Revista
AJUFE
de Cultura ANO 5 . ABRIL DE 2013 . Nº 8
Ponto de vista Ministros do STJ João Otávio de Noronha e Arnaldo Esteves Lima falam sobre o trabalho no tribunal, preferências culturais e mineiridade Crônicas e contos Chico Buarque e a ditadura, causos verídicos e engraçados, a revolta de um matador que falhou em cumprir seu trabalho: confira histórias contadas com maestria por nossos magistrados Galeria Belas imagens retratadas pelos juízes federais em suas viagens pelo Brasil e o mundo
Nos últimos anos, os azeites da Olivares de Quepu foram premiados nos principais concursos europeus e americanos: Terraolivo / Mediterranean International Olive Oil Competition – Israel, 2012 | Los Angeles Extra Virgin Olive Oil Competition –EUA, 2010 e 2011 Concorso Internazionale L´Orciolo D´Oro – Itália, 2004, 2006, 2007, 2009, 2010, 2011 e 2012 | 4ª ExpoAzeite Concurso de Azeites Extra Virgem –Itália, 2010 12° Concorso Internazionale Oli da Oliva L´Orciolo D´Oro – EUA, 2010
Sabor e saúde desde a antiguidade O azeite de oliva é utilizado desde a Antiguidade pelos povos do Mediterrâneo, e foi um dos principais produtos comercializados pelos fenícios, que, como os povos da Mesopotâmia, os egípcios e os gregos, já o usavam há seis mil anos. Ao longo dos tempos, sua utilização cresceu e sua importância se acentuou, como resultado dos múltiplos aproveitamentos que lhe foram dados, especialmente na alimentação e medicina. Seu consumo tomou grandes proporções na cozinha moderna graças aos benefícios que o azeite propicia à saúde, principalmente os azeites extravirgens, que possuem propriedades e vitaminas que podem prevenir doenças e melhorar a pele, além de conter ainda diferentesvitaminas (A, D, K e E). Dentre os inúmeros benefícios do azeite extravirgem estão sua ação antioxidante, redução do mau colesterol, proteção ao coração e ao cérebro, proteção contra a osteoporose, efeito analgésico, além de hidratação capilar e fortalecimento das unhas. Além de todos esses benefícios, o azeite dá sabor, cor e aroma, integra os alimentos, personaliza e identifica um prato. Graças ao conhecimento de seus benefícios, o consumo de azeite foi difundido de forma a abranger mercados longínquos dos locais de produção. Pensando na saúde e no crescimento do mercado do azeite, a Olivares de Quepu tem investido na expansão da sua marca. A empresa, localizada na região de Maule, no Chile, dedica-se 100% à produção de azeite de oliva extravirgem de altíssima qualidade. As oliveiras foram cultivadas no Vale de Pencahue, na VII Região, cidade de Talca, considerada uma terra muito fértil. No início, apenas 80 hectares e, após uma década, possui 763 hectares plantados. Devido à integração vertical na cadeia de produção, desde produzir as mudas para plantio até o engarrafamento dos azeites, a Olivares de Quepu obtém produtos únicos em sua categoria. Assim os monovarietais 1492 – Frantoio, Picual e Arbequina – e o Oromaule, cada um com a sua característica particular, mas todos com qualidade inigualável, com acidez de 0,2% e diversas premiações, adquiriram fama e prestígio no mercado mundial.
expediente
R C Ajufe - 8ª E
Diretoria da Ajufe • Biênio 2012/2014
Presidente Nino Oliveira Toldo
Vice-Presidente da 1ª Região: Ivanir César Ireno Júnior Vice-Presidente da 2ª Região: José Arthur Diniz Borges Vice-Presidente da 3ª Região: José Marcos Lunardelli Vice-Presidente da 4ª Região: Ricardo Rachid de Oliveira Vice-Presidente da 5ª Região: Marco Bruno Miranda Clementino
Diretoria Secretário-Geral: Vilian Bollmann 1° Secretário: Frederico Valdez Pereira Diretor Tesoureiro: Fernando Marcelo Mendes Coordenação geral: Nino Oliveira Toldo Coordenação de apoio: José Antonio Lisbôa Neiva Jornalista responsável: Alessandro Mendes (Azimute Comunicação) Projeto gráfico: Eye Design Diagramação: Supernova Design Ilustrações: Caio Oishi Apoio técnico • Andréia Levi Colaboradores desta edição: Nicolas Bonvakiades e Iara Vidal Foto da capa: Bernardo Carneiro Ajufe • Associação dos Juízes Federais do Brasil SHS Quadra 06, Bloco E, Conjunto A, Salas 1305 a 1311, Brasil XXI, Edíficio Business Park 1, Brasília/DF CEP: 70322-915 Tel. (61) 3321.8482 e fax (61) 3324.7361 www.ajufe.org.br Os textos assinados são de responsabilidade dos autores e não
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Conselho Fiscal Alessandro Diaferia
Revista não destinada à venda. Distribuição realizada pela Ajufe.
César Arthur C. de Carvalho Warney Paulo Nery Araújo Joaquim Lustosa Filho
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Revista de Cultura Ajufe
Palavra do presidente É com imensa alegria que retomamos a publicação da Revista de Cultura da Ajufe, um veículo que se propõe a mostrar a criatividade, a sensibilidade e o viés artístico de nossos colegas. A qualidade dos trabalhos impressiona. Juízes e desembargadores, acostumados ao ambiente árido e formal da magistratura, revelam-se poetas apaixonados, contistas de fina malícia, articulistas de ideias contundentes. As fotografias surpreendem pela técnica apurada, profissional. Esperamos que esta edição motive mais colegas a revelar esse lado artístico, humanista, filosófico. O resultado é bom para quem aprecia esse belo conteúdo, mas principalmente para os próprios autores, que podem, mesmo que por alguns dias, distanciar-se da solidão que exige a magistratura. O leitor encontrará no artigo Coisas da Viuvez e da Terceira Idade a deliciosa malícia do texto de Edilson Pereira Nobre Júnior. Em Chico & Cia no tempo do sufoco, de Roberto Machado, juiz federal e cronista bissexto, um passeio pela história recente da boa música brasileira, dos tempos da roda-viva, do cálice, de bêbados e equilibristas, de gente que partia e que voltava. Apesar de você, vai passar. Passou. Maria Helena Cisne surpreende em Mi alma Te busca a Ti, com lindas palavras de fé. No poema Era uma vez a mulher, de Edwiges C. Caraciolo Rocha, versos que começam pela era do flerte, da serenata, passam pelos anos dourados, pelo rock’n’roll, pelos anos de chumbo, diretas já, velhas e novas Repúblicas. A mulher se torna forte, chega ao poder. Mas a autora lembra: “Ser mulher é ser feminina a fundo”. Numa linha oposta, o artigo de Everson Guimarães Silva relata o desespero de um juiz anacrônico, avesso à conciliação, à mediação. A ele, juiz do processo, do despacho, da sentença, causam enfado as estatísticas, os relatórios, os índices de produtividade. No conto Júri de vítima viva, a linguagem crua, o realismo quase fantástico de Vladimir Souza Carvalho. Temos ainda os doces poemas de Marcos César Romeira Moraes, a saborosa farofa do finado tatu, de Carlos Geraldo Teixeira, a inocente brincadeira de cavaleiro, de Marcos Mairton da Silva, Sebastião e seu depoimento no fórum, de Gerson Godinho da Costa, e as belas imagens capturadas mundo afora pelas câmeras de Bruno Brum Ribas, Fabíola Queiroz, Frederico Koehler e Bernardo Carneiro. Boa leitura!
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FOTO: BERNARDO CARNEIRO
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sumário
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Q Conto – Vladimir Souza Carvalho Gerson Godinho da Costa
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I Poesias – Maria Helena Cisne Marcos César Romeira Moraes Edwiges C. Caraciolo Rocha Marcos Mairton da Silva
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P Entrevista com o ministro do STJ João Otávio de Noronha – Nicolas Bonvakiades e Iara Vidal
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G Fotos – Fabíola Queiroz Frederico Koehler Bernardo Carneiro Bruno Brum Ribas
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C Crônicas – Carlos Geraldo Teixeira Roberto Machado Edilson Pereira Nobre Júnior
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Artigo – Everson Guimarães Silva
Entrevista com o ministro do STJ Arnaldo Esteves Lima – Iara Vidal
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Júri de vítima viva Vladimir Souza Carvalho Desembargador federal
Quando Valdenísio bateu à minha porta, alguma coisa me dizia que havia carniça na estrada, o fedor chegando às minhas ventas. Com o papel na mão, humildemente, até como se pedisse desculpa, me explicou que era uma intimação mandada pelo doutor juiz. E o que tenho eu com isso, que há anos não sei o que é matar filho de Deus algum, o revólver se enferrujando por falta de uso, minha aposentadoria obtida, de casa para o terreno, que é pequeno, mas serve para criar alguma vaca.
Que assassino sou eu que descarrego a arma toda em Austro, acerto nos lugares mais fatais, e ele não morre? Valdenísio explicou que o juiz tinha marcado o júri. E júri de que, se eu não tenho mais morte nas costas, nem jurado sou, nem nunca fui, não entendo. Valdenísio, a voz bem baixa, me explicava que era o caso de Austro. Comecei a me azucrinar, também pudera, Austro estava vivo, vivinho da silva e dos limões, aquilo era uma história que eu não gostava de abordar, e
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porque teria júri se não havia defunto morto, e o homem estava bem vivo, melhor que eu, que, afinal, não conseguia entender a realização do júri se a vítima não habitava as profundas do cemitério. Tentativa de homicídio, seu Manilton, tentativa de homicídio. Dá no mesmo. Tem de haver júri. Dei para me coçar. Era ficar nervoso e a coceira aparecia, nos braços, nas pernas, parecia uma sarna da bexiga, sem cura, as unhas furando a carne, as feridas aparecendo, eu escondendo todas com camisa de manga comprida, para ninguém ver e sentir nojo. Coçava o corpo e caminhava pelos quatro cantos da sala. Valdenísio se achou demais, enrolou o papel, explicou que eu depois daria o ciente e desapareceu. Melhor assim. Deve ter tido medo de lhe endereçar minha raiva. No estado em que me encontrava, a figura de Austro engasgada na goela, ainda me aparecia a história do júri, com a vítima viva. Se era bom para Austro, que tinha escapado do cemitério, porque eu não nego, não falseio a verdade, já encaminhara muitos para o inferno mais cedo, esse caso me deixava irritado. Matador bom de morte, tranquilo nos meus tiros, naquela manhã disparei todas as balas que tinha direito, não conseguindo fazer de Aus-
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tro um defunto novo. Parece que as balas estavam velhas ou cheias de umidade, disseram. Ou o corpo de Austro se fechou, alguma reza pesada de rezador dos bons, que ninguém pode duvidar da proeza dessas rezas e do poder do rezador. O certo é que o sortudo foi para o hospital golfando sangue, morre, não morre, um padre é chamado para a extrema-unção, acende uma vela, mas não morreu. Para um matador como eu, aquilo representava, como representa, uma desmoralização, no duro e na batata. Que assassino sou eu que descarrego a arma toda em Austro, acerto nos lugares mais fatais, e ele não morre? Parecia que todo meu passado de muitas mortes, não por minha vontade, mais por minha disposição de não engolir desa-
ciência a gente também tem das coisas, não sendo privilégio só de homem de anel grosso de formatura no dedo e de placa de doutor na parede da frente da casa. Ademais, dos meus disparos anteriores, todos se foram para o cemitério, porque nunca dei ousadia de errar um tiro. Só o caso de Austro desmoralizou minha rotina de matador fatal. Aí a conversa pipocou na rua, nas críticas que recebi (pelas costas, naturalmente, que na minha cara ninguém teria coragem de abrir a boca, ninguém teria, não, ninguém tem!, ainda hoje, assim velho como estou), o revólver ficando enferrujado, a mão tremendo, a frieza indo embora. Quanto mais pensava em Austro sobrevivendo, mais me irritava. O padre veio conversar comigo. Seu Ma-
...o juiz não vai errar num caso tão simples, aliás, tão simples, que se eu fosse ele mandava chamar a vítima e dizia que se desse por feliz ao escapar, dando tudo por encerrado, que assim era melhor para todos... foro, se diluía ante uma morte não consumada. E quem ia acreditar no defeito das balas? Antes atribuiriam à tremedeira de minha mão, esse povo não presta mesmo, a língua maior que a serra de Itabaiana, decepcionado com a tragédia não ocorrida, Austro vivo, eu, danado da vida, por ter, pela primeira vez, errado os disparos. Aposentei o revólver. Não aceito mais provocações. Estava cansado de matar e de ir a júri. Chega. Cuido só do meu terreno e do gado, além dos ganhos da aposentadoria, que é pequena. Mas ninguém se ponha a valente no meu caminho que posso esquecer o juramento. Vivi minha vida desde então recolhido no meu canto, sem saber que as balas perdidas iam terminar em júri. Júri com vítima viva, quem nunca viu uma coisa dessa?! Se o homem não morreu, não há defunto, não havendo cadáver, não há lugar para o júri. Era o que eu sabia e pensava, que
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nilton, pelo amor de Deus, pare com essa mania de matar. A salvação de Austro tem o dedo de Deus. Eu aguentando o sermão no meu focinho, a vontade de triturar o revólver na cara do padre, para não passar mais vexame, a conversa miúda do povo a invocar Deus e todos os santos do céu. Manilton está velho. A mão treme. Não acerta nem uma vaca a menos de um metro de distância. Manilton caduco, na cadeira de balanço, não fazia mais medo a ninguém. Até cachorro vira-lata late em sua porta, os gatos capados cagando em seu telhado, passarinho zombando dele no terreiro da casa. Deviam dizer, na minha ausência, se esclareça, mesmo porque, apesar da idade avançada, imponho respeito. Tudo isso aguentei calado. O padre no meu pé, insistindo, renovando o sermão, me fazendo ir à igreja para a comunhão, eu ajoelhado no confessionário, todos vendo
e dando piada, que eu ia terminar em algum convento como frade, ou distribuindo hóstia na hora da missa, eu debulhando meus pecados, as mortes todas que a Justiça me absolveu, meu advogado dando discursos, tirando os óculos e os colocando no nariz, contando mentiras e conversa mole, os jurados com medo de mim, porque sabiam de minha força e de meu gênio espevitado, o promotor abrandando a acusação, os jurados me absolvendo, eu forte como um touro, o peito parecendo um mourão bem grosso, defendendo minha honra, matando o que se atrevia a me desafiar, como aquele moleque, que depois de abrir a porta em uma das minhas filhas, veio me dizer, a cara mais safada do mundo, que não tinha sido ele, o autor era um pepino, mas casava para a menina não ficar falada. Você casa é com meu revólver, filho da gota, e atirei nas suas buchas, na cara, bem na boca, para não me dizer mais nenhum desaforo. O moleque se aproveita da menina, depois vem com essa história de pepino, falta de coragem para assumir o que faz. Mas agora, prestem bem atenção, antes era júri de vítima morta, mortinha, enterrada no cemitério, na presen-
ça de todo mundo, a esta altura só osso preto e desintegrado. Júri de vítima viva só podia ser vingança de todos os defuntos, em conchavo com o Satanás, contra minha pontaria. Eu, que nunca errei um tiro, não me gabo, nem conto vantagem, porque é verdade real, no martelo e na uria, ia agora ser julgado, a vítima viva, rindo, nas minhas costas, das balas úmidas, descuido danado. Um valentão como eu, que matei um de cascudo, que não aceitei o promotor no primeiro júri, o promotor brancão, parecendo barata descascada, que me provocou na instrução de um desses processos, porque foram muitos, e eu disse depois ao advogado que aquele indivíduo não aparecesse no júri, senão eu torava ele com um cascudo também, aplicado bem no cocuruto da cabeça, no momento em que ele fosse pregar contra minha pessoa, e ele não foi, pediu licença do serviço, se retirou da comarca e não retornou mais, no que fez muito bem, quem manda me azuretar o juízo, mas, repito, para a gente não perder o fio da conversa, um valentão como eu, aliás, mais forte que valente, diria disposto, não podia agora, no final de vida, que não me interessa viver
