INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO DE JANEIRO CURSO BACHARELADO EM PRODUÇÃO CULTURAL
BÁRBARA AZEVEDO SANTOS
COMO SE JOGA O BAIÃO: DISCURSOS, REPRESENTAÇÕES E EXPERIÊNCIA NO FORRÓ PÉ-DE-SERRA DO RIO DE JANEIRO
IFRJ - NILÓPOLIS 2015
BÁRBARA AZEVEDO SANTOS
COMO SE JOGA O BAIÃO: DISCURSOS, REPRESENTAÇÕES E EXPERIÊNCIA NO FORRÓ PÉ-DE-SERRA DO RIO DE JANEIRO
Monografia apresentada à coordenação do curso Bacharelado em Produção Cultural, como cumprimento parcial das exigências para conclusão do curso. Orientador: Prof. MS. Ricardo Moreno de Melo
IFRJ – NILÓPOLIS 2º SEMESTRE/2014
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO DE JANEIRO CAMPUS DE NILÓPOLIS CURSO BACHARELADO EM PRODUÇÃO CULTURAL
BÁRBARA AZEVEDO SANTOS
COMO SE JOGA O BAIÃO: DISCURSOS, REPRESENTAÇÕES E EXPERIÊNCIA NO FORRÓ PÉ-DE-SERRA DO RIO DE JANEIRO
Monografia apresentada à coordenação do Curso Bacharelado em Produção Cultural, como cumprimento parcial das exigências para conclusão do curso.
Aprovada em _______ de ___________________ de 2015. Conceito: _____________ (______________________).
Banca Examinadora
_____________________________________________________________ Prof. Mestre Ricardo Moreno de Melo (Orientador / IFRJ) _____________________________________________________________ Prof. Mestre Jupter Martins de Abreu Junior (IFRJ) _____________________________________________________________ Prof. Doutor Marcelo de Castro Lopes (Rede Municipal de Duque de Caxias – RJ)
Ă€ Lourdes Maria e Amir Geiger.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador Ricardo Moreno de Melo pela paciência, diligência e bom humor. Aos professores que, de alguma forma, continuarão contribuindo em minha trajetória e formação humana. Aos companheiros que me fortalecem diariamente com suas amizades e a todos que somaram a este trabalho, em especial Marco, Juliana, Alexandre, Andreia, Breno, Bruno, Conrado, Daniel, Fabio, Karen, Karoline, Lívia, Luiza, Maria, Marina, Maylin, Melinda, Negra, Pedro, Thais. À minha família por todo incentivo e inspiração. Por fim, a todos que levaram e levam à frente o forró.
RESUMO
A cultura do forró no Rio de Janeiro se desenvolve com o sucesso de Luiz Gonzaga a partir dos anos 1940 e atravessa as décadas seguintes gerando novas reapropriações pelo mercado e também discursos em torno da “tradição” e “autenticidade”, acabando por polarizar, a partir da década de 1990, os estilos “forró eletrônico” e “forró pé-de-serra”. Nesse contexto, é frequente o risco de se abordar movimentos urbanos contemporâneos, ligados à "cultura popular”, em relação às concepções românticas da cultura de modo a induzir, muitas vezes, a percepções simplistas sobre a falsa oposição entre "tradicional" e "moderno". Desse modo, o presente trabalho busca acrescentar perspectivas às compreensões de tais movimentos, investigando as valorações que circulam entre frequentadores de forró “pé-de-serra” de um determinado evento da cidade do Rio de Janeiro, sinalizando as relações dialéticas da cultura e promovendo a ideia de jogo, segundo Johan Huizinga, como elemento primário na formação da sociedade. Palavras-chave: Forró Pé-de-serra. Tradição. Jogo.
ABSTRACT The culture of forró in Rio de Janeiro was developed with Luiz Gonzaga’s success from 1940’s onward and crosses the following decades creating new reinterpretations from the industry and also speeches around “tradition” and “authenticity”, ending up with a polarization, from the decade of 1990, in “electronic forró” and “forró pé-de-serra” styles. In this context, there is a high risk of approaching modern urban movements, connected to popular culture, and related to the romantic conceptions of culture in a biased way, to simplistic perceptions concerning the false opposition between “traditional” and “modern”. Thereby, the present essay seeks to add perspectives to the comprehension of these movements, investigating valuations that circulate between regulars of forró “pé-de-serra” of a Rio de Janeiro’s city particular event, indicating dialectic relations of the culture and promoting the idea of game, according to Huizinga, as a primary element in society formation. Keywords: Forró Pé-de-serra. Tradition. Game.
SUMÁRIO
1.
INTRODUÇÃO................................................................................................
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2.
INVENÇÃO E INDÚSTRIA: breve contextualização do surgimento do baião.................................................................................................................. FORRÓ ELETRÔNICO E FORRÓ UNIVERSITÁRIO NOS ANOS
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3.
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1990: suas diferentes apropriações e discursos ............................................ 3.1
O forró eletrônico.............................................................................................
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3.2
O forró universitário.......................................................................................
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4.
