Coliving e Coworking: como as novas formas de habitar o espaço na era digital

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LIVING WORKING COMO AS NOVAS FORMAS DE HABITAR O ESPAÇO NA ERA DIGITAL



Trabalho Final de Graduação Experimental Internacional PROJETAR ARQUITETURA, CONSTRUIR CIDADES FAU Mackenzie | LPP Laboratório de Projetos e Políticas Públicas DA Unife | Citer Laboratorio di Progettazione Urbana e Territoriale

FAU UPM Angélica Tanus Benatti Alvim [ Diretora ] and Lucas Fehr [ Coordenador AU ] Coordenação TFG E.I. 2020/2021 Valter Caldana [ UPM ] and Romeo Farinella [ Unife ] Professores [ UPM ] Sami Bussab + Afonso Castro + Guilherme Michelin Tutores Laura Abbruzzese + Haniel Israel + Kassio Massa Consultores Larissa Branco + Heraldo Borges + Paulo Corrêa + Elena Dorato + Tereza Herling + Mariana Rolim

Formandas [ UPM ] Maria Teresa Antelmo Barbara Feres Marques Bragança de Oliveira Sarah Garbelini Bakun Stephanie Loureiro Fantinato Rebeca Cristina Lourenço de Souza Isadora Monteiro Machado Luciana Vada Sophia Valerio

Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo



UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

LIVING WORKING COMO AS NOVAS FORMAS DE HABITAR O ESPAÇO NA ERA DIGITAL

BARBARA FERES M. B. DE OLIVEIRA ORIENTADORES Prof. Dr. Sami Bussab Prof. Dr. Valter Luis Caldana Jr.

Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie para obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo SÃO PAULO, 2021



UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

LIVING WORKING COMO AS NOVAS FORMAS DE HABITAR O ESPAÇO NA ERA DIGITAL

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________ Dr. Arq. Urb. Valter Luis Caldana Júnior ______________________________________________________ Ms. Arq. Urb. Guilherme Antonio Michelin ______________________________________________________ Dra. Arq. Urb. Laura Abbruzzese



Aos meus pais, porque cada conquista minha é uma conquista deles antes disso


AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiro, a Deus, por ser sempre fonte de força e luz nos momentos de dificuldade. Agradeço à minha família, que sempre me apoiou em todas as minhas escolhas e sonhos. À minha mãe Rosana, pelo suporte e amor incondicional, por se dispor a me ouvir independente da situação. Ao meu irmão Breno, pela grande amizade, apoio e ensinamentos sempre. Ao meu pai André, por me auxiliar a cada passo dessa jornada e, mais que isso, por ser uma grande inspiração para esse trabalho. À minha avó Wanda, por sempre me incentivar e se fazer presente, apesar da distância. Ao meu namorado Matheus, que me apoiou diariamente na reta final deste trabalho. Agradeço a todos os amigos que me acompanharam ao longo da faculdade nesses últimos 6 anos:

Amanda Cubos, Beatriz Moredo, Sophia Valerio, Fabiana Cerutti, Felipe Silva, Lucas Casale e Rafael Mourão. Aos amigos que tive o prazer de conhecer em Hannover e com quem compartilhei os melhores momentos em uma época tão difícil de pandemia: Paula Tablado, Moritz Döring, Alexander Achikov. E às colegas de turma: Luciana Vada, Maria Teresa Antelmo, Rebeca Lourenço, Sarah Garbelini e Stephanie Fantinato, que conheci durante esse ano de pesquisa. Obrigada pelas trocas e discussões importantes que me auxiliaram ao longo deste trabalho. Agradeço ao Prof. Ms. Ricardo Carvalho Lima Ramos, um dos responsáveis por me fazer ver todas as potencialidades desse curso, me acompanhando do início ao fim nessa jornada acadêmica, seja em ateliês de Projeto, Iniciação Científica, ou mesmo em


orientações para esse trabalho. Por fim, agradeço principalmente a todo o grupo do LPP de professores, por sempre disponibilizarem tanto tempo para me auxiliar e aconselhar; por serem mentores, mas também amigos, sempre acreditando no meu trabalho. Prof. Dr. Valter Luis Caldana Jr., Prof. Ms. Guilherme Antonio Michelin, Dra. Laura Abbruzzese, Prof. Dr. Afonso Celso Vanoni de Castro, Kassio Maeda, foi um prazer aprender tanto com vocês nesse ano! Em especial, agradeço ao Prof. Dr. Sami Bussab, pelo qual tive o privilégio de ser orientada no exercício projetual deste trabalho, por todo o suporte que recebi ao longo do ano, por sempre tentar me entender e defender minhas ideias com tanto afinco. Sem todos, esse trabalho não teria acontecido.

Meu mais sincero obrigada!

Figura 1 Hannover, Alemanha, 2019. Acervo da autora.


Figura 2 Relacionamentos interpessoais. Hannover, Alemanha, 2020. Acervo da autora.


MOTIVAÇÕES O presente trabalho de graduação em Arquitetura e Urbanismo tem como motivação experiências muito pessoais, que me influenciaram a ver a vida e o mundo não com foco nos problemas existentes, mas sim nas soluções que poderíamos trazer para esses problemas. Nós somos únicos e capazes de trazer as mudanças que desejamos para a nossa realidade de acordo com a visão do mundo em que gostaríamos de viver. Desde pequena, lembro de acompanhar meu pai diversas vezes ao trabalho. Isso acontecia majoritariamente aos sábados em que ele precisava ir até a empresa, pois durante a semana eu sempre tive aula e os escritórios lotados me deixavam tímida. Eram tantas pessoas atarefadas e me sentia pequena diante da dimensão daqueles edifícios corporativos e do fato de os adultos estarem

sempre formalmente vestidos, sérios e ocupados. Entretanto, aos sábados eu era livre; meu pai se ocupava na sala exercendo quaisquer atividades pendentes enquanto eu estava livre para explorar aquela imensidão repleta de salas e mobiliários, que mais me pareciam um labirinto na época. O fato é que, ao longo da infância, pude acompanhar meu pai e seus colegas em diferentes espaços de trabalho, perceber de perto as mudanças de layout, de arquitetura, de conceito e, principalmente, o modo como as pessoas se relacionavam nesses ambientes, como mesmo apesar de tanta gente, os funcionários sempre me pareciam um pouco solitários. Ouvi de meu pai as críticas e elogios para cada espaço e, quando iniciei a faculdade de arquitetura, as reflexões se intensificaram. Meu pai fazia


questão de me levar a diversos prédios comerciais para me fazer provocações sobre a arquitetura local. Ele fazia suas críticas e me perguntava o que eu, como futura arquiteta, achava daquele ambiente, o que eu gostaria de mudar nele. Entretanto, por mais que eu gostasse de divagar, nunca me senti com poder suficiente para propor tais mudanças com firmeza, pois sempre acreditei na ideia do projeto como um exercício de reflexão, ou mesmo uma sugestão, que poderia, ou não, ser acatada pelos futuros usuários. Mais que isso, acredito na constante transformação dos espaços e de seus usos conforme a época vivida e a cultura vigente. Alguns anos depois, quando decidi fazer intercâmbio em uma universidade da Alemanha, o mundo foi atingido pela pandemia do Covid-19 em apenas seis meses após eu ter chegado. Nos outros seis meses que me restaram, as minhas inseguranças e dúvidas pessoais acabaram se somando às questões coletivas geradas pelo

vírus.

Foi um período intenso e de muitas reflexões. Fui obrigada a criar uma rotina diferente de tudo o que já tinha experienciado e me entreter nos limites do meu quarto, em um apartamento compartilhado. Aprendi muito na convivência com desconhecidos em uma época de tantas incertezas. Aprendi mais ainda sobre os benefícios e consequências da tecnologia na nossa vida e sobre a importância dos relacionamentos, especialmente em um momento tão complexo e solitário como o da pandemia. Isso nos traz de volta às motivações deste trabalho. A tecnologia tem o poder de nos aproximar de pessoas distantes ao mesmo tempo que propicia o isolamento, quando nos permite flexibilizar os horários e locais de diversas atividades que antes aconteciam em momentos e períodos específicos e semelhante para todos, resultando na perda desses marcos de integração e convivência. Por isso, neste trabalho, decidi


explorar como os relacionamentos interpessoais vêm se moldando em meio aos avanços tecnológicos e em como a pandemia do Covid-19 tem influenciado o modo que vivemos, moramos, trabalhamos e nos relacionamos. Após 21 anos no século XXI, como se dá o trabalhar e o morar na era digital sob o contexto de uma pandemia e, acima de tudo, como podemos combater o “isolamento” trazido por ela? O que aprendi nesses últimos seis anos de faculdade e de vivências foi que, apesar de o arquiteto projetar o espaço, é o usuário quem o transforma e o ressignifica a cada dia. Portanto, aqui seguem algumas reflexões desenvolvidas nesse último ano de pesquisa do TFG, como ensaios das possibilidades de transformações.


The exposed work serves to reflect about the experiences lived during the Covid-19 pandemic and taking into account the technological developments that have been occurring nowadays in society. Thus, the goal is to explore the repercussions of this moment in the social sphere, especially in personal relationships and how they have been shaped by ruptures in the ways of living and working. In this context, it becomes essential to raise the issue of “isolation” as a consequence of both the flexibility promoted by the digital age and the current pandemic conditions. Moreover, the challenge to explore how

it would be possible to counter this “isolation” by encouraging sociability and sharing of ideas, spaces and moments. Therefore, the work proposes the exercise of the architecture project as a way to encourage the study about the possibilities of housing, work, and organization of the city in the face of current discussions of technology and the pandemic as instigators of transformation.

KEY-WORDS Technology, pandemic, share

ABSTRACT


RESUMO O trabalho exposto serve como um ensaio que busca trazer reflexões para o momento vivido durante a pandemia do Covid-19 e levando em conta as evoluções tecnológicas que vêm ocorrendo na sociedade contemporânea. Desse modo, o objetivo é explorar as repercussões desse momento no âmbito social, principalmente nos relacionamentos interpessoais e como eles vêm se moldando pelas rupturas nos modos de morar e trabalhar. Nesse contexto, tornase imprescindível levantar a questão do “isolamento” como uma consequência tanto da flexibilidade promovida pela era

digital, quanto das condições atuais de pandemia. Com isso, o desafio de explorar como seria possível combater esse “isolamento” por meio do incentivo à convivência e ao compartilharmento de ideias, espaços e momentos. Por fim, o trabalho propõe o exercício projetual como modo de fomentar o estudo acerca das possibilidades de moradia, trabalho, e organização da cidade diante das reflexões atuais da tecnologia e pandemia como instigadoras de transformações. PALAVRAS -CHAVE: Tecnologia, pandemia, compartilhar


TECNOLOGIA

INTRODUÇÃO Sobre o trabalho

PANDEMIA

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02

2.0. O novo normal 2.1. Homogeneidades entre o viver e o trabalhar 2.2. Os prejuízos do modelo de vida pandêmico na saúde mental 2.3. Rituais e rotinas recomendados para lidar com o momento estressante

64 67 74 83

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1.0. A evolução da tecnologia e suas transformações na sociedade 1.1. A geração Z e a tecnologia 1.2. Tecnologia: isolamento e linhas tênues entre espaço público e privado 1.3. Contextualizando: a pandemia 1.4. A pandemia x a tecnociência

PROJETO

30 38 45

50 54

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3.0. O exercício projetual 3.1. Avenida Berrini: a escolha do terreno 3.2. Experimentação: a volumetria e a conexão com o parque 3.3. Projeto

92 101 105 119


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONSIDERAÇÕES FINAIS Últimas reflexões

192

Referências bibliográficas

200


Figura 3 Convivência. Hannover, Alemanha, 2020. Acervo da autora.


INTRODUÇÃO Sobre o trabalho


22 SOBRE O TRABALHO

Esse trabalho serve como um ensaio que busca trazer reflexões para o momento vivido durante a pandemia do Covid-19 e suas repercussões no âmbito social, principalmente nos relacionamentos interpessoais e como eles vêm se modificando pelas rupturas nos modos de morar e trabalhar. Por ter sido escrito no calor da hora da experiência social e sanitária da pandemia, vale afirmar que o objetivo não é trazer conclusões ou soluções para os problemas aqui citados, visto que é um cenário ainda muito atual, incerto e que está sofrendo constantes mudanças. Assim, o trabalho aqui apresentado tem como propósito trazer à tona as consequências do momento vivido e divagar acerca de questões tão importantes para a sociedade no período pós pandemia, por meio de algumas propostas projetuais que provoquem, ao menos, o

debate. Como modo de organização, o trabalho foi desenvolvido a partir de 3 vertentes principais ao tema: a tecnologia, a pandemia e o exercício propositivo. A pandemia, como contexto da época em que o trabalho foi escrito, pela sua magnitude, tem um impacto mundial nas esferas social, política e científica, representando o maior acontecimento sanitário ocorrido no mundo desde a gripe espanhola em 1918. Além da pandemia, que ainda irá perdurar por tempo indeterminado, é impossível não abordar a temática de avanços tecnológicos, principalmente a Revolução 4.0, que vem transformando, pouco a pouco, a rotina de toda a população, resultando em eficiência, produtividade, dinamismo e flexibilidade nos diversos campos sociais, como será abordado adiante. Há quem diga que a pandemia serviu como um catalisador para algumas das mudanças que já vem sendo trazidas pelos avanços tecnológicos, como por exemplo


INTRODUÇÃO

o home office, freelancer e outras formas de trabalho que permitem maior flexibilidade quanto ao local e momento do dia. Entretanto, o tema do avanço na tecnologia, ainda que tenha diversos pontos positivos, traz também a questão do isolamento como um ponto negativo, levando em conta que as pessoas deixam de ter uma rotina muito bem definida de locais, atividades e encontros. Isso resulta, de certo modo, no que é chamado pela empresa de previsão de tendências WGSN (Worth Global Style Network) em seu relatório “O consumidor do futuro 2022” em uma “dessincronização social”, (conforme será explicado mais adiante), já que não existem mais os mesmos momentos diários para atividades comunitárias e encontros, que passam a ser substituídos por momentos de individualidades. A pandemia em curso, por tornar obrigatório o isolamento social, forçando a individualidade em um momento catastrófico e de incertezas, acaba também

trazendo, inevitavelmente, alguns impactos na saúde mental, como a ansiedade e a depressão, o que se reflete nos relacionamentos interpessoais, ou talvez, na falta deles. Nesse contexto, surge o exercício propositivo de um conjunto de coliving e coworking, embasado em um térreo público e integrado com um parque, de modo a explorar e resgatar os momentos de convivência e os ambientes compartilhados como as novas formas de habitar o espaço na era digital. Vale esclarecer que tanto as moradias compartilhadas (coliving), como os espaços de trabalho compartilhados (coworking), não são conceitos novos, nem atuais, visto que sempre existiram como um exemplar menos “nobre contemporâneo” devido a uma necessidade de redução de custos, especialmente em classes sociais menos favorecidas. No entanto, a escolha pelo título do trabalho como “novos modos de habitar o espaço” se dá pela simples concepção de que os espaços são

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24 mutáveis e ressignificados a todo momento, de forma a acompanhar as rupturas históricas na sociedade. Sendo assim, o TFG aqui apresentado pretende debater sobre os benefícios da convivência provocada por esses espaços compartilhados (coliving e coworking), além de explorar como poderiam ser esses ambientes na sociedade atual frente aos avanços tecnológicos que vem ocorrendo e as mudanças de paradigmas provocadas pela pandemia. Para isso, esse trabalho foi estruturado em 3 partes, ou momentos. Primeiro, a apresentação da tecnologia com a rápida síntese de sua evolução até o que é conhecido hoje como a Revolução 4.0. Nesse capítulo, é abordada a importância da evolução da tecnologia como fator transformador do modo como o ser humano se relaciona e habita o espaço atualmente. Além disso, esse capítulo trata ainda sobre como as novas gerações também influenciam os modos de trabalhar e morar, e como esses novos modos resultam no “isolamento”

e em linhas cada vez mais tênues entre o espaço público e privado na sociedade contemporânea. Em meio ao discurso sobre uma quase homogeneização entre espaço público e privado, é inevitável introduzir, ainda neste primeiro capítulo, o contexto de pandemia que caracteriza o cenário vivido hoje, que funciona quase como um catalisador para esse quadro, conforme será explicado mais adiante. Assim, o primeiro capítulo aborda ainda uma introdução à pandemia com sua contextualização, cujo conteúdo foi extraído do website do OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), agência internacional especializada em saúde pública das Américas. É feita uma breve introdução sobre o “surgimento” do Covid-19, seu reconhecimento pelas autoridades e as medidas tomadas pela OMS (Organização Mundial de Saúde) diante do cenário de pandemia. Para encerrar o primeiro capítulo, é discutido o tópico pandemia versus tecnociência


INTRODUÇÃO

sob a ótica de “falsa pretensão” humana de domínio da natureza através do discurso da ciência, tecnologia e razão. Reflexões embasadas nas obras: “Ideias para adiar o fim do mundo”, do líder indígena e filósofo Ailton Krenak, “O futuro começa agora: da pandemia à utopia”, do doutor em Sociologia do Direito, Boaventua de Sousa Santos e “O trauma na Pandemia do coronavírus: suas dimensões políticas, sociais, econômicas, ecológicas, culturais, éticas e científicas” (2021), do professor e psicanalista Joel Birman. O segundo capítulo aborda os efeitos (sociais e individuais) causados pelo “surgimento” da pandemia do coronavírus em meio aos avanços tecnológicos e traz reflexões sobre o que seria “o novo normal” (BIRMAN, 2021), diante da quebra de diversos paradigmas contemporâneos causada pelo momento social, conforme será explicado mais à frente. Assim, o segundo capítulo baseia-se em duas discussões: primeiro a da pandemia como catalisadora da homogeneização

do espaço público x privado, mas desta vez sobre o discurso do morar x trabalhar, embasado no artigo “Pandemia: (mesmos) modos de morar e trabalhar?”, dos autores Suzana Maria Loureiro Silva, Renan Alarcon Rossi, Gabriel Dib Daud de Vuono para a Revista de Políticas Públicas (2020). E, por último, a reflexão das consequências dessa homogeneização entre moradia e trabalho, somadas aos efeitos da Covid-19 na saúde mental da população e como melhorar os efeitos desse quadro de estresse; embasada no trabalho do psicanalista Joel Birman (2021) e da psicoterapeuta Esther Perel em sua TED Talk “The routines, rituals, and boundaries we need in stressful times” (2021). Após o desenvolvimento das considerações teóricas, o terceiro e último capítulo do trabalho aborda o exercício projetual como modo de fomentar o estudo acerca das possibilidades de moradia, trabalho e organização da cidade diante das reflexões atuais da tecnologia e pandemia como instigadoras de transformações.

