G U A V I V A
Continuo com capacidade de raciocínio - já estudei matemática que é a loucura do raciocínio - mas agora quero o plasma - quero me alimentar diretamente da placenta. P.9
É um mundo emaranhado de cipós, sílabas, madressilvas, cores e palavras - limiar de entrada de ancestral caverna que é o útero do mundo e dele vou nascer. P. 15
O dia parece a pele esticada e lisa de uma fruta que numa pequena catástrofe os dentes rompem, o seu caldo escorre. P.18
O que te digo deve ser lido rapidamente como quando se olha. P.17
Que febre: conseguirei um dia parar de viver? ai de mim, que tanto morro.
Sigo o tortuoso caminho das raízes rebentando a terra, tenho por dom a paixão, na queimada de tronco seco contorço-me às labaredas. P.22
Escuta: eu te deixo ser, deixa-me ser então. P.26
Sou um coração batendo no mundo. Você que me lê que me ajude a nascer.
Espere: está ficando escuro. Mais. Mais escuro.
O instante é de um escuro total. Continua. P.36
Um trecho figurativo para abrir uma clareira na minha
A mão pousa na terra e escuta quente um coração a pulsar. P.38
O erotismo próprio do que é vivo está espalhado no ar, no mar, nas plantas, em nós, P.40
Bebo um gole de sangue que me plenifica toda. P. 41
Ouço címbalos e trombetas e tamborins que enchem o ar de barulhos e marulhos abafando então o silêncio do disco do sol e seu prodígio. P. 41
Criar de si próprio um ser é muito grave. Estou me criando. P.48
Dói.
Mas é dor de parto: nasce uma coisa que é. E-se. É duro como uma pedra seca. P.48
Vir-a-ser é uma lenta e lenta dor boa.
É o espreguiçamento amplo até onde a pessoa pode se esticar.
E o sangue agradece. P.63
E eu caminho em corda bamba até o limite de meu sonho.
As vísceras torturadas pela voluptuosidade me guiam, fúria dos impulsos.
Antes de me organizar, tenho que me desorganizar internamente. Para experimentar P.67
Alimento-me delicadamente do cotidiano trivial e tomo café no terraço no limiar deste crepúsculo que parece doentio apenas porque é doce e sensível. P.70.
Penso que agora terei que pedir licença para morrer um pouco. Com licença - sim? Não demoro. Obrigada. P.65
...... Não. Não consegui morrer. Termino aqui esta "coisa-palavra" por um ato voluntário? Ainda não.
Estou transfigurando a realidade - o que é que está me escapando? por que não estendo a mão e pego?
É porque apenas sonhei com o mundo mas jamais o vi. P.65
Quero ser enterrada com o relógio no pulso para que na terra algo possa pulsar o tempo. P.44
Escrevo-te sentada junto de uma janela aberta no alto de meu atelier. P.54
Não ter nascido bicho é uma minha secreta nostalgia.
Eles às vezes clamam do longe muitas gerações e eu não posso responder senão ficando inquieta.
É o chamado. P.52
Só algumas pessoas escoIhidas pela fatalidade do acaso provaram da liberdade esquiva e delicada da vida. É como saber arrumar flores num jarro: uma sabedoria quase inútil.
Essa liberdade fugitiva de vida não deve ser jamais esquecida: deve estar presente como um eflúvio. P.69
Alimento-me delicadamente do cotidiano trivial e tomo café no terraço no limiar deste crepúsculo que parece doentio apenas porque é doce e sensível. P.70
Aliás não quero morrer. Recuso-me contra "Deus".
Vamos não morrer como desafio? P.94
Feito por: ANA