ESTUDO DE CASO COM O PÚBLICO DO FORRÓ DO GRUPO
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CARAMUELA................................................................................................. 5.
CONCEPÇÕES SOBRE A MODERNIDADE E A TRADIÇÃO PARA
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UMA LEITURA DA CULTURA PÉ-DE-SERRA....................................... 6. 7.
DAMAS, CAVALHEIROS, REGRAS: observações sobre o forró em sua estrutura de jogo....................................................................................... CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................
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REFERÊNCIAS...............................................................................................
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APÊNDICE – Entrevista.................................................................................
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1. INTRODUÇÃO
Desde muito cedo me instigava a manifestação da brincadeira na vida adulta, pois era na “diversão” e no “fingimento” que os percebia mais próximos a mim, então criança. Com a passagem dos anos e a partir de experiências e reflexões desenvolvidas, principalmente, durante o Curso de Produção Cultural, tal questionamento foi se tornando mais nítido, de modo que percebi com mais clareza um interesse por que caminhos podem seguir o poder de abstração, ligado ao universo lúdico, tão associado e valorizado na fase infantil. A presente pesquisa representa parte desse processo de vivências e indagações vinculadas à temática do lazer e suas relações na cultura. Escolher o forró como objeto de pesquisa me ocorreu um tanto subitamente, de modo que considero importante incluir aqui um breve relato sobre o processo de captura dos problemas que impulsionaram este texto. Participo de eventos de forró “pé-de-serra” (ou do movimento forró pé-de-serra como consideram alguns) na cidade do Rio de Janeiro por pelo menos quatro anos, sendo que desde os últimos dois anos minha presença se tornou muito frequente, geralmente semanal. Tal “assiduidade” foi observada por mim como uma tendência comum, estimulando a formação de redes de amigos ou “conhecidos” por causa da prática de forrozear. Essa mesma assiduidade, reparei, causa estranhamento, não entendimento e até mesmo “riso” em muitas pessoas que fazem parte do círculo social dos forrozeiros mas não compartilham deste hábito, desta cultura. Em dia de forró, em geral, eu tinha em mente que deveria ir, já para o trabalho, com uma roupa também “apropriada” para a dança, mediando “sobriedade”, conforto e muitas vezes algum acessório para dar “alguma alegria a mais”, para mais tarde ativar uma outra presença no salão. Além disso, ainda encontrar amigas também assíduas e pessoas queridas das quais nem de todas soube mais que o nome, pois as chaves do contato dispensavam a palavra, embora estimulassem muitos sorrisos e expressões faciais diversas, possibilitando agora uma engraçada associação com um “filme mudo”, mas, na verdade, muito mais “altas” do que pudéssemos falar, eram as gravações das músicas, muitas vezes chiadas, que estavam sendo executadas pelo DJ, ou mesmo os forrós que a banda estava tocando para que o forró pudesse acontecer. Um dia desses, porém, resolvi ir sozinha ao forró e a falta de companhias para as quais pudesse me voltar, enquanto não estava dançando, possibilitou que eu observasse com mais detalhes os movimentos do salão, as expressões de prazer, de esforço, de
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expectativa, as formas de dançar, entre outras coisas, que me faziam refletir sobre aquelas manifestações. Neste momento, pensei: gostaria de escrever sobre forró. Algum tempo depois, em uma “visita” à Feira de Tradições Nordestinas, a fim de almoçar, acabei me deparando com uma livraria, meio “sebo”, na qual entrei com curiosidade e logo visualizei um banner de divulgação de um livro chamado “O Fole Roncou! Uma história do forró” (MARCELO; RODRIGUES, 2012). Aproximei-me da única pessoa presente no espaço, um senhor idoso, provavelmente o dono, e perguntei quanto custava. De início, achei um pouco caro e perguntei se não havia ali algum outro, entre os livros usados, sobre a história do forró, recebendo prontamente uma resposta negativa. Achei que ele estava “querendo vender” e fui procurar por conta própria, não encontrei nada sobre história do forró. Ponderei e comprei o livro novo, pois pensar “uma história do forró” para mim seria uma experiência completamente nova e, até aquele momento, muito pouco ou não imaginada. No pagamento, o senhor tentou me garantir em tom de conselho: “você está levando uma coisa boa”. Algumas semanas depois, terminado de ler o livro e concordando com o vendedor, defini que o forró seria com certeza o tema da minha monografia. Todavia, a empolgação com o livro e com as noites de forró não me ajudava, em princípio, a ver... problemas. “Qual problematização eu poderia construir em cima de uma prática festiva, ponto de encontro de tantas pessoas, promotora de criatividade e relacionamentos e que ainda tende a transmitir um clima tão agradável, que versa com uma espécie de simplicidade e despreocupação?” pensava eu, ingenuamente, pela pouca prática científica e, sobretudo, por ser uma “forrozeira”. Até que, enfim, restou-me refletir sobre uma pergunta óbvia: Por que estamos aqui? A partir desse momento, passei para uma espécie de escavação em torno dos interesses e símbolos com os quais eu me via em contato constante, mas sem reparar devidamente (cientificamente). Nesse sentido, pude observar de forma mais ampla a ocorrência de manifestações ligadas a elementos “tradicionais” e de “cultura popular” na cidade, as quais contavam com a presença de grupos observados em determinados eventos de forró pé-de-serra. Aliada a tal percepção, a consciência das já antigas discussões “públicas” que colocam em embate “forró pé-de-serra” e “forró eletrônico” impulsionaram a problemática da presente pesquisa, que buscou averiguar os interesses que norteavam os públicos forrozeiros, avaliando em que medida por eles são articuladas, reivindicadas e procuradas, em suas práticas culturais, características associadas às “tradições populares”.