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Figura 4 Perspectiva. Amsterdam, Holanda, 2020. Acervo da autora.


INTRODUÇÃO

“Além de sua sustentabilidade e de sua inteligência, a arquitetura deve ser uma fábrica de emoções”. RENZO PIANO

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Figura 5 Tecnologia. Autostadt, Wolfsburg, Alemanha, 2020. Acervo da autora.


01 | TECNOLOGIA 1.0. 1.1. 1.2. 1.3. 1.4.

A evolução da tecnologia e suas transformações na sociedade A geração Z e a tecnologia Tecnologia: isolamento e linhas tênues entre espaço público e privado Contextualizando: a pandemia A pandemia x a tecnociência


30 1.0 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA E SUAS TRANSFORMAÇÕES NA SOCIEDADE O surgimento da Indústria foi um dos marcos para a evolução histórica da humanidade. Com o passar dos anos, frente às constantes evoluções tecnológicas, a indústria passou por importantes e profundas transformações, que influenciaram largamente o desenvolvimento da sociedade, tanto em escala urbana, quanto social e cultural. Isso porque, conforme foram sendo introduzidas as novas tecnologias na cidade, elas foram influenciando o seu desenvolvimento, moldando os ambientes de trabalho e de moradia até o momento que hoje chama-se de Revolução 4.0, conforme será explicado nesse capítulo (SAKURAI; ZUCHI, 2018). Segundo Marson (2014), historicamente a indústria foi o fator mais poderoso de aceleração do crescimento econômico, uma vez que o setor industrial foi responsável por grande impacto

nos mais diversos setores da economia e sobre todo o ambiente institucional e social. Assim, a Revolução Industrial, no que tange às transformações desses campos, possibilitou uma nova forma de organização da sociedade, dando início a um novo modo de produção e consumo de bens e serviços. Além das Revoluções Industriais, os grandes avanços tecnológicos foram essenciais para o surgimento do que hoje intitulase como Indústria 4.0, ou Quarta Revolução Industrial (BOETTCHER, 2015). Para explicar a Revolução 4.0 e suas repercussões na sociedade, antes convém explicar um pouco do processo evolutivo das Indústrias até a 4.0, que norteia os dias atuais. Todavia, é importante esclarecer que, apesar de ser convencionalmente dividida em fases, a Revolução Industrial não teve ruptura, sendo, portanto, um processo contínuo de transformações socioeconômicas que moldou e vêm moldando até os dias de hoje a produção


01| TECNOLOGIA

capitalista. A Primeira Revolução Industrial, ou Revolução 1.0, iniciou-se na Inglaterra no final do século XVIII e começo do século XIX, entre 1760 e 1860 e depois se estendeu para outros países como França, Bélgica, Holanda, Rússia, Alemanha e Estados Unidos (BOETTCHER, 2015). Contudo, quando ainda não havia Indústria, a produção na sociedade se dava de forma manual, o que resultava em pequenas produções. Aos poucos, esse modo de produção se tornou inviável, tendo em vista o crescimento exponencial da população, que requeria uma produção mais rápida e em maior quantidade. Como efeito deste aumento produtivo e do excedente gerado, decorrente do processo evolutivo tecnológico, ascende o princípio capitalista que caracterizava desde então a sociedade – o objetivo de aumento de lucro (CAVALCANTE; SILVA, 2011). O processo da Primeira Revolução Industrial ficou conhecido por importantes

invenções, responsáveis por proporcionar a evolução nos setores produtivo e de transporte. Isso porque a ciência descobriu a utilidade do carvão como fonte de energia e, a partir disso, desenvolveu simultaneamente a máquina a vapor (que passou a ser muito usada na indústria têxtil) e a locomotiva, responsáveis por dinamizar o transporte de matéria, pessoas e distribuição de mercadorias (BOETTCHER, 2015). Entretanto, essa evolução promovida pela Indústria 1.0 acabou transformando as relações sociais, de trabalho e o sistema produtivo, estabelecendo novos padrões de consumo dos recursos naturais. Isso resultou em algumas consequências na sociedade, como a substituição do trabalho humano por máquinas, o que ampliou o êxodo rural e intensificou o crescimento urbano; o crescimento desenfreado das cidades, acarretando favelização, marginalização de pessoas, aumento da miséria, fome e violência; e o aumento significativo da produção, decorrente da

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32 elevação do volume industrial (NEVES; SOUSA, 2021). Diante desse quadro, houve também a expansão do comércio e a mecanização, que possibilitou uma maior produtividade e um consequente aumento dos lucros. Assim, as indústrias se expandiam cada vez mais, gerando um cenário de progresso jamais visto antes, onde o uso de novas tecnologias se tornou um fator essencial para seu crescimento e modernização. Nesse contexto, o modelo industrial desenvolvido inicialmente passou a sofrer mudanças importantes e, assim, em 1870, devido a uma nova demanda tecnológica e movida pelas inovações, surge a chamada Segunda Revolução Industrial (BOETTCHER, 2015). A Indústria 2.0 teve como inovações tecnológicas: a descoberta da eletricidade, a transformação do ferro em aço, o surgimento e modernização dos meios de transporte por meio da construção de ferrovias e navios a vapor, o avanço dos meios de comunicação diante da invenção do telefone, da televisão

e da lâmpada incandescente e o desenvolvimento da indústria química, com a criação de antibióticos. Além disso, a eletricidade, antes usada apenas no desenvolvimento de pesquisas laboratoriais, passou a ser usada também no setor industrial. O petróleo passou a ser utilizado como combustível ao invés do carvão e seu uso se difundiu com a invenção do motor de combustão, à gasolina e a gás. Assim, essa Revolução industrial teve destaque pela busca de maiores lucros, especialização do trabalho e ampliação da produção (SILVA; GASPARIN, 2013). Logicamente que essas inovações, mais uma vez, impactaram a sociedade e transformaram os modos de vida na cidade, gerando algumas consequências como: o surgimento das grandes cidades e, com elas, dos problemas de ordem social, como a superpopulação; o aumento do desemprego (devido ao início da automação da produção), a maior disponibilidade de mão-de-obra barata; e os


01| TECNOLOGIA

avanços no setor de saúde que possibilitaram melhorias na qualidade de vida da população (NEVES; SOUSA, 2021). Ainda na Indústria 2.0, dentro do contexto de aumento do desemprego citado acima, é imprescindível esclarecer que ele foi impulsionado pelo chamado Fordismo, termo criado por Henry Ford em 1914 para designar os sistemas de produção em massa que tinham como objetivo racionalizar a produção capitalista por meio de inovações técnicas. Tais inovações constituíam-se na semiautomatização, que revolucionou a indústria automobilística por meio da introdução de linhas de montagem automatizadas com esteiras rolantes. Com isso, as indústrias alcançaram lucros cada vez maiores e qualificaram o processo desde a obtenção da matéria-prima até o consumidor final. Porém, por outro lado, trouxeram o desemprego e aumento da pobreza urbana (BOETTCHER, 2015). Nesse contexto, o capitalismo e a Revolução Industrial fomentada

por ele tornaram-se responsáveis pelo aumento da produção e lucro das indústrias, assim como a aceleração e crescimento da economia mundial. Em meio a esse cenário de constantes transformações na sociedade e na indústria, inicia-se a chamada Terceira Revolução Industrial, como consequência dos avanços tecnológicos do século XX e XXI. A Indústria 3.0, por sua vez, trouxe mais uma renovação no processo econômico, político e social, com grande dinamismo e alta complexidade (SILVA; et al., 2002). A Terceira Revolução Industrial, também conhecida como Revolução TécnicoCientífica, caracteriza-se pelo desenvolvimento tecnológico atribuído não só ao processo produtivo, mas também ao campo científico, como o próprio nome já diz. Assim, a Indústria 3.0 é marcada pelos avanços no campo da informática, da robótica, das telecomunicações, dos transportes, da biotecnologia, química fina e da nanotecnologia (BOETTCHER, 2015).

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34 Assim, a Revolução 3.0, responsável pela integração entre ciência, tecnologia e produção, transformou ainda mais a relação do homem com o meio, principalmente por conta da apropriação dos recursos naturais de forma cada vez mais intensa como modo de viabilizar as produções em massa (NEVES; SOUSA, 2021). Desse modo, as principais consequências dessa Indústria 3.0 foram: os grandes avanços no campo da medicina; a criação de robôs capazes de exercer trabalhos minuciosos e mais precisos; o desenvolvimento de técnicas na área da genética que melhoraram a qualidade de vida populacional; a consolidação do capitalismo financeiro; o aumento do número de empresas multinacionais; a maior difusão instantânea de informações e notícias integrando o mundo todo; e o crescimento da preocupação com a adoção de um modelo de desenvolvimento sustentável, movido pelo aumento dos impactos ambientais negativos consequentes da Indústria (NEVES;

SOUSA, 2021). Assim, por meio dessas consequências citadas acima, a Terceira Revolução Industrial foi decisiva para consolidar a presente fase do capitalismo e da divisão do trabalho, a chamada globalização. Essa, por sua vez, representa o avanço tecnológico especialmente no sistema de comunicação e transporte, proporcionando maior integração econômica e política entre diferentes regiões. Com isso, a tecnologia, nessa fase da revolução, permitiu a diminuição de tempo e distância, aproximando pessoas do mundo todo e possibilitando a transmissão de informações instantaneamente, ultrapassando, desse modo, os obstáculos físicos, culturais e sociais (BOETTCHER, 2015). Frente a essa intensa modernização, que trouxe diversos benefícios para o campo da ciência e da economia e promoveu a globalização, o homem continuou investindo no desenvolvimento tecnológico até o surgimento do que hoje classifica-se como a


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Quarta Revolução Industrial, ou Revolução 4.0 (SAKURAI; ZUCHI, 2018). Segundo Kagermann et. al (2013), o termo “Indústria 4.0” surgiu publicamente na Alemanha em 2011, na feira de Hannover, por conta da necessidade de se desenvolver uma abordagem para fortalecer a competitividade da indústria manufatureira alemã. Assim, em 2012, os criadores do projeto ministrado por Siegfried Dais (Robert Bosch GmbH) e Kagermann (Acatech: Academia Alemã de Ciências e Engenharia) apresentaram um relatório de recomendações para o Governo Federal Alemão, como forma de planejar como se daria a implantação da Indústria 4.0. Desse modo, em 2012, acontece na feira de Hannover a edição final sobre essa perspectiva industrial (SILVEIRA, 2017). Esse novo modelo industrial se caracteriza pela digitalização e automação do ambiente de manufatura (OSTERREICH; TEUTEBERG, 2016). De acordo com Silveira (2017), o fundamento da

indústria 4.0 é de que conectando máquinas, sistemas e ativos, as empresas possam criar redes inteligentes e assim controlar os módulos de produção de forma autônoma. Desse modo, Revolução 4.0 tem como conceito a integração entre o mundo real e o mundo virtual, por meio dos avanços tecnológicos significativos que já vem ocorrendo e estão planejados para ocorrer nos próximos anos. Assim, essa Revolução tem como pilares: a capacidade de operação em tempo real (aquisição e tratamento de dados em tempo real, o que possibilita que decisões sejam tomadas simultaneamente); virtualização, por meio de fábricas inteligentes, que permitem a rastreabilidade e o monitoramento remoto; descentralização, isto é, as decisões podem ser tomadas pelo sistema cyberfísico, como modo de atender as necessidades de produção em tempo real; modularidade, ou seja, a produção de acordo com a demanda, acoplamento e desacoplamento de módulos na

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36 produção, permitindo alterar as tarefas das máquinas facilmente; e Interoperabilidade, capacidade dos sistemas cyber-físicos (suportes de peças, postos de reunião e produtos), humanos e fábricas inteligentes comunicarem-se uns com os outros por intermédio da “Internet das Coisas” e da Internet (SILVEIRA, 2017). A Revolução 4.0, caracterizada pela intensa incorporação da robótica, de tecnologias de informação, telecomunicações e inteligência artificial às atividades industriais, aponta para mudanças significativas nas relações indivíduotrabalho-organização. Isso porque essas mudanças consistem em um novo modelo de negócio e um mercado cada vez mais exigente. Devido ao fator rapidez de automação das máquinas, os produtos devem ser customizados e isso tende a ser uma variável a mais no processo de manufatura, porém as fábricas inteligentes serão capazes de levar a personalização de cada cliente em consideração, adaptando-se às preferências (SILVEIRA, 2017).

Além disso, para conseguir atender a essa nova demanda e modelo de indústria, tanto a tecnologia, quanto os profissionais devem passar por um processo de evolução contínua. A tecnologia, por razões óbvias de adaptação às metas planejadas, e os profissionais, por meio da sua capacitação de trabalho para se adequarem a essa nova realidade e indústria de grandes avanços tecnológicos (SILVEIRA, 2017). Assim, é evidente o quanto a Revolução Industrial iniciada no fim do século XVIII e desenvolvendose até a sua 4ª fase (Indústria 4.0), aliada intrinsicamente aos avanços tecnológicos, vem transformando o modo de viver, trabalhar e morar da sociedade desde então. Isso porque modifica pouco a pouco a produção, o mercado, as pessoas e, com isso, a cidade e seu funcionamento e organização, além dos modos humanos de habitar o espaço. Contudo, a tecnologia não é o único fator responsável por essa transformação, conforme será explicado no subcapítulo seguinte.


Figura 6 Geração Z e a tecnologia: Faculdade de Arquitetura, Leibniz Universität Hannover, Alemanha, 2020. Acervo da autora.


