A AMANTE REAL THE GREEK'S ROYAL MISTRESS
Jane Porter
— Respire. O toque de Demetrius era firme, embora sua voz fosse calma. Os olhos se estreitavam enquanto lutava para se controlar. Você tem de ficar bem, tem de se desprender. Ninguém vive para sempre... ninguém ganha sempre... — Respire. — Não consigo — começou a chorar. — Não consigo... — Você consegue. Você precisa. Vamos, Chantal, seja forte. Depois de um instante ela se acalmou. Estava respirando novamente. — Estou bem agora — disse. Demetrius Mantheakis a assustava tanto quanto o estremecer do avião.
Digitalização: Ana Cris Revisão: Crysty
Cara leitora, Mesmo no mundo dos príncipes e princesas existem confusões. Nem tudo é feito de sonhos... A rebelde princesa Chantal Thibaudet sofreu um acidente de avião, mas conseguiu sobreviver graças a Demetrius Mantheakis, que a retirou dos destroços. Mas esta história não termina aí. Chantal se apaixona pelo sensual plebeu e vê sua vida mudar quando descobre que está grávida. Apertem os cintos, pois um escândalo real está prestes a acontecer!
CAPÍTULO UM
O jatinho, parte da frota real de La Croix, estremeceu, e a princesa Chantal Thibaudet olhou de relance para cima, seu chá balançando na xícara. Tinha sido um vôo relativamente tranqüilo até agora. Estavam voando há quase três horas — a meio caminho de casa em La Croix, saindo de sua estada de uma semana em Nova York — e, embora sua secretária e sua dama de companhia estivessem felizes, Chantal estava desesperada para voltar para casa e para a filha. Contudo, controlou-se para não demonstrar inquietação, sua expressão permanecendo neutra, treinada por anos de serviço público para sempre esconder o que realmente estava sentindo. Por um momento, a desolação de seu futuro a deixou desorientada, as paredes, as regras, o silêncio... Não era a vida que pensou que teria. Sempre tinha sido tão boa, tão séria sobre tudo, sempre teve certeza de que a vida transcorreria de maneira diferente. Abruptamente o avião caiu, uma guinada que fez com que o séquito de Chantal soltasse risadas nervosas e olhasse de relance ao redor, verificando outras reações. A própria Chantal passou os olhos pelos grupos de passageiros. Seus assistentes brincalhões, dois representantes da imprensa, diversos homens espalhados, executivos, amigos dos Thibaudet, a tripulação. Odiava vôos turbulentos. Eram inerentes ao vôo, e ela crescera em aviões, mas agora que era mãe, Chantal temia as decolagens e aterrissagens e as turbulências entre elas. A aeronave sacudiu, O jatinho despencou outra vez, uma queda mais acentuada. Não gostou disso. Mas tentou parecer calma. Não iam colidir. Era apenas turbulência. Nada sério. Os aviões enfrentavam turbulências a toda hora. Uma comissária de vôo da companhia aérea real de La Croix veio rapidamente na direção de Chantal. — Deixe-me pegar sua xícara. Não queremos que você se queime. O avião estava sacudindo, estremecendo como uma dançarina executando a dança do ventre no céu, e os passageiros murmuravam na parte traseira enquanto o cabeleireiro de Chantal começou a chorar. Ao erguer os olhos, Chantal encontrou o olhar de um dos homens. Estava sentado logo do outro lado do corredor estreito em uma poltrona de couro, e seu olhar escuro encarava o dela. Não era inglês nem francês. Tinha um
olhar firme, belo mas firme, o rosto com linhas rígidas e planas — uma linha inflexível de sobrancelhas, nariz, boca e queixo. — Vôo turbulento. — Sim. Chantal teve a impressão de que ele resistia à companhia — a pessoas. — Você viaja muito de avião? — Sim. — Seu olhar misterioso era quase tão duro quanto a linha dos ossos da face e dos maxilares. — E você? — Bastante. Eu nunca... — parou de falar quando o avião mergulhou abruptamente, e alguém atrás dela gritou. Os cabelos da nuca de Chantal se eriçaram e, agarrando os braços da poltrona, ela se concentrou na respiração. Acalme-se. Com o coração disparado e os olhos ardendo, ela se virou para olhar o homem do outro lado do corredor. Ela não podia enfraquecer. Tinha de permanecer concentrada. Converse com ele. Faça contato com ele. Soltou uma respiração curta, a cabeça girando. — Você tem sotaque. — Você também. Talvez fosse latino. Italiano? Siciliano? A ardência nos olhos transformouse em lágrimas. Sentia-se constrangida por perder o controle. — Sou de Melio — disse ela, mencionando o nome de seu país independente próximo à costa da França e da Espanha. — Sou da Grécia — retrucou ele, levantando-se. Atravessou o estreito corredor e sentou-se na poltrona ao lado dela.
Ah, grego, pensou ela. — Sou a princesa Chantal Marie... — Sei quem você é. É claro que ele sabia. Que idiota. Ela se esforçou para parecer normal. — Qual é seu nome? — Demetrius Mantheakis. — Difícil de pronunciar. — Sim.
O jatinho gemeu alto e fez um movimento estranho. Flexível. Móvel. — Isso não é mais turbulência, é? — Não. Foi o que pensou. Expirou lentamente, tentando ignorar o medo. — Como está seu cinto de segurança? — perguntou, mas não esperou a resposta. Estendeu as mãos e verificou ele mesmo. — Você não tem de fazer isso. — Fazer o quê? Achou que a voz dele era dura e que o sotaque não era como o dos gregos que conhecera. O tom era mais duro. A modulação, mais áspera. — Divertir-me. Distrair-me. O que quer que esteja fazendo. — Chamo isso de fazer companhia. Ela tentou sorrir, mas não conseguiu. Sentia-se descontrolada por dentro, o coração disparado. Estavam sobrevoando o oceano Atlântico, voltando para a Europa. Não havia nada debaixo deles, exceto água. Mesmo que precisassem aterrissar, não poderiam. Virou-se para a janela. O trepidar do avião, as nuvens negras, a sensação de que a destruição estava a um passo de distância aguçava seus sentidos, o tempo se esticava infinitamente, de modo que o futuro parecia impossível.
Lilly. Teve uma sensação desagradável no fundo dos olhos. Apertou os joelhos com força para evitar as lágrimas. Princesas não choram, não demonstram emoção em público. Mas o rosto da filha surgiu diante de seus olhos, o rosto doce e pálido, os cabelos loiros. Cobriu o rosto com as mãos e esfregou os olhos, secando as lágrimas antes que caíssem. Não podia perder o controle. O comandante não havia feito nenhum pronunciamento. Os comissários de bordo estavam afivelados em seus assentos, mas pareciam tranqüilos e profissionais. O jatinho estremeceu e inclinou-se muito para a esquerda. Chantal espiou pela janela novamente. — Não consigo ver nada — disse, enquanto o jatinho parecia retomar um padrão mais normal de vôo. — Está escuro lá fora — respondeu ele calmamente.
— Será que os pilotos conseguem enxergar? — Eles voam por meio de equipamentos.
Mas e se os equipamentos estiverem com defeito, quis perguntar. Em vez disso, voltou a pensar na vida, nas escolhas feitas, nas oportunidades perdidas. — Momentos como este são ótimos para uma auto-analise. Nada como encarar a si mesmo. — Arrependimentos? — Vários. — Diga um. — São muitos. Não consigo pensar em apenas um, mas em todos eles, toda a experiência de vida, as esperanças e sonhos... — A vida nunca é o que se acha que será, não é mesmo? Ele parecia tão grande, tão imponente e ainda projetava força. Calma. — Não. — O que acabou sendo diferente para você? Ela balançou a cabeça. Não podia falar sobre isso. Sobre nada. De repente, relembrou o fim de semana em Nova York. Tinha sido a convidada de honra da semana anual de moda, e a direção do evento havia lhe reservado a suíte real do Le Meridien, um hotel luxuoso, com uma forte influência francesa. Supôs que eles tivessem imaginado que ela ficaria mais confortável com o sotaque francês, mas não fora até lá para encontrar a França, ou Melio, nem mesmo La Croix. Fora a Nova York para encontrar um pedaço de seu passado, pelo menos o passado de sua mãe, mas isso não aconteceu. Como poderia encontrar a mãe, ou a si mesma, em um hotel fino com saguões de mármore e restaurantes de cerejeira? A vida no Le Meridien de Nova York era de prestígio elevado, chique e barulhenta, e talvez assim fosse a cidade, afinal de contas. E talvez esta fosse a razão por que Chantal sabia que sempre seria uma estranha ali. Não era a ilha dela, o reino de seu marido, ou sua maneira refinada e elegante de viver a vida. Mas talvez esta fosse a fascinação de Nova York. Lembrou-se da vista da suíte real. A cidade tinha a ver com mudança, escolha, poder e sacrifício, e enquanto a cidade pulsava em volta dela, soube que não possuía esse tipo de força. Ou coragem.
— A vida é um quebra-cabeça. — Pode ser. Ou pode ser bem simples. Também fora bem simples para Chantal no passado. Não mais. Não desde seu casamento, o nascimento de Lilly, a morte de Armand. Nada era claro. Nem simples. E pensar na falta de simplicidade a fez lembrar-se do garçom naquela manhã no restaurante do hotel. Tinha sua própria mesa — seus assistentes sentavam-se em uma próxima — e o garçom desafiava a descrição. Literalmente. — Havia um garçom no restaurante do hotel — disse ela, imaginando o garçom alto, que devia ter pelo menos 1,85 m, cabelos longos, uma voz macia, ombros caídos, cintura delicada, quadris largos e, contudo, era um homem. Pelo menos nascera homem. — Ele não combinava com o corpo. Não sei se estava tomando algo para ficar mais feminino, ou talvez apenas desejasse isso, mas... — Mas o quê? — Eu o admirei. Por se recusar a passar a vida como alguém que não queria ser... por não querer passar o resto da vida em um corpo que não lhe era adequado, ou desempenhando um papel que não lhe era apropriado. — Parece que o garçom tomou medidas drásticas. — Acho que ele era corajoso. No restaurante de manhã, primeiro ela ficou intrigada, depois confusa e, por fim, compreensiva. E sua compaixão profunda a fez sentir um pouco da dor que ele deve ter sentido por ter mudado tanto seu mundo. Sabia o que era nascer de um jeito e lutar contra ele constantemente. Lutar dia após dia, negar os impulsos naturais o tempo todo, ordenar a si mesma para fazer isso porque... tinha de ser assim. — Café? — o garçom lhe perguntara de manhã, com uma voz suave como a de uma mulher e ainda assim distintamente masculina. A voz se enterrara no fundo de seu coração, onde tentou não deixar a emoção entrar. Sentira tamanha empatia por ele que tentou sorrir, mas seus olhos se encheram de lágrimas. Esse pobre homem deve ter enfrentado anos de dor. — Por favor — respondeu. Levantando os olhos, encontrou os do garçom e sorriu, mesmo pensando que ninguém levava a vida sem uma dor enorme. — Mas você é corajosa. Fez coisas incríveis na vida. — Não. Não como isso. Na verdade, nunca lutei por nada. — Se pudesse fazer tudo de novo, pelo que lutaria? Chantal parecia
desconfortável na poltrona. Queria sair do avião. Queria afastar-se desse homem que lhe fazia perguntas difíceis e desejava respostas reais. Tinha sido um longo dia, mas não sabia como não responder a ele. Havia algo nele que a obrigava a responder. — Felicidade. — Felicidade? — Nunca achei que seria tão ilusória. Sempre pensei que todos nós teríamos oportunidades iguais. — E você não teve? Nunca conversava com as pessoas dessa maneira, mas agora que começara a se abrir, parecia não poder parar. Era como se ele houvesse desencadeado uma tempestade dentro dela. — Não sei o que deu errado. Eu me esforcei tanto para fazer a coisa certa, e sempre pensei que se tentasse o bastante, fosse boa, honesta, generosa e compassiva o bastante... se trabalhasse com afinco, descobriria aquela felicidade ilusória que os outros parecem ter. Encontraria a felicidade e... — E o quê? — A paz. — Paz. Não fechou os olhos, mas por dentro sentiu-se tão estranha e vazia que teria fechado se ele não a estivesse vendo tão de perto. Mas ele não conhece você, lembrou a si mesma. E mesmo que sobreviva a este vôo maluco, algo que parece remoto neste momento, nunca nos veremos novamente. Havia tanto mal assim em se abrir? Ser honesta? Falar com o coração? Sua vida inteira fora ditada pelo dever, pelo país, pela economia. Como a mais velha das três netas do rei Remi Ducasse, Chantal estava destinada a ser a futura rainha e monarca de Melio. Sabia desde a adolescência que era seu dever ter um bom casamento, proporcionar herdeiros, assegurar a estabilidade financeira e garantir a independência em relação a seus poderosos vizinhos Espanha, França e Itália. Falar com o coração. Viver de acordo com o coração. Não eram escolhas possíveis. Seu coração há tempos fora dominado pela cabeça, e sua lealdade e desejo inatos para fazer o certo há muito haviam ofuscado o impulso e o sentimentalismo. Havia o certo e havia o que precisava ser feito, e sabia que se casaria com alguém à altura, um parceiro arranjado pelo avô e seus conselheiros. Ela traria prosperidade e estabilidade ao reino novamente. Esse era seu trabalho. Era o que faria. E tinha sido o trabalho que fizera. Tragicamente, no momento em que se
casara com Armand, Chantal soube que havia cometido o pior erro de sua vida e ter Lilly só o piorara. Mas apenas pensar em sua filhinha a fazia sorrir por dentro. Lilly era tudo. A maior e mais pura alegria que a vida poderia lhe conceder. Um presente. De repente, o avião gemeu de novo, sussurrando como se agonizasse.
O que aconteceria a Lilly? Sabia que seu cunhado, o rei Malik Nuri, sultão de Baraka, estava tentando libertar Lilly, tentando encontrar uma maneira de fugir das leis arcaicas de La Croix, mas até agora nada havia adiantado, o que significava que, se o avião caísse, Lilly ficaria presa para sempre com os Thibaudet em La Croix. Chantal não podia nem pensar nisso. Os Thibaudet, pais de Armand, eram frios e rígidos e controlariam cada escolha, cada pensamento, cada respiração de Lilly. Sua cabeça girava. Seu estômago lhe causava ânsias. Sentiu que ia vomitar. Do nada uma mão pressionou a parte de trás de sua cabeça, forçando-a para baixo, empurrando seu rosto para os joelhos. — Respire. O toque de Demetrius era firme, embora sua voz fosse calma. Os olhos se estreitavam enquanto lutava para se controlar. Você tem de ficar bem, tem de se desprender. Ninguém vive para sempre... ninguém ganha sempre... — Respire. — Não consigo. — Começou a chorar. — Não consigo... — Você consegue. Você precisa. Vamos, Chantal, seja forte. Depois de um instante ela se acalmou. Estava respirando novamente. — Estou bem agora — disse. Demetrius Mantheakis a assustava tanto quanto o estremecer do avião. Demetrius observava a princesa sabendo que estavam em perigo; estava calmo porque não havia nada que pudessem fazer. Ou sobreviveriam ou não. De qualquer forma, ele estaria com a princesa Thibaudet. Conseguia ficar calmo. Certas decisões já haviam sido tomadas por eles. Era uma questão de esperar. — Estou bem agora — disse ela novamente. — Não há nada de errado em ter medo. — Ele viu a cabeça dela se levantar, seu olhar azul encontrando o dele.
— Está com medo? — Um pouco. Chantal desviou o olhar, seus dedos pressionando o metal frio dos braços da poltrona. Estava com muito medo. — Vamos sobreviver? — Vamos tentar de toda maneira. A voz tranqüila de Demetrius a fez querer gritar. Ele estava tão firme enquanto ela estava nauseada pelo medo. Se não fosse por Lilly, ela poderia ir, poderia aceitar que tivera sua chance, vivera sua vida, mas Lilly precisava dela.
Deus, me dê dezesseis anos, rezou Chantal. Mais dezesseis anos de aniversários e abraços e conversas até tarde da noite sobre tudo que Lilly queira conversar. Não pedirei a ela que viva por mim. Só quero estar por perto. Quero abrir portas para ela, colocá-la na cama tarde da noite, sabendo que está a salvo. — Se eu não conseguir chegar em casa... — Você vai conseguir. — Mas se não conseguir, me prometa que vai dizer à minha filha... — Chantal. A voz dura dele, como uma placa talhada de mármore, arrastou o olhar dela, subindo pelo peito dele até o colarinho aberto, o queixo, as mandíbulas e a boca. Quando os olhos se encontraram, ela se sentiu um emaranhado de nervos vivos. — Você não me chama de Sua Alteza. — Mas você não é minha alteza. Você é Chantal Thibaudet... — Odeio esse nome. Não sou uma Thibaudet. Esse era o nome do meu marido. — E ele morreu. — E ele morreu. — E você não vai morrer. — Não. — Esta é a primeira resposta positiva que ouvi de você. — E este é o primeiro sorriso que vi em você.
— Não gosto de sorrir. Ela riu. Por um instante, ela se esqueceu do avião que sacudia, dos mergulhos e estocadas no espaço, da náusea que invadia cada órgão. — Você não gosta de sorrir? — Os tolos sorriem. — Você deve estar brincando. Lembrou-se de Armand. A risada morreu na boca, estrangulada na garganta. Homens duros e fortes não eram o tipo que queria conhecer. O jatinho mergulhou e, de algum lugar atrás de Chantal, uma mulher soltou um grito longo e aterrorizante que parecia continuar enquanto o jato moviase ruidosamente em direção ao oceano. — Estou aqui. — Estamos caindo. — Estamos caindo rápido. Havia dureza em sua voz. Ela sentiu a urgência e o perigo. Dois seres humanos... mortais... nenhuma distinção entre ninguém agora. — Obrigada por fazer isso. Ficar comigo. — É um prazer. As máscaras de oxigênio caíram. Chantal olhou para o objeto balançando na sua frente e se lembrou de todas as orientações de vôo. Alcançou a máscara e ajustou-a sobre o nariz. Olhou para Demetrius. A máscara dele estava no lugar. — Quero ir para casa. — Para sua filha. — Ela balançou a cabeça, concordando. — Conte-me sobre ela. Quantos anos tem? Qual a cor favorita dela? — Quatro. — A pressão nos ouvidos e na cabeça era intolerável. — Verde. O avião estava caindo, girando, e seu cinto de segurança se esticou, mal a mantendo presa ao assento. — Como ela é? Chantal não conseguiu descrever a filha. Tímida. Ela é tímida. Imaginou Lilly, manteve o rosto da filha diante dos olhos, guardou o amor por ela no coração. Enquanto o mundo girava, Chantal percebeu pela primeira vez que o amor não poderia ser aprisionado; está vivo por todo o universo.
O amor é inerente a cada organismo vivo, cada criatura e homem. Lilly ficaria bem. Teria a tia Nic e a tia Joelle, o vovô e a vovó e sempre teria o povo de Melio que a amaria. Uma voz ecoou pelo alto-falante do avião. O comandante anunciava que tentariam aterrissar. — Segurem-se. O braço de Demetrius agora forçava a cabeça dela para baixo novamente, fazendo-a parecer uma bola. Eu amo você, Lilly. — Segure-se. — Demetrius a empurrou mais uma vez, a mão segurando com firmeza a nuca dela.
Estou me segurando.
CAPÍTULO DOIS Por um instante, nada aconteceu. Estavam voando e, de repente, foram caindo. O solo veio na direção deles. O jatinho colidiu contra a terra. Ricocheteou. Chocou-se novamente. Ricocheteou mais alto, metal explodindo, estourando, guinchando até Chantal ter certeza de que seriam consumidos pelo calor e pelo barulho metálico, o cheiro de borracha e combustível queimando. Enquanto uma fumaça preta invadia a cabine, o jato derrapou para o lado, um avião descontrolado deslizando pela noite. Algo brilhoso flamejou, cor, luz, calor. O avião estava pegando fogo. Mas o jatinho ainda estava se movendo, deslizando, até que o corpo se despedaçou, o nariz se foi, a cauda caiu e a barriga se abriu. Aturdida, Chantal viu o céu da noite no alto. Piscando, tentou focalizar no que deviam ser estrelas enquanto algo quente e molhado gotejava em cima dela. Fumaça e combustível queimavam seu nariz. Tinha de sair dali. Uma mão agarrou sua cintura, procurando o cinto de segurança. Tentou se levantar,'mas as pernas não a sustentaram. Novamente tentou se erguer, mas o peito doía, as pernas tremiam. O corpo se recusava a cooperar enquanto a mente gritava: tenho de sair. — Pegue minha mão — ordenou a voz. Demetrius, ela reconheceu. Mas não
conseguia encontrar a mão dele. Olhou para trás e percebeu que os outros haviam sumido, que a cauda do jatinho ficara em algum lugar lá atrás. — Chantal. Ele a ergueu e Chantal tentou se mover, mas as pernas estavam moles. — Sinto o cheiro de fogo. — A parte da cauda está pegando fogo. — Onde está? — Atrás de nós. Um enorme pedaço de folha de metal prateado projetava-se, retorcendo-se em direção ao céu como uma escultura pós-moderna. — Cuidado. Ela o teria seguido para qualquer lugar naquele momento. — Posso andar — protestou ao ser levantada no colo. — Você está sangrando. — Não estou sangrando. Ele não respondeu. Continuou andando. Demetrius carregou-a do avião em chamas até a clareira logo adiante. Levou-a para longe dos outros sobreviventes. Deu graças por ela ter desmaiado. Não queria conversar nem tentar explicar o que acontecera. Ele falhara. Simples assim. Fora contratado para protegê-la. E não a protegera. O acidente fora culpa dele. Havia substituído a tripulação. Trocara as comissárias de bordo também, sem querer correr o risco de o perigo vir de alguém que era pago para servir à princesa. Rastreara todos os que viajavam com Chantal, e estava confiante de que aqueles que voavam com ela eram leais. No fim, o problema tinha sido o jatinho. Ele o inspecionara. Obviamente a inspeção não tinha sido completa. Achou que depois de dez anos tinha aprendido alguma coisa. Entrou nesse tipo de trabalho à revelia. Um tiro saiu pela culatra na segurança familiar e ele pagou o preço. A tragédia o transformou em especialista no assunto, fira implacável e frio demais para ser um bom guarda-costas. Não aceitava serviços individuais, mas depois que o rei Nuri de Baraka, o novo cunhado da princesa Chantal, lhe explicou a situação, Demetrius não pôde dizer não. A
situação da princesa Chantal Thibaudet era diferente. Viúva aos 27 anos, era um belíssimo membro da família real com uma filha de quatro anos e alguém queria que ela desaparecesse. Morta. Depois de analisar os arquivos, Demetrius soube que não poderia recusar o trabalho. O rei Malik Nuri e os membros da realeza dos Ducasse não sabiam como lidar com esse tipo de ameaça. Demetrius sabia. Oferecia a forma mais sórdida de proteção e intimidação. Normalmente não cometia erros. Cometera um hoje e nunca o esqueceria. Nem o repetiria. O solo ficou macio sob os pés dele e as vozes e gritos dos passageiros se distanciavam. A tripulação havia encontrado terra no meio do Atlântico. Seriam recompensados por isso. Ouviu o som interminável e monótono da água contra a areia. O jatinho aterrissara perto do oceano. Se tivessem ultrapassado a pista um pouquinho, teriam se despedaçado na água. Outro milagre. Demetrius se agachou e deitou Chantal na areia quente e imóvel. Verificou os sinais vitais e ela parecia bem. A pancada na cabeça dela o preocupava. Parte da parede acolchoada voara na direção deles. Desejou ter uma lanterna. Queria verificar os olhos dela, ver se estavam tão dilatados quanto temia. — Lilly? — Ela está bem, Chantal. Deite-se, relaxe. — Onde ela está? — Em casa. — Ela não estava no avião. — Não. — Graças a Deus. Nós sobrevivemos. E os outros? — Sei que há sobreviventes. Vi alguns passageiros reunidos do lado de fora dos destroços. — Temos de ir. Precisamos estar lá. Eu tenho de estar lá. Preciso ajudar. As pessoas estão feridas... — Não pode. — Eu preciso. — Não é seguro.