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muito, vivo enquanto for homem e caminhar com minhas pernas, não me deleitando ficar na cama amassando cocô, ir para o júri com a vítima viva. É desmoralização formalizada, oficializada e sacramentada. Comigo mesmo, não. Não conheço as leis, doutor não sou, mal assino o nome, dominando apenas as contas, porque senão algum sabido passa a gente pra trás, não vou discutir com os que têm leitura. Se o doutor juiz marca júri assim é porque pode, o juiz não vai errar num caso tão simples, aliás, tão simples, que se eu fosse ele mandava chamar a vítima e dizia que se desse por feliz ao escapar, dando tudo por encerrado, que assim era melhor para todos, para ele, juiz, que não perdia tempo, para a vítima, porque estava viva, e devia mandar celebrar missa de ação de graça todo dia, e para mim, que não ouviria toda aquela história outra vez, mais uma vez, sem poder fazer nada, primeiro contando de minha própria boca, depois ouvindo da cabeça de Austro, para, depois, ser obrigado a ficar entre dois soldados, companhia que não me agrada, escutando a ladainha arrastada e cantada do doutor promotor, senhores jurados para cá, senhores jurados para todo bichinho que tivesse a obrigação de ouvi-lo. Fui para tanto júri que cansei. Em cadeira de júri não me sento mais, fico incomodado, com dor de cabeça, me sentindo mal, vontade de vomitar, a coceira danada nos braços e nas pernas, envergonhado, confesso, com o fato de não ter matado Austro, bicho sortudo, se aproveitando de minhas balas estarem defeituosas para não morrer, moleque safado. Quando soube que o infeliz tinha escapado, quis ir à casa dele para fazer o serviço correto, com balas novas, mas Sinézia não deixou, travou meus passos, estava cansada de me ver matando e correndo, sendo preso e levado a júri, criou coragem a Sinézia, me colocando o dedo no nariz, se eu fosse homem, que matasse ela logo e de verdade, porque estava há muito morta de vergonha de tanta morte, de tanta miséria que eu tinha cultivado e plantado. Sinézia na minha fachada, tomando minha arma, ela sempre submissa, calada, obedecendo a minhas ordens e ao meu mandar. Acabou, Manilton, aca-
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bou, ninguém vai mais se transformar em finado por sua mão. Ninguém, ouviu, o dedo no meu nariz, que homem nenhum nunca teve a disposição de colocar, Sinézia colocou, e eu me acovardei, obedeci, calado, espantado, sem coragem para abrir a boca, Sinézia avançando em minha direção, disposta, arretada de coragem, eu recuando, gritei ainda que matava ela, Sinézia no meu calcanhar, mata logo a mãe de seus filhos, que de vergonha ando cheia, eu com a arma na mão, fui baixando, baixando, tirei as balas, disse, toma, Sinézia, guarde, um dia a gente pode precisar, e Sinézia pegou a arma, Deus há de nos ajudar a nunca precisar disso, e voltou para a cozinha, sem tocar mais no assunto. E, ora e agora, júri marcado, Austro vivo, na minha cara, contando tudo como ocorreu, eu atirando, as balas acertando o corpo do teimoso, ele cai aqui, se levanta ali, o sangue jorrando, minha alpercata se sujando dos pingos vermelhos, esperando ele se virar para atirar bem na caixa dos peitos, que nas costas nunca dei ousadia de disparar. Austro vivo no hospital, retornando de cadeira de roda, eu vendo tudo aquilo calado, o peido preso na barriga, Sinézia no meu calcanhar, não mato mais, prometi, está acabado, o revólver é para me defender, se necessário for, uma cobra que me apareça, um ladrão que tente roubar meu gado ou minhas melancias, mas para matar nunca mais. Prometi, prometi. Mas tudo isso antes da notícia do júri. Sinézia está calada, sentada na esteira, a máquina no chão, costura alguma coisa, comigo não fala nada do júri, me olhando com a cara sisuda, fazendo de conta que nada está acontecendo. Ela sabe no que penso. Eu sei no que ela pensa. Basta um olhar para o focinho do outro. Valdenísio voltou com o papel na mão. Seu Manilton, o senhor se incomoda de dar seu ciente? O doutor juiz vai exigir, o senhor sabe como é, eu sou apenas mandado, não tenho nada com isso, por mim as coisas ficavam como estão, mas meu apito é surdo, quem manda é o doutor juiz e, o senhor sabe, o homem vive com os códigos abertos, consultando, anotando, lendo, falando em constituição, em lei tal e tal, despachando, lavrando sentença, não
deixando processo algum sem seu decisório. Esse, seu Manilton, é bom de verdade, não recebe político com reverências e excelências, nem participa de procissão, é só trabalhar. Eu coloco meu nome com dificuldade, letra desenhada, paro, soletro, verifico se está certo, é outra coisa que me incomoda escrever o nome, a lentidão, Valdenísio me fitando, soprando as letras, minha escrita sai graúda, a caneta é por demais leve para meus dedos acostumados a muito peso, ao peso do revólver, Manilton Couvo Catuninho, finalmente rabisco, não sei quantos minutos de caneta na mão, Valdenísio de olho aceso, preocupado com o ciente no papel, para confirmar a intimação, saindo em seguida, desculpas muitas, ora, seu Valdenísio, eu preciso ficar sozinho, no terreiro de minha casa, me balançando na cadeira, pensando no que vou fazer, a palavra dada a Sinézia projetando mergulhos rasos na minha mente, não mato mais, não mato mais. Até agora tinha cumprido a palavra, que palavra dada para mim é lei, não preciso assinar papel para confirmá-la. Mas isso foi antes da notícia do júri, repito. A gente pensava que não tendo Austro se tornado finado, a Justiça não ia se incomodar com uma besteira dessa. Depois, nunca mais tinha sido intimado, nem ido à audiência, pensando que tinham resolvido a pendenga. Mas o doutor juiz desenterrou o processo, marcou data para o júri, mandou me chamar. Eu ia, tinha de ir, não fugiria de intimação, porque assumo o que faço e me justifico. Nunca matei por dinheiro. Nem por vingança, que esta sempre foi prato para se comer frio, e eu só gosto de comida quente, nem nunca tive motivo para tocaia, sempre enfrentei meus desafetos de frente, olhando para o fo-
cinho de todos. Mandei alguns, não sei quantos, para o cemitério, por questões de honra, porque homem de bem não se engasga com desaforo. Ou reage ou o desaforo desce. Preferi reagir. O primeiro foi o safado do perneta que jogou uma bola nas pernas de minha
Ninguém, ouviu, o dedo no meu nariz, que homem nenhum nunca teve a disposição de colocar, Sinézia colocou, e eu me acovardei, obedeci, calado, espantado, sem coragem para abrir a boca filha mais velha, para ver se ela escorregava e caía. Queria que a menina, na queda, mostrasse as coisas que, na idade dela, não se exibem na rua, nem em lugar algum. Ela chegou em casa chorando. Fui falar com ele. Mentiu. A palavra de minha filha tinha mais valor. Irritado, atirei no safado e na bola. Não vou narrar os motivos das outras mortes colhidas, porque o júri me absolveu toda vez que me sentei na cadeira ao lado dos soldados. Mas, admito, esse júri agora, quando até minha aposentadoria já está ficando velha, quando dizem que estou caduco, e quem quiser que pense que estou mesmo, é de lascar para ser aceito. Não passa na minha boca. Não desce na minha goela. Não consigo mastigar a ideia, parecendo o fruto da barriguda que ninguém quebra com os dentes para tirar a lã, a não ser com o uso de pedra. Aí a saída.
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Chego para Sinézia e largo o verbo. Quero o revólver de volta. Vou resolver tudo. Se é para ir a júri, prefiro com morte, não com tentativa. Vítima viva, assassino preso, isso é desmoralização que não aceito, uma esculhambação para minha velhice que merece respeito. Prefiro matar, ir para a cadeia, mas de cabeça tranquila com o serviço feito. O jeito que tenho assim é matar Austro. Vou dar um cadáver de presente à Justiça, para poder ir a júri com a cabeça leve e o dever cumprido. Desta vez vou botar bala nova no revólver, para não ocorrer falha. Sinézia amarra a cara. Chora. Fica mais feia ainda. Vai começar tudo outra vez. Só esta, Sinézia, só esta vez, é a última, prometo, e tá acabado. Preciso de sua permissão. Você quer que eu morra com essa história na minha garganta? Quer me ver passar o resto de meus dias envergonhado? Ou quer me ver feliz, ainda que preso? Você me conhece, Sinézia. Quero a sua permissão. Suplico, peço, requeiro, imploro, me ajoelho até nos seus pés, se necessário for. As filhas perguntando, você diz que tirei a arma escondido, que é para não comprometê-la. Peço, insisto, reitero, repito as palavras e os argumentos. Sinézia vai ao quarto e traz o revólver. Não abre a boca. Limpo, passo graxa, disparo várias vezes, sem bala, até que considero a arma pronta, o dedo do fura bolo impaciente para puxar o gatilho. Saio de casa certo de matar Austro, para cuja residência me dirijo. Entro na avenida, não respeito o canteiro das algarobas, me enfiando, depois, por várias ruas, dobrando aqui e entrando ali, rua pela frente que não se acaba mais, nunca pensei que a cidade estivesse tão cheia de biboca. Sei onde é a casa. Mato Austro nem que ele se esconda debaixo da cama ou se meta dentro do pote. Arranco o filho da puta de onde estiver, até da fossa da latrina. Atiro e mato, mato mesmo, de verdade, disparando de frente ou de costas, quebrando todos meus mandamentos. É a última morte que provoco. Depois me
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desloco até o fórum e me entrego ao doutor juiz. Ir a júri eu vou, não corro de meus compromissos, mas júri de vítima morta, defunto de verdade, serviço completo para promotor nenhum botar defeito. Atravesso mais algumas ruas em direção a casa de Austro. Sinézia ficou chorando no terreiro da casa. Os que me veem e me conhecem podem não saber das minhas intenções, mas percebem, pela minha cara carrancuda,
Tinha mesmo de me submeter ao júri com a vítima viva. A desmoralização estava completa, fardada e paramentada que vem chumbo grosso por aí, na certa, o monstro está de volta com as presepadas de suas mortes. Ninguém tem coragem de se colocar no meu caminho. Na porta de Austro, não preciso tirar o revólver da cintura. A casa está fechada. Pergunto pelo morador. Saiu. Desapareceu. Se mudou de noite para o dia. Foi embora, ninguém sabe para onde. Espero. Bato na porta. Grito. Chamo. Venha, Austro, que tenho algo para lhe dar. Chuto a porta. Espero. O silêncio como resposta. Retorno para casa, puto da vida, a cara mexendo, passo rápido, olhando o paralelepípedo do chão, fulo de raiva, chateado e vencido, mastigando fumo e arrotando fumaça. A realidade era mais forte que minhas balas novas, que voltavam intactas. Tinha mesmo de me submeter ao júri com a vítima viva. A desmoralização estava completa, fardada e paramentada. Só faltava ser condenado e ir para a cadeia. Resignado, devolvo o revólver a Sinézia. Tome, guarde, jogue fora, enfie onde quiser que essa merda não serviu para nada. Fico no terreiro, sentado. A cadeira de balanço vai para a frente e para trás, comigo no comando.
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Sebastião Gerson Godinho da Costa Juiz federal
Sebastião preparou a sua melhor roupa. Um paletó já com as pontas das mangas puídas, calças de poliéster com uma das barras dobrada na altura de onde estaria o joelho e a outra acima do tornozelo sem meia, uma
Mas o pai mereceu a homenagem póstuma. Fora quem o educara, ensinara tudo. Especialmente o que é certo e o que é errado. Nem foi preciso escola camisa branca cujo colarinho lhe comprimia o pescoço e uma gravata com imagens indescritíveis, ainda mais prejudicadas por
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pequenas manchas de gordura. Roupas que Sebastião reservava apenas para ocasiões especiais. Comprara o conjunto a prazo numa agora inexistente alfaiataria – pagara religiosamente as prestações do carnê – para o casamento da filha. De quem, infelizmente – declara aos mais próximos – não tem mais notícias. Depois, Sebastião usou-a no sepultamento do pai. A melhor roupa no momento mais triste da sua vida. Mas o pai mereceu a homenagem póstuma. Fora quem o educara, ensinara tudo. Especialmente o que é certo e o que é errado. Nem foi preciso escola. E o batizara. Com o nome de um herói, rei ou santo português. Sebastião não lembrava. Depois do banho, mais demorado que de costume, e do talco passado no tórax e nos pés, Sebastião passou a vestir cuidadosa e demoradamente seu traje. Pensou que o ideal para a ocasião era borrifar perfume, mas não havia dinheiro para esse luxo. O que ganhava com a aposentadoria mal lhe permitia gastar com alimentação e com medicamentos. Deixara de trabalhar quando amputada sua perna esquerda num acidente de traba-
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lho. É verdade que poderia se empregar em outra atividade que não o ramo da construção civil, ao qual dedicara toda sua vida antes da fatalidade. Afinal, o dono da vendinha da esquina sempre declarara para quem quiser ouvir: “como é sabido esse seu Sebastião”. Sebastião conversava sobre qualquer assunto, mas preferia futebol e política. Estava convicto de que poderia aconselhar o presidente, o governador ou o técnico do seu clube de coração. Tem experiência de vida. Viu muita coisa. Sabe do que o povo precisa. Enquanto se vestia, lembrou de quando uma moça bonita perguntara ao seu senhorio onde residia o seu Sebastião. O senhorio apontara a habitação número doze do cortiço, o quarto que Sebastião não cansava de chamar de seu reino. A moça bonita indagara se ele era o seu Sebastião de tal, ele assentira com a cabeça, e ela passara a falar que ele estava intimado a comparecer no fórum, perante o juiz, na condição de testemunha da defesa do filho da vizinha. Puxa vida! É lá no fórum que fazem justiça! E o juiz queria ouvir Sebastião! Como o juiz é um homem estudado, certamente queria contar com a experiência de Sebastião para o julgamento do filho da vizinha. Sempre foi bom aquele rapaz. Até o momento em que começou a andar com a turma lá da outra rua. Dizem que é problema com drogas. E desse assunto Sebastião entende. Perdeu muito amigo para a bebida. Ou porque a bebida matou o amigo ou porque o amigo foi morto em razão de bebida. Mas lembra especialmente de um, conhecido de infância, que largou o vício e hoje é homem de religião. Pois é disso que essa juventude precisa, pensa consigo, já ensaian-
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do o depoimento, de religião. Qualquer religião, porque Sebastião não é preconceituoso. Sabe que todas devem ser respeitadas, do batuque até os evangélicos. É isso que vai falar para o juiz. Em seu devaneio, cogita não apenas influenciar o julgamento, como também de o juiz se impressionar de tal maneira e indicar Sebastião a seus colegas, para depor em outros processos. Quem sabe até outras autoridades, como o prefeito, encontrem em Sebastião o homem certo para acabar com as drogas. Calçando o sapato, lembrou da ajuda do pastor. Como Sebastião estava com vergonha de usar o tênis Nike falsificado que comprara com desconto na vendinha da esquina, o pastor não titubeou em emprestar para Sebastião o calçado de verniz que utilizava nos cultos. Também, precisava só de um!, sorriu Sebastião. Fora tão cuidadosamente engraxado que brilhava. Assim como brilhavam as muletas. Olhou-se uma última vez no minúsculo espelho com manchas e certificou-se: bonito, hein, Sebastião? É capaz até de arrumar namorada... Sebastião tomou o ônibus por volta das dez horas da manhã. Não gostava do motorista. Era um sujeito que sempre mantinha no rosto a expressão de impaciência quando Sebastião embarcava. Ora! Que esperasse. Não é fácil, para quem tem uma perna só, subir e descer do ônibus. Após o longo trajeto, conforme calculara, Sebastião chegou na frente do fórum por volta das onze e meia. O depoimento estava marcado para as catorze horas. Tinha disponível um bom tempo para prosear com as outras testemunhas, com a vizinha e com o advogado do filho da vizinha. Quem sabe o advogado já dissesse antes do início da
audiência para o juiz: “esta testemunha, Sebastião, é muito sabida, excelência”. Nunca se sabe! E outro sorriso de satisfação aflorou no rosto machucado pelo sol de Sebastião. Por volta do meio dia apalpou a sacola plástica que continha o sanduíche para o almoço. Mas estava tão ansioso que não tinha fome. Preferiu alcançá-lo para um menino sujo e com os pés descalços que rondava o local pedindo dinheiro aos passantes. Lembrou-se vagamente da infância...
Sebastião conversava sobre qualquer assunto, mas preferia futebol e política. Estava convicto de que poderia aconselhar o presidente, o governador ou o técnico do seu clube de coração
Respirou fundo e ingressou no fórum. Então viu o tamanho do desafio, antes impensado. Num prédio de mais de dez andares, com diversos corredores e inúmeras salas, onde é que tinha de ir? E havia tanta gente! Todo mundo com pressa! Calma, Sebastião, calma! Pergunta ao vigia! Qual a Vara, senhor? Quem é o juiz? Qual o nome do réu? Sebastião não sabia! Só conhecia o nome da vizinha e que o menino estava envolvido com drogas. Bem, então restava a Sebastião, segundo orientação do vigia, ir de sala em sala, em todo o quinto e sexto andares, onde estão as varas criminais. Pergunta daqui e dali e finalmente Sebastião chega ao local correto. Mas já eram catorze horas e dez minutos! – Boa tarde, senhora! Vim falar no processo do...