38 1.1. A GERAÇÃO Z E A TECNOLOGIA

Segundo o “The Workshop Global Report” de 2012 da CBRE ¹, os cinco grandes motores sociais que vem influenciando o modo como as pessoas vivem e trabalham atualmente são: a flexibilidade e escolha, a tecnologia, a economia, a comunidade e a sustentabilidade, conforme explicado no esquema da figura 7 (próxima página). Assim, pode-se notar a presença da tecnologia como não somente um dos 5 motores sociais, mas também como o fator que potencializa todos os outros motores. Isso porque a tecnologia, conforme exposto até então: a) proporciona maior flexibilidade nas formas e escolhas de trabalho, permitindo reuniões online e trabalho remoto independente do lugar, como na forma de home office, freelancer, ou até mesmo de digital nomad, (conforme será explorado no capítulo 1.2. deste trabalho);

b) movimenta a economia e permite acesso a diferentes talentos, seja na forma de plataformas/ aplicativos que une pessoas e propósitos, na contratação de trabalhadores de diferentes países ou regiões para trabalho remoto, ou na contratação de força de trabalho contingente de modo mais globalizado; c) possibilita a melhoria na infraestrutura de comunidades locais e a reestruturação de edifícios, (por meio do investimento em obras e equipamentos) como forma de regenerar centralidades, cidades e áreas suburbanas; d) promove a criação de equipamentos ou execução de técnicas capazes de perpetuar medidas sustentáveis. Um bom exemplo disso é a barreira flutuante capaz de limpar o lixo dos oceanos, desenvolvida pela empresa Ocean Cleanup, dedicada ao desenvolvimento de tecnologias que livrem os oceanos da poluição dos plásticos. ² Desse modo, é possível perceber o quanto os avanços em tecnologia são importantes para a


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humanidade e o quanto, justamente por conta disso, são responsáveis pelas mudanças nas formas de habitar o espaço (leia-se morar e trabalhar) ao longo dos anos. Entretanto, além da tecnologia, conforme foi possível compreender até aqui, essas mudanças são também fomentadas pela entrada constante das novas gerações no mercado de trabalho, que com diferentes modos de agir e pensar, acabam influenciando os modos de viver e trabalhar e, com isso, seus espaços também. Antes de tudo, no entanto, é preciso esclarecer que as mudanças tanto no espaço de trabalho, quanto no de moradia, são inerentes ao passar do tempo conforme o éthos (conjunto de costumes, hábitos e cultura) das diferentes civilizações, que é influenciado por diversos fatores, sendo a geração vigente apenas um deles. Desse modo, convém-se abordar aqui as reflexões quanto a essas mudanças iniciando pelas gerações mais recentes do contexto atual, isto é, as Gerações

Y (ou Millennials), que são os nascidos entre 1980 até meados de 1990, e a Geração Z, que são os nascidos entre a metade da década de 1990 até meados de 2010. Isso porque essas são as duas gerações mais recentes a entrar no mercado de trabalho e as primeiras e entrar trazendo transformações baseadas em sua visão de mundo mais tecnológica, conforme será explicado a seguir. Uma geração pode ser entendida como um grupo de pessoas que compartilha os mesmos anos de nascimento e, com isso, vivem os mesmos acontecimentos sociais significativos em etapas cruciais do desenvolvimento. Desse modo, para que seja possível entender a diferença de uma geração para outra, é preciso que se compreenda como cada uma delas forma um conjunto de crenças, valores e prioridades. Tais fatores são consequência direta da época em que os indivíduos desse grupo cresceram e se desenvolveram e dos eventos históricos que influenciaram profundamente os valores e visão

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Figura 7 esquema ilustrativo dos 5 motores sociais que vem influenciando mudanças nos modos como as pessoas vivem e trabalham. Fonte: CBRE, The Workshop Global Report, 2012. Disponível em: <https://pt.slideshare.net/JavanSmith/coworking-spacereport>


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de mundo de seus membros (KUPPERSCHMIDT, 2000). A geração Y, ou Millennials, é a do grupo de pessoas que nasceu na mesma época do início das evoluções tecnológicas e, por consequência, da globalização, dois eventos que influenciaram muito nas características, ideais e comportamento desses indivíduos. Por terem convivido com a diversidade das famílias, tendo passado a infância com a agenda cheia de atividades e de aparelhos eletrônicos, as pessoas dessa geração são multifacetadas, vivem em ação e administram bem o tempo. “Captando os acontecimentos em tempo real e se conectando com uma variedade de pessoas, desenvolveram a visão sistêmica e aceitam a diversidade” (COMAZZETTO et al., 2016, p. 147). Atualmente os indivíduos da geração Y estão compartilhando o mesmo ambiente de trabalho com pessoas de gerações anteriores, convívio que tem gerado alguns conflitos de ideias e valores, dadas as características dessa primeira geração mais tecnológica:

dinamismo, inovação, rotatividade em empresas e inteligência associada ao coletivo. Isso porque esses princípios e visão de mundo tão característicos dos “Millennials” vai de encontro ao conservadorismo dos “baby boomers” (nascidos até 1964) e individualismo da geração X (nascidos entre 1965 e 1967) (COMAZZETTO et al., 2016). Por outro lado, a mais recente geração a entrar no mercado de trabalho, a geração Z, apesar de compartilhar alguns dos mesmos valores que a geração Y, também vem moldando diferentes modos de viver e trabalhar, em parceria com os constantes avanços tecnológicos. A geração Z, que engloba os nascidos entre a metade da década de 1990 até meados de 2010, teve seu nome (Z) definido a partir do termo “zapping”, associado a um alto fluxo e constante troca de informações em um reduzido espaço de tempo, tendo como contexto, assim, um mundo repleto de conexões e diversidade de ações de modo simultâneo. Dessa forma, esse grupo

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42 caracteriza-se por ter nascido em mundo geograficamente sem fronteiras (troca de informações em tempo real, acessíveis modais de transporte para viagem regional e internacional), onde o conceito de globalização não foi uma conquista (como na geração Y), mas sim uma realidade (NETO et. al., 2013). Por conta desse cenário em que nasceu e se desenvolveu, o grupo pertencente à geração Z caracteriza-se pelo dinamismo e pela troca rápida, seja de dispositivos (celular, tablet, computador), de relacionamentos profissionais e afetuosos, ou até mesmo de objetivos de vida. Assim, essa geração possui grande facilidade no uso de tecnologias, assim como dependência no uso desses dispositivos, mas principalmente apresenta a necessidade de mudança rápida e de informações e novidades constantes, sem um objetivo de vida a longo prazo muito bem definido (FAGUNDES, 2011). No entanto, justamente por estar tão envolvida em um mundo

tecnológico de constante troca e acesso a informações, por vezes essa geração (Z) apresenta um comportamento de impaciência, imediatismo, indisciplina e perfil ativo, como consequência da cultura cibernética (VEEN; VRAKKING, 2009). Justamente por conta dessa facilidade tecnológica e perfil ativo e impaciente, sempre em busca de novidades, esse grupo pode apresentar carências com relação às habilidades interpessoais, estando mais acostumado à vida virtual do que à vida real. Isso porque essa vida virtual representa de certo modo uma realidade paralela repleta de liberdades aonde se pode assumir diversos papéis e cuja efemeridade promove uma experiência individualizada de si mesmo. Contudo, a consequência desse estilo de vida é o afastamento e dificuldade ou superficialidade nos relacionamentos sociais e interpessoais (OLIVEIRA, 2010). Tendo em vista essa característica marcante de perfil da geração Z, que é a de conexão intrínseca com a tecnologia, é


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coerente que essa tenha sido uma grande influência trazida por seus membros ao mercado de trabalho, resultando na transformação do modo de trabalhar e até de viver, conforme será explorado no próximo subcapítulo.

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Figura 8 Efeitos do mundo virtual. Amsterdam, Holanda, 2020. Acervo da autora.


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1.2. TECNOLOGIA: ISOLAMENTO E LINHAS TÊNUES ENTRE ESPAÇO PÚBLICO E PRIVADO A ascensão do mercado de trabalho digital nos últimos anos, que se iniciou há algumas décadas com o surgimento das telecomunicações e, desde então, só veio crescendo, acompanhado das evoluções tecnológicas, tem estimulado o crescimento da chamada comunidade digital nômade, ou em inglês, “digital nomads”. Esse é um termo que designa um grupo de indivíduos que aproveitam a tecnologia para realizar as tarefas de sua profissão de maneira remota e que, ao não depender de um espaço fixo para trabalhar, conduz seu estilo de vida de uma maneira nômade (ZUMBUSCH, 2020). A nova forma de trabalho de nômades digitais, no entanto, apesar de se encaixar bem com o perfil de dinamismo e tecnologia da geração Z, traz consigo um viés muito forte de individualidade

e “isolamento”, tanto do mundo real (offline), quanto na questão de relacionamentos. Isso porque o nômade, como o próprio nome já diz, não tem uma base fixa, dificultando o desenvolvimento de relacionamentos interpessoais mais profundos. Além disso, por passar mais tempo no mundo online, muitas vezes o nômade digital acaba não tendo a oportunidade de conhecer e estabelecer um vínculo com as pessoas do local em que se encontra. Isso pode ser comprovado pelos inúmeros depoimentos desses “digital nomads” em comunidades virtuais ou blogs, onde é comum encontrar textos com dicas de como combater a solidão 3 por exemplo, ou outros textos de apoio aos indivíduos que optaram por seguir esse estilo de vida. Um desses blogs de comunidade virtual é o “Nomadific” 4, criado pelo nômade digital Thomas Kanze, com o objetivo de reunir relatos de outros nômades na forma de uma comunidade virtual de apoio, dicas e informações. A questão da solidão na vida

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46 de quem escolhe trabalhar de forma remota se dá também por conta da chamada “dessincronização social”, segundo a WGSN (Worth Global Style Network), empresa de previsão de tendências da organização matriz Ascential. Em seu relatório “O consumidor do futuro 2022” 5, a WGSN declara que 2020 “marca o início da era conectada”, explicando que o mundo está “mudando a ritmo inédito” e que as tendências que ela havia previsto para surgirem ao longo da próxima década se aceleraram e estão entrando na vida da população “em questão de semanas”. Isso ocorre devido aos constantes avanços tecnológicos e aumento da velocidade de conexões, e devido ao surgimento da pandemia do coronavírus, conforme será discutido adiante neste trabalho (BELL, 2021). Segundo a WGSN, os mesmos avanços tecnológicos que garantem à sociedade níveis recorde de comodidade (por exemplo nas entregas delivery de comida 24 horas e de pedidos online ainda no mesmo dia) e de

produtividade (com equipes de trabalho integradas no mundo todo) vêm criando uma sociedade dessincronizada. Assim, como consequência disso, a empresa revela como tendência do consumidor, em seu relatório 5, a “dessincronização social”. Segundo ela, “a dessincronização social é quando as pessoas continuam fazendo as mesmas coisas, mas não na mesma hora em que as outras” (BELL, 2021, p. 12). De acordo com a WGSN 5 (2021): O ritmo individual de cada um é diferente e variado. As pessoas ainda têm uma carga horária de trabalho igual ou até maior que antes, mas a jornada tradicional das 9 às 5, de segunda a sextafeira, caiu em desuso. Elas continuam a ler ou a assistir ao noticiário, mas já não fazem mais isso necessariamente em casa, na frente da TV. Essa dessincronização vem afetando as comunidades e causando a falta de interação


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consistente entre as pessoas. Os momentos comunitários que antes aconteciam nos mesmos horários – ir ao trabalho, ao correio, à academia e ao supermercado – estão desaparecendo cada vez mais rápido. E com a perda dessas interações diárias, as comunidades estão se rachando. O coronavírus exacerbou isso redefinindo o funcionamento das cidades, esvaziando os centros urbanos e remodelando o conceito de vida normal. Assim, fica evidente o “isolamento” trazido pelos novos estilos de vida em meio aos avanços tecnológicos, principalmente no caso dos nômades digitais. Para atender a este segmento específico e novo de trabalho, muitos espaços de moradia compartilhada, ou coliving, estão ativamente comercializando seus produtos para serem a solução perfeita de acomodação para ajudar a superar o isolamento que

a urbanidade e o nomadismo digital trazem consigo (ZUMBUSCH, 2020). Desse modo, os ambientes compartilhados (“co-spaces”) passam a ficar em alta como a sugestão para o aumento da convivência entre, principalmente, os adeptos do estilo de vida digital. Isso porque os fatores de crescente preço dos imóveis, das carreiras globais, das pessoas que iniciam famílias mais tarde e da indefinição das fronteiras entre o digital e o físico, bem como o pessoal e o profissional, são apontados como razões pelas quais as pessoas estarão dispostas a adotar um estilo de vida em comunidade, seja nos apartamentos compartilhados (coliving), ou nos espaços de trabalho compartilhados (coworking) (DAVIES, 2015). No centro da proposta de tais ambientes está a conveniência e a comunidade. A proposta de conveniência se baseia no apelo econômico, já que as companhias de “co-space” tendem a oferecer aluguéis flexíveis e curtos, bem como taxas mensais fixas que

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48 cobrem aluguel, contas, limpeza e atividades compartilhadas. O objetivo é simplificar a “administração da vida”, minimizar a fricção que pode surgir entre os colegas de casa ou de trabalho e desencadear seus espíritos colaborativos e criativos (DAVIES, 2015). Desse modo, enquanto as evoluções tecnológicas permitiram o desenvolvimento e ascensão de profissões e formas de trabalho que funcionem de modo remoto e flexível, como os ‘digital nomads’ e os ‘freelancers’ por exemplo, elas também promoveram, de certo modo, o “isolamento”, ou solidão, e a homogeneização entre espaço público (entendido aqui como comunidade virtual ou trabalho) e privado (vida pessoal). Isso porque, a partir do momento em que o indivíduo trabalha de casa (o que se acentua gravemente em um contexto de pandemia, conforme será visto adiante), as barreiras entre o espaço físico e o virtual se tornam cada vez mais tênues. Nessa lógica, em uma reunião de trabalho, por exemplo,

geralmente é comum que os participantes vejam o ambiente em que o sujeito mora e suas particularidades, assim como as outras pessoas com quem tal sujeito divide a casa, sejam eles a família, amigos ou um parceiro. Assim, torna-se normal, em meio ao trabalho, quase que “participar” da vida pessoal do sujeito, ver aonde ele mora, se está se relacionando e com quem, se tem filhos ou animais domésticos, como organiza sua casa, etc. A flexibilidade promovida pela tecnologia nas formas de trabalho promove, desse modo, uma homogeneização entre os espaços privados, isto é, as residências dos trabalhadores e o espaço “público”, entendido aqui como a comunidade virtual/ trabalho. Isso se intensifica ainda mais diante do surgimento da pandemia da Covid-19, que resulta em uma homogeneidade mais forte entre o morar e o trabalhar, gerando algumas consequências sociais e individuais, conforme será explicado ao longo deste trabalho.


Figura 9 A pandemia. Praga, República Tcheca, 2020. Acervo da autora.


50 1.3. CONTEXTUALIZANDO: A PANDEMIA

O website da Organização 6 Pan-Americana da Saúde (OPAS), agência internacional especializada em saúde pública das Américas, informa que no dia 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre diversos casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China. Tratava-se de uma nova cepa de vírus ainda não identificada em seres humanos, mas que, após uma semana, no dia 7 de janeiro de 2020, foi confirmada por autoridades chinesas como um novo tipo de coronavírus. De acordo com a agência internacional, os coronavírus, geralmente, se constituem como a segunda principal causa de resfriado comum (após rinovírus) e, até as últimas décadas, raramente causavam sérios prejuízos à saúde humana.

Segundo a OPAS, atualmente já foram identificados, ao todo, sete coronavírus humanos (HCoVs): HCoV-229E, HCoV-OC43, HCoVNL63, HCoV-HKU1, SARS-COV (que causa síndrome respiratória aguda grave), MERS-COV (que causa síndrome respiratória do Oriente Médio) e o, mais recente, o novo coronavírus (que no início foi temporariamente nomeado 2019-nCoV e, em 11 de fevereiro de 2020, recebeu o nome de SARSCoV-2). Esse novo coronavírus é o responsável por causar a doença conhecida como COVID-19. No dia 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou que o surto do novo coronavírus constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), isto é, o nível mais alto de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. A ESPII é considerada, segundo os termos do Regulamento Sanitário Internacional (RSI), “um evento extraordinário que pode constituir um risco de saúde pública para outros países devido à disseminação internacional


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de doenças; e potencialmente requer uma resposta internacional coordenada e imediata”. Em linhas gerais, essa declaração teve como intuito aprimorar a coordenação, cooperação e solidariedade global para interromper a propagação do vírus. 6 Vale destacar que, de acordo com as informações da OPAS, essa é a sexta vez na história que uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional foi declarada. As primeiras cinco foram em abril de 2009, com a pandemia de H1N1; em maio de 2014, a disseminação internacional de poliovírus; em agosto de 2014, o surto de Ebola na África Ocidental; em fevereiro de 2016, o vírus zika e o aumento de casos de microcefalia e outras malformações congênitas e, por fim, em maio de 2018, o surto de Ebola na República Democrática do Congo. Cabe ao diretor-geral da OMS e ao Comitê de Emergências do RSI a responsabilidade de definir se um evento constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. O Comitê fornece um

parecer ao diretor-geral diante do quadro sobre as recomendações temporárias de medidas a serem tomadas em caráter emergencial. Essas medidas de saúde devem ser implantadas pelo Estado Parte onde está ocorrendo a ESPII, ou por outros Estados Partes, de acordo com a situação, de modo a prevenir, ou então reduzir, a propagação mundial de doenças, evitando interferências desnecessárias no comércio e tráfego internacional. 6 Assim, a OPAS relata que no dia 11 de março de 2020, a COVID-19 foi declarada como uma pandemia pela OMS por conta de sua rápida disseminação geográfica simultânea em diversos países e regiões do mundo. Segundo o psicanalista e professor Joel Birman 7, autor do livro “O trauma na pandemia do Coronavírus” (2021), “se o vírus remete a uma problemática eminentemente orgânica, a pandemia, em contrapartida, ultrapassa em muito o campo estrito do discurso biológico” (BIRMAN, 2021, P. 55). Ela traz consigo, também, consequências nas

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52 esferas social, político, econômica e sanitária, tanto em escala local, como global. Entretanto, o foco aqui será a pandemia diante do âmbito social e seus prejuízos na saúde mental, na rotina e nos relacionamentos interpessoais. Para isso, faz-se necessário compreender sua interface com a tecnologia e como essa relação resultou em mudanças de paradigmas.

