talvez porque exista uma respiração latente invisível que sustenta a obra em levitação profunda Numa outra fracção de tempo já se avistam as mãos tão maleáveis equilibrando o cinzel como distinguir se este lavra o objecto de criação ou o próprio corpo que o sustém?

Nesse dia, desesperadamente, entenderemos Que o silêncio é o mais violento dos discursos.

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2º Lugar


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

II A enxada descansa junto ao corpo que se debruça sobre a terra e com as mãos abre um espaço coloca dentro uma semente (divina? humana? natural?) e de terra cobre-a com a língua Quem ouvirá ao longe a sua gestação ou a levedação da sua seiva em fruto? O corpo abre a terra e nela deposita a vida mas a terra também se abre para lhe dar a morte Quem é beneficiado ou prejudicado só as partes o sabem porque o interesse da descoberta é divergente De regresso ao activo a enxada enterra o homem que agora descansa no côncavo do espaço

III O livro tumulta no obscuro cimo de uma cabeça iluminada ou advirá o tumulto da cabeça pensando sobre o livro que obscuro ilumina? Morrerá o corpo nas suas páginas porque estas são horizontes incompatíveis com a sua brevidade? As ideias que nelas habitam são inimagináveis hinos de revolução à pura metamorfose Mas como deter o tempo da palavra submetendo-a a uma expansão não revogável no tempo? apenas a referência ao momento em que o leitor-espectador e o livro se anularam mutuamente em ascensão Que palavra restará no obscuro âmago da viagem?

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Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

3º Lugar

Prémio Revelação Juvenil

Isabel Cristina da Silva Pinto Bandeira Vilano (Pseudónimo)

Diana Ferreira dos Santos Sofia Moura (Pseudónimo)

Carregosa – Oliveira de Azeméis

São João da Madeira

Elixir do esquecimento

TEMPLO IV

Um arco Uma flecha Um punhal Duas gotas de raiva Uma pitada de sal Três litros de ódio fervente Quatro folhas de ironia Para juntar à mistura Um ramo de coisas mortas Com cem gramas de amargura!

O céu jamais precisou de ser nocturno Para tornar negro o dia Basta uma desolação maior Basta um prenúncio Para que possa ouvir vozes ancestrais Destilando-me o sangue As velas reacendem-se Na consumação lenta da vida Que eu contemplo Mais do que vivo Que eu sinto Conspiro...

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Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

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2004

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1.º Lugar

João Carlos da Silva Martins Carlos Lagoas (Pseudónimo) Cantanhede

Manuel António Teixeira Araújo Miguel (Pseudónimo) Chaves

Nunca Foi O Corpo

s/título

Nada correu como o previsto. Quando cheguei, não sabia de ti. Procurei-te até à exaustão nos lugares e nas pessoas do costume. Ninguém sabia o teu nome e eu não estava seguro do nome que sabia. Agora, procuro-te em corpos tão cansados como o meu. No fim, quando a respiração abranda, descubro que nada encontrei.

Trazia na liquidez dos olhos a dor dos cães abandonados. Na boca, folheada de chagas, trazia as letras do pão. As mãos eram radiografias estendidas aos olhos sanguíneos dos homens da taberna. Trazia seios com ela, dois seios pasmados e frios. Dois guiços levavam-lhe o corpo assustado. Senhor! E os olhos, grandes e belos, batiam na boçalidade do vinho, e os seios, atónitos, cresciam na saliva afogada das bocas famintas dos homens da taberna. Tinha quase a idade do leite! Mas, há muito que nos olhos bovinos dos homens dançava a sordidez do pensamento. Por isso, quando duas mãos calosas de gigante lhe engoliram os seios aflitos, a menina abriu a boca esburacada para dizer o preço.

Em ti não era o corpo. Nunca foi o corpo. Pela minha cama passaram corpos mais empenhados. Pela minha cama passaram corpos mais absolutos. Não deixaram quaisquer vestígios. Apenas uma vaga noção de comparações. Tentaste. Tu tentaste. O corpo nunca foi o teu forte. Fora do teu corpo, estão os teus olhos. E as tuas mãos. As tuas mãos estiveram sempre perto. Ainda as sinto. Cada vez me lembro menos dos olhos. O que eu não consigo esquecer é como eles me viram tão feliz. Destes e doutros dias, tenho-os todos numa mão. Mas deixo cair alguns. Apanho-os um a um. Encontro-te nalguns dos mais luminosos que estão no chão. É desses dias que se enche o coração.

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2.º Lugar


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

3.º Lugar

Prémio Revelação Juvenil

Helena Romão Ângelo Neves Saraiva Henriques Teresa Heitor (Pseudónimo)

Sara Raquel Ferreira da Costa Annabel Lee (Pseudónimo)

Carregal do Sal

Cucujães - Oliveira de Azeméis

POEMA DE MIM

Trabalhar a cor de um verso

Conta-me devagar todas as sílabas Soletra-me os poemas de mansinho A minha história é uma palavra em fio E eu um longo Sul feito fonema O pranto ledo que lento escrevi É uma vida enorme um teorema Erguido ao Céu cruzado numa rima É uma tese proibida, resto doutro tema

Trabalho a cor de um verso com a pigmentação pérola da minha pele que pinga no tecido das sílabas.

Conta-me as sílabas e os versos soltos Vende-me um mote ou um chavão secreto Uma boa dica que se erga em poema E me cavalgue por dentro este deserto. Faz dos meus olhos a mais profunda tese E agracia solene a azul opinião Do olhar sereno afirmativo e perene No dia em que me erguer dissertação

Às palavras sem nome dou uma textura de sangue e um paladar tão áspero quanto a água. A cor de um verso brota de jactos mornos de raiva e do cheiro fresco a gestos limpos. Alimenta-se do rosto nu do ópio quando deixamos escoar um mar queimado para debaixo da pele. A cor de um verso habita as manchas do silêncio pousadas no tempo e flutua nas vertigens da leitura, algures onde o fulgor da solidão devorou as coisas…

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2005

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1.º Lugar

Regina dos Anjos Sousa Gouveia Matilde Noronha (Pseudónimo) Porto

Os rios da memória I É ao crepúsculo que correm os rios da memória que gotas de chuva aprisionaram e, navegando em raios de luz, disseminaram. É ao crepúsculo que flutuam as lembranças de lágrimas, de sorrisos e afagos, romãs entreabertas, ofertando rubros bagos. É ao crepúsculo que se adensam os mistérios que a morna brisa se apressa em diluir por entre as trevas da noite que há-de vir. II Nos enredos da memória, por entre o silêncio branco, vão desfilando sombras de mil vozes e penumbras de mil cores, as palavras não ditas e as reditas, a luz que o orvalho dispersou, os murmúrios do mar, e os sussurros do vento, o reverso do tempo que eu tento aprisionar no búzio que a maré aqui deixou.