— Por quê? — Muito volátil. — O avião, você quer dizer? — Entre outras coisas. Eles estavam realmente vivos? Parecia impossível. Improvável. Cautelosamente, levantou a mão para tocar a testa, que latejava. Sentir dor ao erguer o braço. Examinou um pouco e sentiu algo viscoso, ainda quente e pegajoso. Sangue. Deve ter colidido com algo muito duro. Não se lembrava de ter atingido nada, mas quando o avião estava caindo, tudo parecia voar na direção dela — uma bolsa de couro, um salto alto, um livro. Era como se estivessem no espaço: astronautas em gravidade zero. — Você chegou a perder a consciência? — Não. — E não está ferido? — Não. Podia vê-los no jatinho, sentir o terror, a fumaça, o sangue e o medo, e ainda assim estavam aqui, em uma ilha remota da costa de onde? No meio do Atlântico? — Onde estamos? — Perto da costa da África, acho. — É impossível. Não havia terra... — Nossa excelente tripulação encontrou. — Onde está o avião? — Lá. Todos estão do outro lado das árvores. — Estamos assim tão perto da água? — Paramos muito próximo da praia. — Temos sorte de estar aqui. — Muita. Ela olhou ao longe, vendo a interminável linha de água escura, sentindo a umidade pesada no ar.
Ela não conseguia assimilar isso tudo. O perigo ainda era tão recente, tão real, não podia acreditar que sobreviveram relativamente incólumes. Seu coração se apertou. E os outros? Tinha de saber sobre sua equipe. A maioria das mulheres que trabalhava para ela ainda não era casada, mas ainda era a filha, a irmã, a namorada de alguém. Tinha de vê-las. Tinha de saber os fatos. — Preciso voltar ao avião. — Não. — Nunca vou me perdoar se estiverem feridos e eu ficar aqui sentada sem fazer nada. — Não posso deixar você voltar. — Você não entende... — Entendo. Shh. Tem alguém vindo. Seu olhar estava fixo no arvoredo e ele tocou a lateral do corpo, logo abaixo do braço. Ela conhecia o gesto. O destacamento de seu serviço secreto já tinha feito a mesma coisa inúmeras vezes. Estava procurando uma arma. Ele carregava uma arma de fogo? — Quem está aí? Uma voz masculina respondeu em grego. Demetrius relaxou um pouco, mas não muito. Ela sentia o poder no corpo dele, em suas costas largas, músculos contraídos, preparados. Ele falou com o outro homem rapidamente, a voz grave, curta, sem evasivas. Era um homem acostumado a ser obedecido. Chantal olhou para ele, para a nuca, a largura dos ombros e imaginou quem ele realmente era e o que exatamente estava fazendo em seu avião. O homem perto das árvores desapareceu na escuridão e Demetrius a deitou na areia. Sentou-se junto a ela. — Pode descansar agora. Era o piloto. Há alguns feridos, sem mortos. — Tem certeza? — Todos foram contados e, embora alguns ferimentos não sejam leves, ninguém parece estar correndo risco de vida. — Graças a Deus. — Eles pediram ajuda pelo rádio. Vamos ficar aqui até a ajuda chegar. É mais seguro.
— Certo. O tempo passou. Lentamente. Chantal sentiu-se sonolenta, mas esforçava-se para manter os olhos abertos. À medida que as horas passavam, um vento quente começou a soprar. — Siga-me. Ele encontrou um local na praia de que gostou. Ficava de frente para a água, tinha uma duna alta atrás e oferecia uma vista não obstruída da floresta e da clareira. Se alguém se aproximasse, ele veria. Reunindo alguns galhos caídos, ele montou um mini alpendre na areia. Não levou muito tempo para montar o abrigo, mas quando terminou, nuvens negras de tempestade tinham praticamente obscurecido a lua branca. — Vai chover. Ele a viu se arrastar cautelosamente para o alpendre, os lábios contraídos, o rosto concentrado. Sentia dor. Sentira que ela estava tensa quando a erguera alguns minutos atrás, e achou que ela talvez estivesse simplesmente se fortalecendo. Mas também podia ser algo sério. Não queria confrontá-la, mas fora contratado para um serviço e o faria. Sentou-se ao lado dela no pequeno abrigo, a areia quente contra as costas. — Por que não tira os sapatos, princesa? Pode ficar mais confortável. Mordendo o lábio, abaixou-se para tirar os sapatos. Quando os tirou, os lábios se contraíram novamente. — Onde dói? — Estou bem. — Não foi o que perguntei. — O que disse? — Você está ferida. — Não. — Você treme sempre que se move. — Um pequeno machucado, sr. Mantheakis. Ela se esforçava para colocá-lo em seu devido lugar, mas não sabia que ele não acreditava no sistema de castas. Viera de muito longe para aderir a classes ou hierarquias sociais. No mundo dele, as pessoas eram pessoas. Ponto.
— É pior que isso. — Não é. Atemorizá-la não resolveria nada. Tentou abrandar a voz. — Preciso verificar seus ferimentos.
— De jeito nenhum. — Não vai doer. — Quero voltar ao avião. Tentou se levantar, mas Demetrius enrascou o braço em volta dela, puxando-a de volta. Chantal inspirou com força quando sentiu o calor do corpo dele através da camisa, as partes duras de seu peito contra as costas dela. — Deixe-me ir. — Não vou machucá-la. A voz grave lhe deu um calafrio e ela sentiu um soluço no peito. Ele era tão mais forte que ela. — Não tem o direito de me tocar. — Você está dificultando tudo. Ela fechou os olhos e virou o rosto, a face roçando no peito dele. Sentiu o músculo do ombro, a quentura da pele e a batida firme do coração. Ele era forte. Muito forte. Passou pela cabeça dela que nada ultrapassava essa parede de braços. Ele era poderoso. Como os antigos guerreiros e conquistadores gregos que fundaram a civilização. — Por favor, me deixe ir. — Depois de me certificar que não há outros ferimentos. — Não há nenhum. Acredite em mim. — Não acredito em sua palavra, princesa. Desculpe. A respiração dela estava mais acelerada, e Chantal olhou para ele ao abrir os olhos, percebendo as linhas duras de seu rosto. Sabia que ele não era alguém com quem queria negociar. — Não quebrei nada. — Tenho de checar mesmo assim... — Não. Não, não, não e não. — De jeito nenhum deixaria as mãos dele percorrerem o corpo dela. — Eu saberia se tivesse machucado algo. — Você não sabia que estava sangrando. — Achei que era a chuva. — Exatamente.
Evitou olhar para o peito dele e fixou o olhar nos músculos das coxas. — Se pudesse desabotoar a blusa, princesa. — Sr. Mantheakis. Ele não respondeu. Estava esperando. Era paciente. Muito paciente. Chantal ficou em pânico, sentindo que perdera poder. — Não vou tirar minha roupa. — Só estou pedindo que desabotoe a blusa. Você não está nua por baixo dela. Está usando um sutiã. Nua. Sutiã. Blusa. Era sobre o corpo dela que estavam conversando, suas roupas, sua privacidade. — Sim, mas... — Preciso desabotoá-la para você? — Não se atreva. Não tem o direito... —.Ela parou, assustando-se quando as mãos dele a tocaram, os dedos roçando a curva dos seios. — Pare! — Não estou a fim de discutir. — Afaste-se. — Quieta. Ela ficou boquiaberta. Meu Deus, outro Armand. Esses homens arrogantes e rudes estavam por toda parte. Bateu na mão dele. — Posso ser uma princesa boba de trinta anos, mas não sou uma idiota. Não tem de tirar minha blusa para verificar se quebrei algum osso. Pode muito bem examinar por cima da blusa. — Estou procurando contusões profundas. — Muito obrigada, mas tenho meu próprio médico em La Croix. — Vamos ficar aqui a noite inteira, talvez amanhã o dia inteiro. Não podemos esperar até La Croix. Agora, por favor, desabotoe a blusa. Prometo que não vou perder o controle. — Não zombe de mim. — Estou falando sério. — Não estou acostumada a me despir em público. — Então pode relaxar. Isto é privado. Inconscientemente cruzou os braços sobre o peito, com medo, tremendo, arrepiada por quê? Por causa do olhar de um homem?
Ninguém a tocara nem olhara para ela desde que Armand morrera, e quando estavam juntos, ele não era muito... delicado. Armand casara-se com ela para criar uma aliança política e econômica e, embora os países tivessem se beneficiado, Chantal falhara. Fora pior do que imaginara. Não era a vida que pensou que teria. Era a mais velha, a mais corajosa, a mais segura de si. Ela ia fazer as coisas funcionarem para as irmãs, os avós, o povo de Melio. Poderia fazer qualquer coisa, ser qualquer coisa e... falhara. Estava errada sobre tudo. Armand não a amava. Nem tentou amá-la. Ela era qualquer coisa exceto o que ele realmente queria. Pobre Chantal, pobre princesa desiludida vivendo na torre. A mão de Demetrius se posicionou no meio das costas dela, e depois a palma quente e firme envolveu seu ombro. — Sua blusa, princesa. Agora.
CAPÍTULO TRÊS O calor da mão dele parecia explosivo. Chantal engoliu ar, a cabeça girando ao contato inesperado. Havia tanto tempo que ninguém a tocava. Nos últimos anos, só Lilly. Os abraços de Lilly. Oh, Deus, ter trinta anos e ser tão solitária... Ser uma mulher e não se sentir uma mulher. — Relaxe. Não vou machucá-la. — Eu sei. Com os olhos fechados, quase pôde imaginar uma vida que nunca tivera. Pôde se ver esposa de alguém com uma linda casa com cortinas azuis e vista para o mar. Entrou no devaneio e não pensou em mais nada. — Desabotoe sua blusa, princesa. A voz dele embalou seus sentidos. Ele esperava obediência. Esperava que ela fizesse exatamente o que dissera. — Vamos, princesa. Ou eu desabotoarei.
Ela tremeu e levou as mãos ao primeiro botão. Não conseguia acreditar que estava realmente desabotoando a blusa. Onde estava sua cabeça? O que estava acontecendo? Como podia ter perdido o controle? E mesmo assim não parou. Ele não se moveu. Não olhou para os seios dela. Ela se agitou ao toque investigativo dele. A sensação era vigorosa, quente. Chantal sibilou. — Isso dói? — Está... sensível. — Recoste-se. Estou preocupado com suas costelas. Sentia arrepios. O toque dele era quente e a deixava em alerta. O que estava acontecendo dentro dela, em volta dela, com o mundo? O céu escuro agitava-se, ouviu-se o estrondo de um trovão e um som mais profundo refletiu de uma extremidade a outra do céu. Ninguém a fez se sentir assim em anos. Nenhuma mão em seus seios, nenhum dedo nos quadris, nenhuma exploração cuidadosa. E agora este homem, as mãos dele, a escuridão e o calor, a tempestade à sua volta. — Isso doeu? — Não. — Chantal pensou em tudo que perdera nos últimos anos. Amor. Fazer amor. Sexo. Talvez o sexo seja superestimado quando se tem, mas ao eliminá-lo, o corpo deixa de se sentir um corpo real. Limite o corpo a realizar apenas tarefas essenciais e a vida começa a se exaurir. Os corpos têm nervos, pele, espírito, um coração e uma imaginação infinita... — A outra perna. — Não. — Estou quase acabando. — Não está machucado — sussurrou ela. Mas ele não tinha pressa. Nem um pouco. Ela não devia precisar. Não devia querer. Nem sentir. Finalmente a mão dele envolveu a coxa e começou a subir. Chantal soltou uma respiração desigual, e depois outra, desconcertada por tudo que acontecera nas últimas horas.
Não devia tê-lo deixado tocá-la. Não devia responder ao toque. — Você está muito machucada. Quebrou algumas costelas. Mas acho que isso é o pior. Ele era um homem. Era diferente dela. Em tudo. — Você disse que era grego — comentou, fechando a blusa. — Sim. — Você vive lá? — Tremia tanto que mal conseguia abotoar a roupa. — Sim. — Em Atenas? — Ele começou a abotoar a blusa dela. — Possuo minha própria ilha perto de Santorini. Chantal achara que o exame tinha sido difícil. Mas o toque suave dele abotoando a blusa era pior. As lágrimas vieram aos olhos. — O que há de errado? Ela balançou a cabeça, com medo de falar. O que estava acontecendo com ela? Por que ela estava desmoronando agora? — Venha cá. No círculo que seus braços formavam, Chantal sentiu emoções opostas — medo e necessidade. — As princesas não podem chorar — disse ele. — Eu sei. Regra número um. — Qual é a regra número dois? — Não fazer nada em público que possa envergonhar a família. — Isso é um aviso? — Não. Apenas uma regra. — E isto é público? — Estavam no meio do nada. — Não sei mais. — Não há ninguém aqui. Apenas nós. O mar. O céu. — E a tempestade. — E seu medo — completou ele. — E meu medo — repetiu, o coração acelerando. — Por que está com medo? — Eu não faço... isto.
— Isto? Por que não? — Não é permitido. Sentiu a respiração quente e a textura dos lábios dele — a boca firme e tranqüila. Fazia tanto tempo desde que beijara alguém que nem se lembrava como era, mas não conseguiu se afastar. Ele a beijou muito lentamente, e sua boca estremeceu contra a dele, seus nervos se retesando, suas emoções à flor da pele. — O que faço? Não sei o que fazer... — Eu sei. Sentiu o corpo grande e rígido dele deitar-se sobre o dela, sentiu o torso, os braços, as pernas. Seus ombros a cobriram, os quadris aninhados nos dele. Demetrius conteve o peso nos braços, ciente de suas costelas frágeis e da dor que ela sentiria se ele soltasse o peso do corpo sobre o dela. Havia muito tempo que tinha estado com uma mulher assim. Não estava celibatário desde que a esposa morrera, mas não sentia nada com ninguém há tanto tempo que a emoção era atordoante. Sentiu os seios de Chantal, sentiu o corpo dela tremer debaixo do dele, os quadris se erguendo, e beijou-a mais uma vez. Paz, pensou ele, os lábios separando os dela, a língua movendo-se pelo interior macio e intumescido do lábio, provando sua boca e a quentura e a umidade dentro dela. Não tinha paz há anos. Perdera a família, a esposa, o círculo de amigos. Perdera tudo quando percebera que não poderia continuar a tradição dos Mantheakis, pois ser um membro da família, do clã, o estava matando assim como matou sua esposa. Tinha de desistir de algo. Então desistiu do passado, do futuro, da alma. Mas agora, aqui, com a princesa, não estava tão desconectado. Quase sentia-se vivo novamente. Fizera sexo inúmeras vezes nos últimos anos, mas nunca fizera amor. E de alguma forma queria fazer amor com a princesa que parecia quase tão sozinha quanto ele. Ela o estava fazendo arder. Sentia-se como um jovem apaixonando-se pela primeira vez. Mas não era amor. Era medo. Era alegria. Era gratidão por sobreviver a mais um dia. Queria dar a ela tudo que havia negado às mulheres que haviam passado por sua vida desde que Katina morrera. Sentiu a princesa respirar rápido quando a mão dele acariciou seu quadril.
Era tão esbelta, delicada, e ele a puxou para perto, os seios macios contra o peito dele. Ergueu brevemente o corpo, posicionou-se entre as pernas dela e sentiu o corpo buscá-la, procurando seu calor, e sentiu sua maciez, a maneira como seu corpo cedia. Deslizou as mãos por entre suas pernas para sentir se ela estava pronta para ele, e estava. Seu corpo estava quente, molhado, desejoso. Isso era certo?, perguntou-se, enquanto a beijava. Quando a penetrou, movendo-se com cuidado para não machucá-la, sentiu algo dentro dele se romper, uma pequena lágrima, e soube que cometera um enorme erro tático. Esta não era uma mulher que ele poderia ter. Mas também não era uma mulher que ele poderia esquecer. A tempestade acabara. Devia ser de manhã, mas Chantal não queria abrir os olhos. Não queria acordar até Demetrius ter ido embora. Mas ele não se movia. Estava deitado junto a ela, as mãos sobre seu quadril nu. Passara a noite nos braços dele. O amor que fizeram foi intenso, explosivo. Estivera desejosa durante anos. Sentia dor. Mas forçou-se a ficar de pé. A tempestade destruíra o abrigo. Mancando ao longo da praia, Chantal procurou suas roupas e tentou fingir que não estava nua. Fizera sexo com um desconhecido. Não apenas uma vez, mas duas, três vezes. Quem diabos era ele? Não sabia nada sobre esse homem. Poderia ser um repórter. Um amigo de seu sogro. Poderia ser casado. Poderia ter uma infecção. Poderia estar grávida. Fizeram sexo sem proteção. Três vezes. Nunca fora muito fértil — ela e Armand transaram sem proteção por um ano antes de Lilly ser concebida — e não devia estar nessa fase do ciclo. Além disso, muitas transavam sem proteção e não engravidavam. Era quase impossível. O que foi feito, estava feito, lembrou a si mesma. Não fique histérica. Pegue suas roupas. Vista-se. Saia daqui. Procurou as roupas e avistou-as na praia, molhadas, enlameadas. A arrebentação deve tê-las carregado e depois trazido de volta. As roupas estavam frias, úmidas e cheias de areia, mas Chantal vestiu a blusa assim mesmo e entrou na saia curta, agora manchada. Aflita, Chantal deu as costas para o oceano e congelou. Demetrius estava acordado, olhando para ela.
Sua expressão estava fechada. O que estava pensando? Ela queria correr, mas não havia para onde ir. Foi até ele. Ao chegar perto, viu o sutiã e a calcinha na mão dele. — Por favor — pediu, a mão em um gesto imperial. — Obrigada — rangeu, lágrimas de vergonha tomando seus olhos. — O prazer é meu. Princesa.
CAPÍTULO QUATRO Demetrius estava irritado. Não tinha o direito de estar irritado. Sabia que a noite anterior fora a única vez, que nunca perderia o controle de novo e, no entanto, saber isso em nada facilitou as emoções quentes dentro dele. Tinha estado vigilante por tanto tempo que não pensava que poderia se importar com as pessoas, as necessidades e os sentimentos. Isso era um erro. As emoções atrapalhavam seu trabalho. — Como estão as costelas? Seu corpo enrijeceu. Era impossível esquecer como ela ficara debaixo dele. Estava pronto para fazer tudo outra vez, para senti-la se contorcer e gritar de prazer. — Muito bem. Você se importa em se virar? — perguntou friamente. Ele rangeu os dentes. Ela realmente achava que ele não vira tudo? Que não tinha memorizado cada curva de seu corpo? O coração de Chantal se apertou quando Demetrius ficou de pé. Como ela poderia ter caído assim em seus braços? Ele era enorme. Musculoso. Intimidador. Quis desviar os olhos, mas era tarde demais. Tinham ficado... íntimos. Muito. Com ele de costas, ela se esforçou para tirar a blusa outra vez, gemendo no esforço de tentar fechar o sutiã. A cada levantar do braço, a dor a atravessava. Piscando para evitar as lágrimas, tentou novamente. — Basta. É um absurdo não me deixar ajudá-la. — Fechou o sutiã. — Não quero sua ajuda.
— Que pena. — Abaixou-se e pegou a blusa para ela. — Você não devia... — Não podia recriminá-lo. Deixara aquilo acontecer. Pior, desejara aquilo tudo. Ele abotoou a blusa para ela, ajudando-a a se vestir. — Obrigada — disse ela com rigor e se afastou. Ficou feliz por parecer tão calma quando por dentro sentia-se exaltada mais uma vez. Como alguns homens sabem exatamente o que fazer? Armand, com toda a sua experiência, nunca lhe proporcionara prazer algum. Como podia ter tido a noite mais sexual de sua vida com Demetrius aqui na praia? — E as calcinhas? — perguntou ele. Chantal ficou gelada e quente ao mesmo tempo. — Posso ajudá-la — lembrou a ela. — Por favor. Isso foi um erro, sr. Mantheakis. — Acho que deixamos as formalidades para trás, Chantal. A maneira como ele disse seu nome produziu outro arrepio quente. — Você pode vestir suas roupas, por favor? — Claro, princesa. — O que exatamente você faz? — Tenho meu próprio negócio. Ela tentou imaginar que tipo de negócio. — Você é bem-sucedido? — Bastante. — E tem sua própria ilha? — Tenho. Chantal ouviu um som ao alto, um distante zunido de motor. — Você ouviu isso? — perguntou, fazendo uma busca pelo céu azul. Não esperou a resposta. Levantou-se, pressionando o braço ao lado para manter as costelas e os músculos em volta imobilizados. De repente, um avião surgiu atrás das árvores altas da floresta tropical. Chantal deixou escapar um grito de alívio. — Eles nos encontraram! O avião sobrevoou a ilha. Planou e fez uma aproximação final. — Vamos. Ele está aterrissando.
— Não é o nosso avião. — É um avião de resgate. Está bem. Fique aqui. Eu não me importo. Ele estendeu o braço, envolveu o tornozelo dela e a segurou. — Não é o nosso avião — repetiu. — Me solte. — Assim que você se sentar. — Não quero sentar. Quero ir junto com minha equipe no avião. — Estamos esperando um avião diferente, princesa. — Acho que você não me entendeu, Demetrius. Não quero esperar outro avião. Quero este. — Sinto muito. Ela puxou o tornozelo com força. — Chega. Pare com esse jogo agora. Eu quero ir. — Você não pode. — Você está começando a me assustar. — Não tenho nenhuma intenção de assustá-la. É meu trabalho protegê-la. Sua segurança é meu interesse número um. — Por quê? O que quer dizer? — Você não tem idéia de quem eu sou, tem? — Não. — Havia muito mais que queria dizer, mas tinha aprendido a só fazer as perguntas mais urgentes, só lutar as batalhas mais essenciais. Certamente, esta era uma dessas batalhas. — Quem é você? — Sua sombra. — Minha sombra? Como... um guarda-costas? — Exatamente. — Eu não contratei você. — Não. — Então...? — Seu cunhado, rei Nuri, me contratou... . — Malik? — Com a bênção de seu avô. — Acho que o calor está me fazendo mal. Eu não entendo. Nada que você está dizendo faz sentido...
— Então não está escutando. Ela precisava de um banho. A areia e o mar cobriam sua pele. O calor e a umidade também não estavam ajudando. — Então diga outra vez. — Sua família me contratou para protegê-la. — Porquê? — Você está em perigo. Não. Não estava. Que absurdo. — Alguém teria me dito alguma coisa. Minha irmã... meu avô. — Tenho vigiado você há duas semanas, princesa. — Duas semanas? — Em todo lugar que você estava eu também estava. — Nos desfiles de moda? — Nas recepções e coquetéis. — No café-da-manhã no hotel? — Sei exatamente qual é o garçom de quem você falou. — Por que acha que estou em perigo? Mas antes que ele pudesse responder, houve um barulho alto. O jato que tinha pousado há quinze minutos estava levantando vôo. Por um longo momento ela olhou fixamente a barriga do jato branco. Tomada pelo pânico, ela gritou. — Não. Não sem mim! Correu atrás do avião ao longo da praia. As lágrimas encheram seus olhos ao ver o jato se afastar no céu azul. Queria ir para casa. Precisava. Nunca tinha estado longe de Lilly por mais de uma semana. Aquele era seu limite. Tinha deixado claro desde o começo que cumpriria seus deveres reais, mas nunca deixaria a filha por mais de uma semana. Deveria ter chegado em casa na noite anterior. Este era o oitavo dia. — Meu jato pousará logo. — Eu queria estar naquele avião. Você não tem idéia de quanto eu sinto falta de Lilly. Ela estava errada sobre uma coisa, pensou ele, prestando atenção à brisa soprando seus cabelos. Ele sabia o quanto ela sentia falta da filha. Perdera a
esposa e uma filha. E nunca deixara de ter vontade de vê-las, tocá-las, abraçá-las mais uma vez. Fizera muitas barganhas com Deus, prometido seu coração, seu lar, sua alma se Katina e a filha pudessem ser poupadas. Deus, ele aprendeu, não fazia barganhas. — Sinto falta dela. — E ela vai sentir sua falta, mas é melhor mantermos você segura. — Quando seu avião chega? — Logo. — E seu avião vai me levar para La Croix? — Não vamos voltar para La Croix. — Não vou para casa? — Não imediatamente. — Minha filha está em La Croix. — Eu sei. Mas não estamos indo para lá. — Para onde estamos indo, então? — Para a Rocha. — A Rocha? — Minha ilha. — E Lilly? — Estará segura em La Croix com sua família.