Figura 10 Robôs na arquitetura. Faculdade de Arquitetura, Leibniz Universität Hannover, Alemanha, 2019. Acervo da autora.



54 1.4. A PANDEMIA X A TECNOCIÊNCIA

Primeiro, é necessário levar em conta o quanto a pandemia do Covid-19 promoveu o que o psiquiatra e psicoterapeuta brasileiro, Joel Birman 7, classifica, em sua obra “O trauma na pandemia do coronavírus” (2021) como “desconstrução frontal do mundo contemporâneo, pela paralisação quase completa do funcionamento da economia internacional, assim como dos laços sociais” (BIRMAN, 2021, p.63). Por conta da suspensão quase total de práticas comerciais e de ensino, as escolas e universidades passaram a adotar o modelo online, apenas com aulas virtuais, assim como as empresas cancelaram o trabalho presencial, que também passou a ocorrer na forma de home office e reuniões online. Além disso, os espaços de lazer e religião adotaram a interdição sanitária como forma de evitar aglomerações e impedir possíveis

contaminações do vírus entre os presentes. Segundo Joel Birman (2021), a pandemia da Covid-19 e seus efeitos vieram para derrubar a “pretensão” humana de controle sobre a natureza, fomentada por meio do discurso da razão e da ciência. De acordo com o psicanalista: Tudo isso implica afirmar que a pretensão humana – constituída na modernidade inicialmente e no mundo contemporâneo posteriormente – de domínio total da natureza pelos discursos das ciências e das técnicas foi derrubada e humilhada. O responsável, um minúsculo agente biológico invisível que destruiu de modo desnorteante nossa forma de vida, individual e coletiva, e nossos laços sociais (WITTGENSTEIN, 1965, apud BIRMAN, 2021).


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Essa pretensão humana de se colocar numa posição de superior quanto às outras formas de vida e natureza, se desenvolveu primeiro no contexto histórico, social e cultural do Renascimento. Isso se deu pela retomada do mito grego de Prometeu, quando a figura do homem passa a disputar com os deuses a hegemonia sobre a dimensão mundana, deslocando o poder do mundo da esfera celeste, para a terrestre (BIRMAN, 2021). Depois, na Alemanha, em meio ao início dos tempos modernos, começou a se estabelecer o mito do Fausto, que discursa sobre como Fausto realizou um pacto com o diabo e contra Deus em nome da aquisição da verdade e da ciência. Assim, pouco a pouco, esse projeto civilizatório vai tomando forma ao longo do desenvolvimento das sociedades, como o que Nietzsche denomina de “a morte de Deus” 8 (BIRMAN, 2021). No século XIX, com a publicação do mito de Frankenstein no contexto do romantismo inglês, Mary Shelley divaga sobre a possibilidade de engendramento

da vida em laboratório pelos parâmetros de discurso da ciência. Com isso retira-se de Deus a sua última prerrogativa até então irrevogável: o poder de criação e promoção da vida (BIRMAN, 2021, p. 64). É possível perceber, pela construção sequencial dos diferentes mitos constitutivos da modernidade no Ocidente, como se delineou a visão de mundo moderna. Visão essa que parte da pretensão humana de que, mediante os discursos da ciência e da técnica, o ser humano teria ferramentas suficientes para se colocar na posição de domínio completo da natureza (BIRMAN, 2021). Diante desse desencantamento do mundo em meio ao desenvolvimento do capitalismo, as grandes corporações também tiraram proveito da pretensão humana de “progresso” à base da ciência e da razão para criar ambientes cada vez mais artificiais, que devoram as florestas e rios em nome de uma narrativa globalizante. Enquanto a

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56 humanidade vai se distanciando da natureza e da ideia de que integra um todo, as corporações aproveitam-se dessa alienação para espalhar esse mesmo modelo de “progresso” como bem-estar no mundo todo (KRENAK, 2019). Segundo Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista, filósofo e escritor brasileiro, em sua obra “Ideias para adiar o fim do mundo” (2019): Fomos, durante muito tempo, embalados com a história de que somos a humanidade. Enquanto isso — enquanto seu lobo não vem —, fomos nos alienando desse organismo de que somos parte, a Terra, e passamos a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade. Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza (KRENAK, 2019, p. 9).

Conforme discursa Krenak, infelizmente, em meio ao desenvolvimento da sociedade, o ser humano perdeu-se da noção de que integra um grande organismo, a Terra, e passou a pensar que ela é uma coisa e a humanidade é outra, quando, na verdade, tudo é natureza. Por meio da propagação dessa “separação” entre humanidade e natureza, foi cada vez mais fácil justificar o desmatamento, a poluição e a destruição de recursos naturais e da biodiversidade em prol do “progresso” na civilização. Ao longo do século XX e deste século XXI, a expansão do discurso tecnocientífico se deu de forma exponencial, fomentado pelas constantes evoluções tecnológicas. Isso ocorreu em todos os domínios conhecidos das práticas humanas e sociais, seja na exploração sideral, marítima ou terrestre, não havendo limites para o domínio humano aliado da ciência e da tecnologia (BIRMAN, 2021). No entanto, a pandemia da Covid-19 veio trazendo uma


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mudança de paradigmas para uma humanidade que disputava espaço com Deus no universo da criação. Isso se deu por meio da percepção de que o homem não está acima da natureza, mas é apenas mais um organismo que faz parte dela. Segundo Birman (2021): Os efeitos catastróficos da pandemia da Covid-19, pelas múltiplas desconstruções que promoveu nas formas de existência individuais e coletivas de modo sistemático, implicaram a emergência histórica de um limite ostensivo e flagrante na onipotência humana de se acreditar no Deus secularizado. A peste levou assim à efetiva humilhação da pretensão do homem de domínio absoluto do mundo, de forma que nem mais o céu poderia ser o limite, com efeitos ainda impossíveis de serem completamente calculados, em toda a sua extensão e profundidade, no

tempo futuro (BIRMAN, 2021, p. 65). Assim, se por um lado, segundo muitos historiadores, o século XX se iniciou apenas com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), hoje, historiadores afirmam que o novo século se iniciou apenas com a pandemia da Covid-19. Assim, o critério teórico que passa a definir o início de um novo século deixa de ser a cronologia estrita e tornase o que coloca em evidência a emergência histórica de uma “descontinuidade”, que tem a potência radical de transformar as formas de vida e de sociabilidade, por meio da mudança completa de ética que regula a existência humana. “Isso implicaria a constituição de novas maneiras de pensar, de sentir, de subjetivar, de agir e de governar, isto é, de um novo éthos, nos registros individual e coletivo ao mesmo tempo” (FOCAULT, 1968 apud BIRMAN, 2021, p. 66). Boaventura de Sousa Santos, doutor em Sociologia do Direito,

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58 e professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, discursa, em sua obra “O futuro começa agora: da pandemia à utopia” (2021), sobre a trágica transparência do vírus. Segundo ele: De repente a pandemia irrompeu, a luz dos mercados empalideceu e, da escuridão, com que sempre nos ameaçaram (os mercados) se não lhes prestássemos vassalagem, emergiu uma nova claridade. A claridade pandêmica e as aparições em que ela se traduziu. O que ela nos permitiu ver e o modo como foi interpretado e avaliado determinarão o futuro da civilização em que vivemos (SANTOS, 2021, p. 28). Santos (2021) traz à tona em sua obra a transição do vírus de inimigo (com seu surgimento), para mensageiro, de acordo com o que ele está tentando alertar

à sociedade, até pedagogo, quando contemplada a sua importância como um agente transformador de antigos modelos e padrões sociais que não cabem mais aos dias de hoje. Desta forma, o autor destaca a relevância do vírus como o propulsor de uma nova forma de ver a vida, isto é, uma nova constituição de maneiras de pensar, agir e sentir que determinará o futuro da sociedade. Assim destaca-se a dimensão positiva da crise, como caldo de cultura para a renovação dos modos de vida e dos estilos de existência, (...) (BIRMAN, 2021, p. 92). Foi tudo isso que, nas palavras de Joel Birman, se condensou como “acontecimento frugal e primordial” e tornou a pandemia da Covid-19 como um evento decisivo que já está e continuará moldando a aurora do século XXI. Se por um lado há a hegemonia do discurso inquestionável da ciência


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e da técnica como paradigmas de forma de vida no século XX, por outro, há a desconstrução desse discurso com o início da pandemia. Assim, o século XXI se anuncia impondo limites à onipotência humana no domínio da natureza.

NOTAS ¹ A CBRE Group, Inc. é a maior empresa de serviços e investimentos imobiliários comerciais do mundo, com faturamento de US$ 23,8 bilhões em 2020 e mais de 100.000 funcionários. Ela conta com um time de pesquisadores (CBRE Research) que oferece na forma Relatórios de Pesquisa uma visão cuidadosa e prospectiva das tendências, estratégias e oportunidades imobiliárias em todo o mundo. O Report da CBRE de 2012 citado aqui, foi acessado em 20/04/2021 pelo endereço: <https://pt.slideshare.net/ JavanSmith/coworking-space-report> ² A Ocean Cleanup foi fundada pelo jovem holandês Boyan Slat, em 2013, quando tinha apenas 18 anos em

sua cidade natal de Delft, na Holanda. Atualmente a empresa é uma fundação sem fins lucrativos, registrada como ‘Stichting’ na Holanda, e uma 501(c) (3) nos EUA. A empresa já conta com 10 engenheiros, pesquisadores, cientistas, modeladores computacionais e funções de suporte, que trabalham diariamente e já foram capazes de remover mais de 3,8 toneladas de lixo plástico do Oceano Pacífico. Disponível em: < https://theoceancleanup.com/> Acesso 17/11/2021. ³ Texto “Handling loneliness as a digital nomad” escrito por Thiline Wijesinhe, que trocou sua carreira de profissional funcionária do mercado financeiro pela vida de nômade digital. Thiline, além de ter o próprio blog pessoal, é uma das escritoras freelancer para a comunidade virtual Nomadific, aonde publicou o texto em questão. Disponível em: <https:// nomadific.com/handling-loneliness-as-adigital-nomad/> Acesso em: 02/11/202. 4

Disponível em: <https://nomadific.

com/> A WGSN é a autoridade global em previsão de tendências de consumo. Suas 5

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60 matérias e previsões incluem curadoria de dados, análises do panorama global e conhecimento aprofundado sobre a indústria, dando aos clientes as ferramentas necessárias para entender a vida e comportamento do seu público, criar produtos com segurança e vender na hora certa. Em 2021, a WGSN publicou o relatório “O consumidor do futuro 2022” com as principais tendências do consumidor para o ano seguinte, explorando como ele irá pensar, sentir e se comportar em 2022. Conteúdo disponível em: < https://www.wgsn.com/ wp-content/uploads/el-consumidor-dofuturo-2022-WGSN-pt.pdf> Acesso em: 07/09/2021. Conteúdo extraído do website da OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), agência internacional especializada em saúde pública das Américas. Responsável pelo trabalho diário com países da região para melhorar e proteger a saúde de sua população. Oferece cooperação técnica em saúde a seus países membros, combate doenças transmissíveis a ataca as enfermidades crônicas e suas causas, além de fortalecer os sistemas de saúde e responder a emergências e desastres. Disponível em: 6

<https://www.paho.org/pt/covid19/ historico-da-pandemia-covid-19> Acesso em: 13/10/2021. Joel Birman é professor titular na UFRJ e professor aposentado no Instituto de Medicina Social da Uerj. Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo, pós-doutor pela Université Paris VII, é membro de honra do Espace Analytique. Foi premiado três vezes com o Jabuti, categoria de Psicanálise e Psicologia, e recebeu o Prêmio Sérgio Buarque de Holanda, categoria Ensaio Social, da Biblioteca Nacional. Em 2021, publicou como livro “O trauma na pandemia do Coronavírus”, um ensaio com uma síntese factual da pandemia no Brasil, aonde traz um precioso estudo psicanalítico sobre a repercussão em termos da dimensão catástrofe/trauma. 7

NIETZSCHE, Friedrich. “Genéalogie de la Morale”, Paris, Gallimard, 1971. [Ed. Bras.: Genealogia da moral, São Paulo, Companhia das Letras, 2009]. 8


01| TECNOLOGIA

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Figura 11 O novo normal. Dresden, Alemanha, 2020. Acervo da autora.


02 | PANDEMIA 2.0. 2.1. 2.2. 2.3.

O novo normal Homogeneidades entre o viver e o trabalhar Os prejuízos do modelo de vida pandêmico na saúde mental Rituais e rotinas recomendados para lidar com o momento estressante


64 2. O NOVO NORMAL

De acordo com o psicanalista Joel Birman (2021), o que se esboça de forma preliminar, nos discursos de diferentes teóricos, é como será o futuro no período de pós-pandemia, com toda essa mudança de paradigmas que vem ocorrendo e moldando a sociabilidade no século XXI; constituição que se convencionou chamar de “o novo normal”. Em outros termos, discute-se: (...) quais serão as mudanças cruciais que vão se realizar, ao mesmo tempo, nos espaços público e privado, nos registros social, econômico, político, ecológico, cultural e subjetivo, mas que se encontram também articulados intimamente com as normas sanitárias e com os preceitos científicos (BIRMAN, 2021, p.88).

Desde o início da pandemia, em consequência da inexistência de protocolos terapêuticos consistentes para se confrontar clinicamente a doença, assim como de uma vacina que pudesse proteger a população dos efeitos mortíferos do vírus da Covid-19, a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou o que foi chamado de “isolamento horizontal vertical”. Esse isolamento se caracterizou por uma quarentena ampla, geral e irrestrita, com a proibição de aglomerações públicas, restrição de atividades comerciais e de modelos de ensino e trabalho presenciais, que passam a ser online. Além disso, predominam os protocolos de distâncias sociais entre indivíduos que residam em moradias diferentes, e torna-se obrigatório o acompanhamento de dispositivos sanitários, como máscaras, luvas, e o uso constante de álcool gel para limpar as mãos, a fim de evitar o contágio (BIRMAN, 2021). Em consequência da interdição sanitária de proximidade corporal, o sistema de normas


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corporais e subjetivas fundamentais é subvertido. Isso se dá, uma vez que todas as formas de socialização primária que caracterizam o estilo de existência brasileiro (e latino), são impactadas de forma radical, por meio da proibição de abraços, beijos, carícias e cumprimentos de mão (BIRMAN, 2021). Não somente a cultura de socialização é impactada, mas também a do “individualismo”, que marca os países ocidentais, fundada na categoria do “indivíduovalor”, que tem como corolário o “imperativo da liberdade”. Dessa forma, com a imposição sanitária e de restrições de socialização, é evidente que muitos dos indivíduos de países ocidentais, como no Brasil, rebelam-se contra o Estado e a política sanitária, quando essas interditam o exercício moral da liberdade (DUMONT, 1983). De modo geral, pode-se perceber que esse estabelecimento de uma ruptura e de produção de descontinuidade em relação ao que antes era considerado normal no período pré-pandemia, agora caracteriza-se como o que

o psicanalista Joel Birman (2021, p. 91) denomina de “o novo normal”. Assim, essa ruptura abrupta de um modelo padrão de cultura, hábitos e socialização primária, classificado como o “novo normal”, passa a configurar o modelo de sociedade durante a pandemia. Apesar de não representar mais para grande parcela da população uma forma adequada e satisfatória de vida, muito provavelmente esse novo modelo deixará resquícios no tempo pós-pandemia também, que não voltará mais de forma total e absoluta ao antigo normal, devido à quebra de paradigmas gerada pela Covid-19 e aos novos conhecimentos adquiridos nesse período.

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Figura 12 O viver e trabalhar em época de pandemia. São Paulo, Brasil, 2021. Acervo da autora.


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2.1. HOMOGENEIDADES ENTRE O VIVER E O TRABALHAR

Segundo os autores Suzana Maria Loureiro Silva, Renan Alarcon Rossi e Gabriel Dib Daud de Vuono, no artigo “Pandemia: (mesmos) modos de morar e trabalhar?” para a Revista de Políticas Públicas (2020) 9, o desenvolvimento histórico da cidade tem sido marcado por uma perspectiva de alteração na forma como percebe-se a vida no ambiente urbano; sobretudo pelo advento de recursos tecnológicos desenvolvidos com o propósito de diminuir cada vez mais o tempo e as distâncias (e, com isso, o espaço), ferramenta essencial para o aumento irracional da produção e do consumo. Segundo os autores Silveira, Vuono e Rossi: A pandemia se impôs em um momento de transformação da sociabilidade e, portanto, da própria experiência de

vida urbana. Não há apenas a necessidade da permanência em casa (ambiente privado), mas também a privação de convivência na cidade (espaço público), o que denota a possibilidade de questionar de qual cidade nos encontramos privados (SILVEIRA; VUONO, ROSSI, 2020, P. 2).