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Foi, então, selecionado um evento de forró pé-de-serra na cidade do Rio de Janeiro, o qual eu já frequentava há vários meses, e aplicadas entrevistas a um grupo de 15 pessoas, frequentadoras de tal evento, a fim de que se pudesse conhecer os discursos e motivações que os envolviam na cultura do forró pé-de-serra. Ao fim, os resultados apontam para elementos primários que estariam na formação das culturas e para uma forte relação com o tempo presente por parte de determinados movimentos culturais urbanos.
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2. INVENÇÃO E INDÚSTRIA: breve contextualização do surgimento do baião A etimologia da palavra “forró” não é bem definida, decorrendo de duas principais versões: a primeira sugere uma derivação da expressão “forrobodó”, que seria de origem africana, designando, segundo o dicionário Michaelis (2009), “sm 1 Baile reles; forró. 2 Festança. 3 Confusão, desordem.”. A segunda versão, menos considerada entre os estudiosos, é a de que se trata de uma derivação do termo “for all” (para todos), o qual sinalizava festas abertas à população promovidas por ingleses durante a construção de estradas de ferro no nordeste (SILVA, 2003). Na linguagem corrente, no entanto, o termo “forró”, sobretudo pela disseminação através da indústria musical a partir dos anos 40, passou a corresponder não apenas ao local onde se vai dançar, mas aos próprios gêneros musicais que lhe são próprios, como o baião, o xote, o xaxado, entre outros, além de também designar as danças que acompanham seus ritmos. Desta maneira, a expressão teve seu campo de significado ampliado, podendo ser interpretada de acordo com contexto específico; às vezes estilo musical, outras como ambiente de música e dança e ainda como tipo de dança. A fim de orientar a compreensão desta pesquisa, será adotada a acepção de forró enquanto espaço onde se costuma dançar e são executados seus gêneros musicais, como o baião, o xote, xaxado, entre outros. A respeito da expressão “Pé-de-serra”, enquanto forma de categorização musical, esta é inicialmente promovida pelo artista Luiz Gonzaga (2012), considerado o “Rei do Baião”, como referência à sua terra natal, cidade de Exu, localizada ao pé da serra do Araripe (PE). Era lá onde o mesmo ouvia os ritmos que se tornaram fontes de seu repertório musical e o lugar cujas vivências inspirariam a visualidade e a poética selecionadas para ilustrar sua extensa obra. Em 1946, é composta a canção “No meu Pé-deserra”, imprimindo o termo:
Lá no meu pé-de-serra Deixei ficar meu coração Ai, que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertão No meu roçado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Lá se dançava quase toda quinta-feira Sanfona não faltava e tome xote a noite inteira (GONZAGA; TEIXEIRA, 1946)
A partir desta letra, já é possível observar um direcionamento estético que seria o
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grande mote da carreira de Gonzaga; sua constante representação “do nordeste” e “do nordestino”, geralmente por um viés saudoso do modo de vida de seu lugar de origem, ou narrando sua “triste partida”. Todavia, Luiz Gonzaga, logo em sua chegada à cidade do Rio de janeiro, em 1939, usava a sanfona para tocar músicas estrangeiras no bairro boêmio do Mangue, sobre este período, o próprio Gonzaga dizia “assassinar” tangos argentinos, valsas vienenses, boleros latinos e outros importados, os quais foram sendo substituídas pelas músicas baseadas em suas perspectivas do nordeste, tendo como referência certos artistas nordestinos que cantavam em programas de rádio como “A hora sertaneja” e mesmo pela figura particular de Augusto Calheiros, alagoano que fez sucesso no Rio de Janeiro, no fim dos anos 1920, cantando “músicas divertidas” (“Pinião”, “Os três matutos”) e temas referentes ao sertão, tornando-o conhecido como Patativa do Norte (MARCELO; RODRIGUES, 2012). Com a captura e reconhecimento destas influências, a percepção de Luiz Gonzaga passa a compor uma imagética do “Forró Pé-de-serra” que contemplará, além de questões sociais ligadas às condições climáticas, figuras específicas e populares no nordeste, contribuindo para a construção de uma visão sobre “nordestinidade”, já expressada em outras grandes obras da produção cultural da região, a exemplo da conceituada literatura conhecida como “romance de 30”. Luiz Tavares Junior comenta ícones do imaginário popular nordestino e o misticismo em torno dos mesmos, o qual é reafirmado, também, através das linguagens no forró: Assim, o cantador, o beato, e o cangaceiro são os três tipos mais visíveis da cultura nordestina, indeléveis na memória coletiva, perenes, enquanto a força do mito, de que se revestem, permanecer, servindo, por vezes, de sustentáculo, paradoxalmente, aos sentimentos de nordestinidade e, em certo sentido, de brasilidade, de uma brasilidade mais ancestral. (TAVARES JUNIOR, 2006, p. 249)
A obra de Gonzaga e a dos demais artistas do mesmo estilo, nesse sentido, contribuem para uma interpretação estereotipada da região nordestina, servindo como representação até os dias atuais. Tal “nordestinidade” teve (e tem), como um dos pilares, a relação de “identidade” com o território de grandes secas; “o homem sertanejo” seria naturalmente forte, tendo em vista sua resistência e disposição ao trabalho mesmo em um meio aparentemente desfavorável à habitação humana. Este pensamento fez parte de discursos deterministas disseminados pelas elites decadentes do nordeste na sociedade brasileira no final do século XIX e início do século XX, mas é ainda possível identificar sua reapropriação em diversas esferas, especialmente artísticas, embora com objetivos
