23 jane porter [princess brides 03] a bela da noite

Page 1

Jane Porter - A bela da noite

1

A BELA DA NOITE Jane Porter

“The italian’s virgin princess” Resumo A princesa Joelle Ducasse deve se casar com um desconhecido, mesmo sabendo que o casamento será sem amor. Assim, num ato de rebeldia Joelle decide passar uma tórrida noite com um estranho. Mas, por tramas do destino, ele é, na verdade, o príncipe Leo Borgarte – seu futuro marido! Digitalização: Ju


Jane Porter - A bela da noite

2

PRÓLOGO

Palácio Ducasse, Porto, Melio A princesa Joelle Ducasse examinou a carta lacrada que deixou na escrivaninha do avô. Enviara cópias idênticas às irmãs, Nicolette, em Baraka, e Chantal, na Grécia. Subitamente o envelope com o selo dourado do palácio pareceu lúgubre na escrivaninha do avô.

Ficaria tão magoado, pensou, sentindo as lágrimas brotarem. Ele não compreenderia. Entretanto, nem ela entendia por que tamanho desespero para fugir de Melio, e da atenção da imprensa. Mas nunca julgou agradável viver na berlinda e, desde a morte da avó, tudo piorou. Piorou muito. A mídia não lhe concedeu a privacidade do luto. Documentavam cada aparição, as visitas semanais ao túmulo da avó, o fulgor das lágrimas ao deixar o cemitério real. Não sobrava tempo para disfarçar o sofrimento. Nem a perplexidade. A morte da avó deflagrou dores que deviam estar sepultadas dentro dela desde o falecimento dos pais, há 18 anos. E aquelas fotos nos tablóides, as reportagens sensacionalistas, "Morte da Rainha Astrid Abala Princesa Caçula", só agravaram a sua confusão. Na realidade, não sabia o que sentir. Tampouco sentiu. Nos últimos seis meses, desde o funeral da avó, esgotara toda emoção, toda coragem. Como viveria uma vida pública quando sequer sabia quem era? Joelle apanhou o envelope, os dedos roçaram o antigo mata-borrão de couro, há mais de cem anos na família, e lágrimas inundaram-lhe os olhos. Joelle amava o velho mata-borrão, o charmoso gabinete do avô, tudo no ancestral palácio de pedras calcárias, e compreendia por que devia casar e permanecer aqui Nic casou com o sultão e não retornaria a Melio, e Chantal desposou um plebeu grego e ele não iria se tornar rei - todavia ela não cogitava assumir mais responsabilidades, sem primeiro recobrar a compostura. O palácio parecia tão vazio sem a avó, pois mesmo adorando o avô, era ela quem sempre a aconselhava. E sem a avó aqui, não lograria suportar. Suportar a solidão e a incerteza do futuro, embora Joelle soubesse que era hora de superar a perda. Mesmo que significasse enfrentar a tristeza sozinha. Joelle largou a carta onde estava.

Desculpe-me, Vovô. Você só vai passar um ano fora, disse a si mesma, encaminhan do-se à porta. Voltará


Jane Porter - A bela da noite

3

em 12 meses, casará com o Príncipe Luigi Borgarde e a vida continuará conforme o planejado. Contudo, seis horas, depois ao acomodar-se no assento de um pequeno avião europeu, de óculos escuros e chapéu enterrado na cabeça, ainda tentava afugentar a culpa e concentrar-se no lado positivo do que havia feito. Teria 12 meses para prantear a morte da avó, sem ser alvo dos paparazzi. E por um breve instante Joelle desejou viajar como princesa - esquivando-se pelos salões privativos e escondida pelos ombros largos dos seguranças e guardas de aeroporto. Contudo o problema não era esse, concluiu Joelle, puxando o cobertor felpudo até os ombros. Era impossível ser a Princesa Joelle sem as câmeras, a vigilância e os protocolos reais. E, como Princesa Joelle Ducasse, todos gostariam de saber tudo a seu respeito. Mas sabiam apenas o que a mídia informava. Ignoravam o quanto ansiara por uma chance. Por liberdade. Chantal, a irmã mais velha, dizia que liberdade de escolha decerto não representa uma garantia, quando seu sobrenome é Ducasse e sua ascendência remonta ao século XIII. Mas Joelle não queria ser uma Ducasse. Tudo o que desejava era ser uma pessoa normal. Anônima. Independente. Auto-suficiente. Por um ano seria uma Jo qualquer.

CAPÍTULO UM Nova Orleans, 11 meses mais tarde — Aceita um drinque, Senhorita d' Ville? A pergunta, proferida por uma distinta voz masculina, arrepiou Joelle. Vozes assim só resultam de anos de poder. De posições de autoridade, do tipo que ela abandonou na Europa. Joelle virou-se relutante, reconhecendo-o pela voz. Era ele. O sujeito sentado na primeira fila, à esquerda do palco. Que a noite inteira distraiu-a com o olhar arrebatador.


Jane Porter - A bela da noite

4

Por duas vezes ela se perdeu no meio da canção. Permaneceu absolutamente desmemoriada sob os refletores. Jamais vislumbrou um abismo negro na platéia sem saber o que fazia com o microfone. Contudo discernira um rosto, um homem, e o vívido interesse cativou-a. De perto, ele a fez sentir-se nua. Nunca se aborreceu por vestir-se de forma sensual no palco, mas pelo escrutínio daquele olhar sombrio, notou que ele reprovava. A censura pareceu-lhe tão pesada quanto a guitarra pendurada a tiracolo. — Um drinque? - repetiu ela. — Uma bebida - respondeu sorridente, mas o sorriso fracassou em tornar meigos seus olhos. Ao contrário, os olhos tirânicos dominaram-na, em uma implacável possessão sexual. Sentiu o corpo reagir - os pelos eriçaram, até os seios tonificaram e os bicos enrijeceram. Joelle agarrou-se à guitarra, transformando-a na Ultima moda em armaduras. — Temos bebidas na América, também - retrucou, sugerindo que percebera que era estrangeiro, e que não a intimidaria. Contudo, foi cautelosa. Não porque ele representasse uma ameaça física, mas porque era diferente, e sempre foi fascinada pelo incomum. E ele era intrigante. Alto, bonito e decerto italianíssimo. — Então me acompanhe. — Eu... eu tenho... planos. Fazer as malas. Aprontar-se para voltar para casa. — Mude-os. Havia uma aura... rústica... ao redor dele, um toque viril e indômito que destoava do talhe sóbrio do paletó que realçava os ombros, das calças de caimento perfeito. — Não posso. — Mas deve. É importante. — Importante para quem? — Alguém enviou você? — indagou, contemplando os olhos soturnos. E, ao encará-lo, sentiu o mais espantoso formigamento na pele. — Não. O formigamento alastrou-se até o fim da coluna. Não o conhecia, não é? — Estou cansada. Fiquei mais de duas horas no palco...


Jane Porter - A bela da noite

5

— Eu sei. Eu estava aqui. — Hesitou. — Você é muito boa. Um estonteante calor invadiu-a. Era indecente este homem, o efeito que provocava. — Obrigada. — Minha mesa fica bem ali — indicou. — Acompanhe-me. — Eu... — Contudo ele avançou e acomodou-se na mesinha vazia, exceto pela vela bruxuleante. Acenou para a garçonete e pediu uma garrafa de champanhe, caríssima. Sorriu, o sorriso de alguém habituado a vencer. Que presunçoso, ponderou ela. Palpitante, dirigiu-se à mesa, as botas retinindo no assoalho. — Não vou acompanhá-lo. — Mas está aqui. Ela detestou o sarcasmo. — Não quero que esbanje seu dinheiro. — É apenas dinheiro. Pensou nas irmãs, que aceitaram casamentos de conveniência para salvar Melio. E no quanto se esforçou aqui, assumindo dois empregos para custear apenas o essencial. — Ainda é desperdício. — Então é melhor bebermos. — O que você quer? A chama brincava no rosto dele. Não restava qualquer traço juvenil nas feições esculturais. Possuía um rosto de homem, forte, e o corpo a traiu. O corpo apreciava a maneira como ele a admirava. — Creio que a pergunta deveria ser, Josie d'Ville, o que deseja? Medo e fascínio assaltaram-na. — Isso não me compete. — Ora, é claro que sim. Vim de muito longe para vê-la. Sente- se. Por favor. Quem era ele? O que pretendia? A metade sonhadora torceu para que fosse da indústria fonográfica. Quem sabe, um produtor de discos. Ou talvez um espião do palácio. Um dos vultos que a assombraram no último ano, porque os cunhados não permitiriam que viajasse desprotegida.


Jane Porter - A bela da noite

6

Joelle sentou. Ao afastar o cabelo da testa refletiu acerca da performance. Em geral, acalmava-se durante o primeiro número, mas hoje nada pareceu normal. Sentiu-se melindrada... Tentou convencer-se de que andava estressada, por estar prestes a retornar aos deveres e às núpcias iminentes com um homem que jamais viu, sequer em fotografias, porém nada disso nunca interferiu com uma apresentação. Sempre adorou cantar. Adorava o público comovido, as notas graves do baixo reverberando através dela. Não, não era o imperioso regresso a Melio que a deixou apreensiva. E tampouco o casamento com um desconhecido. Foi este homem. — Por que os EUA? - ele indagou, rompendo o silêncio. Os EUA, ele disse, não Nova Orleans. — Como assim? — Por que fazer isso aqui? Por que não Nashville? Nova York? Ela relaxou um pouquinho. Não seja paranóica, ajuizou. — Nova Orleans é famosa pelo blues e pelo jazz. — Não deseja tocar na Europa? Europa. Terra do seu reino, as duas ilhas fulgurantes como gemas preciosas no Mediterrâneo. — Nova Orleans é... o meu lar. — Nasceu aqui? — Minha mãe nasceu - acrescentou, assumindo a personagem que incorporou logo ao chegar. Há 11 meses escurecera o cabelo castanho-claro, adotara um sotaque sulista, e até usava óculos espalhafatosos para permanecer incógnita. A Princesa Joelle desaparecera. Josie d'Ville tomou seu lugar. — Sua mãe é uma d'Ville também? — Por que tantas perguntas? — Era — corrigiu. — Antes de casar. Antes de morrer. Ao contrário das irmãs mais velhas, Joelle não se recordava dos pais. E era a mãe, em particular, que Joelle mitificava. A mãe, Star, fora uma lendária cantora pop. E desistiu de tudo para desposar um príncipe estrangeiro. Muito irônico que Joelle desistisse de tudo - titulo, país, príncipe - para tornar-se Star.


Jane Porter - A bela da noite

7

— Então Josie d'Ville é seu verdadeiro nome? — Mais ou menos. A intensidade dos olhos dele fez sua pele titilar. Era quase como se a conhecesse. Clamasse. Ridículo. — Mais ou menos — ele imitou. — Então mentiu... — Não menti. — Mas não foi honesta. Jamais fora confrontada por ninguém com tamanha autoridade. Ele exsudava poder. Um poder esmagador. — Vivo no centro das atenções. É fundamental proteger minha privacidade. —Tarde demais. Os pêlos na sua nuca arrepiaram. O que ele sabia? — Você me lembra alguém da Europa... — Sempre dizem que pareço alguém. — O sorriso não poderia ser mais falso. — Mas não é americana, é? — Minha mãe... — Era americana, sim, você falou. - Sabia que a encurralara. - E como explica o seu sotaque francês? — Não tenho... — Tem sim. Só percebo quando fala rápido. Quando fica aborrecida. E ele se esmerava mesmo para aborrecê-la. — Você tem um bom ouvido - replicou, tranqüila, apesar do pânico crescente. Ele não sabia quem ela era. Não podia saber. — Tem razão. Cresci falando francês. A minha família materna é da Luisiana. Cajun1. — Cajun? — Os d'Ville vivem na periferia de Baton Rouge. — Não foi criada no Bayou? As palavras evocaram o pantanal do Mississipi, o rio de curvas volúveis. Então o medo atenuou. Ele não imaginava quem ela era. — Não, não fui criada no Bayou. Mas ser cajun não pressupõe morar na beira do rio. Basta ter o rio no sangue. 1

.*(Descendentes de imigrantes franco-canadenses ).


Jane Porter - A bela da noite

8

— E você tem? — Muito mais do que pensa. Um aflitivo silêncio sobreveio, e Joelle desejou não ter dito nada. — Quem é você afinal? — Leonardo Marciano Fortino. Ele pronunciou o nome ressabiado, mas não significou nada para ela. — Leonardo Marciano Fortino — repetiu. — Um bocado pomposo, não? O Príncipe Leo Marciano Fortino, da casa de Borgarde, reclinou na cadeira. Ela não sabia. Não só a noiva não o reconheceu, como tampouco sabia seu nome. — De onde veio, Signor Fortino? — Leo — corrigiu, abafando um suspiro. Era óbvio que não estava pronta para os rigores da vida de casada. Ainda era jovem demais. Sua idade incomodou-o desde o início, embora os secretários palacianos insistissem em que ela demonstrava maturidade precoce. E disseram, dê-lhe apenas um ano... — Os amigos me chamam de Leo. Você também deveria. — Sim, mas... — Me chame de Leo — interrompeu. — E de fato nunca morei na Itália. — Não? Ele notou um lampejo de curiosidade nos olhos azul-esverdeados, cujo tom evocava as águas fúlgidas do Mediterrâneo. Os olhos sugeriam inocência, todavia o resto exsudava sexo. Quem era a verdadeira Joelle Ducasse? — Josie. — Um homem abordou Joelle. Leo pôs-se de prontidão, embora Joelle se mostrasse tranqüila, e irritou-o que lhe faltasse qualquer senso de autopreservação. — Você é incrível - afirmou o desconhecido. — Obrigada. Bondade sua. — Não, sinceridade. Nunca escutei... vi... ninguém igual. — Como se chama? - indagou ela. — Jack. Leo Borgade recordou as faces embevecidas na platéia; viu a mesma lascívia no rosto de Jack. Joelle era uma cantora de blues, que falava de sonhos, de desilusão. Esguia embora voluptuosa, longos cabelos escuros, cílios tão espessos que a faziam parecer buliçosa e lânguida ao mesmo tempo. Sexy.


Jane Porter - A bela da noite

9

Não era de admirar que os Jack’s da vida cobiçassem-na tanto. Leo ficou furioso. — Obrigado, Jack — disse Leo. — É sempre agradável ouvir elogios à nossa Josie, Passar bem. Jack cumprimentou-os acabrunhado e saiu. Leo percebeu que ela ficou louca de raiva. Ótimo. — Como pôde? - inquiriu ela, quase saltando da cadeira. — Ele estava bêbado. — Ele foi civilizado. Leo espiou Jack cambalear para fora. — Não sabe o que civilizado significa, bambina. — Josie, não bambina, Signor Fortino, e sua atitude foi tão pedante quanto chauvinista. O sotaque italiano era impecável. O temperamento quente. Porém ela não tinha o direito de zangar-se. Não fora enganada. Usada. Jamais esqueceria o choque ao vê-la adentrar o palco vestindo uma blusinha de paetês, calças de couro de cós baixo e botas de salto fino. Apresentaram-na como Josie - igual à personagem do desenho animado Josie & As Gatinhas - mas esta Josie, a sua Joelle, não lembrava nada um desenho infantil. Com os quadris rebolativos na calça apertada, os seios salientes na blusa curta, a Princesa Joelle Ducasse segurava o microfone como um amante. E tudo que ele pensou foi, esta não é a minha noiva. Mas a noiva de 22 anos era uma cantora de boate. Passara o último ano apresentando-se neste inferninho chamado Club Bleu. — Não quero vê-la magoada - afirmou, tentando esquecer o modo como ela subiu no palco. Não foi nenhum número de strip-tease, mas passou perto. — Jack foi apenas amigável. — Lobos podem ser amigáveis. — Sabe, é você que não é amigável. Você é metido. Arrogante... — Por ser honesto? - Quanta desfaçatez. Ela não era a princesa recatada que lhe prometeram. — Por ser grosseiro. Jack só me elogiou...


Jane Porter - A bela da noite

10

— E precisa desses elogios? - perguntou incrédulo, pois assistiu de camarote quando Joelle deslizou de joelhos até a beira do palco. Percebeu o suspiro coletivo da platéia predominantemente masculina. Todos a desejavam. Ela possuía uma aura sexual. Selvagem. — O que preciso não é do seu interesse - revidou. Errado, respondeu ele em silêncio. Você é minha, e o que precisa me interessa de todas as maneiras. Hoje, apesar da raiva por ser ludibriado pelo Rei Remi e pelos secretários do palácio de Melio, ele a desejava no sentido mais cru da palavra. Queria possuí-la. Dominá-la. Porque ela lhe pertencia. Atração física não fazia parte dos planos, quando aceitou desposar a caçula dos Ducasses. Só política. Ele era um príncipe sem reino, e ela, uma princesa sem herdeiros. Juntos prosperariam. Ele ganharia um reino e filhos, Melio ganharia um rei, Joelle cumpriria seu destino.

Ou não? A garçonete chegou com o champanhe e taças reluzentes. Joelle nem sequer olhou. Ele não tinha paciência para teatrinhos. Era ele quem devia estar zangado. Há seis semanas escutou rumores sobre a sósia da Princesa Ducasse em Nova Orleans. Que a cantora possuía uma voz apaixonante e um rosto correspondente. Contatou os secretários de Melio, e contaram-lhe que ouviram rumores também. Mas não era verdade, garantiram. Joelle encontrava-se na Europa, planejando o casamento ansiosa. Lógico. Ela era o exemplo de noiva casta. — Estava protegendo você - disse afina, exasperado. — Não necessito de proteção - reclamou ela, conforme o champanhe borbulhou, transbordando das taças. Ele aguardou a garçonete afastar-se. — Você é ingênua. — Você é italiano. — E isso é um problema? — Sim. — Por quê? Fitou-a com tanta intensidade que Joelle estremeceu.


Jane Porter - A bela da noite

11

— E quais são as suas reclamações contra os homens italianos, bambina?

CAPITULO DOIS Suas reclamações... Joelle engoliu em seco. Que reclamações? De repente, não logrou pensar em nada. O corpo literalmente zumbia de nervosismo. Tudo o que temia era tudo o que ansiava descobrir. Como sexo. Queria aprender tudo sobre sexo. Queria viver antes de ser trancafiada em uma torre de marfim. — Estou esperando - declarou ele. Mas que sem paciência, pensou Joelle, por dentro pura lava, um incrível clamor de chamas. Ele fazia isso com ela. — Homens italianos são... complicados. — Como assim? A voz dele envolveu-lhe a pele, morna, perturbadora. — Eles são exigentes. — Do jeito que devem ser. Isso é loucura, refletiu. Você devia estar em casa arrumando as malas. Devia estar em qualquer lugar menos aqui, com ele. Mas não conseguiu se mover. Leo Fortino era diferente dos homens que conhecera. Era excitante como dançar na boca de um vulcão. — Possessivos. — Uma virtude. — Orgulhosos. Leo estendeu-lhe uma taça. — Sem sombra de dúvida. Ela hesitou antes de aceitar. E logo que aceitou, ele esboçou um sorriso, mostrandose um genuíno predador. Então ergueu a própria taça em um brinde. — E você é sensata por lembrar-se disso, bambina.

Bambina. Mas ela não era uma criança. Exatamente o que ninguém em Melio


Jane Porter - A bela da noite

12

aparentava compreender. Podia ter 22 anos, mas por dentro era velha. Por dentro era sábia. Os últimos 11 meses fizeram-lhe bem, aliás. Ficou mais forte. Mais determinada. Faria o que fosse necessário. Assim que regressasse. Contudo ainda restava um dia de liberdade. Outra noite encarnando Josie, a mulher, não Joelle, a princesa. — Saúde — disse ele, tilintando a taça na dela. Contemplando o enigmático, sensual Leo Fortino, Joelle cogitou se ainda encontraria o romance que a faria suportar anos de relações conjugais insossas. E ela queria fogo. Sexo. Paixão. — Saúde — sussurrou, levando a taça aos lábios, sabendo que a avó reviraria no túmulo.

Desculpe, vovó, pensou Joelle, mas necessito desta noite. Necessito de algo tão intenso de que me lembre para sempre. Algo só meu, que ninguém possa tirar de mim. Podia escutar o nhenhenhém da avó às suas costas. Só as tolas brincam com fogo, ela costumava dizer, e não esqueça o que a curiosidade causou ao pobre gatinho... Cuidadosa, abaixou a taça, e, ao depositá-la na mesa, Leo apoderou-se da sua mão esquerda. Ela estremeceu. Ele fitou-a nos olhos e concentrou-se na mão outra vez. Por um longo momento simplesmente inspecionou os dedos. — Nenhum anel? - indagou enfim, segurando firme. O calor explodiu dentro dela. — Não sou casada. — Mas já recebeu propostas? Joelle amaldiçoou a pontada de remorso. Sabia que jamais fica ria sentada ali se encontrasse o Príncipe Luigi. Luigi parecia um faz-de-conta. Príncipe milionário e misterioso aceita desposar princesa falida... Contudo por que nunca tentou encontrá-la? Ele foi a Melio. Inspecionou o futuro reino, o palácio, a pequena ilha de Mejia, mas nunca se preocupou em apresentar-se. Nunca se importou com ela. Cabisbaixa, Joelle enrubesceu. — Não ligo muito para jóias. Leo apertou seus dedos com mais força. — Não está namorando, está?


Jane Porter - A bela da noite

13

O instinto de autopreservação avisou para ser prudente, muito prudente. Notou a impetuosidade no semblante dele. Estava zangado. Mas por quê? — Ora, eu paquero de vez em quando. Ele soltou-lhe a mão e ligeira ela cerrou o punho, tentando esquecer aquele toque, quente como uma língua de fogo. Por que o toque da mão dele fez com que desejasse mais calor, mais emoção? Talvez... talvez fosse ele... Os olhares encontraram-se e ela discerniu algo naqueles olhos que a inundaram de calor novamente. Ele a desejava. Era loucura. Absurdo. Mas talvez fosse o homem certo. Que tomaria sua virgindade, dar-lhe-ia experiência, permitindo que não entrasse no casamento como uma noiva ignorante. Esperara pelo homem certo, um amante satisfatório. Porém era demasiado exigente, e já não restava tempo. Com o casamento daqui a três semanas, e o aniversário do avô em sete dias, precisava agir rápido. Ou aceitar o fato de que se casaria com o Príncipe Borgarde desconhecendo o essencial. O sexo fascinava-a. A mecânica era muito clara, mas a intimidade — corpo nu sobre corpo nu - era intrigante. Esforçou-se para concatenar uma frase coerente, contudo a boca ficou seca. — Senão o que estaria fazendo aqui? — perguntou, insegura. Os olhos dele jamais abandonaram seus lábios. — Saciando a curiosidade, suponho. Ele possuía o olhar mais penetrante do mundo, um olhar que a fez sentir-se inexperiente, com vontade de apanhar um moletom largo e esconder os seios... Por um momento esqueceu sobre o que conversavam, ou onde estavam. Por um momento não restava mais ninguém na boate. Exceto Leo Marciano Fortino, o homem de olhos sombrios que a dominavam, que exprimiam o que ele desejava, e ele a desejava, de corpo e alma. Então, recordou o que discutiam. A sua curiosidade. Ele tinha razão. Vivia em apuros por ser tão curiosa. Na infância vovó Astrid sempre ralhava, porque ela ia longe demais, abusava demais. Nunca esqueça, chérie, repreendia a avó, a curiosidade matou o gato. E pelo andar da carruagem, a curiosidade poderia mesmo significar o seu fim. — Tenho uma curiosidade insaciável.


Jane Porter - A bela da noite

14

— E está curiosa a meu respeito? Aquiesceu muda. Não conseguiu falar. — Posso oferecer-lhe um pequeno conselho, bambina? Mais uma vez anuiu calada. — Precisa ser mais cautelosa. Um calafrio percorreu a espinha de Joelle. Isso é arriscado, murmurou uma vozinha dentro dela. Uma coisa é querer experiência, envolver-se são outros quinhentos. — Mas sou cautelosa. Pôde notar que ele não se convenceu. — Muitos homens tirariam vantagem da sua natureza curiosa. Envergonhada, desviou o olhar, rompendo o intenso domínio. Leo desestabilizou-a, o cérebro entrou em pane. e o corpo continuava demasiado ativo. Tornava-se mais e mais difícil pensar com clareza. Há anos sabia que na vida cão come cão. Na melhor das hipóteses, a vida é uma teoria darwinista. Só os fortes sobrevivem. E foi como tentou viver. Entretanto não se sentia forte agora. Sentia-se confusa. Emotiva. Jamais deveria ter concordado com o casamento arranjado e era tarde demais para desapontar o avô, o povo de Melio e o noivo. Todos contavam com uma cerimônia grandiosa. Uma noiva entusiasmada. De algum modo, precisava encontrar tal empolgação. Ou no mínimo, serenidade. Infelizmente, quanto mais o casamento se aproximava, menos serena ficava. Já era ruim o suficiente casar com um estranho, mas casar ignorando tudo sobre sexo? E esse era o verdadeiro dilema. Não queria caminhar ainda virgem até o altar. O Príncipe Borgade tomaria o seu país. Não carecia da sua virgindade. Recusava-se terminantemente a ir para a cama com um homem - mesmo o marido sem saber de nada. Era insuportável pensar que em três semanas deitaria nua com o marido que acabara de conhecer e esperaria por só Deus sabe o quê. A parte que só Deus sabia era de fato o que a torturava. Não faria papel de tola na própria noite de núpcias. E então a idéia assaltou-a: Leo poderia ensiná-la. Ela aprendia rápido. Uma única noite bastaria. Alcançou a taça, virou o resta do champanhe.