A partir dessa reflexão, é possível perceber que na sociedade contemporânea, praticamente não há convívio social e público, uma vez que as moradias e estabelecimentos comerciais e de entretenimento são murados, e os espaços de interação social pura e simples (sem o consumo como impulsionador), escassos. As pessoas se relacionam com as demais desde suas respectivas casas, por intermédio da tecnologia e meios digitais, numa constante em que todos encerram-se em um espaço territorialmente certo e predeterminado pelos limites

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68 de residência de cada um. Assim, a casa é, simultaneamente, o local de encontro e desencontro mediado por aparelhos digitais (computador, tablets e celulares) (SILVEIRA; VUONO; ROSSI, 2020). “Há um movimento constante para o aprimoramento dos espaços privados, com a construção de complexos que atendam a todas as necessidades sem que haja contato social para além do particular” (SILVEIRA; VUONO; ROSSI, 2020, p. 2). Desse modo, o isolamento acaba sendo reforçado devido à falta de momentos e locais de convivência, tanto no espaço público, quanto no privado, que está cada vez mais alheio à cidade. Somado à essa alienação constante do convívio social e público, há também o fator de que o lar recebeu a função quase instrumental de abrigar os moradores apenas temporariamente, entre uma e outra jornada de trabalho. Tendo essa condição em mente, os critérios determinantes de escolha para as casas se alteram entre a localização (próxima –ao local de trabalho) e o aparato

de segurança da residência com relação à rua - privado x público (SILVEIRA; VUONO; ROSSI, 2020). Dentro dessa perspectiva, no entanto, a transformação abrupta da vida, por conta da pandemia do Covid-19, obrigou o exercício do trabalho e estudo apenas em casa e, com isso, a extinção (temporária?) da separação entre os modos de morar e trabalhar, diante do quadro de isolamento social. Diante desse quadro, é comum e plausível que para a realização de trabalho via acesso remoto seja necessário que o trabalhador possua uma infraestrutura mínima de habitação, como computador, internet e móveis adequados ao espaço laboral. Dessa forma, a adequação da moradia no contexto da pandemia, assim como em um contexto póspandemia, em que muitos dos postos de trabalho (novos ou atuais) possivelmente seguirão em funcionamento remoto, se relaciona com a permanência ou possibilidade de estar inserido no mercado (SILVEIRA; VUONO; ROSSI,


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2020). Segundo Silveira, Vuono e Rossi (2020), a casa (e sua infraestrutura) torna-se então uma condicionante para a aquisição ou manutenção de um posto de trabalho: Se por um lado, alguns grupos de pessoas já estavam excluídos de postos de trabalho formais, por outro lado, quando se impõe a obrigatoriedade de trabalho via acesso remoto, opera-se um aprofundamento de uma exclusão em que a moradia é elemento sem o qual o acesso ao trabalho se torna dificultado ou inviável (SILVEIRA; VUONO; ROSSI, 2020, p. 4). Assim, na medida em que o trabalho se desloca do espaço “público” (entendido aqui como posto de trabalho), para o “privado” (leia-se residência), isso pode implicar diretamente na massiva precarização laboral para os que residem em locais cuja infraestrutura é ineficiente

para exercer o trabalho. Desse modo, essa situação terá como consequência a “(...) intensificação do trabalho “uberizado” (entrega, transporte, personal trainer), e do trabalho informal (como aqueles que exigem força física direta em sua realização, tais como os desempenhados pelas flanelinhas, empregadas domésticas, e demais trabalhos informais de outras naturezas)” (ANTUNES, 2014, p. 4). Nesse sentido, parece se intensificar a segregação pelo pertencimento a um determinado estrato social: se antes, no trabalho presencial, a aparência física (designada por gênero, cor de pele, modo de vestir) era um fator que determinava algumas ocupações, atualmente, não havendo mais a possibilidade de reunião física no posto de trabalho (momento em que impera o trabalho remoto, ou home office), a estrutura que o empregado dispõe e o local geográfico (assim como infraestrutura disponível em tal local) de residência passam a ser significantes para o acesso ou manutenção no emprego

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70 (SILVEIRA; VUONO; ROSSI, 2020). A partir dessa perspectiva, e levando em conta os tempos de pandemia e isolamento social obrigatório, o modo de morar transforma-se em modo de trabalhar e vice-versa, tornando-se quase que impossível a dissociação. De acordo com os autores Silveira, Vuono e Rossi (2020), a pandemia: Trata-se de uma significativa alteração na vida do trabalhador, mas, ainda mais profunda, na dinâmica de produção e reprodução do capital, pela extinção da dicotomia entre a jornada de trabalho versus horário de lazer ou descanso. Transformase a própria compreensão do tempo, que não pode ser mais dividido e classificado em momentos distintos (de descanso, de lazer, de trabalho). A homogeneização dos modos de morar e trabalhar leva a uma (falsa) percepção de ganho de

tempo pela ausência de deslocamento físico ou pela reapropriação do próprio tempo do trabalhador. Porém, contraditoriamente, trabalha-se cada vez mais: o trabalhador que está em seu local de trabalho a todo o tempo, pode produzir o tempo todo (ou ser substituído caso não o faça) (SILVEIRA; VUONO; ROSSI, 2020, p. 4). Por conta do isolamento e da aceleração dessa transformação social, os modos de morar e trabalhar não apenas se confundem, mas de maneira intensificada, vão se homogeneizando como medida durante e para além da pandemia. Desse modo, a sociedade atual vem permitindo o rompimento de relações (que são, na verdade, direitos fundamentais do empregado) que impediam o aumento de produção, “desde que criem condições favoráveis para a superação da crise, aumento da capacidade de acumulação de um mais valor” (SILVEIRA; VUONO;


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ROSSI, 2020, p. 4). As circunstâncias variadas do trabalho precário e intermitente redefinem tempos e espaços da experiência social (SENNET, 2000). Alteram, assim, a própria experiência urbana e redefinem os modelos de viver, para toda uma população, resultando em uma série de problemas para a saúde mental dos trabalhadores, como será explicado mais adiante. Por conta do isolamento e da aceleração dessa transformação social, os modos de morar e trabalhar não apenas se confundem, mas de maneira intensificada, vão se homogeneizando como medida durante e para além da pandemia. Desse modo, a sociedade atual vem permitindo o rompimento de relações (que são, na verdade, direitos fundamentais do empregado) que impediam o aumento de produção, “desde que criem condições favoráveis para a superação da crise, aumento da capacidade de acumulação de um mais valor” (SILVEIRA; VUONO; ROSSI, 2020, p. 4). As circunstâncias variadas do

trabalho precário e intermitente redefinem tempos e espaços da experiência social (SENNET, 2000). Alteram, assim, a própria experiência urbana e redefinem os modelos de viver, para toda uma população, resultando em uma série de problemas para a saúde mental dos trabalhadores, como será explicado mais adiante. Nesta nova realidade laboral catalisada pelos efeitos da pandemia, que trará implicações para as relações de trabalho no capitalismo pós-pandêmico, a moradia torna-se condicionante de venda de força de trabalho. No entanto, levanta-se a reflexão quanto à contradição: se por um lado o trabalho é a garantia de subsistência do trabalhador (fornecendo o salário que paga por sua moradia, saúde, alimentação etc.), como a moradia (que esteja estruturada às necessidades laborais) pode ser condicionante para a aquisição ou manutenção do trabalho? (SILVEIRA; VUONO; ROSSI, 2020, p. 5). Em última instância, podese dizer que as experiências do

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72 morar e trabalhar se transformam, os limites tornam-se tênues e os ambientes se confundem, com os espaços sobrepondo-se um ao outro. Assim, os dias se alongam e a produção continua, perpetuando uma exploração do trabalhador, uma vez que a sensação de fim da jornada de trabalho se extingue, tanto para o empregado, que apenas troca de cômodo dentro da sua casa (ou às vezes nem isso), quanto para o empregador, que tem a possibilidade de exigir a produção a qualquer momento, de forma rápida, fácil e ágil.

“Nessa perspectiva, tais modos de existir (de morar e de trabalhar) não apenas se confundem, mas se tornam a mesma coisa: um novo modo de viver a partir da sociabilidade capitalista, que se reinventa e se transforma sob dissimulações e percepções de liberdade e autonomia” (SILVEIRA; VUONO; ROSSI, 2020, p. 5).

De modo geral, pode-se extrair que a homogeneização entre o morar e o trabalhar traz uma série de consequências, tanto sobre o próprio sistema capitalista e modelo econômico, quanto sobre a vida individual de toda a população, acarretando diversos impactos sobre a saúde mental e, consequentemente, sobre o modo de viver, os relacionamentos interpessoais ou, neste caso, a falta deles.

Figura 13 Isolamento social: trem vazio. Bremen, Alemanha, 2020. Acervo da autora.



74 2.2. OS PREJUÍZOS DO MODELO DE VIDA PANDÊMICO NA SAÚDE MENTAL

Segundo o psicanalista Joel Birman, “a pandemia se caracteriza pela invisibilidade do vírus, como qualquer doença bacteriana e virótica, de forma que as pessoas reagem inicialmente pelo medo diante do inimigo invisível e impalpável (...)” (BIRMAN, 2021, p. 135). Assim, o terror da morte se infunde fortemente no psiquismo dos sujeitos, nas populações expostas ao novo Coronavírus. Nesse contexto, entretanto, o terror da morte reativa de modo intenso o que o médico neurologista e criador da psicanálise, Sigmund Freud, denominou de “desamparo originário” do sujeito, na obra “O mal estar da civilização” (1930). “Na condição originária do desamparo psíquico, o sujeito ainda acredita que pode apelar às instâncias alteritárias, que poderiam lhe proteger da incidência virótica potencialmente mortal” (BIRMAN,

2021, p. 135). Dessa forma, nos países que apresentaram uma resposta unívoca em relação à pandemia, impondo o isolamento social como norma sanitária e até o lockdown, houve uma direção unificada das práticas de governabilidade. Por isso, o sentimento de angústia dos cidadãos era apaziguado e contido, recebendo contornos palpáveis e tangíveis, devido à guarda promovida pelas autoridades instituídas, reguladas pelo discurso da ciência e da medicina (BIRMAN, 2021). De acordo com Birman (2021): (...) quando não pode contar com instâncias de proteção pública que sejam confiáveis, como ocorreu concretamente no contexto social brasileiro modelado pela dupla mensagem, o sujeito se sente entregue ao acaso e ao indeterminado, assim como ao que é arbitrário na existência, em que tudo de pior pode lhe acontecer, afetando, então, os diferentes registros do real


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e do psiquismo (BIRMAN, 2021, p. 136). Diante desse quadro, a população passa por algumas sensações de resposta à surpresa pelo acontecimento fatídico, tais como “desalento”, “desamparo”, “angústia”, “trauma” e “terror da morte” em face de um “inimigo invisível” diante do qual parece quase impossível de se proteger, tendo em vista a falta de conhecimento científico sobre a enfermidade (BIRMAN, 2021, p.136). Essas experiências psíquicas do sujeito na pandemia podem, por sua vez, desencadear uma série de consequências na população na forma do que o psicanalista Joel Birman (2021) classifica como respostas ou “formações sintomáticas”. Na primeira, o sujeito pode assumir por desespero posições e posturas de desafio às restrições sanitárias de isolamento social. A segunda formação sintomática caracteriza os “sintomas hipocondríacos”, isto

é, aqueles que passaram a ficar atentos às pequenas variações de suas “intensidades corporais”, transformando em signo anormal ou patológico qualquer sinal de menor enfermidade que seria perfeitamente normal nas condições comuns da vida. Assim, qualquer indício físico como febre, tosse, dor de cabeça e cansaço, passa a ser interpretado como evidência cabal de Covid-19 (BIRMAN, 2021). A terceira formação sintomática é a de “fragmentação corporal intensa, acompanhada de dissociação psíquica correlata, principalmente em crianças, possuídas por fortes angústias”, conforme descreve o psicanalista Joel Birman (2021, p.141). Segundo ele, essa é uma condição de consequência direta do confinamento, uma vez que o distanciamento social e isolamento físico promovem uma transformação crucial no registro dos humores: “os sujeitos passam a se sentir esvaziados na sua potência existencial pela ausência (relativa ou absoluta) dos processos de

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76 interação social” (BIRMAN, 2021, p. 141). Dessa forma, essa terceira formação sintomática descrita desencadeia a produção de depressão no sujeito ”(...) de forma regular e pode se apresentar clinicamente de forma branda ou severa, de acordo com as circunstâncias existenciais e os contextos intersubjetivos nos quais cada um está efetivamente inserido” (BIRMAN, 2021, p.141). Diante desse quadro, é preciso ressaltar os efeitos psíquicos da “depressão severa” e melancolia na população idosa, que muitas vezes se constitui de pessoas que moram sozinhas e isoladas, ou apenas com seu parceiro conjugal. Devido ao isolamento social, feito obrigatório por razões sanitárias durante a pandemia, muitos dos idosos passaram a se sentir abandonados, sem poder conviver diretamente com filhos e netos, restritos às comunicações virtuais e telefônicas. Segundo o psicanalista Joel Birman, alguns ainda se autoabandonam devido à tristeza, deixando de praticar atividades

simples, como tomar banho ou até se alimentar, “(...) de maneira insistente e repetida, de forma que por vezes são conduzidos inevitavelmente ao suicídio, nessas condições existenciais limites” (BIRMAN, 2021, p.142). A quarta formação sintomática é caracterizada pelo incremento de “rituais obsessivo-compulsivos”, no contexto traumático de angústia real. Dessa forma, os indivíduos, diante da sensação de vulnerabilidade e impotência, passam a exercer as normas sanitárias cotidianas de limpeza de forma radical e compulsiva. De acordo com Birman (2021): O que está em pauta nessas circunstâncias psíquicas específicas, delineadas pela pandemia, é a presença de uma grande vulnerabilidade psíquica nos sujeitos, tal que o desamparo originário é reativado de maneira caricata e até mesmo exacerbada. É como se o vírus invisível e mortal pudesse tomar de


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assalto os sujeitos e esses não tivessem, ante o inimigo, qualquer possibilidade de defesa (BIRMAN, 2021, p. 142). Nesse contexto, existem muitos indivíduos que, durante a pandemia, não conseguem realizar mais as atividades rotineiras de seus dias, de tão exaustos que se encontram com a energia gasta em rituais higiênicos de ordem compulsiva. Com isso, sentem-se esvaziados de si, isto é, sem a rotina que faz parte de sua identidade, como será discutido mais adiante no próximo subcapítulo, com base na psicoterapeuta Esther Perel. Outra compulsão de ordem psíquica que se evidencia como resposta à pandemia, tanto em adultos, quanto em crianças e adolescentes, é a “procura frenética do espaço virtual”, seja por meio de redes sociais, jogos ou aplicativos. Espaços esses nos quais o sujeito mergulha em busca de parcerias e de interações que não são mais possíveis no mundo real, tendo em vista a realidade

de confinamento e suspensão das atividades sociais e interpessoais. Com isso, muitos adolescentes e adultos acabam recorrendo às festas online, em uma caça por contato social na ausência de laços reais (BIRMAN, 2021, p. 143). A tecnologia assim, em um contexto de pandemia muito mais do que em outros momentos, reforça uma condição já pré-existente (e bastante característica da geração Z) de busca por conexão usando a Internet. Isso traz à tona a principal contradição discutida nesse trabalho: ao mesmo tempo em que a facilidade tecnológica permite o contato com diversas pessoas, em diferentes locais do mundo, servindo para combater o “isolamento”, ela também é a principal causadora desse “isolamento”, a partir do momento em que as pessoas se desligam do mundo real e de interações pessoais presenciais e limitam-se a interagir apenas no ambiente virtual. Logicamente que, no contexto da pandemia, essa conexão virtual é tida como um fator extremamente

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78 positivo e necessário, entretanto, sob condições normais prépandêmicas ou mesmo póspandêmicas, até que ponto essa procura frenética do espaço virtual pode ser positiva? Mais que isso, como isso pode estar moldando os relacionamentos interpessoais nos dias atuais, onde basta um clique na tela para bloquear alguém com quem não se queira mais contato? Isso reforça o conceito de “Modernidade líquida”, discutido pelo sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman em sua obra cuja primeira publicação foi em 1999. Com esse conceito o autor descreve o momento histórico vivido atualmente, no qual as instituições, as ideias e as relações estabelecidas entre as pessoas se transformam de maneira muito rápida e imprevisível; são temporários assim como os líquidos, caracterizados pela incapacidade de manter a forma. De acordo com Bauman (2001), duas das características que definem a modernidade líquida são: a substituição da coletividade e solidariedade pelo

individualismo e a transformação do cidadão em consumidor. Assim, os relacionamentos passam a ocorrer de forma superficial, volúvel e momentânea, e as chamadas “conexões” dão lugar ao senso de comunidade e contato próximo (“amor líquido”). Nesse contexto, as pessoas passam a ser descartadas, assim como mercadorias, quando não cumprem mais com uma finalidade. Um bom exemplo disso, seriam os relacionamentos virtuais, em redes sociais ou aplicativos. Segundo Bauman: Os contatos online têm uma vantagem sobre os offline: são mais fáceis e menos arriscados — o que muita gente acha atraente. Eles tornam mais fácil se conectar e se desconectar. Casos as coisas fiquem “quentes” demais para o conforto, você pode simplesmente desligar, sem necessidade de explicações complexas, sem inventar desculpas, sem censuras ou culpa. Atrás do