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III Procuro o tempo por detrás do tempo. Procuro um tempo, linha aberta, não sei se parábola, se recta, fluindo em direcção ao infinito. Procuro o tempo por detrás do tempo mas o que encontro é já um tempo elíptico, linha fechada, quase circular, veloz, a convergir para o centro onde não há tempo por detrás do tempo e já não faz sentido procurar.


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

2.º Lugar João Gonçalo Abrantes Machado Silvestre Entresede ana liz-boa (Pseudónimo) Condeixa-a-Nova

ode às palavras de quem as corrompe absorto no absurdo desta madrugada – escrevo. desperta em mim – algures – a tímida presença de um murmúrio: a consciência (ainda) embrionária e paralela do indizível: onde as palavras nem sempre se subjugam à cor ou ao sentido ou até à forma – mais não são do que um adolescente conflito fonético. (quiçá? a génese deste poema.) ………………………………………………………………………… ………………………………………………………………………… talvez – e pouso a caneta de tinta permanente no papel ainda e quase sempre em branco – talvez seja este grito, que nem em si encontra eco, que perscruta as entre linhas do que fica sempre por dizer e o que foi [dito e redito, a chuva que dá forma a este mundo vão de aparências, onde na ilusão da sinuosidade da curva de cada letra (inconscientemente) me julgo encontrar – o poema.

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Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

3.º Lugar Joaquim Nogueira Castro Marques Énece (Pseudónimo) Sacavém, Loures

s/título Da mesma maneira que em Março os ribeiros sulcam a terra com gestos límpidos e frescos, assim eu desenhei com os meus dedos a traços de ternura o teu rosto, os teus olhos fundos de noite, antes de, pela primeira vez, te beijar. Em paga deste-me as tuas horas de alecrim, essas que tinhas guardadas e desde sempre prometidas, a um poeta que te encantasse.

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Noites houve depois (ouviam-se já nas giestas os passos do mês de Abril) em que, com um carinho lento e premeditado te tirei o vestido e tu me prendaste com o teu corpo de mulher que me lavou a sede no sabor húmido quente que tem. Corpo que eu bebi como bebo o vinho que é sagrado.


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

Prémio Revelação Juvenil Sara Raquel Ferreira da Costa Raquel Cohen (Pseudónimo) Cucujães - Oliveira de Azeméis

sílabas de cinza Aceitaste a minha ânsia da tua carne até ficaram indistintos os nossos nervos, o nosso sangue, a nossa pele, no abraço meigo em que todas as manhãs, por Maio dentro, adormecemos.

a vida quase ganha uma textura quando as metáforas atingem um efeito embriagante e nos dissolvemos naqueles livros repletos de mar coalhado. a noite envelhece e não tarda muito, o mundo arderá até se reduzir a sílabas. os nossos corpos serão cobertos por uma luz imensa e qualquer sombra será mais espessa do que nós. se necessitarmos de dor recorreremos à plantação de geadas e às lágrimas cristalizadas que guardam as gavetas e o passado mas nunca permitirei que caminhes para a morte sem bússola.

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2006

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1º Lugar

Joana de Fátima Gonçalves Pita do Serrado Santa Joana Princesa (Pseudónimo) São João da Madeira

Os estatutos do amor 1. (Direito à possibilidade) Que todo o abraço seja contundente como o teu olhar. Que todo o olhar seja emergente como a tua palavra. Que toda a palavra seja tão urgente como a tua mão nos meus cabelos. 2. (Direito ao Espaço e ao Tempo) Que haja tempo em bloco e não ruptura de tempo. Que minha ilha seja teu porto e teu porto nos seja santo. Que a comunhão se faça tanto no beijo como no silêncio. 3. (Direito à Fecundidade) Que do teu umbigo nasçam flores com seiva de primavera. Que eu possa viver do seu perfume e sobreviver à sua acidez sem as desflorar. Que o prazer não precise de extrema-unção mas que a unção do prazer seja extrema. 4. (Direito à perfeição) Que a palavra “amor” nunca seja proferida em vão. Que o amor venha já feito, perfeito e não por fazer.

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Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

2º Lugar Filipe José Rodrigues Afonso Vasco Viterbo (Pseudónimo) Felgueiras

PERFIL DO EQUILÍBRIO PARA CHEGAR À-MAR Ele tinha chegado àquilo que os geógrafos chamam de perfil do equilíbrio de um rio. À curva matemática ideal, resultado de suficiente erosão, suficiente amor. Soma das partes igual à mar. Amar. À-mar. Amor+amor = amor a dobrar. Sim, chegará ao mar. «Gostas de beijar?», perguntou. «Que raio de pergunta é essa? Sim, gosto», disse Então, podes considerar-te beijado. O rio corre sem esforço da nascente para a foz Nele, estamos os dois de nós. Ele deixa de cavar o seu leito. Não fustigas mais o peito. Mas, sobrevindo algum movimento geológico, que eleve o peneplano, como a ilha de Caetano, a altitude da nascente modifica-se.

As águas, turvas e impuras, misturaram-se. De novo, a água se agita… lágrimas devem ser choradas. Penetra nos terrenos subjacentes. no meu sub-consciente. Introduz-se, mina e cava. Apaixona-te, desgraça-te, Filipe. Às vezes, tratando-se de camadas calcárias, estalactites e estalagmites que se fecham autoritárias e nos comem, tubarões. desenha-se, então, todo um novo relevo em concavo, quase invisível do planalto, mas complexo e atormentado de se seguir o curso da água. medo de beber água envenenada. ou ser comido por tainhas. passeias os pés na água transparente recolhes um pouco dessa água e fazes um chá de chulé ou bedum. Eu tenho profilaxia para morte por afogamento.

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Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

3º Lugar Maria Helena Vilela Carrega Beatriz Lopes (Pseudónimo) Pombal

I Hoje é dia de Todos os Santos, o frio levantou-se cedo, as nuvens formam castelos cinzentos deslizando pela atmosfera numa viagem de muitos destinos. Algumas gotas de chuva salpicam as ruas e o vento do Norte em fortes rajadas, apressa o fim do Outono, desde a madrugada. Na praceta junto ao mercado respira-se um intenso cheiro a crisântemos, as pessoas transportam-nos em ramos de cor branca, escorregando dos braços como pequenas bolas de neve clareando o luto do dia. A saudade sobe devagar a encosta do castelo, arfando de frio e de muita tristeza, entra com pés de cetim em caminhos de desconhecidos reinos e com lágrimas nos olhos, abandona flores sobre pedras de silenciosos leitos. A chuva começou a molhar a tarde e o vento afasta os nossos passos para outros caminhos, rasgando nos pensamentos clareiras de princípio e de fim de tudo.