Jane Porter - A bela da noite

15

— Eu devia comer algo. As bolhas me subiram direto à cabeça. — Você não jantou? — Só como depois do show. Não consigo comer antes. E muita adrenalina. Leo apanhou a carteira, sacou duas cédulas de cem dólares e deixou-as na mesa. — Se sairmos agora, pegaremos o Brennan's aberto. O famoso Brennan's, onde a comida era fabulosa e a atmosfera do French Quarter, perfeita; ficava bem na esquina. — Está me convidando para jantai'? — É o que desejava que eu fizesse. Verdade. Inútil protestar. — Deixe-me apenas trocar de roupa. Atrás do bar, no toalete apertado, Joelle usou um removedor de maquiagem para atenuar o delineador negro em torno dos olhos. Tem certeza de que quer fazer isso?, indagou ao próprio reflexo. Porém Joelle já sabia a resposta. Sim. E muito. Leo pôs-se de pé quando Joelle ressurgiu. Retirara a maquiagem pesada e vestira u m jeans e uma blusa bege transparente de gola rendada. Parecia ainda mais jovem. E em um piscar de olhos o corpo dele tomou vida, a pélvis abrasou, em um surto quase febril. Nada mais, concluiu em um rasgo de dolorosa intuição, seria o mesmo para ambos, Joelle pressentiu que Leo a observava conforme se aproximava da mesa e, relutante, confrontou o semblante especulativo. Quando os olhos se encontraram, sentiu a mesma adrenalina maluca que experimentava no palco, quando vestia uma micros-saia com botas na altura das coxas. — Sabe o que está fazendo, Josie? Ela forçou um sorriso. — Espero que sim. Saíram da boate, na cálida noite de junho, e Joelle relaxou. Amava Nova Orleans. Sobretudo, adorava ser autêntica. Joelle esqueceu-se de quando a vida palaciana começou a irritar, mas com a partida das irmãs passou a execrar a rotina. Odiava as formalidades, as cerimônias intermináveis. Chantal era ótima para apertar mãos e beijar bebês. Nicolette era a oradora suprema. Mas Joelle julgava a


Jane Porter - A bela da noite

16

constante demanda complicada e, quando a avó morreu, o fardo tornou-se intolerável. Como poderia sorrir se perdeu a única pessoa que a amava acima de tudo? E agora devia agir feito adulta e voar rumo a Melio amanhã. Porque Nicolette suportou os deveres como Chantal, e Joelle cumpriria a sua parte, também. Pelos avós, senão por nada mais. Joelle escutou os passos de ambos retinindo no pavimento ao caminharem calados. O Brennan's ficava logo adiante, e o quarto crescente irradiava um pálido luar. Amanhã à noite estaria em casa. Uma semana depois seria a festa do 85° aniversário do avô. Em seguida, o casamento. E ela seria Sua Alteza Real, a Princesa Ducasse Borgarde. — Esse foi o segundo suspiro - comentou Leo, antes de abruptamente estender o braço na frente dela, detendo-a no meio-fio. Um táxi passou a toda, quase arrancando os paralelepípedos. Joelle estremeceu quando a manga do terno roçou a blusa delicada. — Eu estava distraída - declarou, repelindo-o. — Você é incorrigível. — Não sou. Vou a pé para casa toda noite, e conheço a cidade... — Onde você mora? — A uns seis, sete quarteirões daqui. — E vai andando? Sozinha? — Já que desaprova quase tudo o que digo ou faço, por que vai me levar para jantar? — Estou tentando entender você. — O que há para entender? Tenho 22 anos, sou independente. Faço o que quero, vou aonde quero. — Mesmo se isso a coloca em perigo? — Não estou em perigo. — Como sabe que eu não sou perigoso? Boa pergunta, ponderou ela. Não sabia. Ou sabia? Fitou-o, cismada, estudando as feições austeras. Tudo bem. Ele a assustou. Mas não era violento. Controlador, sim. — Você não me machucaria. Não é desse tipo de homem. Ele resmungou em italiano, e ela discerniu uma dupla de sele tos palavrões junto com um enigmático "você não sabe".


Jane Porter - A bela da noite

17

Voltaram a caminhar e atravessaram a Royal Street. O Brennan's despontou à vista, a fachada pintada em um tom de rosa sutil. Leo abriu a porta e Joelle passou por ele sentindo o corpo palpitar da cabeça aos pés. Observou-o precavida, imaginando como exercia tal efeito sobre ela. Sim, ele era alto. Sim, transbordava vigor. Contudo o físico não era mais pujante que a energia que dele emanava. Leo Fortino devia ser formidável quando provocado. A hostess acomodou-os no segundo andar, por sua vez pintado de vermelho escuro. A cozinha fecharia em uma hora e ambos pediram, após uma breve espiadela no cardápio. A entrada, consome de caranguejo à Luisiana, chegou logo e Joelle, que pensou estar faminta, mal conseguiu levar a colher à boca. Uma coisa era achar um homem atraente. Comer na frente dele era outra. Leo reparou que mal tocara na sopa. O olhar sombrio pousou na face dela. — Não gostou? Oh, lá vinha o frio na barriga de novo. — Gostei, sim. Está delicioso - replicou, levando à força a colher aos lábios. — Então qual é o problema? Tarde demais para fugir. Jantar no Brennan' s com Leo soou excitante no Club Bleu, mas agora, neste salão praticamente deserto, a angústia era intolerável. — Quantos anos você tem? - ela indagou de súbito. — Tenho 32. Uau. Era dez anos mais velho que ela. Imagine a experiência que possuía... em especial no tocante às mulheres. — Quando faz aniversário? — Quatro de maio. Há um mês. Ela sorriu, julgando que a data explicava tudo. — Você é taurino. — Taurino? — Sabe... astrologia... os signos do zodíaco. Ele deu de ombros. — Não acompanho nada disso. O gesto, combinado com a entonação desdenhosa, enfureceu-a. Por um lado era um


Jane Porter - A bela da noite

18

homem admirável, mas por outro era irremediavelmente arrogante. — Não precisa acompanhar nada. Isso existe mesmo que não acredite. — Mas você crê? — É divertido. — É estúpido. — Como pode ser tão crítico? — Porque você aparenta ser uma mulher inteligente. Que não se deixaria cair nessa esparrela. Astrologia, quiromancia... — Desculpe, mas nunca afirmei que me interesso por esoterismo. Só comentei que você é de touro. - Por que ela captava tantos sinais truncados? Ele procurou-a mais cedo. Flertou, abordou-a no fim do show, convidou-a para um drinque. Por quê? — Veja, Leo, entendo que me reprove, sei lá o porquê. Talvez porque eu não compreenda o que, ou quem, você pensa que sou. Mas não sou drogada. Não bebo demais. Não estou coberta de piercings e tatuagens. Apenas gosto de cantar. Ao falar, a voz exasperou-se, enrouquecida de sensualidade e fúria. — Obviamente existem várias coisas que não aprecia em mim. Há algo de que goste? Leo sentiu o corpo responder à provocação. — Seus olhos — deixou escapar. — Seu cabelo — adoraria emaranhar-se naquelas madeixas sedosas. — Sua boca — acrescentou. Os lábios eram tão carnudos e rosados. Da cor da pele, o que o levou a pensar em nudez, em erotismo e em luxúria. Enxergou o desejo nos olhos velados e no rubor das faces. Iria para a cama com ele? Um desconhecido; três semanas antes do casamento? — Seu corpo. — Sentiu-se agressivo, mas precisava da informação. — E é só isso de que gosta em mim? Lábios, cabelo, corpo? Ele sentiu a pélvis latejar. As coisas estavam ficando complicadas. O quanto ele revelou? Revisou suas ações, reações. Acaso confessasse quem era, ela iria se transformar sem pestanejar. E tornar-se-ia a Princesa Ducasse. Porém, ele não desejava uma encenação. Queria conhecê-la. Queria suas qualidades e defeitos. A verdade para saber com quem iria se casar. Ou mesmo se deveria casar com ela. Todavia, ponderar a conveniência do casamento não mitigou o desejo. Ele a queria. O corpo palpitava. As calças estorvavam-no.


Jane Porter - A bela da noite

19

Ela devia ser inocente. E ele o nobre príncipe. Mas, tragicamente, nada era o que devia ser. — Não — retrucou baixinho. — Eu não quero só o seu corpo. Quero a sua alma, também.

CAPÍTULO TRÊS Joelle acanhou-se ante a crueza da resposta de Leo. Ele tinha uma voz decidida, e quando declarou que a queria — de corpo e alma — ela se sentiu emboscada... E fitá-lo nos olhos foi mais um erro em uma noite repleta de erros. Jamais encarara um homem tão intimamente. Os olhos não eram castanhos como pensara, mas verde-escuros, da cor dos bosques perfumados de Melio. Confiantes. Meigos. Inteligentes. Bonitos. Sentiu os lábios recurvarem de admiração, e então músculos imperceptíveis vincaram os cantos daqueles olhos, e ela perdeu o fôlego. Estavam próximos demais. Leo era corpulento demais. Os calafrios recobriram cada centímetro de pele, arrepiando até os seios, fazendo os mamilos despontarem contra o macio sutiã de seda. Foi uma reação estranha, e deveras intensa, também. Leo se remexeu e encostou o joelho no dela. Joelle sufocou ante o calor agudo que a trespassou. Comprimiu as coxas, tentando repelir a torrente de desejo. Bastou um toque, e o corpo ficou ardente, instigado. Úmido. Erguendo o rosto, buscou o olhar de Leo. E não soube se foi a candura oculta nos olhos ou a boca agora enternecida, mas quis beijá-lo. Quase se desesperou para sentir a sua boca. Havia tanto que desejava compreender. De que forma os lábios de um homem podem atiçar a imaginação e como seria sentir o sopro suave da respiração dele, torturante contra a pele... — Quer a minha alma? — sussurrou. — E isso é muito ruim?


Jane Porter - A bela da noite

20

Ela não conseguiu evitar. Os lábios curvaram num sorriso largo. — Dizem que o melhor sexo começa pelo cérebro. Leo sorriu também. Contudo, não um sorriso bem-humorado. Em vez disso pareceu pronto a declarar guerra. — Verdade. O cérebro é o órgão sexual mais relevante. Deve-se usar o cérebro para obter o máximo de prazer. Ela corou, não só mediante as palavras, mas pela intensidade daquele olhar. Joelle ficou tão excitada. Nunca sentiu nada semelhante. Porém as sensações fiadoras não eram gentis, divertidas. Eram sensuais. Arrebatadoras. Fogo e paixão. O que pensou desejar... — Você aparenta estar com sede — comentou Leo, o semblante voluptuoso, ao servir o copo dela de vinho. Todavia, sob as Anotações sexuais jazia uma cálida lubricidade que a seduzia. Ela tinha sede, pensou. Sede de ser Joelle por inteiro. — Beba. — Não creio que possa. — Por que não? — Adrenalina demais. Leo considerou-a bela no palco - sexy em demasia - mas nada era tão sexy quanto as palavras "adrenalina demais", proferidas naquela voz embargada pela melancolia. Ele entendia de adrenalina. A certa altura da vida experimentara onda de adrenalina após outra, carecendo de hercúleos desafios físicos para abrandar a inquietação que o perseguia ao redor do globo. E a confissão dela comoveu-o. — O que a perturba? - indagou. — Você. — Eu, não. — Você, sim. — Coragem, ponderou ela. — Você não é como os homens que conheço arrematou e umedeceu os lábios com a ponta da língua. Leo sentiu-se tão rijo quanto a própria pélvis. — E como são tais homens? — Charmosos. Simpáticos. Inofensivos. — Este sou eu.


Jane Porter - A bela da noite

21

Joelle riu. — Você é intratável. — Talvez. — De repente estendeu a mão, tocou-lhe de leve na face. — Você tem uma bela risada, bambina. Devia rir mais vezes. Joelle enrubesceu, disfarçou, notou que o jantar estava a caminho. Os garçons apresentaram os pratos com uma mesura e deixaram-nos a sós. E Joelle já não estava nervosa. Leo mostrava-se calmo também, e ela relaxou, degustando a refeição esmerada. E ali, diante de Leo, entre as aconchegantes paredes vermelhas, pensou que este era o tipo de noite quando os menores detalhes assumem significados colossais. A toalha branca impecável era aveludada ao toque. A vela cintilava, refletindo nas louças e cristais. O brilho da lua através da vidraça realçava o ambiente. Joelle escutou Leo falar da vida no estrangeiro, que morou em várias capitais, como Londres, Santiago, Zurique. Considerava-se um cidadão do mundo. Apreciou a força daquela voz e percebeu que sorria. — Você viajou bastante — comentou ele, mudando o foco para a experiência dela. — Onde se sentiu mais à vontade? — Aqui. — Foi fácil responder. Jamais viajara tanto quanto Leo, porém lugar nenhum se comparava. Adorou os últimos meses. Adorou ser uma anônima, invisível nas ruas de Nova Orleans. Caminhar pelo French Quarter tarde da noite, de guitarra a tira colo, rumo ao pequenino apartamento que dividia com Lacey, da Geórgia. O Carnaval. O calor luxuriante do verão. Os tijolos carcomidos dos prédios antigos. As sacadas imponentes que pairavam sobre as ruelas. — Tudo pareceu natural aqui. Eu me senti natural. — Então planeja permanecer em Nova Orleans? — Não. — Por quê? Encontrou os olhos dele, viu que tentava descobrir o que ela pensava. Ninguém nunca a observou tanto tempo, com tamanha atenção, e imaginou se experimentaria isso de novo, depois de casada. Algum dia se sentiria especial? Desejável? — Não posso. — Não pode por quê? Você é adulta. Faça o quiser.


Jane Porter - A bela da noite

22

— Se fosse simples assim. Todos temos obrigações... — Então é o trabalho que exige o seu regresso? — Sim. Tenho um novo cargo à espera. — Que tipo de cargo? — Ela riu sem graça. — É terrível. Acredite. Não vai querer saber. — É ruim? — Péssimo. Ele resmungou algo ininteligível. Levantou de súbito, apanhou a carteira. — Hora de irmos. Estava zangado. Joelle alarmou-se. O que disse de errado? — Leo? Contudo ele não olhou para ela. Meteu a carteira no bolso da calça e rumou para a escada. Joelle seguiu-o vacilante. Alcançaram a rua, e Leo enveredou pela Royal Street, no caminho oposto da vinda. Espiou-o, tentou decifrar-lhe a expressão, mas estava escuro. Cruzaram um quarteirão, depois outro. E se continuassem naquela direção, logo chegariam a Canal Street, no fim do French Quarter. — Leo? — perguntou apreensiva. — Que foi? — Onde... Onde vamos? Ele parou abruptamente, e encarou-a. — Para onde acha que vamos? Ela balançou a cabeça. Não entendeu a expressão nos olhos dele. Não entendeu nada. Abateu-se um silêncio arrastado, no qual ela distinguiu a frustração nos olhos turvos, uma emoção que continha raiva bem como paixão. Então ele encurralou-a em uma alcova escura, uma antiga estação de carruagens como tantas outras no French Quarter. — Tomamos nossos drinques - disse firme. — Sim. — Jantamos.


Jane Porter - A bela da noite

23

Ela percebeu que o casaco dele se abriu, sentiu o paletó roçar-lhe os seios. — No Brennan's. Leo passou um braço por cima da cabeça dela, apoiando-se na entrada. — Tomamos café. Sobremesa. Agora diga o que acontece depois. O medo misturou-se ao desejo. — Não sei. — Sim, você sabe. A penumbra ocultava-lhe o semblante, mas ela sentiu a tepidez do corpo dele sem que a tocasse. Leo inundou-a de emoção, e desde que o conheceu ela oscilava como um pêndulo de emoção à outra. E a sensação de estar em moto contínuo agastou-a. Conteve as lágrimas, pois eram lágrimas de estresse. Foi uma semana difícil, fazer as malas, dizer adeus. Ficou tão tensa a noite toda... exaurida por um desejo que não compreendia. Mas ele poderia aquietar o rumor nas suas veias. Liberar o fogo. Sentiu-o aproximar-se. Prendeu a respiração, certa de que a beijaria. Queria o beijo. Temia o beijo. O polegar afagou-lhe a face. Ela nem sequer ousou respirar. Os olhos de Leo mostravam-se sombrios. — Diga. O polegar desceu até a boca. Delicadamente acariciou-lhe os lábios. Uma sensação abrasadora avassalou-a. A volúpia tomou vida dentro dela embora soubesse que nada aconteceria ali, naquela alcova estranha. Leo Fortino não possuiria uma mulher em praça pública. Ela estendeu a mão para tocá-lo no colarinho, receosa demais para tocar a pele. — Nós vamos... — Sim? — O polegar desenhava círculos no lábio intumescido. Os círculos lentos deixaram-na louca. — Vamos para o seu... — Meu? — Hotel... Disse o que ele queria ouvir. E ele silenciou o resto com um beijo.


Jane Porter - A bela da noite

24

A boca era voraz, o hálito, fresco, e ela petrificou de surpresa. Julgava-se bastante experiente em termos de beijo, mas este não era um beijo comum. Os lábios dele exploraram os seus em uma provocação sensual, e ele foi bemsucedido. Até demais. O lábio inferior titilou e isso se estendeu direto até o ventre, flamejante de desejo. Contudo era só o começo. Os lábios dele tragaram o calor dos seus e a lenta exploração se transformou em algo voluptuoso. O corpo rijo pressionava o dela, as coxas acomodaram-se entre as suas. Sentiu a rigidez do peito esmagar-lhe os seios, e gemeu conforme ele se movia, com o joelho erguido, entre as suas coxas, gerando fricção,sensação. O gemido foi como atirar gasolina no fogo. O desejo dele era atroz. Sua lascívia assombrou-a. Ele era tão diferente de qualquer coisa que compreendesse, que pudesse controlar e assim mesmo ela queria tudo — a paixão, a fúria, o avassalamento. Soube desde o início que não conseguiria resistir. Leo escorregou uma das mãos pelo pescoço. A trilha que escolheu era deliciosa e Joelle arqueou indefesa contra o corpo de Leo, os quadris encaixados nos dele, a cabeça jogada para trás, expondo mais pele. Os dedos de Leo roçaram a espádua; acariciaram a ondulação dos seios. Um prazer trepidante dançou através dela. Os lábios cindiram, ofegaram, enquanto a mão dele se movia sob a fina blusa à procura de pele nua e quente. Foi o seu tênue ofegar que enfim despertou Leo. Ele a estava desnudando ali, praticamente fazendo amor com ela na rua, em uma alcova soturna. Que diabos andou pensando? Afastando-se, Leo tentou acalmar o caos no corpo e no cérebro. Não se sentia desnorteado assim há anos. — Qual o problema? — indagou Joelle provocante. Ela tinha uma voz sexy, incongruente com os olhos de água-marinha. Parecia tão menina, e ele sentiu um arroubo protetor. Onde diabos estavam os guarda-costas dela? O avô? As irmãs? Todos que poderiam ajudá-la? A Princesa Joelle sabia muito pouco sobre o mundo. Os parentes deviam estar procurando por ela. Em vez disso abandonaram-na em uma cidade grande como Nova Orleans, destinada a extasiar os sentidos com comida, sexo e música. — Que está fazendo, bambina? — perguntou, afagando-lhe a face, a pele macia, tépida.


Jane Porter - A bela da noite

25

Escutou-a arfar ante a carícia gentil, porém os ombros deram uma sacudidela de pouco-caso. — Sabe como é, Leo. Garotas só querem diversão. Era verdade e não era, pensou Joelle. Queria um homem que a desejasse. Um homem que não estivesse disposto a esperar anos por ela, mas precisasse possuí-la. — Diversão - repetiu Leo e a palavra pairou tão sedutora entre ambos que não significou nada remotamente divertido, mas transformou-se em estímulo. — Sim. — Você estaria melhor em casa cozinhando um pacote de ma carrão instantâneo. Joelle precisou morder a língua. Macarrão instantâneo. Coisa de criança. As faces queimaram. — Não sou uma criança. — Eu não disse que era. E de repente a mão dele enredou-se nos seus cabelos e, forçan do o rosto para cima, cobriu seus lábios com os dele. O toque da sua boca entorpeceu-a, a pressão tão diferente de antes. Joelle estremeceu. Era a reação mais estranha, mas não conseguiu evitar as torrentes abrasadoras que aumentavam dentro de si, ou a fraqueza súbita que inundou os joelhos, as pernas. Fincou as mãos no peito dele, tentando equilibrar-se e pensou que aquele peito era inacreditavelmente rígido, musculoso. O corpo era como sempre imaginou um corpo de homem, embora a mão no seu cabelo revelasse o toque de um homem possessivo, sensual, um homem que não via problemas em marcar uma mulher como sua. Era isso o que ela desejava, embora não o que devesse buscar. Leo Fortino não aparentava ser um sujeito bonzinho, do tipo que simplesmente deixa uma mulher escapar. Mas você já está prometida, a consciência advertiu. Não pode romper o noivado. E não vou, respondeu à consciência. É só por uma noite. Uma vez e pronto, juro. Leo deve ter pressentido a sua indecisão. Ergueu a cabeça, os lábios abandonaram os seus. Ela tentou dizer algo. Fazer alguma coisa. Pense positivo, descontraia. Contudo nada lhe veio à mente. Leo rompeu o silêncio. — E quanto à diversão? Ela não logrou responder. A cabeça girava. Sentiu-se corajosa durante o jantar, tanto que ficou entorpecida, mas o torpor passou e todos os medos retornaram.


Jane Porter - A bela da noite

26

— Mudou de idéia? — perguntou Leo baixinho. Sim, ou quase. Pois, bem no fundo, Leo e a sexualidade dele assustaram-na. Queria um caso, mas nos seus termos. Um relacionamento que pudesse controlar, todavia se mal controlara o diálogo com Leo, como controlaria o que acontecesse no quarto? — O hotel fica na esquina — anunciou ele, voltando para a calçada. — Lá coloco você num táxi. Sentiu-se aturdida, mas não pronta para ser despachada para casa. — Não estou fugindo apavorada. Os olhos de Leo cintilaram na escuridão. — Não falei que estava. — Então por que o táxi? — Empinou o queixo, sorriu. — Ainda não vi a decoração do seu quarto de hotel.

CAPITULO QUATRO Então ela realmente faria isso. Leo bateu a porta da suíte e observou Joelle. Ficaram à meia-luz. Contudo Joelle mostrou-se despreocupada. Não suportou pensar que ela fazia esse tipo de coisa com freqüência. Queria acreditar que não era promíscua, ou leviana, todavia conheceram-se hoje e aqui estava ela, a sós com ele em um quarto de hotel às duas da manhã. Sim, ele convidou-a. Porém tratou-se de uma armadilha — para testar-lhe a moral — que, embora infame, foi necessária. Precisava saber. O casamento seria dali a três semanas. Como ela podia se comportar assim? Se não era fiel antes do casamento, por que seria fiel depois? Conhecera aristocratas que, como Joelle, não conseguiam ser fiéis. Belas mulheres - modelos, socialites, princesas - que não se satisfaziam com um único homem. Sabia como eram devassas. O quanto tais desejos insaciáveis magoavam todos os que as cercavam. — Quer alguma coisa do bar? — ofereceu. — Champanhe, vinho? — Agora não, obrigada.


Jane Porter - A bela da noite

27

Percebeu a tensão na voz dela, e por um instante sentiu esperança. Alívio. Talvez voltasse atrás. Queria que ela fosse uma mulher controlada, em vez de refém dos próprios caprichos. Entretanto Joelle deu-lhe as costas, e examinou a suíte - a elegância discreta do aposento caramelo e bronze decorado com antiguidades valiosas, e o cortinado de seda na janela, emoldurando o panorama noturno. — Você tem uma ótima vista do Mississipi - disse ela. - Adoro o rio. Ele contemplou o rio, as luzes delineando um barco a vapor que passava. À luz do dia, os velhos barcos com rococós vitorianos lembravam bolos de casamento em miniatura. O cinismo corroeu-lhe o coração. Não haveria mais bolo de casamento. Não haveria casamento nenhum. — A água possui certa energia — acrescentou ela, ainda observando o rio. — Não me imagino vivendo sem vista para a água. Acho que a minha vida foi marcada por marés, tempestades. Joelle espiou-o por cima do ombro. — Mas não tinha nada disso onde morava, não é? Ele obrigou-se a responder. — Tinha o Tâmisa em Londres, lagos na Suíça. Leo não queria mais conversar sobre o mundo dele. Se ela não seria parte do seu futuro, não precisava conhecer seu passado. Abriu o frigobar, e tirou uma garrafa de água mineral. Tomou um gole, depois outro, mas a água gelada não lhe esfriou o ânimo. Ou o desejo. Ele a queria. E esse era o pior insulto de todos. Não entendia como podia sentir raiva e indignação, e permanecer tão atraído. Passara por isso antes, jurou que jamais seria enganado por outra mulher desesperada. E mesmo assim aqui estava ele, incapaz de agir. Pensou que desposaria a princesa inocente, lembrou a conversa com o Rei Remi, avô de Joelle, enxergou o envelope com a folha dourada, o dossiê compilado pelos secretários palacianos de Melio, revisado pelo seu próprio pessoal. Recordava cada palavra. Cada frase.

A Princesa Joelle Ducasse, filha caçula do Príncipe Julien, foi ofuscada pelas ambiciosas irmãs mais velhas. Embora assaz instruída, e musicalmente talentosa, a Princesa Joelle é a menos extrovertida das três.


Jane Porter - A bela da noite

28

Tomou outro gole.

A princesa ainda não namora, preferindo a companhia dos parentes aos socialites da mesma idade. Leo baixou a garrafa com uma pancada. Joelle fitou-o pasma. — Você está muito quieto. — Só pensando. — E avançou na direção dela, repulsa, desejo, misturados em um vórtice de emoções. Notou um lampejo de comoção nos olhos azul-esverdeados. Estava assustada, pensou, e sentiu um aperto no peito. Não queria assustá-la, porém não queria que se comportasse estupidamente, tampouco. A vida é dura, até cruel, e confiança é difícil de encontrar. Crescera ignorando o que era confiança, carente de estabilidade... normalidade - e tudo foi-lhe negado. O pai andava tão ansioso para livrar-se da mãe que, quando o divórcio saiu, livrou-se de Leo também. Que piada! Leo estudou a face pálida de Joelle. Não a compreendia, mas uma coisa sabia: não desposaria uma mulher imatura. Pousando as mãos nos ombros dela, Leo conteve as emoções conflitantes, dividido entre enxotá-la ou atirá-la na cama. Queria abraçar, tocá-la. Todavia ela era a última mulher com quem viria a se casar. Nunca confiaria nela. Amaldiçoou o noivado arranjado e inclusive a si mesmo. Acaso conhecesse Joelle, investigaria seus antecedentes com maior rigor. Telefonaria para o avô dela de manhã. Para o próprio pai, os secretários palacianos. Poderiam divulgar a notícia para a imprensa como bem entendessem. Leo apenas queria aquilo acabado, e logo. Tudo parecia normal e estranho em um só tempo, pensou Joelle, aprisionada pelas mãos de Leo. A atração entre ambos era tangível. Ansiava por ele, e sabia que a desejava, estava nos seus olhos, no toque, porém... — Esses pensamentos parecem muito sérios - murmurou. — Sim. A resposta monossilábica não foi metade ameaçadora do que o olhar fulminante. O pânico cresceu, e ela cogitou ir embora. — Até onde planeja levar isso, Josie? — indagou, cingindo-lhe os pulsos. Ao entrelaçar os dedos nos seus ela sentiu uma torrente abrasadora. A sensação eletrizou-a e cada nervo alertou-a para fugir. Mas o corpo conservou-se imóvel.