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seu laptop ou iPhone, com fones no ouvido, você pode se cortar fora dos desconfortos do mundo offline. Mas não há almoços grátis, como diz um provérbio inglês (“no free lunch”): se você ganha algo, perde alguma coisa. Entre as coisas perdidas estão as habilidades necessárias para estabelecer relações de confiança, as para o que der vier, na saúde ou na tristeza, com outras pessoas. Relações cujos encantos você nunca conhecerá a menos que pratique. O problema é que, quanto mais você busca fugir dos inconvenientes da vida offline, maior será a tendência a se desconectar. 10 De modo geral, essa tendência de busca de conexão pelo modelo virtual, que já estava em pauta nos últimos anos, reforçou-se ainda mais agora, diante do momento de pandemia. E isso, conforme já adianta Bauman em sua fala, gera consequências muito ruins para o estabelecimento de

relacionamentos interpessoais na forma de mais sintomas psíquicos e sensação de solidão, alienação e isolamento, uma vez que as conexões desenvolvidas não são profundas nem duradouras. Soma-se ainda, nesse mesmo conceito sintomático reforçado pela pandemia, o aumento significativo na compra de animais domésticos, como gatos e cachorros, por indivíduos de diversas faixa-etárias, em uma tentativa de suprir o desamparo e a falta de abraços, beijos e carícias, promovidos pelo isolamento social e sua redução das redes afetivas (BIRMAN, 2021). Ainda dentro de formações sintomáticas resultantes dos efeitos psíquicos da pandemia, há o aumento significativo de vícios, segundo Birman (2021). Ante a todos os quadros anteriores, o sujeito procura instituir práticas e tratamentos de si por meio da ingestão regular de álcool, drogas ilícitas (maconha, cocaína e crack) e até mesmo drogas lícitas (ansiolíticos e antidepressivos), em uma tentativa desesperada

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80 de aplacar as dores e sofrimentos psíquicos promovidos pelas diferentes formações sintomáticas. Além disso, no que se refere ao vício, há ainda o de comer excessivamente como modo de regular a vulnerabilidade e impotência sentidos diante da situação. Com isso, a obesidade torna-se uma outra consequência física desse movimento originariamente psíquico no sujeito (BIRMAN, 2021). A sexta formação sintomática é o quadro de “violência masculina em relação às mulheres”, que aumentou vertiginosamente durante a pandemia, com incremento do feminicídio. Segundo Birman (2021), isso se dá por conta da sensação de desamparo, desalento e vulnerabilidade dos homens – consequências da invisibilidade do vírus, e dificuldade de prevenção – que faz com que a impotência masculina se desdobre em práticas de agressividade e violência, principalmente contra a parceira e os filhos (BIRMAN, 2021, p. 144). Ainda no ambiente familiar, por

conta da suspensão das atividades escolares e da interação social com colegas de sala e amigos, “(...) as crianças ficam mais turbulentas, angustiadas e até mesmo agressivas, além de responsabilizar com frequência os pais por não lhes protegerem devidamente diante desse infortúnio, o que reativa o desamparo e desalento psíquicos” (BIRMAN, 2021, p. 145). A sétima e última formação sintomática descrita por Birman (2021), é a dos efeitos psíquicos no sujeito devido à “impossibilidade de realização do trabalho de luto”. Por conta do aumento vertiginoso do número de mortes provocadas pela Covid-19, somada ao risco de contaminação virótica, muitos dos enterros se deram de forma indigna, como modo de impedir a disseminação do vírus em cerimônias. “Muitos mortos foram enterrados em fossas coletivas, prática eticamente deplorável, justificada pela ausência de espaços nos cemitérios” (BIRMAN, 2021, p. 145). Desde Freud na obra “Luto e melancolia” (1917), foi formulada a


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hipótese de que a impossibilidade de realização do trabalho de luto por meio de cerimônias (geralmente de cunho religioso) seria um obstáculo efetivo para a execução do luto propriamente dito, isto é, o sujeito sente mais ainda como se não fosse capaz de superar a morte do ente querido, uma vez que foi “privado” de suas tradições e cerimônias de despedida do falecido. Isso resultaria na produção clínica do “luto patológico”, que se evidenciaria sob a forma clínica de “melancolia” (BIRMAN, 2021, p. 145). De maneira sucinta, percebe-se que todas as formações sintomáticas aqui descritas, resultantes do contexto social e pandêmico, tiveram consequências muito fortes no indivíduo e na sociedade de modo geral, impactando os modos de viver, trabalhar, habitar o espaço e se relacionar com outras pessoas. Tendo isso em vista, o próximo subcapítulo aborda as reflexões da TED Talk 11 “The routines, rituals, and boundaries we need in stressful times” (2021) 12 – isto focado em

rituais e rotinas recomendados para lidar com o momento de estresse atual da pandemia -, da psicoterapeuta belga Esther Perel, especialista no tema de necessidade de segurança e liberdade nas relações humanas.

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Figura 14 Perspectiva: momentos de conexão. Wolfsburg, Alemanha, 2020. Acervo da autora

2.3. RITUAIS E ROTINAS RECOMENDADOS PARA LIDAR COM O MOMENTO ESTRESSANTE Segundo a psicoterapeuta Esther Perel, atualmente por conta da pandemia, a sociedade vive um momento de angústia existencial, de isolamento, luto universal, instabilidade econômica, e incerteza prolongada. A tendência, conforme aponta ela, é a de chamar os efeitos psíquicos desse momento vivido simplesmente de “estresse”, entretanto, o estresse é na verdade multidimensional. Em sua TED Talk “The routines, rituals, and boundaries we need in stressful times” (2021) 12, Perel explica que as pesquisadoras Susan David e Elissa Epel enfatizam a importância de fragmentar o estresse em partes,

para que ele se torne manejável. Ela expõe que as respostas de desespero, ansiedade, exaustão, tristeza, raiva e irritabilidade são todos parte e consequência do estresse e, a partir do momento em que são devidamente nomeados e enquadrados, torna-se mais fácil regulá-los e lidar com eles. De acordo com Perel, o contexto atual é caracterizado pela “perda de Eros” 12 (“the loss of Eros”), e considerando que Eros representa na psicologia a energia vital em geral ou integradora da psique, pode-se dizer que o contexto atual é regido pela ausência de vivacidade e vibração na vida humana. Isso se dá, uma vez que os elementos que o compõem (Eros) passam a ser evitados, em decorrência do isolamento social e restrições sanitárias: os espaços onde coincidências, mistério, surpresa e encontros ocasionais/ não planejados geralmente ocorrem, agora são evitados a todo custo (THE... 2021). Por isso, segundo a psicoterapeuta:

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84 É essencial criar rotinas, rituais e limites para lidar com este estresse: rotinas para separar as diferentes atividades, os diferentes papéis e responsabilidades que possuímos; rituais porque criam um tempo e espaço sagrado; e limites, porque criam delineamento, demarcação, fronteiras e estes são realmente necessários para que experimentemos um senso de base e estrutura. E a segunda coisa que realmente ajuda com o estresse também é criar um espaço para Eros. Há uma razão pela qual as pessoas estão criando coisas novas neste momento, porque quando você vê a vida se desenvolvendo e emergindo à sua frente, ela funciona como um antídoto para o estresse e a morte (THE... 2021). O discurso de Perel é confirmado pelo aumento na compra e adoção de animais domésticos como uma das

formações sintomáticas citadas por Birman (2021) no subcapítulo anterior. Além da compra e adoção de pets, Esther Perel detalha sobre a importância da criação de limites, marcadores para as atividades humanas diárias. Segundo ela, a pandemia resulta não somente no trabalho exercido da própria casa (chamado de “home office”), mas do trabalho “com a casa” 13, uma vez que “antes todos tínhamos papéis diferentes de acordo com o lugar e as pessoas com quem estávamos, mas hoje temos todos esses papéis fundidos dentro de nós ao mesmo tempo, sem sequer sair de casa” (THE... 2021). Assim, uma mulher que é mãe por exemplo, que em uma situação pré-pandêmica possuía um momento e local certo para trabalhar, um outro momento e local definido para se exercitar ou mesmo almoçar na companhia de colegas de trabalho, e um último momento e local aonde exercia seu papel de mãe em casa ou de esposa com seu marido; agora, em meio ao contexto da pandemia,


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essa mulher passa a exercer todos esses papéis simultaneamente em um mesmo local (a casa) todos os dias, sem intervalo, sem os antigos marcadores de espaço-tempo. Com isso, a psicoterapeuta Esther Perel explica que passa a ocorrer uma perda do senso de si do sujeito, isto é, uma perda de identidade pessoal, uma vez que os indivíduos ficam isolados de toda a rotina com a qual estavam acostumados, resultando no efeito psíquico de aumento da ansiedade, da sensação de improdutividade diante da vida e de dormência, morte (“sense of deadness”) 12. Diante desse cenário atípico onde tudo é exercido de forma online e de dentro de casa (consultas terapêuticas, trabalho, reuniões, aulas, etc.), há uma homogeneização entre o espaço “público” (entendido aqui como comunidade virtual) e o espaço “privado”, ou pessoal (leia-se a residência e consequentemente, a vida pessoal do empregado). Com isso, segundo Perel, o botão de “mute” e de desligar a câmera

passam a ser as únicas fronteiras restantes entre um mundo e outro (virtual e pessoal) (THE... 2021). Assim, a solução para esses efeitos relatados de “perda de identidade”, segundo a psicoterapeuta, seria justamente a integração e aceitação dessas realidades múltiplas ao invés de tentar “escondê-las”. 12 Ou seja, tendo como exemplo a mesma mulher que é mãe descrita anteriormente, o que é recomendado por Perel é que essa mãe aceite todos os papéis que lhe cabem, sem tentar comparar-se com a produtividade e autocontrole de antes, aonde exercia todas as atividades incorporando uma persona diferente adaptada àquela situação específica. Em situações anormais, é normal ser improdutivo e sentir-se diferente. Ao invés de trancar-se em um quarto para trabalhar, com as crianças chorando em outro, a recomendação para essa mãe é a de aceitação da vida pessoal mesmo diante do ambiente de trabalho, por exemplo. Afinal, é isso que estaria acontecendo

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86 (neste momento de pandemia) com todo o resto da população, que assim como ela, também tem filhos, pais sob cuidados ou animais domésticos (THE... 2021). Segundo a psicoterapeuta, “geralmente trazemos todo o nosso eu para o trabalho. Neste momento estamos trazendo todo o nosso trabalho para o nosso mundo pessoal” 14 (THE... 2021). Com isso, está surgindo uma nova ênfase, não apenas nos relacionamentos e na importância dos relacionamentos e da inteligência no local de trabalho, mas também da saúde mental e do bem-estar. Inicia-se, assim, no ambiente de trabalho, uma integração de todo um vocabulário emocional que envolve empatia, confiança e segurança psicológica ao mesmo tempo em que se discute desempenho, já que agora começa a haver um reconhecimento de que saúde mental e desempenho estão intimamente ligados (THE... 2021). Assim, de acordo com Perel, o trabalho hoje é o local aonde busca-se pertencimento, propósito

e desenvolvimento, muito além do que simplesmente ganhar subsistência como já foi um dia. Com isso, faz-se imprescindível para as empresas a compreensão de que as conversas sobre saúde mental, estresse e limites pessoais tornem-se, principalmente em contexto pandêmico, essenciais. Isso porque o compartilhamento de experiências beneficia a todos (no ambiente de trabalho e fora), retirando o peso de situação individual que o sujeito possa estar sentindo por meio da lembrança de que essa (a pandemia) está sendo uma experiência coletiva que todos irão superar juntos; de que o sujeito não é o único com formações sintomáticas de estresse como resposta ao Covid-19. O sujeito tende a responder melhor às condições de estresse quando há um senso de comunidade e de pertencimento à essa comunidade (THE... 2021). Esse compartilhar de experiências, por si só, auxiliará na produtividade dos trabalhadores, entretanto ainda assim, os resultados não serão os mesmos


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do contexto pré-pandêmico, conforme apontado anteriormente. Isso porque é impossível que uma situação sanitária nessa escala não afete os modos de trabalhar e de viver. Segundo Perel 12: Quando somos capazes de reconhecer nossa realidade e então responder de acordo com ela, isso: a) nos torna mais produtivos; b) nos torna menos estressados e c) mantém nosso senso de conexão que, em última instância, é nossa maior fonte de resistência para lidar com este tipo de situação” (THE... 2021). Em última instância, Perel aponta também a importância da criação de “marcadores invisíveis” (“invisible markers/boundaries”) 12 na rotina para auxiliar na manutenção dos diferentes papéis e atividades exercidos pelo sujeito ao longo do dia. Isto é, já que a transição entre endereços se torna praticamente inviável, mediante às

restrições sanitárias, recomendase ao menos a troca de cômodos dentro da casa, ou mesmo a troca de roupa de acordo com o momento e a atividade que será exercida. Assim, esses “marcadores invisíveis” 12, apesar de parecerem uma solução tola a princípio, podem ajudar na diminuição da exaustão e dormência causados pela falta do senso de si. Isso porque, por meio dessa troca de vestuário ou de cômodos/ambientes, há de alguma forma uma manutenção simples da transição entre momentos e atividades, como seria o comum de uma rotina normal.

NOTAS 9 A Revista Políticas Públicas & Cidades é uma publicação quadrimestral mantida por pós-graduandos em arquitetura e urbanismo no Brasil e visa divulgar pesquisas relacionadas a urbanismo e planejamento urbano.

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88 Fundada em 2014, a revista não tem vínculo institucional, trata-se de um periódico mantido de forma voluntária. Conteúdo extraído de entrevista de Zygmunt Bauman à ISTOÉ por email, em 2015. Disponível em: . Disponível em:<https://istoe.com.br>. Acesso: Acesso: 01/12/2021. 10

TED é uma organização sem fins lucrativos dedicada à divulgação de ideias, geralmente na forma de conversas curtas e poderosas (18 minutos ou menos). TED começou em 1984 como uma conferência onde Tecnologia, Entretenimento e Design convergiram, e hoje cobre quase todos os tópicos - da ciência aos negócios e questões globais - em mais de 100 idiomas. Enquanto isso, eventos TEDx administrados de forma independente ajudam a compartilhar ideias em comunidades ao redor do mundo. Disponível em: < https://www.ted. com> 11

Conteúdo retirado da Ted Talk de Esther Perel “The routines, rituals and boundaries we need in stressful times”. Disponível em: <https://www.youtube. com/watch?v=wLF7ocNYpR8> Acesso: 12

06/05/2021. “We are not working from home, we are working with home”. Conteúdo retirado da Ted Talk de Esther Perel “The routines, rituals and boundaries we need in stressful times”. Disponível em: <https://www. youtube.com/watch?v=wLF7ocNYpR8> Acesso: 06/05/2021 13

“We usually bring our whole self to work. Right now we are bringing our whole work to our personal world”. Conteúdo retirado da Ted Talk de Esther Perel “The routines, rituals and boundaries we need in stressful times”. Disponível em: <https://www.youtube. com/watch?v=wLF7ocNYpR8> Acesso: 06/05/2021 14


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Figura 15 O projeto. Acervo da autora.


03 | PROJETO 3.0. 3.1. 3.2. 3.3.

O exercício projetual Avenida Berrini: a escolha do terreno Experimentação: a volumetria e a conexão com o parque Projeto


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Figura 16 diagramas autorais sobre o desenvolvimento das propostas de coliving e coworking para o projeto.