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diversos. O contexto de ascensão do “Forró pé-de-serra” coincide com a massiva migração nordestina para o sudeste, em razão das pressões sociais geradas pelos interesses de elites locais, dificultando ainda mais a vida e o trabalho rural em um clima semiárido. Nesse momento das migrações, o Estado brasileiro também passava, politicamente, por uma busca de identidade e integração nacional (SANTOS, 2004). Dentro deste panorama, a música de Gonzaga é considerada uma grande referência dos nordestinos que migraram por conta de insatisfações sociais, sobretudo pelas consequências da seca, e também dos que se mantiveram em seus locais de origem, acomodando-se em meio às transformações socioeconômicas do país. A produção de Luiz Gonzaga, assim, vai ao encontro das ambições do então governo de Getúlio Vargas, em seu fomento à produção cultural nacional, em um projeto de formação de espaços simbólicos, mas também mercadológicos, a exemplo do baião. O novo ritmo obteve grande sucesso entre a população da cidade do Rio de Janeiro, despertando interesse entre o público e os meios de comunicação, estimulando a frequente participação de Gonzaga em programas de rádio. Conforme analisa Durval Muniz de Albuquerque:
A música de Gonzaga vai ser pensada como representante desta identidade regional que já havia se firmado anteriormente através da produção freyreana e do "romance de trinta". Dará a este recorte uma sonoridade que ainda não possuía, ao realizar um trabalho de recriação comercial de uma série de sons, ritmos e temas folclóricos desta área do país. O baião (...) vem atender à necessidade de uma música nacional para dançar, que substituísse todas aquelas de origem estrangeira. Daí sua enorme acolhida num momento de nacionalismo intenso (...) (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1994, p. 217)
A partir da década de 40, Luiz Gonzaga, se insere na indústria musical com êxito, emplacando sucessos provenientes de parcerias com diversos autores que o procuravam (e também o contrário) em suas viagens pelo nordeste e em outros locais, inclusive no Rio de Janeiro, onde morava. Com letras sobre amor, “causos” de forrós e as vivências do sertão em geral, Gonzaga inicialmente tocava sozinho, mas sentiu precisar de “ritmo”, e idealizou como base instrumental do baião a combinação de sanfona, zabumba e triângulo. Sua relação com a sanfona (ou acordeom) já vinha mesmo de dentro de casa, visto que seu pai, Januário José dos Santos, tocava e consertava o instrumento, sendo com quem Luiz aprendeu a tocar. Em depoimento ao Programa Proposta, da TV CULTURA (PROPOSTA, 1972), Gonzaga explica que a escolha da zabumba, se deu porque “a música nordestina precisava de couro (...) negócio pra bater” e, assim, escolheu “baseado nas bandas de couro
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lá do sertão, aquelas que nós chamamos de ‘esquenta mulher’ (...) são os pifeiros (...) então, eu tirei a zabumba, porque eu quando moleque havia tocado zabumba junto com os tocadores”, já a adoção do triângulo teria sido pela função estritamente musical, pois Gonzaga conta que estava em busca de um instrumento “bastante vibrante, agudo, para brigar com a zabumba”, até que um dia se deparou em Recife (PE) com um menino vendedor de cavaco chinês1 “tocando o tinguelingue” e então passa a incluir o triângulo, completando a sonoridade desejada. Tal “fórmula” musical serviu como inspiração para tantos outros artistas que rumariam para as cidades grandes em busca de sucesso na carreira artística, muitos inclusive ajudados financeiramente por ele. Além de incentivar, dava palpites técnicos e artísticos para favorecer o sucesso destes (comportamento mediado pela sua ideia de “ameaça” a partir de possível concorrência com outros artistas) tornando-se uma referência pelo triunfo no mercado musical e por sua popularidade, sobretudo no nordeste. Gonzaga, desde jovem simpático à figura do famoso cangaceiro Lampião, unindo ao interesse em associar à sua imagem traços mais “característicos” do sertão, passa a se apresentar com um figurino elaborado por peças das indumentárias de cangaceiros e vaqueiros, tendo estabelecido, assim, uma grande marca visual para o forró. Tal figurino era formado por chapéus de couro, sandálias de couro e o gibão, espécie de casaco de couro típica do vaqueiro que porta uma dimensão simbólica: Para enfrentar o perigo entre os espinhos e pontas de paus da caatinga, o vaqueiro veste o gibão, sua armadura. O gibão é uma roupa feita de couro cru e curtido, que seca ao sol. O processo de curtir o couro é primitivo, deixando a cor de ferrugem e um forte cheiro característico. O gibão não é só a proteção, ele também carrega consigo uma simbologia muito forte. Para os vaqueiros com mais essência, é motivo orgulho. A indumentária do vaqueiro é composta de guarda-peito, luvas, perneiras, alpercatas ou botinas, chapéu e gibão – o casacão de couro que também dá nome a todo o traje. (MEMORIAL LUIZ GONZAGA, [2---?])