Jane Porter - A bela da noite

29

— Até onde? - repetiu, puxando-a mais para perto. — Me conte uma coisa - retrucou. — O quê? A intensa concentração tornou-o mais exótico. Um magnífico predador à espreita. Devia fazer sucesso com as mulheres. Era lindo, inteligente, rico... sensual. — Você falou que queria meu corpo, e minha alma. Ele observou-a, calado. — E, perdoe-me a indiscrição, mas por que me acharia interessante? Tenho 22 anos. Você é dez anos mais velho. O que, intelectualmente, agradaria a você? Ele franziu a boca adorável e, conforme o silêncio prolongou- se, ela compreendeu. Queria a alma, porque estava presa ao corpo, mas não era a alma que ele queria. Era seu corpo. — Não respondi ainda, portanto não coloque palavras na minha boca - redargüiu. - E seu corpo é bonito, você tem talento - não esqueça, ouvi você cantar hoje -, também toca guitarra e decerto outros instrumentos também. — Piano e violino - replicou, apreensiva. — Você é culta, viajada, fluente em três idiomas... — Quatro. — E qual é o quarto? — Espanhol. — Claro. E apesar de vestir-se como uma vedete, possui belas maneiras. — E os homens apreciam bons modos? Ele sorriu malicioso. — Alguns de nós, sim. Mas o que temos aqui não é amor, é sexo. E creio que sexo é o que procura. A palavra sexo soou tão ofensiva. Sexo. Sexo com Leo. Sexo porque ela assim decidiu, provavelmente sua última decisão. — Se acaso esperava mais - acrescentou ele -, você não... — Eu entendo - interrompeu-o. — Não precisa dizer. — Entendo isso, também. - Julgou que estivesse tentando livrar-se dela, e não compreendeu. Ele a queria, mas não queria.


Jane Porter - A bela da noite

30

Percebeu que debaixo daquela sofisticação toda, ele era demasia do íntegro, talvez até antiquado. Era uma pena que ela não fosse outra pessoa. Que se conhecessem nessa situação. Por um momento, o desconhecido acossou-a de todas as direções, contudo Joelle fez o que precisava fazer. Tocou-o. Sedutoramente pôs as mãos no peito dele, ansiando descobrir a vida e o sexo. Entretanto tocá-lo foi doloroso. E ponderou se era assim que deveria sentir-se. Conflitante. Oprimida. Ele abraçou-a mais forte. — Frio? - indagou, quando ela estremeceu. — Não. - Ele estava rijo, excitado, e o relevo nas calças comprimia-lhe o ventre. Adrenalina. — Adrenalina? — O suspense está me matando. Eu... - Calou-se, não poderia revelar que era quase inexperiente, pois confissões de inocência desanimam os homens. - Esqueça. Não é nada. Ele aproximou o rosto do dela, capturando a tepidez da pele, antes de roçar os lábios nos seus. Foi uma carícia delicada, embora possuísse algo de arrebatador, tão ardente, tão explosivo, que ela afastou a cabeça, temendo o fulgor das chamas. Ele deslizou a mão coluna acima, para amparar a nuca. Ela reagiu em cada ponto que a mão dele tocou. — Seu coração disparou - comentou ele. — Você exerce esse efeito sobre mim. — Aposto que diz isso a todos os homens. — Não. - Tentou sorrir e fracassou. Em compensação, afagou-lhe o rosto. Ele se encolheu ante o carinho suave embora sem repelir. — Você tem um rosto lindo - sussurrou. — Não tenho. É comum. — Não há nada de comum em você. Fitou-a nos olhos, e a boca cobriu a dela outra vez. Oh, como ela adorava a sensação daqueles lábios nos seus. A pressão instigante parecia dizer que um beijo não é só um beijo, mas puro prazer. Então ele intensificou o beijo, afagando a boca com o polegar e uma sensação febril inundou-a. Derreteu por dentro, enquanto os seios arfavam, os mamilos despontavam,


Jane Porter - A bela da noite

31

incrivelmente sensíveis. A reação dela incitou-o, e o calor flamejou, torturante. Os lábios de Leo tornaram-se ávidos, dominando, saboreando. Ele estimulou o lábio superior com a língua, e quando os lábios cindiram, trilhou o contorno da boca, a carne tenra do lábio inferior, e então a face, com a ponta da língua, declarando sem palavras que desfrutaria dela segundo os próprios termos. A mão escorregou pela espádua, colhendo um dos seios., Joelle vibrou ante o atrito dos dedos no mamilo. Isso a fez ansiar tanto, e o desejo tornou-a confiante. Natural, concluiu, como a primeira vez deveria ser. Avassaladora. Lasciva. Sexual. E a mão insinuou-se sob a blusa, a palma calorosa no abdome, os dedos leves na cintura fina. Ela tentou rechaçar a vertigem, mas o toque era prazeroso de mais. Quando ele levantou o bojo do sutiã de seda, a pele morna contra o seio ainda mais cálido, Joelle acreditou que se dissolveria em pura voluptuosidade. Ninguém a tocara assim... Ninguém a fez sentir-se tão indefesa e voraz ao mesmo tempo. Podia imaginar as mãos dele na barriga, nos quadris, entre as coxas. Talvez doesse, refletiu, mas talvez, não, e se doesse, seria ótimo assim mesmo. Com ele. Com alguém tão sensual como Leo Fortino. De súbito, Leo impeliu-a com firmeza para a beira da cama. Aturdida buscou apoio, a cabeça girando. Leo postou-se sobre ela, silencioso, atento, a eletricidade tangível. Ela viu a intempérie de paixão nos olhos verdes. Ele ofegava, e os lábios impetuosos esmagavam os seus. Abruptamente, beijou-a com alento, um beijo ardente, que a possuiu por inteiro. Foi como se a fendesse, subjugando-a. E enquanto a língua explorava a sua boca, ela desejava capturar as fogosas estocadas. O beijo fê-la pensar no corpo rígido sobre o dela, dentro dela. — Tire a roupa - ordenou rouco. A ordem, tão direta, deflagrou sensações em todos os pontos. — Agora? - soluçou Joelle. Ele ajeitou-se em cima dela, aguerrido, e o sombrio olhar esverdeado despiu-a inteira.


Jane Porter - A bela da noite

32

— Sim. Ela queria isso, lembrou, queria descobrir a vida. Com o coração retumbante, alcançou as tiras da blusa amarrada nas costas. Sentiu o olhar dele, a intensa concentração. As mãos vacilaram, ao esforçar-se para desfazer o nó. Os segundos se arrastaram. O olhar dele tornou-se implacável. Flamejante. Enfim, desatou o nó e tirou a blusa. Ele não falou nada. Não fez nada. Joelle corou, acanhada de jeans e sutiã meia-taça. O jeans, lembrou. E erguendo-se, quase esbarrando em Leo, abaixou o zíper e, arfante, despiu o jeans. Que se uniu à blusa aos pés da cama. Vestia uma lingerie muito singela de seda - calcinha branca, sutiã branco. E nos cândidos trajes de baixo, sentiu-se ainda mais nua. Espiou Leo, não viu nada de encorajador no seu rosto. O que ela estava fazendo aqui? Entregando a virgindade a Leo Fortino para evitar concedê-la a Luigi Borgarde, Príncipe de Milão, Conde de Veneza, seja lá qual fosse o título. Não vou casar por amor, lamentou. Luigi sequer tentou me conhecer. Em vez disso enviou um secretário qualquer ao palácio, para me inspecionar de cima a baixo, e cuidar que eu assinasse a papelada. Papelada. Sou uma noiva contratada. Uma princesa barata. Uma pechincha. Estava furiosa com ele, por julgar correto invadir o mundo dela, sem ao menos perguntar cara a cara se gostaria de se casar com ele. Custaria tanto assim ao Príncipe Luigi tirar um dia de folga para conhecer a futura esposa? Mais de uma vez ela pediu ao avô que providenciasse o encontro, antes do noivado ser anunciado, mas o avô argumentou que o príncipe era ocupado, e que deveria confiar nele. É um bom homem, retrucou, exato o que você e Melio precisam. A raiva quase asfixiou a paixão. Exceto a avó, todos presumiam que fosse igual a Nic e a Chantal, para quem o dever representava tudo. Mas o dever era a última coisa com que se importava. Em contrapartida, amava a música. De todo coração. Quando cantava, tocava guitarra, não era uma princesa despojada. Sentia-se capaz. Bonita. Se Melio possuísse atividades econômicas mais fortes — como petróleo, ou exportação — poderia casar-se com quem bem entendesse.


Jane Porter - A bela da noite

33

Ao contrário, casar-se-ia com um desconhecido porque ele era rico e ela, não. — Acaso mudou de idéia...? — A voz de Leo distraiu-a da vida à sua espera na Europa. A vida para a qual retornaria amanhã. Restava-lhe apenas essa noite. Faria amor com Leo porque queria fazer amor. — Nada mudou. Apreensiva, Joelle abriu o sutiã, baixando o tecido delicado pelos ombros e seios. Em silêncio repetiu, quero fazer amor porque é a única coisa que posso decidir por mim mesma. De olhos turvos, Leo uniu-se a ela na cama. Ela prendeu a respiração conforme ele avançou, aconchegan do-se nas suas pernas. Sequer a tocara ainda, mas pôde sentir-lhe a tepidez. Então era isso, pensou, a realidade. E com ele tão altivo, ameaçador sobre si, duvidou da própria competência para levar isso adiante. O que entendia sobre fazer amor? Sobre corpos masculinos? Cerrou os olhos enquanto as mãos dele posicionaram-se nas suas coxas, a pressão rigorosa. Dominadora. — Então — disse ele, as mãos subindo tão devagar pelas coxas que irradiavam torrentes de sensação por toda parte. — Creio que está protegida? Protegida? Ela esqueceu tudo nesse aspecto. — Ah, certo. Sim. Tenho err, um... preservativo... na bolsa. — Sempre carrega os seus? Não, ao menos, até hoje, não. Mas hoje retirou um do dispensário no banheiro feminino da boate. Por via das dúvidas. — Pensei que eu... err, devia — gaguejou, porém ele não falou nada. — Sabe, tomar precauções. — Como deveria — respondeu, apanhando um nécessaire de couro na mesinha-decabeceira. — Mas tenho os meus. Colocou o pacote na cama, e beijou-lhe o ombro. Os mamilos enrijeceram, os seios arfavam. Os lábios trilharam o pescoço, lenta, muito lentamente. - Dispa-me - disse ele. — Despir você? — Sim.


Jane Porter - A bela da noite

34

Joelle sentiu-se demasiado exposta, os seios desnudos, o cabelo solto, nua exceto pela calcinha minúscula. Porém forçou-se a ignorar a nudez, a pensar apenas nele. Aproximando-se mais, inalou o perfume de sândalo, concentrada no calor sedutor do corpo dele. Ignorando o tremor das mãos, concentrou a visão no primeiro botão da camisa. Determinada, desabotoou-o, e depois o seguinte. Antes que percebesse, ambos estavam nus e ela jazia debaixo dele. Sentiu-se um pouquinho boba, e muito inexperiente quando ele acariciou-lhe o corpo, dos seios aos quadris. Joelle estremeceu, os mamilos despontaram. — Nada aconteceu ainda - disse ele, espreguiçando-se. — Sou tão pouco atraente assim? Ele emitiu um ruído, meio risada, meio rosnado. — Você é atraente demais.

CAPITULO CINCO Beijou-a, sem pressa, prolongando o beijo até Joelle não pensar em nada, além do desejo de ficar junto dele. Queria senti-lo. Dentro de si. Ele segurou-lhe os seios, as mãos ásperas nos mamilos túrgidos e então delineou a cintura, os quadris. Possuía extraordinária sensibilidade, um jeito de fazê-la sentirse aquecida em todos os pontos certos. Cravou os dedos nos bíceps musculosos, enquanto aquela boca alternadamente beijava e mordia-lhe o ombro. Os dentes e a língua encontraram centenas de zonas erógenas que imploravam para serem lambidas e mordiscadas. Com as mãos, ele acariciava as coxas, entre as coxas, e a boca traçava rastros de fogo nos seios que a enlouqueceram de desejo. Desesperada, agarrou-se a ele, querendo mais, querendo que o terrível anseio dentro dela fosse atendido. Suspirou quando os lábios contornaram um dos mamilos intumescidos, conforme ele fendeu suas coxas com o joelho, acomodando-se ali. Vibrou quando ele contemplou-a. Estranhamente, Joelle sentiu-se como uma oferenda sacrifical e cogitou - bem rápido - que seria assim na noite de núpcias, exceto que não estaria tão atraída, tão excitada. Melhor que a primeira vez fosse agora, com Leo. Por sua própria vontade. — Você está perdida em pensamentos.


Jane Porter - A bela da noite

35

— Só pensando em você. Ele arqueou uma sobrancelha. Ela sorriu. — Crê tão pouco em mim? Os olhos verdes flamejaram. — Não confio facilmente. — Bom. Nem eu. - E beijou-o devagar, e quando o beijo esquentou sentiu a relutância dele dissipar. Ele se remexeu, aninhando os quadris na sua pélvis. A pressão insistente da ereção tirou-lhe o fôlego. — Eu quero você - murmurou ela. — Estou aqui. — Mas ainda não dentro de mim. E de repente estava, rijo contra a carne tenra, o corpo robusto investindo com força. Ela quedava morna, lubrificada, mas não conseguiu penetrá-la. Joelle sentiu a mão dele insinuar-se, prepará-la antes de tomar o membro, massagear com a ponta as dobras delicadas, afagar, e ela reagiu instintivamente, abrindo mais as pernas. Ele acariciou-a com o membro uma vez mais e logo ao oferecer-lhe as ancas ela sentiu-o dentro de si, um centímetro ou dois, e quedou surpresa pela dilatação, pela fisgada de dor. Sempre doía assim? Joelle tentou relaxar. E ao pensar que era normal, já que ele estava rompendo o hímen, sentiu-o estocar com força. Mais força que esperava. Deve ter choramingado porque ele paralisou, e fitou-a. — Machuquei você? Ela ofegava, tentando ajustar-se ao tamanho dele. — Você é grande. — Devo parar? — Não. - Talvez devesse contar a Leo que nunca... — Não vou me mexer até que pare de doer - avisou, beijando-a com doçura. - Seu corpo só precisa se acostumar ao meu. Soou muito sábio e ela ficou grata pela dica, em especial porque continuou a beijá-la, mais apaixonado, a língua acariciando a sua língua, a boca distraindo-a do que acontecia com o resto do corpo.


Jane Porter - A bela da noite

36

Com o corpo assomado por deliciosas sensações, a dor amainou e descobriu-se irrigada, sensível. Ele começou a mover-se, em estocadas curtas e ela experimentou um frêmito voluptuoso de prazer. Ergueu as ancas e ele estocou mais forte, o prazer aumentou. E Leo penetrou fundo, tirando para penetrar de novo e o prazer entorpeceu-a. O sexo não era como imaginou. Era mil vezes melhor. E conforme ele arremetia dentro dela, a fricção avultou, tórrida, até os músculos contraírem, numa paixão incandescente, que ameaçava explodir. — Não posso... — Relaxe - ele sussurrou, e ela balançou a cabeça, insegura. - Relaxe - repetiu, assaltando-a com vigor, evitando que escapasse do libidinoso tormento e, justo quando ela pensou que conseguiria se controlar, o corpo irrompeu em chamas. Estremeceu desesperada, o corpo firmemente agarrado ao dele. Sentiu os lábios roçarem os dela e ele gemeu seu nome antes de arquear, contrair, e extasiar-se, assim como ela. Mais tarde, ao acordar, percebeu que ele ainda estava dentro dela, e pressentiu seu olhar. — Que foi? — Estou olhando você. — Por quê? — Você é linda. Envergonhou-se ao vê-lo grande, musculoso, nu. Porém a vergonha evaporou quando a puxou de volta para os seus braços. — Foi incrível - murmurou ela. — Sério? Joelle riu, feliz. — Hoje foi... - Não havia palavras. Mesmo se quisesse explicar, ele nunca entenderia o que significou para ela. — Sei que vou soar redundante, mas queria passar mais tempo aqui. Não estou pronta para ir. Adoraria bancar a turista. — É essa a razão para não querer voltar para casa? — Não. Não quero voltar porque não quero trabalhar, mas não quero ir embora porque amo Nova Orleans. Não faz muito sentido, faz? — Um sentido restrito. Ela riu, saboreou a beleza de Leo. Era tão viril na cama. Pura potência sexual.


Jane Porter - A bela da noite

37

— Fiquei aqui quase um ano e resta tanto que ainda não fiz. — Por exemplo? — Leo removeu os cabelos de um dos seios, cobrindo-o com a palma. Ela vibrou de prazer quando a mão cálida friccionou o mamilo de leve, torturantemente. — Tudo isso. — De olhos fechados, Joelle visualizou a Luisiana que não conheceu. — Adoraria fazer as excursões aos pântanos, locais assombrados, os passeios guiados no French Quarter... — Você está de brincadeira. - Com carinho beliscou-lhe o mamilo. Ela se agitou, o corpo serpeando de vida, as coxas úmidas e quentes. — Não. — Queria sentir de novo. O prazer. Entretanto não podia mostrar-se tão insaciável. Obrigou-se a pensar na lista de fetiches turísticos. — Adoraria um passeio a Audobon Park - suspirou, a mão dele tão quente no seio, o calor intenso. - Dar uma volta de bonde, um cruzeiro no Mississipi, o trivial. — Olhe para mim. A voz irradiou autoridade, e ela obedeceu. — Você passou um ano aqui, bella. Não fez nada disso? Não, mas fizera o impensável. Entregou-lhe o corpo, e também o coração. Estúpida. — Andei ocupada trabalhando. Quando não era um emprego, era outro. — Talvez amanhã. — Talvez — retrucou, sabendo que amanhã seria tarde demais. Ele não falou nada e ela notou certa compaixão. — Não me olhe assim. Posso parecer imatura, mas todos precisam crescer uma hora. Até rebeldes feito eu. — Eu não me preocupo. Sou do tipo empreendedor. Faço o que deve ser feito. — Como hoje? - brincou, tentando esconder os sentimentos. — Isso foi só o começo, bella. — Mas não era o começo, pensou ela, contendo as lágrimas. Era o fim... — Então como me saí? Bom? Ruim? Regular? - indagou ansiosa.


Jane Porter - A bela da noite

38

— Quer uma avaliação de desempenho? Não se perde a virgindade todo dia. — Quero. — Você foi ótima. Excelente. — Jura que não fiz nenhuma idiotice? — Jamais devia se importar com uma coisa dessas... — Toda mulher se importa. — Bem, você não devia. Você é maravilhosa. Foi inacreditável. — Que bom — replicou, mas à ansiedade sobreveio a tristeza. Esquisito... Foi a primeira vez com Leo. E a última. — Durma aqui hoje — convidou ele. — A maioria dos homens não gosta desse tipo de coisa. — Que tipo de coisa? — Você sabe. Dormir juntos. Compromisso. Ele riu. — Você sabe demais sobre o mundo, bambina. Só tem 22 anos. — Tenho irmãs mais velhas. — São muito ligadas? — Costumávamos ser. — O que aconteceu? Ela deu de ombros. — Nós crescemos. A expressão de Leo de súbito mostrou-se distante. — Tenho uma ligação telefônica de manhã, mas não quero que vá embora. — Ligação importante? Muito importante, pensou ele. Telefonaria para o avô dela, e para o pai. Não seria um telefonema cordial. Joelle beijou-lhe o peito. — Então vá dormir. Precisa descansar. Não se preocupe comigo. Joelle acordou. Era cedo, quase cinco e meia da manhã. Vestiu-se no banheiro, cuidando para não despertar Leo.


Jane Porter - A bela da noite

39

Não gostava de despedidas, e dizer adeus a Leo pareceu-lhe impossível.

Você sabia desde o começo, só uma noite, ralhou consigo mesma. Por uma noite ela foi outra pessoa. Livre, apaixonada. Mandou o juízo às favas. Foi apenas Joelle e não a princesa, a propriedade pública. Ninguém precisava saber. Vestida — exceto pela calcinha que sumiu — Joelle ajeitou os cabelos com os dedos em um rabo-de-cavalo. Ficou malfeito, mas funcional. Apanhou os sapatos e rumou para a sala, sentando-se na escrivaninha elegante. Usando o bloco de notas do hotel tentou rabiscar um bilhete para Leo, mas após escrever seu nome, não soube o que dizer. Restava pouco tempo. Diga alguma coisa. Então, ligeira, preencheu a folha. Torceu para que as palavras fossem coerentes. Joelle retornou ao quarto, deixou o bilhete ao lado de Leo. Estava adormecido. Observou-o um momento, memorizando cada detalhe. Sabia que jamais o veria novamente. E também que era um homem inesquecível. O autocontrole aparente escapou-lhe logo ao atravessar o lobby do hotel e sair pelas portas de vidro. O céu ainda estava escuro, salvo pela faixa acinzentada no horizonte. Joelle pensou que a noite com Leo calaria o anseio por descobrir o sexo e, sim, todas as curiosidades foram satisfeitas. Não gostou só do sexo. Gostou de Leo. Muito. O porteiro acomodou-a em um táxi e Joelle afundou no assento, irrequieta.

Não pense nele. Através da janela, viu o sol romper as nuvens, tingindo o céu de um rosado sutil. E lembrou-se da estação de carruagens na Royal Street e da sensação dos lábios de Leo nos seus.

Pare de pensar. Tarde demais para arrependimentos, concluiu. Porém isso não abrandou o aperto no coração. Queria saber como era fazer amor com um homem de verdade. Ser tomada nos braços de um homem forte, experiente. Ora, agora descobriu. E como fizeram amor. Ele iniciou-a em jogos lascivos que sequer supunha existir, revelou o prazer em variedades intermináveis de toque. Provocou, atormentou, deleitou-a. E não seria assim com o Príncipe Borgarde. E compreendeu que saber talvez fosse pior que não saber nada.


Jane Porter - A bela da noite

40

— Qual é mesmo o endereço? — indagou o motorista, rompendo o silêncio. Joelle reconheceu a vizinhança. — Fica no próximo quarteirão. O prédio de tijolos à esquerda. Após subir as escadas até o apartamento no segundo andar, Joelle entrou no chuveiro decidida a enfrentar o dia. Contudo, o jato d'água morna ofereceu pouco alívio. Não conseguia parar de pensar nele. Ou no modo como a possuiu, e cada vez que o corpo mergulhava dentro dela as ancas arqueavam para recebê-lo. Foi tão instintivo. Tão bom. Deleitou-se com a fricção lânguida da sua pele na dela. O calor do seu corpo... Como pôde dar tão errado? Preparara-se para sofrer um pouquinho... Entretanto nunca pretendeu apaixonar-se. Bateram à porta do banheiro. Era Lacey, a colega de Joelle. — Josie, é melhor correr. Senão vai perder o vôo. Joelle apanhou a toalha. — Já vou. Leo percebeu que Joelle saiu logo ao acordar. E permaneceu ali, espumando de frustração. Não devia ter dormido com ela. Como diabos perdera o controle? Ele nunca perdia o controle. Mas perdeu, e na hora errada, com a mulher errada. Lívido, Leo arrancou as cobertas, e avistando um fiapo de seda branca - a calcinha de Joelle — entre os lençóis beges, apanhou-a. Leo espiou a porta entreaberta, e depois o lençol. A débil marca de sangue pareceu muito mais escura. Ela era virgem. Impossível. E se fosse, por que perderia a virgindade pouco antes do casamento? Não fazia sentido. Abolira o hábito de possuir virgens há anos, decidindo que as virgens eram para os mais jovens. Mais sensíveis. Beirando os 35 possuíra muitas mulheres, e sabia o que queria e o que não queria. Queria provar que Joelle era uma impostora... não a princesa imaculada que o palácio


Jane Porter - A bela da noite

41

de Melio tentou convencê-lo de que arrebataria. E seduziu-a, deliberadamente, usando a destreza das mãos, o conhecimento da anatomia feminina para deixá-la de joelhos, pensando que... Leo sacudiu a cabeça, ao recordar fragmentos da noite passada. Como a insegurança dela, e o corpo, tenso. Foi difícil penetrá-la, mas culpou o nervosismo, e ainda... Leo suspirou. Houve resistência, quase um obstáculo, e cogitou, por um breve segundo, se já fizera amor, mas ela apenas encorajou-o e - cego de paixão - ele prosseguiu. Avançou, arremeteu dentro dela. Deus. Amargurado, avistou o bilhete na cabeceira, leu o que estava escrito. Maldezione, vociferou.

Leo, eu não poderia pedir uma "primeira" vez melhor, ou um amante mais generoso. Obrigada. Você foi maravilhoso. Com carinho, Josie. Era uma carta de agradecimento.

Por tirar a virgindade dela. Droga. Que situação ridícula. Jamais lhe agradeceram por fazer isso e muito menos com tanta educação, já que o tema subtendido era obrigado, mas você já era. Pensou que fosse libertina, leviana. Foi ótima na cama, todavia atribuiu a cumplicidade à experiência, senão... a quê? Curiosidade? Paixão? Como pôde permitir que um desconhecido - o que ele julgava ser - tomasse o que por direito cabia ao noivo? Ficou zangado. Muito zangado. Ela foi pura lava na cama, tão ardente, tudo o que desejava em uma mulher, tudo o que nunca acreditou que encontraria. Mas encontrar em Joelle, a própria noiva, de quem suspeitava sob todos os aspectos? Chega de joguinhos. Ele queria a verdade. Leo sentiu a fúria inundá-lo ao sair do hotel. O motorista aguardava no Mercedes negro, reluzente entre as palmeiras luxuriantes. — Para o French Quarter - ordenou, fornecendo o endereço. O trânsito fluía tranqüilo na Canal Street, e chegaram ao bairro dela em minutos. Leo nem sequer esperou o motorista abrir a porta. E saltou do Mercedes. Relembrou a doçura dela na cama, seu gosto de mel. Era mais sensual que qualquer mulher que conhecera e era virgem. E não uma virgem qualquer. Era a última princesa


Jane Porter - A bela da noite

42

virgem. E o fato de que a sua princesa, a sua virgem, entregou-se a um desconhecido - o que julgava ser - deixou-o furioso. Ela queria uma aprazível "primeira vez" ? Ótimo. Mostraria a ela muito mais que ontem. Ensinaria à espertinha tudo o que sempre quis saber. E ele apreciaria cada mísero instante também. Tocou a campainha. A porta se abriu, e uma jovem apareceu. — Pois não? - indagou, segurando uma caneca de café. — Estou procurando Josie d'Ville. — Ela já foi. — Foi trabalhar? Onde? - inquiriu, impaciente. A jovem de cachos ruivos sorriu comovida. — Foi para casa. Saiu para o aeroporto há mais de uma hora. Quatro horas mais tarde, na penumbra, Joelle esforçava-se para se acomodar no assento estreito. Estava voltando para casa da mesma forma como partiu - de classe econômica. Tentou inflar o travesseiro vazio, não que aquele molambo de poliéster pudesse ser chamado de travesseiro, e cerrou os olhos.