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94 3.0. O EXERCÍCIO PROJETUAL

Conforme as reflexões dos primeiros dois capítulos deste trabalho, foi possível perceber o quanto a pandemia serviu como catalisadora para os efeitos das condições de vida que já vêm se moldando como consequência dos avanços tecnológicos na sociedade. O dinamismo, o “isolamento”, a impaciência, a ansiedade, a sensação de que é preciso sempre ser produtivo e eficiente, além do apego à tecnologia e ao mundo virtual em si, são os fatores principais de motivação para o exercício aqui desenvolvido. Isso porque caracterizam um cenário extremamente atual e instável (em constante mudança) que terá consequências futuras no modo como as pessoas se relacionam entre si e com o espaço e, por isso, merece atenção. Mais uma vez, reforça-se o caráter de ensaio deste trabalho,

que não tem como objetivo definir uma solução ao contexto explorado anteriormente, mas apenas instigar o debate acerca de um tema atual e tão importante para a sociedade. Assim, o exercício propositivo deste trabalho busca trazer reflexões para o momento vivido durante a pandemia do Covid-19 em meio aos avanços tecnológicos, e suas repercussões no âmbito social; principalmente nos relacionamentos interpessoais e como eles vêm se modificando pelas rupturas nos modos de morar e trabalhar. Para isso, inicialmente foi realizado um estudo na forma de 2 diagramas (figura 16): o primeiro explorando qual seria a proposta do coliving deste exercício e como ele se diferenciaria dos outros modelos de habitação compartilhada; e o segundo retratando, resumidamente, a evolução dos modos e espaços de trabalho ao longo dos anos e como o coworking poderia ser uma proposta mais interessante para os dias de hoje.


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Como pode-se notar, a proposta do coliving aqui se dá pela junção dos modelos de casa tradicional (com quartos privados e espaços semiprivados, como áreas de estar, espaços de jardinagem e serviços) e de co-housing convencional (com quartos privados e áreas compartilhadas). Assim, nasce a proposta de coliving do exercício projetual: que integra quartos privados, áreas semiprivadas (compartilhadas por apartamento, como a cozinha, a área de serviço, a sala de estar e a de jantar) e áreas compartilhadas comuns (tais como sala de yoga, salão de jogos, terraço, salão de eventos etc.), que podem ser usadas por todos os moradores do complexo, independente do apartamento no qual residem Já a proposta do coliving se dá por meio de um primeiro estudo sobre a evolução dos espaços de trabalho (CALDEIRA, 2015) até a reflexão sobre o que é o espaço de trabalho hoje. Assim, o diagrama ilustra primeiro a era dos cubículos, depois a passagem para espaços mais amplos, integrados e

colaborativos, mas aonde ainda havia o reconhecimento por status (visto pela organização espacial de funcionários no espaço, aonde a “elite”, isto é, os cargos mais altos, geralmente possuíam salas privativas e com iluminação natural e vista para a cidade). O esquema segue a evolução desses espaços de trabalho com a introdução do conceito de “Living Office” 15, da empresa Herman Miller, referência em mobiliário moderno com design inovador, que expressa que o status pode se manifestar de forma democrática no espaço de trabalho. Isso pode ocorrer por meio do uso de layouts abertos e senso de transparência (uso do vidro ou ausência de paredes para divisão de ambientes), além da organização da equipe de modo que os líderes estejam integrados ao resto do time. Assim, a noção de líderes acessíveis, somada aos princípios arquitetônicos de iluminação natural, mobiliário flexível (diferentes usos conforme o momento do dia), biofilia (integração da arquitetura

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96 com a natureza) e a presença de áreas de descompressão e jogos para os funcionários, integram o que passa a ser o novo modelo de escritório para muitas das grandes empresas, como o Google, por exemplo. Em última instância, com a adição dos avanços tecnológicos, junto com a flexibilidade de momento e local de trabalho que eles possibilitam, surge uma nova proposta de trabalho para o momento atual. Mais que isso, inicia-se o questionamento sobre o que exatamente é o espaço de trabalho hoje. Nesse contexto, a proposta de projeto tratada neste trabalho visa explorar um espaço “sem limites definidos”, isto é o complexo de coliving e coworking inspira-se e transforma-se na casa, no ambiente externo e na experiência humana como foco principal. Isso se dá por meio do equilíbrio entre espaços formais e informais, individuais e coletivos, com consistência e adaptabilidade ao mesmo tempo. De modo geral, o complexo de coliving e coworking visa,

assim, explorar o contraste entre: espaço público e privado; espaço individual e coletivo; espaço aberto e fechado. Tudo isso enquanto integra em sua arquitetura um design biofílico, com iluminação natural, mobiliário flexível, espaços integrados e amplos especialmente para o local de trabalho, e a exploração de diferentes cotas, ou alturas, proporcionando diferentes visuais para os habitantes do complexo. Assim, conforme é possível visualizar na figura 17, o projeto foi organizado em 3 grandes pilares. O primeiro é o térreo de uso público, com a presença de estabelecimentos como restaurante, café, salas de estudo, lan house, espaços de multiuso, playground e café. O térreo é também aonde estabelece-se uma conexão com o parque (explicada adiante no capítulo 3.2). Já o segundo pilar trata-se do edifício de coworking: com um primeiro pavimento que contém academia, café e berçário, acessível ao público, nos outros pavimentos ele integra áreas


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individuais e áreas coletivas, formais e informais. O terceiro e último pilar tratase do edifício de coliving, que possui áreas coletivas (áreas comuns compartilhadas por todos os moradores), 3 tipologias de unidade habitacional (espaço privado quarto-banheiro) e 2 tipologias de apartamento compartilhado (com espaço semiprivado: áreas de estar, cozinha e área de serviço), conforme será explicado melhor no capítulo 3.3.

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Figura 17 Diagrama de bolha autoral sobre o programa projetual.

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Figura 18 Ponte Estaiada. São Paulo - SP, Brasil, 2021. Acervo da autora.

3.1. AVENIDA BERRINI: A ESCOLHA DO TERRENO Diante do programa explicitado no subcapítulo anterior, optou-se pela escolha do terreno projetual na zona oeste da cidade de São Paulo no distrito do Itaim Bibi, (no estado de São Paulo, Brasil). O terreno está situado próximo à Avenida Luís Carlos Berrini, conhecida por ser uma centralidade em São Paulo, majoritariamente ZC, abrigando edifícios corporativos e escritórios tradicionais. É uma área articulada e que concentra um significativo afluxo de investimentos para escritórios de empresas transnacionais, mas que está tornando-se desabitada fora do horário comercial, devido, principalmente, aos avanços tecnológicos e as novas formas de trabalho que permitem uma maior

flexibilização quanto ao uso dos espaços (FRÚGOLI JR.; 2006). Por conta dos avanços tecnológicos e do modelo de trabalho híbrido cada vez mais adotado pelas empresas, e que foi catalisado pela pandemia do Covid-19, conforme visto até aqui, os edifícios corporativos tradicionais vêm se tornando obsoletos. As empresas optam por dividir espaços de coworking, ou alugar espaços menores, já que seus trabalhadores não precisam mais comparecer todo dia, o que acaba trazendo, por outro lado, uma série de benefícios em questão de sustentabilidade e redução de custos, conforme foi possível notar ao longo das reflexões deste trabalho. Assim, a escolha do local se dá pela disponibilidade de um terreno que atualmente encontra-se abandonado (ou negligenciado) na proximidade com a Av. Berrini, na intenção de que o projeto do conjunto coworking e coliving possa gerar uma nova dinâmica urbana, auxiliando a tornar a região mais movimentada e atrativa

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independente do horário do dia. Além disso, a ideia é que o programa de térreo público se conecte à Praça Arlindo Rossi, logo em frente ao terreno, criando um ambiente compartilhado que possa ser utilizado tanto pelos moradores e trabalhadores do conjunto, quanto pelos habitantes do entorno. Figura 19 Imagem área do projeto e entorno. Fonte: Google Earth adaptação e edição da autora.

Desse modo, propõe-se a revitalização do parque com o redesenho de um piso mais flexível para atividades recreativas, a implantação de mobiliários urbanos e de um paisagismo agradável no intuito de tornar o local um ponto de encontro para a região; conforme será melhor explicado nos subcapítulos seguintes. Figura 20 Imagem ampliada da área do projeto e entorno. Fonte: Google Earth - adaptação e edição da autora.


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Figura 21 Fotos da área do projeto e entorno. São Paulo, Brasil, 2021.Acervo da autora.

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Figura 22 A integração do projeto com o parque. Acervo da autora

3.2. EXPERIMENTAÇÃO: A VOLUMETRIA E A CONEXÃO COM O PARQUE

Antes de se iniciar o estudo de desenho de piso para revitalização do parque, foi necessário pensar na volumetria do conjunto projetual. Conforme é possível identificar na figura 23, os primeiros estudos de volumetria se deram sob a perspectiva de segregação do projeto em diversos volumes (laranja para representar o coworking e amarelo, para representar o coliving) somados às áreas de comércio (em vermelho) no térreo. Em um tom de laranja mais claro, inicialmente foram realizados alguns testes quanto à localização das áreas coletivas compartilhadas do projeto.

Aos poucos, convencionouse transformar o volume em um único conjunto híbrido (coworking + coliving + térreo público) que explorasse as verticalidades e horizontalidades de acordo com o programa e as atividades de cada espaço. Ainda na figura 23, é possível reconhecer o comércio em vermelho ainda no térreo, enquanto as áreas compartilhadas (laranja claro) seguiam em aberto. Na segunda parte dos estudos volumétricos, iniciou-se a exploração da constituição da volumetria do coliving de acordo com os módulos de unidades habitacionais e seu posicionamento ao longo da edificação (cubos coloridos na imagem da figura 23) e os primeiros estudos do posicionamento das circulações verticais (em rosa escuro na imagem). Na terceira parte dos estudos volumétricos, convencionou-se a definição de uma volumetria de conjunto que fosse “crescendo” conforme se afastasse do parque, de modo a quase “abraçá-lo”.

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Figura 23 Documentação do desenvolvimento da volumetria projetual, por meio do uso do software SketchUp.


108 Além disso, essa volumetria crescente permitiria a exploração das verticalidades e horizontalidades no projeto, trabalhando com diversas cotas para uso de convivência, por meio da criação de rooftops. Ainda na volumetria, convencionou-se centralizar todas as atividades coletivas e compartilhadas de ambos os programas (coliving e coworking)

em um terceiro edifício, que funcionaria como uma espécie de conector, tanto conceitualmente quanto fisicamente, para o projeto. E, para tanto, foi estabelecido que esse edifício chamasse a atenção por seu significado e importância no projeto, tanto por meio da forma, quanto pela materialidade (conforme será explicado no próximo subcapítulo), funcionando como ponto focal (figuras 24 e 25).


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Figura 25 Croqui virtual, desenvolvido durante o atendimento com Kássio Maeda, que me auxiliou a enxergar a potencialidade do uso de um edifício conector na volumetria do projeto.

Figura 24 Croqui autoral desenvolvimento do projeto.

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110 Outro fator levado em consideração para o desenvolvimento da volumetria foi a disposição de um desenho de térreo que possibilitasse que a quadra fosse permeável pelo pedestre e promovesse também uma conexão com o parque. Essa conexão se daria por meio da revitalização do paisagismo e do redesenho do piso do parque para permitir uma maior flexibilidade de usos recreativos. A chamada revitalização no parque tem como proposta promover um resgate da conexão com a natureza, gerar pontos de encontro e momentos de lazer e convivência para a população do entorno, além da integração com o conjunto de coworking e coliving proposto. Contudo, para realizar essa revitalização na Praça Arlindo Rossi, primeiro convencionou-se estudar a região, por meio da realização de 4 mapeamentos: 1) mapeamento de equipamentos; 2) mapeamento de transportes; 3) mapeamento de áreas verdes; 4) mapeamento de sobreposição e conclusão.

No mapeamento 1 (figura 26), os pontos vermelhos representam o mapeamento dos equipamentos presentes no entorno imediato da região do projeto e as linhas mais fortes representam os “fluxos principais” de cada equipamento até o centro do parque. As linhas mais finas representam os chamados “fluxos secundários”, isto é, de todos os equipamentos entre si. Assim, esse mapeamento permite compreender, em linhas de traço reto e percurso direto, os possíveis caminhos mais importantes entre os equipamentos e o parque, insinuando onde ocorreria maior caminhabilidade. Além disso, é possível notar que a região não conta com muitos equipamentos em seu entorno imediato, sendo eles apenas educacional (ensino fundamental, médio e técnico), eventuais feiras livres, e equipamentos de cultura (teatro/cinema/shows). Figura 26 Mapeamento 1: Equipamentos. Figura 27 Mapeamento 2: Transportes.



112 No mapeamento 2 (figura 27), os pontos azul-escuros representam os pontos de ônibus do entorno e o ponto azul claro, o bicicletário. Assim, foram traçadas linhas em azul escuro para representar a caminhabilidade do parque até os pontos de ônibus e bicicletário. E foram traçadas linhas em azul claro para representar aonde estão os maiores fluxos de movimentação dos modais de transporte (sejam eles linhas de ônibus, rede ciclo viária, carros, corredores de ônibus, e metrô zona origem-destino). No mapeamento 3 (figura 28), os círculos verde-claros representam as regiões mais significativas aonde há área verde no entorno imediato, porém tratam-se todas de áreas privadas. Partindo disso, foram traçadas linhas de ligação entre essas áreas e o parque em estudo para a área projetual, representado em verde escuro. Nota-se que a região apresenta uma carência de áreas verdes públicas (verde escuro), contando apenas com o parque em estudo, e o restante são as

áreas verdes privadas de prédios comerciais ou residenciais, além da arborização viária. O mapeamento 4 (figura 29) representa a sobreposição de todos os mapeamentos anteriores, aonde pode-se perceber quais são as principais intersecções de fluxo (destacadas em círculos roxos), o que serve de princípio para a determinação dos caminhos e paisagismo do projeto proposto no parque e térreo da quadra vizinha. Dando continuidade ao experimento para propor um melhor projeto de revitalização para o parque, cria-se um último mapa desenho (figura 30). Nele, as setas vermelhas representam os fluxos principais de pessoas de acordo com os estudos de mapeamentos anteriores (diante do percurso natural urbano contornando quadras, isto é, sem ser em linha reta).

Figura 28 Mapeamento 3: Áreas verdes. Figura 29 Mapeamento 4: Síntese



114 Por meio desses fluxos naturais, representados pelas setas vermelhas no mapa desenho (figura 30), foi possível estabelecer por onde as pessoas chegariam no parque em estudo e na quadra projetual. Em paralelo, ainda nesse último mapa, foram traçados os círculos como centralidades aonde foram definidas as principais intersecções de fluxos, segundo o mapeamento 4. A partir disso, optou-se por introduzir piso seco (representado pela cor laranja nesse mapa da figura 30) para essas áreas aonde acredita-se que seriam os melhores pontos de convivência e com maior circulação de pessoas. No parque, isso foi definido pelo mapeamento dos estudos anteriores, enquanto que na quadra de estudos, aonde se instala o complexo de coliving e coworking, o piso seco (laranja no mapa), foi definido de modo a conversar com a ideia do parque de uma centralidade na quadra. Além da ideia da centralidade na quadra (círculo vermelho no mapa - figura 30), o piso seco

(laranja no mapa) na posição em que está foi definido de acordo com o programa sugerido para o térreo público do projeto: que consta com atividades que poderiam se estender para fora do edifício em diferentes momentos do dia, seja por meio de mobiliários urbanos, fixados na quadra, ou mesmo por mobiliários ditos temporários, como cadeiras e mesas de restaurante, café, etc. Tais mobiliários “temporários”, poderiam ser dispostos fora das edificações de acordo com a movimentação de pessoas, clima e de modo a aproveitar os diferentes momentos do dia/noite. Por fim, para gerar a caminhabilidade no paisagismo do parque, foi representado em verde, ainda no mapa final (figura 30), o caminho principal que faria a ligação entre o parque e a quadra de estudo. Definido como o caminho principal do projeto (e mais largo também), é por onde seria incentivada a maior circulação de pessoas, chegando de outras quadras para permear o projeto.


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Enquanto isso, em linhas vermelhas, foram traçados os caminhos secundários (mais estreitos), aonde ocorreriam as circulações secundárias para permear o projeto. Por conta desse estudo, também foram liberadas as esquinas do projeto na quadra, uma vez que a edificação está sob pilotis nesses pontos, permitindo a livre circulação pelas esquinas da quadra no térreo. Com todo esse estudo e processos de experimentação, espera-se, assim que a região interligada crie um eixo de equipamentos que sirva tanto para o público do coworking e coliving, quanto da população do entorno, em especial dos conjuntos habitacionais do Jardim Edite, que representam o entorno imediato.

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Figura 30 Mapa desenho. Estudo final de experimentação para o desenho do parque.


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Figura 31 Coletânea de desenhos que mostram alguns dos estudos de desenvolvimento da experimentação no parque. Autoral.