– O senhor é o Sebastião? – Sim! – Então venha comigo, rápido! O senhor está atrasado. E o juiz não tolera atrasos. Com licença, Excelência, estou aqui com o senhor Sebastião, testemunha do processo em audiência. – Manda passar! – Entre aqui, seu Sebastião, e sente naquela cadeira em frente ao juiz. – Olha aqui, Sebastião, eu não tenho tempo a perder com suas justificativas. Estou atulhado de processos e todo mundo cobrando julgamentos rápidos. Se acontecer novamente, vou colocar um oficial de justiça e um policial para te trazer algemado. Entendeu? – ... – É parente ou amigo íntimo do réu? – Não, senhor. – Sabe que ele foi preso no dia 14 do mês passado numa birosca lá no bairro Antunes com quinze gramas de maconha? – Não, senhor. Mas eu queria dizer... – Eu faço as perguntas e basta que respondas sim ou não. Como não sabe de nada... com a palavra, a defesa. – A testemunha abona a conduta do réu, excelência? – Como é o réu lá na área, Sebastião? É um rapaz tranquilo? Problemático? Como é que é? – Eu não conheço direito ele, mas eu queria dizer... – Está bem. Está bem. Prejudicado, doutor, concorda? Ministério Público? – Sim, excelência. O testemunho é perfeitamente dispensável. – Está bem! Sebastião, dispensado!
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inspiração poética
Mi alma lma Te busca a Ti Maria Helena Cisne Ma Desembargadora federal
Mi alma, sedienta de paz, sale en busca de Ti... No sé dónde buscarTe. Pienso verTe en las estrellas más brillantes. También el oro del sol sugiere Tu presencia. Te presiento aún en el verde oscuro del mar, en el azul turquesa del cielo, en el débil plateado de la luna. Me gusta imaginar que naces en el frescor de la aurora y viajas en el dorado del ocaso. ¿Dónde Te escondes de mi? Te veo y, en la realidad, no Te veo... ignoro las líneas de Tu rostro, pero en todo lo que encuentro me parece revelar Tu semblante. Quiero amarTe. ¿Cómo? No lo sé hacer. ¡Eres tan etéreo, tan abstracto! Me desconcierta Tu inconcretud, que no deja poseerTe. No sé amar de Tu manera. Aún así, todo mi ser te aspira a Ti. Ven a mí, te lo ruega mi alma hambrienta de Ti... Y así me encuentro perdida en el caos de las sensaciones más dispares que luchan como las energías en el vientre de las nubes de tormenta embarazadas, sacándome la paz. Si no estás aquí, allá, o incluso ahí, ¿dónde estás? Mi mente racional no me contesta. Sin embargo me dice mi corazón místico: en todo estás, en todo Te expresas, en todo Tu eres. Incluso en la desesperanza de la mirada del mendigo Tu estás. Acompañas las tristes lágrimas derramadas en la cama del enfermo. Presencias la desolación de la mesa no puesta y de la olla vacía.
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Si es así, me parece, estás en mí también. Si estás en mi, ¿dónde te encuentras? Te procuro. A mi me parece que Te abrigas en el más íntimo lugar de mi perplejo corazón. Mis revueltas emociones y mis confusos sentimientos me hablan de Ti. Los investigo, los interpelo, los interrogo con autoridad en el ansia de entenderTe. ¡Oh! ¿Cómo me impresiona ver la inmensidad del cielo estrellado, las misteriosas profundidades del océano, el ritmo perfecto de las olas del mar. Pero Tú me constranges cuando Te manifiestas en la fuerza destructiva de los terremotos, en el poder mortífero de las lavas del volcán, en el dolor que acompaña el vuelo de los tornados... ¡Oh! ¡Cómo me emocionas cuando Te expresas en la mano que se le ofrece a otra, en la sonrisa abierta de alguien que sabe perdonar, y en la agradecida mirada de quien acepta el perdón! Pero cómo me duele cuando no escuchas mis oraciones, cuando los hermanos se enfrentan por la ambición, cuando el hambre destruye vidas preciosas... ¡Oh! ¡Cómo Te admiro al sentir la fragancia de las flores, al ver al colibrí revelarTe en los colores, o en el canto del ruiseñor exprimirTe! Pero no Te comprendo en la desigualdad que prevalece entre Tus hijos, en la tristeza de la muerte prematura, en la difusión de Tú nombre de dolor y llanto.
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inspiração poética
¡Oh! ¡Cómo me mueve que hayas inventado al niño sonriente, el suave susurro de la brisa, el suave murmullo del agua! Pero me aterra el egoísmo en el corazón humano, la crueldad y la indiferencia de los gobernantes, la mano cruel que se desató asesina... ¡Oh! ¡Como me extasío ante la grandeza de Tú universo, la fuerza de Tú amor, el equilibrio de Tú obra! Pero cómo me sorprendes con el sacrificio de Tú primogénito, con el holocausto del pueblo que has elegido, con la disputa sangrienta por Tú amor... Oh, sí, confieso que me da miedo cuando oigo de Ti por boca de Tus profetas, que hablan de la eternidad de Tú castigo, que prevé la posibilidad de negar Tú perdón. Y yo, en mi pequeñez y soledad, presa de sentimientos tan polémicos me siento, más que nada, aturdida, luchando entre la consciencia de todavía no saber amarTe, de no entender lo que quieres de mí, de ignorar por completo Tus propósitos, y la realidad de no ser capaz de vivir sin Ti, que eres mi refugio, mi consuelo, mi luz, mi esperanza de paz. Rio de Janeiro, 07 de setembro de 2012
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O dia dia a Hoje o sol iluminou a terra deste lado Do outro lado, o sol escondeu-se para alento daqueles Homens e mulheres fizeram os seus do dia E aqui fazemos os nossos. Chuvas caíram em muitos lugares Em outros parou de chover. Os astros estão em suas órbitas. Muitos vieram à luz E alguns fecharam os olhos para sempre Não mais e nem menos. Algumas pessoas estão tristes Muitas estão alegres. Pessoas olharam-se pela primeira vez Outras juraram não mais se olharem. Pessoas passaram fome pela noite e o dia Algumas até morreram. Frutos foram colhidos e distribuídos Muitos se fartaram. Muitos estão orando por nós e por eles Alguns não oram e acreditam que tudo está bem Tudo como deve ser. Muitos preveem tormentos Outros acreditam em dias melhores. Muitos ardem na lembrança do passado Outros suspiram num sonho de futuro. E há quem vive o melhor de hoje E o melhor de hoje é o dia. E como este, esperamos ter todos os que vierem, sempre.
Desespero D De O que há a procurar, o que há para viver? Andar sem passos, inúteis passos. Ainda cedo e as antigas casas dormem silenciosas. E ali elas já dormem centenas de anos. Parece não haver o tempo. Qual é o tempo? A rua calçada de pedras leva ao mar, O mesmo mar que tantos sofrimentos viu. Quantos caminharam por aquelas pedras? Quantas lágrimas deitaram sobre elas? É um silêncio profundo. E a perturbada alma solitária vaga Nas paredes velhas em que tantos tocaram com a mesma tristeza.
Marcos César Romeira Moraes Juiz federal
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inspiração poética
Era uma vez a mulher Edwiges C. Caraciolo Rocha Juíza federal
À mulher de antigamente O homem fazia a corte Qual pássaro num bailado Movia-se encantado Mostrava talento e pose Ela mui timidamente Fitava-o nessa dança e Ao piscar de olho Sorria-lhe com esperança Então ele sabia: ganhara a contradança O flerte assim começava Podia durar pouco tempo Por vezes cabia se alongar Mas sempre o homem esperava A mulher fazer de conta pensar Excitantes os dias de espera Flores, mimos e serenata ao luar Isso tudo tinha valia Quando o homem queria O coração de mulher conquistar
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inspiração poética
Depois vinha o namoro Com muita gente na sala Mas antes de ser namorada Havia o pedido de entrada Ao pai, avô, ao tio ou padrasto, Não podia a língua ficar travada. Os que não tinham coragem E os sem intenção definida Ficavam trocando amasso No cinema ou na avenida. Vai namoro vem namoro O pai com as barbas de molho Um dia chega o noivado O enxoval todo bordado Com nome e renda no babado Começa a ser preparado O noivo já tem emprego A noiva, o dote guardado Ele doido pelo xodó Ela, com medo do caritó
Enfim as bodas têm vez Nem sempre o homem cortês Que a leva de branco ao altar Do coração dela é o par O conselho pra se casar E a idade pra filho gerar Abafam a opção de estudar Sequer a deixam esperar Pelo príncipe encantado Por tanto tempo sonhado
Questão de acerto ou de sorte Nos casamentos de outrora Quando chegava a hora Do homem a palavra forte Na escolha do bom consorte À mulher sobrava rezar Ou então se rebelar e Fugir pra longe dali Com audácia saber resistir Até o seu ideal poder atingir
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Poucas Joanas D’Arc Seguiam o destino de mártir Embora no casamento Vivessem em sofrimento Havia o lar e filhos para amar O jeito era sublimar O sonho de o mundo mudar Sem da sina de mãe desertar Nem mulher deixar de ser Para a mudança ocorrer
A ação das mais corajosas Medrou nos anos cinquenta Da luta bem mais ciosas Viveram os anos sessenta Aqueles anos dourados Outrora de sonhos apenas Agora em cores e tons variados Soerguem o seu novo mecenas Malgrado aos poucos ainda Prossegue a jornada infinda
A guerra do sexo se acirra Do pai o poder já mirra O mito da virgindade Filho da hipocrisia Restou na fantasia Do medo da verdade A filha de casa sai Em busca de outro pai Quer que se a deixe parir Do gozo o quanto sentir
O samba virou bossa nova Mudou a forma da trova Com Elvis, Beatles e Rolling Stones Jovem Guarda nos microfones O bom é rock e yê yê yê Ao sabor do LSD ou Do fumo de um baseado À guisa do inusitado Os hippies e os novos baianos Clamam por objetos profanos
Nessa longa transição A vida ficou mais dura O Brasil viveu o golpe A força veio a galope Militar com arma na mão Do AI-5 fez seu padrão Nesse cruento regime Quase tudo era crime No poder a ditadura Alastrou-se a tortura
Pobre desta Nação Teve o Congresso fechado Muito mandato cassado e A democracia no chão Do SNI o dedo duro No CODE a ficha do camarada Nada era seguro Senão a boca calada Qualquer impulso era vão Fez gente morrer na prisão
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inspiração poética
Nos idos tempos de agrura Imposta tanta censura A arte foi segregada A imprensa amordaçada A cultura renegada O terror e a guerrilha Tomando a revolta por filha Então fizeram sua trilha Horror e morte na terra do idílio Quão tristes os dias de exílio!
De par ao caos na política A cocaína maldita Causa de tanta desdita Numa sociedade raquítica Sem saúde e educação Rouba-lhe a digna ação Compromete a geração Por entre crise e matança Também a mulher se lança Ela no mundo avança
De Beauvoir – a feminista Bradou no existencialismo Betty Friedman no feminismo Não se pode perder de vista A Thatcher dos ingleses Dama de Ferro famosa Não por gestos descorteses Sim pela firmeza da prosa Leila ou Helena, Diniz aqui é mulher Na disputa do que sabe e quer
A história teve o seu curso Na vez do Figueiredo Premente outro enredo Abriu-se o novo discurso Tancredo no palanque A voz do povo sem tanque Gritou por diretas já Ao lado da bela Fafá De morte golpeado Ficou o exemplo legado
Veio então o Sarney A mira no primado da lei No início com empolgação Depois se perdeu em meio à inflação Clamou pelas donas de casa E a mulher segura da própria asa Não recusou a difícil missão Foi fiscal da economia Respondeu com galhardia Na defesa do ganha-pão
Com a Constituinte eleita A ordem seria refeita Vencia a democracia A Nova República nascia Do seu papel consciente A mulher se fez presente No Congresso Nacional Deu exemplo profissional Musa da Constituição cidadã Fez sua a luta pela pátria sã 28 Revista de Cultura Ajufe
Rompidos os grilhões Abriram-se os portões Mostraram-se horizontes Brotaram novas fontes A mulher buscou o seu lugar Zélia não teve medo de errar Aceitou o desafio do poder Viveu a dor de perder Quando Collor caiu rendido Mercê do erro maior cometido
Sequela do impeachment Mas sem se fazer de vítima Viveu-se o mandato tampão Mais um vice de cetro na mão Itamar dono de muito topete Franco ao gosto pelo confete Encantou-se pela mulher coquete E a cena virou manchete Nada mais desfaz o caminho feito Nem a fúria do preconceito
A mulher não se esquivou A batalha continuou Por detrás de um presidente A grande dama influente Foi além da filantropia Encabeçou com maestria Outras ações relevantes Há tempos aqui faltantes Como Sara dos idos cinquenta A saudosa Ruth foi mulher presidenta
Tantas são as mulheres Com força e garbo de alferes Sem perder da fêmea a beleza Nem o dom de mãe por natureza A elegância de uma condessa Sobressai na firme Condoleezza Não só na América do Norte A mulher se mostra forte Em quase todo o planeta Ela é mais do que ninfeta
No Brasil de norte a sul A mulher também veste azul Onde antes era lugar de varão Hoje muitas mulheres estão Governando, legislando, judicando Mais vozes femininas vêm bradando Dilma, Roseane e Helen Gracie São nomes vigorosos: a mudança fez-se! E já se fala em mulher pra suceder O presidente Lula no poder
Talvez por isso o homem atual Na mulher esteja vendo outro igual Não sabe mais lhe fazer galanteio Servir de chacota ele tem receio Diz que sumiu a dama de dantes Gastam tempo à toa os galantes O romance perdeu atração No seu lugar entrou o tesão A garota já não quer ser cortejada Poucas ainda gostam dessa balada
Atentem, porém, as mulheres: O mais belo e árduo dos seus misteres A verdade imanente da sua existência Além do prazer transcende a contingência Faz dela a deusa, a sempre rainha Não importa se bruxa ou fada-madrinha Ser mulher é ser feminina a fundo Agasalhar a vida, inspirar o mundo Buscar a parte perdida, o elo faltante Transpassar o gozo do homem amante...
Poema feito pela passagem do Dia Internacional da Mulher Recife-PE, 08 de março de 2009
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inspiração poética
O cavaleiro Marcos Mairton da Silva Juiz federal
De trás do casebre erguido à beira da estrada, surgiu o cavaleiro. Brandindo a espada, galopava, montado em seu corcel, levantando da terra seca uma poeira amarelenta. Puxando a rédea para a esquerda, fez o animal dar um giro em torno de si mesmo e erguer as patas dianteiras, empinando. Via-se que estava pronto para viver as aventuras que surgissem e enfrentar os gigantes que o desafiassem. Não, não era Dom Quixote. O Cavaleiro da Triste Figura, bem se sabe, era um homem magro e alto, já velho, que viveu os seus sucessos há muito tempo, nas terras de La Mancha, onde, armado de lança e espada, e protegido por elmo e armadura, cavalgava seu bucéfalo Rocinante. O cavaleiro de quem falo era bem mais jovem. Tinha, talvez, uns oito ou nove anos de idade. Sua espada não era mais que um galho de jurema-preta, do qual foram raspados os espinhos. Seu cavalo era uma vara. Em sua montaria ápode, era com os próprios pés que o jovem cavaleiro galopava. Pés descalços, sujos de terra, ainda pequenos, mas já acostumados ao contato com o chão duro da caatinga. Também não usava elmo nem armadura. Na verdade, corria nu, na sua inocência de menino sertanejo, ainda não contaminada pelos medos e preconceitos impostos desde muito cedo às crianças da cidade. E estava bem distante das terras espanholas. Precisamente, à beira da estrada que liga Canindé a Sobral, no sertão do Ceará.
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ponto de vista
O manipulador do tempo O relógio do ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, funciona em um ritmo diferente: acelerado. Cabe tudo em um dia da vida do magistrado, que chegou ao STJ com apenas 46 anos de idade, mas muita vivência Nicolas Bonvakiades e Iara Vidal
Mineiro por status e cruzeirense por grife, docente, leitor voraz, corredor e jogador de tênis, pai ansioso para que os filhos lhe deem netos, fã incondicional de Roberto Carlos, Chico Buarque, Tom Jobim e Nat King Cole, o ministro do STJ João Otávio de Noronha ostenta uma jovialidade invejável. Integrante da Segunda Seção e da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, membro da Corte Especial, do Conselho de Administração, do Conselho da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados Ministro Sálvio de Figueiredo e ouvidor do STJ, é dotado da virtude quase divina de fazer o tempo trabalhar a seu favor. Essa habilidade foi desenvolvida ao longo de uma vida de muito trabalho, dedicação e conquistas. No STJ desde 2002, Noronha foi diretor jurídico do Banco do Brasil durante dez anos, passando por cinco gestões. Essa vivência do Direito Privado é um dos aspectos que distin-
gue sua atuação na Magistratura Federal e lhe aguçou a sensibilidade para a repercussão das decisões judiciais da esfera do processo individual para a abrangência da vida nacional. Bom mineiro, não é apressado para falar. Não é homem de falsa modéstia nem de jactância. Foi um menino de interior, filho de funcionário público, cujo esforço, energia, capacidade e talento lhe permitiram galgar posições de destaque antes de assumir no STJ com apenas 46 anos de idade. Nesta entrevista à Revista de Cultura da Ajufe, o ministro João Otávio Noronha expõe com simpatia e jovialidade seus pensamentos sobre cidadania, educação e exercício profissional no Direito. Ele também compartilha um pouco de sua vida pessoal, de leituras, filosofia e, não poderia deixar de ser, de mineiridade.