Adeus, Leo Fortino, pensou, com um nó na garganta. Olá, Luigi Borgarde.

CAPÍTULO SEIS — Ele chegou, Alteza. — A jovem aia fez uma reverência à por ta do aposento de Joelle. — O Príncipe Borgarde aguarda-a com seu avô. — Obrigada. Descerei logo. — Joelle se acovardou. Por que esperou até o último minuto? Por que não contou logo ao avô? Mas preferiu contar na presença do Príncipe Borgarde, para evitar mal-entendidos. Joelle respirou fundo, ensaiou as palavras novamente. Não haverá casamento, vovô. Não posso desposá-lo, príncipe. Talvez brigassem com ela, contudo o sermão do avô não adiantaria. Não era mais criança. E não passaria o resto da vida tentando fazer todo mundo feliz. Uma única noite com Leo a fez compreender que, por mais que desejasse ser como Nic e Chantal, fracassaria. E talvez ambas aceitassem os casamentos, mas ela não.


Jane Porter - A bela da noite

43

Pois não casaria com alguém que a via como simples meio de alcançar um objetivo. Não, queria um homem igual a Leo. Sexy, forte, apaixonado. É agora ou nunca, resolveu, vislumbrando-se no espelho da penteadeira - o vestido longo de crepe branco e um singelo pingente de ouro no cordão em torno do pescoço e, presos em um coque, os cabelos não mais castanho-escuros, mas de uma tonalidade luminosa de louro-mel. Tal qual o avô apreciaria vê-la — bonita, dócil, todavia não se sentia dócil. E sim armada para a guerra. Joelle tentou acalmar-se, e contemplou um porta-retratos na penteadeira. A mãe, no ano em que ganhou o disco de platina. Na foto, a mãe, muito chique na cerimônia de premiação, aparentava ter o mundo a seus pés. Joelle a invejava. Você teve sorte, mamãe, pensou. Você teve tudo. Desceu a escadaria, evitando pensar. Hoje era a festa do avô, e todos os amigos e entes queridos compareceriam, incluindo Luigi Borgarde. E julgou irônico que ele esperasse até a festa — duas semanas untes do casamento — para conhecê-la. Que noivo empolgado. Com tardia convicção, decidiu que jamais desposaria Luigi. Se não houvesse dormido com Leo... Contudo, não foi o sexo que mudou sua opinião, foi Leo. Gos tava dele. De verdade, Leo fizera amor tão intensamente, que nunca esqueceria tamanha paixão. Adentrando o Salão da Rainha, o menor dos três salões de baile do palácio, os tabiques de madeira branca e a coroa reluzente em contraste com as paredes azulcobalto, Joelle perscrutou o recinto à procura do avô. Avistou-o. Desacompanhado. E sentiu um aperto no coração. Os cinco esplêndidos candelabros venezianos orlados com cristais azuis cintilavam sobre o Rei Remi Ducasse, de fraque e com o cabelo ralo penteado para trás, realçando a face ainda encantadora. Seria o segundo aniversário sem a avó. Joelle engoliu em seco e, ao avançar na direção dele, a multidão se dispersou e percebeu que se enganara. Ele não estava só. Joelle petrificou, incapaz de dar outro passo. O avô estava perante o magnífico Ticiano - o quadro favorito da avó -, prestando atenção em um dos convidados. Não discerniu o rosto, só que o convidado era alto muito alto - e Joelle sentiu o sangue gelar. Somente um homem transpirava tamanho poder. Restou-lhe apenas admirá-lo,


Jane Porter - A bela da noite

44

perplexa. Fizera de tudo ao seu alcance para esquecer Leo Fortino e aqui estava ele, à vontade com o avô. Talvez fosse outra pessoa, ponderou, arrepiada. Talvez possuísse o cabelo quase negro e postura idênticos, pois havia muitos convidados elegantes. Sofisticados. Ande logo, ralhou consigo mesma. Aproximou-se do avô, viu-o sorrir, o convidado virar-se e o choque inundou-a em ondas.

Leo. Era Leo, e olhava para ela, calado. Que confusão! Obviamente já sabia quem ela era e, a julgar pelo silêncio sepulcral, estava furioso. — Joelle, adorada. — O avô atraiu o olhar dela. Apoiava-se com dificuldade na bengala, porém os olhos azuis sorriam. — Feliz aniversário, vovô - sussurrou. — Obrigado, querida. E, Joelle, deve saber quem temos aqui. Sim, pensou, controlando a palpitação enlouquecida, sabia. Ele estava lindo, de trajes formais, a camisa branca em deslumbrante contraste com a pele morena. E, sem pestanejar, lembrou o modo como a beijou, como a tocou e como ela ardeu em chamas. Por isso não pode desposar Luigi, refletiu. Você entregou o coração a Leo. Não que ele se mostrasse muito feliz ao vê-la. — Ela é linda, não é? - elogiou o avô. — É mesmo - concordou Leo, e seus olhares se encontraram. Aturdida, desviou os olhos. Por que parecia contrariado? Foi ele quem disse que era só sexo, e ela assentiu. Sem exigências... Os dedos crisparam-se instintivamente, o espalhafatoso anel de noivado incomodou. Será que vovô sabia da noite com Leo? Não, concluiu. Do contrário não estaria exultante. Era tão antiquado quanto a própria água-de-colônia. Um garçom surgiu com uma bandeja de prata. — Ah, excelente - comemorou o avô. - Champanhe. - Apanhou uma taça, ofereceu outra a Joelle, uma terceira a Leo.


Jane Porter - A bela da noite

45

— Brindemos ao feliz regresso de minha neta. Eu não podaria pedir um aniversário melhor. — Obrigada, vovô. Encontrar Leo nessa situação foi cruel. Queria reencontrá-lo, mas não enquanto fosse noiva de outro. — Pronta para o casamento? - indagou o avô. — Vovô - engasgou, corada. Ele não demonstrou ouvir. — Só faltam duas semanas. — Por favor, agora não, vovô. — Não fique nervosa. O Príncipe sabe que é inexperiente... Agarrou-o pelo braço, interrompendo-o. O avô encarou-a. — Que foi? Ela não conseguiu falar. — Tudo bem, querida. Toda noiva fica nervosa... — Precisamos conversar - desabafou. - Quero conversar com você e o príncipe juntos, mas como ele não está presente... — Que está dizendo, Joelle? — Que não posso desposar o Príncipe Borgarde. Não sem sentimentos... — Ora, claro que não tem sentimentos por Leo, acabaram de se conhecer. — Quer dizer Luigi - corrigiu ela. — Quem é Luigi? — O príncipe. Luigi Borgarde. — Não existe Luigi nenhum, só Leo. — Quê? De súbito ela não conseguia respirar. — E haverá casamento sim - persistiu ele. Impossível... Leo não era Luigi... — Não estou me sentindo bem - avisou, trêmula. O avô não escutou; e propôs outro brinde. — Ao futuro.


Jane Porter - A bela da noite

46

— Ele sempre desligava o aparelho auditivo nas festas, mas o gesto pareceu perverso, considerando as circunstâncias. — Ao futuro - arremedou Leo, erguendo a taça. O futuro dela... — Estou me sentindo... — Calou-se, e seguraram-na pelo cotovelo. — Tonta? - A ríspida voz masculina completou. A voz de Leo. Sim. O toque abrasou-a, tão familiar quanto doloroso. Perdeu o controle dos dedos dormentes. A taça de prata quicou no chão, o champanhe jorrou. — Sinto muito. - Joelle apanhou um guardanapo, se ajoelhou e pôs-se a enxugar a poça no piso de mármore. O avô cutucou-lhe as mãos com a bengala. — Os criados cuidarão disso. — Alguém pode escorregar - balbuciou. Ai meu Deus... Leo tomou-lhe a mão, e ergueu-a não muito gentilmente. — Vai sujar o vestido. O vestido branco era a última das suas preocupações. — Você sabia - gaguejou ela. — Lógico. Seduziu-a sabendo que seria sua esposa. Usou-a como se ela não fosse nada. Ninguém. — Confiei em você. Pensei... A bengala do avô golpeou o piso impacientemente. — Fale alto, querida, sabe que não escuto bem. — Perdoe-nos, Majestade. - Leo elevou a voz, mantendo o tom respeitoso. - Mas a princesa expressava seu constrangimento. Alega que não me reconheceu em Nova Orleans. — Não reconheceu? - repetiu o rei, intrigado. — Sim, Majestade. Não reconheceu que eu era... o seu príncipe. O queixo de Joelle caiu. — Mas você contou que se encontraram em Nova Orleans.

Não.


Jane Porter - A bela da noite

47

O Rei Remi voltou se para Joelle. — Faz apenas uma semana. Como não se lembra dele? — Eu...lembro. — Então qual é o problema? — Só está emocionada - argumentou Leo, o sorriso intimidador. - Talvez a princesa e eu necessitemos de algum tempo a sós. Um calafrio percorreu-lhe o corpo. Depois do sofrimento que lhe causou? Nunca. — Discordo - retrucou. - É aniversário do vovô... — Tolice. - O avô bateu a bengala. - Saiam, tomem ar fresco, mas voltem quando o jantar for servido. O príncipe é meu convidado de honra. E o avô deixou-a sozinha com Leo. — Surpresa? - murmurou Leo, afinal. — Odeio você. — Não me odiou na cama. Cretino. — Você disse que era Leonardo Marciano Fortino... — E sou. — O que aconteceu com Luigi? — Como seu avô explicou, não existe Luigi nenhum. — Mas... — Engano seu. Inacreditável. — E o título de Príncipe de Borgarde? Foi só uma omissão conveniente? — Você não sabia meu nome. Não julguei de bom-tom enfiá-lo pela sua garganta abaixo. — Ah, por favor! — Por favor o quê, bella? O que o seu coraçãozinho deseja agora? A raiva carregava uma entonação sexual, evocando a paixão entre ambos. Estava testando, seduzindo-a como em Nova Orleans. E, engraçado, até ontem a perspectiva de se casar com Leo a entusiasmaria, mas agora era diferente. Ele traiu sua confiança. — Não vou casar com você.


Jane Porter - A bela da noite

48

— Não seja boba. — Boba? Vou dizer o que é bobo. Nós dois. Acabou. O noivado. O casamento. Segurou o anel, tentou tirar os extraordinários diamantes cercados por rubis do dedo. - Chega. A mão dele cobriu a sua. — Deixe isso aí. — Não. Você me enganou. Me deixou acreditar que... — Ele apertou seus dedos e, segurando firme, puxou-a para si, a ponto de lograr sussurrar-lhe ao ouvido. — Que tudo foi lindo e maravilhoso? Que você foi sexy e insaciável na cama? — Fale baixo. - As lágrimas pendiam dos cílios. Não podia chorar em público. As pessoas observavam, e Leo sequer sorriu para disfarçar. — Como o seu avô disse, precisamos de ar. E Leo arrastou-a consigo pelo salão abarrotado em direção ao terraço. A noite estava morna e, logo que pôde, Joelle rechaçou-o. — Não pode me obrigar. O casamento é arranjado, mas é consensual. — Justo como o sexo. Ah, que golpe baixo. — O que aconteceu naquela noite não importa. — Não? — Foi só... uma... exceção. Não acontecerá novamente. — Acho que está confusa, Joelle... Josie... seja lá quem for. Porque era você e eu em Nova Orleans. Você e eu na cama. — Não. Você era um desconhecido. Alguém inofensivo... — Inofensivo? Bella, decerto não me conhece. — Não me ameace. — Não estou ameaçando. Ainda. Deus, como era ingênua, pensou Leo, vendo Joelle esquivar-se, debruçando-se na sacada de pedra. Nem sequer imaginava o que ele passou na última semana. O primeiro impulso foi pegar um avião, exigir-lhe explicações. Porém sabia que era temperamental demais. Que precisava de um tempo, e ela, também.


Jane Porter - A bela da noite

49

Mas cansou de ser paciente. Josie quebrou todos os tabus, e precisava compreender o por quê. — Você dormiu comigo. — Você reparou? — Quero uma resposta séria. Por que dormiu comigo? — Porque quis. — Não é suficiente. — Que pena! É tudo que conseguirá. — Errado - murmurou ele. - Já consegui mais. A única coisa que nunca desejou me dar. - Ela enrubesceu. Sabia que estava encurralada. — É isso que chateia você, não é? - continuou. - Pensou estar liquidando a virgindade por aí, mas entregou-a a mim. — Então cometi um engano. — Por quê? Por que eu? Nunca teve intimidades com outro homem. — Não se mostre tão espantado. Você me viu na boate. Viu as calças de couro, a maquiagem pesada. Me viu cantar e entendeu o que quis — que eu era suja. Rodada - e não pouco, mas um bocado. E errou feio. Os olhos fulminavam, revelando a mágoa e a ira. — Nunca fui promíscua. Curiosa, sim. E por isso dormi com você. Grande coisa. Com os cabelos cor de mel presos na nuca e o pingente dourado entre os seios, Leo julgou-a semelhante à mitológica deusa Diana, ultrajada ao ser flagrada banhando-se por um caçador. A deusa tinha um gênio infernal. — Grande coisa - arremedou, momentaneamente solidário aos mortais que enraiveceram a bela Diana. — Vá embora - bradou Joelle. — Não vou a lugar nenhum até resolvermos isso. — Resolver o quê? Que foi o primeiro homem a dormir comigo? Que eu não queria casar virgem? Ora, já sabe de tudo. — Por que não quis mais ser virgem? — Você não é, é? — Óbvio que não. — Exato. Flagrou-se reagindo a ela, como em Nova Orleans.


Jane Porter - A bela da noite

50

Jamais acreditaria que fosse tão inexperiente. Tudo entre ambos pareceu tão espontâneo. Como se fosse feita para ele. Joelle foi irreprimível, fascinantemente sensual na própria inocência. Mostrou-se tão cúmplice... — Não se dorme com um homem sem contar uma coisa dessas. — Eu não sabia que devia fazer um anúncio solene. Obrigada, Leo. Não cometerei gafes da próxima vez. — Da próxima vez você não será mais virgem.

CAPÍTULO SETE Tamanha empáfia enfureceu-a. — É inacreditável que se importe tanto com uma membrana. Leo segurou-a firme pelo braço. — É inacreditável que você fale nesse tom. Sua pobre avó desmaiaria. Ela tentou desvencilhar-se. — Você nem a conheceu e, aliás, ela não está mais aqui, está? — Não. Mas eu estou. - E puxou-a para si, com tanta força que ela sentiu os seios esmagados contra o peito dele, e estremeceu ante o íntimo contato. — Por que foi embora antes que eu acordasse? — Já expliquei — redargüiu, agarrando-se à raiva, para não ceder ao desejo. — Em um bilhete. — Podia ter saído sem deixar bilhete nenhum. — Você me agradeceu por tirar a sua virgindade. — Falei que apreciei a sua generosidade, e que foi um parceiro perfeito para a primeira vez. De súbito ele baixou a cabeça e os lábios cobriram os dela. — Vai pagar por isso, Josie. O beijo abrasou-a, e então a ira dissipou-se, derretida por urna paixão muito mais explosiva, perigosa.


Jane Porter - A bela da noite

51

Sentiu como se pertencesse a ele que, por sua vez, também sabia disso. Sabia que comandava a situação, esperava a hora certa de atacar. Possuí-la. E, tola como era, queria ser possuída. Ele era tão viril --- ardente. Contudo ele e a paixão amedrontavam-na. Joelle recuou, palpitante. Virou-se, contemplou o salão azul. — Todos já foram. — Devíamos entrar. — Não vou entrar. Apresente minhas desculpas ao vovô, diga o que bem entender... que fiquei enjoada, tive uma enxaqueca. Ele riu. — Não direi nada. Garantimos que estaríamos lá, e ponto. — Não, Leo. Não posso entrar... — Que pena! Seu avô nos aguarda. Fitou-o nos olhos, viu orgulho e arrogância, e assim compreendeu tudo. A noite com Leo inadvertidamente transformou-a em sua propriedade. — Se pensa que vou entrar e bancar a noivinha feliz, está enganado. — Nem você seria egoísta a ponto de arruinar o aniversário do seu avô. — Ele vai sobreviver. — Vai mesmo? Ele andou muito doente nos últimos meses... — Mentira. — Como sabe, bella? Não estava sequer aqui. — Não ouse me recriminar. Essa é a minha família... — Se é uma neta tão devotada, por que não retornou quando ele teve pneumonia? Por que não pegou o primeiro avião quando o julgaram desenganado? Leo estava inventando tudo. — Ele nunca ficou doente assim. — Ele quase morreu. Lágrimas inundaram-lhe os olhos. — Você está exagerando. — Preferia estar, mas é verdade. Veja, bambina, ao contrário de você, eu fiquei aqui. Velei por ele no hospital, segurei sua mão. — Ninguém me avisou. Ninguém telefonou.


Jane Porter - A bela da noite

52

— E você telefonou alguma vez? — Tirei um ano de férias... Mas é claro que voltaria, se soubesse. — Ele é velho. Perdeu a esposa há um ano. E você tirou férias? — Não foi bem assim — Sério? As pessoas não valorizam o que têm, até perder. Ele não sabia como o pesar esgotou-a. Que foi impraticável visitar o cemitério sem que a imprensa escrevesse sobre ela, a princesinha deprimida. E podia duvidar da sua devoção, mas ela só aceitou o casamento para ver o avô sorrir novamente. A qualquer preço. — O que você quer? Ele riu, incrédulo. — Quero que você, bella, faça a coisa certa. — E qual é a coisa certa? — Honrar nosso compromisso. O jantar foi servido no salão intermediário, pintado na mais tênue nuança de coral. Belos afrescos românticos ornavam os vãos sobre as janelas. Joelle pressentiu que chamaram a atenção ao se sentarem ao lado do avô na cabeceira da mesa. Chantal e Nic sentavam-se na extremidade oposta, longe demais para conversas. — Todos estão olhando - cochichou Joelle. — Só estão curiosos - replicou Leo, roçando o ouvido dela com os lábios. - Imaginando por que chegamos atrasados, o que fazíamos. Sexo, a palavra vibrou dentro dela. Bastou olhar para ele e associar penumbra com isolamento. — Gosto dele - confidenciou de súbito o avô. - Leo é ótimo para você. Joelle mordeu a língua. O avô não sabia metade da história. Contudo Leo tinha razão. Seria injusto aborrecê-lo hoje. Aparentemente perderam o consome. A salada acabara de chegar, em pratinhos enfeitados com beterraba e queijo de cabra. Napolitana temperada ao vinagrete com limão e raiz-forte. Joelle não sabia como sentaria ao lado de Leo por uma hora ou mais, fingindo que o casamento seguia de vento em popa. Os pratos de salada foram retirados e os garçons trouxeram lagosta e arroz de açafrão.


Jane Porter - A bela da noite

53

— Apreciando o jantar? - indagou Leo. E encostou a coxa na dela debaixo da mesa, de propósito. Ela afastou a perna. — Não me toque. — Mas você adorou isso semana passada. — Semana passada. — Que volúvel! — Pare. - O avô espiou, ressabiado. - Querido - acrescentou ela -, você nos pouparia muitos dissabores acaso revelasse quem era. — E você dormiria comigo? — Não. — Por que não? — Não pretendia que fosse eterno, querido. Devia ser só uma noitada. Por um instante ele emudeceu. Deu uma garfada. Provou o vinho. E quando a fitou, ela entendeu porque a delonga. Estava furioso. — Noitada? Joelle não queria provocá-lo, não entre 150 aristocratas europeus. — Não me obrigue a ser grosseira - sussurrou, apunhalando a lagosta. — Oh, seja grosseira, por favor. Estavam destruindo tudo, pensou ela. Transformando as lembranças em rancor. Fora tão generoso na cama, a sensualidade crua, voraz. Adorou ser tão desejada. — Nada pessoal, Leo. Jamais deveria passar de uma noite. — Ótimo. Imagine se fosse pessoal. — Não vejo motivos para drama. Ambos conseguimos o que desejávamos. Eu ganhei experiência. E você fez o test drive. — Não foi por isso que dormi com você. Ela engoliu em seco. — Jura? Não atinou como passaram o resto da noite. O tempo parou. Enfim foram todos conduzidos ao terceiro ambiente, um esplêndido salão branco e dourado. Espelhos revestiam as paredes, e uma orquestra executava as músicas prediletas do avô - de Mozart a Gershwin.


Jane Porter - A bela da noite

54

Graças a Deus Leo não a convidou para dançar. Joelle impôs o máximo de distância entre ambos, buscando guarida nas irmãs e em seus maridos. — Como é voltar para casa após um ano? - indagou Nic, abraçada ao sultão. Estava grávida de novo, e todos apostavam que seria outro menino. — Ótimo - replicou Joelle. Obrigou-se a recordar o momento quando o jato sobrevoou a cidade. Porto, a capital, era uma das mais pitorescas cidades mediterrâneas. Amava Melio e a ilha gêmea, Mejia. Há alguns anos Melio e Mejia quase se separaram. Mejia seria entregue ao domínio francês, e Melio, à Espanha, acaso os Ducasses não pagassem os tributos e empréstimos. A união de Nic com o sultão salvou o país, e como Chantal desposou um plebeu, restava a Joelle providenciar os preciosos herdeiros. As leis não seriam reescritas, tampouco os filhos de Chantal ou Nic sucederiam ao trono, o que caberia à Joelle e seu consorte. E, a caminho de casa, Joelle pensou que Melio merecia o sacrifício. Mas agora... Agora preferia ver cada lei reescrita a desposar Leo Fortino. Uma hora depois, Leo acompanhou-a pela escadaria até seu aposento. — Não é necessário - protestou Joelle, sentindo Leo nos calcanhares. Parecia um carcereiro em vez do amante da semana passada. - Não devia abandonar a festa... — Você ficou cansada. — Não preciso de pajem. Conheço o caminho do meu quarto. — Mas é a minha prometida. Esperam que cobicemos um instante a sós. Quase empurrou-o escada abaixo. — Ninguém está olhando. Agora pode ir. — E deixar o trabalho pela metade? Nunca. Vou escoltá-la até a porta. — E me trancafiar também? — Se tivesse a chave, sim. — Teme que eu fuja? - Sarcástica, tentou rir, mas a voz embargou. — Já fugiu uma vez... — Quando? — O ano em Nova Orleans. — Não foi uma fuga. — Imagine, foi só escapulir de fininho, enquanto todos dormiam. Bem similar ao


Jane Porter - A bela da noite

55

truque da semana passada. Sumir de madrugada, rabiscar um bilhetinho. Você é boa nisso, sabia? — Foram vinte anos de treino — caçoou, ponderando que fugir não era má idéia afinal. À porta do quarto, tentou esgueirar-se para dentro sem permitir que ele entrasse. Todavia, Leo segurou a porta com força, até ela desistir. — E agora? - inquiriu ela, largando-se no divã de veludo. — Não temos um roteiro, bella. Joelle observou Leo examinar o aposento, primeiro a mobília - incluindo o canapé de veludo verde —, depois as fotografias nas paredes. Na maioria, retratos da mãe que outrora decoraram o gabinete do pai. Certa ocasião, Joelle chegou do colégio e achou um quadro no lugar das fotos. Mas pendurou tudo de volta, apesar de a avó reprovar. Ela reclamava que o quarto transformara-se em um templo. Leo apanhou um dos porta-retratos na penteadeira. Um fotógrafo flagrara a mãe seminua, debruçada no espelho. Porém, a despeito da maquiagem, da insinuação dos seios desnudos, Star parecia jovem. Inocente. — Ela está linda nessa - comentou. Joelle compreendeu o que sugeriu. Para ser Star, a mãe reinventou-se, apagando a garota provinciana que passara fome para tornar-se especial. Mítica. Mas naquela foto, tirada no auge do sucesso de Star, via-se a garota da roça no espelho, o estigma da miséria nos olhos. — É o meu favorito. Quando o admiro, quase creio que a conheço. — Chantal comentou que é obcecada por ela, desde adolescente. Que pecado! — Quando ela falou isso? — Na noite que passei no hospital com seu avô. — E logo o transformou em confidente - retrucou amarga. — Estava preocupada com o futuro. Preocupada com você. — Então devia ter conversado comigo. Até você sabia onde me achar. — E isso a incomoda? — Não detestaria jamais ser consultado? Se todos presumissem saber o que é melhor para você? Mas provavelmente nunca o magoaram. Ele disfarçou o semblante.


Jane Porter - A bela da noite

56

— Conheci a mágoa, mas não vivo no passado. — Sorte sua. Sabe, Chantal tinha 12 anos quando nossos pais morreram, Nic tinha nove. Eu, quase cinco. Elas se lembram da mamãe. Eu não me lembro de nada. Nenhum sorriso sequer. — Por isso foi à Luisiana? Para encontrar sua mãe? — Talvez. De fato, só ao chegar lá compreendeu o que procurava. Família. Raízes. Joelle e as irmãs cresceram em Melio, e após a morte dos pais os avós paternos criaram-nas no palácio - mas a família materna era intrigante. Os misteriosos d'Ville de Baton Rouge. Entretanto, os parentes americanos não foram hospitaleiros. Não a receberam a bala, mas quase. Ao visitar-lhes o casebre, os tios e primos suspeitaram das suas intenções. Recordando como foi escorraçada, Joelle sentiu uma antiga dor. Pois após perder a avó, tampouco se sentia uma Ducasse. — Ria à vontade, mas pensei que encontraria a mim mesma. Ele não riu. — E encontrou? — Acho que não. Leo acariciou-lhe a cabeça. — Podemos recomeçar? Tentar reconstruir tudo sob uma base sólida? Ela não respondeu, não conseguiu. Leo estava próximo demais, irradiando autoridade, carisma. — Não sei como recomeçar - replicou, afinai. — Por que não?