A adoção desses elementos também se refletiu em diversos outros artistas, homens e mulheres, que se promoviam através do forró e seus ritmos, numa constante afirmação do “tradicional nordestino”, em especial do sertão onde crescera o ícone. Nesse contexto, no decorrer das décadas de 30 e 40, houve um grande consumo da música nordestina nos centros urbanos, favorecendo as estratégias e potencialidades de Luiz Gonzaga, bem como aquecendo a carreira de tantos outros. Tal período de grande atividade possibilitou, 1
Tipo de biscoito tradicionalmente vendido por ambulantes, geralmente anunciado pelo toque do triângulo, com alta popularidade no norte e nordeste do Brasil.
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inclusive, que os artistas passassem a lançar seus discos no início do ano, a fim de projetarem o sucesso dos mesmos para a época dos festejos juninos no nordeste, para os quais eram sempre escalados. O período de maior sucesso nacional do novo gênero se deu, aproximadamente, entre 1946 e 1955 (SANTOS, 2004), quando, com o surgimento da Bossa Nova e as influências do rock estrangeiro, interligadas ao contexto político do então presidente Juscelino Kubitschek, teve início a decadência urbana do baião. Considerada como a região do atraso, o Nordeste e suas temáticas, expressadas pelo forró em geral, passam a perder espaço para as novas tendências musicais, convenientes ao momento político e social que se formava: (...) O novo presidente, ao assumir a presidência do país em janeiro de 1956, apresentava um projeto político ambicioso, denominado Plano de Metas, cuja função essencial era transformar e empreender mudanças estruturais na sociedade brasileira, considerada atrasada economicamente. Com as propostas de progresso econômico e industrial, visualizava-se mudanças no padrão cultural e ampliação da indústria de consumo no país. Nesse contexto, a novidade e consolidação da TV como um veículo essencial para o entretenimento dos brasileiros desempenha papel preponderante para entender o processo de ostracismo urbano de Luiz Gonzaga. O Surgimento desse novo meio de entretenimento proporcionou um refluxo nos investimentos publicitários do rádio - instrumento essencial para a difusão do baião -, que também se rendeu à novidade das manifestações musicais e ao novo estilo propagado pela 'juventude transviada' brasileira, que apresentava como seus principais influenciadores, os galãs hollywodianos e a música norte-americana (SANTOS, 2004, p. 62)
Parte da juventude urbana do sudeste, até então envolvida com as produções nordestinas, passa a preferir manifestações culturais muito diversas ao universo forrozeiro, as quais refletem um estilo de vida urbano e de classe média, características do movimento da Bossa Nova, iniciada no fim dos anos 50 e, posteriormente, do fenômeno da “Jovem Guarda”. De um lado, a chamada “turma da jovem guarda”, tendo Roberto Carlos como maior expoente do movimento, produzia e propagava músicas e estilos em consonância com as tendências internacionais da época, sobretudo através da televisão, sendo prontamente posta como expressão da juventude. De outro, um novo jeito de tocar violão, inaugurado por João Gilberto, transformaria e inspiraria diversos artistas brasileiros, através da Bossa Nova, conferindo à música brasileira alcance de públicos estrangeiros. Alterando a forma de cantar e de tocar, a Bossa Nova estimulou nos públicos jovens um interesse especial por aprender violão, em detrimento do acordeom, até pouco tempo bastante apreciado em nível nacional. O forró, então, é associado ao passado, relegando-se a uma categoria de cultura
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regional impertinente para uma fase de discurso modernizante e de forte entrada de produtos culturais estrangeiros. Tal ligação do forró com o “velho” gera um estigma que passou a receber a cultura do forró, o qual de certa forma ainda é ativado na atualidade. Neste momento, em que entram em destaque novos estilos de vida que melhor refletem a vida urbana e em consonância com as linguagens internacionais, a produção industrial dos ritmos do forró sofre grande impacto negativo, decorrente da baixa procura por esses públicos. No entanto, mesmo com significativa queda na vendagem de discos, na realização de shows e nas participações em programas midiáticos, Luiz Gonzaga e demais artistas forrozeiros mantiveram uma produção, que encontrou no Nordeste, principalmente, público interessado. Ainda dentro da conjuntura da década de 60, período de grandes mudanças e proliferação de linguagens artísticas, cabe ressaltar um segundo movimento, condizente a esta pesquisa, de revalorização da cultura popular, fomentada pelo governo João Goulart (1961-1964). Tal fase foi marcada por propostas reformistas e pelo posicionamento em prol da independência