O senhor pode comentar o conceito de Tribunal da Cidadania? Eu digo sempre e repito que o juiz é iminentemente um agente decisório. Ele resolve conflitos de interesse e, para isso, se vale da técnica do processo. Mas ele resolve não apenas com o propósito de se livrar do processo, mas de fazer justiça, e isso implica pacificar as partes, ter um compromisso com a pacificação social. Não basta então decidir, é preciso resolver efetivamente o conflito, fazendo com que as partes abandonem o estado de beligerância. Para isso, é muito importante o juiz ter conhecimento da repercussão da sua decisão. As decisões se projetam para além das partes, repercutem muitas vezes no seio social.
O senhor pode dar um exemplo disso? Uma penada ou decisão equivocada em determinados segmentos econômicos pode inviabilizar uma atividade ou um produto. Por exemplo, uma decisão do STJ, descaracterizando o VRG (Valor Residual Garantido pela arrendatária, como mínimo que será recebido pela arrendadora na venda a terceiros do bem arrendado) nas operações de leasing, gerou a paralisação, para não dizer a supressão, das operações de leasing de automóvel, que era o meio mais barato de financiar ao consumidor. Mas ao perceber a consequência dessa decisão, o STJ voltou atrás e passou a sufragar o entendimento de que o pagamento antecipado do valor residual garantido do VRG não descaracterizava o
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FOTO: PEDRO LACERDA/AJUFE
to, foi uma larga experiência em advocacia. Fui nomeado ministro com 45 anos e empossado com 46. Cheguei jovem para o cargo que ocupo. Mas essa jovialidade não me compromete em nada. Poucos, com essa idade, tinham a experiência jurídica que eu detinha. Tive um cargo muito relevante na advocacia brasileira, que foi de advogado do Banco do Brasil. Não só do banco, mas também trabalhei muito em causas de família e societárias, depois na advocacia empresarial. Mas, como advogado, sempre fui muito próximo das partes, da sociedade e do diálogo. Fui membro do conselho excepcional da OAB, do Conselho Federal. Exerci a advocacia bastante tempo no interior.
contrato de lei. Para se ver como essas decisões repercutem para além do caso: a briga entre uma instituição financeira e um cliente repercutiu para todo o sistema. Por isso essa visão é tão importante para o senhor... Por isso o juiz precisa saber medir a repercussão da sua decisão. Ela repercute desde o primeiro grau, cresce no tribunal de apelação, no Tribunal Regional Federal e no Superior Tribunal de Justiça. Ganha maior dimensão quando alçada ao STJ porque a projeção é nacional. Ser juiz é decidir com muita responsabilidade, com muito bom senso, muito equilíbrio. O senhor foi juiz ainda jovem e hoje não tem nem 60 anos. Como funciona essa jovialidade no ambiente da Justiça Federal? Estou com 56, ainda longe dos 60. Na realidade não fui um juiz jovem. Embora aprovado em primeiro lugar no concurso, não assumi o cargo em 1987. Eu diria que fui um ministro jovem. Aliás, continuo sendo nas ideias, no comportamento, no comprometimento. Eu cheguei ao STJ pelo Quinto Constitucional, com 46 anos de idade, depois de mais de 20 anos de exercício da advocacia. No Banco do Brasil, inclusive, não foi? Fui advogado do Banco do Brasil e em 10 anos me tornei diretor, ficando nesse cargo também por 10 anos. Portan-
O senhor nasceu no interior de Minas Gerais. Como essa origem é determinante na sua formação? Eu sou mineiro e, peço desculpas por dizer isso, mas ser mineiro é uma questão de status, não é simplesmente uma questão de cidadania. Perdoem-me a imodéstia (risos). Agora, além de mineiro, sou cruzeirense, portanto, mais do que ter status, eu sou uma grife (risos). Sou um mineiro do interior, de Três Corações. Pelé é um dos nossos grandes expoentes. Fiz minha formação no interior, em Pouso Alegre, e advoguei no sul de Minas por 10 anos, em comarcas pequenas e médias, boa parte desse tempo no Banco do Brasil. Depois, também pelo banco, fui para Vitória, uma comarca maior em uma capital de menor porte, e depois para Belo Horizonte, uma comarca grande. Aí vim para Brasília, que tem uma dimensão nacional. Passei a atuar não só nos tribunais regionais, mas também nos tribunais superiores. Então tive oportunidade de angariar vasta experiência em todos os segmentos e instâncias da Justiça brasileira. Aí eu vi a importância do exercício da magistratura, principalmente de lutar com os advogados e as partes. Pude ver como é importante e tranquilizador um juiz preparado para exercer a magistratura. Porque ele tem normalmente muito equilíbrio e decide com muita razão. Um juiz precisa de muita prudência. Essa prudência é algo que a gente traz do berço, traz de Minas. Diz-se que um mineiro só se senta à mesa para a reunião quando a questão está decidida. E é verdade. A gente pensa muito antes de debater. Sem que isso sacrifique o diálogo, pelo contrário, o diálogo antecede e muito a decisão. Não só o diálogo, como a reflexão sobre a decisão que haveríamos de adotar.
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ponto de vista
O senhor acompanha os jogos do Cruzeiro? Tem camisa do time? Tenho mais de 10 camisas. Acompanho religiosamente, pelo pay per view, todos os jogos do Cruzeiro, inclusive no campeonato mineiro. Tenho um prazer enorme quando o Cruzeiro bate no Atlético e a isso já estamos acostumados. Sou cruzeirense desde os nove anos de idade. Desde que o Cruzeiro bateu o Santos na Copa Brasil por seis a dois. Quando vi Tostão, Dirceu Lopes e Natal jogando. Fiquei encantado com o time e passei a adotar o Cruzeiro como meu time de coração. A partir daí acompanhei sempre os jogos. Chama a atenção sua relação com a literatura não jurídica, como filosofia e romances. Como é essa relação? Filosofia todo juiz tem que ler. É imprescindível que leiamos. Não só filosofia jurídica, mas a filosofia no geral. Temos que ler todo dia. Precisamos aprimorar nossa alma. Eu digo sempre que nós julgamos aquilo que toca, que impacta a alma do nosso semelhante. Daí a importância dessa leitura. De qualquer maneira, temos que ler também a literatura brasileira, que é muito rica. Acho que todos nós lemos, no passado, Machado de Assis e Monteiro Lobato, e hoje continuamos lendo os autores modernos. Precisamos ler até mesmo para criticar. Eu morro de rir de alguns colegas dizendo “eu não gosto de Paulo Coelho”. Eu pergunto se já leram Paulo Coelho e me dizem que não. Você tem quer ler e encontrará coisas boas e ruins. Não há quem leia e não goste de Fernando Pessoa. Quais são as suas leituras atuais? Adoro ler os portugueses e também os brasileiros. No momento estou relendo Cem Anos de Solidão, do (Gabriel) García Márquez. Ele é ótimo! Também adoro as poesias do Drummond – não porque era mineiro. E os modernos portugueses? Saramago. Ele é de uma profundidade invejável. Sempre aconselho a ler com calma. Já que enveredamos pelo assunto da cultura geral, quais são suas preferências musicais? Sou fã incondicional do Roberto Carlos, que tem a poesia na alma e na voz e uma bondade que pouca gente conhece. Também adoro jazz e bossa nova. Vinícius, Chico Buarque e Toquinho são excelentes – tive o privilégio de
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assistir a um show de Vinícius de Moraes e Toquinho. Tom Jobim não é só alguém que eu admire, é genial. Também adoro Ivan Lins, Elis Regina, que escuto muito, e Quarteto em Cy. E adoro Nat King Cole. Dos cantores americanos é meu predileto. O senhor já expressou preocupação em relação ao alto índice de reprovação nos exames da ordem. O senhor pode comentar isso? Não há dúvida de que o nível da universidade brasileira caiu. Mas não acho razoável quando vejo uma reprovação em torno de 94%. É preciso entender que, quando você seleciona alguém para exercer a profissão de advogado, você está pegando um principiante, que precisa de tempo para se aprimorar e se desenvolver. Não é possível aplicar questões tão complexas que nem os próprios membros do conselho da OAB, se fossem chamados a fazê-lo, seriam capazes de responder. Nem oito nem oitenta! Precisamos fazer essa prova da OAB não para medir a sabedoria, mas o potencial. Então, em sua opinião, o exame não cumpre a função de garantir bons profissionais no mercado? Sabedoria se ganha com o tempo. Há alunos que se formam, passam na OAB e nunca mais advogam, nunca mais se atualizam e a qualquer instante podem voltar ao mercado. Mesmo estando desatualizados. E há aqueles que se propõem a se dedicar à profissão, mas não têm tanta experiência. Esses são submetidos a uma prova que valoriza a decoreba. O resultado: teremos maus profissionais aprovados na OAB e pessoal de muito potencial gastando dois ou três anos para passar em um concurso. O Estado, por usa vez, tem que atuar não na OAB e sim na universidade. Tem que eliminar as universidades que não formam profissionais qualificados para o mercado. Não pode deixar o cidadão formar e depois dizer “ei, agora você não exerce”. Conheço pessoas que se formaram, não foram tão bons alunos e se tornaram grandes profissionais. Estudaram depois, se aprimoraram, gostaram, viram a prática. O senhor mantém vínculos com o mundo acadêmico? Sim, já fui da pós-graduação do UniCEUB (Centro Universitário de Brasília) e agora sou professor no curso de pós-graduação do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público) e também dou aulas no IESB (Instituto de Educação
Superior de Brasília). Brinco que o magistério é como a minha cachaça, pois tenho um prazer enorme com ele. Em 2010, um colunista de uma revista de grande circulação no país publicou uma nota de elogio ao seu espírito público e caráter, mas no mesmo texto escreveu “o ministro não ostenta um currículo espetacular”. Isso o aborreceu? Eu não me preocupei em responder a esse jornalista. Eu realmente não frequentei a USP (Universidade de São Paulo), não frequentei a Federal de Belo Horizonte, mas, quando fiz concurso, concorri com candidatos do Largo de São Francisco, da Federal do Rio de Janeiro e da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e fiquei em primeiro lugar. Quando eu advoguei, nunca me perguntaram onde eu era formado, mas qual era o meu conceito de advogado no mercado. Como magistrado nunca ninguém me perguntou onde me formei, mas se decido bem ou não. E acredito que sou um ministro respeitado. Conheço currículos melhores com menor prestígio profissional. Eu dei uma decisão em um caso do Amapá e o jornalista veio com essa de “um desconhecido”. Tenho
A ouvidoria tem um papel importante de interface entre o tribunal e a sociedade. Temos que estar com os ouvidos abertos para colhermos das reclamações sugestões para a gestão
10 anos de STJ e sempre fui um dos mais conhecidos ministros desde o começo de minha carreira. Se esse jornalista quis me menosprezar, não me senti atingido. Eu não me formei no Largo de São Francisco, não me formei da Uerj, porque era um rapaz do interior, cujo pai, funcionário público, havia falecido, e não tinha recursos para ir para a capital. Então tive que me dedicar muito, trabalhando no Banco do Brasil e estudando à noite. Enquanto todos dormiam às 23h, eu estudava até às 2h. Eu namorava estudando, eu ficava em uma mesa e minha atual esposa, do outro lado da mesa enquanto eu estudava.
Fale um pouco sobre essa trajetória, por favor. Eu sou formado em Pouso Alegre. Com dois anos de carreira, fui selecionado para ser advogado do Banco do Brasil. Fiz um concurso e passei em primeiro lugar, em 1984. Em 1987 passei no concurso de juiz também em primeiro lugar. Para que eu não saísse do banco, me ofereceram um cargo de chefia em Varginha (MG). Em 1990, me nomearam chefe em Vitória. Em 1991, precisavam de alguém na assessoria jurídica de Minas, que era uma das mais importantes e eu fui o indicado. Em 1994, precisavam nomear um diretor jurídico e, depois de uma pesquisa pelo país todo, o melhor perfil foi o meu. Fiquei 10 anos no cargo de diretor. Passei por cinco presidentes que podiam me tirar do cargo, mas fui confirmado por todos. Quando fui indicado ministro, o presidente do banco pediu que eu não viesse, que ficasse até o final da gestão dele. Acredito que poucos ministros desfrutam da respeitabilidade, sem convencimento nenhum, que eu desfruto na magistratura brasileira. E o que o senhor diz sobre seu novo desafio como ouvidor? Estou achando fascinante. A ouvidoria tem um papel importante de interface entre o tribunal e a sociedade. Temos que estar com os ouvidos abertos para colhermos das reclamações sugestões para a gestão. Muitas não procedem, mas outras são interessantes. E isso nos permite corrigir defeitos aqui na gestão, sugerindo medidas ao presidente, à administração do tribunal. Vamos voltar a falar de sua vida particular. O senhor é um praticante de atividades físicas, não é? Sim. Eu caminho e jogo tênis. Caminho entre oito e 10 quilômetros por dia e, nos finais de semana, prático tênis. E sobra tempo para tanto? Eu trabalho muito bem durante a semana. Eu jogo tênis e vou ao cinema no final de semana e ainda acho tempo para despachar de casa. Domingo à noite eu despacho de casa. Antes de ir jogar, eu levanto cedo e despacho. Como é a sua vida em família? Sou casado, tenho filhos, mas ainda não tenho netos, apesar de meus filhos já se encontrarem casados. Acredito que nós somos os responsáveis pela administração do nosso tempo. Se você administra bem, o tempo aparece. Esse negócio de que não há tempo é bobagem. Tempo a gente cria.
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galeria
Cliques pelo mundo FABÍOLA QUEIROZ | FREDERICO KOEHLER | BERNARDO CARNEIRO | BRUNO BRUM RIBAS Juízes federais
Para um amante da fotografia, é praticamente impossível, ao viajar a um local de grande beleza, não sentir uma certa compulsão em, a todo o tempo, clicar, registrar, guardar para a posteridade aquela imagem que encanta os olhos e o pensamento. Os juízes federais Fabíola Queiroz, Frederico Koehler, Bernardo Carneiro e Bruno Brum Ribas, em suas viagens, exerceram essa compulsão com qualidade de profissional. O resultado são imagens que encantam e dão uma mostra da beleza que existe em vários cantos do Brasil e do mundo.