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A vida cruza-se num cumprimento evasivo, os protagonistas são actores de uma imaginária peça onde cada um fingindo ser ele mesmo luta, desesperadamente, contra o seu próprio destino. Acordada pelo riso de uma criança, fujo do misterioso mundo de ninguém.


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

Prémio Revelação Juvenil Inês Pinto Seixas Margarida Silva (Pseudónimo) Braga

Ah! Se eu pudesse… Ah! Se eu pudesse… Ser a água que corre pelo regato Ser a árvore que dá sombra aos fatigados Ser a flor tenra nos dias de Primavera Que depois é colhida pela mão suave de uma criança Ser o fruto doce que alimenta as nossas almas Ser o pássaro, que todos os dias me vem bater à janela sem preocupação Ser chuva, ser o vento, ser o luar… Tudo nesta vida eu queria ser, Mas só posso ser imaginando, e basta! Porque tudo aquilo que desejo faço-o por actos imaginários Num dia triste de Outono, Quando as folhas caem e estou em casa sem fazer nada, Apenas imaginando o que podia eu ser!

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2007

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1º Lugar

Rui Miguel Silva Santos miguel inox (Pseudónimo) Marinha Grande

Um Quarto A vida são três quartos de nada, e um quarto onde cabe tudo Como sozinho Sobre a toalha Conto as migalhas do pão Conto as colheres de sopa Conto um conto Conto mulheres sem roupa A sopa cola-se à colher A colher à boca A sopa à barba A colher à língua A vida às coisas As coisas a tudo A que me sabe? Não sei a que me sabe Acho que lhe perdi o sabor Na última colher, a carne Sabe pela vida Retorno, venho a mim Fugiu a velha que acabrunha Já sei onde estou e onde habito, Já sei o meu nome e alcunha A sopa tem três quartos de legumes e um quarto de carne

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Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

2º Lugar Joaquim Jorge da Silva Carvalho Mário Aveiro (Pseudónimo) Coimbra

Zero O zero é uma invenção da matemática: A regra dos algarismos é contarem presenças Coisas, factos, evidências, seres, ganhos, metros Minutos, horas, dias, meses, anos, séculos – Mas o zero é isto tudo ausente, o zero É nada. Os sábios precisaram do zero para nomear O que não há, não está, não vive, não importa E chamaram às operações que dão rigorosamente zero Contas certas.

Soube desta invenção do zero pela wikipédia Mas só a percebi verdadeiramente naquela manhã Quando meu pai morreu, à revelia da primavera E eu, antes de chorar, recordei a infância, a praia De mira, o futebol no corredor da casa velha O after-shave económico, a sua barba rija O óleo dos carros e a hipocrisia encantadora Com que enganava a minha pobre mãe. A morte, pai. Tu nunca mais. Zero A conta talvez certa.

O zero está no princípio e no fim dos números (Ao princípio não era o verbo, era o zero) E zeros excessivos à frente e atrás Podem ser a guerra ou podem ser a paz (Fortunas espantosas ou falências vergonhosas).

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Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

3º Lugar

Prémio Revelação Juvenil

Andréa Cristina Francisco Andréa Muroni (Pseudónimo)

Ricardo Manuel Luz da Silva Utópico (Pseudónimo)

Mogi das Cruzes – Brasil

Corroios - Seixal

RABIOLA

PELOS OLHOS DOS MENINOS

“Gosto de usar saias longas em dias de ventania para sentir o vento brincando entre as minhas pernas

Pelos olhos dos meninos passam barquinhos de esperança feitos de espuma e papel. Passa o sol, a maresia e a gaivota de alegria que o poeta traz na pele.

Nada mais dança entre as minhas pernas: nem as estrelas, nem os pássaros e nem as nuvens Só o vento O vento e o mar Mas a dança do mar é violenta e sinto-me abarcada com ela Gosto mesmo é da dança do vento brincando com as minhas saias por entre as minhas pernas Nada mais dança entre as minhas pernas: nem as estrelas, nem os pássaros, nem as nuvens”

Pelos olhos dos meninos passa a floresta triste com seus ramos calcinados. Passa este povo sem pão, que vive só de ilusão, e de sonhos adiados. Pelos olhos dos meninos, filhos de homens sem infância, passa a dor da incerteza se haverá um dia novo que traga o sol para o povo tapar o frio da tristeza. Pelos olhos dos meninos só deviam passar flores e crianças de mãos dadas, nunca a dor que a guerra traz e a branca pomba da paz com as suas asas quebradas.

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Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

 

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2008

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1º Lugar

Cristina Isabel Ferreira de Sousa e Castro José De David (Pseudónimo) Bombarral

Requiem por António As pessoas não sabem que eras espírito insurrecto enrodilhado em meandros de aventura, liberto dos condicionalismos da conjuntura, nadavas em tardes de cacimbo no quanza indiferente ao combate dos que amarrotam os sonhos nos passos nauseantes da rotina castradora. Em ti passeava um sonâmbulo, um índio desenfreado fugindo do carregado quotidiano do que vive encolhido e aquietado. As pessoas não sabem que não dobravas o pescoço ao cânone, lias Graham Greene, perfumavas-te com as suas sílabas e viravas as costas à ladainha das obrigações sorvendo a essência do EUSOU. Adormecias à sombra dos embondeiros para prender o cheiro da terra e alimentar os glóbulos dos teus sonhos. As pessoas não sabem que cantavas hinos com voz de mar, reviravas as montanhas pela raiz para eu ver onde dorme a sabedoria e estendias tapetes entre versos soltos e o capim que teimavas em almofadar para acomodar o inebriamento e o homem solúvel em ternura.

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As pessoas não sabem que querias extrair o desvario de tuas células sem as matar, mas elas teimavam em pulsar dançando em colónias varridas pela demência. As pessoas não sabem que teu caixão veio antes do tempo, jogaste umas partidas de xadrez com a morte, mas ela impassível atirou-te xeque-mate As pessoas não sabem que a morte naquela noite não te doeu, não estavas contrariado, estavas guarnecido de memórias de um tempo que só existe fora de si próprio. Querias entrar na terra olhando o chão de costas para o céu e eu fiz-te a vontade. Querubim em cadáver transformado com um rio de versos engalanado tu em mim perpetuado eu a ti, obrigado!