política internacional, no contexto da chamada Guerra Fria. Coexistindo com as tendências relacionadas à ascensão da Bossa Nova e da Jovem Guarda (ambos, ao menos inicialmente, entendidas como despolitizadas), surgiam, em parte da elite artística e intelectual, movimentos pela educação e conscientização social a partir da cultura popular. A classe estudantil, ligada ao Centro Popular de Cultura (CPC), tido como braço cultural da União Nacional dos Estudantes (UNE), em contrariedade às ideologias políticas hegemônicas, passa a estabelecer estratégias de luta; nesse sentido, mais grupos propõem promoção das tradições da cultura popular, observadas como “expressões autênticas”, apontando determinadas demandas de representação nacional no âmbito da cultura. Em um momento já posterior ao golpe militar de 1964, jovens artistas, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, ícones do movimento tropicalista 2, passam a produzir obras inspirados pela musicalidade nordestina e mesmo a recuperar, midiaticamente, a figura de Luiz Gonzaga. Geraldo Vandré e Edu Lobo, partilhando linguagens diferentes, também fazem parte dos principais nomes envolvidos na retomada da musicalidade nordestina entre as novas produções das grandes capitais. De acordo com Paulo José de Siqueira Tiné:
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O Tropicalismo, iniciado em 1967 e “encerrado” no fim da mesma década, propunha o processamento de elementos nacionais e estrangeiros em uma combinação artística que envolvesse elementos “tradicionais” e “modernos”, resultando em estéticas que visavam acrescentar novas identidades às produções culturais brasileiras.
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Durante a década de 1960, muitos compositores e instrumentistas do gênero popular começaram a intencionalmente buscar sonoridades mais tipicamente brasileiras. Um bom exemplo disso foi o grupo "Quarteto Novo" formado por Hermeto Pascoal, Heraldo do Monte, Theo de Barros (parceiro de Geraldo Vandré em Disparada) e Airto Moreira. No compacto lançado em 1967, houve a interpretação de Ponteio (Edu Lobo) e Fica Mal com Deus (Geraldo Vandré), duas canções marcantes do período, de forte caráter modal ligado à música nordestina. (TINÉ, 2014, não paginado)
Nesse contexto de revalorização por parte da elite, anos mais tarde, em 1971, é idealizado e produzido, por Rildo Hora, o LP “O canto jovem de Luiz Gonzaga” (GONZAGA, 1971), no qual o sanfoneiro nordestino interpreta canções de consagrados e novos artistas, responsáveis, em parte, pelo ressurgimento do interesse intelectual e midiático sobre seu trabalho, uma forma de legitimação da juventude artística tida como referência sobre a produção musical moderna à época. Apesar de tal aumento de prestígio sobre sua figura artística e mesmo com as novas e frequentes reapropriações pelos jovens artistas, não houve, para Gonzaga, maiores consequências em termos de agenda de shows no sudeste (MARCELO; RODRIGUES, 2012). Diversas matérias, neste período, foram realizadas sobre sua carreira e sobre o que se chamava “a volta do baião”, questões as quais Luiz Gonzaga não se esquivava de comentar, diante de tantas procuras por parte da imprensa: O baião não está voltando, ele sempre esteve com o povo. Não importa que as rádios não toquem, que o público sofisticado prefira outras músicas (...) Ele é uma música do povo nordestino. Lá no sertão, ele tem sua morada. Aqui no sul, ele só faz viagens. (MARCELO; RODRIGUES, 2012, p. 270)
Conforme mencionado, a obra de Gonzaga e tantos outros artistas nordestinos passam a servir como modelo para novas gerações de artistas de música brasileira, as quais mediaram, em suas produções, uma linguagem vinculada a esta “tradição nordestina” e ao mesmo tempo em diálogo com tendências diversas. O artista Jackson do Pandeiro, comparado muitas vezes a Luiz Gonzaga no que tange à importância de sua obra na constituição do “repertório nordestino”, recebia convites de parcerias de Alceu Valença e Geraldo Azevedo, ambos jovens em início de carreira. Da mesma maneira, artistas nordestinos, pertencentes a esta geração posterior, como Fagner, Zé Ramalho, Elba Ramalho, Belchior, Ednardo e tantos outros, desenvolviam seus trabalhos influenciados pelo material elaborado por tais ícones da “música regional”. Esses artistas jovens, que partilhavam do universo “regional”, diferentemente dos “mais experientes”, possuíam vivência universitária e eram oriundos de classes médias, tendo conseguido, em certa
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medida, enquadramento na chamada Música Popular Brasileira (MPB), classificação que parece conferir maior potencial em termos de mercado e público, em relação à categoria estritamente “regional”, a qual parece ser acionada em momentos mais específicos de representatividade.