Porque pensei que me queria pelo que sou. — Saber o que sei muda tudo. Compreendo os seus... motivos. — Motivos? — Você andou me investigando, não foi? Leo não respondeu e a angústia avultou. Aquela noite incrível tornou-se hedionda. — Você não confiava em mim. E por isso não revelou quem era, porque queria provar que eu não era a princesa virtuosa que lhe prometeram.


Jane Porter - A bela da noite

57

— Não pretendia magoá-la. E, sim, precisei descobrir quem era antes de casarmos. — Poderia ter me visitado em Melio. Oferecido uma chance... — Foi o que fiz. — Quando? Em Nova Orleans? Hoje? — Não importa... — Importa sim. — Por quê? — Porque não existe relacionamento unilateral. Preciso confiar em você também. E não confio. — Talvez ajudasse pensar em mim como Luigi. Tentava animá-la, sem entender que ela se apaixonou por ele - de verdade. Apesar de o homem que ela queria não existir. — Você não é nenhum Luigi. — Mas podia ser. Joelle quis sorrir, todavia sentiu mais pânico que outra coisa. Leo estava próximo demais. Pressentia o magnetismo, a tensão entre eles. — Não. Você é Leo. - Um leão. Uma fera. Perscrutou-lhe as feições, o talhe do terno, as pernas musculosas. Fera soou perfeito. Uma fera perversa, a propósito. Ele se aproximou, furtou-lhe um dos passadores de cabelo. Ela ofegou ante o toque íntimo, fascinada. Leo removeu outro passador do coque, e enfim libertou os ca belos. — As coisas serão melhores. Só precisa nos dar uma chance. — Leo... — Confie em mim. Então, beijou-a, um beijo sensual que fê-la vibrar da cabeça aos pés. Se ao menos ele jamais houvesse mentido... Mas mentiu, e estragou o lindo sonho, aquele que toda mulher tem com belos príncipes e finais felizes. Embora a vida não seja nenhum conto de fadas. Nem sequer para princesas de carne e osso. De repente, Leo ergueu a cabeça. — Não esqueça a sessão de fotos amanhã. Dez horas em ponto.


Jane Porter - A bela da noite

58

Fotos? — Que sessão? Onde? — Nosso retrato oficial de noivado. Seu avô disse que é uma tradição. — Leo... — Lembre-se, às dez. Lá embaixo. - Acariciou-lhe os lábios antes de sair. - E não se atrase.

CAPÍTULO OITO Leo encontrou Nicollette na soberba escadaria. De vestido azul de paetês, o cabelo louro trançado em um coque, Nicollette mostrava-se elegante, apesar da gravidez avançada. — Apreciando a festa? - indagou, risonha. Claro, acaso gostasse de confusão. — Sim, obrigado. E você? — Muito. Não via o vovô tranqüilo assim desde que vovó faleceu. Leo não queria mesmo ouvir isso. Já se sentia culpado feito um condenado. — Deve estar feliz por ter as netas em casa. — Talvez, o alívio nos olhos dele é notável. O pesar evaporou a preocupação com o futuro de Melio. Vovô confia tanto em você. Todos nós confiamos. As palavras de Nic estrilavam na cabeça de Leo mesmo após despedir-se e retornar à suíte no elegante Porto Palace Hotel no centro da cidade. Contemplando a vista panorâmica da baía da janela do quarto, tirou a gravata, desabotoou a camisa. A voz de Nic continuou ecoando. Vovô confia tanto em você. Todos nós confiamos.

Todos nós. Eu não, respondeu Leo, largando-se em uma cadeira do suntuoso aposento. O casamento era uma aliança entre famílias, todavia na última semana ele e Joelle transformaram o pacto em algo bem mais íntimo... Já não se tratava de política. Como se casariam nessas circunstâncias? Quase sem consenso? Ele odiava conflitos, mas Joelle abusava, deixava-o louco. E detestou sentir-se assim.


Jane Porter - A bela da noite

59

Descontrolado. Como quando garoto. Arrastado ao redor do planeta pela mãe, a bela Princesa Marina, amada por todos, exceto pelos que a conheciam bem. Agastado, Leo empurrou a cadeira, rumou para o banheiro, abriu a água. Despindo-se, deixou-se acalmar pela torrente gelada. O Rei Remi contava com ele. Era velho e carecia de amparo. Portanto ele e Joelle superariam as diferenças. Tudo acabaria bem. Entretanto, ao regressar ao palácio na manhã seguinte para a foto oficial, Leo descobriu que Joelle ainda não descera. Esperou 15 minutos, mais 15 e afinal pediu que a chamassem. A criada retornou. — Sua Alteza não se encontra no aposento. Remi convidou-o a aguardar no gabinete, mas foi terrível controlar os nervos. Desposar a Princesa Ducasse foi uma decisão política. A pior decisão política que jamais tomara. Acabaria com essa maldita confusão agora, não fosse pela fragilidade de Remi. Bom, e também pela infelicidade de haver deflorado a noiva. Leo não era nenhum cavaleiro de armadura brilhante, mas não se rouba a inocência de uma princesa para depois devolvê-la ao patriarca da família. — Conhaque? - ofereceu Remi. — Cedo demais para mim - retrucou Leo, lembrando que já desejara ser o príncipe encantado, que mata o dragão e salva a donzela. Antes de compreender o mundo onde nascera. Sua família era tão problemática quanto possível, apesar de os pais terem casado por amor. Mas, se aquilo era amor, queria distância. E portanto nunca incluiu o amor nos próprios planos, nem quando namorava, tampouco ao decidir casar, ou escolher Joelle. Evitou o contato deliberadamente até o casamento aproximar-se. Leo desejava compromisso, não paixão. E, no entanto, o que aconteceu com Joelle foi a mais pura paixão. — Talvez aceite este drinque - disse Leo, mudando de idéia. Remi sorriu brincalhão. — Ela me levou à bebida. Leo apanhou o copo e o rei acomodou-se em uma poltrona de couro.


Jane Porter - A bela da noite

60

— Mandei Chantal atrás dela - declarou Remi, tentando parecer confiante. - Ela vai encontrá-la. Leo duvidava. Devia ter previsto que Joelle simplesmente partiria. Era boa nisso, tanto quanto a mãe dele. Pois o altruísmo não constava entre os encantos de Marina. — O fotógrafo esperará - comentou o rei. Claro, as fotos. O retrato oficial de noivado. Como se quisesse tirar as malditas fotos. Na infância tivera o seu quinhão de sorrisos forçados, em especial antes do divórcio dos pais. Mas Leo não abominava apenas as fotos encenadas. Detestava todas, inclusive instantâneos. Jamais sorriria para outra câmera Polaroid. Jamais se deixaria manipular... sorrir educado, como se nada o perturbasse. Que irônico, pensou Leo, esforçar-se tanto para ser educado, pelo bem do rei, enquanto Joelle fugia à la Princesa Marina... Remi tateou o tapete com a bengala, receoso. — Nicolette sempre foi teimosa. Dada a chiliques. Mas Joelle... Chantal vai encontrála, conhece todos os esconderijos favoritos dela. Chantal não a encontrou, mas Nic descobriu um bilhete no quarto de Joelle, e os seguranças alertaram o Rei Remi que Joelle foi vista embarcando em um trem com destino a Mejia. Remi convocou uma reunião familiar. As netas e os maridos compareceram ao gabinete. E Leo também. Humilhado. — Como ela obviamente vai para a casa da ilha — observou Chantal —, Leo poderia pegar o helicóptero de Demetrius e trazê-la de volta. Nic fez uma careta. — Por quê? Decerto ela não quer ficar aqui. — Mas só porque detesta a exposição pública - argumentou Chantal. — Então se hospede na ilha - sugeriu Malik Nuri, marido de Nic. - Aproveite a casa e tente resolver as coisas. — Possuo uma casa lá, também - disse Leo, disfarçando o embaraço. - Talvez demore alguns dias... — Uma semana. - Remi interrompeu, batendo a bengala. - Duas semanas. — O tempo necessário - Leo anuiu, lacônico.


Jane Porter - A bela da noite

61

Uma hora depois, pacientemente Joelle aguardou a barca an corar. Adorava Mejia, desde menina. Lá a vida era muito mais simples. Um chapéu branco de palha escondia os cabelos, grandes óculos escuros protegiam o rosto, porém, mesmo reconhecendo-a, ninguém espiou ou cochichou. O que era maravilhoso em Melio e em Mejia é que todos respeitavam a família real. Apenas estrangeiros interpelavam os Ducasses. Joelle empunhou a bolsa estufada e dirigiu-se à fileira de táxis. O casarão não ficava longe do cais. — Bella, bella, bella. Não. Ele não. Não aqui, Joelle permaneceu cabisbaixa, como se o chapéu pudesse torná-la invisível. O que em nome de Deus ele fazia aqui? Ele ergueu-lhe o queixo, forçando-a a encará-lo. Ombros largos. Corpo musculoso, altivo. O sujeito não tinha intenção de recuar. — Deixe-me em paz. — Que faremos com você, bella bambina? Hein? — Esqueçam-me. — E partir o coração do seu avô? - Fez um tsc, tsc reprovador. - Creio que não. — Você não entendeu a deixa, não é? — Logo vai me conhecer. - Enlaçou-a pela cintura, e conduziu-a até o carro. - E felizmente teremos tempo de sobra para nos conhecermos melhor. — Não vou a parte alguma com você. — Não tema, bella. Serei paciente. O casamento é só daqui a duas semanas... — Não haverá casamento! — Lógico que haverá. Seu avô não suportaria uma humilhação pública. O chofer abriu a porta quando abordaram o elegante seda. Joelle empacou. — Não vou a lugar nenhum. Suspirando, Leo empurrou-a na traseira antes de acomodar-se com mais sutileza ao seu lado. O chofer deu a partida como se nada acontecesse. Mas Joelle espumava.


Jane Porter - A bela da noite

62

— Você não tem esse direito. — Agora talvez não, mas em duas semanas... — Nunca! — Serão duas longas semanas. — Você é louco. - Deixaram os penhascos, rumo às colinas verdejantes. Embora Joelle e as irmãs tivessem uma linda casa com praia particular seguiram em outra direção. - Para onde vamos? — Para casa. — Não a minha casa. Ele não respondeu. Apenas espreguiçou-se no assento de couro. Ela sentiu a pele arrepiar-se ante a proximidade do seu corpo. — Dá licença? — Josie... — Não me chame assim. — Talvez umas boas palmadas no bumbum resolvessem os seus problemas. Antes que desse por si, ele a pôs no colo e, levantando a saia curta, sapecou-lhe várias palmadas no bumbum. Mortificada, afastou-se dele o máximo possível, a pele abrasada. — Não acredito que fez isso. — Eu avisei. Melhor começar a prestar atenção. Não faço ameaças vãs. E perdoe-me, princesa, mas você mereceu. Joelle encolheu-se no canto com os olhos cheios de lágrimas. — Não esquecerei isso. — Ótimo. Vinte minutos depois pararam ante um imponente portão de ferro. O portão abriu devagar e o carro passou. Contornaram uma alameda, a folhagem densa interrompida aqui e ali por palmeiras tropicais, os muros verdes realçados por ramos de buganvília lilás. O motorista estacionou na frente de um casarão amarelo, o mar azul-turquesa visível logo atrás do telhado coral. O chofer desligou o motor e Joelle observou a casa melhor, uma combinação de técnica e criatividade, com uma torre própria. Parte estilo provençal, parte colonial, as janelas gentilmente arqueadas eram emolduradas por venezianas verdes e sacadas.


Jane Porter - A bela da noite

63

— Vamos, querida, conhecer a casa? Os dedos coçaram para tirar as sandálias e jogá-las na cabeça dele. — Mas é claro. Não há nada que eu apreciaria mais. O passeio foi breve e objetivo. Leo deu uma rápida volta pelo solar, mostrando cada cômodo, os numerosos aposentos no andar superior, e enfim a espaçosa suíte da torre. — Nosso quarto. Joelle gelou. — Quarto de quem? — Nosso. Agora ela ardeu em chamas. Desesperada por ar, correu para a janela. Mas o ar não pareceu nada fresco. Joelle contemplou a vista. — Eu prefiro um quarto no térreo. Leo acomodou-se em uma poltrona. — Aposto que sim. Mas me sentirei melhor sabendo que está a salvo comigo. De camisa branca, calça de linho e sandálias de couro italianas, parecia um homem de férias. Sem qualquer preocupação. — Não devia estar em outro lugar? No trabalho... um cargo real? — Não. — Não sei o que pretende, mas sei que meu avô jamais aprovaria. — Eu queria mesmo conversar sobre ele, mas isso deve esperar. Por enquanto, só diversão.

Diversão. Então era àquilo que ele se referia. O comentário descuidado em Nova Orleans. Garotas só querem diversão. — Cometeu um erro em Nova Orleans, bella. Bandos de homens lhe dariam diversão, mas não eu. — Obviamente cometi um erro. — Um erro? Cometeu vários. Você é estouvada. Impulsiva. Ainda não atinou o que fez sua família passar ao fugir para a América ano passado. — Já sei. — Não, não sabe. Era a última coisa que seu avô precisava desde a morte de Astrid.


Jane Porter - A bela da noite

64

— Se pensa que está me comovendo, engana-se. E Joelle quase pôde enxergar uma placa sobre a cabeça de Leo: Perigoso. Não alimente. Mantenha distância da jaula. Joelle pensou que fosse assaltá-la, mas ele sorriu. — Vejo você à noite. — Eu... Ele saiu, fechou a porta e, boquiaberta, Joelle ouviu a chave girar. Ele a trancou. O espanto cedeu lugar à fúria. Pôs-se a andar, a atenção fixa na praia estonteante além dos jardins. Pensou em tudo que poderia estar fazendo. Nadando. Bronzeando-se na areia. Lendo. Mas ele a trancafiou - sem livros, nem televisão. Desgraçado. Leo pagaria por isso, jurou e retomou a vigilância na janela. Fazia uma tarde gloriosa - meros fiapos de nuvem no céu límpido. Joelle olhou para baixo. Pular era impraticável. E fugir usando o velho truque dos lençóis amarrados seria no mínimo ridículo. Três horas seguidas de indignação foram cansativas - e assim decidiu tomar banho. Havia dúzias de produtos diferentes no banheiro de mármore azul e branco e Joelle resolveu experimentar todos. Estava afundada na imensa banheira quando a porta abriu, deixando escapar um pouco do vapor perfumado. Soube logo que era Leo devido à súbita tensão no ar. Cerrando os olhos, Joelle afundou mais na banheira, grata pelas montanhas de bolhas. — Poderia fazer o favor de fechar a porta? Ouviu a porta bater, e presumiu que ele foi embora. Todavia, segundos depois, os nervos deflagraram um intenso frisson. A pele arrepiou, até os mamilos enrijeceram, túrgidos. Joelle abriu os olhos. Leo trajava apenas calças de linho branco, a pele nua, bronzea da, o corpo esplendidamente musculoso. Era esbelto e vigoroso, e quando sentou na borda da banheira de mármore, ela pressentiu que estava em apuros. — Teve uma tarde agradável? - indagou, checando a temperatura da água com uma das mãos.


Jane Porter - A bela da noite

65

Ela esquivou-se dele. Leo percebeu o receio, mas também o lampejo de curiosidade naqueles belos olhos. E ela era bela, assim como arisca, e a teimosia deixava-o louco. Quase tão louco quanto a atração física. Fazia oito dias desde que a tomara nos braços, e a queria de novo. A volúpia tornavase mais forte. — Só porque dormimos juntos não significa que pode entrar na banheira comigo. — Eu não ia entrar. Mas agora que falou, um banho seria ótimo. Ela estendeu uma das mãos, oferecendo um vislumbre dos botões rosados dos seios. — Não me provoque. Basta por hoje. Agüentei ser atirada no seu carro. Ser trancada no quarto. Ser espancada feito criança. Ele tomou vantagem do gesto defensivo, segurando-a pelo pulso. — Foi divertido, não foi? — Não estou rindo. - E ela puxou a mão, incapaz de desvencilhar-se. - Você adora isso, não? Me controlar... — Você gosta, também. Ela arregalou os olhos, as íris mais verdes que azuis. — Adora o poder. A luta pelo poder, o uso, até o abuso de poder. — Não - protestou ela, impotente. — Se não amasse o poder, não me enfrentaria com tamanho ardor. Joelle era uma lutadora. E Leo começava a compreender por que precisou ir para a América. — Me dê a outra mão - ordenou ele. Ela se encolheu, todavia sem temor nos olhos, apenas fogo. — Me dê a mão - repetiu. - Livre-se das conseqüências. — E depois? Planeja me amarrar? O calor avassalou-o, o corpo reagiu, tornando-se rijo, dolorosa mente rijo. — Só se estiver nua. Ele mergulhou a mão na água. Joelle esquivou-se, mas logo que ele acariciou a anca nua ela arqueou, a mão esquerda de súbito frouxa. — Obrigado. — Prendeu-a pelos pulsos, dominando-a. Joelle tremeu de raiva.


Jane Porter - A bela da noite

66

— Não sou uma cidadã de segunda classe. Não pode me tratar assim. Ele ergueu-lhe os braços, encurralando-a na banheira, os seios fartos expostos, apontando para cima. — Tem razão. É uma princesa. Princesa Josie. Os olhos dela flamejaram, como adagas de fogo. — Me solte. — E se não soltar? — Eu vou... — Vai o quê? Me xingar? Qual é a grande idéia? — Por que gosta tanto de me humilhar? Leo estendeu o torso sobre o dela. Sentiu os mamilos tesos roçarem no peito, o corpo incendiar. — Não quero humilhá-la. Mas que entenda o voto que fez, o penhor que me concedeu... — Ficamos noivos por procuração. Você nem sequer compareceu ao noivado. — Nem você. — Exato. Jamais nos encontramos. Só assinamos um pedaço de papel. — Mas lhe dei meu anel. — Grande coisa. — Para mim, é. E devia ser para você também. Sua palavra... reputação... deviam significar alguma coisa. - Beijou-a no pescoço. Joelle estremeceu, e ele apoiou o peso sobre ela, deixando o peito pressionar-lhe os seios. Joelle agarrou-se a ele, na busca cega por mais contato. — Leo. - A voz soou embargada, rouca. Ele a repeliu, correu o olhar pelo seu corpo demorando-se, provocativamente, nos seios nus, na curva dos quadris, na junção onde as coxas se encontram. — Você é minha. Mesmo que ainda não saiba disso.

CAPÍTULO NOVE Joelle mal conseguia respirar.


Jane Porter - A bela da noite

67

— Foi só uma noite - insistiu, enquanto o olhar dele a subjugava. Leo era assustador, e apesar disso, ficou tão abrasada que julgou que derreteria de desejo. Joelle comprimiu as coxas, tentando mitigar o implacável anseio. — Se era tudo o que esperava, bella, não deveria ter-me entregue a sua virgindade. — Beijou-a com ímpeto, os lábios cindindo os dela. Soltou-a. Joelle apenas contemplou-o abismada, Então ele fendeu seus lábios com o polegar. — A inocência é preciosa. — Não sou tão inocente. — Sabe menos do que pensa. - E beijou-a outra vez, mais for te, a língua instigando a dela. Foi como se estourassem fogos de artifício, e o corpo estremeceu contra o dele. A língua acariciava-a e uma das mãos mergulhou na água, cobriu-lhe o seio. Ela vibrou de prazer. Leo friccionou o seio, torturando o mamilo rijo. Joelle choramingou ante o toque, a pele tão sensível que desejou escapar da volúpia. Choramingou de novo conforme a mão deslizou até o abdome, e depois roçou os caracóis do triângulo entre as coxas, desabrochando-as com agrado. Oh, nossa, ofegou, enquanto ele afagava as dobras macias entre as coxas, fendendoas. As pontas dos dedos tocavam de leve, provocando. Sabia onde queria ser tocada, porém ele não pretendia fazer nada salvo excitá-la mais e mais. — Leo... Ela sentiu um frisson no clitóris, e nada mais. — Sim, Josie? — Você está me enlouquecendo. — Agora entende como me sinto. - Acariciou-lhe os seios e tirou a mão da água. Ao levantar, apanhou uma toalha. - Hora de se arrumar, bambina. Temos compromisso para o jantar e não podemos nos atrasar. Joelle agarrou a toalha, cobrindo-se o mais rápido possível. — Nós vamos sair? — A idéia básica é essa. — Mas aonde vamos? — Temos reservas no Henris. O Henri’s era o chique restaurante francês situado no pico mais alto de Mejia, e tinha uma vista tão espetacular que ninguém reclamava da estrada perigosa.


Jane Porter - A bela da noite

68

Não comia no Henris há anos, contudo ir lá hoje à noite com Leo... E não era a fortuna de Leo que intimidava-a, mas a energia sexual... Fitou-o, apertando a toalha nos seios. — Por quê? — Você é minha noiva. Soou tão normal, como se fossem um casal civilizado, em vez de dois perdidos numa luta desesperada por poder. — É só um jantar - acalmou-a, beijando-lhe o canto da boca. — Já comeu em público comigo antes. — Sim, mas lembro como a história acabou. Drinques... jantar... — Sobremesa? — Claro. Beijou-lhe o canto da boca novamente, roçando os lábios sensíveis. Ela retesou ante o prazer, o desejo. — Vou me vestir - sussurrou. — Boa idéia. Leo entrou no closet dele -- ambos dispunham de um - e ao escutar o farfalhar das roupas ela obrigou-se a entrar em ação. Joelle encontrou o guarda-roupa da própria casa de praia - saias, vestidos, trajes de verão - um figurino reservado às férias. Olhou enviesado para as roupas, indecisa, então optou por um vestido curto vermelho de paetês. O vestido espalha-brasas de Nic. A irmã alegava que o tubinho sexy era como um salvo-conduto - sempre que o usava, safava-se de todas que aprontava. — Vai vestir isso? - A voz de Leo veio da entrada do closet. — É espalhafatoso demais - concordou. - E na verdade não é meu. — Use. — Você não gostou. - Mas ela apreciou a aparência dele. Trajava calças e camisa de gola rulê negras e sapatos caríssimos. — Gostei, sim. Fitou-o, cativada pela intensa masculinidade. Alto, moreno, in suportavelmente lindo. Os olhos verdes sombrios. O cabelo espesso, meio comprido na nuca. — Você é conservador.


Jane Porter - A bela da noite

69

— Não tão conservador. Ela percebeu a entonação maliciosa, e foi como atiçar o fogo. As chamas dardejaram através dela, lambendo cada pensamento atrevido. Acanhada, Joelle procurou uma alternativa. Escolheu um terninho bege. — Sei que gostaria desse. É Valentino... — Vista o vermelho. Combina com você. Mas apresse-se. O carro chegará logo. Ela não teve tempo de arrumar o cabelo, e deixou-o solto, mas passou rímel e um batom que combinava com o brilho rubro do vestido. — Pronta? - indagou Leo. — Sim. — Excelente. Tenho algo para você - acrescentou, mostrando uma caixinha. Leo abriu a tampa. Um bracelete. De prata reluzente, maciça. Pega de surpresa, Joelle comoveu-se. — Que lindo! — Não é? - Ele abriu o fecho, e prendeu-a em torno do pulso dela. — Quando comprou? — Hoje de manhã. Ela sentiu uma pontada de remorso, por dar-lhe o bolo na sessão de fotos. — Obrigada. — O prazer é meu. Foi sorte seu cunhado tê-la consigo. — Quem? Malik ou Demetrius? — Demetrius, lógico. Ele é o especialista em vigilância e segurança. Joelle sentiu um calafrio. — O que é isso? — Uma engenhoca supermoderna. O pânico ganhou vida. — E para que serve? — Para rastrear criminosos do colarinho-branco em prisão domiciliar. — Uma algema. — O sujeito era louco. Pior, Era o noivo dela. — Sabe que não é uma algema - debochou. - Não está acorrentada. — Não, mas você saberá onde estou o tempo inteiro. Leo teve o desplante de sortir.


Jane Porter - A bela da noite

70

— Sim. — Tire isso. — Não. Ela golpeou o bracelete freneticamente contra a bancada de mármore do banheiro. — Não pode fazer isso, Leo, — Mas já fiz. O pulso doía tanto que lágrimas inundaram-lhe os olhos. — Está me machucando. — Você é que está se machucando. Relaxe. — Não posso. Não com isso me apertando. — Que nada, bella. É só um bracelete de titânio. As pessoas pensarão que é uma jóia. Feito você. Verdade. Pensou que era uma jóia, um presente de pazes. Meu Deus, o quanto ele não deveria estar rindo por dentro. — Agora não fugirá mais. — Eu nunca fugi! — Josie, bella, encontrei você hoje em um píer em Mejia. Quando devia estar posando comigo para as fotos em Melio. — Eram apenas fotos... — E significavam muito para o seu avô. — Ele nunca perdoará a você quando descobrir o que fez comigo. — Seu avô me aconselhou a aproveitar as próximas duas semanas. Encarou-o incrédula. — Não. — Sentiu-se aliviado por estar aqui comigo. E o bracelete não lhe cai tão mal. — É uma algema, Leo. Presa ao meu pulso. — Mas ninguém notará. A não ser que você conte. - Conferiu a hora. - É melhor irmos. Não quero desperdiçar nossas reservas. A fúria cresceu, por ele ser tão insensível. — Eu não vou. Pode ir se quiser, mas eu não vou. — Já estamos saindo - persistiu ele, nem sequer virando-se na porta. — Quem está saindo é você. - Despiu o vestido, sabendo que ele acabaria se virando,


Jane Porter - A bela da noite

71

e a flagraria nua, contrariada. Por que não resistiu, perguntou-se, por que não se sentiu contrariada quando a tocou? Porque amava o seu maldito toque, ora. Ele se virou, bem devagar, o semblante ainda mais austero. — Não estou para brincadeiras, bella. — Nem eu. - Como poderia casar com um homem tão chauvinista? Por Deus, o sujeito colocou um aparelho de GPS nela para monitorá-la. — Bella, o vestido. — Vai me forçar a me vestir, também, Leo? É esta a sua concepção de relacionamento? Admirou-a por um longo instante. — Não. Mas pensei que fosse a sua. Tudo o que fez foi me enfrentar... — Porque você ignora tudo o que quero, tudo do que preciso. — Você precisa de um marido. Você me quis. — Não preciso de marido e sim, eu quis você, mas antes de descobrir que era meu noivo, e só me seduziu em Nova Orleans por duvidar da minha integridade. — Estava preocupado, exatamente. — E em vez de revelar quem era... — Mas eu disse meu nome claramente. Você, bella, não reconheceu. Você, bella, não estava ocupada planejando o casamento. Estava se arrastando de quatro em um palco imundo, enquanto os homens babavam. Podemos ir agora? Ela não tinha tanta resistência. Leo aparentava ter anos-luz de experiência em matéria de discussão. — Eu vou, mas o bracelete sai quando voltarmos. Fui clara? O trajeto até o Henris na limusine negra foi angustiante. Ele era um monstro. Um demônio. Joelle cruzou as pernas e sentiu o vestido mover-se junto. Desejou estar trajando algo diferente, comprido e largo. Ao contrário do tubinho decotado que expunha os ombros, os seios, e as costas. Mais cedo apreciara o modo como a cor saturada contrastava com a cútis, mas agora sentia-se vulnerável, um pequeno aperitivo para tentar o apetite de Leo. — Você está inquieta - comentou Leo.