A família de Armand. Ela conteve um arrepio. Não queria estar aqui quando a próxima tempestade caísse. Poderia não sobreviver a outra tempestade com Demetrius Mantheakis. — Minha filha devia estar comigo. — Ela estará. — Eles não a deixarão sair do país. Parte do meu... contrato... como princesa é que eu posso sair, mas Lilly, que herdará o trono, deve permanecer. Ela é a única herdeira de La Croix. — Por enquanto ela permanecerá com a família do pai. — Eu preciso dela. — Você estará com ela de novo. Quando for seguro. Para as duas. Você não
acredita que está em perigo, não é? — Não. — Mas está. — E quando chegarmos em sua ilha... ? — Eu serei capaz de mantê-la segura da minha maneira. — Sua maneira? — Meu povo, minha ilha, meu controle.
Ele chamava isto de ilha?, perguntou-se Chantal, inclinando-se no assento para ver a terra abaixo deles. As ilhas gregas deveriam ser bonitas. Isto era um pedaço de rocha preta no meio do mar. Momentos depois, o jato pousou na menor pista de decolagem imaginável e, quando desceram do avião, entraram em um Mercedes conversível escuro com Demetrius ao volante. — Estamos quase em casa. — Uma casa de verdade? — Com encanamento interno. — Ele riu. Mas ela não estava feliz. A última coisa que gostaria de fazer era rir. — Quando posso ligar para minha filha? — Não pode. Ele não podia impedi-la de se comunicar com a própria família. Não tinha esse poder. — Você esqueceu, Demetrius, que trabalha para mim. — Na verdade, princesa, trabalho para o sultão. — Ele não vai aprovar a maneira como está me tratando. — Ele conhece meus métodos. — Eu não teria tanta certeza assim. — E meu povo também conhece. Não pense que eles lhe emprestarão um telefone, um barco ou um avião. — Seu povo? — A Rocha é meu mundo. Tudo nesta ilha é parte desse mundo, o único em que confio. Aqueles que vivem aqui trabalham para mim. — Tem certeza de que não os possui?
— Claro que não. Eles não são objetos. Mas possuo a lealdade deles. São meu povo. Como sabia que podia confiar nele? Podia ser ele a ameaça. E se não tivesse sido realmente contratado pelo sultão? E se trabalhasse para outra pessoa? E se...? — Se existe algo em sua mente, diga. Dizer isso? Perguntou-se silenciosamente, pensando no passado. Tinha perdido muitos anos em silêncio. Foram anos e anos sendo educadamente ignorada. Em La Croix, nunca fora uma mulher, muito menos uma princesa real. Fora simplesmente uma companhia. Só era vista ao lado de Armand. De vez em quando, guias e intérpretes conversavam com ela quando estava sozinha. Mas quando Armand aparecia, a energia e a atenção eram voltadas exclusivamente para ele. Para a maioria dos homens de La Croix, uma mulher devia ser vista, mas não ouvida; devia submeter-se. — Não posso responder a seus medos se não me disser o que a está preocupando... — Não estou com medo. — E não posso ajudar você se não me disser do que necessita. Ajudá-la? Como poderia? Ele era um homem. — Chegamos — disse Demetrius, estacionando na frente de uma casa alta completamente simples. O ar travou em sua garganta. Nunca vira uma casa tão simples em sua vida. Como ele podia viver aqui? Parecia um hospital. Ou uma prisão. Demetrius desligou o motor. — Bem-vinda à sua nova casa.
CAPÍTULO CINCO — Esta não é minha casa. — Será durante o próximo mês.
Mês? Ele estava louco? Esforçou-se para sair do conversível, o lado direito
do corpo com uma dor latejante. Suas costelas ardiam desde que entraram no avião, mas a dor física não era nada comparada à perda de Lilly. — Você não quer dizer realmente um mês. — Não está em condições de lutar comigo. Mal consegue ficar de pé. — Estou ótima. — O médico julgará isso. Ele está a caminho. Dentro da casa, Demetrius subiu até sua suíte no segundo andar, verificando os recados no celular. A maioria das chamadas não era urgente, mas a mensagem da segurança do palácio de Melio era. Ligou para o chefe da segurança enquanto se dirigia à janela do quarto. A princesa ainda estava apoiada no carro. Parecia furiosa. Frustrada. Ele não a culpava. Também estava frustrado. Transar fora um erro. Nunca deveria ter perdido o controle. Mas a culpa não resolveria nada. Naqueles primeiros anos depois de ter rompido com a família — A Família —, ele esperava uma bala nas costas a qualquer momento. Não se saía da família. Ele era o primeiro em décadas. Mas sua raiva tinha sido tão grande, sua perda tão grave que os lados opostos respeitaram sua dor e deixaram-no ir. Naturalmente houve tentativas de levá-lo de volta "para casa", de influenciá-lo, persuadi-lo — dinheiro, intimidação psicológica, ameaças físicas —, mas Demetrius estava insensível demais para temer a morte. E teve sua vingança e buscou sua liberdade, um trabalho de cada vez. O vigilante tornara-se profissional, especialista em resolver e proteger de crimes. Sua empresa de segurança era considerada uma das melhores do mundo, e ele fez fortuna a partir do medo das pessoas, construiu um império com a idéia de que o que acontecera a Katina nunca deveria acontecer a mais ninguém. — Demetrius? Ainda está aí? — Avel Dragonouis, o especialista grego em segurança que Demetrius enviara a Melio para trabalhar com os detetives do palácio, surgiu na linha. — Desculpe deixá-lo esperando. — O que aconteceu? — Havia uma câmera no quarto dela aqui no palácio. Nós a encontramos disfarçada em uma parede. Não é de alta tecnologia, não deve ser da polícia nem do governo.
— Onde estava a câmera? — Posicionada sobre a cama dela. Um voyeur pervertido, além de tudo. — Alguém verificou os quartos dela em La Croix? — Até agora o rei e a rainha têm se recusado a cooperar com nossa investigação... — Nós só queremos que o quarto dela seja verificado. — Dizem que é invasão de privacidade. — Melhor perder a princesa, certo? Muito bem. Mantenha-me informado. Demetrius viu Chantal nervosa, esfregando as mãos no carro. Sua cabeça estava abaixada. Mas ele sentiu sua vulnerabilidade. Os Thibaudet precisavam ser investigados. Antes de entrar no chuveiro, Demetrius fez mais uma ligação, desta vez para seu escritório em Atenas. Era hora de começar um inquérito sobre as vidas de Phillipe e Catherine Thibaudet. Queria saber tudo sobre eles. Também queria saber tudo sobre Armand, seu falecido filho único, o príncipe com quem Chantal se casara. No chuveiro, Demetrius refletiu sobre tudo que sabia sobre Chantal. A mãe norte-americana. A infância em Melio. A perda dos pais aos quatorze anos. Seu relacionamento protetor com as irmãs. O casamento difícil. A filha pequena. Seu orgulho. E era seu orgulho que mais a colocava em risco. A princesa não sabia quando nem como pedir ajuda. Estava certo em tê-la trazido à Rocha. Este era o refúgio final, uma zona proibida a todos. Ninguém chegava de barco, avião ou helicóptero sem sua permissão. Chantal passou pelos cômodos praticamente vazios. Enquanto ia de um cômodo a outro, percebia paredes vazias, a mobília escassa, nenhuma decoração. Nenhum retrato, livro, televisão; nada para o divertimento ou prazer. E de repente ele estava lá, silencioso. Ele a aterrorizava. Não porque a magoara, mas porque a fez sentir tanto em São Tome, a ilha em que o avião aterrissara. — Sua casa é vazia. — Tenho o que necessito. — O que você faz aqui? Como passa o tempo?
— Eu trabalho. — Você tem um escritório aqui? — Lá embaixo. — É guarda-costas há muito tempo? — Há algum tempo. — Você não parece um guarda-costas. — Eles vêm num pacote padrão? — Já tive guarda-costas antes. — Eram bons? — Ainda estou aqui, não estou? Ele não disse nada. Ela não sabia como lidar com ele. Também não sabia como se distanciar. Ele não tinha nenhum impacto sobre ela. Mas não era verdade. A palavra proteção deveria evocar segurança. Conforto. Paz. Mas ela não sentia nada disso agora. — Você traz todos os seus clientes aqui? — Você é a primeira. — E a falta de vizinhos? — Gosto da minha privacidade. — Você ao menos tem telefones? — Sim, mas tenho um código de segurança neles. Ninguém pode usá-los sem eu digitar o código antes. — Posso ao menos ligar para Lilly? — Não... Você está sensível demais. — E para minha irmã, Niccolette? Ou meu avô? — Não há razão para isso. Eles sabem o necessário: o avião caiu, houve momentos assustadores, mas você está em segurança comigo.
Em segurança com ele? Chantal quase se engasgou com as lágrimas que prendia. Nada em relação a Demetrius era seguro. Ela se despira, abrira seu corpo, quase abrira seu coração para ele. Como isso poderia... ele... ser considerado seguro? — Compreendo que tenha sido contratado para me proteger, mas não ficarei isolada de minha casa e minha família.
— Mesmo se isso a matar? — Que exagero. — Quando foi a última vez que os Thibaudet visitaram o palácio em Melio? — Mais ou menos há seis meses. Foram a Melio de avião para o casamento de Niccolette com o rei Nuri. — Foi mais alguém de La Croix? — Muitas pessoas. Tanto o rei como a rainha têm irmãos e irmãs, assim como primos. Por quê? — Alguém próximo de você, alguém com acesso a você quer... vê-la morta.
Mortal Ela empalideceu, mas manteve-se firme, todos aqueles anos de treinamento foram úteis para mascarar a profundidade de seu choque. — Sabemos de duas tentativas. A primeira foi frustrada puramente por acaso. A segunda foi quase fatal. — Eu não... Não sei de nada sobre uma tentativa, e certamente nada de uma ter sido quase fatal. — Você ficou doente depois do casamento de sua irmã. — Fiquei gripada. — Foi hospitalizada. — Por um dia. — Dois dias. — Desidratação. — Recebeu transfusão. Você estava sendo envenenada. — Não. — Seu médico em La Croix alertou o rei e a rainha... — Nunca ouvi nada sobre isso. — É claro que não. O médico foi proibido de falar sobre isso com você. Disseram a ele que você fizera isso a si mesma, que estava cada vez mais autodestrutiva desde a morte de seu marido e que isso era mais um comportamento para chamar a atenção.
— O quê! — Um pedido de ajuda. — Demetrius passou o dedo pela lateral do pescoço dela. Assim como na noite anterior, o toque a incendiou e o desejo retornou,
trazendo de volta a lembrança do prazer. Nada se comparava àquela sensualidade em sua vida. Ninguém a tocara como se ela fosse ao mesmo tempo bonita e real, e era incrível amar seu corpo, sua pele, sua mente. Sua mente sempre fora sua maior força. Sua disciplina. Contudo, ele estava dizendo que o rei e a rainha achavam que ela não era mentalmente sadia. Pior, disseram ao médico que se envenenara para chamar atenção. Que nojo. Como se ela fosse se ferir quando tinha tanto para viver! — Isso é ridículo. Posso ter problemas com meus sogros, mas não tenho nenhum desejo de deixar esta vida. — E eu não tenho nenhum desejo de vê-la deixar esta vida. — Quem me envenenou, então? — Se soubéssemos, eu não a estaria protegendo. Protegendo. Que termo horrível. — Alguma idéia? Possíveis pistas? — A segurança do palácio de Melio está conduzindo a investigação. Minha equipe está trabalhando com eles, mas nosso trabalho principal é mantê-la em segurança, e não resolver o crime. Mas no momento temos duas teorias diferentes. A primeira, que você é alvo por razões políticas. A segunda, que é puramente pessoal. — Pessoal? Como? — Você tem um fã obcecado. Chantal sentou-se lentamente em um dos sofás cobertos de um tecido azul e esforçou-se para assimilar isso tudo. Fora envenenada. Envenenada. Isso significava que alguém tinha se aproximado o bastante de sua comida, sua bebida... essa pessoa podia ir à cozinha ou à sala de jantar sem levantar suspeitas. — Isso é loucura. E quanto a Lilly? Há alguma indicação de que ela possa ser alvo? — Não. Nada. Os avós a mantêm bem protegida. É com você que estamos preocupados. E não eliminamos a possibilidade de que a ameaça possa vir dos Thibaudet... — Não. — Não podemos eliminá-la, princesa. Ambas as tentativas aconteceram ou no castelo ou próximo. — Não... Não tive um relacionamento cordial com os pais de Armand, mas eu os conheço, e não posso acreditar que fariam parte de algo tão...
repreensível. Podem ser insensíveis, mas não são maldosos. Ele não disse nada. Simplesmente a fitou em silêncio. Seria um adversário implacável. Nunca aceitaria a derrota. — A rainha Thibaudet praticamente foi criada com minha avó. Eram amigas de infância. Os Thibaudet são pessoas boas. — Pessoas boas que querem a custódia de Lilly. E estão cansados de lutar contra você... — Eles não lutam contra mim. Amarraram completamente minhas mãos! — Mesmo assim, você os preocupa. Você é... uma pedra... no caminho deles. — Seus olhos se estreitaram. — Eles não disseram isso a você? Ela fechou os olhos. Disseram. Mas como ele sabia? — Como você pode ter ouvido? — Todo palácio tem ouvidos. Batidas soaram na porta e uma jovem empregada apareceu na entrada. Inclinou a cabeça e falou com Demetrius em grego. Ele respondeu e virou-se para Chantal. — O doutor está aqui. Está esperando lá em cima. Demetrius ficou num canto distante do quarto, de costas para dar a Chantal um pouco de privacidade enquanto o médico de Atenas a examinava. O único momento em que olhou de relance para a cama foi quando o médico pediu a Chantal para se sentar e ela gritou de dor. Poucos minutos depois, o doutor concluiu o exame. Trouxera alguns analgésicos para aliviar a dor, principalmente durante a noite, se a princesa tivesse dificuldade para dormir. — Além disso, recomendo descanso. Sua Alteza precisa deixar os músculos lesionados se recuperarem. Nada de esforço. Demetrius acompanhou o médico até a saída e retornou poucos minutos depois com a jovem empregada grega. — Esta é Yolie. Vai ajudar você enquanto estiver aqui. Chantal sentiu como se sua vida tivesse sido arrancada. Primeiro, o médico. Agora, a jovem empregada grega. — Não preciso de ajuda. — Você não consegue sentar sem choramingar como um bebê, princesa... — Por que me chama assim? — Achava-o arrogante. Controlador. Nunca usava Sua Alteza nem Sua Alteza Real, o título apropriado.
— O que prefere? Seu primeiro nome? — Sua Alteza serve. Seu lábio superior se contraiu. — Tentando me colocar no meu lugar, princesa? Ela enrubesceu, mortificada por ele ter percebido sua intenção, e prendeu a respiração, lutando contra a raiva. Não queria estar aqui. Queria Lilly. Queria paz. E se não pudesse ter isso, gostaria ao menos de ficar sozinha. — Eu gostaria de um pouco de privacidade, por favor. Você pode ir. — Posso? — Sim. E pode levar sua empregada. Prefiro ficar sozinha. — Que bom. Infelizmente não vou deixá-la sozinha, não enquanto ainda estiver tão machucada. Vai precisar de ajuda para sair do banho e se vestir. Então deixe o orgulho de lado e admita que necessita de ajuda... — Não preciso. — Precisa. Pode escolher. Yolie ou eu. — Você? — Ficarei muito feliz em banhá-la e vesti-la. — Como se eu fosse lhe dar essa oportunidade! — Você me deu ontem. — Que baixo! — Mas é verdade. Para sua informação, Yolie só fala grego. Se houver alguma confusão, sinta-se à vontade para mandar me chamar. Certo. Sabia que ela nunca o chamaria. — Obrigada. — Hoje à noite vou mandar servirem o jantar em seu quarto para que possa descansar. Mas amanhã fique à vontade para explorar a casa, e aproveite a piscina e os jardins. A ilha é completamente segura. Você pode relaxar ou explorar. — Vou precisar de alguns artigos de toucador. Roupas. — Verá que o closet está repleto de tudo que poderia desejar. Shorts, saias, vestidos, roupas esportivas, maiôs de todos os grandes estilistas. — Para o meu tamanho? — Tudo para o seu tamanho. Você é a queridinha do mundo da moda, e
quando os grandes estilistas souberam que você estava precisando de algo para vestir, as roupas vieram aos montes. — Em um dia? — Não se subestime, Chantal. As roupas chegaram há uma hora. Você é a princesa favorita de todos.
CAPÍTULO SEIS Por quase uma semana após chegar na ilha, Demetrius deu a ela o espaço que desejava. Não faziam as refeições juntos. Não se sentavam para conversar. Só se encontravam de passagem e, mesmo assim, Chantal se sentia tensa. Não estava apenas incomodada com o que acontecera entre eles. Estava envergonhada. O único conforto era saber que não ia se repetir. Mas ainda assim, lamentava ter perdido o controle — Soube que você estava saindo para uma caminhada. Ela congelou na metade da escadaria. Não se falavam há uns dois dias e sua aparência repentina, muito masculina, a desconcertou. — Sim. — Então está se sentindo melhor? — Sim. — As costelas não estão mais tão doloridas? — Não sinto dor há um ou dois dias. — Bom. Vamos começar então. Você pode querer mudar. — Mudar o quê? — Aulas de autodefesa. É essencial. Você tem de saber se proteger. Então, se você vai mudar... — Não vou. Estou bem confortável como sou. Além do mais, isto não deve levar muito tempo. — Ótimo. Você é a princesa. Ele a conduziu ao andar de baixo da casa. Ela só estivera no andar inferior uma vez. Era o andar de Demetrius. Sabia que seu escritório era no piso
inferior, junto com um quarto vago, mas não sabia sobre a sala de ginástica. O salão de ginástica era enorme e arejado. Acomodava todos os tipos de aparelho, desde pesos a uma esteira moderna e uma bicicleta de alta tecnologia. Em um canto, um saco de boxe dependurava-se do teto, enquanto colchonetes azuis cobriam quase a metade do chão grande de madeira. — Venha. Me acompanhe no colchonete. Chantal tirou as sandálias de couro e andou cuidadosamente até onde Demetrius a esperava, no colchonete de frente para o espelho. — A primeira coisa é que você deve estar ciente do que a cerca o tempo todo. Deve estar ciente de onde está e do que está acontecendo à sua volta. Você tem um destacamento de segurança. Guarda-costas. Escoltas policiais. Confiar nos outros para protegê-la não é o bastante. Alguém pode se distrair. Ele era implacável, pensou ela, sua voz seduzindo-a, seu corpo quente atrás dela. — Pode haver outra ameaça que requeira atenção imediata, seu guardacostas pode ter de retirar um obstáculo, agarrar um intruso, saltar para proteger Lilly. E nesses momentos você pode ficar exposta. Ela se incendiou ao sentir suas mãos, se estremeceu quando seu corpo entrou em contato com o dela. Olhou para o espelho e viu Demetrius tão grande, elevando-se sobre ela, seus braços grandes em torno dela. Parecia tão pequena ao lado dele, e parecia que tinham sido esculpidos da mesma pedra, ele por fora, ela por dentro, aninhada em seu peito. — Você precisa saber o que fazer antes que aconteça. Precisa saber como lidar com um ataque, saber a melhor maneira de se livrar de um golpe. Como este — disse, o braço em volta de seu tronco, as mãos praticamente moldando seus seios. Ela ficou formigando ao sentir o calor de suas mãos contra os seios. Era como se tivesse um milhão de terminações nervosas, e todas estavam gritando, sobretudo quando ele se mexeu e seu quadril roçou no dela. — Sente isto? Como poderia não sentir? Estava em chamas. Suas pernas nuas não eram páreo para o calor que emanava dele. — Quando alguém lhe prender assim, já era. Ele apertou os braços um pouquinho. — Eu imobilizei seus braços na lateral. Minha posição está aberta demais
para você dar um chute para trás ou acertar um dos joelhos. Por um momento, ficaram ali, enganchados, e ela encontrou seu olhar no espelho e viu algo tão feroz e intenso em sua expressão que imaginou como... poderia entregar-se a um relacionamento físico com Demetrius e não ser destruída. Ele não ia deixá-la ir, percebeu, em pânico. Não agora. Nunca. Ele deve ter sentido o pânico dela porque soltou os braços, e ela ficou livre. — Vou agarrar você outra vez. Quando eu fizer isso desta vez, levante os braços assim. E quando eu for envolvê-la com meus braços, use os seus para se livrar. Empurre para cima e para fora. Ela fez o que ele disse, mas não conseguiu se livrar. — Tente outra vez. — Não consigo. — Você consegue. Seja agressiva, Chantal. Você tem de fazer força, jogue os braços para fora, pense explosivamente.
Explosivamente. Era assim que pensava, mas não como ele se referia. Cada vez que ele a tocava, ela tremia. Cada vez que ele falava, sua voz se escondia dentro dela, um calor doce que achava impossível de resistir. Sabia como era estar em seus braços, em sua cama. Sabia como o corpo dele se movia contra o dela... dentro dela... sabia muito como era senti-lo, e o quanto queria sentir essa paixão e prazer repetidas vezes. Estou perdida, pensou, atordoada. Nunca estive em tamanha encrenca em toda a minha vida. — Chute, mire na minha rótula. — Não quero feri-lo. — Vou correr esse risco. — Isto é ridículo. — Você não está tentando. — Estou! — Isto não é um jogo, princesa. — Acha que não sei disso? Estou tentando. Mas isso não é natural para mim. Nunca fiz nada parecido antes. — Outro desserviço de sua família. Não fizeram nada para prepará-la para a realidade, fizeram?
— Você não sabe nada da minha vida. — Sei tudo sobre famílias poderosas, em que o dever vem em primeiro lugar; famílias em que a lealdade e a obrigação são tudo. — Meus avós fizeram tudo que podiam, e sou muito grata a eles... — Por vendê-la a seu vizinho rico? — Era o que havia de melhor... — Para sua família e seu país. Diga-me, salvar os outros valeu a pena? — Sim. E faria tudo de novo se me pedissem. — Está de brincadeira.