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Pôr-do-sol em Reykjavík, capital da Islândia
Cottesloe Beach, em Perth, na Austrália
FOTOS: FABÍOLA QUEIROZ
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FOTOS: FREDERICO KOEHLER
Moais da Ilha de Páscoa, no Chile
Arco-íris no Taiti
Paraíso taitiano
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Fauna marinha no Taiti
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galeria Usina eรณlica em Icaraizinho de Amontada, no Cearรก
FOTOS: BERNARDO CARNEIRO
Jericoacoara, Cearรก
Deserto do Atacama, no Chile
Parque Nacional Torres del Paine, Chile
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galeria Cânion do Itaimbezinho, no Rio Grande do Sul
FOTOS: BRUNO BRUM RIBAS
Flutuação em Fernando de Noronha
Moinhos de vento, em Porto Alegre
Distorções em Lisboa, Portugal
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Histórias do centro-oeste mineiro
A farofa do finado tatu Carlos Geraldo Teixeira Juiz federal e mestre em Direito Econômico e Socioambiental
Uma das grandiosidades do nosso Brasil são as peculiaridades das diversidades culturais e do modo de vida das regiões do interior deste país continental. Cada canto com seu sotaque, sua culinária, seu ganha-pão, sua música, suas tradições, inclusive religiosas, seu folclore, enfim, suas rotinas, seus hábitos e costumes. Sem qualquer desconsideração com os elevados valores culturais dos demais estados, Minas Gerais, seja por sua extensão, posição geográfica, história, diversidade e/ ou influência dos estados vizinhos, possui uma enorme riqueza cultural em seu extenso interior. Não são poucas as afirmações de que Minas são muitas, diversas ou várias. Pequeno exemplar dessa variedade: no sul, no centro-oeste e no Triângulo Mineiro, ao falar carrega-se no “erre”, como no interior de São Paulo, com variações e intensidades diferentes a depender do lugar; se giramos o compasso e estivermos na zona da mata, próximo ao Rio de Janeiro, já se nota a carga no “esse”; se o ponteiro do compasso continua a girar e está acima de Governador Valadares, temos muito do interior da Bahia. Não menos observadas, ainda, as influências do Espírito Santo, de Goiás e do Distrito Federal. Além dos reflexos
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na maneira de falar, temos as influências na culinária, nos ritmos musicais, nas danças, nas preferências pelos times de futebol, no jeito de vestir, nas opções de lazer etc. Sou natural do interior de Minas, mais precisamente do centro-oeste. Além de suas riquezas minerais, como calcário, quartzito, ardósia, diamantes, ouro, o centro-oeste mineiro é uma região de vasta culinária (do leite, do queijo, do pão de queijo, inclusive com linguiça, da broa de fubá, do frango com quiabo, do angu, do tutu de feijão, do pequi, do tareco etc.) e também recheada de histórias da vida de gente simples e trabalhadeira. O mineiro do interior, se num primeiro momento apresenta-se desconfiado, mais ouvinte que falante, à medida que sente confiança no outro, vai se abrindo e construindo amizades duradouras. Tem um jeito natural para encurtar as palavras, engolir sílabas e comunicar de uma forma muito peculiar. Mesmo com a roupagem artística, o que não deixa de carregar um pouco de exagero em algumas ocasiões, os personagens do teatro e televisão “Nerso da Capitinga” e “Filó” são mostras desse jeito simples de levar a vida. Nesse cenário de mineirinho autêntico, desconfiado, amigo, simples, mas que sabe o que quer, ou no mínimo, o que não quer,
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trago uma passagem de um conhecido e grande amigo do interior que será identificado por “Gerardo1”. “Gerardo” é fazendeiro e empresário bem-sucedido, mas que jamais abandonou sua rotina simples e de intenso trato com as pessoas do campo que, como ele, nasceram no meio rural e de lá ainda retiram o seu sustento. Trabalhador incansável, mas, quando pode, não dispensa uma roda com bons amigos, seja para distrair-se num jogo de truco, participar de um “desafio”, contar uns “causos”, participar de uma roda de viola, tomar uma cachaça ou jogar uma conversa fora. Certa feita, numa noite muito escura, “Gerardo” voltava de sua fazenda entre o município de Arcos e Japaraíba, na região do Mimoso. Dirigia o seu Monza, que tirou zero e ainda cheirava a novo. Apesar de andar muito em estrada
Casa simples, bem asseada, tudo arrumadinho, cozinha sob luz de lampião. Examinaram o bicho... de chão, “Gerardo” rodou por demais naquele Monza, de placa famosa, com números idênticos aos quatros últimos de seu telefone. Conserva o Monza até hoje, apesar de há muito estar equipado com uma camionete dessas boas, que “inté o pessoá da cidade se meteu a tê”. Sem tirar a atenção na estrada, que conhecia como a palma da mão, se distraía com as músicas sertanejas vindas do rádio e o inseparável cigarro. Entre um trago e outro, e um pigarro que teimava em acompanhá-lo por onde ia, “Gerardo” fazia seus planos de serviços para o dia seguinte, quando, de repente, vê na beira da estrada, 1 Se em Pernambuco tem muito Cícero; no Ceará, Severino; no Piauí, Raimundo Nonato; e no Maranhão, José de Ribamar, em Minas não falta Geraldo, nem Geraldo Magela. Em regra, homenagem a São Geraldo, santo católico de origem italiana, que tem muitos devotos por essas bandas, com santuário na cidade mineira de Curvelo, que anualmente recebe romarias de fiéis. Para não fugir a regra, meus pais deram um jeito de homenagear o santo, se não no início, por que não no meio: chamam-me Carlos Geraldo. Como se não bastasse, tenho uma irmã Geralda, um sobrinho Geraldo, que por usa vez tem um filho Geraldo, e uma infinidade de primos geraldinos.
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caminhando em sentido contrário, seu amigo e compadre “Zé Du2. Sem Pestanejar, para o Monza, dá aquela risada e vai logo cumprimentando o amigo: “Uai, Zé, cumé que tá, sô? Famia tá boa? Tá sumido”. O Zé, também sorrindo, responde ao amigo: “Bão, sô. Sumido ta ocê, sô. Muito sirviço, né “Gerardo!” A conversa continua e logo “Gerardo” se prontifica a levar o compadre em casa, que morava ali por perto, próximo de meia légua, mais ou menos uma meia hora de andança a pé. Zé, no início, tentou dispensar a carona, não queria incomodar o amigo, disse que não precisava, estava acostumado a ir a pé, mas acabou cedendo, entrou no carro e dispararam uma prosa animada. No caminho, “Zé” convidou “Gerardo” para aparecer na casa dele, jogar um truco e experimentar uma cachaça comprada naqueles dias. Disse que ainda não tinha visto “nada iguá”. Entre um papo e outro, um solavanco aqui e acolá, que o “Gerardo” sempre negou que ocorresse quando estava no Monza, perceberam que o carro tinha passado por cima de alguma coisa. Foram logo vaticinando: “É tatu”. Um deles foi logo sentenciando em complemento: “e pelo visto é dos grandes”. “Gerardo” foi logo se desfazendo do Hollywood que estava acesso, saiu do carro, jogou o toco do cigarro no chão, pisou e remexeu bem com a botina, certificou que o pito estivesse bem apagado pra ficar com a consciência tranquila. Qualquer faísca, a mínima que fosse, naquele seco mês de agosto, poderia provocar um incêndio e isso prejudica demais a todos. “Gerardo” sempre teve muita consciência disso, até porque era encarregado de trabalhos em imensas lavouras de eucalipto. Foi logo olhando por baixo do Monza, numa agilidade sem igual e com faro de cachorro perdigueiro, e ainda sem levantar a cabeça da parte traseira do carro, num misto de sorriso e pigarro, já foi avisando, em forma de comemoração, ao amigo: “é um baita de um tatu”. Completou em seguida: “num gosto de matar não, mais já que aconteceu, leva procê, Zé”. Zé arrematou: “Levo só se for pra gente fazer uma farofa e isprementá aquela cachaça”. 2 Nessas bandas de Minas tem muito Zé ou Izé, e Zé tem sempre um complemento. Tem Zé do Chico, Zé da Égua, Zé da Formiga, da Onça, do Caminhão. Zé do Taxi, Zé do Bento, Zé do João Rodrigues, Zé da Sanfona etc.
Com pouco mais de meia dúzia de palavras, entraram num acordo. Fariam a farofa, mas “Gerardo” não podia tomar mais que duas doses de cachaça, pois, no dia seguinte, ele mesmo iria dirigir um caminhão levando o pessoal para capinar entre as leiras de eucalipto, já que um dos motoristas de sua firma estava doente e hospitalizado. Zé comentou que a esposa estava na casa do sogro, e que eles mesmos iriam fazer a farofa. Gerardo falou: “a cumadre cozinha sem igual, mas de vez em quando, é bão a gente memo fazer o tira-gosto”. Chegaram na casa do Zé. Casa simples, bem asseada, tudo arrumadinho, cozinha sob luz de lampião. Examinaram o bicho que ainda tinha um pouco de sangue na boca. Um deles diagnosticou: “com o peso do carro, jorrou sangue pá fuça”. Disputaram um pou-
co sobre acertar o peso do bichão, e sem perder tempo, passaram a fazer a farofa. Enquanto um tirava o casco e limpava o animal, o outro, sem deixar de servir a primeira dose da cachaça e rasgar os elogios para a “marvada”, foi pondo água para ferver, arrumando as panelas e preparando o tempero, a farinha, a cebola, a pimenta, enfim, os ingredientes para o inesperado, mas já desejado e farto tira-gosto. Entre uma prosa e outra, que nessas ocasiões diz respeito ao evento, no caso, comida de tatu, um gole da “marvada”. Rapidinho já saiu a “porva” da farofa. Um comentário sobre a pimenta, a pinga, o tatu e, sem perceberem, já tinham comido mais da metade da farofa. Elogio pro cozinheiro, balanceado com outro pro motorista, que, depois de umas cinco pingas, já afirmava que a morte do bichão
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não fora obra do acaso. “Gerardo”, com toda convicção, assegurava que viu o tatu e com sua perícia no volante (motorista que nem “Gerardo” é difícil encontrar na região, segundo o próprio não cansa de afirmar) acertou em cheio na cabeça do bicho, senão o tatu escaparia, pois “Gerardo”, mesmo em noite escura, já sabia que o bicho era grande. Se não fosse certeiro na cabeça, o bicho não morreria. Difícil tatu tão grande como aquele, gabava-se “Gerardo”. Quando beiravam raspar a panela e acabar com a pinga, a esposa do Zé chegou. Reconheceu logo o Monza parado na frente da casa. Com alegria, foi entrando, cumprimentando o compadre e falando, num misto de satisfação, espanto e repressão ao marido: “Izé, cumé que ocê num avisa qui o cumpadre vinha aqui”. Zé contou a história, num tom de satisfação, à esposa. A mulher, prontamente, foi dizendo que ia preparar uma carne de lata para eles. “Gerardo” adiantou que estava muito cheio e de saída, que outra hora voltaria pra comer a carne, mas que, junto com Zé, tinham comido uma farofa e tanto do tatu. Buscou convencê-la do tanto que comeram que até mostrou a panela praticamente vazia.
“Gerardo”, que não é homem de ficar em situação difícil, apenas muito vermelho, já tinha afirmado que passou por cima do tatu num lance de esperteza e domínio do Monza, mesmo sabendo que isso era pura invenção, apenas para divertir o compadre. Agora já estava um pouco cismado com umas dores e coceiras na região do estômago, não sabendo se era a gastrite que reclamava da “marvada” ou se era efeito da farofa do finado tatu, e emendou logo: “Era outro tatu, pois esse que nois feis a farofa eu matei com a roda traseira do Monza”. Depois daquilo, a prosa murchou. “Gerardo”, vermelho como coral, apressou a saída, lembrou a todos da necessidade de ir embora e do serviço de motorista no outro dia cedo. “Picou a mula”, como dizem na região. A notícia correu na região. Não se sabe como começaram os comentários, vez que tanto a comadre quanto o compadre são pessoas discretas. Fato é que “Gerardo” jamais admitiu que comeu farofa de tatu morto há quatro dias. Porém, até hoje, não se sabe as razões pelas quais nunca mais comeu farofa de qualquer bicho. “Gerardo” também nunca convenceu por que não conseguiu dirigir o caminhão no dia seguinte e não le-
...desceu e, mesmo na escuridão, procurou, com o usual faro de perdigueiro, por longo tempo, algum tatu morto naquelas bandas. Ensaiou lamento por não ter deixado e separado, sem pimenta, um bom pedaço de tatu e de farofa para a comadre, que sabia não estava com muito tempero. A comadre minimizou dizendo que estava evitando comer à noite. A comadre, então, já ciente do ocorrido, mesmo meio sem graça, disparou uma pergunta: “ôceis pegou esse tatu foi na curva da estrada perto das terras do cumpadre Agenor?” “Gerardo”, como se tivesse iniciado um bronzeamento, vez que as faces e o pescoço já começaram a ficar vermelhos, em coro com Zé, confirmou, e os dois logo perguntaram: por quê? A mulher, já totalmente sem graça e sem como disfarçar, mais ainda agitada, afirmou: “é que já tem quatro dias que esse tatu tá morto lá”.
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vou, ele mesmo, a turma para trabalhar no campo. Alguns dizem que “Gerardo”, ao deixar a casa do compadre e passar nas terras do Agenor, mais precisamente na curva que a comadre falou, parou o carro, desceu e, mesmo na escuridão, procurou, com o usual faro de perdigueiro, por longo tempo, algum tatu morto naquelas bandas. Alguns maledicentes afirmam que ele varou a noite procurando o bicho, razão de não ter aparecido para dirigir o caminhão. O que todos sabem na região é que “Gerardo” não gosta, ou melhor, não suporta nem ouvir falar mais o nome daquele bichinho. Quando ouve, vê ou talvez pense em tatu, “Gerardo” fica num vermelhidão sem igual. Cora no mesmo tom quando passa próximo das terras do Sr. Agenor.
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Chico & Cia no tempo do sufoco Roberto Machado Juiz federal e cronista bissexto
Juscelino Kubitschek chega à chefia do Poder Executivo em 1955, tornando-se sinônimo de empreendedorismo, democracia, desenvolvimento econômico e explosão cultural. Contagiando a nação, ganha o apelido de Presidente Bossa Nova e é apontado como uma figura da maior importância para o surgimento do movimento de música popular criado pelo triunvirato Tom, João e Vinícius no final da década de 50. JK se foi e, antes dele, a própria bossa nova. Ela, aclamada internacionalmente, logo retomaria seu devido lugar em Pindorama. Ele, apeado e mortalmente golpeado, transformou-se numa lenda eternamente pranteada. Tempos inglórios aqueles. Tempos da Gloriosa, agnome Redentora, que surge envergonhada, mas, logo, escancarada, e deixa à mostra suas garras e tentáculos, como a dizer: é ano novo, o rei chegou, há nova ordem (outorgada), urge alegria ufanista, gerando daí uma expectativa: será que vem aí bom tempo? Ninguém sabe ao certo quem lhe contou sobre o tempo que viria lá pelos idos de 1968. Exato mesmo só os tropicalistas alfinetando-o as previsões. Mas se Chico Buarque
é utópico ou irônico nas entrelinhas de Bom Tempo, fato é que aconteceu exatamente o contrário do que ali grafou: o tempo fechou. Mas vale a advertência: a obra do nosso maior compositor vivo não merece interpretação literal, como fez a burra censura daquele tempo de sufoco. A propósito, até as feministas erraram quando satanizaram Mulheres de Atenas. Ele, depois, explicou: — Eu disse exatamente o contrário: não se mirem no exemplo daquelas mulheres de Atenas. Elas leram ao pé da letra! Mas eis que chega a roda-viva e o que era doce acabou-se. E é fato que, a partir do golpe militar (nem contragolpe, nem revolução!), na gente deu o hábito de caminhar pelas trevas. E naqueles idos, quando caía a tarde feito um viaduto e um bêbado, trajando luto, fazia irreverências mil pra noite do Brasil, a turba espreitava a banda passar cantando coisas de amor. E com seu canto, punhalada, Pedro pedreiro, penseiro, esperava o trem, reclamando b-a-i-x-i-n-h-o: — tou me guardando pra quando o carnaval chegar! Queria cantar pro povo e ansiava um contragolpe, mas veio o carnaval, a festa pagã, e pela avenida o que se viu passar foi um samba popular. Cada
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paralelepípedo da velha cidade, naquela noite, se arrepiava com a Portela na avenida cantando em adesão àquele bordão: — conte comigo no seu carnaval/ tô me guardando contra o mesmo mal. Parecia um ensaio geral, um imenso cordão formado por quem não tinha nada pra perder; o sonho de um carnaval, o pobre deixando a dor em casa o esperando. É vero que a Redentora tentou calar a voz de Chico pela censura. Como não era de costume levar desaforo para casa, ele até ensaiou uma reação: — Perdão, Marquês de Tamandaré, mas você me censura até o que é de coração. Sei que a maré não tá boa, mas não vou dar braço pra ninguém torcer. Ninguém vai me acorrentar, nem vai calar minha viola, nem vai me levar daqui. Quem é você? Diga logo, que eu quero saber o seu jogo! Apesar do semblante meio contrariado, o patrono da Marinha era boa praça e até não desmerecia o samba, que falava mesmo era da desvalorização do velho cruzeiro, cujo valor o tempo inconstante roubou. Mas o que eu quero dizer é que a coisa aqui ficou preta mesmo foi quando os generais tomaram gosto pelo poder, deixando no chinelo a era dos marechais. Parodiando o compositor Sérgio Porto (o nosso Stanislaw Ponte Preta, do Febeapá), parecia até coisa de samba do crioulo doido, aquele compositor que, em palpos de aranha sobre o que seria “atual conjuntura”, embaralhou os fatos históricos na composição do samba de enredo de sua escola. Pois não é que, logo depois da primeira troca de generais, a coisa aqui também endoidou de vez! Resultado: tome de proclamação (ratificação da ditadura pelo AI-5/1968), deduração, prisão, explosão, censura e tortura seguida de morte. Eram os anos de chumbo – a face mais negra da ditadura militar instalada em 1964 – com seu nada “amoroso” terrorismo cultural. Pode-se dizer que, a partir de 1968, o ano que não terminou, ela, a ditadura, desatinou, porque o Brasil ficou com os dias sem sol raiando. E era muita gente partindo num rabo de foguete. Chico & companhia já não tinham dúvida sobre o jogo do almirante e seus iguais. E Chico foi levado, sim.