Jane Porter - A bela da noite

72

— Estou pensando. — O que anda planejando agora? — As mais variadas maneiras de matar você. Ele riu. Uma risada sincera. — Pelo menos não está entediada. — Pelo menos. Como aceitou desposá-lo? Contudo, como saberia que era um príncipe demente com valores medievais? — Isso é hábito na Itália? Os homens acorrentam suas mulheres? — Só quando lhes dá prazer. E isso efetivamente encerrou a conversa. Vinte minutos depois, o motorista parou diante da fachada de pedra do restaurante. Uma luz amarelada cintilava lá dentro, mal se discernia os velhos candelabros de ferro através das janelas. Leo saltou do carro e ela hesitou um momento. Jantar com Leo no Henris não seria fácil. E já estava tão melindrada... Todavia no restaurante Leo saudou o maitre com amabilidade. — É um prazer revê-lo, Alteza - respondeu o maitre, com uma reverência. - E, por feliz coincidência, sua mãe também está aqui. Está jantando em um dos salões privativos, e avisou que virá encontrá-lo, A expressão de Leo não se alterou, mas Joelle viu toda a animação fenecer. Até o maitre pressentiu que a notícia causou um efeito negativo, e com mais uma reverência, deixou-os a sós na mesa adorável. Joelle espiou Leo. O maitre referiu-se à Princesa Marina ou Clarissa, atual esposa do pai dele? Decerto nunca leu as colunas sociais, mas sabia que o divórcio dos pais de Leo foi o mais escandaloso da história. Leo parecia... desolado. — Leo? Ele acordou, irrequieto. — Sim? — Não precisamos ficar. — Não permitirei que ela nos afugente.


Jane Porter - A bela da noite

73

Ela... ela quem? — Clarissa, não é? — Deus, não. Clarissa é uma santa. É Marina, minha mãe. — E isso é ruim? Leo apenas olhou para ela. Poucos minutos depois, um garçom apareceu e Leo pediu um martíni bem forte para si, e um champanhe para ela. Enquanto aguardavam os coquetéis, Leo levantou-se abrupta mente. — Volto logo. Ela compreendeu onde pretendia ir. E especulou o que aconteceu entre ele a mãe. Leo voltou logo após os coquetéis chegarem. Tenso, deu um gole no martíni. — Resolvido. Joelle não entendeu nada. — Como...? — Ela não se reunirá a nós. Mas compreendeu. — Eu não... - murmurou Joelle. — Nem queira saber. — Mas e se quiser? — Eu não conto. A mãe dele, a Princesa Marina, "a mais bonita aristocrata de todos os tempos", como uma revista descreveu-a certa vez, não estava ali por acaso. A revista esqueceu certos adjetivos, pensou ele. Podiam ter incluído gananciosa e desequilibrada. Erguendo o rosto, viu Joelle observá-lo, a face iluminada pelo brilho das velas. Estava preocupada. Com ele. E isso o surpreendeu. Estudou-lhe os olhos, a boca, viu o que não desejava ver. A juventude. A inexperiência. — Você é linda. Ela balançou a cabeça em negação imediata, apanhou o champanhe e o bracelete no pulso tilintou na taça. Empertigou-se, e ele viu o brilho das lágrimas. O que em nome de Deus pretendiam? O que ele pretendia? Tinha a responsabilidade de casar-se, Joelle a obrigação de gerar filhos, e só? Como isso possibilitaria o caminho para a felicidade?


Jane Porter - A bela da noite

74

Entretanto, não podiam dar-se ao luxo de ignorar as responsabilidades. Eram privilegiados. E amaldiçoados. A diferença é que ele aceitava a maldição. Ela ainda relutava. Era muito jovem, e sob a luz das velas com o cabelo solto, os olhos azul-esverdeados úmidos de lágrimas, parecia uma gloriosa pintura de Rembrandt. Impulsivamente ele pendeu para frente, segurou-a pela nuca e beijou-a. Os lábios tão convidativos, que ele intensificou o beijo, saboreando-a. Sentiu sua boca relaxar e o corpo enrijeceu no ato. — Vamos embora - sugeriu rouco. No carro Leo, sentou-se mais próximo, tanto que ela sentiu o calor do seu corpo irradiar através das calças e da camisa fina. Ela tentou não pensar, e ele não preencheu o silêncio, tampouco. O carro atravessou os portões do solar, o motorista estacionou diante da casa. As luzes estavam apagadas, exceto pela varanda e o corredor. Era óbvio que os criados haviam se recolhido. Joelle ficou ansiosa, quando Leo avançou para fechar a porta. Trancou a porta da frente com cuidado, e acendeu um simpático candeeiro na escadaria. — Cama - falou de supetão, buscando a mão dela.

CAPÍTULO DEZ Acompanhou-o até o quarto na torre com o coração disparado. Leo abriu a porta e logo que ela entrou, trancou-a, guardando a chave no bolso. — Precisa trancar? - indagou, observando-o diminuir as luzes e cerrar as cortinas, de uma seda turquesa deslumbrante. Resoluto, avançou na direção dela. Arrancou a camisa. Desafivelou o cinto. — Nada mudou. Ela recuou, mas não tão ligeira. Leo puxou-a para si num ímpeto, e seu corpo vibrou. É verdade, pensou, nada mudou. E os olhos fecharam, enquanto ele deslizava a mão pela coxa, sob a barra do vestido. Apoiou-se no seu peito conforme ele procedia a lenta exploração.


Jane Porter - A bela da noite

75

Leo encontrou a liga rendada que prendia a meia de seda, e brincou com o delicado atavio, friccionando a renda macia contra a pele tépida. Ela arfou, inebriada. Acariciava-a através da diminuta calcinha de seda e ela aconchegou-se nele, tateando a calidez do peito nu. Sabia o que desejava, como era bom senti-lo dentro de si, porém relembrou a última vez - não o ato da paixão - e sim a manhã seguinte. — Não podemos - declarou hesitante. — Certo - anuiu ele. apesar de esticar a peça de seda úmida. Baixou a cabeça, os lábios tocando-lhe a face, enquanto afagava-a sob a seda outra vez, traçando carícias circulares com a ponta dos dedos. A sensação foi intensa e claro que não satisfez. Estava pronta para ele, fisicamente. O corpo desejava-o, mas não suportaria sentir-se tão confusa depois. Cerrou os punhos contra o peito dele conforme a sensação tórrida a inundou, encharcando-a. — Podemos conversar? — Lógico. Fale Todavia não encontrou palavras coerentes. Desejava-o, dentro dela, e deu-lhe um beijo desesperado na boca. Quedou ofegantes quando ele insinuou um dedo para dentro dela, entorpecendo-lhe os sentidos, excitando. Leo retribuiu ao beijo, cravando os dentes no lábio inferior. Ela estremeceu ante o mordisco nos lábios e a estocada do dedo dentro de si. Agarrou-se a ele, trêmula, ameaçando render-se. — Não posso agüentar mais - soluçou conforme as mãos possuíam-na, dentro dela, no corpo todo. Ele foi generoso, abaixou o vestido e carregou-a para a cama. Sentiu-se entorpecida ao ser estirada na cama. E quando ele se acomodou sobre ela, Joelle alcançou suas calças, e baixou o zíper. — Pensei que quisesse conversar - disse Leo, os olhos turvos de paixão. — Não consigo pensar em nada agora exceto... — Exceto? — Isso. Ele a beijou, e as mãos divagaram sem pressa pelo seu corpo, descendo pelos quadris, coxas. Sentiu as mãos deslizarem sob o vestido outra vez e com destreza desabotoar uma das meias da cinta-liga, e depois a outra. Leo contemplou-a, tenso. — Se não me quer, fale agora.


Jane Porter - A bela da noite

76

Pareceu estranhamente jovem - vulnerável. Joelle não compreendia nada. Nem a ele, nem a si mesma, tampouco a intensa química entre ambos. — Mas eu quero você. — O problema é esse. Porém, ao beijá-la, expressou uma ternura intraduzível em pa lavras. O vestido uniu-se às meias e às sandálias no chão. Ela não estava usando sutiã e assim ficou completamente nua diante dele. Leo estirou-se sobre Joelle, e então as coxas poderosas cindiram as suas, para encaixar-se entre as pernas. Ela estremeceu, e de súbito quase chorou. Como podia deseja-lo, dentro de si, quando ele era tão rude? As mãos dele acariciaram o abdome, e depois as palmas cobriram os seios, a pele acesa sob o deleite daquelas mãos. Ficou tensa no sentir a ereção pressioná-la. Era tão rijo e volumoso, que duvidou que pudesse acontecer, a despeito da última vez, a primeira vez. Sufocando o medo, Joelle cingiu os braços em torno do pescoço dele. — Não se preocupe - murmurou Leo, roçando os lábios na elevação dos seios. Falar é fácil, pensou ela sentindo-o arremeter contra si, sentin do o corpo retesar em resposta, mas não era com o corpo que se preocupava. O corpo era jovem, podia recuperar-se. Não tinha tanta certeza quanto ao coração. Contudo Leo lançou-se contra ela, impelindo com força. Sentiu-o penetrá-la lentamente. Embora hirto, quedava morno, escorregadio, e o corpo acolheu-o, os quadris arqueando para recebê-lo, os músculos ajustando-se ao seu porte. — Me possua - sussurrou, desesperada. Leo cobriu sua boca com a própria, e Joelle só pensou na potência do corpo rijo de Leo dentro do seu. Mais tarde, saciados, relaxados, deitaram juntos. Joelle ainda arfava, o corpo longe de esfriar, mas percebeu o alívio de Leo. — Talvez você precise de mais sexo - disse ela. - Ajudaria a domar a sua fera interior. — Fera? Relaxado, ele parecia ainda mais sensual. — Às vezes fica adormecida, o que é bom, mas quando desperta é terrível. Leo fez uma careta. — Não sou tão malvado.


Jane Porter - A bela da noite

77

— Mas a fera é. Ele não respondeu, puxou-a para si, comprimindo os seios jun to ao peito. Afagou-lhe a curva das ancas e a respiração dela sufocou na garganta. Acabaram de fazer amor, mas excitava-a novamente, instigando para que desejasse mais. Caso não o detivesse agora, logo estaria suplicando para que a possuísse outra vez. — Você deve ter praticado muito, acho. — Estou dez anos na sua frente, bambina. — E passou todos esses anos na cama? — Você é obcecada. — Atributo do qual você tirou vantagem. — Antes eu que qualquer outro. Leo colheu um punhado de mechas, enroscou-as na mão e puxou. — Eu poderia devorá-la aos pouquinhos. Leo beijou-a no pescoço. Ela suspirou ante o açoite da língua, e suspirou de novo, quando ele mordiscou a espádua demasiado sensível. — Certamente já experimentou sexo oral? - sussurrou ele. Joelle vibrou conforme a ponta da língua traçava círculos vagarosos na espádua, tornando cada vez mais difícil pensar. — Por que "certamente"? - indagou, imaginando que a língua dele adivinhava todos os pontos sensíveis. - Lembre-se, desabrochei tarde. — Mas decerto teve namorados. — Não. Eu não agüentava os triângulos amorosos. Leo ergueu o rosto, intrigado. — Ménage à trois? — Eu, meu namorado, e o Sr. Serviço Secreto. Leo riu baixinho. — Entendo o que diz. A língua de Leo fremiu na ondulação dos seios deixando uma trilha tímida. A pele titilou. Os seios firmes, os mamilos aguçados. Leo aproximou os lábios de um dos mamilos, e colheu o botão sensível na boca. Ela segurou sua cabeça junto ao seio. — Isso está ficando perigoso - murmurou, e de repente lágrimas afloraram. O coração estava oprimido de tristeza. Como podia imaginar que o amava?


Jane Porter - A bela da noite

78

Esquecer a história da algema eletrônica e permanecer tão atraída? Todavia, apesar de ser agressivo durante o dia, não era agressivo na cama. Era potente, mas não machucava - nunca - nem mesmo da primeira vez. Na cama era... generoso. Amoroso. Pronto, aquela palavra outra vez. Não fazia sentido. — Já imaginou que, se agíssemos feito gente normal, isso - nós dois - poderia dar certo? — Já deu certo. — Podemos apenas conversar? Leo gargalhou. — Discussão irrelevante. Temos um compromisso... — Formalidade. — Fizemos amor. Ela não disse nada. — Não usei preservativo - acrescentou ele. Joelle nem sequer pensara nisso. Oh, meu Deus! — Você pode estar grávida. — Não estou. — Vamos descobrir logo, não vamos? O telefone de Leo tocou. Ele espiou a poltrona onde largara o celular. — Não vou atender. — Ótimo. Quando notou que esquecemos? Leo não respondeu. O telefone continuou tocando. — Atenda, se liga tanto - disse ela, incapaz de esconder a amargura. — Não ligo. — Liga, sim! Está olhando para o celular como se ele fosse ganhar vida. — É bem provável - retrucou sem graça. - Sabia que estava sem preservativo. — A que altura percebeu? Enfim o celular parou de tocar. — Nunca pretendi usar.


Jane Porter - A bela da noite

79

Leo não fazia nada ao acaso. Não usou preservativo para engravidá-la. — Você precisa de herdeiros — comentou firme. Porque era uma princesa. A única restante em Melio, aquela que devia gerar novas vidas para a linhagem dos Ducasses. Novamente foi assaltada pelo peso esmagador da posição, o peso que quase a soterrou ao prantear a perda da avó, a distância das irmãs. Compreendia que devia sacrificar a liberdade pessoal para assegurar a prosperidade do país, porém emocionalmente não sabia se poderia fazê-lo. Não sabia se poderia renegar a si própria. Suas necessidades. E necessitava de muitas coisas. Como um homem forte, bondoso, que a amasse pelo que era. Não pela coroa, nem pelo reino. — É a sua responsabilidade - complementou Leo mais gentil. Não adiantou. Ela não precisava ser lembrada das responsabilidades. Elas estavam lá o tempo todo. A única época em que sentiu-se livre foi em Nova Orleans, vestida de couro, ostentando a guitarra e fingindo ser Josie d'Ville - o verdadeiro nome da mãe - antes de tornar-se Star. — Vamos resolver isso - completou Leo. — Como? Como resolveremos isso? Um não conhece nada sobre o outro, e o que conhecemos não ajuda. - Desapareceu banheiro adentro, vestiu um dos roupões felpudos pendurados em um cabide e retornou. — Veja - continuou ela, e brandiu o bracelete. - O que isso representa para você? Sei o que representa para mim... — É só para proteger você. — De quem? Do quê? Leo, você usou isso para me manter presa. Não confia em mim. Desde que chegou no Club Bleu ficou chocado comigo... — Chocado, não. Surpreso. — Zangado. Ficou zangado comigo, e talvez com direito, tal vez os relações-públicas do palácio tenham lhe vendido uma princesa inexistente, mas alguma hora você deverá acabar com isso - nós dois - ou me aceitar como sou, porque não vou mudar. — Não precisa. — Ridículo. É óbvio que espera que eu mude, do contrário não faria isso. - E novamente brandiu o bracelete.


Jane Porter - A bela da noite

80

Leo não disse nada e o silêncio irritou-a. — Espera que eu mude - repetiu, a voz crua de emoção. - Espera que me transforme na sua concepção de esposa, mas não sei que concepção é essa... e, com franqueza, nem quero saber. — Talvez ambos precisemos de mudanças... — Talvez? - Ela riu. - Leo, você não mudará, e eu jamais mudarei o bastante para satisfazê-lo. E permanecerá aborrecido, e me castigando por ser... o que sou. Porque demonstra não superar o fato de que eu não... Droga, a voz embargou. — Não sou a doce princesa. - Como ele saberia o que foi crescer eclipsada por Nic e Chantal? Como saberia que por mais que venerasse as irmãs, jamais poderia ser igual? E só queria ser ela mesma. — Você está simplificando. Nunca julguei estar arrebatando a doce princesa, e decerto andei confuso... — Zangado. — Sim, confuso e zangado, mas ninguém é só bom, ou só mau... nem você. Tentou gracejar, o semblante ameigou, mas ela não sorriu. Nos braços dele naquela cama chegou tão perto de enxergar um final feliz, contudo havia muito de errado aqui, tristeza demais. Desgaste. — Precisa entender que isso, nós dois, não deu certo. Não somos compatíveis. Não posso ser quem deseja que eu seja e Leo... - respirou fundo, o coração em chamas você não é o que preciso. Ele não falou nada. Simplesmente olhou para ela, que tentava disfarçar a emoção. — Todo relacionamento é espinhoso - afirmou ele, sem emoção na voz. Joelle contou até dez. — O nosso não é espinhoso, Leo. É abusivo. Não se tranca ou se prende ninguém com uma algema. — Eu queria nos dar tempo. Não queria perdê-la, precisávamos ficar juntos... conhecer um ao outro. Ele esqueceu o preservativo de propósito. Queria engravidá-la. Prendê-la. Não por amor, mas por obrigação. A coisa que ela mais abominava. — Já aprendemos o bastante um sobre o outro, não acha? — Então por que aceitou o casamento arranjado? - indagou, baixinho. - Por que colocar o dinheiro na frente do amor? Os olhos dela arderam.


Jane Porter - A bela da noite

81

— Fiz isso pelo vovô. Ele não estava bem. Precisava de esperança. Como pode pensar que foi por dinheiro, Leo? Ainda não faz idéia de quem sou. O telefone voltou a tocar. Leo petrificou. Não se moveu e o telefone continuava tocando. — Talvez seja uma emergência - argumentou ela. — Não é. — São quase duas da manhã. — Não faz diferença para a minha mãe. Joelle sentiu a raiva esvaecer. — Sua mãe? — A Princesa Marina não precisa seguir as regras. — Virando-se, apanhou o telefone. — Sim? - respondeu, e Joelle viu a expressão ameaçadora tornar-se mais sombria, progredindo de zangado para positivamente homicida. Atendeu em italiano rápido, furioso, o corpo retesado de cólera. Joelle só captou fragmentos da conversa - "estou cheio de você" e "você não pode fazer isso" antes que desligasse o telefone com uma pancada. — Maldezione — xingou. - Desgraçada. — O que ela fez? — O mesmo de sempre. Joelle retornou para a cama, sentou. — Ela perturbou você a noite inteira. Me conte o motivo. Ele riu, uma risada amarga, que revelou que o palhaço era ele. — Eu gostaria de poder... — Então conte. Sente aqui. — Não posso... — Ótimo. Não fale. Melhor assim. Prefiro não conhecer você, tornará mais fácil esquecê-lo. — Bella. A palavra soou agoniada, mas ela desviou o olhar poupando-se da dor. Não devia estar comovida. Ele a magoou em tantos níveis diferentes - a desonestidade, a manipulação - e não magoaria mais. Ela não permitiria. Vá embora, disse a si própria. Esqueça-o.


Jane Porter - A bela da noite

82

— Vamos conversar - disse Leo, apanhando as calças e metendo-se dentro delas. Mas agora não, porque ela está aqui. — Aqui? — Lá embaixo.

CAPÍTULO ONZE Joelle não imaginava o que a mãe dele pretendia, ao aparecer agora, às duas da manhã. — Vou esperar aqui em cima - sugeriu. — E perder o espetáculo? - brincou Leo, destrancando a porta. Ele parecia transtornado, e tão logo saiu Joelle sentiu-se péssima. Afinal, Joelle obrigou-se a desencavar uma calça e uma camiseta. Enquanto abotoava a blusa branca, escutou vozes inflamadas. Uma mulher e Leo. Gritavam um com o outro, sem parar. Já vira Leo zangado, mas nunca escutou-o berrar. Quando se aborrecia, espumava calado. Mas não descontrolado assim. Joelle prendeu o cabelo num rabo-de-cavalo, espiou-se no espelho e desceu. Na escadaria, o vozerio soava ainda mais alto. Joelle ouviu cada palavra e petrificou, pasma pela amargura na voz da Princesa Marina. — Você iria se divertir mais, príncipe, caso se soltasse um pouquinho... — Agora não, mãe. — Não, claro que agora não. Nunca tem tempo para mim. Está ocupado demais anexando pequenos países aos seus investimentos. — Não anexei nada. — Mas fará um casamento lucrativo, não? — Por que não? Você fez. Os pêlos da nuca de Joelle arrepiaram. Não queria escutar isso, mas as pernas ficaram inertes. Parecia grudada no lugar. — Príncipe Leo Borgarde, Rei de Melio e Mejia. Soa maravilhoso. O silêncio de Leo foi eloqüente e apenas logrou provocar Marina. — Daqui a pouco será o dono do mundo - ela caçoou. - Mas uma mulher de cada vez.


Jane Porter - A bela da noite

83

— Isso é revoltante. — Mas é verdade. Quem resistiria? É rico, bonito, nobre... — E isso não representa nada. Trocaria tudo por uma infância normal... — Eu lhe dei tudo! — Não, mãe. Você tomou tudo. Ainda é tão carente, e não posso dar mais nada, decerto não para você. — Você nem tenta! Leo riu baixinho. — Tem razão. Não tento. Cansei. Chega! De repente um estalo violento ecoou escadaria acima. — Egoísta! Desgraçado! Você é igual ao seu pai. Passos atravessaram o corredor, a porta da frente abriu e a mulher - uma belíssima loura alta de terninho azul - virou-se, encarou Joelle e saiu às pressas. A porta bateu. Joelle não se mexeu, chocada. Leo surgiu no corredor. Cabisbaixo, o semblante vago. — Perdeu o show. Joelle sentiu um aperto no peito. — Na verdade, dei uma espiadela. — Ela é brilhante nas saídas triunfais, não é? E nas entradas, Joelle complementou muda, estupefata. Porém tais dramas não eram novidade para Leo, concluiu. — O que aconteceu? — O habitual. Fitou-o por um longo momento, sabendo que dúzias de emoções diferentes acometiam-no e que ele iria se recusar a falar delas. — Não entendo você - afirmou ela. — E entender vai resolver o quê? A ira avassalou-a. — No caso de estar grávida, e ser forçada a casar, gostaria de conhecer melhor o pai do bebê. Uma sombra de emoção fremiu no rosto dele. — Podemos conversar enquanto comemos.


Jane Porter - A bela da noite

84

E conduziu-a pelo corredor estreito, até a espaçosa cozinha. Na antiquada cozinha de azulejos brilhantes, ele pôs-se a quebrar e bater os ovos, derretendo a manteiga em uma frigideira, picando os temperos. E ela sentou na bancada, observando-o atentamente, estudando os pômulos angulosos, e os lábios cheios, tudo para não olhar a marca vermelha na face onde a Princesa Marina esbofeteou-o. Todavia, ao esticar-se para apanhar o ralador de queijo, ele virou a cabeça e ela viu a marca, a silhueta dos dedos, e sentiu o mesmo choque gélido de quando Marina estapeou Leo. Como qualquer mãe podia tratar o filho assim? — Sua mãe esbofeteou você. - As palavras brotaram em um ímpeto. Leo encarou-a. A expressão indiferente. — Já fui mais agredido - respondeu calmo, salpicando os ovos com o queijo gratinado, embora ela percebesse a tensão na face. Cortou a omelete pela metade, e ofereceu-lhe um prato com uma fatia de torrada. — Está gostoso? - indagou, sentando-se a seu lado. Ela aquiesceu, engoliu. O sabor era ótimo, e estava faminta, mas foi difícil comer. Sentia-se miserável. Leo terminou primeiro, afastou o prato, contemplou-o. Joelle teve o pressentimento de que ele não enxergava nada, só pensava. E tais reflexões pareciam sinistras. — Estou preocupada... com você. — Bobagem. - Ele fez uma careta. - Não foi nada. — Mas a sua mãe bateu em você... como se não significasse nada. — Ela anda frustrada. - Leo sorriu apesar da expressão desolada nos olhos. Paciência nunca foi uma de suas virtudes. A tristeza era palpável e inundou Joelle em ondas. Compreendeu afinal que Leo não apreciava conflitos. — O que ela queria? — Não sei. Nunca sei ao certo... Creio que nem ela sabe. As vezes, fica desse jeito psicótica, suponho. Lágrimas arderam nos olhos dela. — E daí ela agride você? — Agride qualquer um que atrapalhe o seu caminho. Mas provavelmente sou o alvo favorito. Eu sou um banana.


Jane Porter - A bela da noite

85

O silêncio pairou na cozinha e Leo levantou. Rápido, empilhou e carregou a louça para a pia. Virando-se, encarou Joelle. — Café? — Por favor. Custou-lhe poucos minutos para retomar com café e biscoitos, a máscara de pedra de volta no lugar. — Vou contar uma história - anunciou ele, sentando-se diante dela. - Mas deve prometer não comentar nada depois. — Não posso falar nada? — Não. Contarei essa história, mas quando terminar, terminou, e não quero perguntas nem comentários, nada de compaixão. Ela ergueu o café, soprou o vapor delicadamente. — Não soa muito justo. — A vida não é justa. — Não, na vida cão come cão. Mas estamos sozinhos aqui e não pode decidir contar algo a alguém e impor restrições... — Mas é exatamente o que estou fazendo. Ela contemplou-o, sem entender nada. O que o motivava. Que sentimentos importavam. O que desejava da vida. Leo era tão complicado. O tempo todo ela pensou que a austeridade fosse arrogância, a arrogância pertinente a uma vida de poder e influência, mas havia mais que arrogância. Uma grande dose de mágoa. Leo não deixava ninguém se achegar. E Joelle recordou os anos que Chantal passou em La Croix, os terríveis maus-tratos que sofreu na mão do primeiro marido e dos sogros. — Certo - concordou ela. - Prometo que não direi uma palavra. — Por onde começar? Meus pais se separaram cedo. Sem entrar em detalhes, decidi que ficaria melhor com a minha mãe. Não vi mais meu pai com freqüência depois disso. — Mas agora são próximos... Leo deu-lhe um olhar fulminante. — Sem comentários. Certo. Desculpe. — Minha mãe não gosta de ficar sozinha. Contudo, sendo mãe, não se comportava como as outras, tampouco fazia escolhas normais.