E se estivesse? Não era problema dele. Era seu guarda-costas, droga. Não seu sócio. E certamente não era seu marido. — Por que você se importa? — Por que você não se importa mais? — Você tem mais opiniões que qualquer homem que já conheci. — Posso ter muitas opiniões, mas sustento o que falo com ações. — Infelizmente para você, Demetrius, não parece haver ninguém em que você possa bater agora. — Talvez seja você que precisa de umas boas palmadas em seu bumbum petulante. — Oh! Acho que preciso de outra companhia. Vou caminhar. E não me siga. Se esta é realmente sua ilha, sua Rocha, então devo estar perfeitamente segura para tomar um pouco de ar fresco! Ela o odiava. Ninguém a havia irritado tanto assim. Ninguém a fizera se sentir tão indefesa... tão confusa... Foram necessárias apenas umas palavras dele para ela desmoronar, dissolvendo-se em uma massa de lágrimas. Chantal tropeçou em uma pedra e riu de sua estupidez. É claro que Demetrius estava, certo. É claro que detestava o fato de ter se casado só para se destruir. Mas não era para ser assim. Deveria ter sido um casamento de verdade. Um bom casamento. Uma boa vida. Sacudiu a cabeça, odiando esses pensamentos, incapaz de recordar o passado, de olhar muito à frente no futuro. Não costumava pensar em sua vida. Nunca pensara sobre si mesma. Mas algo acontecera na noite em que o avião saiu de curso. Foi como se o avião, ao parar de funcionar, tivesse
deixado algo solto dentro dela. O avião estava destruído. Seu mundo estava em pedaços. E quem ia consertar? O avião poderia ser substituído, mas e ela? E este querer! Como pararia de sentir, agora que começara? Demetrius praguejou na varanda do andar principal, observando sua princesa atravessar a entrada de automóveis. Nunca conhecera uma mulher tão atrevida. Praguejou amargamente outra vez. Ela o estava deixando louco. Ela o estava incendiando. Também não era como sua esposa. Katina era tímida. Doce. Chantal podia ser reservada, e desempenhava bem o papel de rainha do gelo, mas não era doce. Era quente, intensa, esperta. E ele a desejava como nunca desejou ninguém. Tentou permanecer longe dela. Tentou manter distância. Ela estava saturada dos homens. Não precisava deles. Não queria nada a não ser ficar livre. E sozinha. Ela ficou vagando, os braços balançando, as têmporas latejando, o sol quente a deixando com sede. Se fosse uma mulher de verdade, teria dito a Armand para sumir. Ela o teria deixado na primeira vez que levantou a mão contra ela. Em vez disso, tentou ser razoável com ele e, antes que soubesse, engravidou e o bebê mudou tudo. Ela devia tê-lo deixado na primeira vez que ele perdeu a cabeça, deveria ter feito as malas e ido para casa sem olhar para trás. Por que esperou? Por que hesitou? Amor. Ela o amava o bastante para imaginar uma vida feliz com ele. E quando o amor foi marcado pela desgraça, ela ainda encontrou esperança, que a fez acreditar que algo bom poderia acontecer para ela algum dia. O caminho continuou a descer e, circulando a colina, Chantal avistou o mar e um conjunto de casas e prédios caiados ao longo de uma estrada estreita. Uma pequena taverna elevava-se sobre a água, abraçando a terra rochosa entre a estrada e o mar. Era uma verdadeira vila grega charmosa, com uma loja e uma taverna e crianças jogando futebol na rua. Estava aqui há uma semana e nem sabia que existia. Chantal prestou atenção
nos meninos. A vida em Melio era assim. Os meninos implicando com as meninas na rua, as meninas dando língua, os meninos crescendo e se apaixonando pelas meninas adolescentes. Um dos meninos viu Chantal e pegou a bola preta e branca, segurando-a contra o quadril. Os outros meninos se viraram e a fitaram. Sentiu uma vibração engraçada no meio do peito. Obviamente não era bemvinda aqui, e ficou tentada a voltar e subir a colina, mas no alto da colina estavam Demetrius e sua grande casa caiada que se empoleirava sobre o mar. Não. Ela não ia voltar para a casa. Caminhara até aqui. Ia entrar na vila para tomar um ar e ter um pouco de espaço. Longe de Demetrius Mantheakis. Porque de algum modo ele se apossara de sua vida, seus pensamentos, seu coração e seu corpo. Sentiu os olhos sobre ela enquanto cruzava a estrada empoeirada, pisando em uma calçada que devia ser parte da ilha há centenas de anos. Agachando-se sob um toldo de lona, entrou no pátio da taverna e sentou-se a uma das mesas vazias perto do mar. Havia quatro ou cinco homens mais velhos sentados perto do bar. Pararam de falar para olhar para ela, para sua roupa e seus cabelos. Esboçou um sorriso enquanto puxava uma cadeira, mas eles não o retribuíram. Seus rostos permaneceram impassíveis. Muito bem. Que seja assim. Ignorando-os, sentou-se. Olhou ao redor. Esperou. E esperou. E esperou um pouco mais. Os minutos se passaram e ninguém se aproximou dela. Ninguém surgiu da cozinha. O jovem atrás do bar não olhou para ela. Ruborizada e suada por causa da caminhada, queria uma bebida gelada. De pé, cruzou o salão e dirigiu-se ao bar. O atendente estava lavando xícaras de café e fechou a água. — Gostaria de pedir algo para comer. O jovem atendente grego a encarou como se fosse alienígena, e olhou para o grupo de homens mais velhos sentados à mesa. Um dos homens mais velhos disse algo ao atendente e ele deu de ombros. De repente, outra voz disse algo em grego e todos se mexeram. Demetrius. O atendente enrubesceu, os homens à mesa mexeram os pés, murmuraram palavras de desculpas em grego, e Demetrius foi na direção dela. — Peço desculpas. Você não deveria ter sido tratada assim. Puxou a cadeira
para ela e sentou-se. Se o clima estava tenso na taverna antes, sem dúvida agora estava enervante. — Eles não gostam de mim? — Foi um mal-entendido. Só isso. Mas isso não era tudo, pensou ela. Havia uma tensão no ar. — Ele não ia me servir. — Não. Eles sabem que você é da zona proibida. — Da zona proibida? Ele se inclinou por sobre a mesa, e ficaram separados por apenas alguns centímetros, os olhos misteriosos incendiando-a, dizendo o que ainda não havia dito com os lábios. — Eles sabem, pedhaki mou, que você é minha. O coração dela batia descontrolado. Ele estava tão próximo. — Mas não sou sua. Ele a encarou. Era o sorriso mais frio e mais sarcástico, que vira na vida; foi forçada a desviar o olhar, as mãos espalmadas sob o queixo no intuito de manter o coração sob controle. — Você está aqui. Ações, não palavras. Se Chantal fosse honesta, admitiria que o perigo em La Croix parecia muito mais fácil de lidar do que o perigo sentado do outro lado da mesa. As bebidas chegaram. Em seguida uma cesta de pães e biscoitos apareceu, seguida por queijo de cabra, azeitonas e legumes marinados. Almoçaram cedo e, depois que terminaram, Demetrius recostou-se e observou Chantal. Ela havia relaxado, pensou ele. Baixara a guarda para apreciar a cidadezinha, e ele podia vê-la reparar em tudo, dos dois pescadores na água ao grupo de homens na mesa ao lado. Um dos homens deu um riso cordial e profundo, e Chantal olhou para Demetrius. — Zeno. Chantal sorriu e o estômago de Demetrius deu um nó. Ele não perderia o controle outra vez. Mesmo quando ela olhasse para ele daquele jeito, com um olhar tímido tão cheio de desejo por baixo dos cílios escuros e grossos, os olhos meio que sorrindo para ele. Era bonita — elegante, refinada, sofisticada. No entanto, quando olhou em seus olhos, viu
um mundo de tristeza que ela rezava para que não fosse visto por ninguém, e a maioria das pessoas não via, a maioria dos homens não sabia o que era, mas ele reconheceu a gravidade da dor. Seu coração fora esmagado e ela nem percebera. As mulheres, ele aprendera, não eram como os homens. Elas ansiavam pelo amor e pelo casamento porque seria aconchegante... quente... feliz. Seriam noivas lindas e esposas queridas e o primeiro bebê nasceria... Katina também fora assim. Ficara tão feliz por estar com ele, por estar casada com ele. Não ficaram juntos por muito tempo, apenas dois anos e meio. Estava grávida quando morreu. Sete meses e meio. Sua boca encheu-se de amargura. Nunca conseguiu esquecer nem por um momento. Fora criado para ser um homem, e os homens queriam proteger os mais vulneráveis. Eram levados a proteger suas mulheres, seus filhos... A mão de Chantal tocou em seu braço. — Demetrius. Virou-se para Chantal. Ela mal batia em seu ombro e seus cabelos amarrados num rabo-de-cavalo a faziam parecer muito mais jovem do que era. Ainda era tão inocente, tão ingênua. Sem pensar, estendeu o braço e afastou de sua face uma mecha solta dos cabelos. Ela enrubesceu. Não poderia imaginar como alguém poderia levantar a mão contra ela. Não poderia imaginar como Armand poderia fazer qualquer coisa exceto protegê-la. — Você já foi casado? — Uma vez. — Por que não se casou de novo? — Não estou interessado. — Seu casamento foi tão ruim assim? — Não. Foi muito bom. — Oh. — Você se casaria outra vez? — Não. — Por que não? — Essa coisa de princesa assusta as pessoas. Não era isso, pensou, sentindo algo dentro dele se torcer. Ela estava
mentindo para ele e para si mesma, distorcendo a verdade. Seu casamento fora horrível. O casamento a assustara. Ciente de uma nova tensão dentro de si, Demetrius inclinou-se para a frente, apoiou seu peso na mesa, aproximando-se de Chantal o bastante para ver toda a pele que sua camiseta não cobrira, a sombra entre seus seios e as pequenas pintas em seu colo. Nunca lhe diria que sua vulnerabilidade o tocava profundamente. Uma princesa com sua riqueza e sua beleza poderia ser fria, mas Chantal era o oposto. Sua delicadeza estava em toda parte. Parecia uma menina que saltara da infância para a idade adulta sem pára-quedas. — Eu não tenho medo. Você é uma mulher, não uma máquina. A máscara de Chantal caiu de repente, e por uma fração de segundo olhou-o com desejo. A solidão em seus olhos o cortou. Ela fora abandonada há muitos anos. Seu corpo ardia. Queria pegar o rosto dela nas mãos e beijá-la até se derreter nele, até que aqueles muros altos em volta dela caíssem, até que seu corpo e seu coração ficassem tão quentes quanto os dele. — Temos companhia, chefe. Olhando para cima, Demetrius viu que o atendente estava com os binóculos fixos em um ponto no mar. — O que você vê? — Um barco. E está vindo para cá.
CAPÍTULO SETE Chantal ouviu a agitação do grego, o aumento de tensão imediato, assim como o silêncio estranho e tenso que os cercou de repente. Algo estava errado. Ouviu Demetrius falar em grego tão baixo e acelerado que não tentou compreender, mas seu tom era inequívoco. Ele não gostou do que viu. O que havia no mar? Chantal ficou tentada a se levantar, mas seu treinamento estava por demais
enraizado. Não faça muitas perguntas. Não se meta no que não é de sua conta. Mas a atmosfera tranqüila da taverna desaparecera. Cada homem olhava para a água, esperando. Era um barco a vela particular e pequeno, e se dirigia para o porto. Enquanto todos os olhos estavam na enseada, um homem no barco baixou âncora e saltou por sobre a borda da embarcação. Os homens na taverna fecharam o cerco em volta da princesa. Chantal sentiu a tensão. Mal podia ver a praia, mas um dos homens mais velhos da taverna se levantou. Era grande e corpulento, o homem a quem Demetrius chamara de Zeno. Ele se dirigiu para a água, interceptando o jovem marinheiro antes que pudesse alcançar a taverna. — Esta é uma ilha particular. Você a está invadindo. Chantal não conseguiu ouvir o que o jovem dizia, mas ele estava falando, gesticulando na direção do barco, e Zeno não parecia se importar. — Não consertamos barcos. Sinto muito. O homem tentou passar por Zeno, que o agarrou pelo ombro e jogou-o no chão. Chantal estremeceu. Demetrius não saiu de seu lado. — Não consertamos barcos — repetiu Zeno, com os pés nas costas do homem. — Você precisa ir agora. Entendido? — O homem finalmente compreendeu, quisesse ou não. E com o auxílio não tão amigável de Zeno, voltou ao barco sem demoras. — Foi uma tremenda demonstração de poder — disse Chantal, nervosa. Demetrius deu de ombros. — Todos aqui trabalham duro para manter a ilha segura. — Depois que o barco sumiu no horizonte, estendeu uma das mãos a ela. — Venha. Vamos andar um pouco. Mas Chantal ainda estava agitada. Os homens de Demetrius tinham formado um escudo humano. Não sabia como Demetrius e seus companheiros de ilha tinham criado um relacionamento tão intenso, mas ele estava certo. Este era seu povo. Protegeriam Demetrius e a ilha a qualquer preço. — Você não está com medo, está? Sim, quis responder, sim, estou com medo. Tenho medo há anos. Mas com quem poderia falar? Em quem poderia confiar? — Não há nada com que se preocupar. Meu povo não deixará nada de ruim lhe acontecer.
Desejou ter conhecido alguém como Demetrius há anos, quando ainda era uma esposa, quando se encolhia com medo todas as vezes que Armand levantava a voz — ou a mão. Adoraria ter tido alguém como Demetrius a seu lado. Teria acolhido sua força. Sua coragem. Seus conselhos. Mas não houve ninguém como Demetrius na época, e não poderia tê-lo agora. Estava presa, e sabia disso. — Você está certo. Está tudo bem. Levantando-se, Chantal caiu em si outra vez. Não conseguia suportar estar aqui com ele. Odiava o fato de sua companhia — e mesmo sua tentativa de confortá-la — apenas reforçar sua solidão. Seu vazio interior. Odiava essas emoções, sentir-se despedaçada. No passado, fora a forte da família. A líder. A irmã mais velha. O modelo a ser seguido. Quis rir da ironia. No fim, era o pior modelo a ser seguido. Era um desastre. Sem energia. Despedaçada. Andaram por alguns minutos em silêncio, e até então Chantal não sabia que a ilha tinha outro lado. Havia o lado que conhecia bem, a rocha vulcânica preta, o declive escarpado e árido que emergia do mar, e havia este, o lado mais agradável, em que havia uma aldeia com uma minúscula frota de barcos pesqueiros e a tradicional taverna na praia. — Fale mais sobre Lilly. O que sua filha gosta de fazer? — Brincar. — Deve ter bonecas bonitas. — Tem algumas bonecas, mas eu tento manter o mínimo de brinquedos caros. — Os avós a mimam. — Não quero que ela se acostume a gestos grandiosos. — Os brinquedos são gestos grandiosos? — São enganosos. Assim como os contos de fada. — E você também não lê essas histórias para ela? — Talvez não deva mais. — E o que faria no lugar? — Ensinaria caratê. Alguns daqueles movimentos de autodefesa que você estava tentando me ensinar. Ele riu. — Está admitindo que eu poderia estar certo sobre algo?
— Você está certo sobre muitas coisas. Só não quero que isso suba à sua cabeça. Seu ego já é imenso. — Meu ego? — Enorme. Ele riu de novo. Não era acostumado a rir. Chantal pulou para a praia e foi em direção à água. Ele a seguiu. Estava passeando pela água e a brisa agarrou a bainha da saia curta, revelando ainda mais a parte de trás dos joelhos e das coxas. Seu corpo reagiu, o desejo se apertando dentro dele, fazendo-o sentir-se rijo, impaciente. Estava cansado de se controlar. Resistir à atração estava desgastando Demetrius. Mas não era o único. A tensão de Chantal era tangível. Palpável. Podia sentir sua frustração. Queria sair da ilha. Ele a mantinha lá. Queria se afastar dele. Ele não lhe daria a chance. Mas estava fazendo isso por ela, lembrou a si mesmo. — Meu casamento também foi arranjado — disse, sem saber por que estava revelando uma informação tão pessoal. — É mesmo? — As famílias gregas como a minha fazem isso o tempo todo. Os casamentos arranjados unem mais as famílias. Solidificam a riqueza. O poder. Eu não queria me casar com Katina. Não foi minha escolha, mesmo que fosse muito bonita, mas acabou dando certo. Melhor do que se esperava. — Então sua família fez um bom trabalho. — Com Katina, sim. — O que sua família fez que você não gostou? — A lista é muito longa. Minha família... é muito conhecida. Todos aqui os conhecem. Me conhecem. Sabem quem sou, o que fiz... — O que você fez? — Nem sempre atuei no negócio em que atuo agora. Venho de uma família grega muito antiga, com laços muito antigos. — Mas você foi criado com dinheiro? — Isto eu conquistei. Mas sim, havia dinheiro. Em abundância. Mas não gastávamos nossa riqueza como os novos ricos. Éramos uma família muito reservada, e trabalhávamos juntos. Ela estava tentando ler nas entrelinhas, e muito estava sendo dito. Ele mencionara algumas vezes como a família era reservada e fechada.
— O que você fez para sua família? — Mais do que você gostaria de saber. — E sua família estava em que ramo de negócio? — Em todos. — Mas não trabalha mais para sua família? — Não. E o que faço agora é importante. Ajuda as pessoas, não as machuca. Tive notícias perturbadoras esta manhã, Chantal. — Lilly? — Não. A resposta dele provocou um alívio, mas a onda de adrenalina fora demais. Suas pernas estavam fracas e tremiam. — Vamos nos sentar. Não há uma maneira fácil de dizer isso, Chantal, então deixe-me dizê-lo logo. Sabe que houve ameaças contra você, inclusive ameaças físicas. Aconteceu outra, e resultou em uma fatalidade. Chantal ficou imóvel, os braços caídos ao lado. Uma fatalidade ? As palavras chocantes de Demetrius reverberavam em sua cabeça. Uma fatalidade? Com quem? Como? — O que aconteceu? — consegui perguntar. — Alguém mexeu em seu carro... a bomba explodiu quando giraram a ignição. Seu jovem motorista, Tanguy, foi morto. Tanguy. Morto? Tinha apenas vinte anos. Não passava de um garoto. — Bomba no carro? — Alguém tem acesso demais a você. Alguém sabe demais sobre você. Mas não estava pensando em si mesma ou em sua segurança. Estava pensando em Tanguy. Lembrando-se que completara vinte anos há apenas um mês. E agora se fora? — Por que ele estava em meu carro? Ele não dirige meu carro. Ele me leva em um dos sedas do palácio. — Ia levá-lo para lavar. Achou que você logo estaria em casa e quis fazerlhe uma surpresa. E agora estava morto. Chantal cobriu o rosto, pressionando as palmas das mãos contra os olhos.
Sentiu o aperto suave das mãos de Demetrius no ombro. — Você vai ficar bem. Está segura aqui, e não iremos levá-la de volta a La Croix até termos certeza de que estará segura lá. — Não estou preocupada comigo. É Tanguy. Ele morreu por minha causa. — Você não pode pensar assim. Tem de se concentrar na segurança. Sobrevivência. Concentre-se em superar isso para que possa retornar para Lilly. Lilly. Só o seu nome já era um lembrete do que ela precisava, do que amava, e o coração de Chantal se incendiou. — Sinto falta dela. — Eu sei. Vamos voltar para a aldeia. Temos trabalho a fazer. Durante os quatro dias seguintes, Demetrius passou horas treinando Chantal, ensinando-lhe movimentos, bloqueios, passos defensivos, assim como ataques ofensivos. No quinto dia, abriu um armário, revelando uma enorme coleção de armas. Ela recuou imediatamente. — Não gosto disso. — Não espero que goste. Ensinou-lhe como minimizar o ataque de várias armas, e suas explicações implacáveis retiraram a camada protetora e a deixaram se sentindo profundamente exposta. Não sabia nada sobre sobrevivência, pensou ela. Aprendera inúmeras línguas estrangeiras, estudara arte, música, história, moda, cultura. Mas não sabia nada sobre se proteger. Ou a Lilly. E sentia cada vez mais saudade da filha. Mas não era apenas a falta de Lilly que desgastava Chantal. Havia as emoções ambivalentes em relação a Demetrius. Há dias que os corpos dos dois se tocavam. A pele se roçava. Os pensamentos se uniam. Mas para ele era só negócio. Era profissional, frio, desapegado. No entanto, seu desapego era pior que sua paixão. Depois de ficarem tão íntimos, tão fisicamente próximos, Chantal não sabia ignorar a corrente de desejo que a percorria. Não sabia se algum dia poderia esquecer o que ele a fez sentir. Ou que seu toque a fez perceber o que sacrificara. Para ser a esposa boa e submissa, a nora obediente, negara a si mesmo tudo de que precisava. E somente agora, deitada de costas no colchonete na sala
de ginástica, seu corpo quente, úmido de suor, percebeu que vivera em uma caixa estéril de metal nos anos anteriores, sem som, toque, sensação, amor. Amor. Nunca pensou que o encontraria, que ousaria esperar por mais alguma coisa, mas de algum modo, isolada aqui na Rocha de Demetrius, começou a sonhar outra vez. E os sonhos a assustavam. — Você está bem? — Sim. — Por hoje é só. Você tem trabalhado duro. Ganhou um descanso. — Tem certeza? — Absoluta. Sou um cara legal. Às vezes. Vejo você no jantar. — Ótimo. Mas no quarto não se sentia ótima. Sentia-se selvagem. Desesperada. Onde estava Chantal Ducasse Thibaudet? Onde estava a mulher fria e contida que fora? Em seu escritório, Demetrius estava de pé ao lado da escrivaninha, olhando fixamente para as cartas que acabara de ler. A pilha de cartas era muito maior do que esperava. Havia dezenas delas, toda endereçadas à princesa, todas interceptadas pela segurança do palácio de Melio. As cartas foram escritas à mão, e eram longas e desconexas. O tom de todas elas era arrepiante. Mesmo acostumado a loucos, Demetrius sentiu um frio na espinha enquanto revia as cartas. Alguns trechos chamavam a atenção. Você pertence a mim, Chantal. Nós devemos ficar juntos. Ninguém a ama como eu. Pegou outra carta.
Não posso viver sem você. Tenho de tê-la. Tenho de estar com você. Sei que você sente o mesmo. Outra carta.
Querida, por que não me responde? Por que fazer esse joguinho? Pare com esses jogos agora. Venha para mim imediatamente. Não quero me irritar com você. Minha querida Chantal, você é muito má por me ferir assim. Não me faça puni-la. Não quero feri-la. Foram enviadas num período de três meses. As primeiras foram carimbadas com cerca de duas semanas de intervalo, mas depois de algum tempo tornaram-se cada vez mais freqüentes, até que o remetente passou a escrever uma por dia.
As cartas revelavam uma desintegração gradual — de fantasia esperançosa para a projeção da fantasia e ameaças de intimidação e violência. Demetrius pegou a última carta, recebida pelo palácio há poucos dias.
Não pense que pode escapar de mim, Chantal. Não pense que algum dia escapará de mim. Se eu não puder tê-la, ninguém a terá. Compreende? Se eu não puder tê-la, ninguém a terá. Mas o homem estava errado, pensou Demetrius, analisando a última carta, a letra combinando com a raiva e a obsessão de quem a escrevera, antes de juntar as cartas e prendê-las com um elástico. Ninguém se aproximaria o bastante de Chantal para feri-la. Teriam de passar por cima dele primeiro. Chantal tomara banho, descansara, e agora procurava entre as roupas do armário algo apropriado para o jantar. Era sua décima segunda noite na ilha, seu quinto jantar com Demetrius, a quinta noite em que seu corpo se sentiria dolorosamente vivo. A quinta noite em que desejaria que Demetrius a olhasse e falasse com ela. Desejando que ele a desejasse da maneira como ela o desejava. Chantal imaginava o que ele pensaria se soubesse que ela se sentava à mesa todas as noites fantasiando com ele. Chantal levantou o vestido na direção da luz, examinando as dobras da seda. Podia ver-se nele, ver as mãos de Demetrius contra sua pele. Sua pele formigava. Seus seios estavam muito sensíveis. Havia muito tempo desde que se sentia carnal assim, e a ferocidade do desejo fez seus nervos gritarem. O que era esta emoção? Amor... luxúria... paixão? Guardou o vestido. Mordeu o lábio. Tudo que sabia era que o desejava. E queria que ele a desejasse. Mas também queria mais que isso. Com os olhos ardendo, piscou para evitar que as lágrimas caíssem. Queria amor e sexo e nenhum amanhã. Amor e sexo e uma noite sem fim. Queria uma noite sem arrependimentos. Sem erros. Mas isso não ia acontecer, pensou, irritada. Estava inundada por hormônios, invadida por necessidades que nunca haviam sido satisfeitas. Estava agindo como uma tola, como uma garotinha, apesar de ter trinta anos. Trinta. Como podia confundir atração física com necessidades emocionais? Como podia imaginar que o sexo seria a resposta para qualquer coisa? Chantal arrastou um vestido do armário e vestiu-o. Mais calma, Chantal olhou-se no espelho e percebeu que não era apenas sexo que desejava. Queria sexo, amor e a possibilidade de levar uma vida de
verdade, na qual seria uma mulher comum com sonhos comuns. Queria uma vida em que alguém bom e forte a amasse. Em que um homem a estimasse, adorasse e protegesse. Queria um homem que a amasse — coração, mente, corpo e alma. Seus olhos azuis estavam quietos. Tristes. Demais, Odiava a tristeza. Estava pronta para seguir em frente com sua vida. Pronta para ir para casa. Pronta para ficar com Lilly. Lilly. Seu coração se apertou, a respiração travou na garganta, Meu Deus, como sentia falta dela. Quando pensava em Lilly, a dor era imensa. O coração de Chantal estava despedaçado. Demetrius estava na varanda, de frente para o mar, de costas para a casa. Estava ao celular, e ela sentiu uma angústia. Que sorte poder ligar para quem quisesse, quando quisesse. Ele deve ter ouvido seus passos, porque se virou. Em vez de desligar, estendeu-lhe o telefone. — Tem alguém que não consegue dormir sem que você lhe dê boa noite. Chantal ficou quente, fria. Olhou para o rosto de Demetrius, incapaz de acreditar no que ouvia. Ele sorriu de modo tranqüilizador. — Sua filha está esperando.