Levado pela “dura” (a polícia política da dita-dura), numa muito escura viatura. Temendo o pior, até liberou a mulher do dever matrimonial de fidelidade: — ... mas depois de um ano eu não vindo/ ponha a roupa de domingo e pode me esquecer! Como escapou, ouviu o bom conselho que os homens lhe deram de graça (?). E como Deus lhe deu pernas compridas e muita malícia, pra correr atrás de bola e fugir da polícia, escafedeu-se para além-mar, aportando em terras de Endrigo, ali nascendo, distante dos olhos (dos avôs), seu primeiro rebento (Sílvia), embora talvez nem fosse o momento dele rebentar. E ele se foi cantando a sua própria canção de exílio, prometendo voltar para o seu lugar, porque aqui ouviu e ainda ouviria cantar uma sabiá. Na Roma dos Césares, suportou o autoexílio graças à companhia da mulher, Marieta Severo, e do amigo Toquinho (Antônio Pecci Filho), a quem fez a seguinte recomendação, quando o parceiro, correndo do frio eu-
Pode-se dizer que, a partir de 1968, o ano que não terminou, ela, a ditadura, desatinou, porque o Brasil ficou com os dias sem sol raiando. E era muita gente partindo num rabo de foguete ropeu, voltava ao Brasil depois daquela temporada um tanto forçada (a convite e por insistência do próprio Chico): — ... mas não diga nada/ que me viu chorando/ e pros da pesada/ diz que vou levando, referindo-se àqueles que
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aqui ficaram na resistência, driblando a “dura” e a burra censura, a exemplo, dentre tantos, dos membros do MPB4 e de Paulo César Pinheiro, compositor insuperável, parceiro da nata da música popular brasileira e companheiro inseparável de um ser de luz, santa Clara, que se mudou numa eterna sabiá. Apesar de você amanhã há de ser outro dia, uma metáfora perigosa “homenageando” o ditador de plantão (Médici) – na verdade dirigido ao sistema como um todo e não a certa mulher mandona –, gera verdadeiro desalento em Chico, recém-chegado ao Brasil, em março de 1970. Ele até volta produzindo barulho, como recomendado pelo poeta, poetinha vagabundo, Vinícius de Moraes. Mas, depois que seus 100 mil compactos são recolhidos e o censor é punido por “falta de senso”, o compositor logo percebe que as mesmas pessoas que, na noite dos bares de então, cantam Apesar de Você, também cantam, com igual entusiasmo, Meu Brasil, Eu Te Amo, música que a ditadura se apropriou para divulgar seu lema: Brasil! Ame-o ou Deixe-o. O resto todo mundo já sabe: do medo criou-se o trágico e o Brasil vira um pesadelo. Aliás, não é mais pesadelo nada. É brincadeira de gato e rato entre a cultura e a censura, parada federal: verdadeiros barnabés do funcionalismo público alçados a tais cargos por subserviência e alienação, como lembra Paulo César Pinheiro. E haja samba no escuro. E haja metáforas e, às vezes, corajosa sinceridade, fruto da revolta de uma geração sufocada pelo arbítrio: – você corta um verso/ eu escrevo outro. Exato é que, nesse tempo, o sambista já não sabe se amor é crime ou se samba é pecado. Mas ainda assim insiste em cantar seu refrão, sem compromisso, sem relógio, sem patrão, a despeito da censura da direita e do patrulhamento da esquerda, ambos os lados lendo politicamente o que não era. Apesar do sistema, o artista vai levando, porque a noite é criança, do samba não abre mão e por ele faz até revolução, embora grafe “evolução”. Mas quando, na caixinha, um novo amigo vem bater um samba antigo, fica na esperança de que amanhã tudo vol-
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te ao normal, revelando seu lirismo nostálgico. A esperança dele é também do povo, e até o neguinho que upa na estrada, começando a andar, grita a plenos pulmões: – liberdade só posso esperar! O tempo é instável, mas todo artista sabe que o show tem que continuar e que o importante é que a nossa emoção sobreviva. Acontece que, nesse tempo, é tanta faca, navalha e tesoura de chumbo grosso – com a censura mutilando ou vetando obras a torto e a direito – que até lhe parece que tudo que se construiu desabou, e que é invencível a ação negativa, que vai roubando gota a gota o seu sangue de sambista. É um desalento que já não tem mais fim. Mas, mesmo com toda esgrima, com todo clima, o artista vai levando sua rima. E Chico, em sua vertente crítica, de olho nas relações aviltantes entre capital e trabalho, a essas alturas quase uma unanimidade nacional, dá-se à construção de uma obra prima em dodecassílabos, tijolo com tijolo num desenho lógico, alternando rimas em proparoxítonas, esquecendo apenas “Médici”, sugestão da viperina crítica direitista, o jornalista David Nasser. E, em tom de ironia, exclama Deus lhe pague por lhe deixar existir, “apesar dessa tempestade que está aí”, outro verso que lhe foi machucado. Ele tem o nome tão marcado na lista negra da insensatez que Carlinhos Lyra, seu parceiro na canção, comemora – “essa passou!”, ainda que a letra fale de tema tão diverso: apenas uma história de amor acabado. Se, pelo menos ali, o poeta não ficou sem verso, a censura lhe cortou, atrás da porta, até os pelos, ele prometendo vingar-se a qualquer preço. E se ficou de saco cheio e quase sem partido, quando foi obrigado a trocar “titica” por “coisica” e “brasileiro” por “batuqueiro”, calaram-lhe a boca em Calabar, pela audácia do elogio da traição, peça que questionava a história oficial da Independência do Brasil. O império já condenara ao esquecimento o nome daquele “traidor da pátria”. Mas Chico, parecendo calar a boca da mulher de Calabar, resgata-o, repetindo seu nome, de maneira sutil, no refrão da canção CALA a Boca BÁRbara.
Se, para os homens da tesoura, é legal, num fado tropical, dizer que o Brasil ainda vai tornar-se um imenso Portugal, é ofensivo aos irmãos lusitanos, merecendo veto oficial a sátira à origem da nossa sífilis. Se para Chico vence na vida quem diz sim, a navalha dá-lhe um não à moda Vinícius: a hora do sim é o descuido do não! E se a tesoura já não podia alcançar antiga poesia de Drummond (Quadrilha), os insensatos, homofóbicos, proibiram o amor dos pares em Flor da Idade.
lêncio impositivo, o artista, atento na arquibancada, via emergir o monstro da lagoa. Nesse tempo, também tinha muita gente naquela de você sai sem saber se vai voltar. No início, apenas os comunistas e simpatizantes. Depois, para espanto da nação, gente de tudo que é lado, a começar pelo estudante Edson Luiz de Lima Souto, assassinado no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. Estampada nos jornais, a foto daquele secundarista morto chocou o país, porque a morte dele era um pouco a morte do Brasil, tanto que Milton
Exato é que, nesse tempo, o sambista já não sabe se amor é crime ou se samba é pecado. Mas ainda assim insiste em cantar seu refrão, sem compromisso, sem relógio, sem patrão, a despeito da censura da direita e do patrulhamento da esquerda No Sinal Fechado, Chico denuncia a censura ao seu labor, gravando sambas praticamente só de outros compositores. E, para driblar os navalhas, ele se muda até num tal de Julinho da Adelaide, criticando o milagre brasileiro. Mas isso foi no tempo em que a filha do general piscava, arriscava e enroscava Jorge Maravilha. Também não se pode esquecer que, na dúvida se era “cálice” (Gil) ou “cale-se” (Chico), a insensatez optou por silenciá-la. Trocando em miúdos, estava provado que era puro engano pensar que “de muito usada, a faca já não corta”, porque ela continuou cortando, e o Brasil permaneceu calado por muito tempo. Atordoado pelo si-
Nascimento e Ronaldo Bastos compuseram Menino, uma canção cujos primeiros versos diziam: Quem cala sobre teu corpo/consente na tua morte/talhada a ferro e fogo/nas profundezas do corte/que a bala riscou no peito. E é fato que outros tantos, levados pelos homens, nunca voltaram, a exemplo do “suicida” Vladimir Herzog e do filho de Zuzu Angel, a Angélica de Chico, aquela mulher que, lutando desesperadamente contra o sistema, até morrer também, cantava sempre o mesmo estribilho: só queria embalar seu filho/ que mora na escuridão do mar. Não dava para reclamar: – “ah, ninguém chora por mim!”. Não! Naquele tempo, nunca
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se chorou tanto. Choravam Marias e Clarices no solo do Brasil. Aqui um parêntese: as “Marias” são as viúvas, mães e filhas dos torturados e/ou mortos; Clarice é a viúva do jornalista Vladimir Herzog, assassinado na prisão. Enfim, chorava toda a nossa pátria-mãe gentil. Na guerrilha, os sobreviventes cantam Pesadelo, uma canção por eles transformada em hino: – você me prende vivo/ eu escapo morto. De fato, Herzog escapa morto. Ele e outros tantos. Mas sua morte foi a gota d’água e a nação mudou-se num pote até aqui de mágoa, sentimentos brotando à flor da pele, com mutilados em romaria a indagar o que será que será, todos combinando no breu das tocas, sem mais jeito de dissimular, à busca da grande utopia, diante da falta de limite dos agentes da repressão. Mas eis que, como uma luz no fim do túnel, brota promessa oficial de abertura lenta, gradual e segura (no governo Ernesto Geisel), uma metáfora do bruxo Golbery. Ironia do destino para esses dois generais, porque já se sabe hoje que Ernesto Geisel (o sacerdote) e Golbery do Couto e Silva (o feiticeiro), tendo ajudado a construir a ditadura entre 1964 e 1967, desmontaram-na entre 1974
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e 1979. A propósito, há muito Chico já peitava o general: – você que inventou o pecado/ esqueceu-se de inventar o perdão, porque, afiançava, não existia pecado do lado de baixo do Equador. É certo que, apesar da promessa de abertura, a coisa continuava preta, tanto que Chico não tinha como mandar notícias frescas para seus caros amigos ainda no exílio. Mas a anistia, ansiada por todos, até pelo bêbado e pela esperança equilibrista, já se prenunciava sim, tanto que, em canção zangada, disfarçada de delicadeza, fruto de seu lirismo nostálgico, o compositor, lembrando sua maninha de uma infância imaginária e de um futuro entre os dois combinado, garante-lhe que ele, o general, um dia iria embora para nunca mais voltar, tal como também previra na utópica Apesar de Você e como, depois, nos bastidores, amaldiçoando o dia em que o conheceu (numa madrugada, aliás!), voltou correndo ao lar pra se certificar que ele, o tal general, nunca mais voltaria. Esse dia estava pra chegar. E era só o que pedia: um dia, até meio dia, pra aplacar sua agonia. E o prenúncio era tanto que, com uma receita do marido, compilada de poesia do compadre Vi-
nícius de Moraes, Marieta prepara uma feijoada completa para um batalhão de amigos do casal: exilado, morto-vivo, flagelado, nego humilhado, era gente de tudo que é lado, inclusive o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, irmão do cartunista Henfil, todos com muita fome e uma sede de anteontem. E, logo, os companheiros, apesar das marcas que ganharam nas lutas contra o rei, foram chegando às gargalhadas (quaquaraquaquá), entoando, numa só voz, o Tô Voltando, canção adotada como o “hino dos exilados”, ganhando, assim, uma conotação jamais imaginada por seu criador, o compositor Paulo César Pinheiro. A ditadura, encurralada, logo seria derrotada. E se tornaria página virada, descartada do nosso folhetim. E até a ânsia “pela volta do cipó de aroeira/ no lombo de quem mandou dar” foi se desgarrando do espírito da nação. E ninguém pagou, imagine dobrado, pelas lágrimas roladas. É certo que, quanto ao ponto, o jogo ainda não terminou. Está na prorrogação dos tribunais, inclusive internacionais. No entanto, nem mesmo a redemocratização extirpou o cancro da corrupção. Mas isso até os generais de 1964 já sabiam, mesmo que hajam cometido o exagero de perpetrar a conquista do Estado sob o argumento, entre outros,
de combatê-la. E a nossa pátria mãe, tão distraída, continua dormindo em berço esplêndido, sem perceber que é subtraída em outras tenebrosas transações de um bando de malandros com contrato, com gravata e capital, que nunca se dá mal. O nosso tesouro Chico Buarque – artista brasileiro, carioca, geminiano, andarilho, ético, leal, utópico, autocrítico, melancólico, idealista, humanista, estrategista, imperfeito, moleque, mágico, radical, discreto, delicado, simples, despojado, recatado, educado, sutil, elegante, inteligente, intuitivo, virtuoso, erudito, talentoso, generoso, inovador, preservador, seresteiro, cronista social, poeta universal, lírico e épico, cantor, dramaturgo, escritor, tradutor, intelectual orgânico e substantivo, e compositor reencarnado e redivivo – que discute com Deus e mexe com os prepotentes, cantou tudo na sua inesgotável “Lyra” e não evitou, assim o disse nosso maestro soberano, assuntos escabrosos: sangue, tortura, derrame, hemorragia..., como assim também o fizeram muitos de seus caros amigos. É deles, de palavra em palavra, cuidadosamente compiladas de seus versos e outros escritos, o enredo desta história.
Músicas compiladas: I) De CHICO BUARQUE - Ano Novo. Bom Tempo. Mulheres de Atenas. Roda Viva. Você Não Ouviu. Rosa-dos-Ventos. A Banda. Baioque. Pedro Pedreiro. Quando o Carnaval Chegar. Vai Passar. Cordão. Sonho de Carnaval. Tamandaré. Meu Refrão. Vai Levando. Lua Cheia. Noite dos Mascarados. Meu Caro Amigo. Ela Desatinou. Acorda Amor. Bom Conselho. Partido Alto. Meu Guri. Sabiá. Samba de Orly. Apesar de Você. Samba pra Vinícius. Juca. Olé Olá. Amanhã, Ninguém Sabe. Com Açúcar, Com Afeto. Logo Eu. Desalento. Construção. Deus lhe Pague. Retrato em Branco e Preto. Essa Passou. Atrás da Porta. Cala a Boca, Barbara. Fado Tropical. Vence na Vida Quem Diz Sim. Flor da Idade. Milagre Brasileiro. Jorge Maravilha. Cálice. Trocando em Miúdos. Angélica. Gota D’água. O Que Será (Abertura). O Que Será (À Flor da Pele). Não Existe Pecado ao Sul do Equador. Maninha. Bastidores. Não Sonho Mais. Basta Um Dia. Feijoada Completa. Sem Fantasia. Folhetim. II) De SÉRGIO ENDRIGO: Distante dos Olhos. III) De ALDIR BLANC: O Bêbado e a Equilibrista. IV) De PAULO CÉSAR PINHEIRO: Agora é Portela 74 (Conte Comigo). Um Ser de Luz. Pesadelo. Mordaça. Vou Deitar e Rolar (Quaquaraquaquá). Tô Voltando. V) De SÉRGIO PORTO: Samba do Crioulo Doido. VI) De VINÍCIUS DE MORAES: Insensatez. Onde Anda Você. Sei Lá (A Vida Tem Sempre Razão). VII) De MILTON NASCIMENTO e RONALDO BASTOS: Menino. VIII) De GERALDO VANDRÉ: Aroeira. IX) De EDU LOBO e GIANFRANCESCO GUARNIERI: Upa Neguinho.
Obras Pesquisadas: Juscelino Kubitschek: O Presidente Bossa Nova. Marlene Cohen. São Paulo: Globo, 2005; Eu e a Bossa. Carlos Lyra. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2008; Histórias de Canções – Chico Buarque. Wagner Homem. São Paulo: Leya. 2009; Histórias de Canções – Toquinho. João Carlos Pecci & Wagner Homem. São Paulo: Leya. 2010; Histórias das Minhas Canções – Paulo César Pinheiro. São Paulo: Leya. 2010; Chico Buarque – Tantas Palavras. São Paulo: Companhia das Letras, 2006; Chico Buarque do Brasil. Rio de Janeiro: Garamond, 2009; Desenho Mágico – Poesia e Política em Chico Buarque. Adélia Bezerra de Menezes. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000; Perfis do Rio – Chico Buarque. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999; Palavra Prima: As faces de Chico Buarque. Ana Mery S. de Carli e Flávia B. Ramos. Caxias do Sul: Educs, 2006; Poesia e Política nas Canções de Bom Dylan e Chico Buarque. Lígia Vieira César. São Paulo: Novera Editora, 2007; O Ministério do Silêncio – Lucas Figueiredo. Rio de Janeiro: Record, 2005; 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. René A. Dreifuss. Petrópolis: Vozes, 1987; A Ditadura Envergonhada. Elio Gaspari. São Paulo: Companhia das Letras, 2002; A Ditadura Escancarada. Elio Gaspari. São Paulo: Companhia das Letras, 2002b; A Ditadura Derrotada. Elio Gaspari. São Paulo: Companhia das Letras, 2003; A Ditadura Encurralada. Elio Gaspari. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
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contador de histórias
Coisas da viuvez e da terceira idade Edilson Pereira Nobre Júnior Juiz federal e professor
Político e orador que marcou época na história da república brasileira, Carlos Lacerda narra, em livro de memórias1, que o seu avô, Sebastião de Lacerda, homem público de reputação ilibada, que concluiu sua existência como ministro do Supremo Tribunal Federal, enviuvara cedo, perdendo sua adorável esposa, quando esta mal completara seus vinte e nove anos de idade, não mais voltando a casar-se, contrariamente ao costume de então. Tinha 1
A casa do meu avô. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.