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Figura 32 Conjunto projetual visto da esquina de outra quadra. Acervo da autora

3.3. PROJETO

Conforme visto no início do capítulo 3, o projeto estrutura-se em 3 pilares: térreo de uso público e conectado com o parque, edifício de coliving e edifício de coworking. No térreo, estão localizadas as recepções para o coliving e coworking, assim como estabelecimentos que tanto os usuários do coliving e do coworking, quanto os moradores da região do entorno, possam fazer uso: restaurante, café, lan house, sorveteria, e espaço de leitura/ estudo. Ainda no térreo, há a conexão com o parque, que foi redesenhado como um modo de promover mais e melhores usos para um espaço importante da região. Conforme visto no subcapítulo anterior de

experimentação, esse é o único parque público do entorno imediato da região e, por isso, merece uma atenção especial. Para isso, o redesenho do parque foi pensado como mais um ambiente de compartilhamento e convivência, por meio do resgate da conexão com a natureza em um ambiente tão urbano. Assim, o parque visa tornarse um ponto de encontro para a população da região e um espaço recreativo, por meio da proposta de um piso de quadra flexível, (que se constitui na verdade da junção de duas quadras esportivas convencionais), para a criação de nichos esportivos que podem ser usados simultaneamente, sem a formalidade de uma quadra esportiva convencional (figura 36). Com isso, esse espaço de “quadras flexíveis” proposto no parque, além de promover um local divertido de encontro, está rodeado por uma pequena arquibancada, que promove um espaço de permanência, principalmente para pais que acompanham suas crianças brincando na quadra, por

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120 exemplo (figura 36). Além disso, o parque conta também com uma generosa área de piso seco para feiras livres, foodtrucks, andar de bicicleta, patins ou skate. Há também caminhos mais largos e mais estreitos para caminhada acompanhados de espelhos d’água (para promover leveza e equilíbrio como em um ambiente natural), espaços de playground para recreação infantil, assim como decks de madeira para promover momentos de descanso. No primeiro pavimento do coworking, há uma academia com vestuários, sala de ginástica e musculação, um espaço para café e um berçário ou brinquedoteca (acompanhado de sua respectiva área administrativa e de recepção), para uso tanto dos residentes ou trabalhadores do complexo, quanto para outros moradores da região. Nos outros pavimentos de coworking, há diferentes sugestões de layout para ambiente de trabalho, abordando tanto áreas individuais (com mesas privativas

e cabines telefônicas), quanto áreas coletivas formais (salas de reunião, de trabalho, laboratório multimídia) e informais (salas de descompressão, espaço para eventos). Isso tudo integrado às áreas externas promovidas pelos diferentes terraços em cada pavimento, aonde é possível tanto um momento de convivência entre funcionários, quanto um momento de relaxamento individual ao longo do dia. O edifício de coliving abriga 3 tipologias de unidade habitacional (quarto, banheiro e terraço): uma para uma pessoa individual (20 m²), outra para uma pessoa individual que queira mais espaço, ou um casal que aceite menos espaço (25 m²) e uma última para um casal (32,5 m²). Para o coliving, optouse pelo projeto de unidades habitacionais contendo apenas o momento considerado “individual e privado” de cada pessoa, isto é, o quarto, o banheiro e um pequeno terraço acoplado. As outras áreas consideradas compartilháveis, aonde ocorreria


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de fato uma integração entre os residentes constituem a sala de estar, a cozinha, a área de serviço/ lavanderia e a sala de jantar (figuras 50 e 51). Assim, até o terceiro pavimento da edificação, as unidades de habitação estão dispostas ao longo do corredor do andar, que conta com espaços amplos semiprivados (lavanderia, cozinha, espaço de estar e jantar) para serem compartilhados pelos residentes daquele andar. Já a partir do terceiro pavimento, as unidades habitacionais são organizadas de modo a formar 2 tipologias de apartamento compartilhado: uma para 3 a 4 pessoas, e outra para 4 pessoas ou 2 casais. Nesses pavimentos, as áreas semiprivadas (lavanderia, cozinha, espaço de estar e jantar) são compartilhadas por apartamento e não mais por andar. Além desses 3 pilares explorados acima, um último elemento que é essencial para a proposta projetual, tanto por seu conceito, quanto pela forma de

união de todas as propostas, é o edifício conector. Esse edifício é onde propõese o acontecimento das atividades coletivas e compartilhadas por todo o complexo (coliving e coworking). Ele não possui núcleo de circulação vertical (escadas e elevadores), justamente por ser de acesso restrito aos habitantes do conjunto; assim, seu acesso de dá ligando-se por passarelas treliçadas ora ao coliving, ora ao coworking, de acordo com a atividade coletiva proposta ao pavimento em questão. Por exemplo: o terceiro pavimento possui uma área de convivência que se liga apenas ao edifício de coliving, enquanto que o quinto pavimento possui um espaço de descompressão que se liga apenas ao edifício de coworking. No que se refere à materialidade e estrutura do projeto, optou-se pela escolha do concreto armado, com exploração da iluminação natural por meio do uso do vidro, principalmente no edifício de coworking aonde a iluminação natural é comprovadamente

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122 benéfica e essencial para configurar um melhor ambiente de trabalho (figura 60). Por isso, convencionou-se utilizar elementos de brise vertical em madeira Ecofront, fixados na laje, tanto para o coworking, quanto para o coliving, a fim de que ambas as edificações sigam uma mesma linguagem. Contudo, no edifício de coliving, convencionouse ainda a implantação de painéis ripados/brises horizontais de madeira ecológica Ecofront, de correr com esquadrias de alumínio, para conferir maior privacidade aos terraços das unidades habitacionais (figura 54). Por fim, no edifício de atividades compartilhadas, optouse pela execução de uma espécie de prisma de vidro espelhado, com cobertura triangular apoiada por treliças, ainda na proposta de diferenciá-lo dos outros dois (coliving e coworking), ao mesmo tempo em que chama a atenção por integrar as outras duas edificações. Isso se deu por meio do uso de uma pele de vidro duplo com película solar espelhada, que

retém o calor e grande percentual da luz. Seguem, na sequência as imagens e desenhos técnicos do projeto, para devida ilustração de todos os itens acima explicados.


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Figura 33 Imagem da proposta do conjunto coliving e coworking conectado ao parque.


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Figura 34 Implantação do projeto: conjunto coliving e coworking + conexão com o parque


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Figura 35 Imagem do projeto sob a visão do observador: caminho principal do parque


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Figura 36 Imagem do projeto sob a visão do observador: piso flexível recreativo do parque + arquibancada


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Figura 37 Planta do térreo do projeto


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Figura 38 Planta do subsolo do projeto


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Figura 39 Planta do 1º pavimento


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Figura 40 Planta do 2º pavimento


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Figura 41 Planta do 3º pavimento


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Figura 42 Planta do 4º pavimento


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Figura 43 Planta do 5º pavimento


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Figura 44 Planta do 6º pavimento


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Figura 45 Planta do 7º pavimento


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Figura 46 Planta do 8º pavimento


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Figura 47 Planta da cobertura + planta do ático


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Figura 48 Volumetria e praça interna

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Figura 49 Volumetria fachadas


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Figura 50 Os 3 módulos de unidade habitacional


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158 Figura 51 As duas tipologias de apartamento compartilhado


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Figura 52 Unidade habitacional: 1 pessoa ou 1 casal

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Figura 53 Sala de estar - apartamento compartilhado Coliving


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Figura 54 Ampliação de corte e elevação - Coliving


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Figura 55 Ampliação da planta do a p a r t a m e n t o compartilhado para 3 ou 4 pessoas acabamentos


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Figura 56 Corte A.A’

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Figura 57 Corte B.B’


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Figura 58 Corte D.D’

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Figura 59 Corte C.C’


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Figura 60 Espaço de coworking - sugestão de layout

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Figura 61 Perspectiva da volumetria indicação das elevações

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Figura 62 Elevação 1


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Figura 63 Elevação 2 e detalhe da pele de vidro do edifício conector

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Figura 64 Elevação 3


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Figura 65 Elevação 4


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Figura 66 Volumetria vista da esquinadestaque para edifício conector

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Figura 67 Volumetria vista da esquina


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Figura 68 Conexão - natureza. Hannover, Alemanha, 2020. Acervo da autora


CONSIDERAÇÕES FINAIS Últimas reflexões


192 ÚLTIMAS REFLEXÕES

Se por um lado o vírus foi responsável por ocasionar a morte precipitada de uma grande parcela da população, assim como por gerar prejuízos de ordem social, acadêmica, salutar, econômica e talvez até política, por outro lado, também vem operando como professor na quebra de paradigmas que não mais se encaixam na sociedade contemporânea; ensinando que existem (e podem ser implementados) outros modos de viver. Segundo o doutor em Sociologia do Direito, Boaventura de Sousa Santos, em capítulo intitulado “Vírus: tudo o que é sólido desmancha no ar”, do livro “Quarentena: reflexões sobre a pandemia e depois” (2020), - que reúne um compilado de textos e reflexões de mais de 20 autores sobre a pandemia -, o vírus não deve ser considerado como uma situação de crise levando em

conta apenas o viés negativo da situação. “A ideia de crise permanente é um oximoro, já que, no sentido etimológico, a crise é, por natureza, excepcional e passageira e constitui a oportunidade para ser superada e dar origem a um melhor estado de coisas” (ISONI et al., 2020, p. 45). Sendo assim, segundo Birman (2021): Devemos aproveitar essa experiência radical de descontinuidade normativa, promovida pela pandemia, para transformar a crise catastrófica e negativa que nos atingiu em condição concreta de possibilidade para uma mudança positiva no espaço social, colocando em questão todas as iniquidades e disparidades anteriormente naturalizadas que caracterizam a nossa vida e existência, e que não nos representam mais (BIRMAN, 2021, p. 92).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Boaventura de Sousa Santos (2020) discorre sobre o que ele descreve como “a elasticidade do social”, isto é, a capacidade de mudança dos fatores sociais que regem os modos de vida na sociedade. Segundo o autor, em cada época histórica, os modos dominantes de viver (trabalho, consumo, lazer e convivência) e de antecipar ou adiar a morte, são relativamente rígidos e, de certo modo, previsíveis, já que parecem decorrer de um fluxo natural das coisas. É fato que eles vão se alterando constantemente, mas sempre de modo leve e que passa desapercebido. Entretanto, a irrupção da pandemia causou um choque nesse tipo de mudança leve e contínua, exigindo mudanças drásticas e de forma rápida. E, de repente, elas tornam-se possíveis como se sempre tivessem sido. Segundo Santos (2020) em reflexão do livro “Quarentena: reflexões sobre a pandemia e depois”:

A ideia conservadora de que não há alternativa ao modo de vida imposto pelo hipercapitalismo em que vivemos cai por terra. Mostra-se que só não há alternativas porque o sistema político democrático foi levado a deixar de discutir as alternativas. Como foram expulsas do sistema político, as alternativas irão entrar cada vez mais frequentemente na vida dos cidadãos pela porta dos fundos das crises pandêmicas, dos desastres ambientais e dos colapsos financeiros. Ou seja, as alternativas voltarão da pior maneira possível (ISONI, et al., 2020, p. 46).

A pandemia, assim como todos os desastres naturais, serviu para ressaltar a fragilidade do ser humano que, com um discurso arrogante tecnocientífico e de razão, se colocou no papel de dominador e esqueceu que, antes de dominar a natureza, ele

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194 é parte integrante dela e como tal, deve respeitá-la. Além disso, o momento pandêmico serviu para lembrar a humanidade que os fins não justificam os meios e que, apesar da importância da atividade econômica, o seu abrandamento teve também um lado positivo: a diminuição da poluição atmosférica e marítima, por exemplo (ISONI, et al., 2020). É fato que a pandemia revelou o pior da humanidade, na forma de preconceitos entre classes, gêneros, etnias, racismo e desigualdades sociais que, até então, muitas vezes passavam velados pela sociedade, mas que a força midiática e um vírus invisível foram capazes de trazer à tona cada vez mais ultimamente (BIRMAN, 2021). Dessa forma, o vírus surge como um fator positivo para enunciar, em alto e bom tom, que a humanidade deve aproveitar essa experiência radical de descontinuidade normativa, promovida pela pandemia, para repensar muitos de seus valores que não representam mais o

imperativo de vida e de existência para muitos ao redor do globo. Não somente no sentido social e de relacionamentos interpessoais, mas também nos valores de relação com a natureza. Isso porque, inegavelmente, com o crescente aumento da população mundial, que atualmente já conta com 7,6 bilhões de habitantes e deve subir para 8,6 bilhões em 2030, segundo relatório de 2017 da ONU (Organização das Nações Unidas), o rápido desenvolvimento da tecnologia e economia resulta em um enorme impacto no meio ambiente (GRUBER, 2011). E, enquanto o ser humano não souber conviver em harmonia com o meio ambiente, respeitando-o e aprendendo com ele, os desastres naturais irão, muito provavelmente, continuar acontecendo. Como consideração final, além das reflexões teóricas até aqui apresentadas, vale lembrar a importância do papel da arquitetura como contribuinte para a formação da sociedade e seus valores. A arquitetura molda


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os modos de viver na sociedade, e é influenciada na mesma medida em que influencia os princípios, paradigmas e éthos. Sendo assim, é ressaltada aqui a relevância do exercício projetual, como modo de fomentar a reflexão acerca das possibilidades de moradia, trabalho, e organização da cidade. Mais que isso, o exercício aqui proposto tem como estímulo debater sobre como esse funcionamento urbano pode ser moldado, de acordo com projetos arquitetônicos (atuais e futuros) que sejam mais do que um fomento ao mercado imobiliário, mas um estudo social e embasado, que seja capaz de propor uma melhor estrutura e qualidade de vida para a população de modo geral. Para tanto, é importante levar em conta alguns dos conceitos projetuais que podem ser responsáveis por promover essa melhoria, como, por exemplo, o respeito ao local de inserção urbana, ou rural, evitando desmatamentos, respeitando o relevo natural na medida do possível e o entorno e contexto social. Além disso, alguns

fatores interessantes a se pensar durante o exercício projetual, são o aproveitamento da iluminação e ventilação natural, a biofilia, a integração com a natureza do entorno, os espaços de convivência e as áreas públicas como forma de integração com a cidade. Segundo o arquiteto e designer croata, Marko Brajovic, especializado em tecnologia biomimética, é imprescindível que cada profissional da área de arquitetura, design e construção desenvolva uma relação de respeito com o meio ambiente, que vai desde o conhecimento da origem de todos os materiais, até a consciência de que é necessário fazer uso deles de modo inteligente e proveitoso (OLIVEIRA; RAMOS, 2019). Brajovic diz ainda que, “no século XXI, a arquitetura não tem mais muito o sentido de existir nos paradigmas como antes, ou de seguir estilos”, ressaltando que o melhor caminho, para a arquitetura contemporânea, é o de “se alinhar com as forças da natureza, não tentar combatê-las” 16 (OLIVEIRA;

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196 RAMOS, 2019). Além disso, a pandemia aqui estudada serve de exemplo para como essa experimentação arquitetônica deve ser constante, pois, assim como os problemas variam e a contemporaneidade vai, constantemente, apresentando novos desafios, a natureza também trabalha de forma evolutiva e nunca tem um produto final. Logo, basta acompanhá-la e ir estudando suas novas possibilidades conforme elas forem surgindo, para se ter sempre novas inspirações que, aliadas à constante evolução da tecnologia (Revolução 4.0) e ao estudo social, seja possível sempre a proposição de novos modelos arquitetônicos que acompanhem essas mudanças e fomentem melhorias para a sociedade em todos os campos (social, individual, ambiental, econômico).

NOTAS

Dados obtidos por meio de entrevista pessoal com o arquiteto e designer Marko Brajovic em seu atelier, em São Paulo, 21 maio 2019, durante pesquisa da XV Jornada de Iniciação Científica e IX Mostra de Iniciação Tecnológica – 2019, Mackenzie. Programa Institucional de Iniciação Científica – ISSN 2526-4699. Artigo disponível em: <http:// eventoscopq.mackenzie.br/index.php/ jornada/xvjornada/paper/view/1487> 16

Fala de Paulo Mendes da Rocha, grande arquiteto e urbanista brasileiro, em entrevista ao El País, conduzida pelo jornalista Tom C. Avedaño no dia 8 de novembro de 2018. Disponível em: <https:// brasil.elpais.com/brasil/2018/10/08/ cultura/1539001730_157977.html> Acesso em: 28/11/2021. 17


CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Figura 69 Horizonte. Hannover, Alemanha, 2020. Acervo da autora


CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Bom, qual é o objeto, o objetivo da arquitetura? Eu poderia dizer: ‘amparar a imprevisibilidade da vida’. Há quem pense que o arquiteto faz, no sentido dos aspectos funcionais da questão, algo para que as pessoas se comportem de determinado modo. Não. A arquitetura apenas para entendidos é sempre um desastre. Tem que ser entendida por qualquer um. Quando se faz uma casa para esse infame mercado, não se está fazendo uma casa para ninguém. O músico terá um piano, o criador de passarinho terá 10 gaiolas, e depois de alguns anos vão vender para outra pessoa. A casa se transforma. No fundo, a arquitetura somos nós, e uma cidade é feita mais dos comportamentos dos homens do que das construções. A arquitetura ampara essa imprevisibilidade da vida” PAULO MENDES DA ROCHA 17

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