CAPÍTULO OITO Exatamente quando pensou que não conseguiria suportar mais, quando o vazio ameaçava oprimi-la, ela recebeu este presente. Esforçou-se para falar, queria agradecê-lo, mas as palavras não saíram. — Ela está esperando. — Lilly? — Mamãe! Mamãe, Mamãe! — Como você está, querida? — Bem. Estou com saudade de você. — Também estou com muita saudade. Durante os dez minutos seguintes, conversaram sobre tudo. Soube que a tia Joelle tinha ido a La Croix passar um fim de semana prolongado com Lilly, e Chantal rezou em silêncio, agradecendo à irmã. Lilly falou sobre todas as
coisas que estava fazendo — aulas de música, de dança, da escola, de idiomas. Lilly sempre era mantida ocupada por insistência dos Thibaudet. — Mas quando você vem para casa? Quero você aqui. Em casa. — Eu também quero ir para casa. Não vai demorar para eu voltar. — Promete? — Sim. Seja boazinha, meu amor. Escute seus avós. — Eu escuto. — Eu sei. Eu só... — não terminou a frase. Apertou os olhos e pressionou a mão contra a boca. Não conseguia dizer adeus. A mão firme e encorajadora de Demetrius tocou seu ombro. Chantal respirou fundo e se acalmou. — Eu te amo. E mal posso esperar para ver todas as coisas que você aprendeu e fez quando eu não estava aí. Vai tentar recordar tudo e me dizer assim que eu chegar em casa? — Vou fazer um desenho para você. — Vai? — Vou fazer vários. Vou fazer um livro de desenhos, assim você vai poder ver tudo. — Vou adorar isso. De verdade. Houve um momento de silêncio na linha e Lilly falou, sua própria voz de repente mais profunda, mais séria. — Eu amo você, mamãe. Era como se Lilly tivesse crescido da noite para o dia. Chantal mordeu o lábio, imaginou o rosto de Lilly e pôde vê-la contrair a fronte. — Eu amo você, querida. Durma bem. — Você também, mamãe. Tchau.
Tchau. Silenciosamente, Chantal entregou o telefone a Demetrius. Não conseguia olhar para ele. — Obrigada. Esse foi o melhor presente do mundo. Ele não disse nada por um instante, guardando o telefone. Suas feições pareciam indecisas. — Era sua irmã. Viajou para La Croix pois sabia que precisávamos da ajuda dela para conseguir falar com Lilly.
— Ela não tinha de fazer isso. — E claro que não. Mas suas irmãs adoram você. As duas. Tenho falado com ambas a semana inteira... — Tem? — E você é a heroína delas. Fariam qualquer coisa por você. — Mas eu sou a irmã mais velha. — Mesmo as irmãs mais velhas precisam de ajuda. E suas irmãs odeiam que seu falecido marido a tenha machucado. Ela estremeceu, surpresa. — Ele já morreu. Não importa mais. — Não importa que seu marido tenha abusado fisicamente de você? — Ele não era uma pessoa má, só tinha um mau temperamento, e sempre se desculpava depois. Não gostava de perder a cabeça. Demetrius a deixou falar, o rosto impassível, mas odiava o que ela estava dizendo. Armand tinha destruído sua autoconfiança para que ela não conseguisse se defender. — Você não deve se responsabilizar pelas fraquezas de seu marido. Seu marido tinha problemas. Não você. — Mas eu tenho culpa. Eu queria que fôssemos uma família. Pensava que se pudesse descobrir o que eu fazia de errado, seríamos uma família de verdade, e essa idéia de família significava tudo para mim. — Por quê? — Não sei. Talvez'porque a minha me foi tirada quando eu era muito jovem. — A família é importante — concordou ele, sentindo a raiva se aproximar. Também teria feito qualquer coisa para proteger sua família. Estava preparado para trocar sua vida pela de Katina. Teria sido a coisa a mais natural a fazer. — Mas você se sacrificou... — Eu tinha de fazer isso. — Não tinha. E se realmente acredita nisso, então sua família a traiu. — Fizeram o melhor que podiam. — Não foi o bastante. Ao permanecer com ele, você lhe deu a permissão para machucá-la... — Achei que poderia ajudar. Que poderia mudar as coisas. — Nada que você pudesse ter feito o teria mudado.
— Nem se eu tivesse sido melhor? Melhor?, ele quase gritou. Melhor, como? — Você tem de perceber que não teve nada a ver com você — respondeu, com a voz bem mais ríspida do que tinha a intenção. — Desculpe-me. Não queria deixá-lo irritado... — Não estou irritado com você. Estou irritado com o fato de que os homens machucam as mulheres. Estou irritado por seu marido ter lhe machucado. — Não vamos mais falar sobre isso. — Talvez devêssemos. Talvez seja hora de revelar alguns desses segredos. — Que bem isso pode fazer? Como é aquela antiga expressão? Vamos esquecer o que passou? Nada que dissermos mudará... — foi interrompida pela aproximação abrupta de Demetrius. Chantal recuou. — Talvez mude o futuro. — Você não pode mudar o futuro. Ele ainda nem aconteceu. — O que temos feito? Treinamento. Preparação. Foco. Tudo tem impacto no futuro. Cada pensamento, cada escolha. Ela sentiu uma mistura de pânico e paixão. — Não estou tentando discutir. Não quero brigar. —- Não estamos brigando. — Você está aborrecido. — Só um pouco provocado.
Um pouco? Talvez soubesse lidar com suas emoções é reações se tivesse mais experiência. Mas nunca conhecera ninguém como Demetrius Mantheakis, e não conseguia esconder nem controlar sua reação. — O que está acontecendo? — sussurrou ela, o coração disparado. — O que você acha? — Não sei. Não parece certo. É... assustador. — O que é assim tão assustador? — Você. Isto. Tudo isto. — Nunca sentira nada parecido, nunca soube que esse tipo de energia e tensão podia existir entre duas pessoas. Sentiu a força e a energia dele, e ele nem a tocara. Queria ele. Queria suas mãos. Sua boca. Seu corpo. — Eu a assusto? — Sim — sussurrou ela. Ele era muito perigoso. Ela nunca sobreviveria no mundo dele.
— E sua vida? Ela não a assusta? Ela não respondeu. A mente trabalhava em alta velocidade, tentando processar os pensamentos e sentimentos. — Assusta você o fato de ser como um ratinho numa gaiola? Absolutamente presa? Completamente dominada? Que todos em seu mundo mandam na sua vida... exceto você? — Não sou um rato. Não estou presa. — Mas estava mentindo. O fato de ele ver sua vida a aterrorizava. Seu mundinho, a prisão que era, devia ser seu segredo. Assim como o abuso de Armand era sua vergonha secreta. — Você tem alguma idéia do perigo em que está? De quão frágil seu mundo realmente é? Quando vai enfrentar a verdade, pedhaki mou? Você deve lutar pelo que sua vida é e pelo que não é... — Minha vida está ótima. — No avião não estava. Você admitiu desejar fazer as coisas de modo diferente. Disse que desejava lutar pela felicidade... — Deixe o avião fora disso! Não foi uma conversa normal. Pensei que íamos morrer. Você me fez falar e não consegui parar. Aquela noite foi uma anomalia. Nada sobre o avião ou o que ocorreu na ilha se ajusta à vida real. — Nem mesmo o sexo? O sexo. Parecia tão grosseiro dessa maneira, tão carnal, tão quente e feroz. — Nem mesmo o sexo. — Então está dizendo que o sexo não é parte de sua vida real? Enrubescendo, Chantal tentou encontrar uma resposta. Não imaginou que ele ia distorcer suas palavras assim. — Sou viúva. — Certamente teve namorados depois da morte de Armand. — Não. — Encontros? — Não. Não faz parte do meu papel. — Não sabia que seu papel era tão rígido. — É muito... preestabelecido. Eu me casei em uma monarquia poderosa e minha filha é a herdeira ao trono... — Ela é uma menininha. Você é adulta. Tem direito a ter uma vida. — Eu tenho uma vida. Adoro minha filha.
— Você vive somente para sua filha? — Ela precisa de mim. Tem quatro anos. — O que vai acontecer quando ela crescer? — Não quero mais falar sobre isso. — Primeiro seu marido, agora sua vida. É tudo proibido, princesa? — Sim! Para você. Você foi contratado para me proteger, não para me torturar, então... — Então...? — Afaste-se! Não consigo pensar assim. Não consigo respirar. — Então respire. Ela sacudiu a cabeça, atordoada. Nem Armand falara com ela com tanta rispidez. Mas Armand não falava. Batia. Batia quando ela menos esperava. Mas Demetrius não estava irritado; estava estranhamente calmo. E controlado. — Vou respirar melhor quando me deixar sozinha. — Não vou deixá-la. Eu nunca a deixaria sozinha. — Então vou sair. — Porquê? Sua voz não passava de um murmúrio rouco, e ela ergueu a cabeça. Encontrou seu olhar misterioso e viu que ele estava quente como ela. Como naquela noite na praia. Assustada e excitada, olhou fixamente tanto nos olhos dele que perdeu a noção de tempo, espaço, de tudo que deveria recordar. — Não. — Não fiz nada. — A voz dele era áspera. Sentiu os seios se avolumarem, os mamilos formigarem, e tudo que sentira naquela noite na praia voltava em ondas. Ondas de desejo. De necessidade. Quando ele a olhava daquele jeito, ela não queria mais ser a boneca de porcelana em uma prateleira, a princesa bonita que posava para revistas. Ela desistiu. Inclinou-se na direção dele e suspirou. Que tola, Chantal. Sentiu o beijo suave se refletir em todo o corpo. Expirou o ar dos pulmões e fechou os dedos em punhos, tentando resistir ao toque quente e sensual.
Ele vai estragar tudo, uma vozinha lembrou a ela. Vai tirar tudo de você. Lembre-se do que concordou em fazer. Lembre-se de seu contrato. Lealdade e fidelidade aos Thibaudet e somente a eles. Deveria honrar a memória de Armand, preservar seu nome. As lágrimas quentes escoaram por seus cílios e ela estremeceu em seus braços, um tremor de completo desespero. Não poderia ter paixão e La Croix, e La Croix significava Lilly. Lilly significava seu lar. — Você está chorando. — Isso é uma reviravolta cruel do destino. — Como assim? — Você não é parte de meu mundo. Não posso tê-lo. — E o que pode ter? — Nada. — E você aceita essas limitações? — Não tenho escolha. — Todos têm uma escolha. — Eu não. — A lucidez retornava aos poucos. Tinha de parar essa loucura antes que perdesse a razão por completo. Isto não era amor. Era luxúria. Não era correto. Era um produto dos nervos, dos hormônios, da imaginação. Mas Demetrius não gostou da resposta, e não ia aceitá-la. Envolveu levemente a cintura dela. — Você realmente acredita nisso? Ela adorava sentir seu toque, a ligação entre eles, no entanto, quando olhava em seus olhos, via uma ferocidade... uma raiva... que a aturdia. A mão dele se deslocou e tocou seu seio. Ela estremeceu. — Demetrius. Esta era a maneira que um homem deveria segurar uma mulher. Ela sempre quis que a segurassem assim. Firme. Com segurança. Por um instante, Chantal pôde imaginar uma vida assim, nos braços dele, protegida da imprensa. Seus lábios cobriram os dela outra vez, e ela enfiou os dedos por sua camisa outra vez. Lembre-se de sua situação. Lembre-se de Lilly. Pense nela. Concentrando-se, ela o afastou. Um passo, dois, até que ficou a meio
caminho do quarto, olhando-o fixamente como se fosse uma miragem. — Você está deixando que eles a possuam, Chantal. — O que você fez comigo? — É você, pedhaki mou. — Isso não sou eu. Não sou assim. — Você disse que sexo não fazia parte de sua vida. Talvez devesse ser. Você é uma mulher que nasceu para ser amada. Chantal levantou a mão em protesto e viu o brilho de sua aliança de casamento. Fechou a mão, sentindo a safira de encontro à pele. Phillipe e Catherine Thibaudet, pais de Armand, insistiram para que continuasse usando o anel. E tinha de ser assim. Era o acordo que fizera. Nunca deveria assinar contratos que não compreendia. — Não me beije outra vez — disse ela. Prometa-me que não me beijará nem me tocará outra vez. — Não posso. — Não pode? — Não quero. Não faço promessas que não vou manter.
CAPÍTULO NOVE Sua resposta a fez perder o fôlego. Queimou-a por completo. — Você está dificultando as coisas intencionalmente — conseguiu dizer com a voz rouca. — Não. Estou apenas sendo honesto. Nunca poderia fazer essa promessa, princesa. Não em mil anos. Mas prometo ser fiel a você. E prometo ficar com você não importa o que aconteça, enfrentar cada perigo com você... — Por quê? Não passo de um trabalho. — Mas é um trabalho de que gosto. Afastou-se dele e foi até a janela. Uma das empregadas entrou na sala para anunciar o jantar. Chantal sentou-se à mesa na sala de jantar, onde uma janela tinha uma vista de tirar o fôlego da água, que começara a refletir a luz da lua. Mas a luz da lua não podia abrandar seu caos interno. Sentia-se exposta em
frente a Demetrius. Seu vestido era fresco, mas ela se sentia quente. A pele queimava. Não conseguia encarar Demetrius. Como era possível desejar alguém tanto assim? — Você não comeu muito — disse ele. Tinha razão. Não conseguiu comer muito. Mesmo sentindo-se vazia, sua fome não tinha a ver com comida, e sim com toque. Prazer. — Estou sem apetite. — Posso mandar o cozinheiro preparar algo diferente. — Não. Gosto de cordeiro. — Menos deste? Não era o cordeiro. Odiava o calor em seu rosto, o apetite em seu coração, a memória de tudo que acontecera entre eles. Se o sexo tivesse sido ruim, não se sentiria assim. — Estou bem. De verdade. — Conseguiu dar um leve sorriso. Surpreendia-se por não querer sexo... ou um corpo... nem mesmo um homem. Queria ele. Demetrius Mantheakis. Mas não compreendia a atração. O que havia de errado com ela? Como poderia ser tão patética? Vivera corretamente durante anos. Fizera as escolhas certas. — Sobremesa? Frutas e queijo? — ofereceu Demetrius. Ela não queria comida. Queria ele. Queria que ele abrisse seu vestido e deslizasse as mãos por seus quadris e coxas. Em vez disso, ela tocou o pescoço, envolveu os dedos na pele quente, sentindo-se tensa e sensível. Tocou onde queria as mãos dele, imaginou seus lábios em seus seios, em seus mamilos intumescidos. — Você se importa se eu me retirar cedo? — Sim. Quero que veja algo antes. Pode esperar aqui enquanto vou buscar ou pode ir comigo ao escritório. — Buscar o quê? — Venha comigo. Você verá. Ela o seguiu. Era mais elaborado do que pensara — dois escritórios interconectados e uma sala de reunião separada. Conduziu-a à sala de reunião, onde os papéis estavam espalhados na mesa.
— Dê uma olhada nisto — disse ele. Ela olhou os papéis. Eram cartas. Escritas à mão. Endereçadas a ela. — Estas cartas são para mim. — Sim. Escondi as piores. Mas espero que você reconheça a letra. — Não. Desculpe. Gostaria de poder. — Não achei que poderia, mas valeu a pena tentar. As cartas foram enviadas ao palácio em Melio, mas foram postadas em La Croix, da agência de correio perto do castelo dos Thibaudet. — Então o perigo está em La Croix. E pode ser alguém no castelo. — Estamos analisando a letra, mas os detetives do caso estão certos de que é um homem, e alguém com uma escolaridade razoável. — Difícil de acreditar que eu poderia ter um fã tão... obcecado. Sempre tentei levar uma vida simples. Tranqüila. — Obviamente não o suficiente. Alguém a notou, e quer você.
Morta, ela terminou a frase silenciosamente, tentando controlar sua pulsação. E Tanguy já pagara um preço alto por essa obsessão doentia. — Alguma idéia sobre o estilo de vida ou profissão dessa pessoa? — Ainda não. — Mas deve haver algum tipo de perfil... — E há. Mas, infelizmente, esses caras não saem por aí anunciando qual é. É um predador. Esconde sua intenção, tenta parecer normal. Demetrius a viu empalidecer. Não queria preocupá-la, mas precisava de sua cooperação. Tinham de capturá-lo antes que ferisse mais alguém. A empresa dele já tinha lidado com casos de fãs obcecados antes. De todos os tipos de trabalho de segurança, este era o de que menos gostava. Porque era imprevisível. O perseguidor era uma das ameaças mais difíceis de controlar porque poderia ser qualquer um, poderia se esconder em qualquer lugar, em uma multidão, despercebido. — Por que você faz isso? É tão... — Sórdido. Mas é o que gosto. O que faço ajuda as pessoas. Fico feliz por ajudar e proteger as pessoas, porque sei como é perder o sono quando alguém que se ama está em perigo. Sei que é impossível comer quando se tem medo. Vivi assim por três semanas, e foram as três semanas mais longas
da minha vida. — Espero que sua história tenha um final feliz. — Não. Algo terrível acontecera em sua vida e a tragédia fizera dele o homem que via agora, que se recusava a deixá-la se acovardar ou se esconder. — Como sobreviveu à perda? — Vingança. — Você... faz... esse tipo de coisa hoje? — Não. Agora sigo as regras. — Entendo. — Você não aprova. Ela tentou sorrir. — Não gosto de dor. — Não... Você prefere levar a vida fingindo ser feliz, com a encantadora máscara real e deixar o mundo pensar que você é linda por dentro e por fora. Ele sabia muito bem como magoá-la. — Você é muito perigoso, não é? — Você é mais. Está morrendo por dentro e não admite. Eu, pelo menos, quero ajudar você. Ela o encarou do outro lado da mesa. Odiava-o por estar certo. — Já passou pela sua cabeça que não quero sua ajuda? Que aceito minha vida... — Besteira. — O que disse? — Não vamos fazer isso, Chantal. Não temos de fazer isso. Foi sexo. Nada mais. — Jogando as cartas na mesa, dirigiu-se à porta. — Vamos deixar as coisas assim, certo? Você sabe o caminho até seu quarto, então pode investigar meu escritório se quiser. Estou subindo. Preciso de ar. Boa noite. Chantal tinha lágrimas nos olhos. Não era para ser assim. Em seu quarto, ela se despiu lentamente e vestiu a camisola. Casara-se com Armand porque Melio estava falido, e ela achava que o dever vinha em primeiro lugar. Sempre. Mas odiava o dever. Contudo, era tarde demais. Não poderia parar o que
começara. Não poderia fugir do que concordara em fazer. Foi até a janela e avistou-o na varanda da piscina. Seu coração disparou. Queria ir até ele. Mas o que aconteceria depois? A solidão era insuportável. Chantal recostou-se na parede, fechou os olhos e a mão deslizou por dentro da camisola, cobrindo seu seio. A pele era macia e lisa, quente, e seu mamilo ainda mais sedoso contra as pontas dos dedos. Precisava ser tocada, amada. Sua mão deslizou lentamente para o abdome liso, os músculos retesados. Podia imaginar a mão dele tocando-a assim, podia imaginar a sensação e sabia que gostaria de estar com ele, gostaria de seus toques, beijos, carícias. Loucura. O que você vai fazer Chantal? Se você fizer amor com ele novamente, vai se apaixonar. Nunca conseguirá se erguer. Uma batida soou à porta antes que pudesse se meter entre os lençóis. Abriu a porta. O coração parou, o ar travou na garganta. — Demetrius. Ele não disse uma palavra. Apenas ficou ali, olhando-a, frustrado. Ela não conseguia desviar o olhar de seu rosto. Ele parecia aflito. — Quer entrar? — Você sabe o que vai acontecer se eu entrar. Sem falar nada, ela deu um passo para trás, abrindo ainda mais a porta, e observou-o entrar no quarto. Sentou-se na beirada da cama e olhou para ela. As pernas dela tremiam. — Venha cá — disse ele. Ela foi, e ele abriu as coxas e puxou-a. Ela sentiu as coxas dele se fecharem, prendendo-a entre as pernas. Ele era forte. — Isso é só sexo, certo? — perguntou Demetrius. — Não poderia ser outra coisa. — Então é só sexo que você quer. — Sim. — Ótimo. — Estendeu a mão para o seio de Chantal antes mesmo de seus lábios cobrirem os dela.
O beijo incendiou-a. Como a mão no seio, o beijo tinha a ver com posse. Curioso, mas sua necessidade física por ele parecia vir de algo mais profundo. Sentira-se insensível por tantos anos e a insensibilidade se fora, substituída por um inferno de desejo. Por um segundo de loucura, jurou desistir de tudo apenas para satisfazer o desejo. Ele tirou sua camisola impacientemente, e suas mãos substituíram a roupa dela, cobrindo seus seios, tocando seus quadris. Sentiu-o acariciar o interior de suas coxas e de repente um to! que lá, no vértice de suas coxas. Ela estava se derretendo de desejo, e enquanto os dedos mergulhavam nela, preenchendo-a, ela se sentiu dissolver, tornando-se mais quente, mais molhada, seu corpo desejando o dele. — Faça amor comigo. Nunca quis ninguém, nem nada, como quero isto. — O sexo é assim tão bom? — O tom de voz era cínico. — Você é bom. — Eu poderia amá-lo para sempre. Fizeram amor duas vezes — de modo intenso e incrivelmente erótico —, e depois de atingir o clímax pela segunda vez, aninhou-se nos braços dele, a pele ainda suada, o corpo ainda tremendo. Nunca se sentiu tão amada. Mas não era amor, disse a si mesma, era sexo. Que mentira. — Você... isto... me impressiona. E incrível estar aqui com você. Assim. Mas ele não disse uma palavra. — Nunca me esquecerei disto. Você... significou... muito para mim. — Foi sexo — ele a corrigiu, quase cruel. — Lembra-se? — Porque tem de ser. Essa minha vida não é o que quero, não é o que sonhei... — Então dê um fim nela. — Você não compreende. — Tente explicar. — Não posso. É complicado demais, muito inacreditável para explicar. — Tente. — É bem desinteressante, na verdade. Fatos e números, e não divertimento e romance.
Ele deu uma gargalhada. — Estudei economia na universidade, princesa. Tenho certeza de que posso lidar com detalhes desinteressantes. — Talvez ache isso interessante, então. Você sabe que meu casamento foi arranjado. Mas a maioria não sabe. As revistas nunca publicaram nada sobre o assunto, e ninguém imaginou que o casamento Ducasse-Thibaudet era, na verdade, um acordo entre dois países. Deu uma olhada rápida para ele e viu um sorriso irônico. — Como é de se esperar em qualquer negócio importante, havia muita papelada, cláusulas e um acordo pré-nupcial. Nunca imaginei que ficaria viúva tão jovem, e nunca imaginei que meu casamento seria tão infeliz, portanto concordei com os termos que agora parecem absurdos. Mas Melio beneficiou-se. La Croix forneceu ajuda financeira a meu país. Todos pareciam felizes. — Exceto você. — Em qualquer fusão pode haver sentimentos magoados. — Mas isso é mais do que sentimentos magoados, é escravidão, princesa. Isso era uma simplificação, pensou ela. Mas conseguiu sorrir, corajosa. No passado, fora tão corajosa. Achava que podia fazer qualquer coisa. — Shh — sussurrou, provocante. — É nosso segredinho sujo. Ele estendeu as mãos e jogou-a de volta no colchão. — Sujo é a palavra que eu usaria. Ele rolou para cima, prendendo-a sob ele. Seus lábios cobriram os dela, e o coração de Chantal parecia que ia explodir. Ele aprofundou o beijo e ela se sentiu derreter, abrindo-se para ele, precisando dele, e ele sabia. Ele separou as coxas dela, abrindo espaço para seu corpo rijo e quente. Ela estremeceu quando o comprimento rígido dele pressionou seu núcleo úmido e sensível. Penetrou-a lentamente, em uma pressão longa como seda quente deslizando em um cetim mais quente ainda. Chantal sentia os músculos poderosos dos quadris dele se travarem, as nádegas se contraírem quando se enterrava ainda mais profundamente. A pressão, o prazer, era tudo muito intenso. Porque ninguém a amara assim. Ele era tudo que ela não poderia ter, e no entanto era tudo de que precisava.