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vocação mais para viúvo do que para fazendeiro. Isso não impediu – narra o seu neto – que, discretamente, mantivesse alguns relacionamentos com companhias femininas e que, decerto, deviam valer a pena. O relato me lembra uma estória que aconteceu com dois amigos de longa data, a qual se compõe com a presença fatal e sedutora duma terceira pessoa, alvo de salutar disputa. Um desses amigos, tendo enviuvado fazia pouco tempo, era daquelas pessoas que o passar da sétima
década de vida não o tornava menos jovial. Tratava-se do médico e professor Eunício Barbosa de Melo. Ancorado em três aposentadorias – sendo uma delas oriunda do extinto Inamps, outra decorrente do magistério universitário federal, na condição de catedrático de ginecologia e, finalmente, como ninguém é de ferro, a terceira paga pelo INSS, em razão do exercício da medicina como profissional liberal –, o
“Juju”, como é conhecida, constantemente manifestava adoração pelo seu dia a dia vivido como garçonete no bar “É nosso”, sito na beleza da imensidão do litoral nordestino doutor Eunício, mesmo passados poucos anos do desaparecimento da sua querida Zélia (Zelinha) Barros de Melo, jamais abandonou a boêmia e a admiração pelas musas. Continuava o mesmo professor que nunca se poupava em homenagear as cruzadas de belas pernas de suas alunas, fuzilando-as com o faiscar de seus olhares, de soslaio ou frontais. O outro era Laércio Varejão da Maia, titular de polpuda aposentadoria paga pelo serviço público federal, que lhe garantia um futuro sem preocupações. Mesmo dez anos mais moço do que o doutor Eunício, era deste o grande companheiro de jornadas patuscas, além de fiel confidente. Ainda não enviuvara, sendo casado, por quase meio século, com Jussara Valença da Maia, cuja incontestável valentia não inibia as furtivas aventuras de seu cônjuge. Por último, a causa de todas as alegrias e conflitos da humanidade: cherchez la femme.
Aos vinte e dois anos de idade repletos de alegria, Juliana de Oliveira, órfã de pai, teve desde cedo de ganhar o seu sustento com a dignidade do trabalho. Não chegou a habitar o maravilhoso país da infância. Sempre de bem com a vida, apesar das adversidades, Juliana, ou simplesmente “Juju”, como é conhecida, constantemente manifestava adoração pelo seu dia a dia vivido como garçonete no bar “É nosso”, sito na beleza da imensidão do litoral nordestino. Era, com merecimento incontestável, o centro das atenções e dos mimos dos clientes. Harmonizava a sua beleza loura com a sensualidade de suas saias, cujas fímbrias distavam em muito da altura dos joelhos. E, como se não bastasse, tinha um fetiche: usar um tomara que caia bem curtinho, inebriando os clientes do estabelecimento de dona Sofia, sua patroa. Por puro mérito, recebeu da unanimidade inteligente dos principais frequentadores da casa o título de “a flor do paraíso”. Para se ter uma ideia precisa do que estou falando, suponha-se que, se num dia desses de sol, à “Juju” fosse legada a oportunidade de realizar na televisão, depois de uma passagem pelas mais famosas grifes de roupas femininas, a propaganda de uma aguardente de baixa qualidade, outro não seria o resultado a não ser o de provocar a evasão dos admiradores da cerveja Antarctica, prestigiada pela Juliana Paes, para o consumo da “caninha”, pura ou servida em forma de caipirinha. É possível, sem que o leitor perca o seu interesse pela estória, chegar-se numa prévia conclusão: o doutor ou professor Eunício foi tomado de paixão pela nossa Juliana, a qual foi tão forte que se mostrou arrefecedora da racionalidade típica do experiente e invencível conquistador de corações femininos. A nova empresa, porém, apresentava dificuldades nunca antes vistas. Foram incontáveis as investidas do Romeu apaixonado. Nenhuma delas alcançou sucesso. Revivendo
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contador de histórias
o clima beligerante na Península Ibérica de muitos séculos atrás, “Juju” resistia como uma inexpugnável fortaleza mourisca às investidas do inimigo cristão. Desistir? Jamais! Para um alquimista do amor, fazê-lo, pelo só fato de haver encontrado obstáculos fora do normal, significaria desmoralização. Prosseguir era o único caminho. Atordoado com a falta de êxito, o professor Eunício desabafou à dona Sofia, mostrando desespero pela absoluta falta de sucesso de suas artimanhas de conquista. Estariam ultrapassadas? Não era isso. Dona Sofia, antes determinando que fosse servida ao seu interlocutor a receita senatorial do suco de maracujá, sugeriu que as tentativas continuassem. E por que não sob a forma de um presente que agradasse à insensível musa? Acompanhado de um buquê de flores, seria irresistível. Assim, dona Sofia confidenciou que um dos maiores desejos de “Juju” era poder usar perfumes franceses, o que não fazia em face de seu pequeno ganho não permitir tal extravagância. O seu sonho de consumo, dentre tais essências, era o Eau de Soir, pois soube outrora que foi o que ocupou a preferência da princesa Diana, de quem era fã por meio da leitura de revistas. Ciente das preferências de sua amada, o professor Eunício, de imediato (ou decretado, como se diz no vulgo nordestino), partiu em direção da mais chique perfumaria da capital, adquirindo, à vista, todo o estoque disponível do referido perfume, o que acarretou a alegria de uma vendedora já de idade, pela elevação de sua parca comissão mensal. Contudo, nosso personagem cometeu deslize fatal que o impediu de realizar o seu sonho. No dia seguinte à aquisição aromática, em sua caminhada diária perante a orla marítima, encontrou-se com seu amigo dileto, o probo e atilado ex-servidor público Laércio Varejão. Este, íntimo das preocupações do companheiro, perguntou-lhe como andavam os frutos da conquista amorosa. O professor relatou vir enfrentando dificuldades, mas como sempre depois da procela vem a bonança, em futuro próximo, portanto, obteria um desenlace favorável. O equívoco se deu com a falta de discrição quanto à estratégia a ser adotada para vencer a batalha. Dominado pelas emoções que saltitavam do coração, narrou ao companheiro de caminhada a aquisição do tão desejado presente, o qual, entregue de surpresa, quebrantaria as
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dificuldades manhosamente opostas pela musa onipresente de seus sonhos. Esqueceu-se o professor Eunício que o amigo Laércio, embora dez anos mais novo, tinha um século a mais de experiência e esperteza. Dito e feito. Antes que o professor Eunício tivesse tempo para entregar o mimo, Laércio procurou a adorável “Juju”. Disse a esta que, para homenagear a sua exuberante beleza, comprara um pequeno, mas representativo presente, o qual satisfaria antigo sonho de consumo. Não poderia declinar qual o objeto que comprara, pois estragaria a surpresa que lhe propunha fazer. Contudo, em sendo casado com a valente Jussara, disse que seria sobremodo arriscado entregá-lo à vista de todos. Prevenido, e uma vez que seguro faleceu de velho, afirmou haver solicitado ao professor Eunício, amigo de todas as horas, que viesse fazer a entrega, a qual aconteceria o mais breve possível. Um dia após, vestido com trajes que denotavam elegância juvenil, o professor Eunício, todo cheio de si, adentrou ao bar “É nosso”, sentando-se na mesa de sempre. Munido do seu tradicional Old Par em estilo caubói, chamou “Juju” e, com um oferecimento galanteador, entregou-lhe o decantado presente. Aberto o pacote, “Juju”, ao ver em abundância o seu sonhado perfume, tomou-se de forte júbilo. Passada a emoção, despediu-se do professor Eunício com desdém que o reduzia à condição de infeliz mensageiro. Nem mesmo mereceu o tratamento afável reservado aos garotos de rua que, a serviço dos pretensos namorados, prestam-se à entrega de rosas às mulheres desejadas. Por pouco, “Juju” quase entregou ao professor Eunício, para compensar o préstimo de reles pombo-correio, uma moeda de um real, o que teria sido um rematado ultraje. No dia seguinte, Laércio – que, referindo-se ao seu casamento com dona Jussara, ultimamente se gabava com o fato de que, com o elevado aumento da expectativa de vida, estava cada vez mais difícil (e por que não dizer injusto) manter as promessas de amor da juventude – tornou a pisar no bar “É nosso”. A recepção foi diferente. Além de marcantes beijinhos na face, recebeu, em palavras suaves, agradecimento sensibilizado da “flor do paraíso”, a qual, a partir de então, destilava com os seus lábios risos furtivos ao galante presenteador. O episódio fez com que os destinos dos dois amigos se bifurcassem em estradas que não mais se encontraram.
Para o professor Eunício, tudo foi como um terremoto arrasador. Supôs haver sido traído pela sabedoria popular, pois acreditou que, apesar de loura, “Juju” tinha uma perspicácia sem limite. Foi o sinal bastante para que as suas travessuras de viúvo, ainda mal iniciadas, cessassem. Mesmo sem nunca vir a saber a verdade dos fatos, desencantou-se de tudo e de todos, resolvendo curtir sua viuvez numa recordação sem trégua à Zelinha, companheira por cinquenta anos, igualmente infatigável na bonança e, principalmente, na tristeza. Fiel ao preto como indumentária, passou o resto de seus dias contemplativo na solidão de seu apartamento, contrabalançada pela possibilidade de vislumbrar de sua janela as brumas do Atlântico, tendo por único companheiro “Cacau”, um cachorro da raça West White Terrier. Viveu o nosso mestre o resto de seus dias de forma semelhante ao Sylvestre Bonnard, personagem de Anatole France2, que, juntamente com o gato Amílcar, príncipe sonolento de sua cidade dos livros, curtiu o insucesso do amor por sua Clémentine, mas que, mesmo assim, no limiar da velhice, compreendeu que não mais tinha sentido protagonizar um novo caso de amor, amenizando seus instantes de
2 O crime de Sylvestre Bonnard. Rio de Janeiro: Editora Record, 2007. Tradução e introdução: Marcos Castro.
melancolia com a vista do rio Sena, também propiciada pela privilegiada localização de seu apartamento na Cidade Luz. Assim, o professor Eunício abjurou de vez o espírito de Don Juan, para quem o que importa é o presente. Quanto a Laércio, muitos dizem que se deu bem, agasalhando-se nas noites de frio com o fervor do coração de “Juju”. Rumores não faltaram de que tudo não passou de afagos gentis, os quais o conquistador amplificara, pois consta que “a flor do paraíso” jamais desistira de alimentar admiração juvenil que nutria pelo adônis e hercúleo João Maria Bastos, moço pobre, mas com promissora carreira como chefe de cozinha, no vigor de seus 25 anos, o qual, dentre suas muitas agradáveis qualidades, hipnotizava-a com as peripécias realizadas quando aquela se encontrava na garupa de sua moto, uma incrementada Honda Twister 250, financiada em noventa prestações fixas. Mas, afinal, alcançara Laércio o êxito na empresa a que se lançou, a qual lhe garantiu ser propalado, pelos frequentadores da confraria que se reunia no “É nosso”, com o título de “o felizardo da terceira idade”? As controvérsias persistem. Quântico e avesso ao turbilhão do amor, Einstein diz que sim. Mais experimentado em compreender a província do desejo, Freud diz que não. O leitor faça o seu julgamento.
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academia
Juiz anacrônico Everson Guimarães Silva Juiz federal
O Poder Judiciário, neste início de século XXI, tem procurado várias alternativas para atender à crescente demanda por sua atuação, própria da sociedade de massa e de consumo, que reclama serviços rápidos, eficientes e padronizados. Para atingir tal finalidade, os processos foram totalmente informatizados, o que garante celeridade na tramitação, especialmente pela supressão de atos meramente burocráticos, que agora passaram a ser realizados de maneira automática. Além disso, foram criados sistemas operacionais para a elaboração de despachos e sentenças, que permitem a pesquisa rápida sobre a existência de decisões similares à que vai ser redigida. Com isso, o tempo de confecção dos textos fica sensivelmente abreviado, além de tornarem-se, eles, mais homogêneos. A adoção dos sistemas informatizados permite, ainda, a produção de relatórios que indicam os tempos médios de duração do processo, a produtividade dos juízes, quanto demora o processo em cada uma de suas fases e quais os percentuais de demandas de cada matéria, dentre outras tantas informações estatísticas. Por fim, há um grande estímulo à criação de unidades de conciliação, com vistas a garantir a aproximação das partes em litígio e viabilizar a composição direta do conflito, sem necessidade da instauração ou do esgotamento da 60 Revista de Cultura Ajufe
tramitação do processo judicial. Para atuação nesse campo, o juiz é impelido a conhecer técnicas de mediação e de fomento ao diálogo, de modo a atuar como uma espécie de catalisador, que vai facilitar a obtenção de entendimento entre os contendores. Tudo isso deve ser temperado por uma boa estratégia de marketing, que visa levar ao conhecimento da população os avanços e as novidades empregados na atividade judicante. Do juiz atual, portanto, passaram a ser exigidas capacidades que vão além do estrito conhecimento jurídico. Eu, no entanto, sou um juiz anacrônico. Não gosto de conciliação, mediação, boas práticas para facilitar a atuação da justiça. Sou um juiz do processo, do despacho, da sentença. Causam-me enfado as estatísticas, os relatórios, os índices de produtividade. Na verdade, nunca consigo compreendê-los totalmente, nem deles extrair conclusões incontestáveis. Minha afeição é pelo Direito, pelo atento exame dos fatos e pela perfeita adequação de um a outro, mediante um silogismo preciso. Não sou contra a celeridade, mas não consigo abrir mão da decisão pensada, ponderada, que se aproxime de algum conceito de justiça. E não poderia ser diferente. Não conheço administração, psicologia, técnicas de arbitragem ou de
aproximação das partes. Minha vocação dirigiu-me ao estudo da estrutura da norma, dos direitos fundamentais, do tipo penal, do fato gerador e dos princípios do processo e da administração pública. Passei, é claro, pela filosofia, pela sociologia, pela ciência política e pela economia, mas tão só para tentar compreender melhor o fenômeno jurídico. Sinto-me, por vezes, tendo que fazer funcionar um restaurante de fast food, rápido, ágil, com sabores padronizados e onde a técnica de elaboração das refeições a serem servidas consta em um quadro na parede da cozinha – ou já está programada em um sistema informatizado. Mas minha admiração é pela nouvelle cuisine, com seus pratos delicados, de aroma sutil e sabor peculiar, quase obras de arte, que agradam ao paladar, aos olhos e, ainda, não dispensam um bom vinho. O marketing então! E o relacionamento com a imprensa! Nesse campo, minha impressão é a de ser um cavaleiro medieval, com sua pesada armadura de latão ou ferro, tentando caminhar por um pântano
ou atravessar um rio. O conceito de publicidade, para mim, sempre foi, simplesmente, a divulgação do ato jurisdicional no Diário Oficial. Há um consolo, porém. Ainda existem funcionando, pelas paredes de algumas casas, aqueles antigos relógios de pêndulo e carrilhão, nos quais se tem que dar corda regularmente e que necessitam, para continuarem sua imprecisa marcação do tempo, dos cuidados de um velho relojoeiro, que saiba regulá-los, azeitá-los e até confeccionar algumas peças para eles. Da mesma forma, deve haver processos intrincados, que encerrem uma controvérsia peculiar, nunca vista na jurisprudência, e nos quais a parte espera um exame cuidadoso e sutil, que vise achar a solução que é única e precisa, mesmo que para tanto seja necessário uma maior demora na avaliação, a subsunção do feito aos antigos ritos e formas processuais e a argumentação cuidadosa e erudita dos advogados. Para tais casos, a exemplo do velho relojoeiro, talvez ainda sirva um juiz anacrônico.
... minha admiração é pela nouvelle cuisine, com seus pratos delicados, de aroma sutil e sabor peculiar, quase obras de arte, que agradam ao paladar, aos olhos...
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ponto de vista
Magistratura em prol da cidadania No STJ desde 2004, o ministro Arnaldo Esteves Lima é um homem de hábitos simples e de grande dedicação ao trabalho. Recém-nomeado corregedor do Conselho Federal de Justiça, defende que os magistrados tenham conduta ilibada e sirvam de modelo para a população Iara Vidal
Nascido em Novo Cruzeiro, no Vale do Jequitinhonha (MG), o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Arnaldo Esteves Lima é um homem de hábitos simples e de grande dedicação ao trabalho. Passa a semana em Brasília, “praticamente só no STJ”, e almoça no próprio refeitório do tribunal, lado a lado com os servidores. Já nos fins de semana, quando está em Belo Horizonte, se permite momentos de lazer, nas idas ao clube com a família. Considera-se um “mineiro tradicional” e é fã da seresta mineira e do rico artesanato produzido em sua terra natal. Apenas há poucos anos viajou pela primeira vez para fora do Brasil. Conheceu e se encantou com Nova York, Lisboa e Barcelona. Para ele, as viagens são uma oportunidade não só de conhecer, mas também de aprimorar o lado cultural.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), está no STJ desde 2004. Preside a Primeira Turma do tribunal e é membro da Primeira Seção, da Corte Especial e do Conselho Superior da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM). Acaba de ser nomeado corregedor-geral do Conselho de Justiça Federal. Defende que os magistrados tenham conduta ilibada e sirvam de modelo para a população. Sobretudo nas comarcas do interior, onde “um mal exemplo tem repercussão negativa enorme”. Nesta entrevista exclusiva para a Revista de Cultura da Ajufe, o ministro Arnaldo Lima conta um pouco de sua origem simples, de sua trajetória, de seus hábitos culturais e de sua mineiridade.