Jane Porter - A bela da noite

86

"Assim viajávamos constantemente pelo mundo todo. Ela tentava fazer novas amizades, contatos, se preferir, e às vezes era bem-sucedida e outras, não. Sabia que era linda, e não agüentava ficar em casa, sozinha em um sábado à noite. Ficava quase desesperada." A boca crispou em um sorriso amargo. — Tínhamos uma brincadeirinha - continuou. - Nos vestíamos. Com as melhores roupas. E saíamos, como namorados. Mamãe e eu. Íamos a algum lugar bonito, um restaurante superbadalado, um hotel luxuoso, algum lugar que homens atraentes, ricos costumam freqüentar, e entrávamos, de mãos dadas. Os lábios contraíram novamente, o sarcasmo mais agudo, a dor lancinante. Detestava o que estava revelando a ela. — Nos saguões dos clubes ou dos restaurantes, mamãe meio que sondava tudo. Procurava as melhores mesas, e me refiro a mesas com excelente visibilidade, já que o único motivo dos nossos passeios era ver e sermos vistos. E, por um curto tempo, mamãe se contentou em esperar que as rodas se abrissem, mas como nada acontecia, esforçou-se mais. Segurando a minha mão, ia de mesa em mesa, e perguntava se poderíamos ficar com a mesa... — Ficar com a mesa? - Joelle não conseguiu evitar interromper. - Tipo, tomá-la das pessoas? O sorriso sardônico disse tudo. — Porque era meu aniversário, veja você. E nessa hora ela me empurrava para frente, me apresentava. O filho de cinco anos. De seis anos. Sete anos. E daí em diante. Às vezes as pessoas de fato nos entregavam as mesas, outras vezes, mamãe pedia que trocassem, mas nunca desistia. Avistava um lugar no bar, me deixava sentado do lado de fora, perto o bastante para me vigiar, mas muito mais disponível do que com um menino de sete anos pelo braço. Joelle começou a enjoar. De verdade. Preferia que Leo parasse de falar, não conseguia imaginar alguém levando o filho para uma casa noturna e abandonando a criança do lado de fora. — As noites de sábado eram longas. Não chegávamos antes das oito. E em geral ficávamos até meia-noite, ou até alguém se oferecer para levá-la em casa. Mas demorava muito até mamãe arranjar a mesa certa, e encontrar um consorte. E às vezes ficava tão entretida na conversa que me esquecia. Leo tamborilou os dedos na bancada, esquadrinhou a memória. — Eu esperava horas. Inevitavelmente alguém sentia pena, e me levava para a própria mesa. Os lábios curvaram.


Jane Porter - A bela da noite

87

— Era quando mamãe se lembrava de mim, bem a tempo, justo antes de o gerente do restaurante ou do hotel ser chamado, e sorria faceira, como se a vida fosse uma deliciosa aventura, e mostrava-se gratíssima por alguém se dar ao trabalho de conversar comigo, especialmente porque era meu aniversário. Cada palavra parecia entristecê-la mais. — Você teve muitos aniversários - comentou, incapaz da manter-se quieta como prometeu. — Centenas por ano. O silêncio pairou. Como uma mãe podia ser tão mau-caráter? A Princesa Marina era uma desesperada, Joelle ponderou calada. Todavia, a profundidade do desespero... a incapacidade de proteger o filho, assombraram-na. Sua mãe era tão diferente. Lutava com unhas e dentes para protegê-las. Desistiu de tudo - carreira, identidade e país - para dar estabilidade às filhas. — Você ganhava os bolos? - sussurrou, contendo as lágrimas, procurando algo positivo. — E doces, tortas, sorvetes. Tudo com velinhas acesas, claro. E os desconhecidos simpáticos, desconcertados, vinham cantar para mim. Batiam palmas quando eu soprava as velinhas, e algum bom-samaritano, nunca soube quem, tirou o meu retrato, um Polaroid, para não esquecer a data especial. — Que horrível! — Horrível era o jeito como olhavam para a minha mãe. Eu percebia. Pelo menos após os dois primeiros anos. Antes? - Deu de ombros. - Quem sabe? Calou-se, e a cozinha pareceu estranhamente quieta. Joelle sentiu como se houvesse centenas de borboletas no peito, cujas asas, semelhantes a lâminas, dilaceravam o coração. — Leo. Ele sorriu, apesar do brilho das lágrimas. — Deixe-me ver a sua mão - pediu ele, e segurou-lhe o pulso, destravou o bracelete prateado e atirou-o na lixeira. - Isso não é mais necessário Ela sentiu o pulso leve. Não havia marcas, nem sinal. Contudo ambos compreenderam. Leo a estava liberando. — Lamento. Perdoe-me. Os olhos de Joelle arderam. — Eu entendo. — Merece coisa melhor. Alguém que a ame da maneira certa. Com bondade. - Leo fez


Jane Porter - A bela da noite

88

uma careta. - Não sou um homem bondoso. Será que ele não poderia pisotear o coração dela com mais força? — Somos o que somos - retrucou Joelle. Dividida entre sugerir que talvez pudessem recomeçar, cientes de que cada um tinha carências que o outro não lograria suprir. Mas Leo não confiava nela, e ela francamente não confiava nele. E mesmo sabendo que acabou, que podia levantar e sair, não conseguiu sair, ao menos não ainda. — Vamos tomar um pouco de ar - sugeriu Leo. - Vamos à praia. Joelle não estava de relógio, mas sabia que eram quase três da manhã. Porém, uma caminhada soou infinitamente melhor que ficar se revirando na cama. Ao saírem, Leo especulava por que se sentiu tão compelido a contar-lhe tudo. Decerto nunca conversou sobre o passado antes, sobre a vida com a mãe, e a Joelle confessou tudo. Cada detalhezinho sórdido. Perdera o controle de novo, pensou, conforme atravessavam o jardim rumo à praia. Nunca perdia o controle. Até as últimas duas semanas era o mestre do sangue-frio. Mesmo de madrugada, a brisa era morna, quase relaxante, e, ao chegarem à praia, Leo seguiu direto para a arrebentação. Descalço, entrou na água, deixou as ondas geladas açoitarem os tornozelos. Incrível, pensou. Você passa vinte anos recalcando a mágoa, e então de repente ela contra-ataca. Explodindo bem na sua cara. — As crianças são tão complacentes - comentou baixinho. Estava exausto, e especulava por que tudo saiu errado. Anos atrás, após fugir para a universidade, jurou que jamais ficaria vulnerável outra vez. Jamais permitiria que alguém o cativasse. E foi bem-sucedido - até agora Não devia se apaixonar por Joelle. Optou pelo casamento arranjado justamente por não querer amar. Só queria uma esposa que compreendesse as responsabilidades da realeza. Alguém pronto para começar uma família. E ele foi assegurado pelo Rei Remi que Joelle era a princesa perfeita, a "jóia do seu coração". Segundo Remi, a princesa era tudo que exigia - inteligente, equilibrada, caseira. Inteligente, sim, bastante equilibrada, mas caseira, não. Entretanto, apaixonou-se por ela assim mesmo, e Remi tinha razão quanto a uma coisa - ela era uma jóia. Um esplêndido rubi - pleno de luz. Os defeitos nem sequer ofuscavam a beleza. Tornavam-na mais rara. E de súbito flagrou-se carente... apaixonado. O amor o fez desabrochar, abrir-se. E não se sentia preparado para emoção tão intensa. O amor encheu-o de medo. E de raiva.


Jane Porter - A bela da noite

89

Assim fez à Joelle o que a mãe costumava fazer. Tentou aprisioná-la, acorrentá-la a ele, usando a culpa... intimidação... — Dentre todas as princesas no mercado, por que me escolheu? - Joelle virou-se para olhar para ele e o luar cândido mal lhe iluminou a face. Nunca pareceu mais bonita, honesta ou natural. E Leo percebeu o erro que cometera. Joelle nunca foi como a mãe dele. Era apenas jovem. Crescera cercada pela família, à sombra das irmãs, e jamais teve oportunidade de ser ela mesma. Agora compreendia o quanto ele - e até Remi - pressionaram-na, impondo-lhe as próprias necessidades. Não era de admirar que Joelle fugisse. Ele fugiria também. — Você seria uma aquisição perfeita para o meu império. — Melio - disse ela. — É um país incrível. Sempre senti uma afinidade com o povo... a paisagem. - Desde o exílio político da família na Itália, Leo não tinha um país para chamar de lar, e como passava as férias de verão em Mejia, sempre apreciou as ilhas gêmeas. — O que acontecerá com o seu império agora? — Ficará reduzido. — Lamento. — Não lamente. E melhor assim. É mesmo?, pensou Joelle, curvando-se para tocar a água. Precisava de um marido. Melio precisava de um casamento. De muitas maneiras, Leo seria o príncipe certo. Aos 22 anos não sabia se conheceria alguém igual a Leo, um homem que a fizesse sentir-se tão viva, tão incrivelmente linda na cama. Todavia, não podia construir um futuro baseado em sexo espetacular, nem arriscar-se a construí-lo sobre o que ambos possuíam agora. Com o casamento tão próximo, não haveria tempo para conhecê-lo direito, desenvolver o relacionamento que resultaria em um casamento feliz. E por mais que soasse impossível, romântico e implausível, queria um casamento como o de seus pais. — Você conheceu meus pais? - indagou ela. — Não. - Ele hesitou. - Mas compareci ao funeral. Ela respirou fundo. — Não me lembro do funeral.


Jane Porter - A bela da noite

90

— Você só tinha quatro anos. — Mas eles eram meus pais. Devia recordar algo. - Não lembrava dos pais reais, só dos rostos nas revistas. Os pais, Julien e Star, eram lindos como em um conto de fadas. Garota da parte pobre da cidade conhece príncipe charmoso e fogem juntos, sem remorsos, sem dúvidas. — Já faz muito tempo. — Não é melhor irmos dormir? No quarto, Joelle e Leo apenas se entreolharam, cientes que chegaram ao fim e que restavam apenas formalidades. Seja rápida, disse Joelle a si mesma. Acabe logo com isso. Leo não dirá nada, provavelmente está até aliviado, embora não insinuasse isso e conforme permaneceram olhando um para o outro, a lascívia flamejando, ela não pretendia se oferecer. — Posso passar a noite? - perguntou ela, sabendo que a aurora estava prestes a raiar. — Quer dizer ficar até de manhã? - Avançou na direção dela, tomou-a pela cintura. - Sabe como os homens encaram essas coisas. Atestado de compromisso. — E os homens têm tanta fobia de compromisso... — Verdade. Ela lutou contra as lágrimas com unhas e dentes. — Vamos nos ver novamente algum dia? Com os polegares, ele afagou-lhe as faces e conforme baixou a cabeça, sussurrou. - Talvez - disse baixinho, antes de cobrir sua boca com a dele. O beijo foi diferente de qualquer beijo que ela já experimenta ra. Pura doçura, inocência e desilusão e sentiu lágrimas sob as pálpebras. Chegaram tão perto de algo tão belo. Decerto não era a hora certa, acaso se conhecessem mais velhos... mais sábios... apresentados por amigos, como as outras pessoas... Joelle enlaçou-lhe o pescoço com os braços, abraçou forte, tentando recordar cada segundo daquela última noite. Na cama fizeram amor, lentamente, sem desespero, apenas prazer. Leo se conteve por horas, prolongando as sensações, ambos determinados a tornar o momento significativo. Não era só sexo, pensou Joelle, extasiando-se pela segunda vez, enterrando o rosto no peito morno de Leo. Concernia aos corações, a parti-los e tentar consertá-los de novo. Joelle não se lembrava de ter adormecido. Estava nos braços dele, a face úmida de lágrimas, e agora acordou. Sozinha.


Jane Porter - A bela da noite

91

Sentando-se, deu um pulo, o peito quase explodindo de dor. Algo aconteceu. Algo ruim. Então percebeu o quê. As coisas de Leo sumiram. Ele saiu enquanto dormia.

Não custou a encontrar o bilhete que ele deixou. Usou o seu meio de comunicação favorito, e as lágrimas rolaram, conforme lia e relia as breves palavras. Bella, o mundo é todo seu. Leo.

CAPÍTULO DOZE

Nova Orleans, Louisiana — Ele deixou um bilhete e pronto? - repetiu Lacey, incrédula. — Isso mesmo. - Joelle reclinou na cadeira da varanda e olhou fixo para a garrafa de cerveja que segurava. Regressara à Nova Orleans há um dia apenas, embora planejasse permanecer indefinidamente. — Como se sente? - persistiu Lacey. — Um trapo. Lacey suspirou. — Lamento. — Acontece. Lacey olhou atarantada para Joelle e por um instante mordeu o lábio, procurando as palavras certas. — Acho que ele ama você. — Foi paixão, não amor - corrigiu Joelle ríspida. Sentia-se tão amargurada... confusa. - Quero dizer, como poderia ser amor? Nos conhecíamos só há dez dias. Ninguém se apaixona em dez dias. — Mas foram dez dias bem intensos. Joelle tentou ignorar, embora não lograsse esconder a tristeza. — Tudo com Leo foi intenso - admitiu afinal, erguendo a garrafa e tomando um gole. Lacey não comentou nada. — Além do mais, ele não tinha idéia do que eu queria... precisava. - Joelle tomou fôlego. Não pretendia chorar, desabar. Adorava o corpo de Leo, mas queria mais que


Jane Porter - A bela da noite

92

o corpo. Queria o coração. Seu respeito. Sua confiança. E sem isso, a incrível atração física e a química inebriante não significavam nada. - Pensei que poderia casar por obrigação, mas errei. Pensei que poderia ser uma noiva de conveniência, mas não me conhecia. Não atinei como considerava importante ser amada. Ter alguém que me queira por mim... não pelo título ou meu país. Trovões retumbaram ao longe e Joelle suspirou. — Portanto, cancelamos o casamento. Rompemos o noivado. E estou pronta para voltar a trabalhar. Prosseguir com a minha vida. — E agora com a bênção do seu avô? — Vovô concordou que eu passasse outro ano ou dois por conta própria. — E suas irmãs? — Elas entenderam, muito mais que pensei, Nic e Chantal enfrentaram as mesmas coisas que eu. Só que eu não sabia. Nunca conversamos a respeito. — Devo admitir, Jo, ainda não compreendo essa coisa toda de casamento arranjado. Você realmente casaria com ele em outras circunstâncias... se ele fosse diferente? Joelle contemplou o aglomerado de nuvens escuras, armadas para a enxurrada da tarde. — Não sei. Pensei que poderia... casar por obrigação, mas agora não sei. Não sou quem pensei que fosse. Eu sou... - e sorriu, um sorriso doloroso. - ...um bocado mais forte que pensei. Não posso ser ninguém além de mim mesma, e por mais piegas que pareça, só eu sei o que é melhor para mim. Os trovões retumbaram novamente e Lacey e Joelle voltaram para dentro. Ao fechar a porta da varanda, Joelle desejou que ela e Lacey não houvessem conversado, que o nome de Leo não viesse à tona, porque não podia pensar nele. Era melhor esquecê-lo. Joelle não encontrou dificuldades para retomar o emprego no Club Bleu, e, após algumas semanas, estava de volta à antiga rotina. A rotina lhe fez bem, aliás, cantar manteve-a ocupada, concentrada. Quando estava no palco, esquecia tudo, incluindo o coração despedaçado. As horas longe do palco é que eram complicadas. Suportar o verão foi brutal, porém o outono chegou, e o calor intenso arrefeceu, e no inverno Joelle sentia-se quase humana. Joelle arrumou um emprego extra, como garçonete em um restaurante próximo. Mais dinheiro era bom, a falta de tempo, melhor ainda. Estava aprendendo a tomar conta de si... sustentar-se, e era ótimo pagar as próprias contas... a seu modo. Era ótimo ser responsável. Capaz. Morar com Lacey também ajudava. Lacey tinha uma perspectiva de vida fenomenal, um senso de humor muito animador.


Jane Porter - A bela da noite

93

A porta se abriu no depósito onde Joelle sentava empoleirada em um caixote de madeira, com o celular ao ouvido. Chet, o gerente do Club Bleu, estendeu a mão. — Josie, você entra em cinco minutos. Balançou a cabeça, indicando para Chet que entendera e continuou a ouvir a mensagem gravada que o avô deixara mais cedo. Já a segunda vez, mas precisava escutar de novo, com saudades do avô, de Melio. Ela apareceu em casa apenas no dia do seu aniversário de 23 anos. Talvez fosse época de outra visita. — Josie. - Chet voltou e enfiou o relógio bem debaixo do nariz dela. - Acorde. Hora de entrar. Agora. — Sem problema - respondeu calma. Por fora, nada a perturbava. Era a sensação mais quente dos clubes noturnos de Nova Orleans. Ninguém sabia quem era realmente. O que se passava no seu coração. — Estou pronta. — Tem certeza? — Benzinho - retrucou, no sotaque sulista arrastado que escondia as raízes européias. - Já nasci pronta. Assumiu a posição no palco e os refletores acenderam, e quando Benny atacou as primeiras notas no baixo, Joelle sentiu o calor exuberante de outra noite de verão. Abrindo os olhos, agarrou o microfone. O Club Bleu estava lotado hoje. Todos vieram para assisti-la, pois tornara-se importante em Nova Orleans - não pelo título ou pelo sobrenome -, mas porque conquistara tudo trabalhando duro. Entretanto, o sucesso era agridoce. Embora lhe oferecessem um generoso contrato de gravação, a música não supria todas as carências. O gosto do sucesso não se igualava ao amor. Esqueça, disse a si mesma, não pense no que não pode controlar. E, contudo, sentiu um nó na garganta e quase perdeu a compostura. Precisou esforçar-se para descolar as letras das canções da boca, fazer a voz soar. Não entendia o que estava errado consigo. Nada parecia normal esta noite. Estava irrequieta, inundada por intensa emoção. Concentre-se, Jo, pensou, concentre-se e termine a canção. Cerrando os olhos, Joelle segurou o microfone com ambas as mãos. De microfone em punho, Joelle deu tudo de si, cantando sobre o desgosto que jamais comentava à luz do dia. Ainda sentia saudade de Leo. Sonhava com ele quase toda noi te. Saiu com outros caras ano passado, beijou seu quinhão de homens, mas nenhum igual a Leo. Ao menos tem a música. Lembrou-se: ninguém pode tirar isso de você. E finalmente conseguiu esquecer tudo, exceto o baixo, a bateria e a melancolia noturna, e permitir


Jane Porter - A bela da noite

94

que a emoção calcinante jorrasse através dela, inundando a boate, colorindo-a com um som poderoso. Duas horas depois, as luzes se acenderam, e a platéia irrompeu em aplausos retumbantes. Joelle agradeceu com a banda, embora nada atenta aos assovios. Ficou tão imersa na última música, que lhe custou um minuto para retornar à realidade. — Muito bem - disse Johnny G, o baterista, com uma toalha enrolada no pescoço ao sair do palco. — Você arrasou hoje, menina - complementou Benny, guardando o baixo no estojo. Acertou todas as notas. Joelle logrou sorrir. De fato, sentiu-se engraçada hoje, Desligada. Talvez fosse o telefonema de casa, mas sentiu-se estranhamente sentimental. — Obrigada. Vejo você no sábado. Agachou-se para guardar a guitarra no estojo e aproveitou a chance para enxugar as lágrimas, antes que o delineador borrasse. De guitarra a tiracolo, Joelle obrigou-se a descer do palco. — Josie? A voz grave deteve-a. Joelle paralisou, a pele arrepiada. Passou um ano sem ouvir aquela voz, embora a escutasse em sonho, noite após noite até chorar. Lentamente, ergueu o rosto até o dele, que esperava por ela, o olhar sombrio buscando o seu, mantendo-a imóvel. Tudo o que conseguiu foi agarrar-se ao estojo da guitarra. — Leo. — Você foi sensacional. A voz grave de Leo envolveu-lhe o coração. — Obrigada. O silêncio sobreveio. Joelle não sabia o que fazer, o que dizer. O que ele fazia ali? Passou um ano sem uma palavra, um único telefonema. Por que estava ali, agora? — Como vai você? - indagou ele. — Ótima. - Engoliu em seco. - E você? — Ótimo. - Os lábios contraíram em um sorriso maroto. - Você está tão educada. — Somos amigos, certo? Não inimigos. - Entretanto, havia um resquício de amargura na voz dela e ele reparou. — Amigos - repetiu baixinho, mas os olhos verdes mostravam-se acesos. - Posso


Jane Porter - A bela da noite

95

levá-la para jantar? — Não posso. Preciso acordar cedo. — Entendo. Joelle sentiu um aperto doído no coração. — Sou garçonete no Brennan's aos domingos. Lembra-se do Brennan's? - Viu-o anuir e afobou-se. - O café da manhã no Brennan's é famoso. Fica muito cheio de manhã. Uma loucura mesmo. Eles pegam no meu pé. — Vou experimentar qualquer dia. Os olhos arderam. — Preciso ir. — Não vai a pé para casa, vai? — São poucos quarteirões. — Ela notou que Leo engoliu a desculpa. — Vou acompanhá-la até em casa. Me dê a sua guitarra. — Leo... - A voz embargou ao ver a expressão dele. — Pronto. Caminharam em silêncio, a noite ainda tépida, as nuvens arma das. O ar parecia saturado de umidade. Ao chegarem ao prédio de Joelle, Leo seguiu-a até as escadas. Houve um instante embaraçoso depois que Joelle girou a chave. - Quer entrar? - perguntou cerimoniosa. Ele percebeu isso, também. — Talvez outra hora - respondeu, dando as costas. - Boa noite. Joelle entrou e trancou a porta. Ele se foi. Devia sentir-se aliviada. Ao contrário, sentiu-se deprimida. Não devia tê-lo deixado ir. Não, melhor assim. Melhor por quê? Leo estava ali. E permitiu que ele fosse embora. A dor dilacerou-a, mais sombria que nunca. Tudo bem, disse a si própria, é a vida, o amor, é assim que deve ser. Mas no fundo não queria que isso fosse verdade, porque ao olhar para ele hoje, tudo o que sentiu foi esperança e...

Desejo.


Jane Porter - A bela da noite

96

A veemente batida na porta fez o coração saltar. Ele voltou! O alívio avassalou-a e Joelle atrapalhou-se com a fechadura. Com as emoções caóticas escancarou a porta, mas não era Leo, e sim Lacey. — Graças a Deus você está em casa - disse Lacey, esbaforida. - Perdi minha chave e tive medo de ficar trancada aqui fora. A manhã chegou cedo demais, e Joelle arrastou-se para fora da cama, entrou no chuveiro, saiu e meteu-se em uma saia jeans e uma camiseta - no trabalho vestiria o uniforme - e tomou uma xícara de café na cozinha. — Oi. - Lacey já estava de pé, os cachos desgrenhados. -- Tudo bem? Não a vejo tão melancólica assim desde... junho. — Não dormi bem. — Aconteceu alguma coisa ontem à noite? — Não. Por quê? — Por nada. Joelle virou o café e saiu. Enquanto caminhava até o Brennan's, elucubrou por que não contara a Lacey sobre a aparição surpresa de Leo. Talvez porque ela própria não assimilara a aparição dele, tampouco. Não fazia sentido que ele estivesse aqui para vê-la, a não ser... A não ser... Todavia Joelle não se permitiu especular mais, e ao chegar ao restaurante foi imediatamente sugada pelo ritmo frenético do desjejum gourmet. Ao completar o turno, eram quase duas da tarde e estava morta. Pensou em Leo, porém não em demasia. E após trocar de roupa, saiu pelos fundos. Só quando atingiu o fim do corredor avistou Leo. Aguardava por ela na frente do Brennan's, posicionado de tal modo a poder ver todas as saídas do restaurante. Ela meio que esperava vê-lo, mas não a reação violenta, a eletricidade. A emoção nunca atenuou. A ferida nunca cicatrizou. — Você não vai trabalhar no Club Bleu esta noite - afirmou ele, aproximando-se, com uma graciosidade felina. Joelle esquecera tal graciosidade, a sensualidade, a sofisticação européia. Todavia, não poderia render-se a ele. — Sei que está livre agora - complementou, cercando-a - Não vai trabalhar de novo até de manhã, e Lacey contou que não tinha planos para esta tarde. Joelle ficou tonta. Ficar tão próxima assim de Leo era fatal.


Jane Porter - A bela da noite

97

— Quando você viu Lacey? — Ontem quando cheguei na cidade. — Ela não me contou. — Porque eu pedi. — E ela diz que é minha amiga. — Mas é. Os olhos se encontraram, travando uma batalha silenciosa. Nada mudou, pensou Joelle, mordendo a língua para não dizer qualquer desaforo. Ele ainda tentava mandar em tudo. Controlá-la. — Então devia ter contado que você estava aqui - insistiu Joelle, sentindo-se encurralada. — Joelle. — Que foi? - De súbito, tudo aquietou. Como se as nuvens negras lá em cima tragassem todo som. Logo choveria. — Esqueça. Não vou forçá-la a nada, bella. Leo se aproximava mais, e com os relâmpagos iluminando o céu ela sentiu medo. Caso a tocasse, estaria perdida. Respirou fundo, tentou ser objetiva. — Não sei como fazer isso. Me esforcei tanto para esquecer você que... É uma agonia ver você. Não é nada que eu pensei que aconteceria novamente. — Você sabia que eu a amava. — Mas você foi embora. — Ambos sabemos o porquê. Joelle sentiu-se à beira das lágrimas. A tarde escureceu tanto que ela previu que a tempestade era iminente. — Quer entrar? - perguntou Leo, indicando a cafeteria da esquina, se é que se poderia chamar aquilo de cafeteria. Parecia mais uma taverna, escura e fria, ventiladores girando no teto e música berrando na Juke-box. — Não especialmente. As trovoadas ribombaram no céu. — Vai chover. Ele tinha razão. A rua estava quase deserta. Todo mundo sabia que a chuva se


Jane Porter - A bela da noite

98

aproximava, até os turistas. E aquela prometia ser um dilúvio torrencial. Se pretendiam escapar a tempo, precisavam correr agora. Em um minuto poderia ser tarde demais. — Vamos para a minha casa - sugeriu ela, ajeitando a bolsa no ombro. Então ela sentiu. A primeira gota. E depois outra. E mais outra. Leo conduziu-a para a cafeteria conforme a chuva começou a cair, mais e mais forte. Em menos de 30 segundos a enxurrada transformou-se em bruma, tão densa que lençóis de condensação elevavam-se do asfalto. O French Quarter virou uma cidade fantasma. Os carros desapareceram. Os transeuntes sumiram. Todas as lojas fecharam as portas. Foi extraordinário. Joelle e Leo ficaram sozinhos para assistir à chuva inclemente. — Também devíamos pedir algo paia beber. Isso vai demorar um pouco. — Você está feliz por ficarmos presos aqui. — Tente pensar em mim como um missionário da paz - sugeriu, irônico. Ela crispou as mãos. — Então por que não me sinto pacífica? Leo riu de mansinho, os olhos brilhando. - Isso é algo que só você pode responder, bambina. Venha. Vamos encontrar uma mesa antes que fiquemos encharcados. Pediram tigelas de sopa apimentada e vinho branco no balcão e sentaram-se em um canto remoto. — Isso não é sinal de prosperidade - cochichou Joelle. — Não, mas pelo menos é seco. A sopa não foi a melhor que Joelle já experimentou, mas a re vigorou, e ao menos o vinho estava gelado. Após o garçom tirar a louça, ela foi até a porta e admirou as ruas inundadas. — Está horrível lá fora - comentou, sentando-se outra vez. — Então acho que teremos algum tempo para nos distrair. CAPÍTULO TREZE Joelle reparou no divertimento dele quando os olhos verdes pousaram no seu rosto, e pôde jurar que Leo sorria, saboreando a desgraça dela em segredo.