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3. FORRÓ ELETRÔNICO E FORRÓ UNIVERSITÁRIO NOS ANOS 1990: suas diferentes apropriações e discursos
3.1) Forró eletrônico O forró “eletrônico”, também conhecido como “estilizado” e ainda como “moderno”, tem sua trajetória iniciada no começo dos anos 1990 e, desde então, revelou grande êxito de público, tornando-se referência para diversas bandas que surgiam no nordeste. Tal vertente musical se encontra em plena produção, contando com forte adesão popular no nordeste e em redutos nordestinos de outras cidades, a exemplo da Feira de Tradições Nordestinas Luiz Gonzaga, conhecida também como “Feira de São Cristóvão” (e ainda “Feira dos paraíbas”), na cidade do Rio de Janeiro. O “forró eletrônico”, conforme o próprio nome sugere, tem seus ritmos marcados pela forte presença da sonoridade eletrônica, com destaque para o uso de teclados. Além desse aspecto, optou por uma estética que se afasta dos figurinos “tradicionais” entre os artistas forrozeiros, exibindo trajes mais sensuais e já se desenvolvendo a partir de uma produção mais elaborada, a qual trouxe novas performances ao palco, na construção de experiências semelhantes a um espetáculo. O estilo surge a partir de um planejamento visionário de produtores no nordeste, com destaque para Emanoel Gurgel. O pesquisador Felipe Trotta (2009, p. 104) contextualiza sua criação: O mercado alternativo do forró foi inaugurado no início dos anos 1990 pela banda Mastruz com Leite, organizada pelo empresário Emanoel Gurgel, que pretendia revolucionar os padrões do gênero, tornando-o “estilizado e progressista”. Para atingir o objetivo, o empresário montou um poderoso sistema de rádios via satélite que dava suporte à divulgação de seus produtos musicais, a Somzoom Sat3 . Sob a batuta de Gurgel, além da Mastruz formaram-se outras dezenas de bandas de perfil semelhante, divulgadas durante a década de 1990 pela rádio.
A criação do “forró eletrônico” se desenvolve sob muitas tensões. Em particular, se instaura uma forte crítica, ligada a uma postura de negação e resistência ao que seria um “empobrecimento” do forró, muitas vezes não sendo admitido como uma expressão de forró. Nesse contexto, ao longo dos anos, desenvolveram-se discussões e posicionamentos que mobilizam, até os dias de hoje, intelectuais, políticos, artistas e públicos em torno, principalmente, de uma defesa da “tradição” e, por consequência, da “autenticidade” no
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forró (tendo como referência de tal discurso a “invenção” de Luiz Gonzaga), atribuindo ao forró eletrônico uma espécie de poder destruidor destes elementos. Em meados dos anos 80, certas “novidades” feitas em arranjos de “forró tradicional”, decorrentes das demais influências musicais da época, já podiam ser percebidas com nitidez. Nesse contexto, Alcymar Monteiro, artista cearense que caminhava para uma consolidação no mercado do forró, teve seu disco ouvido por Luiz Gonzaga, ao qual agradou, mas recebeu uma ressalva: “Não é muito forró, não, né?”. Alcymar se justificou dizendo ter incluído elementos urbanos por conta de ser uma “fase de transição”, para em seguida ouvir de Gonzaga que “forró é rural, não tem que ser urbano” e que o Rei participaria de seu próximo disco, “para ficar mais dentro das coisas do Nordeste” (MARCELO; RODRIGUES, 2012, p. 388-389). Nesta época, Alcymar foi convidado a conhecer a então recente banda eletrônica “Mastruz com Leite”, sendo inicialmente simpático ao grupo e investindo suas letras no repertório do mesmo. Após um período, o primeiro disco é gravado e Alcymar, após a audição, reage de forma contrária, desaprovando os arranjos finais e afirmando que suas letras eram cantadas erradas, acusando “descuido” por parte da banda. Com esse episódio, volta-se contra o estilo, posteriormente proibindo a banda de cantar suas composições. Tais situações contribuem para a compreensão do terreno de tensões que passou a se formar entre uma tendência “tradicional” e uma tendência “moderna” também no âmbito do forró. Felipe Trotta (2010, p. 259) sintetiza o que parece fundamentar as principais causas de repúdio ao forró estilizado: Sucesso de público e retumbante fracasso de crítica, a hegemonia do forró eletrônico causa imenso desconforto na elite intelectual nordestina por diversos motivos. Em primeiro lugar, trata-se de gênero que rivaliza com o forró tradicional, legítimo e consagrado representante da musicalidade regional, vencendo-o comercialmente. Em seguida, opera um deslocamento no repertório de valores associado à tradição forrozeira, negando os referenciais sertanejos, idílicos e comunitários e fazendo intencional apologia da juventude, do amor, do sexo, da festa, da tecnologia, do ambiente urbano e da individualidade. Pavimentando toda essa poderosa (e, num certo sentido, bélica) gama de acusações contra o forró eletrônico, um argumento recorrente desenvolve-se a partir da ideia de que o estilo eletrônico não representa uma prática musical e espontânea, autêntica e criativa; sendo "pensada" exclusivamente com fins comerciais.