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

2º Lugar José Miguel Oliveira Prometeu (Pseudónimo) Elvas

Eu queria de ti um país Queria de ti um país como aquele em que viveu Cesariny. Não fui ainda capaz de te dizer, sabes: You are Welcome to Elsinore. Para fazer de ti um país atravessaria os muros habitados da fronteira rasgava as cartas de marear culpadas de naufragar e partia outra vez numa casca de noz rumo ao Oriente. Eu queria de ti um país E escutar silêncio na onda do teu sopro, ao meu ouvido encantava apenas ouvir-te respirar, para comprovares a verdade anatómica dos meus músculos seria marinheiro sem saber nadar morreria afogado na corrente dos teus olhos pela luz que me deste a estes versos com o músculo liso do coração aos tropeços. Não fui capaz de te dizer que vi em ti o meu país, pequeno, do tamanho do meu quarto. Nos teus lábios os meus nasceriam certamente como as flores que nascem em Maio geograficamente inclinadas para a nascente.

Por isso vem visitar-me outro dia, outra noite: You are always Welcome to Elsinore Farei dos versos um país com casas, caminhos, pontes e de ti uma caixa de ressonância para o meu canto do cisne, Agora. Porque a morte pode não me querer esperar e eu quero um país para morrer.

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Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

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3º Lugar

Prémio Revelação Juvenil

José Manuel da Conceição Batista Gualdim (Pseudónimo)

Inês Pinto Seixas Mia Frankfurt (Pseudónimo)

Alvaiázere

Braga

PRELÚDIO

A ponte da guerra

um orvalho suspenso na folha da erva-cidreira acorda a tristeza da manhã de nevoeiro a aranha de travesseiro fez a teia e o universo fende-se num único reflexo que se dissolve sem pressa no âmago do segredo na seiva mais longínqua a voz não responde atraca no imaginário incendeia para dar corda à nossa essência sem manha despovoamos os sonhos e prendemos a âncora nos cabelos do vento esperando ouvir as inconfidências das cigarras que despertam os campos

- Passa por cima, menino… O rapaz não se mexeu. - Passa por cima, menino… A mesma resposta muda - Não ouviste, passa por cima! O rapaz estremeceu, a boca aberta, os olhos de espanto. - Vá, menino, passa por cima… Não tenhas medo, não te fazem mal, Já estão mortos. O menino, olhando para eles, sem força para deixar cair uma lágrima, passou por cima… Eram os seus pais.


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

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2009

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1º Lugar

Maria João Faria Rafael Bonjour, T. (Pseudónimo) Azambuja

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2º Lugar Elaine Dal Gobbo Agatha Faraon (Pseudónimo) Cariacica – Brasil

Vazia

Esse desconhecido

Dizem por aí que os seus olhos eram parapeitos proibidos Onde os homens pernoitavam e partiam ao amanhecer. Mais tarde, funesta, abria-lhes a porta para que não fugissem. E as pernas longas e nuas cruzavam-se em sintoma de adeus. Dizem por aí que se perdeu do norte. Logo ela, que era sulista! Em noites solitárias, os cadilhos do xaile negro tangiam-lhe as coxas Em adulação e ela dançava sem música Numa casa vazia. Houve quem a escutasse em noites de nortada Declamar Sylvia Plath com a fluidez de um rio Numa casa vazia. Dizem por aí que se deitava com outros por vício enquanto o esperava, E bebia gin ao mesmo tempo que lia Cohen. Na hora da morte do homem com quem nunca se deitara, Viram-na velha e nua deambulando pelo Grand Canyon. Outros declararam que ela regressara ao Equador. Avistaram-na na Flandres às voltas com um chiffon, Com que contornou o pescoço `laia de vaidade. Nada do que se disse é verdade; ela não saiu dali. Trancou a porta. Cerrou os olhos. Despiu-se enfim, da dor imensa. E chorou dançando, enredada num vale negro de atilhos Densos de memórias do cume dos dedos dessa assombração Numa casa vazia.

Uma vez me perguntaram Porque não escrevo sobre o amor que é liberdade Que nos enche de alegria E encharca de felicidade Eu, então, respondi: escute aqui, meu caro amigo A verdade não tem preço Escrevo o que sinto E não sobre o que não conheço


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

3º Lugar Catherine Revel Revel (Pseudónimo) Batalha

Poema feito de asas (Cantado pelo pássaro que um dia fui) As pessoas da minha cidade são como pássaros, também como pássaros: têm como beirado as muralhas de um castelo e nele constroem os seus ninhos em formas de casas. As casas têm a frescura do interior das árvores e as entradas são em arco como nos contos de fadas. Por fora têm a cor da alma, que toda a gente sabe é feita de cal. De uma janela a outra as pessoas saúdam-se com trinados, e não há dúvida, têm o som de palavras com sabor a sol. Bom dia tem sabor a sol, e que rico dia de domingo também. As pessoas, como os pássaros, como nós, não se importam que pelo luar das paredes alastrem trepadeiras, ou buganvílias, ou malmequeres, ou bravas roseiras. As pessoas, como os pássaros, gostam de sombras e de cheiros e do rumor das fontes na calçada. As pessoas da minha cidade são como pássaros, também como pássaros: gostam de ter o céu por perto porque é nas asas que habitam os sonhos.

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Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

Prémio Revelação Juvenil Inês Pinto Seixas Líris Andaluz (Pseudónimo) Braga

s/título Pai, Mãe Vou fugir de casa. Vou. Mas levo as chaves Para não ter de tocar à campainha se chegar a meio da noite. Quero fugir Para voltar a entrar E me parecer tudo novo. A porta vai parecer mais encerada. Ao Tuqui, vou vê-lo sorrir O espelho dourado Repararei como é cheio de mistério. Os tapetes marroquinos Transportar-me-ão para os países das luzes laranjas do incenso dos lenços coloridos e dos chás. O meu quarto parecerá que sempre esteve à minha espera. Que se fechou por sobre si mesmo E só se abriu de novo, À minha chegada. O teu cabelo, mãe Parecerá mais loiro

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E os teus olhos pareceram lagoas serenas. Vou aperceber-me, pai De que sempre me fizeste lembrar um mocho, Com a tua eterna sabedoria. O teu cabelo, Li Parecerá mais comprido e lustroso Como nunca antes. As tuas unhas cerejas perfumadas E os teus olhos janelas para o mundo. Tudo me parecerá novo E ficarei feliz por estar de novo aqui, Tranquila e no porto seguro. Vou-me deitar. Talvez não chegue a partir. Até amanhã.


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

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2010

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1º Lugar

Paulo Jorge Coelho Carreira Paulo Paolo (Pseudónimo) Batalha

2º Lugar Lurdes Breda Yasmine Mitsuru (Pseudónimo) Montemor-o-Velho

Traficância de azuis nocturnos

In Nubibus

O azul nocturno é a minha cor predilecta. É também a que se vende mais nas esquinas das cidades. Assim que a noite cai usurpo esse azul aos amantes ocultos nos prados de luzerna. Com essa cor apodero-me, umas vezes, do canto dos ralos e do cintilar dos pirilampos; outras, do piar dos mochos e de todas as estrelas preguiçosas do firmamento. É uma cor efémera com o preço dos diamantes incrustados na cauda rebelde dos cometas e à qual só os vagabundos dão valor. (E os poetas…)

O meu castelo… Tem muralhas feitas de céu E nuvens por entre as ameias. Nas manhãs, ainda sem Sol, As andorinhas entram-me pelos olhos, Em bandos de asas negras, Com estrelas por acordar.