Tudo que queria. Eu amo você, pensou ela, duas emoções contrastantes no coração. Realmente o amava. Sabia que não era luxúria, nem uma fantasia passageira. Mas também sabia que nunca poderia estar com ele desta forma em La Croix. Nunca poderia vê-lo em La Croix. — Abrace-me com suas pernas — incitou ele, a voz profunda. Ela fez o que ele mandou. Ele colocou as mãos por baixo dos quadris dela e levantou-a ainda mais. — Melhor assim? — perguntou ele. — Sim. — Então segure-se firme.
CAPÍTULO DEZ Chantal acordou e, antes de estender o braço, sabia que Demetrius havia levantado. E isso a devastou. Não queria acordar sozinha. Sentou-se na cama. Seu estômago estava embrulhado. Deitou-se lentamente e colocou a mão na barriga. Não estava de ressaca. Nem tocara no vinho na noite anterior. Intoxicação alimentar? Depois de uns minutos, conseguiu se sentar. A última noite tinha sido irreal. A noite mais bonita de sua vida. Cada momento nos braços dele era perfeito e intenso. Não pense nele. Levante-se. Mexa-se. A noite acabou. Você tem de retomar sua vida. Tomou um banho e desceu para o café-da-manhã. Onde estava Demetrius? O que estava fazendo? Queria vê-lo. Tinha medo de vê-lo. Mas ele não estava à vista. O desjejum de chá e torradas acalmou seu estômago, e Chantal já ia sair da mesa quando Demetrius apareceu. Engoliu em seco as emoções — amor e dor atravessando-a em ondas ferozes. Seu coração doeu quando olhou fixamente para ele. Eu amo você. Quero
você. Não vou ficar com você, não é mesmo? — Já terminou? — perguntou ele, indicando a refeição. Nenhum cumprimento. Nada que indicasse que algo especial acontecera na noite anterior. Forçou um sorriso fresco. — Sim, obrigada. — Pronta? — Aonde vamos? — Pensei que poderia gostar de mudar de ambiente, então vamos sair. Passar o dia em meu barco. Não era uma boa idéia, pensou ela mais tarde. Não quando seu corpo estava tão dolorido e cansado. E seu estômago também não ajudava. Mas o que a desconcertava era a distância de Demetrius. Mesmo no barco ele ficava perto dela, mas nunca a tocava. Era educado, mas não conversava. Isso era terrível. Sua distância fez com que ela se sentisse muito mal. No retorno à vila, Chantal estava esgotada. Não conseguia se lembrar da última vez em que se sentira assim. Subiu, fechou as venezianas e escureceu o quarto. Após se despir, ficando apenas de roupa íntima, caiu na cama. O jantar naquela noite foi uma agonia. No momento em que entrou na sala de jantar, seu estômago se rebelou. O cheiro de peixe embrulhou seu estômago, e Chantal recuou, quase cobrindo a boca e o nariz, lutando contra a onda de náusea. Retornou à cadeira e forçou um sorriso. Mas ao sentar-se, sentiu o estômago se contrair em outra eólica. Sentira-se cansada e dolorida o dia inteiro. Não podia estar gripada outra vez, podia? Sobreviva ao jantar, disse a si mesma, e volte para a cama. Mas não ia ser fácil. Seu estômago se contraía e mal conseguia levar o copo d'água aos lábios sem que sua mão tremesse. Não tentou conversar e Demetrius não a forçou. Mas a observava. Não sabia mais quanto tempo poderia ficar aqui e fingir que estava tudo bem. Não estava bem. Estava... enjoada. — O que há de errado? — perguntou Demetrius. Sua resposta instintiva era não dizer nada. Mas não podia mentir. Ia vomitar — e logo.
— Preciso ir para meu quarto. — O que há de errado? — repetiu, levantando-se. — Não sei. Se me der licença. — Vou com você. — Não. Mas já colocara a mão em seu braço e a conduzia, arrastando-a para o quarto no segundo andar. Na metade da escada, seu rosto se incendiou enquanto o restante do corpo ficou frio. — Dem... Ele compreendeu, pegando-a nos braços e levando-a escada acima. Vomitou antes que chegassem ao banheiro. Lágrimas queimavam seus olhos, quase tão amargas quanto a bile em sua boca. — Desculpe. — Não foi nada. Gelada e tremendo, forçou-se a olhá-lo. Seu ombro estava coberto. Sentia-se envergonhada. Armand nunca a teria perdoado. Forçando-se a agir, levantou-se e disse: — Me dê sua camisa. — Temos funcionários para lavar a roupa. Quando começou a sentir isso? — Não me senti muito bem durante o dia. Mas achei que era cansaço. A caminhada. O sol. Deve ser algo sem importância. — O quê? — Um resfriado. O maxilar dele se contraiu. Os olhos se estreitaram. — Ou uma intoxicação alimentar — complementou ela. — Comemos a mesma comida. Ele não confiava em ninguém, pensou Chantal. Nem nela. — Posso garantir que não estou me envenenando. Oh, não. De novo não. Ia vomitar outra vez. Logo.
— É melhor você ir — disse a ele, feliz por estar sentada. — Vai vomitar outra vez, não é? Mas não esperou a resposta. Posicionou-a em frente ao sanitário, segurando-a com força. — Por favor, vá embora. — Não vou deixá-la, princesa. Por que ele insistia em chamá-la de princesa nos momentos mais impróprios? — Mas não o quero aqui. Você não é necessário. Posso fazer isso sozinha. Ficou surpreendentemente grata quando terminou e Demetrius lhe entregou uma toalha limpa e a ajudou a tirar a blusa suja e preparar o banho. — Estou indo, mas vou voltar. E não tranque a porta. Odiaria derrubar uma boa porta só para chegar até você. — Mas faria isso. — É claro que sim. — Posso dizer outra vez que você não é um guarda-costas normal? — Que bom. Passei a vida inteira tentando ser qualquer coisa, exceto normal. Vejo você em alguns minutos. Felizmente ele a deixou sozinha por dez minutos e, quando retornou, ela estava envolta nos lençóis da cama. — Biscoitos e água tônica — disse ele, carregando uma bandeja. Pareceu satisfeito por vê-la já na cama. — Obrigada. É muita gentileza. — E o que qualquer ser humano decente faria. — Então, obrigada por ser decente. No dia seguinte, Demetrius entrou em seu banheiro e deixou uma caixa na pia. O rótulo estava escrito em grego e em inglês. Um kit de teste de gravidez caseiro. Ela engoliu em seco, olhou para a caixa e depois para Demetrius. Sua expressão era impassível. Mas era óbvio que estava pensando em algo. — Não é intoxicação alimentar e não é resfriado. — Você não pode ter certeza. — Faça o teste. — Não estou grávida. Eu saberia se estivesse...
— Você fica nauseada de manhã. — De tarde. — Desejava que ele estivesse errado, embora soubesse que provavelmente estava certo. — Não me senti assim com Lilly. — O doutor disse que cada gravidez é diferente. — Você consultou o médico? — Consultei um médico sobre a gravidez de minha esposa. Foi uma gravidez muito complicada. Tinha náuseas assim: dia e noite. Chantal resistia ao impulso de perguntar o que acontecera a sua esposa e seu filho. Para onde foram? Onde estão agora? Mas mesmo sem fazer as perguntas, viu as respostas no rosto dele. A esposa morrera. O filho morrera. Estava sozinho há muito tempo. — Quanto tempo leva para termos o resultado? — Alguns minutos. Ela não queria saber a verdade. Mas os fatos estavam na sua frente. Fizeram sexo sem proteção há duas semanas e meia. Seus seios estavam sensíveis. As emoções, à flor da pele. E estava bastante enjoada. Era como uma gripe que poderia durar meses. Nove meses, especificamente. Pegou o kit e abriu, as mãos trêmulas. — Eu lhe informo — disse a Demetrius. — Estarei esperando. Um minuto e meio depois, o desconhecido tornou-se conhecido. Sim, estava grávida. Demetrius se levantou quando ela abriu a porta. Seus olhos se encontraram. Incapaz de falar, ela fez que sim com a cabeça. Por um segundo ele não fez nada. Em seguida, saiu. Foi assim. Nada foi dito, no entanto tudo tinha sido dito. Havia momentos em que as palavras eram totalmente desnecessárias. Mas só porque não falaram sobre o estado de Chantal, não significava que Demetrius estava indiferente. Levou horas para adormecer e teve um pesadelo. Katina nas mãos do inimigo, grávida e aterrorizada. Sentia o medo dela. Via o terror nos olhos dela. Ela não entendia o que estava acontecendo, por que estava acontecendo, e só conseguia pensar em proteger o bebê. No sonho, viu-a pôr a mão na barriga, o nascimento do bebê a apenas sete
semanas, tentando desesperadamente se tranqüilizar. Estendeu o braço para agarrá-la e a terra se abriu, engolindo-a. Atirou-se no buraco e tentou evitar que a terra se fechasse. Katina! Há anos não tinha esses pesadelos. Não sentia esse tipo do terror desde que comprara a Rocha. A ilha um santuário, mas a gravidez de Chantal afastava a ilusão. Sua missão tinha mudado. Não era mais um trabalho para proteger uma princesa, mas a mãe de seu filho. Não conseguia acreditar. Ela estava grávida. Isso não deveria ter acontecido, mas aconteceu. Nunca pensou que teria outra chance. Nunca pensou que seria pai de outra criança. Sempre fora cuidadoso em todos os relacionamentos. Suas mulheres sabiam que ele não estava interessado em compromisso. Tivera sua família, a única que sempre quis ter, e não desejava substituí-la. Substituir Katina e o bebê parecia cruel. Com o coração partido, decidiu vingar a morte de Katina e da filha, e vingou. Esperou que a Família retaliasse. Quase ficou decepcionado quando isso não aconteceu. A morte seria mais fácil do que a vida. Morrer e juntar-se a Katina e ao bebê lhe daria paz. A Família deixou-o sozinho. Deixou-o ir. E esse foi o fim de Demetrius Mantheakis, pai amoroso, protetor da família. Mas agora tudo mudara. Ele seria pai outra vez. Se a princesa não abortasse. Se o fanático não matasse a princesa. Uma vida minúscula dentro de Chantal. Uma vida que ele protegeria com sua própria. Juntou-se a Chantal assim que a viu na varanda para o desjejum. — Precisamos conversar. — Dormiu bem? — perguntou ele. — Não muito bem. — Nem eu. Tudo que fiz foi pensar. Sobre você. O bebê... — Nem é um bebê ainda. — Concebemos uma vida — disse ele com cuidado. Via que ela levava isso a sério. Ótimo. Ele também.
— Estou com medo. Em pânico. Ele não falou. Não confiava em si mesmo para falar, não agora. Chantal respirou fundo. Ele não tinha idéia do que isso significava. O acordo pré-nupcial com Armand era muito específico. Havia obrigações com as quais concordara. Nada de casos. Nenhuma conduta ilícita. Nenhum escândalo. Sim, era viúva, mas grávida? Poderia perder Lilly. Perderia Lilly. — Não posso ter este bebê. Sei que soa frio, mas é a verdade. Os Thibaudet procuram uma razão para se livrar de mim. Uma gravidez não planejada lhes daria o motivo. — Você nem gosta deles. — Mas minha filha é herdeira do trono. Podem me expulsar e ficar com ela. — A lei não permite. — Permite em La Croix. É uma monarquia antiga, não uma democracia. O rei e a rainha ainda exercem um poder incrível. — Podem manter a neta como refém? — Não vêem dessa maneira. — Está defendendo eles? — Claro que não, mas tenho de ser pragmática. — Você nem está pensando em manter o bebê. Ela sempre quisera mais filhos, amaria ter outro filho, mas não tinha permissão para ter mais filhos. O preço de uma gravidez seria perder Lilly. Para sempre. — Não — respondeu, seca, fugindo do olhar de Demetrius. Ela queria o bebê. Mas não podia tê-lo. Era cruel. Nenhuma mulher deve estar nessa situação. Para manter uma criança, não podia ter outra. — Então é isso, nenhuma conversa, nada de pensar em opções... — Que opções? Minha filha é a única herdeira ao trono. Não vou deixá-la em La Croix para vir brincar de casinha aqui! — Oh, então é isso. Todo o sacrifício, a perda da liberdade, da escolha, do amor, da vida... vale a pena para Lilly ser rainha? Tem certeza, princesa, de que não é sua ambição que governa o futuro de sua filha? Tem certeza de que não é você que quer ser rainha? — Ser da realeza é a última coisa que eu desejaria para uma criança, mas
Lilly é o que é, assim como eu sou o que sou. E você sabe o quanto amo Lilly. Sabe que eu faria qualquer coisa pela felicidade dela. — Até abortar a criança dentro de você.
CAPÍTULO ONZE As palavras dele a trespassaram. Seus olhos se encheram de lágrimas. — Você me deixa enjoada — disse ela. Literalmente, pensou. Correu para o banheiro e vomitou repetidas vezes. Ele não sabia. Ela estivera no inferno. Apanhara. Fora surrada. Resistira às piores humilhações para manter a filha segura. Protegida. — Desculpe. Fui muito grosseiro. — Eu morreria se a perdesse. — Havia tanta tristeza, tanta dor enterrada em seu coração. Perder os pais, amadurecer rapidamente e transformar-se na irmã mais velha de que Nic e Joelle precisavam, lutar para preservar o nome e os interesses da família. — Ela é tudo que tenho. É minha razão de viver. — Mas você tem uma vida nova em que pensar. E essa vida também precisa de você. — Oh, Deus. — O que foi feito está feito. A única coisa agora é seguir em frente. — Não posso. Não posso perdê-la. Ela é minha vida. Ele não disse nada por um longo instante, e depois ela o ouviu dar um suspiro pesado, que parecia vir de dentro da alma. — Já conversei com advogados. O contrato é categórico — disse Chantal. — Você tem uma cópia? — No castelo. Nas minhas coisas. — Vou pedir uma cópia. Não faria mal se eu desse uma olhada nele. — Não vai adiantar nada. O contrato é muito específico. — E a proíbe expressamente de levar Lilly de La Croix? — O contrato impede que eu me mude, case ou tenha outro filho. — Não os deixarei tirarem-na de você. Encontraremos uma maneira.
— Como? — Ainda não sei, mas sei que há apenas duas certezas: a vida e a morte. Todo o resto é negociável. Os Thibaudet não iam perder Lilly. Não tinham ninguém para substituí-la. — Eles não podem ser comprados. — Talvez não com dinheiro. — De que outra forma é possível comprar as pessoas? — Há várias maneiras. — Como sabe disso tudo? — Pode agradecer à minha família. Devido à influência deles, sei o que os motiva. Ás pessoas não são tão complicadas assim, pedhaki mou. — Está me dizendo que poderia encontrar uma maneira de pressionar os Thibaudet a me devolverem Lilly? — Pressionar, manipular, qual é a diferença? Não me preocupo com os métodos. — Você faz parecer como se talvez... não estivesse... do lado da lei. — Exatamente. — Como Malik Nuri o encontrou? — Nos conhecemos há muito tempo e, quando Nuri me explicou sua situação, eu lhe disse que você precisava de alguém resistente e impiedoso. Precisava ser protegida a qualquer preço. E Nuri disse que seria eu. — Você não é impiedoso. — Você não me conhece. Estavam juntos há quase duas semanas, e ele provara que era forte e sério. Que não a abandonaria — nem no avião, nem agora. — Você não me conhece — repetiu ele. — Talvez não. Mas confio em você. — Então você confia muito fácil. — Por que não deveria confiar em você? — Porque sou homem. — E? — Sou territorial. Implacável. E protejo o que é meu.
— Não sabia que eu tinha virado sua. — Você está aqui. — Você me trouxe para cá. — Exatamente. E há o bebê, que é meu. É meu dever proteger os dois. — Não. É seu dever me levar para casa. De volta para Lilly. Esse era o acordo. Foi a promessa que você me fez. — Antes de saber sobre meu filho. — Não há nenhum bebê ainda. Estou só uma semana atrasada. Minha menstruação ainda pode chegar. — Não chegará. — Não passei os últimos nove anos negando tudo de que precisava para cometer um erro estúpido agora. E você não pode fingir que não sabe que sacrifiquei tudo para que Lilly pudesse ser feliz. — Pare de se esconder atrás de sua filha. — Não estou me escondendo. Estou protegendo-a. E se você não pode ver a diferença, então não sei o que vi em você! — Eu vejo a diferença. E você sabe muito bem o que viu em mim. Mas não é hora de falar sobre isso. Temos muito a resolver agora. — Estava se acalmando. — Não há razão para o pânico. A gravidez não aparecerá por meses. Isso nos dará tempo. E se for necessário, você pode se vestir de modo a esconder a gravidez. Tudo parece opressor hoje, mas é devido ao choque e aos hormônios. Confie em mim. Nós podemos ter este bebê. Depois que ele saiu, Chantal refletia enquanto vestia o maio. O que ele queria dizer? Quando disse "nós", o que estava sugerindo? O que pretendia? Foi para a piscina e tentou ler, mas não conseguiu. Fechando os olhos, podia imaginar o bebê dentro dela, podia sentir o bebê nos braços. Não pôde curtir a gravidez de Lilly. Desde o início, Armand ficou irritado. Não gostava de Chantal esbelta nem grávida. Nada que ela fazia estava certo. Depois que deu à luz, a aversão de Armand pareceu não ter limites. Ele a odiava. E ela não sabia o que fizera para provocar tal desprezo. O primeiro ano de Lilly tinha sido um borrão de lágrimas e dor. Lembrava-se das batidas, dos socos, dos golpes só porque tentava segurar as lágrimas, abafar os gritos, porque não queria que Lilly ouvisse. Chantal fechou os olhos com força. Nunca tinha sido justo, mas o que podia fazer? Com o nascimento de Lilly, abrira mão de sua liberdade, seu nome,
seu país. Se quisesse ir embora, poderia, mas sem Lilly. E não a deixaria. Não naquela época. Não agora. Nunca. Sentiu uma lágrima escorrer pelo rosto. — Você não pode chorar. Chorar não é a solução. — Desculpe. Não consigo parar. — São os hormônios. — Não fiquei tão chorosa com Lilly. — Não se lembrava de nada da gravidez de Lilly, exceto de um medo penetrante. — Não vou mais agüentar isso. Chorar só vai fazer mal a você. É hora do jantar. Vá tomar um banho e me encontre em meia hora, certo? Não quero que se atrase, e não quero mais ver você triste hoje à noite. Entendeu? Era fácil proteger Chantal aqui, na Rocha. A casa possuía segurança de alta tecnologia. Ele saberia se alguém entrasse, saísse ou telefonasse para a casa. Era seu porto seguro. Melhor que nada acontecesse à princesa ou ao bebê. Não confiava em si mesmo se alguém a ameaçasse agora. Ele, que pensou ter perdido tudo, tinha a possibilidade ser pai outra vez, de segurar o filho nos braços, de amar uma criança. Falhara com Katina, mas não falharia com Chantal. Ela podia não querê-lo, não amá-lo, mas não a abandonaria. Tinha um trabalho a fazer. E o faria. Ao descer as escadas, Demetrius avistou Chantal na varanda. Ela nunca tivera uma vida normal. Do nascimento ao casamento e à morte de seu marido, fora doutrinada, disciplinada, mandada. Pertencia a todos menos a si própria. E agora ele queria fazer o que todos tinham feito: controlar sua vida. Ele não era diferente dos outros, era? — Há quanto tempo está aí? — perguntou ela. — Não muito. Sua primeira reação quando o avistou foi prazer. Imediatamente depois, veio a segunda — raiva. Como ousava tentar lhe dar ordens? Como ousava tentar usar a gravidez para controlá-la? Uma empregada apareceu e murmurou algo para Demetrius. Chantal o
observou sair da varanda, retornando à casa. Quando voltou, cinco minutos depois, trazia uma folha de papel. Sem uma palavra, Demetrius entregou-lhe o papel. Era uma carta impressa no papel timbrado do palácio de Melio. Fora escrita pela secretária do palácio. Princesa Chantal, lamentamos informar... Suas mãos tremiam. Não podia ser. Deve ter lido errado.
Lamentamos informá-la da morte de Sua Alteza Real... — Demetrius — sussurrou —, ela morreu. — O que disse? — Vovó morreu. — Quando é o funeral? — Logo. Não consigo acreditar... Sabia que podia acontecer, mas... nunca pensei que... — Vou organizar tudo para partirmos amanhã bem cedo. Chantal chegou cedo no andar de baixo, a mala feita por uma das empregadas. Usava um terninho azul-escuro. O penteado era o tradicional para aparições públicas. Não podia acreditar que estava assim para o funeral da avó. A quantos funerais tinha comparecido até agora? O dos pais. O do marido. Agora o da avó. Chegaram ao aeroporto privativo de Melio, reservado para a família real e chefes de Estado em visita. Assim que pousaram, souberam que os Thibaudet haviam acabado de chegar de La Croix. Era terrível voltar nessas circunstâncias, mas ao menos veria Lilly. Mas, ao chegar ao palácio e ser levada à suíte dos Thibaudet, descobriu que não haviam trazido Lilly. Ficou atordoada. Esperara tanto tempo para ver a filha. Contava com a companhia de Lilly. Demetrius permaneceu no fundo, à sombra de Chantal. Ela estava ciente de sua presença, mas não podia olhá-lo, por medo de perder o controle. Sentia tanta falta de Lilly. Três semanas e meia sem a filha. Era uma vida. Fizera tudo que sempre lhe pediram. Como os Thibaudet podiam manter Lilly longe dela agora? À porta de seu quarto, Chantal viu Demetrius. Sabia que ele ficaria do lado de fora, sempre vigilante. Mas não o queria fora do quarto. Queria que ele entrasse. Não pelo sexo, mas pelo calor e pela força.
— Preciso de você — sussurrou ela. — Estarei aqui fora... — Você sabe que não foi isso o que quis dizer. — Não posso fazer meu trabalho aqui, e o que quer que eu faça lá dentro. — Foi uma tarefa dormir comigo? — Não. Você tem um corpo maravilhoso. Um corpo muito doce e sensual, e muitos homens ficariam felizes em lhe dar o que você quer. Mas se eu tiver de escolher entre satisfazer seu desejo, princesa, e proteger sua vida, ficarei fora do quarto.
CAPITULO DOZE Chantal murmurou um boa noite sufocado e fechou a porta. No quarto, arrastou-se para a cama ainda vestida. Não tinha Lilly. Não tinha Demetrius. E ele estava enganado. Não era sexo que ela queria. Era ele. Queria seus braços, seu peito e seu coração. Chantal enjoou antes do café. Em seguida, veio o silencioso desfile de carros rumo à catedral. Ela sabia que suas irmãs a observavam, mas não conseguia dizer nada. Sentia-se péssima. Dor no estômago e no coração. Durante o funeral, Chantal teve de correr duas vezes para vomitar no banheiro. Debruçada sobre o vaso sanitário, ouviu passos entrarem no banheiro, o ruído da porta se fechando. Era uma mulher. Chantal viu saltos altos. — Princesa Chantal? — perguntou a voz feminina, preocupada. — Está tudo bem. Ouviu o ranger da porta se abrindo e se fechando. A mulher se fora. Instantes depois, a porta se abriu novamente. — Chantal? — Era Demetrius, desta vez. — Quem era? — Não sei. — Estou aqui fora — avisou. — Eu sei. O resto do funeral passou como em uma névoa.