O senhor recentemente foi nomeado corregedor do Conselho de Justiça Federal. Quais são os desafios dessa nova função? O Conselho é composto por 10 magistrados, sendo cinco do Superior Tribunal de Justiça e cinco de cada Tribunal Regional Federal. O cargo de corregedor é ocupado sempre por um dos membros do STJ e a ele compete presidir a chamada Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais e também dirigir o Centro de Estudos Judiciários, que realiza cursos de atualização para a comunidade jurídica em geral. Além disso, o corregedor tem atribuição correicional, de verificar como estão funcionando os tribunais, para que possa colaborar
com eventuais melhorias a serem implementadas para o melhor funcionamento da Justiça. O grande desafio do cargo são essas muitas atribuições, mas o trabalho, no geral, é bem tranquilo. O conselho tem uma estrutura boa, está bem instalado, os juízes federais e os desembargadores são todos muito bons e cooperativos, então facilita o dia a dia.
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O Superior Tribunal de Justiça é conhecido por muitos como Tribunal da Cidadania, Tribunal Cidadão. Como o senhor vê essa alcunha? A promulgação da Constituição Federal de 1988 e a abertura democrática possibilitaram um aumento muito
FOTO: EDSON QUEIROZ/CJF
grande no acesso à Justiça. Como o STJ é um tribunal nacional que julga as questões mais comuns do dia a dia das pessoas, com exceção dos casos relacionados à Justiça do Trabalho, acaba por chegar aqui diversos temas que envolvem a aplicação da legislação federal. Com isso, houve, em um espaço curto de tempo, um número muito grande de recursos chegando ao STJ, demonstrando que há toda uma expectativa e confiança do jurisdicionado na atuação no Tribunal, o que acabou gerando essa denominação de Tribunal da Cidadania. Na minha opinião, é uma faceta importante do próprio regime democrático. Há um embate em curso no nosso Legislativo entre as polícias judiciárias e o Ministério Público, que quer ter a prerrogativa de investigar também. Em sua opinião, qual é o efeito disso na prática, na vida do cidadão? Isso é uma matéria que está em discussão. Há uma proposta de emenda constitucional para regulamentar essa competência de investigar,
mas, na prática, eu acho que deveria existir, como existe, em certa medida, um trabalho cooperativo entre as instituições. Quem deve investigar, como regra, é a polícia, porque é uma competência tradicionalmente atribuída a ela. Mas como o Ministério Público é o titular da ação penal, excepcionalmente, seria razoável que ele pudesse investigar quando seu trabalho for supletivo da atuação da polícia, que algumas vezes pode não ter sido adequada, ou em casos que envolvam policiais. Eu não sou favorável ao Ministério Público atuar presidindo inquéritos, acho que não é atribuição dele, é atribuição da polícia, que é preparada para isso. Talvez não seja bom também porque pode gerar desgaste para o Ministério Público. Quanto melhor funcionar o sistema, melhor para a sociedade. O mais importante, na minha concepção, é uma atuação cooperativa. O Ministério Público não deveria invadir a área de atuação da polícia, com exceção de determinados casos, como citei anteriormente. O senhor é nascido no Vale do Jequitinhonha, que é infelizmente conhecido pela pobreza e felizmente pelo espetacular artesanato. O senhor morou até que idade na região? Eu e todos os meus irmãos nascemos no meio rural, no distrito de Novo Cruzeiro, que se chama oficialmente de Nova Ilhona, mas tem o nome vulgar lá na região de Sapé, por causa de um rio que passa por lá. Vivi até os 20 anos no Vale do Jequitinhonha. Fiz o primário na minha cidade e o ginásio em uma cidade próxima a Novo Cruzeiro. Só depois fui para Belo Horizonte, com ajuda de uma irmã, que faleceu recentemente. Lá, fiz o curso clássico, que era paralelo ao científi-
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ponto de vista
co, mas mais direcionado a ciências humanas. Depois fiz o vestibular para direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O senhor sempre estudou em escolas públicas? O clássico eu fiz em colégio particular, porque, na época, ele era ministrado em poucos colégios e eu precisava estudar à noite, pois tinha arranjado um emprego de datilógrafo lá na UFMG e ficava apertado para mim estudar de manhã. Conte um pouco sobre sua relação com a cultura mineira. Na parte musical, eu gosto da seresta mineira, que é um lado musical muito cultivado em Minas Gerais. Também gosto muito da culinária mineira, do artesanato, que é bastante forte em minha região. Em resumo, sou um mineiro bem tradicional, apesar de ter saído de lá e vindo para Brasília. Depois que me formei, o lugar onde consegui meu primeiro emprego foi aqui. Só saí de Brasília quando passei no concurso para juiz federal, pois não havia vagas para a seção daqui. Eu fui então para Curitiba, onde fiquei cerca de um ano e pouco. Então surgiu vaga na seção de Minas Gerais e eu fui para lá. Depois me mudei para o Rio de Janeiro, quando fui promovido para o Tribunal Regional Eleitoral da 2ª Região. Depois vim novamente para Brasília, em 2004, quando assumi como ministro do Superior Tribunal de Justiça. Quais são seus hábitos de leitura? O que o senhor gosta de ler? Eu sou um leitor mais habitual de matéria jurídica. Fora disso, gosto de ler romances, mas tem muito tempo que não leio um. Gosto também da leitura diária de jornais e revistas. Como que é o lazer do senhor? O que o senhor faz para se divertir? Eu tenho duplo domicílio. Minha família fica mais em Belo Horizonte e eu fico aqui durante a semana. Em Brasília praticamente fico só no STJ. De manhã eu faço uma caminhada, depois venho para o tribunal. Já em Belo Horizonte eu tenho uma atividade de lazer maior. Somos sócios há muitos anos do Minas Tênis Clube, que é um lugar que eu gosto muito de frequentar. Estando em Belo Horizonte, sobretudo quando é feriado, fim de semana, eu vou sempre ao clube.
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Quais são os expoentes de Minas Gerais, na área cultural, que o senhor admira? Aqueles tradicionais mesmo. Tinha um escritor muito bom que já morreu que era o Francisco Rubião. Gosto muito também do nosso autor do Grande Sertão Veredas, o Guimarães Rosa. Tenho umas três edições desse livro. E artesanato, bastante tradicional no Vale do Jequitinhonha, o senhor tem em casa? Apesar de gostar muito do artesanato da minha região, eu quase que não tenho em casa. Mas sabe o que acontece? É que nessa parte caseira, quem quase sempre acaba prevalecendo com seus gostos é a mulher. Então quem compra essas coisas é minha esposa. Acho que ela não gosta muito, ou, se gosta, prefere não comprar para colocar em casa. E artes plásticas? Eu gosto, mas não tenho nenhum conhecimento. Às vezes, olho para uma obra de autor famoso e penso: “mas o que tem isso?”. Outras vezes, olho para a obra de um anônimo e fico admirado. Então gosto, mas não tenho uma cultura que me permita diferenciar entre um autor conhecido e outro que não é famoso. Eu gosto daquilo que, quando olho, acho bonito. Pode ser até uma coisa elementar. Na minha época, lá no interior, a gente não tinha nem luz elétrica, vivia na roça mesmo, com luz de lampião. Então não tínhamos acesso a essas coisas na época, de formação, depois fica difícil você mudar aquela sua percepção das coisas. O senhor gosta de viajar? Eu gosto de viajar para todo lugar. Gosto de viagens domésticas e, de um tempo pra cá, tenho viajado para fora do país também. Viagem é uma oportunidade que temos não só de conhecer, mas também de melhorar nosso lado cultural. Fale sobre uma viagem que chamou a atenção do senhor. Foi de poucos anos para cá que comecei a viajar para o exterior. Fui pra Nova York e achei aquilo lindo. Fui ao Canadá também e achei ótimo. À Europa só fui à Espanha e a Portugal. Quero ir a mais países por ali. Quando eu fui, cheguei em Lisboa e fui de ônibus até Barcelona e de lá já voltamos para o Brasil. Admirei muito a obra do famoso arquiteto catalão, o Antoni Gaudí, que foi praticamente o Niemeyer de lá, só que, claro, com uma
obra com concepção arquitetônica completamente diferente. Barcelona é uma cidade muito bonita. Fiquei encantado com a Igreja da Sagrada Família, que é uma obra sempre em construção. São milhares de visitantes e a igreja está sendo construída praticamente com dinheiro de doações, segundo a guia turística que nos orientou lá. No ano anterior ao que nós fomos, foram 12 milhões de visitantes nessa igreja, cada um pagando alguns dólares para ver, para entrar. A receita da obra é toda dessas pessoas que visitam. O senhor acredita que essas suas viagens contribuem para seu olhar de justiça, essa justiça cidadã que o senhor defende? É claro que contribui. Você tem uma percepção diferente de muita coisa, do lado social, inclusive. Apesar de que a gente vai em uma viagem para passear, acabamos não tão preocupados com essas coisas. Mas ajuda para que façamos certas comparações. Pode colaborar ao avaliarmos uma determinada questão debatida em um processo. Mas é mais importante, em termos de viagem, quando fazemos uma visita em função da atividade, pois você vai com o olhar focado. Agora em julho de 2012, por exemplo, eu fui com o ministro João Noronha e mais seis colegas em uma visita a instituições da Justiça nos Estados Unidos. Havia toda uma programação específica para isso. Visitamos tribunais, a Suprema Corte, faculdades de Direito. Em cada lugar que estivemos fomos recebidos por uma pessoa daquela instituição. Aí foi importante, pois pudemos fazer uma comparação com as nossas instituições. O saldo foi bem positivo. Nessa viagem aos Estados Unidos, o que mais chamou atenção do senhor? Na legislação de lá, as penas, o rigor são muito maiores. E também varia de estado para estado. Tem estados que tem pena de morte, enquanto outros não têm. Prepondera nos Estados Unidos a legislação estadual, como é o caso, por exemplo, do direito de família. O porte de arma também é uma questão que varia bastante por lá. Na Flórida, a pessoa, ao comprar uma arma, já adquire o direito de portá-la. Praticamente todo mundo anda armado lá. Em outros estados, a pessoa pode comprar a arma, mas muitas vezes não pode portar. Aqui não, a legislação é federal. Aqui vale o mesmo em qualquer estado da nação.
O senhor costuma voltar ao Vale do Jequitinhonha? Eu de vez em quando vou lá. Ultimamente nem tanto, porque de Belo Horizonte para minha terra, que é no nordeste do estado, no caminho para a Bahia, são 600 quilômetros. Tenho dois irmãos que ainda vivem lá e dois sobrinhos. Eles vão muito a BH, onde nos encontramos, aí acabo indo menos. O senhor tem alguma mensagem a passar para seus colegas juízes? Acho importante que todos os juízes se preocupem com o trabalho, com o aprimoramento, com o procedimento que deve ter um juiz, pois ele é uma pessoa como outra qualquer, não é diferente de ninguém. Acho importante o juiz atuar de forma a contribuir também na formação cultural das pessoas. Pois, sobretudo em comunidades pequenas, o juiz é uma pessoa muito visada. Um mal exemplo tem uma repercussão negativa enorme, assim como inversamente ocorre com o bom exemplo. Lem-
Acho importante que todos os juízes se preocupem com o trabalho, com o aprimoramento, com o procedimento que deve ter um juiz, pois ele é uma pessoa como outra qualquer, não é diferente de ninguém bro que, há muito tempo, fiz concurso para promotor em São Paulo e passei. Na época, depois da aprovação, a gente participava de um curso de duas semanas promovido pelo Ministério Público. Houve uma palestra que me marcou muito cujo título era mais ou menos o seguinte: o comportamento do promotor em uma comarca do interior. Não é que o comportamento em um lugar pequeno deva ser diferente do comportamento tomado no lugar grande, pois todos devem se comportar adequadamente em qualquer lugar. Acontece que, em um lugar pequeno, se em seu horário de lazer um juiz se embriaga, isso terá uma repercussão bem maior do que aqui em Brasília ou em São Paulo. Isso tudo deve ser ponderado, pois é importante levar em conta o contexto social em que se atua.
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Olivares de Quepu $]HLWH 2URPDXOH Produzido a partir de variedades de azeitonas, caracteriza-se pelo perfeito equilíbrio de finos toques de ervas frescas e de frutas, dei xando na boca um agradável bouquet de amêndoas.
3LFXDO Produzido a partir de variedade de azeitona de origem espanhola, apresenta equilíbrio entre os toques picantes e amargos presentes em seu sabor frutado. Seu gosto, ao fundo, é picante, intenso e profundo. É recomendado para carnes vermelhas e vegetais verdes, além de combinar muito bem com saladas e guisados.
)UDQWRLR Produzido a partir de variedade de azeitona de origem italiana, caracteriza-se pelo agradável aroma de frutas frescas e ervas recém-cortadas que remetem à fragrância da rúcula. A intensidade média e o sabor frutado proporcionam um gosto limpo, com agradável frescor amargo ao final. Seu uso é recomendado em todo tipo de massa, pescados e mariscos.
$UEHTXLQD Produzido a partir de variedade de azeitona de origem espanhola, apresenta um aroma fresco de maçãs verdes, com notas de alcachofra. Com adstringência brilhante e pura, possui agradável sabor de amêndoas, com excelente combinação de frutas frescas e sensações de amargo e picante bem balanceadas. É recomendado em todo tipo de carnes brancas, saladas e vegetais salteados.
Sabor e saúde desde a antiguidade O azeite de oliva é utilizado desde a Antiguidade pelos povos do Mediterrâneo, e foi um dos principais produtos comercializados pelos fenícios, que, como os povos da Mesopotâmia, os egípcios e os gregos, já o usavam há seis mil anos. Ao longo dos tempos, sua utilização cresceu e sua importância se acentuou, como resultado dos múltiplos aproveitamentos que lhe foram dados, especialmente na alimentação e medicina. Seu consumo tomou grandes proporções na cozinha moderna graças aos benefícios que o azeite propicia à saúde, principalmente os azeites extravirgens, que possuem propriedades e vitaminas que podem prevenir doenças e melhorar a pele, além de conter ainda diferentesvitaminas (A, D, K e E). Dentre os inúmeros benefícios do azeite extravirgem estão sua ação antioxidante, redução do mau colesterol, proteção ao coração e ao cérebro, proteção contra a osteoporose, efeito analgésico, além de hidratação capilar e fortalecimento das unhas. Além de todos esses benefícios, o azeite dá sabor, cor e aroma, integra os alimentos, personaliza e identifica um prato. Graças ao conhecimento de seus benefícios, o consumo de azeite foi difundido de forma a abranger mercados longínquos dos locais de produção. Pensando na saúde e no crescimento do mercado do azeite, a Olivares de Quepu tem investido na expansão da sua marca. A empresa, localizada na região de Maule, no Chile, dedica-se 100% à produção de azeite de oliva extravirgem de altíssima qualidade. As oliveiras foram cultivadas no Vale de Pencahue, na VII Região, cidade de Talca, considerada uma terra muito fértil. No início, apenas 80 hectares e, após uma década, possui 763 hectares plantados. Devido à integração vertical na cadeia de produção, desde produzir as mudas para plantio até o engarrafamento dos azeites, a Olivares de Quepu obtém produtos únicos em sua categoria. Assim os monovarietais 1492 – Frantoio, Picual e Arbequina – e o Oromaule, cada um com a sua característica particular, mas todos com qualidade inigualável, com acidez de 0,2% e diversas premiações, adquiriram fama e prestígio no mercado mundial.
Revista
AJUFE
de Cultura ANO 5 . ABRIL DE 2013 . Nº 8
Ponto de vista Ministros do STJ João Otávio de Noronha e Arnaldo Esteves Lima falam sobre o trabalho no tribunal, preferências culturais e mineiridade Crônicas e contos Chico Buarque e a ditadura, causos verídicos e engraçados, a revolta de um matador que falhou em cumprir seu trabalho: confira histórias contadas com maestria por nossos magistrados Galeria Belas imagens retratadas pelos juízes federais em suas viagens pelo Brasil e o mundo
Nos últimos anos, os azeites da Olivares de Quepu foram premiados nos principais concursos europeus e americanos: Terraolivo / Mediterranean International Olive Oil Competition – Israel, 2012 | Los Angeles Extra Virgin Olive Oil Competition –EUA, 2010 e 2011 Concorso Internazionale L´Orciolo D´Oro – Itália, 2004, 2006, 2007, 2009, 2010, 2011 e 2012 | 4ª ExpoAzeite Concurso de Azeites Extra Virgem –Itália, 2010 12° Concorso Internazionale Oli da Oliva L´Orciolo D´Oro – EUA, 2010