Neste instante, sinto o peso da lua nas costas. Furtei à noite mais um azul nocturno, mas este não o venderei: este é para te oferecer no princípio da manhã.

O meu castelo… Tem um príncipe com boca de vento, Hálito de rosas e terra molhada. No seu corpo, campo de batalha, Esconde-se a chave do tempo E as pétalas de sangue, Arrancadas à minha concha de areia. O meu castelo… Tem gritos e mil portas rasgadas Na face azul do infinito. Por elas entram, à vez, Homens cegos e pássaros de bruma. As minhas mãos abrem-se em flor, Sob as raízes dos trigueirais.

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Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

3º Lugar

Prémio Revelação Juvenil

David Erlich Alexandre Olívio (Pseudónimo)

Inês Pinto Seixas Luz (Pseudónimo)

Lisboa

Braga

“Um empregado”…

s/título

Um empregado deita água de um jarro no meu copo.

Sentou-se devagar na pedra. Apoiando-se com a mão esquerda Sentou-se devagar Na pedra, quente, lisa, macia. Alguns grãozinhos amarelos e laranjas ficaram-se-lhe entre os dedos.

Como se fosse com as mãos, ele próprio verte a água – o jarro é só um meio. como dois amantes: no leve sorrir duma cama quando o pensamento é a cintura a escuridão é só um meio.

Ficou voltado para o mar. E nesta quietude do entardecer Nesta plenitude de amanhecer Pensou: é aqui que quero morrer

e, dentro de teu ventre uma redundância.

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2011

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1º Lugar

Daniel Gonçalves Sofia Verde Água (Pseudónimo) Santa Maria, Açores

I. (poema com mário cesariny: como uma canção desesperada) estou a dizer-te que já todos os poetas inventaram o amor que nas minhas mãos o amor é apenas silêncio que vaza que o amor não pode ser mais belo do que este verso: antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa estou a dizer-te que se tinha que te escrever uma carícia nenhuma palavra há que não tenha quebrado já a sua asa talvez acabes por perceber na doçura de todo este carinho que não tenho mais música por onde possas subir até mim ou madressilvas para te estenderes por todo o meu verão estou a dizer-te que nunca soube dizer-te como te amar como se regressasse a um instante em que fui apenas pedra ou borboleta impassível colorindo o seu efémero coração estou a dar-te à boca as poucas carícias que saem da minha como se eu pudesse inventar um verso no lugar de um beijo e talvez acreditasse que o amor tem sempre um novo aluvião

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2º Lugar Fernando Paulo Ribeiro de Sousa João Oluap (Pseudónimo) Porto

Utopia Se eu tivesse o mundo todo oferecia a c a d a pessoa o mar e uma folha em branco.


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

3º Lugar Alberto Pereira Ricardo Verão (Pseudónimo) Parede - Cascais

FERIDAS Parámos a infância numa fotografia. Era um tempo no alto da eternidade. A madrugada trazia pássaros, o sol disparava praias pelas janelas. Na melodia das aves, ouviam-se as viagens falar com os barcos. Quando as mães abriam a porta, o mar vinha. Imaginávamos então as algas ao vento e os peixes a ir à lua. Com seus mapas, a areia ensinava os dedos a encontrarem castelos. Nos baldes trazíamos o oceano para fazer lagoas só nossas. A solidão tem tanto Agosto.

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Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

Prémio Revelação Juvenil Beatriz Helena Villegas Mendes Missy Prince (Pseudónimo) Fernão Ferro - Seixal

POESIA NA PRIMEIRA PESSOA (parte I e II) I

II

Um dia, como criança ingénua que sou, meti-me nisto da poesia.

Se poesia é o que se sente, se poesia é o que se finge, estamos bem uma para a outra. Eu sinto o que finjo e finjo o que sinto, a poesia fala por mim, mesmo quando minto que ela e eu, eu e ela, somos qual labirinto, qual princípio sem fim, qual fim sem princípio.

Provei, gostei, assentei. Corre-me nas veias, este veneno! Não tem Preço, corrompe-me a alma, nunca é suficiente. O poeta é como o comediante: fala muito e diz pouco, mas o público não entende. Vivo os versos que escrevo… Soltos, são o mar, juntos, são amor e eu, com eles, sou praia de sentimento, num só momento, directa.

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Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

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2012

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1º Lugar

Paulo Carreira Paulo Albino (Pseudónimo) Batalha

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2º Lugar Lurdes Breda Magnólia (Pseudónimo) Montemor-o-Velho

Antigamente havia no corpo mais palavras

Fado

Antigamente havia mais palavras dentro de nós do que agora. Árvores. Pássaros. Nuvens. Pingos de chuva. Palavras assim. Estavam dentro de nós como serenos sonhos diurnos. De olhos abertos ou fechados, éramos um livro feito de asas e só com os lábios do vento as palavras vinham à flor da pele. Estrelas. Cometas. Luas. Estações do ano. Palavras assim. Circulavam pelo nosso sangue para a ponta dos dedos, sacudíamo-las como gotas de um ácido corrosivo que fazia bem ao corpo salpicado mais perto do nosso. Abraços. Sorrisos. Acenos. Cumplicidades. Palavras assim. Ausentavam-se da carne e iam por aí fora, faziam pontes entre o meu corpo e o teu, erguiam uma espécie de casa única onde habitavam poemas. Agora não sei. Sentimo-nos longe. Antigamente havia no corpo mais palavras do que agora.

As folhas Do velho plátano Morrem devagar… Há poemas de frio Nas nervuras rasgadas Pelo vento, Como uma sina Escrita na palma da mão. A chuva beija-as, Com a mesma ternura Com que a terra As acolhe.


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

3º Lugar

Prémio Revelação Juvenil

António Accioly RicaBarrancos (Pseudónimo)

João Pedro Costa Nino Regente (Pseudónimo)

Nova Friburgo - Brasil

São Pedro da Aldeia - Brasil

O JARDINEIRO Antes do sol O jardineiro aquece a flor E o hálito das auroras perfuma sua boca. Sabe das linguagens da terra onde formigas traçam a lucidez dos caminhos. Na palma das mãos tem o mapa das folhas a umidade do chão invade suas unhas tulipas brotam-lhe dos olhos e ele toca nos zumbidos das abelhas.

BOLHAS DE SABÃO De um sopro Elas voam... Sobem, descem e espirram felizes por toda a parte: parecidas, coloridas, inquietas e enfeitadas por crianças ao ar livre...