A cerimônia acabou, a última música foi cantada, o caixão removido e, mais tarde, assim que a catedral estava vazia, as últimas condolências foram recebidas, o último aperto de mãos. O sepultamento foi privado. Ficou ao lado do avô e das irmãs naquele belo cemitério familiar, tentando ignorar os túmulos dos pais logo atrás. Este não era um momento para lembranças. Era um momento para pensar somente no avô, que parecia ter perdido a energia. Contendo as lágrimas, ela se aproximou do avô e procurou suas mãos. A mão dele estremeceu. Como envelhecera desde que a avó adoecera. As últimas 24 horas foram longas, pensou Demetrius, sem desviar a atenção do ambiente. Mal podia esperar o fim da cerimônia para levar Chantal de volta ao palácio, a salvo. Estava tão exposta ali, e ele sentia sua vulnerabilidade. Era impossível aproximar-se dela hoje sem que a família percebesse, mas também não conseguia afastar a sensação de que estavam sendo observados. Ela estava sendo observada. Demetrius não conseguia explicar por que sentia que algo não ia bem, que havia perigo no ar. Mesmo com mais detetives em ação, ninguém havia encontrado a ameaça ainda. Naquele momento, qualquer pessoa de La Croix era suspeita. Mantiveram silêncio ao subirem a escadaria circular do palácio. Um jantar íntimo de família havia sido planejado para aquela noite e Demetrius ficaria à porta do quarto de Chantal esperando que se aprontasse. Mas logo depois de entrar no quarto, ela reapareceu, pálida. — Demetrius — chamou ela, a voz embargada. Havia uma dúzia de rosas sobre seu travesseiro, amarradas com um laço negro e um tecido dourado. As rosas estavam murchas. — Você tocou nelas? — Não, mas há um cartão. — Queria ler, mas preciso das impressões digitais primeiro. — Este não é um admirador secreto muito simpático. — Não. E me preocupa saber que ele tem acesso a seu quarto, dentro da casa da sua família. Tudo o que queria era voltar para casa para ver Lilly. — A mim também. Queria estar em La Croix. Não podemos ir hoje à noite?
— Está tarde demais para pegarmos um vôo ainda hoje. Preciso organizar a segurança e um plano de vôo, mas prometo que partiremos no primeiro vôo de amanhã. — E onde vou dormir? — Comigo na suíte do hotel. O luxuoso quarto de hotel em que Demetrius estava hospedado ficava na cobertura. Havia seguranças por toda parte. Ao abrir a porta do quarto, Demetrius fez uma rápida busca, checando armários, banheiro e embaixo da cama. — Não quero correr riscos. — Você nunca deixa isso acontecer. — Não com você. — Respondeu, tirando o casaco. — Está com fome? Ele estava armado. Não deveria estar surpresa, é claro que estaria armado para defendê-la de um louco, mas ao ver a arma sobre o balcão de mármore, ela estremeceu. Tinha horror a armas. — Talvez alguma coisa leve — disse ela. — Vou pedir. Por que não relaxa na banheira? A banheira era enorme, e Chantal adicionou o gel de banho do hotel. Fechou os olhos e relaxou. Ouviu uma batida à porta e abriu os olhos. — O jantar já chegou? — Não, vai demorar uns cinco ou dez minutos. Os detetives acabaram de tirar as impressões digitais do palácio e pretendem fazer uma análise com uma base de dados local. Isso pode demorar. — Eles estão se esforçando, não? — Queria que estivéssemos na Rocha. Assim conseguiria dormir. — Você não vai dormir? — Fico preocupado com sua vulnerabilidade. Você está grávida e eu... — Demetrius, eu estou grávida, não doente. — É, mas se alguém conseguiu se aproximar de você... — Venha cá. Não fique tão longe de mim. Ele hesitou antes de se aproximar e se sentar a seu lado. — Não quero que fique preocupado. Está fazendo o possível para me proteger. Confio em você e em sua equipe de segurança.
— Erros acontecem. — Não podemos fazer nada nesse caso. — Mas temos de tentar. — Somos humanos. E se você realmente acredita que eu só queria sexo, você é mais tolo do que... Ele interrompeu as palavras com um beijo. — Não sou tolo, Chantal. Sei que isto aqui é muito mais que sexo. Ele a deixou terminar o banho, mas após o serviço de quarto entregar o jantar e Chantal já estar sentada de roupão de banho à mesa, ele voltou a falar sobre a investigação. O que os detetives haviam ou não descoberto ainda o preocupava. A última coisa que queria era aborrecer Chantal após um dia longo e exaustivo, mas precisava de sua ajuda. — Já examinaram o cartão das flores que estavam no seu quarto. — E? Ele não ia lhe contar os detalhes da mensagem; era tão assustadora que as palavras tinham lhe dado calafrios. O autor secreto avisou que estaria esperando por ela em La Croix, que sabia que ela iria para lá e que ele seria o primeiro a recebê-la. E "recebê-la" estava escrito com uma tinta vermelha tão suspeita quê provocou um arrepio em Demetrius. Era sangue seco. — A carta estava assinada com um "S" — disse calmamente, disfarçando a preocupação. — Conhece alguém cujo nome comece com "S"? Ou sobrenome? Alguém de La Croix lhe vem à cabeça? — Muitos nomes começam com "S". Sabina, Sabrina, Suzette, mas ninguém que eu conheça pessoalmente. — E homens? — Não me lembro de ninguém. — Simon? Silvio? — Desculpe, não me lembro. — Tudo bem. Os detetives ainda estão investigando, tentando combinar digitais. — Mas suspirou internamente. Estava cansado. E não podia dormir. — Vai precisar de energia. Sua filha ficará agitada ao vê-la. — Mal posso esperar. Faz uma eternidade que não a vejo. Você vai dormir comigo aqui? Eu gostaria muito. Pode ser nossa última... As coisas serão diferentes em La Croix. — Eu sei — disse, fitando-a longamente, sabendo que não tinha idéia de
como seria em La Croix, que não tinha o direito de pedir que sacrificasse a felicidade de Lilly pelo filho dele. Mas queria o bebê. Queria Chantal e o filho desesperadamente. — Volto daqui a pouco. Tenho uns telefonemas a dar. Ainda não terminei de organizar a segurança para amanhã. Durma um pouco. — Demetrius, se Lilly fosse sua filha, o que você faria? — Faria o que você está fazendo. Protegeria Lilly e o futuro dela com cada osso de meu corpo. No quarto, Chantal encolheu-se no seu lado da cama, olhando-o fixamente pela fresta aberta da porta. Estava tão intrigado. Angustiado pelo bebê. Ela não o culpava. Também estava atormentada. Se conseguisse dar um jeito de ter tudo — o bebê, Demetrius e Lilly —, ela agarraria a oportunidade, mas não vislumbrava como. Não via como escapar da repressão dos Thibaudet. Demetrius torceu para que Chantal tivesse finalmente adormecido. Ouvira-a revirar-se na cama, mas na última meia hora não ouvira mais nada. Estava exausto. Sentia um nó no estômago. Pela primeira vez em sua carreira, não tinha perspectivas. Não estava mais fazendo seu trabalho. Em vez de pensar na segurança da princesa, estava obcecado pelos próprios desejos. Não deveria importar se Chantal não queria o mesmo que ele. Não deveria mudar a maneira de proceder no trabalho, sabia que se desconcentrara, se distraíra com pensamentos sobre o bebê, sobre o futuro. Um bom guardacostas devia ter a mente tranqüila. Demetrius não tinha. Um pouco antes, havia ligado para o escritório e solicitado o serviço de dois de seus melhores homens. Eram excelentes guarda-costas. Estava na hora de fazerem o trabalho que ele não podia mais realizar. Havia descoberto coisas que poderiam libertar Chantal, mas custaria um preço tão alto para Lilly que preferiu não falar nada. O príncipe Armand Thibaudet tivera uma vida secreta. Não havia sido o filho obediente que a família fazia acreditar. Os Thibaudet obrigaram o filho a se casar com Chantal para limpar sua imagem. Como primogênita das princesas Ducasse, era amada e respeitada. Embora fosse jovem na época em que o noivado foi anunciado, também era inteligente, elegante e culta. Chantal traria classe a um ordinário desclassificado, concluiu Demetrius, amargo.
Ela fora usada e enganada. Mas como ela mesma havia dito, a questão não era mais ela em si, era Lilly, e se Demetrius revelasse o que sabia, conseguiria o que desejava — Chantal e o bebê —, mas destruiria o que ela queria para a filha. Destruiria a felicidade de Lilly, sua segurança e seu futuro. A garotinha já havia perdido o pai. Demetrius não tinha o direito de tirar dela o trono, a casa. Ele amava Chantal a tal ponto que amava o que ela amava, e Chantal amava Lilly. Profundamente. Era uma das coisas que Demetrius mais amava nela — o fato de ser uma mãe tão dedicada. Exausto, Demetrius desistiu de tudo. Havia aberto o negócio para proteger as pessoas do sofrimento. Usara a própria dor para garantir que outros não sofressem como ele sofreu, e era isso que faria agora. Protegeria Chantal e Lilly. A qualquer custo.
CAPÍTULO TREZE A manhã chegou e Demetrius acordou Chantal com chá e torradas. — Sairemos assim que você acabar de comer. Ela se esforçou para sentar, confusa. Logo estariam a caminho de La Croix. Estaria com Lilly antes do meio-dia. — Contratei dois guarda-costas novos. São homens que conheço há anos. Alexi virá conosco no vôo. Louis nos encontrará no castelo. Já estão informados. Sabem tudo o que eu sei. — Aonde você vai? — Estarei por perto. Ele a estava deixando ir, pensou ela, lutando contra o pânico, já estava se afastando. — Não quero mais ninguém. — Vou viajar com você. Não a deixaria sozinha agora. Não tenho a intenção de deixar você até que esteja a salvo. — E quando estarei a salvo? — Isso é com você.
— Não quero me despedir. — Quando tudo acabar, você saberá como me encontrar. Vou lhe dar meu número... — Ótimo. — Não conseguiria ter essa conversa agora. Não podia começar o dia assim. — Vou me vestir logo. O vôo foi curto. Da decolagem até o pouso foram apenas 45 minutos. Na descida, houve um pouco de turbulência e os dois se lembraram do dia em que se conheceram. Olhou para ela e sorriu, o primeiro sorriso verdadeiro que ela vira nos últimos dias. — Está com medo? Só de ficar sem ele, pensou Chantal. — Não. O pouso foi suave. O avião parou em frente ao terminal e Demetrius deixou o novo segurança, Alexi, desembarcar na frente, seguido por ele e por Chantal. Alexi se dirigiu à saída. O piloto prometera carregar a bagagem até o carro. Tudo está correndo bem demais, pensou Demetrius. Por instinto, diminuiu o passo, dando-se conta de que Chantal parará de andar. Quando olhou para ela, percebeu uma ruga de preocupação em sua fronte. Parecia intrigada. Demetrius tentou descobrir o que lhe tinha chamado a atenção. A limusine. O motorista. Alexi à porta do terminal. Havia algo de errado. Mas o quê? Sentiu um leve arrepio enquanto rumavam à porta. Cada célula de seu corpo estava alerta e seu sexto sentido lhe advertia para ter cuidado. Mas cuidado com o quê? E onde? Aproximou-se de Chantal, dizendo a si mesmo que nada aconteceria, que ele e Alexi estavam ali e que estavam quase no carro. As portas automáticas se abriram. Demetrius sentiu um arrepio. O motorista da limusine saíra do carro e entrara no edifício. Errado. Um motorista nunca se afasta do carro. E agora vinha ao encontro dos dois. Demetrius gelou. O motorista era do tipo comum, meia-idade, cabelos ralos, mas não foi a aparência física que intrigou Demetrius. Foi a forma como encarava Chantal. Os olhos pareciam
ocos, vagos... e estavam fixos na princesa. O motorista era o perigo. — Você o conhece? — perguntou Demetrius a Chantal, aproximando-se e desejando que Alexi estivesse mais perto. — Conheço — respondeu, a voz apavorada. Seu medo reforçou a preocupação de Demetrius. — De onde? — Stefano trabalhava para Armand. Foi motorista dele e agora trabalha para Phillipe e Catherine. — É esse o nome dele? — perguntou calmamente. Stefano. S. Sem tirar os olhos do homem, Demetrius a pegou pela cintura. — Ele não é o motorista que pedi. — Eu devia ter desconfiado dele antes. Sempre me pareceu estranho. Ele não dirige mais para mim. Tivemos um problema há algum tempo... — Precisamos imediatamente.
tirar
você
daqui.
Precisava
do
reforço
de
Alexi
Demetrius gritou para Alexi em grego, alertando-o do perigo e, antes que Alexi pudesse se mover, Demetrius viu Stefano com a mão dentro do casaco. Stefano foi rápido. Em um piscar de olhos, Demetrius avistou um brilho prateado. Uma arma. Stefano havia sacado a arma. A adrenalina inundou seu corpo e tudo pareceu acontecer de uma só vez. Dando um passo à frente de Chantal, ordenou que ela se abaixasse, ao mesmo tempo em que sacou a própria arma. — Abaixe-se! Demetrius empunhava a própria arma. Ela se jogou ao chão enquanto um forte estouro reverberou pelo terminal. Em seguida, outro estouro e ela viu Stefano cambalear e cair. Demetrius atirara nele. Ela se pôs de pé antes de Demetrius correr na direção de Stefano para desarmá-lo. Stefano estava no chão, mas praguejava, gritava blasfêmias a Chantal, e lá estava Alexi, metendo-se entre ela e os outros. — A senhora precisa entrar no carro.
— Não, tenho de ficar com Demetrius. — Ele quer que a senhora vá. — Não. — Empurrou Alexi, mas estava fraca demais. Ouviu as sirenes e viu a polícia invadir o terminal. Colocaram Demetrius de pé enquanto Stefano ainda estava no chão. Chantal debatia-se contra Alexi enquanto Demetrius era algemado. Por que o estavam algemando? — Me solte! — implorou. Conseguiu ver Demetrius entrar no carro. Seu olhar estava tranqüilo. — É o fim da história — disse Alexi. — Levaremos a senhora até o castelo. — Prefiro ir à delegacia. — Não há nada a fazer agora. — Terei de ir de qualquer jeito. — Então vamos. A viagem até a delegacia foi longa, e Chantal manteve os olhos fixos e distantes para o lado de fora da janela, sem ver nada, o cérebro mal funcionando. Demetrius pode estar encrencado, pensou. La Croix era rigorosa em leis de armas de fogo. E Demetrius não só portava uma arma, mas a usara. Chegando à delegacia, percebeu que a polícia não seria tolerante. Trataramna com hostilidade e não a deixaram ver Demetrius. — O sr. Mantheakis será interrogado primeiro — avisou o sargento. — O advogado dele está a caminho. O senhor não pode interrogá-lo sem a presença de um advogado. — Princesa Thibaudet, nós não nos metemos na administração de seu castelo. Por favor, não nos ensine a administrar o nosso. — Demetrius Mantheakis trabalha para mim. É meu guarda-costas... — Não é apenas seu guarda-costas. — Empurrou um jornal na direção dela. Ela baixou os olhos para ler. "Escandaloso affair". Gritava a manchete da primeira página. "Princesa Chantal grávida de guarda-costas." Foi arrebatada de ódio e vergonha de que sua vida particular fosse tão importante para os tablóides. — Era o funeral de minha avó. A morte de um ente querido é uma coisa difícil, não é? Gostaria de falar com meu guarda-costas agora. Por favor.
— Vossa Alteza não pode. Seu guarda-costas resistiu à prisão. Ele está sendo interrogado. — Ele não resistiu. Eu estava presente. O sr. Mantheakis fez tudo o que o policial mandou. Cooperou o tempo todo. — Sinto muito. A senhora terá de aguardar. Sentou-se em uma cadeira, ignorando os olhares em sua direção, ignorando a presença de Alexi ao lado dela, ignorando tudo ao seu redor, menos o peso no coração. Esperou uma, duas horas. Começou a sentir o estômago revirar, mas não deixaria a delegacia sem falar com Demetrius. — A senhora precisa comer — disse Alexi. — Só depois de vê-lo. — Mas depois de esperar quatro horas, percebeu que teria de tomar uma atitude. Não queria envolver a família naquilo. Não queria que o avô ou as irmãs se despencassem até a delegacia por ela, sobretudo um dia após o funeral de vovó, mas acabou usando o celular de Alexi para ligar para Niccolette, sabendo que a irmã ainda estaria no palácio, em Melio. — Estou na polícia — avisou a Nic. — Demetrius... — Já soubemos. Está em todos os noticiários. Tudo está nos noticiários. — Ele não fez nada errado, Nic. Só tentou me proteger. Foi autodefesa, mas estou preocupada. Tem alguma coisa errada. Posso sentir. — Vou chamar Malik. Ele está bem aqui. E quer falar com você. — Chantal? Como estão as coisas por aí? — perguntou calmamente. — Demetrius está em apuros. — É o que parece. Conte-me o que aconteceu. — Eles alegam que o problema foi a arma de fogo e a resistência à prisão, mas não é só isso, Malik. Estão punindo Demetrius por se relacionar com um membro da família real. — Acho que você tem razão. — Ele precisa de um bom advogado. — Já enviei um. Em breve estará aí. — Muito obrigada, Malik. — De nada, Chantal. Cuide-se e ligue assim que tiver mais notícias. — Vossa Alteza tem quinze minutos. Siga-me.
Alexi quis acompanhá-la, mas foi impedido pelos policiais. — Ficarei bem — garantiu a ele. O detetive levou-a até uma sala e fez sinal para que se sentasse. — O senhor vai me interrogar? — Não. Não há necessidade. Já temos todas as informações de que precisamos. A porta se abriu novamente cinco minutos depois e Chantal congelou ao ver Demetrius sendo escoltado sala adentro, as mãos algemadas para trás. O que fizeram a ele? Seu rosto estava tão inchado que mal se distinguiam seus traços, o olho direito quase fechado, tamanho o inchaço. Um filete de sangue escorria de um corte na bochecha. — Demetrius — sussurrou. Ele olhou para ela como se fosse uma estranha, sem emoção no rosto. O policial que o escoltou até a sala lhe deu um ligeiro empurrão por trás. Era Demetrius mesmo. Foi ela que fizera aquilo com ele? Demetrius só tentou protegê-la. Metera-se entre ela e Stefano, sacara a arma somente após Stefano haver sacado a dele, mas ela não conseguia afastar o sentimento de culpa. Se não tivesse tentado salvá-la... Sabia que estava sendo ilógica, mas também sabia que a polícia jamais trataria alguém da família real daquela forma. Nunca fariam isso com seu pai. Seu primo. Seu falecido marido. Não poderiam tratar alguém da família real daquele jeito e sair impunes. — Sente-se — disse o oficial. — Vossa Alteza está proibida de tocá-lo. Não pode haver qualquer tipo de contato entre os dois. — O que fizeram com você? Ele não conseguia responder. Estava muito machucado, mas não era a dor física que o calava. Já havia sido mais gravemente espancado antes, mas o que sentia agora era diferente. A dor estava na mente... no coração. Tinha conseguido proteger a princesa, mas a que custo? — O que fizeram com você? — repetiu ela. Ele ouviu sua voz trêmula e percebeu que ela estava com medo. Por ele, pelos dois, e quis sorrir para mostrar que estava acima daquilo tudo, mas não conseguia mover os lábios de dor. — Não podem fazer isso com você — sussurrou ela.
— Já fizeram. — Vamos tirar você daqui. Eles vão pagar caro... — Chantal, La Croix tem leis rigorosas contra armas. Eu não vou conseguir sair daqui tão cedo. — Vou ajudar você. — Como? Esqueça de mim, princesa. O que tem a fazer agora é viver sua vida. Curtir sua filha. Aproveitar seu tempo com ela. Você só terá uma chance, pedhaki mou. Aproveite. Ele estava falando sério? Esquecê-lo? Estava grávida dele. Ela o amava. Nunca o esqueceria, mas o tempo tinha se esgotado, nada mais podia ser dito. O detetive a levou até o saguão, onde Alexi a esperava. Instantes depois, já estavam a caminho do castelo Thibaudet. Só tinha estado fora por um mês, pensou Chantal ao entrar no castelo, mas parecia muito mais tempo. Não se sentia mais em casa, mas uma estranha quando subiu as escadas até o quarto da filha. Ao adentrar o quarto, Lilly lançou-se nos braços da mãe e Chantal abraçou-a com força. Algumas de suas emoções escondidas escaparam em lágrimas. — Mamãe. Foi um dia horrível. Uma péssima semana. Mas Lilly estava em seus braços, e isso era tudo o que importava. — Oi, minha querida. Ainda estava sentada com Lilly no colo em seu quarto, desço brindo tudo o que ocorrera, quando a rainha Catherine Thibaude surgiu à porta do quarto em seu casaco de viagem. — Gostaríamos de ter uma palavrinha com você, Chantal, Phillipe já está aguardando no escritório. Chantal tremeu e Lilly percebeu o medo da mãe. — Não tenha medo, mamãe — disse, pendurando-se no pescoço da mãe. — Não estou com medo. —Deu um beijo na testa da filha. — Já volto. Phillipe e Catherine aguardavam-na no escritório. Estavam sentados, tomando o chá da tarde. — O funeral de sua avó foi adorável — disse Catherine. — Fiquei contente em poder ir. Conheci sua avó quando ainda era uma menininha. E já estava prometida a seu avô. Eu a admirava muito. — Obrigada. — Chantal já ouvira aquilo centenas de vezes. Era sempre assim
que os pais de Armand davam início ao discurso. Em virtude dos laços da família, com devido respeito à família, em razão da lealdade à família... e, é claro, o que se seguia era sempre amargo e doloroso. — Os últimos dias têm sido bastante difíceis. Phillipe emitiu um som rouco ao limpar a garganta. — Você pode imaginar nossa angústia ao abrir os jornais de manhã. Lá estávamos nós em Melio, lendo uma história chocante sobre... seu guardacostas. Aliás, não entendemos a necessidade de você ter um. — Estou certa de que os detetives do palácio Melio lhe informaram sobre a investigação. — Ela sabia como Phillipe agia. Tentaria encurralá-la, intimidála, frustrá-la. Mas hoje isso não funcionaria. — Da mesma forma que tenho certeza de que vocês souberam da morte de Tanguy no início do mês... — Uma tragédia. Mas esse tipo de acidente de carro acontece. Como ele podia dizer aquilo? Isso não acontecia. Fora tudo tramado, e o fato de Phillipe querer fingir que a morte de Tanguy era apenas um acontecimento casual enojava Chantal. Mas não deixou transparecer sua raiva, nem nenhuma outra emoção. Sabia muito bem como Phillipe se aproveitava das fraquezas das pessoas. Desta vez, jurou ela, não se exporia. — Como você já deve estar sabendo, meu guarda-costas, Demetrius Mantheakis, salvou minha vida hoje — falou calmamente, a voz firme e controlada. — E mesmo assim está na cadeia sendo acusado de coisas absurdas. Quero que ele seja solto imediatamente. — Isso é impossível. Ele cometeu um crime... — Para me proteger. — Sinto muito, querida. Este deve ser um momento penoso para você — disse Catherine. — Mas agora conte-nos... Você não está grávida, está? Chantal sentiu-se gelada por dentro. Não sabia se ria ou chorava. — Porque você sabe, meu bem, que isso não é permitido, de jeito nenhum. Você não pode achar que vai ter esse filho, Chantal querida. Não será possível. Ele é um plebeu... — E um criminoso — interrompeu Phillipe. — Integrante da máfia grega... — Não. — Filho do próprio chefe da máfia. Especula-se que tenha participado de vários crimes não resolvidos. — Não acredito.
— Então dê uma olhada aqui. Chantal agarrou o jornal. Não precisava ler as páginas centrais. A informação que Phillipe queria que ela visse estava na cara dela, na primeira página: "Integrante da máfia grega seduz princesa" era o título, e logo abaixo estava estampada uma foto em preto-e-branco de Demetrius tirada alguns anos antes. Vestia um terno escuro e participava de um funeral. — Este é seu guarda-costas. E aquela era sua esposa. Foi assassinada por uma facção da máfia. Leia a notícia e depois me convença de que estou errado.
CAPÍTULO QUATORZE — Não preciso ler nada. Conheço os fatos. — É mesmo? — É. Talvez seja você que esteja mal informado. Chantal levantou-se, mas levou o jornal consigo para o quarto. Acreditava em Demetrius, mas isso não a impedia de querer saber mais. De saber tudo. Espalhou o jornal pela cama e forçou-se a ler cada angustiante palavra. Havia sido casado e sua esposa estava grávida. Uma quadrilha rival seqüestrou a mulher de Demetrius... Chantal interrompeu a leitura. O coração disparou e ela sentiu mal-estar e medo, embora tudo aquilo tivesse acontecido anos antes. Afinal não era qualquer pessoa. Era Demetrius. Seu mundo, sua esposa. Katina Mantheakis, 23 anos, foi seqüestrada e, embora Demetrius tenha pago o resgate, acabaram matando-a. Mesmo prestes a dar à luz sua filhinha. A história era muito violenta. E era por isso que ele não falava sobre o passado. Ela não o condenava. Não mesmo. De repente, tantas coisas fizeram sentido, tudo ficou claro. O santuário na ilha. As devotas famílias que lá viviam. A insistência de Demetrius em protegê-la a qualquer custo.