Jane Porter - A bela da noite

99

— Você planejou tudo - acusou, cruzando os braços, tentando impor o máximo de distância possível. O olhar sombrio de Leo fulgurou. Os dentes reluziram em um puro sorriso predatório. — Foi mesmo. Encomendei a tempestade quando fiz a reserva no hotel. Ela desviou os olhos, incapaz de encarar aquele intenso olhar. Leo a estudava, possessivo, e tudo nela pareceu desabrochar. — Não podemos simplesmente sentar aqui. — Por que não? Joelle rangeu os dentes e sentiu uma arrebatadora onda de desejo. Não era justo que ele continuasse lindo. Não era justo que a cada vez que a fitasse fizesse-a sentir como a única mulher da terra. Não era justo que aquele olhar a deixasse tensa, voluptuosa. — Porque isso é uma espelunca. — Eu estou confortável. — Mas eu não. Eu não confio em você. — Você nunca confiou. Ele era maior do que Joelle recordava, mais forte, mais robusto. Relembrou o desejo, porém não o fascínio que exercia sobre ela, e de algum modo, sentada nessa minúscula mesa de bar, sentiu-se incrivelmente ameaçada. Leo representava tudo o que desejava. E também tudo o que temia. Acaso permitisse que Leo se aproximasse mais, ele a possuiria de novo. Joelle duvidava da segurança das barreiras que construiu contra ele, das defesas que erigiu em torno do coração. — Meu avô enviou você? - indagou amarga, os braços cruza dos ao peito, como se pudesse manter o coração a salvo. — Não. — Ele sabe que você está aqui? — Não. Eu devia ter pedido a permissão dele para visitá-la? — Então o que você quer? — O que você acha, bella? Ela sentiu um aperto no coração, comprimiu os seios com os punhos, a pele macia, o íntimo ardente, lívido de emoção... esperança... mágoa... sonhos. — Você não pode me ter. — É claro que posso. Eu fui feito para você...


Jane Porter - A bela da noite

100

— Não. — Justo como você foi feita para mim. — Besteira. Ele riu tranqüilo, o som rouco inundando os ouvidos dela, acariciando os sentidos exaltados. — Permiti que tivesse um tempo, mas nunca desisti de você. Encarou-o incrédula. — Um ano se passou, Leo, um ano. Não existe mais nenhum relacionamento, nenhum noivado, nenhum casamento... — Não ainda. — Nem nunca. — Você ainda me quer tanto quanto eu quero você. Joelle virou a cabeça, a fúria roubou-lhe as palavras, a voz, a respiração. Como ele podia fazer uma coisa dessas? Como podia vir aqui e fazer declarações tão arrogantes? E como podia fazer tais suposições ainda por cima? — Você não tem idéia do que eu quero. — Não? - Pronunciou a palavra tão baixinho que os pêlos da nuca de Joelle arrepiaram. Com o peito em chamas, ela forçou-se a levantar o queixo e encarar aquele olhar debochado. — Não - arremedou em resposta. Leo não faria aquilo com ela novamente... subjugar, espezinhar, usar seu próprio corpo contra ela. Desta vez estava atenta. Se a queria de verdade, então deveria conquistá-la pelo coração, não pelos instintos. — Deixe-me contar-lhe uma história - disse ele. Ela quase gargalhou. — Acho melhor não. — Mas é uma história interessante. — Duvido. Os olhos dele se aguçaram. — A sua mão está traindo você, bambina. Você está reveladora demais. Se acaso espera mostrar-se indiferente, então precisa de menos emoção. Você precisa demonstrar indiferença.


Jane Porter - A bela da noite

101

Ela corou e não comentou nada, querendo ver onde isso ia parar e sabendo que Leo tinha razão, embora saber que ele tinha razão não ajudasse. — Então me conte a sua história - retrucou, tentando parecer impassível. Os lábios dele contraíram no mais tênue sorriso de divertimento. — Você tem que prometer que não dirá nada, e que não vai interromper. De novo não. Joelle mal logrou manter o semblante imparcial. — Certo. O triunfo flamejou nos olhos dele. — Era uma vez, não há muitos anos, uma garota chamada Josette Destinee d'Ville, mais conhecida como Star. Star veio de uma família muito pobre da periferia de Baton Rouge... — Já ouvi essa história. — Mas ela tinha uma voz incrível e sonhos grandiosos - continuou sem dar ouvidos à interrupção. - Ninguém trabalhava com mais afinco que Star e um dia ela se tornou a maior cantora pop da América. E então, no auge da carreira, Star conheceu um belo príncipe, ambos se apaixonaram e ela se mudou para a Europa com ele, desistindo da carreira. Joelle sentiu cãibras no estômago. — Esta não é a minha história favorita. — Mas fica cada vez melhor. — Eu acho que não. — Eu acho. Já que conhece a história, deve saber que Star teve duas menininhas, duas princesas chamadas Chantal e Nicolette, e Star e o príncipe amavam muito as filhas. Mas Star não se sentia completa... — Porque sentia falta da música. Leo sorriu — Não. Ela queria mais um filho, outro bebê Ducasse. E Star passou os seis anos seguintes tentando gerar aquele bebê tão especial. Ficou grávida outras três vezes e perdeu todos os três bebês no fim da gestação, e após o terceiro aborto o médico avisou que ela não poderia mais ter filhos. Leo viu a tristeza e a dor nos olhos dela, o fulgor das lágrimas de todos aqueles anos de solidão. De leve, tocou a face de Joelle. Ela não se retraiu, não o repeliu. — Mas Star não conseguia aceitar que não haveria uma terceira criança. Queria essa


Jane Porter - A bela da noite

102

criança, não podia explicar isso a Julien, nem a mais ninguém. Todavia Star não poderia ter outro bebê e por isso o príncipe tentou distrai-la, tentou empurrá-la outra vez para a música. Construiu um estúdio para ela, estimulou-a a voltar, a escrever músicas novamente, porém Star não queria a música. Queria um bebê. Havia mais um bebê para ela. Star sabia disso. Lágrimas inundaram os olhos de Joelle, mas bravamente ela mordeu o lábio. — E contrariando as ordens médicas, Star engravidou outra vez. Foi uma gravidez difícil, tão difícil quanto as outras, porém ela se recusou a perder o bebê, e lutou por aquela criança a cada etapa do caminho. Nove meses depois, Star deu à luz a menininha mais bonita de todas, e o Príncipe Julien e Star batizaram o bebê milagroso de Joelle. E Star, com todas as suas abundantes conquistas, e todo o sucesso vibrante, enfim, sentiu-se completa. Joelle não conseguia mais olhar para ele, suportar mais nada. As lágrimas rolaram pelas faces e esforçou-se para enxugá-las, embora houvesse mais lágrimas que mãos, e sufocou um soluço. Não podia desmoronar desse jeito na frente de Leo. — Não é de admirar que tenha tanta vontade de ser você mesma. Você tem a sua mãe no coração, e todos os seus sonhos e desejos dentro de você. Joelle sabia que estava prestes a desabar, explodir, ciente de que gastou tempo demais tentando ser forte e independente, tentando ficar bem sozinha. Contudo estava solitária. E foi duro. E sentia saudades de casa e dos pais e da família. Sentia falta de amar e ser amada. Sentia falta de Leo mais do que nunca lograria descrever. De súbito, Leo tomou-a nos braços, abraçando-a forte. — Você merece o melhor. Você merecia o melhor de mim. Joelle não conseguiu responder, não encontrou palavras para expressar qualquer das emoções desconexas que a inundaram. Foi um ano tão difícil, um longo ano solitário. E é claro que enquanto parte dela esperava vê-lo de novo, ela não pensou honestamente que jamais teriam outra chance. Começou a pensar que o relacionamento deles era reles química, um impulso sexual que não tinha nada a ver com os corações de ambos, as carências emocionais, e, no entanto, ali estava Leo, abraçando-a, o coração batendo forte. Aninhou a face molhada no pescoço dele sem querer pensar, só sentir. Ninguém jamais a abraçou dessa maneira. Ninguém jamais fez com que se sentisse tão viva. — Senti sua falta. — Foi um inferno ficar longe de você. Tomando fôlego, Joelle descobriu que nunca enjoou do aroma, da força dele, do modo como olhava para ela e a fazia queimar.


Jane Porter - A bela da noite

103

— Então por que ficou? — Eu tinha coisas a resolver. — Como o quê? - A voz embargou, o ressentimento e a carência aparentes. — Como chegar a termos com o meu passado. Aceitar o fato de que andei muito zangado com a minha mãe, que precisava controlar a raiva ou ela arruinaria o futuro. Era isso que já estava destruindo a relação que eu desejava ter com você. Ela mal conseguia respirar, forçar o ar a entrar nos pulmões, de tão concentrada nas palavras que ecoavam na sua cabeça. — Estou envergonhado por ter colocado aquele bracelete de vigilância em você, bella. Envergonhado por magoá-la e manipulá-la. Eu estava tão desesperado... tão determinado a não perder você. Amar você tanto assim me encheu de medo. Amar você... — Você me ama? As pontas dos dedos acariciaram-lhe a nuca, desenhando círculos lânguidos com tanta doçura que ela palpitou da cabeça aos pés. — Mais do que pensei ser capaz de amar alguém. As mãos de Joelle agarram a camisa dele, apertando o tecido nos punhos. Leo estava proferindo as palavras que ela necessitava, as palavras pelas quais ansiava e ainda... ainda assim... sentiu medo, medo da esperança, medo de acreditar. — Aprendi muito este ano - acrescentou ele -, me esforcei muito para fazer as pazes com a minha mãe, perdoar pelo que me causou, pelo que não pôde me dar, e estou pronto para um futuro com você, pronto para a vida que quero viver ao seu lado. — Só por causa de Melio, não é? Ele gargalhou. — Bella, eu sou revoltantemente rico, com mais mansões e casarões e solares do que idéias do que fazer com eles. Não preciso de Melio nem de Mejia. Mas preciso de você. Eu amo você. Não quero ir para a cama nunca mais sem lhe dar um beijo de boanoite. Não quero acordar sem ter você ao meu lado. — Pois aposto que as mulheres são loucas por você - fungou, tentando conter as lágrimas que empoçavam nos olhos. — Mas eu quero a mulher que me deixou louco - redargüiu, levantando o queixo dela para enxugar-lhe as lágrimas. - Eu quero a mulher que me fez amadurecer, encarar a mim mesmo, encarar meus temores. Você me transformou, me fez mais forte, mais generoso, me fez real. E há tanto envolvido... tanto que sentimos para desistir sem lutar. Estou lutando por nós dois agora, Joelle. E continuarei lutando. Diga-me que vai


Jane Porter - A bela da noite

104

lutar, também. Ela viu um homem desarmado, um homem com um rosto adorável, com um queixo anguloso e forte, mas despido da aspereza, da amargura, da irritabilidade. — Eu gostaria de lutar por nós - disse ela após um instante - quero acreditar em nós... — Mas? — Você é mais velho que eu. Leo esforçou-se para tentar parecer sério. — Pelo menos 12 anos de diferença. — E você falou que era revoltantemente rico. — Isso é verdade. Enquanto a maioria das mulheres aprecia um determinado estilo de vida - roupas, viagens, carros e jóias - tenho a impressão que você não. Ela assentiu — Eu acho a idéia toda de sustentar uma mulher com luxos ofensiva. Não quero ganhar um estilo de vida luxuoso. Eu quero um relacionamento. Houve um momento de silêncio. Ela umedeceu os lábios, a boca seca, o coração batendo mais forte. Leo a contemplava como um lobo espia uma ovelhinha. Ele a teria. Ela sabia que ele a teria. — Confie em mim, bella - pediu, rompendo o silêncio angustiante -, sabe que terá um relacionamento. Joelle pressentiu a autoridade na voz dele e foi acometida por calafrios. — Talvez - continuou ele - a verdadeira questão seja que você não se sente atraída por mim. — Não me sinto atraída? — Decerto a química se foi. A entonação rouca, provocante na voz dele, fez o sangue dela subir, e arrepios titilaram pelo corpo todo. Não se sentia atraída? Sem química? Seria fácil caso o problema fosse esse. — Diga que não se sente atraída por mim e deixarei você em paz - persistiu, e os olhos verdes arderam, uma luz perigosa flamejava ali. — O coração disparou dentro do peito. — Eu não me sinto atraída. Leo sorriu.


Jane Porter - A bela da noite

105

— Claro. - E então começou a provar o quanto ela estava enganada. Beijou-a enquanto a chuva caía, beijou-a até que ela não lo grasse pensar, respirar, ver, beijou-a até que ela tivesse certeza de que ele levou embora toda a dor, tomando-a com os lábios e, quando Leo ergueu a cabeça, sorria sutil, ironicamente. — Entendo você, bella, muito melhor do que imagina. Joelle plantou as mãos no peito dele para repeli-lo. — O que você sabe? — Que tudo o que você sempre quis foi ser igual a todo mundo. Queria sentir como é ser igual às outras pessoas, Joelle sentiu um aperto engraçado no coração. As palavras eram familiares, soavam exatamente como os seus pensamentos. — Você quer usar jeans e botas e tênis. Jaquetas de couro com um monte de franjas. Essas eram as palavras dela, as palavras que escrevera no início do ano e que se transformaram em música. Quero ir ao bar e tomar uma cerveja e me embebedar em público se eu quiser... — Você andou escutando as minhas canções - protestou, emburrando e depois arruinando a farsa ao explodir em risos. - Não posso acreditar que alguém escutaria isso com atenção. — Pensei que já era hora de prestar atenção no que você me dizia, pensei que se teríamos uma chance de sermos felizes, eu precisava conhecer você, a verdadeira Joelle. Tais palavras fizeram seus olhos arderem outra vez, e espiando para fora, por sobre o ombro dele, Joelle viu a chuva começar ai amainar, a enxurrada transformar-se em bruma de condensação. — Você quer me conhecer. — Sim, você, sua verdadeira personalidade, aquela que se apaixonou há um ano. — Você não gostou da minha verdadeira personalidade. — Eu amei a sua verdadeira personalidade, apesar de estar vestida feito uma gatinha sexy. — E o que há de errado com uma gatinha sexy? Ele resmungou alguma coisa em italiano, e depois, enroscando a mão nos cabelos dela, puxou seu rosto para perto, tão perto do dele que o hálito morno acariciou-lhe as faces, a pele, os lábios. — Nada, bambina. Contanto que você seja minha.


Jane Porter - A bela da noite

106

Subitamente uma ruga vincou-lhe a testa, os olhos aguçaram. — Você é minha, não é? Lançando os braços em torno do pescoço de Leo, colou os lábios no ouvido dele. — Sou sua desde que me olhou pela primeira vez, desde a inauguração. — Inauguração? Abraçou-o mais forte, abraçou-o com toda a paixão. — Ora vamos, você sabe. Ergueu a cabeça, contemplou-lhe os olhos. — Eu amo você, Leo. — Eu sei.

EPÍLOGO — Estamos atrasadas - disse Joelle pela décima vez em idêntica proporção de minutos. - Não posso me atrasar. Não quero me atrasar. Nic e Chantal lançaram-lhe olhares embevecidos, apesar de exasperados. — Se você não tivesse desatado a chorar, não precisaria refazer a maquiagem retorquiu Chantal. — Se alguém me contasse sobre o véu mais cedo, eu não teria chorado. — Você ainda assim choraria - retrucou Nic, tentando ajeitar o véu. - Você está linda, Jo. Essa tiara foi feita para você. Joelle tocou a delicada tiara de diamantes, a tiara no formato de cinco estrelas brilhantes que ostentava uma galeria de ornamentos cravejados de diamantes. O pai, Príncipe Julien, comprara a tiara para o casamento com Star e desde então ela permaneceu guardada. Em pensar que a tiara fora poupada para ela. Todos esses anos, À espera do seu dia de núpcias, e de repente não acreditou que se ria capaz de conter as lágrimas. — Estou desmoronando! - soluçou em protesto. — Está tudo bem, Tia Joelle. - Lilly largou os braços da mãe para agarrar-se a Joelle. - As noivas sempre choram. Joelle gargalhou, e retribuiu o abraço de Lilly mesmo ao enxugar as lágrimas. — Como sabe tanto a respeito da vida, Lilly?


Jane Porter - A bela da noite

107

Lilly suspirou. — Já tenho oito anos, tia Jo. Você perdeu a noção do tempo enquanto você e o Príncipe Leo estavam atrapalhados com todos aqueles problemas. Chantal cutucou Lilly, mas Nic riu e Joelle lançou um olhar maroto para as irmãs. — Obrigada, Lilly. Agora me lembro. Em qualquer outra ocasião, o percurso do palácio até a catedral levaria minutos, mas com a multidão aglomerada o motorista do clássico Rolls-Royce bege foi forçado a driblar as antigas ruas do centro, permitindo que o povo tivesse a chance de ver as três Princesas Ducasses. O automóvel estacionou cm frente à catedral, a porta dos fundos se abriu, o longo tapete vermelho foi estendido, e Joelle impulsivamente deu um beijo na face de cada irmã. — Obrigada - sussurrou, grata, comovida por tê-las consigo hoje. No seu dia de núpcias. Sempre foi a princesa caçula, a última das irmãs Ducasses, mas algo parecia diferente... ela estava diferente... mudara nos últimos dois anos. Estava pronta para pertencer a Melio, pronta para o futuro. Ao saltar do Rolls-Royce, ouviu alguém gritar: — Nós amamos você, Princesa Jo! E a multidão aglomerada na catedral acompanhou o brado, celebrando seu nome conforme Remi lentamente descia os degraus, apoiado na bengala, para tomá-la pelo braço. — Eles amam você - comentou o avô. Ela anuiu, o peito explodindo de emoção. Todos foram tão bons com ela, tão pacientes, e era mais grata do que qualquer um imaginaria. — Eu os amo também - replicou, e ajeitando o buquê de açucenas brancas, tulipas e frésias, estendeu a mão trêmula, agradecendo a saudação. — Estão alegres que esteja em casa - acrescentou o Rei Remi. Joelle acenou para o povo, sorridente. — Eu também, vovô. Escalaram os degraus da catedral, adentraram a colossal igreja de rocha através das portas em arco, o piso de mármore rosa-escuro, e o altar em meio círculo com uma dúzia de janelas com vitrais coloridos, cada uma emoldurada por delicadas frisas de gesso, os detalhes arrebatadores. Joelle conhecia bem a catedral. Foi ali que os pais e a avó foram sepultados, as irmãs casaram, e a pequenina Lilly foi batizada. Mas nada a comovia mais do que o homem


Jane Porter - A bela da noite

108

que a aguardava diante do altar. Leo. Esperava por ela, ladeado por dois distintos padrinhos. — Malik Nuri, o sultão de Baraka, e Demetrius Mantheakis, o magnata grego que não dava satisfações a ninguém, e Leo era tudo que ela sempre quis ter, tudo o que sempre sonhou. Príncipe Leo Fortino Marciano Borgarde. O amor da sua vida. Com o som do órgão e centenas de velas acesas, Joelle esperou Nic e Chantal e depois Lilly precederem-na ao longo da nave da igreja. E então foi a sua vez. Até que enfim. Três anos após o noivado cura o príncipe e dois anos após perder a virgindade. Sentiu-se vacilante ao caminhar com o avô. O coração palpitava a cada passo lento, estudado. Joelle tremia quando afinal ela e o avô chegaram à frente da catedral, e contemplando o querido avô, um homem que precisou seu avô e pai assim como rei ao mesmo tempo, percebeu que sobrevivera à longa jornada - não só esta ao longo do interminável tapete branco da igreja -, mas os três anos que aproveitou para amadurecer apropriadamente, o último ano com Leo, quando ambos aprenderam a amar, a não guardar rancores, a deixar as discussões fenecerem e a aceitar pedidos de desculpas com gratidão. Apertou a mão do avô. — Obrigada - murmurou, justo antes de ele pousar a mão dela na de Leo. - Devo tudo a você. — Não me deve coisa nenhuma. Apenas seja feliz. — Eu já sou. O órgão cessou. O bispo começou dirigindo-se à congregação. — Estou atrasada - cochichou, espiando o perfil de Leo. — Só meia hora - cochichou ele de volta. — Desculpe. Leo cobriu-lhe a mão com a dele. Seu calor relaxou-a. — Estou ficando bom nesse negócio de esperar. Joelle quase riu. Não devia rir. Era o dia de núpcias. Estava desposando um príncipe. A vida seria muito séria de agora em diante. — Você se tornou um homem muito paciente.


Jane Porter - A bela da noite

109

— E por que não? Todos nós precisamos de um tempo extra de vez em quando. As duas horas seguintes voaram, música, cor, palavras e som. E Joelle adorou tudo isso, a cerimônia, a recepção, o jantar e o baile,mas chegou a hora em que ela e Leo deviam escapar. E escapara para o quarto no Palace Hotel que Leo reservou. Amanhã parti riam para um cruzeiro de duas semanas pela Grécia. Todavia resto da noite era deles, e com a segurança reforçada no hotel, tinham a garantia de uma noite sem quaisquer interrupções. Joelle sentou-se em frente ao espelho da penteadeira e começou a desprender a grinalda que não saía de jeito algum. — Leo, pode me dar uma ajudinha? Não quero rasgar o véu. Leo surgiu do banheiro. Ela ouviu a água correr. Estava enchendo a banheira. E no espelho seus olhos se encontraram. Ele sorria, aquele sombrio sorriso sensual que ainda agora irradiava calafrios de alto a baixo. Silenciosamente, ele atravessou o tapete do quarto, o olhar no espelho jamais abandonou o dela. — Você é linda. O coração de Joelle disparou, aos saltos, conforme derreteu por dentro, puro fogo e desejo. Leo aproximou-se por trás dela, uma das mãos acariciando os ombros nus e ela suspirou, os lábios cindiram. Mesmo erguendo um dos cantos da boca, Leo pôs-se a soltar os grampos da grinalda um de cada vez. — É uma bela tiara - comentou, soltando o véu e a tiara com habilidade e entregando-as à Joelle. — Vovô a guardou para mim. — Sua família a ama. Ela anuiu, mordeu o lábio, dominada pela emoção. Sentia-se tão afortunada, tão abençoada. Tudo de bom e adorável transformou-se em verdade, e toda a tristeza e ressentimento já não pareciam reais. Nada disso importava. E de súbito sentiu uma palpitação de calor, um fluxo de energia alçando o olhar, descobriu que Leo a admirava. Como a amava, pensou, sentindo seu amor transbordar sobre si, transpassá-la, um amor tão tangível, tão visível nos olhos dele. Talvez fosse isso que tornava a vida com Leo tão intensa, tão excitante. Bastava olhar para ele e pressentia sua presença, desejava-o, e o desejo não diminuiu, mas tornou-se mais forte com o tempo.


Jane Porter - A bela da noite

110

— Você está tão calado - sussurrou ela, sentindo o pescoço nu, os seios latejarem, até os lábios pareciam estranhamente cheios, os nervos dançando. O olhar de Leo mergulhou devagar até o rosto de Joelle, esquadrinhando cada centímetro de pele nua tão carente do seu toque, tão ávida pelos seus lábios. Joelle sentiu a pele aquecer, corar e a onda de desejo e adrenalina tornou-se dolorosa. — Só estou olhando para você - disse ele. Verdade, e a energia entre os dois parecia elétrica. — Você realmente lutou por mim. — Eu não tive escolha. — Por quê? O canto da boca repuxou. A expressão dele ameigou, o olhar esverdeado abrasou. — Você já sabe a resposta. Ela aproximou-se dele, ainda usando o vestido branco de noiva, a seda fresca, leve em contato com as pernas. — Mas eu quero escutar de novo. Leo sentou-se na beira da cama, e puxou-a para si. — Eu amo você. — De novo. — Eu amo você. — Outra vez. — Eu amo você. E aproximando-se então, ela o beijou, lenta, avidamente, saboreando o desejo que irrompia entre ambos. — Prometa que nunca vai parar de dizer que me ama. — Eu prometo. — E prometa que ainda vai me amar quando ficarmos velhos e grisalhos. — Eu prometo. — E prometa que sempre vai se lembrar de hoje. Ele gargalhou, o som rouco. — Eu prometo. Joelle respirou fundo, ainda tentando assimilar tudo.


Jane Porter - A bela da noite

111

— Sabe, nós temos a história mais incrível para contar aos nossos filhos. — Eles não vão acreditar. — Eles terão de acreditar. É a nossa história. — Uma história e tanto - brincou ele. — Fora de série. — Cheia de teimosias e uma cabeça-dura muito... Ela o beijou, interrompendo as palavras. — Você está descrevendo a si próprio, é claro. Leo gargalhou outra vez, muito grave e muito sexy. — Talvez nós precisemos chegar a um acordo quanto à história... esclarecer os fatos. — Concordo. Na verdade, talvez enquanto estivermos de lua-de-mel possamos começar a repassar os detalhes... concordar a concordar... concordar a discordar também. — Bella, acho que temos todo o tempo do mundo. — Não tanto tempo assim. - E, aconchegando-se nele, pressionou os lábios nos seus e murmurou: - Estou grávida. Nós estamos esperando um bebe de Natal.

FIM


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.