E ao erguer os braços aos esplendores dos céus escuta o despertar das sementes! E o mundo habita a primeira árvore.

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2013

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1º Lugar

Alberto Pereira Afonso M. Tavares (Pseudónimo)

Domingos Freire Cardoso Raio de Luar (Pseudónimo)

Parede - Cascais

Ílhavo

A idade parada é um lugar que já não volta

Tentação

A idade parada é um lugar que já não volta. Do pó que sobrevive libertam-se as longas crinas do coração. Nas veias, as flores de taco raso aguardam uma acrobacia.

O vento está dormindo na calçada A tempestade o pôs fora de portas Já ia alta a noite, a horas mortas, Quando ele entrou em casa de madrugada.

Havia tantas vozes na loucura das tuas pedras. Os dias aprenderam a acontecer sem ti. O tempo findo vai levitando nuvens. Primeiro uma, depois outra, até a desolação pairar como ave de rapina. Nas pálpebras debica um dialecto assustado. Sobre as cidades dolorosas anuncia-se finalmente o idioma da chuva. Lágrimas.

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2º Lugar

Andou a perseguir uma nortada Que se agitava amena, em curvas tortas, Pelos campos lavrados, junto às hortas, E nela se enredou, noite fechada. Não foi, de modo algum, um caso sério Somente as aparências de adultério Que agora paga, exposto ao pó da rua. Em casa todos dormem sem cuidados Só os raios do luar, sempre acordados, O cobrem com a luz que vem da Lua.


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

3º Lugar

Prémio Revelação Juvenil

Fernando Guilherme Silvano Lobo Pimentel Lobo Frade (Pseudónimo)

Miguel Lima da Silva Pequeno Príncipe (Pseudónimo)

Paço de Arcos - Oeiras

Cabo Frio – Brasil

Matemática Discreta

Pássara Mãe

Eu queria agradecer aos números inteiros Pela evidência do que importa realmente Não há muitos motivos verdadeiros E os que há é porque o são discretamente

Como o sol nascido cedo da manhã, Calor infinito de todo o dia, É o amor por ter sido escolhido seu talismã. De feto, o afeto me fez vida.

Tudo o que é natural e vale a pena Conta-se com uma matemática decente Coisas juntas em partes da dezena Como átomos, palavras e gente

Eu tive medo nos primeiros passos, Você me acolheu e encolheu com seus abraços E seu olhar nunca se esqueceu de me falar: “Filho, isso tudo passará…”

Tenho horror ao número virgulado Essa espécie de pessoa dividida Que aparenta precisão em todo o lado Porque reduziu uma parte da sua vida

Pássara mãe me ensinou A bater asas e sonhar, Não se prender na gaiola que eu sou, A liberdade é muito mais que voar ou andar.

Lamento muito as casas decimais Abrigo olímpico da competição Como se os homens fossem todos iguais Apenas distinguíveis por uma fracção

Hoje, não há mais pena onde caírem penas, A troca de plumagem é maturidade, apenas, O ninho de carinho sempre existirá, Pois mãe, “isso tudo pássará…”

Só quero o amor que dizem infinito De alguém que se aplica a um certo rosto concreto Com uma matemática inteira como um grito Ninguém ama alguém no quociente correcto

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2014

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1º Lugar

Regina Gouveia Cristiana Dantas (Pseudónimo) Porto

Giulia Barão Maria Namu (Pseudónimo) Porto Alegre – Brasil

ODE À NOITE

CONTRAPESO

Ao crepúsculo, Amoras rubras adormecem, Esmaecidas.

Se porventura me observam percebendo que carrego. um grande peso nas costas abro um sorriso e explico: isso tudo é contrapeso no exato inverso do sonho mantém meu corpo no solo enquanto o resto alça vôo.

Anoitece e o cheiro do feno perfuma o ar. Voluptuosa, a noite, ornada de estrelas, assedia o mar. Nuas, as estrelas, ao som da música cósmica, dançam lascivas. Discreto, o silêncio da noite tece o vazio. Na noite, flui o amor como se fora um rio.

72

2º LUGAR


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

3º LUGAR

PRÉMIO REVELAÇÃO JUVENIL

Ernesto Maciel Paulo Basto (Pseudónimo)

Francisco Lima Luís Faro (Pseudónimo)

Coimbra

Viana do Castelo

POR OUTRAS PALAVRAS

1.

Agora que o futuro chegou, digo do tempo em que os olhos não tinham ponteiros e os dias eram verdes e longos como braços de vento.

Cinzas de rosas queimadas, Outrora seiva, outrora cale, outrora pétala, outrora amor Estacionadas no parapeito da janela, olham a vida lá fora Pedem-me para voar, corro a janela e a brisa encarrega-se do resto

Isentos de sombra, corríamos descalços pelos telhados, enquanto nos jardins a chuva marcava a cadência dos nossos passos, ébrios do cheiro a terra molhada. Todos os milagres eram possíveis: rebobinar o sol e tecer as primícias do acorde já vibrado, da carícia já cingida, do primeiro amor já deslumbrado. Tudo era uma linha recta, sem começo nem fim, e os outros apenas garantiam que nós existi(a)mos - e isso nos basta(va), outrora agora.* * outrora agora, Fernando Pessoa [Cancioneiro]

73


2015

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1º Lugar

Pedro Manuel Martins Baptista Oliveira (Pseudónimo) Coimbra

Joaquim da Conceição Barão Rato Helena Margarida (Pseudónimo) Beja

SOB EPÍGRAFE DE AGOSTINHO GOMES Só para vestir a Primavera E imitar o canto dos pássaros. Agostinho Gomes 1. trago palavras na algibeira palavras que buscam um sentido outro ao que as veste quando a noite cai embalado nos braços da insónia deito-as sobre a mesa e sonho a primavera do poema 2. lá fora o vento acorda as árvores enquanto as palavras essas alinhadas em verso em si descobrem o próprio cântico dos pássaros

74

2º Lugar

VENDE-SE CORAÇÃO Vende-se um coração, velho, cansado, Que sempre se doou, partido em cem, Quem quer fazer um lance, se é que tem Espaço p’ra, depois, o ter guardado? Quem se candidatar saiba, porém, Que o coração que vai ser leiloado, Se vende tal qual ‘stá, no mesmo estado Em que ficou das lutas de que vem. Não leva garantia e tem tal uso Que, muitas vezes, bate já confuso, Descompassado, sem se controlar. Quem o comprar também é bom que saiba Que tem que ter um peito aonde caiba Um sonho imenso por concretizar.