Era natural que n達o confiasse mais em si mesmo, que preferisse outros trabalhando em seu lugar. Ela n達o era apenas a princesa, mas a m達e de seu filho. Precisava daquele filho. Desejava ter a chance de voltar a viver. E ela queria que ele tivesse a vida e a fam鱈lia que lhe foram arrancadas. Mas para lhe dar o que desejava... o que merecia... precisava desistir de Lilly.
Seria capaz de fazer aquilo? Teria forças de largar um filho para manter o outro? Chantal não conseguiu dormir. Deixou o quarto no meio da noite, dirigiu-se ao de Lilly, no terceiro andar, e abriu a porta. Um abajur fraco iluminava a pequena cômoda e o pequenino rosto de Lilly. Parecia calma. Em paz. O peito de Chantal apertou-se. Como vou deixar você?, pensou em silêncio, os olhos ardendo, mas secos demais para produzir uma lágrima. Pôs a mão na barriga. Como vou lhe negar o direito à vida? Tinha de fazer uma escolha. A escolha certa. Deus me ajude a tomar a decisão certa. A longa noite finalmente chegou ao fim e Chantal estava se vestindo quando foi avisada de que os Thibaudet queriam vê-la de novo. Solicitavam sua companhia à mesa do café. Lilly não está aqui, percebeu Chantal. — Bom dia, Chantal — disse Catherine, iniciando a conversa, como sempre. — Esperamos que tenha dormido melhor que nós. Como pode imaginar, tínhamos muito a discutir. Isso não precisa virar um drama. Você pode deixar essa relação sórdida para trás imediatamente. — É isso mesmo. Tome uma atitude agora e... — o rei trocou olhares com a rainha — ...tudo será resolvido. Depressa e sem escândalos. Chantal esforçou-se para não demonstrar nenhuma reação. Queriam que ela se livrasse do bebê. Que voltasse a ser a dedicada viúva de Armand. Que fingisse que nada havia acontecido, que nada mudaria. — Todo mundo comete erros. Queremos ajudar você, Chantal. Querida. Queremos, acima de tudo, fazer o que é certo para você e Lilly. — E Demetrius. O que vai acontecer com ele? — Cumprirá a pena dele, é claro. — Ele era meu guarda-costas. Estava me protegendo. — Você conhece as leis. Se não possuir licença de porte de arma do governo, não pode ter uma. Mesmo que às escondidas. — Ele salvou a minha vida. — Querida, você realmente acredita nisso? Acredita que chegou a estar em perigo em algum momento? Ou pode ser, minha querida, que estivesse sensível demais, estressada com o que acontecia a seu redor?
— Se vocês me dão licença. Tenho coisas a fazer. Chantal encontrou-se com o advogado que Malik contratara no hotel em que estava hospedado. — Infelizmente não tenho boas notícias — disse o advogado. — As leis de La Croix são rigorosas e arcaicas. Não há meios legais para nos basearmos. — Se Demetrius fosse nobre, isso jamais teria acontecido. Eles nunca processariam um membro da família real dessa forma. — Mas ele não é nobre. Realmente existe preconceito. Mas esse preconceito se vira tanto contra você como contra o sr. Mantheakis. Como mãe da futura rainha de La Croix, você também deve dar exemplo. Tem de ser impecável. — E eu fui. Durante anos fiz tudo o que me mandaram e o que ganhei com isso? Mal vejo minha filha. Não posso decidir nada por ela. Praticamente não sou sua mãe. Mas as coisas mudaram. Eu mudei. Estou grávida. — Você não precisa ter esse bebê. Ninguém ficaria sabendo se interrompesse essa gravidez. Poderíamos chamar de aborto espontâneo... — Não. — Demetrius é a favor. — O quê? — Quer que faça o que for melhor para você. O melhor para Lilly. — Não estou acreditando. Ele quer este filho. Eu também. — É melhor pensar um pouco mais nisso. Dei uma olhada no contrato que assinou. Não há possibilidade de você ter esse filho e permanecer em La Croix. E se for embora, não poderá levar Lilly. — Talvez essa seja a melhor solução. Chega de viver assim! Eles teriam de me deixar vê-la de vez em quando. Em dias de festas, ocasiões especiais. — Não seria o mesmo que viverem sob o mesmo teto. — Não. — Olhou à volta, tentando imaginar o futuro sem Lilly. E de repente viu. Descobriu o que precisava fazer. Calma, Chantal, calma, concentração. — Tive uma idéia. Mas vou precisar de sua ajuda. E a do rei Nuri. O dia se passou, a noite caiu e, após mais uma noite de insônia, a manhã chegou. Ele já estava preso há três dias e duas noites. O dia anterior havia sido tranqüilo, nenhuma notícia lá de fora. Era um novo dia, mas nada parecia novo.
Sons de passos soaram no corredor e pararam diante da cela. Demetrius se endireitou sobre o catre assim que ouviu a porta se abrir. — O que houve? — perguntou ao oficial. — Você está sendo aguardado na sala de interrogatórios. — De novo? O oficial deu de ombros e algemou Demetrius. Levou-o até a sala de interrogatórios e jogou-o lá dentro. — Você tem dez minutos, Mantheakis. — Como está a cabeça? — perguntou uma voz suave. Demetrius virou-se e viu Chantal. Sentia sua falta, mas não a queria naquele lugar. Só dificultaria as coisas para ela. A imprensa publicaria mais perversidades. — Você não deveria ter vindo. — É mesmo? — Não há nada que possa fazer para me ajudar agora. — Não é como vejo as coisas — respondeu calmamente. — Acho que há muita coisa que eu posso fazer. — Apontou para o homem sentado à mesa. — Demetrius, este é o bispo Kazantzakis. Bispo Kazantzakis? O bispo da Igreja Ortodoxa Grega de Atenas? — O que está fazendo, Chantal? — Demetrius não queria que Chantal lutasse por ele, e sim por si mesma. — Fiz o que deveria ter feito antes. — Olhou para o relógio. — Não temos muito tempo. Vamos fazer isso logo. Bispo? — Chantal. — Você não é o único que sabe o que é certo e o que é errado. Eu sei o que é certo e o que é errado e sei que é impossível fazer o que os Thibaudet querem que eu faça. Sei que não posso perder este bebê e não sei viver sem você. — Eu conheço você. Não pode ficar sem Lilly. — Não vou ficar sem ela. Só não vou poder vê-la com tanta freqüência. Não estou morrendo, Demetrius. Só estou me divorciando dos Thibaudet. Não acreditava que Chantal estava fazendo isso por ele. — Isso vai lhe custar caro, pedhaki mou. — E quando não me custou? Nascer nobre me custou cada dia da minha vida.
— Eu é que deveria estar protegendo você. Eu teria feito qualquer coisa para protegê-la. — Você fez. Colocou sua vida na frente da minha. — Tentou sorrir, mas os lábios não funcionavam, pois as lágrimas estavam quase caindo. — Agora é minha vez de colocar você em primeiro lugar. É o que quero fazer. É o que tenho de fazer. — Mas Lilly... — É muito amada. Os avós sempre a amarão. Sempre estarão presentes. E eu também. Só não estarei lá todos os dias, nem todas as noites. — Chantal. — Por favor, é difícil, mas é o certo. Há um bebê dentro de mim que deseja nascer. Há um homem que amo e que merece ser pai... Por favor, não temos muito tempo. Demetrius sentia o corpo todo em chamas. — Eu te amo. — Eu sei. — Eu faria tudo por você — disse ele e, em seguida, beijou-a. — Não quero perder você — sussurrou ela. — Não sei viver sem você. Não vejo o futuro sem você. — Você é forte. Mais forte do que imagina. — Sou mais forte do que você imagina. Não vou deixá-lo. Posso superar qualquer coisa, desde que tenha você. — Os Thibaudet dificultarão tudo para você. — Talvez sim. Talvez não. E eu terei a imprensa a meu lado. Eles adoram uma boa história. Estamos criando uma. Não tenho mais medo de nada. Estou pronta para enfrentar o mundo, para enfrentar a verdade. A vida é para ser vivida. Eu quero viver. Com você. — Chantal — sussurrou ele. — Desde a morte de Katina, eu não desejo mais nada para mim. Ainda não quero mais nada além de sua felicidade... — Então faça de mim a sra. Mantheakis. Isso me fará feliz. Eu juro. O bispo Kazantzakis abriu o livro de orações e no pouco tempo que lhes restava, realizou a mais breve e simples cerimônia de casamento. Não houve tempo para nada além dos votos, a troca das alianças que Chantal havia trazido e a bênção final. Mas foi a mais bela cerimônia do mundo, pensou
Chantal quando o bispo pôs a mão sobre as dos dois. — Pelo poder a mim concedido pela Igreja Ortodoxa Grega, eu os declaro marido e mulher — concluiu o bispo. A porta se abriu. O detetive havia retornado. — O tempo acabou. Chantal ficou na ponta dos pés e beijou Demetrius mais uma vez. — Vejo você em breve. A mídia aguardava Chantal do lado de fora da cadeia de La Croix. Ela havia espalhado a notícia de que algo grande estava prestes a acontecer e, quando saiu de lá, aproveitou a oportunidade para anunciar que não era mais a princesa Chantal Thibaudet, mas a sra. Demetrius Mantheakis. — Assim que meu marido for solto, planejamos voltar para a Grécia. Havia desistido de ficar na defensiva. De agora em diante, ficaria na ofensiva. Estava tomando o controle das coisas. Mas uma coisa era anunciar o casamento a uma imprensa curiosa e faminta por fofocas; outra seria enfrentar os Thibaudet. O castelo estava em alvoroço quando Chantal chegou, e foi conduzida até os salões com pouca delicadeza. — Em nome de Deus, o que você fez? íamos ajudar você. íamos consertar isso tudo. — Eu não queria consertar nada. Queria fazer o que achava certo. E consegui. — O certo? — repetiu Phillipe. — Casar-se com um criminoso grego não é certo. E armar uma coletiva de imprensa do lado de fora da prisão foi inconseqüente e egoísta. Em algum momento pensou em Lilly? Pensou em nossos sentimentos? — Pensei. O sentimento de vocês parece ter sido a única preocupação da minha vida. E pensei muito bem nisso, sei que terá um impacto em Lilly, mas ela será capaz de superar. É inteligente e adorável e não vai me perder. — Está enganada. Ela acaba de perder você. Porque você vai embora. Vai sair daqui. Nunca vai voltar a vê-la. — Você não pode me impedir de vê-la. Sou a mãe e tenho meus direitos. Nenhum governo em lugar algum pode me negar isso. Talvez ela viva aqui, freqüente a escola daqui, mas terá os finais de semana e feriados comigo. As portas dos salões se abriram. Demetrius entrou, Havia tomado banho,
feito a barba e vestia um terno escuro. Estava acompanhado de Niccolette e do rei Nuri. Niccolette carregava Lilly, que parecia maravilhada por estar no colo da tia favorita. — O que é isso? O que estão fazendo aqui? — Estamos levando Chantal e Lilly para casa — respondeu Demetrius. Chantal teria sorrido se não estivesse tão atordoada. — O que está fazendo aqui? — Acho que pela primeira vez terá de agradecer à mídia. As queixas foram retiradas. O chefe de polícia me perdoou. — Mas isso não explica a razão de estarem aqui — disse Phillipe, agitado, o rosto vermelho. — E não muda o status de Lilly. Como herdeira... — Ela não é herdeira — interrompeu o rei Nuri. — Ela nem é sua neta legítima. Chantal não podia estar mais chocada. — O quê? Demetrius apontou para Phillipe. — Ele sabe. Seu casamento não era legalizado porque o primeiro casamento de Armand nunca havia sido anulado. Armand havia sido casado antes? Houve uma primeira mulher? — Armand também tem um filho do primeiro casamento. Um menino de quase nove anos. E será ele o herdeiro do trono de La Croix, não Lilly. — Demetrius olhou para Chantal, o rosto tenso. — Sinto muito, Chantal. — O primeiro casamento foi dissolvido. A anulação é apenas uma questão técnica — disse Phillipe. — O contrato pré-nupcial também é apenas uma questão técnica? — perguntou o rei Nuri. — Nós nem reconhecemos esse outro casamento. Nunca aceitamos aquela mulher, muito menos o filho... — Que pena. É um ótimo garoto. Uma criança inteligente e educada, que poderia ter tido adoráveis avós. — Eu tenho uma neta e herdeira. E ela está aqui conosco. — Amamos Lilly — disse Catherine. — Amamos nossa netinha. Chantal dirigiu-se a Niccolette e sussurrou algo no ouvido da irmã, pedindolhe para levar Lilly dali.
— Mas ela não é de vocês. Ela é minha filha. E vocês abusaram do poder para tirarem-na de mim. Catherine foi em direção a Chantal. — Mas precisamos dela... — Não. Vocês não precisam dela. Não do jeito que pensam. Ela é apenas uma menininha. Por que não pode ser apenas uma menininha? — Pare. Chega! — Phillipe limpou a garganta para tentar controlar as emoções. — Não podemos discutir isso de forma sensata? Vamos sentar como pessoas sensatas e falar sobre isso de modo apropriado. — Falar? — repetiu Chantal. — Você não acha que é tarde demais para parar? — Chantal! — interferiu Catherine. — Por favor, meu bem, por favor. — Não proibirei minha filha de vê-los. Vocês sempre serão seus avós, mas ela pertence a mim. Pertence ao nosso lar. Eles retornaram naquela mesma noite à ilha de Demetrius na Grécia. De volta ao casarão com uma vista de tirar o fôlego, Chantal sentiu a terrível tensão de seus ombros começar a se dissolver. Com Lilly já na cama, ela e Demetrius estavam frente a frente no terraço iluminado pela lua. — Tanta coisa aconteceu hoje — disse ela. — Nem acredito que estamos aqui. Que estamos juntos. — Não acredita que estejamos casados? — Acha que estou arrependida? — Talvez. Foi uma decisão um tanto precipitada. Chantal riu. Sentia-se muito leve, a respiração suave. — E se eu estivesse arrependida, você me deixaria ir embora? — Não. — Sr. Mantheakis, o senhor está de mau humor. — Se você não estivesse grávida... — Ia fazer o quê? — Eu puxaria você assim para mim. Faria amor com você até que não conseguisse pensar em nada além de mim. — E o que o impede de fazer isso? — Não estou no clima, pedhaki mou.
Ela mordeu de leve a ponta da orelha dele. — Ótimo. Nem eu. — Chantal. — Me tenha. Aqui. Agora. — Não quero machucá-la. — Machucar? Você nunca me machucaria. Jamais. Ponho minha vida em suas mãos. — Cuidado, pedhaki mou, senão vai ver um homem adulto chorar. Ela se apertou contra ele e o beijou com paixão, oferecendo-se toda, oferecendo todo o amor de seu coração. — Por que não? Algumas lágrimas não machucam ninguém. — Mas não é digno de um homem. — Aí está. Forte e homem como sempre. — E seus olhos se encheram de lágrimas. Sua vida mudara muito nos últimos dias. — Você me salvou. — Não. — Salvou sim, Demetrius. Você me libertou. Estou livre. — Eu não chamaria isso de livre. Você está casada comigo. — Então prove — desafiou-o com o olhar. — Agora. Rosnando e reclamando, tomou-a nos braços, carregou-a pela casa e subiu até um quarto onde ela nunca havia estado. Era no último andar, uma suíte imponente com janelas nas quatro paredes captando as paisagens possíveis da ilha. Terra, céu, montanha e mar. A luz da lua banhava a paisagem irregular, pintando o solo e o mar com tonalidades prateadas. — Você está em apuros agora — disse Demetrius. — Que ótimo. — Que ótimo? É melhor repensar a sua resposta. — Jamais. Ele se inclinou em sua direção, puxando a saia para cima até a calcinha ser revelada, e depois, lentamente, afastou seus joelhos. Ela enrubesceu, ficando quase febril. — Acho que você gosta de viver perigosamente — disse ele. — É claro. Tenho você para me proteger. — E quem, pedhaki mou, vai protegê-la contra mim?
Os olhos de Chantal estavam pesados. O corpo entorpecido. Seu sangue parecia doce e quente. Era amor. Era prazer. Era a própria vida. — Você vai só falar, Demetrius Mantheakis, ou vai fazer amor comigo? Ela o ajudou a se despir e, em seguida, ele pousou seu peso so bre ela. Até todo o tronco tocar o corpo de Chantal. Ela suspirou ao sentir seu corpo nu, a força de suas coxas salientes, a apaixonada força de sua ereção esfregando-se na parte interna de sua coxa. — Não sabia que você gostava tanto de sexo — zombou dela. Ela ofegava enquanto ele a beijava através da fina seda de sua blusa. A boca de Demetrius estava tão quente que queimava a de Chantal, fazendo a pele arder, o corpo derreter, sua essência umedecer. — Agora. Quero você agora! — Você acha que vou me apressar? Lamento, agape mou, não pretendo me apressar. Você é minha, lembra? E o que é meu eu protejo e trato com carinho. E aquilo, pensou ela, cada vez mais ofegante à medida que ele deslizava a mão por baixo de sua saia e da calcinha de renda, era tudo o que desejava. No momento em que a despiu de sua última peça de roupa, seu corpo quente e acalorado, ela estremeceu por inteiro, a respiração presa no peito, a imaginação nas alturas. Ele a penetrou tão vagarosamente que ela precisou ser beijada para não se esquecer de respirar. Ele fora um amante incrível já na primeira noite juntos, mas hoje, na primeira noite como marido e mulher, ele extrapolou os limites e estava sendo brilhante, magnífico. Seu amante. Seu coração. Seu futuro. — Obrigada — disse ela. — Obrigada do fundo do meu coração. — Não agradeça a mim. — Eu preciso. Estamos aqui por sua causa. Temos isto tudo porque você me tratou como uma pessoa de verdade... uma mulher comum. — Você nunca será uma mulher comum. — Mas, Demetrius, é isso que eu quero, é tudo o que sempre quis ser. Jamais imaginei ter isto aqui... Jamais pensei que me sentiria assim. Chantal sempre se impressionou com a forma como Demetrius fazia amor com ela. Às vezes era tão durão e impetuoso durante o dia, mas à noite era completamente seu. Com os braços ao seu redor, ela sentia que havia encontrado o que sempre desejara. Sempre amou ser mãe, mas nunca conhecera os prazeres de ser esposa... amante.
Mas ele não era bom só na cama, tinha um coração bom, e não lhe interessava o passado dele ou quem era sua família. Ela o conhecia, confiava nele, e ser amada e abraçada daquela maneira era tudo de que precisava. — Foi um golpe de sorte... — murmurou ela — ...descobrir sobre o primeiro casamento de Armand. Como Malik descobriu? Ele só ficou sabendo da verdade hoje? — Não foi Malik. Fui eu. — Quando? — No início da semana, antes de voltarmos para La Croix. — Por que não me contou? — Você já tinha coisas demais para pensar, muitas decisões para tomar sem que eu forçasse nada. — Você podia ter acabado na cadeia. Você podia ter acabado... Mas por quê? Não entendo. — É fácil. Eu queria o que você quisesse. — Como pôde se sacrificar daquela maneira? Você é tão importante, Demetrius! — Para você. — Sim. Para mim. Isso mesmo. Você é muito importante para mim. — Exato. E é por isso que estamos juntos agora... — Mas poderia ter tido um final diferente! — Não para nós. Não havia chances de não terminarmos juntos. — Como pode dizer isso? — Porque sou grego. E somos uma civilização antiga cheia de paciência e sabedoria. — Fale sério! — Está bem. Porque sou grego e amo você mais do que a própria vida. Que tal? Como ele podia virá-la do avesso daquela maneira? Um arrepio passou por sua pele. O coração bateu duas vezes mais forte. — Perfeito.
EPÍLOGO
Quatro meses depois... Estavam à beira da piscina curtindo o sol de final de verão quando ela sentiu uma estranha sensação. Chantal arrepiou-se. Permaneceu deitada, concentrada. Após uns instantes, a delicada ondulação retornou, um afago interno, e, abruptamente, Chantal se sentou na espreguiçadeira, as mãos protegendo a barriga. Ali. De novo. Outra onda... — Demetrius. Ele olhou preocupado da beirada da piscina, onde estava tentando ensinar Lilly a nadar. — O que houve? O bebê mexera. Ela sentira o bebê se mexer. Os olhos dela estavam cheios d'água. — Nada. Era real. O bebê era real. Sua família na Rocha era real. Demetrius colocou Lilly na borda da piscina e fitou Chantal. — O que está acontecendo? Ela achou que não conseguiria explicar. Tudo estava acontecendo. Tudo estava exatamente como sonhara. Um lar. Uma família. A felicidade. A casa branca com venezianas azuis. A roupa lavada pendurada no varal. O odor de manjericão e de alecrim no ar. Um marido que era mais que tudo para Chantal. Uma filha linda e saudável de cinco anos e um bebê a caminho. Como era possível? Como aquilo podia ser tão maravilhoso, tão incrível? Como podia finalmente sentir tanto carinho e amor? Como aquele sonho podia se realizar após tantas decepções e tanta dor? Como o mundo podia ser tão bom? Lilly era feliz ali e trouxera alegria para Demetrius, para a ilha, para seu povo, e ele passou a sorrir com freqüência. Os dois se entendiam como se estivesse escrito que ficariam juntos. E talvez estivesse escrito mesmo. — Você está bem?
— Estou ótima. — E era verdade. Nunca se sentira tão bem. Chantal envolveu os braços ao redor dos joelhos, abraçando a felicidade e rezando para que aquilo jamais acabasse. Esperara a vida toda por isto. Já pagara suas dívidas e se sacrificara demais. Agora podia ser feliz. Verdadeiramente feliz. Mesmo que o resto do mundo enlouquecesse, ela merecia ter esta pitada de felicidade. — Venham cá — chamou Demetrius e Lilly, estendendo os braços. — Por favor. — O que foi? Ela riu, se aproximou dele e o beijou. — Seu filho. — Seus olhos brilhavam com uma felicidade que achava que estava reservada para outras pessoas. — Ele acabou de mexer. Achei que gostaria de saber.
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BELA DA NOITE
—
A princesa Joelle Ducasse deve se casar com um desconhecido, mesmo sabendo que será um casamento sem amor. Assim, num ato de rebeldia Joelle decide passar uma tórrida noite comum estranho. Mas, por tramas do destino, ele é, na verdade, o príncipe Leo Borgarde — seu futuro marido! AMOR
POR CONVENIÊNCIA
— Julia James
O milionário espanhol César Montarez desejou Rosalind desde o momento em que a viu. Nunca havia sentido uma atração como esta. Mas, César não gosta de mulheres interesseiras, e Rosalind estava determinada a não ser uma delas, até ele descobrir que ela tem dívidas secretas. Agora, César pode comprá-la, como sua amante... Já nas bancas A LUZ
DA PAIXÃO
— Catherine Spencer
Cassandra Wilde engravidou de Benedict Constantino e o casamento foi a solução mais conveniente. Assim que chegaram à Itália, Cassie começou a ter esperanças de que a união por conveniência poderia se transformar em uma história de amor. Mas, antes disso acontecer, Benedict estava disposto a prazeres mais imediatos.
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NO DESERTO
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O bilionário Johnny Ellis herda uma parte de Gundamurra, o adorado rancho de sua juventude. Com isso, ganha toda a hostilidade de Megan Magu, que queria o Gundamurra só para ela. Mas a tensão que existia entre os dois explode em uma noite de paixão e Megan fica ainda mais contente quando Johnny lhe faz uma proposta: Gundamurra pertencerá a Megan, se ela se casar com ele!
TRAMAS
DO AMOR
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Javier se casou com Zoe somente para proteger a jovem herdeira dos predadores interessados em seu dinheiro e em sua beleza. Mas, com o tempo, é cada vez mais difícil controlar sua esposa. E o que seria apenas um casamento no papel atinge proporções inacreditáveis!