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

3º Lugar

Prémio Revelação Juvenil

Carla Marisa Pereira Vieira Pais Alfredo Júnior (Pseudónimo)

Paulo Ricardo Morais Silveira Júnior Augusto Mendes (Pseudónimo)

Quincy-sous-Sénart – França

Barueri – Brasil

Assimetria dos lábios

“Promontório”

Saio depois da terra se curvar no abismo do firmamento e bater asas para lá dos ninhos onde se esfregam os galhos quebrados de uma árvore – folhas de chão que emergem no seio da noite – entre o peito branco e o queixo negro dos vultos. É a escuridão que traz a gravidade cósmica aos pés, Às pernas e ao gesto, tudo no prumo de um equilíbrio enrugado (como a perenidade do fogo que lambe as entranhas do mar ou do corvo ajoelhado na sombra da asa)

Não arranco folhas de arbustos Nem do solo, crisântemos. Amparo-me na noite, pois dela sou cúmplice - albergo-me às luas. No mar de outono, a dança dos nenúfares é o acalanto das aves noturnas. Ao coro dos ventos pueris, adormeço. Ao meu redor, minha respiração.

para soprar na fissura da pedra o nome do corpo, no charco de lama o laico canto de um pássaro antigo ou o poema primeiro do tempo, mas a espessura desse tempo vem no apático retardo das coisas, metida na assimetria dos lábios que pousam junto à queda dos astros.

Não espero nem sou esperado.

75


2016

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1º Lugar

Ana Filipa Ferreira de Pinho Parte Incerta (Pseudónimo)

76

2º Lugar Ana Margarida Gomes Borges Animus (Pseudónimo)

Cucujães - Oliveira de Azeméis

Porto

OUTONO DE FRIOS

POUC@COIS@

Foi de pura lã que o meu ventre de vento cobriste. Era um outono de frios, eu, e tecias em volta de mim, à volta de mim, de volta p’ra mim... Eras de lã, mas ainda não era tempo. Eu, de ventos postos, soprava com frios o manto de lã. Sim, que os frios, quando de nada se deixam aquecer, são sempre pedaços do corpo das nuvens e nada as envolve, que elas são só coisas de evaporar pelo céu. Continuavas ali. Despias as ovelhas todas, de tudo, tecias a lã no meu ventre e no meu peito deixavas os nós. Não era tempo, ainda. Não o meu. Eu era o tempo das aves fugirem. Eu era os frios, e neles não florescem ninhos. Com o tempo, com um manto, o teu manto amansou de lãs o vento e o ventre, meu, e o meu peito empurrou as nuvens de nada e os frios ficaram só pequenos dedos de sol. De dedos cresceram mãos, que de quentes ninhos fizeram voltar os pássaros ao meu colo, a parirem ovos no meu peito, batendo asas minha boca fora. Deixara de ser os frios. Era já pontas de primavera. Quando, para mim, era já tempo, o tempo, teu, passou...

Depois da tua partida Alguém tentou aceder ao disco Duro Da minha alma Salvou-se pouc@cois@ Um ponto de ternura Um vírgula entre a raiva e o cansaço Uns parênteses no sorriso da viagem Um resto de umas rimas nos teus braços. O acesso à fantasia ficou bloqueado Como se alguém tivesse removido Os sons e os silêncios dos meus dias. Tento ainda arrebanhar alguns traços Num desespero constante de libertar A música das vogais da poesia.


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

3º Lugar

Prémio Revelação Juvenil

Luiz Coelho Medina Agnus (Pseudónimo)

Beatriz Maria Vieira da Silva Salgueiro Joanne Harries (Pseudónimo)

Nova Iguaçu – Brasil

Santa Maria da Feira

CRIAÇÃO

PARADOXO Crio pássaros E expectativas. Tudo sem gaiolas...

No dia em que a natureza, florir no Inverno Ou o ser humano for eterno, Aí eu falarei. No dia em que a água, tiver o teu cheiro Ou o coração de uma criança não for verdadeiro, Aí eu falarei. No dia em que a morte não for temida E pela coragem eu for invadida, Aí eu falarei.

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2017

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1º Lugar

Tomas Nunes Pessoa dos Santos Sophia de Mello (Pseudónimo)

Celso Takashi Yokomiso Cassandra Alves (Pseudónimo)

Malveira - Mafra

São Paulo – Brasil

s/título

SENTENÇAS

O dia começa quando abrem as livrarias. Há homens que entendem de livros e varandas onde visitam os pombos, mas que perdem a vida a escrever a morte. Há homens que se lavam diariamente com poemas enquanto passam as mãos pelo cabelo. E é muitas vezes um jogo de espelhos.

naquele nada ainda coube uma tristeza

Há homens que fecham o livro com os dedos amarelos do tabaco, que foi tudo o que conseguiram obter. O destino da livraria é este mundo pequeno que se segura numa imagem e escoa as palavras para longe do local onde limpam os pés. Mas há homens que chegam a casa e plantam versos para jorrar à sua porta.

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2º Lugar

naquela queda ainda coube uma rasteira naquele incêndio ainda coube uma centelha naquela dor ainda coube uma doença coube ainda aquela perda naquela ausência naquele erro ainda coube uma sentença


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

3º Lugar

Prémio Revelação Juvenil

Edweine Loureiro da Silva Chefe Apache (Pseudónimo)

Katarine Nogueira Norbertino Marquisa Machado (Pseudónimo)

Soka-shi, Saitama – Japão

Vitória da Conquista – Brasil

QUADRO GÓTICO

LOUÇÕES FORMADAS POR SUBSTANTIVOS FEMININOS

Uma vida pintada com cores carregadas.

Às vezes às avessas de mim: os versos à toa entoam a melancolia, à noite, às claras, às onze horas a existência pesa e perde o sentido de existir.

Até que, numa noite inspirada, trocou o pincel pela espingarda e deu a obra por acabada.

E, com isto os pensamentos, às pressas, não deixam meu corpo cansado dormir.

79


2018

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1º LUGAR

Lisa Alves Azevedo José Maré (Pseudónimo) Costa da Caparica - Almada

2º LUGAR Maria Manuela Ferreira Maria da Utopia (Pseudónimo) Ponte de Lima

Magia

No perímetro da morte

Sou o mágico do vale de tristeza Visto a roupagem garrida do riso Calço sapatos da cor do sorriso Desencanto em ti a maior riqueza Sou céu de esperança em casa de pobre Pássaro doido no voo distante Castelo no ar cavaleiro andante Nuvem montada em cavalo nobre Sou onda-lençol que tapa e destapa Pinto o delírio louco da distância Vejo-me por dentro na minha errância Traço países que não têm mapa Sou velho sou adulto sou petiz Imagino um céu com peixes de prata Cidades lindas sem bairros da lata Sou a palavra que diz e não diz

Parece-me bem que a vida dê as suas voltas para encaixar no perímetro da morte. O mestre sabe que os cálculos entre uma e outra distância não trazem números inteiros mas valores arredondados. E se as sequências ditam resultados variáveis que a memória armazena ou com destreza remove, talvez os sonhos garantam um valor acrescentado. Deus tira a prova dos nove.

80


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

3º LUGAR

PRÉMIO REVELAÇÃO JUVENIL

Tânia Carina Azenha Stella Caelum (Pseudónimo)

Martim da Silva Costa Sonhador (Pseudónimo)

Sanguinheira – Cantanhede

São Roque – Oliveira de Azeméis

Deram-me o Mundo…

Se eu pudesse…

Deram-me o mundo e eu observo… Sentada… Pego no lápis com ele enamorada, Pensamentos roubados… Pensamentos abraçados… De coração alegre ou triste… Expresso o que tento calar. Falo do que ao mundo resiste. Um mal que tento transformar, No silêncio de um olhar, No silêncio e espaço de cada palavra, A palavra que eu conservo. Suficientemente só quando escrevo. Suficientemente a sonhar acordada, Por vezes perdida, por vezes isolada. A rima que a todos faz sentido, É a música que me ponho a cantar! Por ser eu de verdade, Um eu sincero, um sorriso dividido, Um eu sincero, um sorriso de humildade. A palavra pode ser um sonho leve… Pode ser em vão ou durar um momento, Leve como as folhas…leve como o vento… É frágil tal como a emoção, Pois o meu sonho… É o verso desta inspiração! Deram-me o mundo e eu observo…

Se eu pudesse voar, voava até ao horizonte. Se eu pudesse ser um animal, seria um robusto rinoceronte. Se eu pudesse fazer uma festa, ia curti-la até não poder mais. Se eu pudesse ser um jogador, sonharia sempre demais. Se eu pudesse oferecer a lua, seria a minha família a contemplada. Se eu pudesse ter uma floresta, não a deixaria ser queimada. Se eu pudesse ser um caderno, só deixaria que escrevessem bondade. Se eu pudesse ser um lápis, registaria todos os momentos de humildade. Mas no fundo, se eu pudesse, seria tudo o que quero ser. Desde a nascença até à morte, faria tudo para não ver ninguém sofrer. Espalharia a paz por todo o universo, tal como o amor e a alegria. Se eu pudesse ser... Se eu pudesse ser, o mundo assim seria.

81


2019

Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

1º LUGAR

Wellington Kalil de Campos Alves Conde Paladinho (Pseudónimo) Belo Horizonte - Brasil

BARRAGEM A pegada ritual do meu aboio é o antigrito gritante estouro de barragem com cacoete de boiada a boiada de brumadinho e mariana o boom da boiada, o antibumba meu boi, o antiboi da terra onde boia meu coração/oração/ação lugar do desvencilhamento como a flor de lótus se desvencilha do húmus como as montanhas se desvencilham do chão Atrás de barragem tem barragem, tem barragem diga-se de passagem, tem montanha, tem montanha, tem minas, tem mim eu sou a sílaba do caos aqui assinalada/inalada/alada cuja palavra/lavra dividida na ganga da eternidade amarronzada, muito marrom um marrom-escuro, quase escuro ou mesmo escuro por isso mesmo, por acaso, por causa disso e portanto declamo/clamo /amo e odeio na ínvia lama a dispoética lama da alma

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Entanto uma boca entra pra dentro de um grito cheio de formigas na insônia analítica desta página engasgada onde a lama me procura todas as noites vivo ou morto script na garganta como se fosse cactos de onde bang bang


Poemas Vencedores do Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2000-2019)

2º LUGAR Maurício Limeira dos Santos Tobias Menustinha (Pseudónimo) Rio de Janeiro - Brasil

Vencedores Os poemas vencedores de concursos literários são escritos com mãos trêmulas, por bibliotecários alérgicos sentados em cadeiras sem estofamento. Nascem em pequenas e úmidas saletas, junto às escadas, no final dos corredores, em dias obrigatoriamente nublados. Versam sobre estações de trem e fios de cabelo agitados pelo vento, passos descalços na areia e a saudade de um país ou de um amor ou de uma porta que se fechou e partiu o tempo em dois. Você os vê, seus autores, tentando sorrir, nos saraus da associação. Carregam cestos nas costas numa aldeia, numa encruzilhada, numa manhã de chuva. Uma chuva que sussurra sugerindo o quanto não seria melhor para nós abdicar da razão. Os dias nascem e em seguida morrem. E há sempre um lugar inalcançável, uma parede repleta de nomes, e um prato de sopa entre as folhas brancas de papel.

Há sempre (e neste sempre ocorre de fato um vislumbre de eternidade) um laço de parentesco entre o homem e as coisas com que convive. Um vínculo perene e não solicitado que deixa no ar um perfume próprio, e faz com que o visitante – raro, esporádico, imaginário – se imagine numa época estranha onde não se diz tudo, e nessas lacunas de silêncio a insatisfação se perpetua. Não, eles não podem atendê-lo no momento. Ocupados, costuram um longo manto de lã, sob o qual se colocam e se protegem. Mas, sob o manto, faz calor. Muito calor. Assim, os poetas vencedores de concursos literários estão sempre transpirando.

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Elogio à Poesia: Concurso Agostinho Gomes - 20 anos de Poemas

3º LUGAR

PRÉMIO REVELAÇÃO JUVENIL

João Carlos Costa da Cruz Rosa (Pseudónimo)

Rodrigo Miguel Nogueira Soares Penteado Mesquita Edo Nogueira (Pseudónimo)

Febres - Cantanhede

Alcochete - Lisboa

(…) Cai em gotas, das folhas a manhã deslumbrada CARLOS DE OLIVEIRA [A terra freme] A terra freme farta de chuva. A água entrega-se à aspereza das correntes. Uivam douradas dunas na orgia do vento. Ao sul imaculados corpos dormem sobre descampados. À passagem de anjos entre vinhedos a água reflete o verde no rebordo das encostas. Arde ainda o dia na casa de adobo na cinza das palavras.

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unificada melodia A sonolência que em mim se abate Em passeios eternos, viajo com o vento. Não tem mérito, nem tem arte Andar assim, andar isento Das agitações dos vivos. Escolho, de entre os mais passivos, Ou melhor, não escolho, Momentos descomplicados (Escolher seria o meu fim) E por eles, deixo-me levar. Oh, prazer imenso nos ruídos amontoados Que se encaixam em lugar E fazem o seu papel na unificada melodia Que se conjuga com a corrente, Para me esvaziar, e me submeter Ao incrível movimento automático. Toma o vagar conta do meu ser, Levai-me para onde quereis, Sabeis o que fazer; Aqui estarei, muito quieto, Não quero despertar, A sonolência que há em mim.




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