Apresentado o cenário de críticas e de ideia de “dominação” da indústria cultural através do forró eletrônico, vale ressaltar que neste momento é reforçado o termo “pé-deserra”, a fim de diferenciar (por muitas vezes, sobrepor) a linhagem gonzagueana da emergente eletrônica, colaborando para operar os pensamentos em torno da dicotomia
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criada: de um lado parece estar o autêntico forró, “pé-de-serra”, carregado do “autêntico nordeste” e de suas tradições populares, fundamentais para uma certa compreensão de “brasilidade”. Do outro lado, um estilo musical (re)criado pela indústria, voltado para as massas, com forte apelo sexual e de triunfo comercial. O forró eletrônico parece ter sido, conceitualmente, relegado a um lugar intelectualmente inferior, quando não vulgar, apartado das noções de “povo” e “cultura popular” idealizadas por elites intelectuais. Tais conflitos em torno desses ideais também são explicitados no âmbito das políticas públicas para a cultura. Em 2011 um caso repercutiu na mídia, a respeito do cantor e compositor Chico César, então secretário de cultura da Paraíba. Na ocasião de planejamento dos festejos de São João, Chico César se referiu às bandas de forró eletrônico como “forró de plástico”, causando reação negativa e críticas à sua falha ética como representante democrático. Explicou-se, comparando o forró tradicional e o forró eletrônico:
Os dois são legítimos, e eu faço parte do mercado, mas essas bandas (eletrônicas) não precisam de apoio do Estado para sobreviverem, como acontece com as bandas históricas de forró. Nosso trabalho é dar visibilidade a quem não tem mercado (…) O que coloquei, e que precisa ser compreendido, é que há uma lei estadual anterior à minha gestão que diz que o governo não pode pagar cachê a grupos que não têm relação com a tradição de São João. Não fui eu que inventei isso. (BUARQUE, 2011)
Não se pretende associar, ingenuamente, o gosto popular pelo forró eletrônico, ou aos produtos “mais comerciais”, a algum tipo de falta ou dominação, mas antes também tentar salientar uma forma de tradição desenvolvida pela indústria do entretenimento, estimulada pela tecnologia e pelo avanço dos meios de comunicação. Repetindo certos mecanismos na elaboração de possíveis produtos de sucesso, tais processos podem contribuir para gerar nos públicos uma recorrência às mídias de grande alcance, influenciando seus modos de receber, procurar, partilhar e categorizar conteúdos. Nesse cenário, em relação à afamada polarização entre “tradição” e “mercado”, pode-se considerar que esses “dois lados” podem estimular comportamentos conservadores nos públicos, e não apenas a “tradição”. O grande mercado produtor, através de meios de comunicação de massa, tende a suprir e mesmo produzir um ritmo das “necessidades artísticas” modernas, reconectando-se constantemente aos públicos. De modo a ratificar tal contexto, se de um lado se ergueu um discurso contra o forró eletrônico, associando-o a uma forma de degradação da tradição, mero produto comercial, etc., de outro lado, pode-se observar a resistência de um estigma sobre manifestações associadas às tradições, ao serem
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relegadas ao “passado”, “folclore”, “aos mais velhos”, numa perspectiva pejorativa, reforçada pelas preferências do mercado onde o “novo”, o “jovem” e o “moderno” é que estão sendo sempre repensados para serem projetados sob novos produtos artísticos.
3.2) Forró universitário A despeito da fala de Luiz Gonzaga, sobre no “sul” o baião apenas “fazer viagens”, também na década de 90 se assiste a um grande crescimento de interesse do jovem, urbano e universitário, pelo “forró tradicional” nas capitais do sudeste. O movimento ficaria conhecido como “Forró Universitário”, sendo caracterizado por grupos jovens que, durante viagens, experimentavam shows de “forró pé-de-serra” e passaram a “levar” e recriar tais influências em suas cidades de origem, sendo a cidade de São Paulo considerada pioneira em tais manifestações. Inicialmente, esses jovens, de classe média, organizavam os eventos e convidavam grupos nordestinos locais para executar um repertório; posteriormente, foram criando suas próprias bandas, inclusive suas próprias músicas, adentrando o mercado musical e superando os “eventos entre amigos”. À época, tal movimento foi saudado pela imprensa como uma “febre”, se expandindo nacionalmente em período similar à expansão da vertente eletrônica no nordeste (MARCELO; RODRIGUES, 2012). Mais do que em outras fases, agora caberia a compreensão e uso da palavra forró como gênero musical, mesmo continuando a ser utilizada para designar um local (festa) ou dança, principalmente por conta da alta circulação da expressão “forró eletrônico”, demarcando um estilo musical. O forró universitário, para muitos artistas veteranos, a exemplo de Dominguinhos, não propunha grande novidade apesar do nome diferenciado e a inclusão de referências e instrumentos incomuns à formação do baião de Gonzaga. Eram apenas “universitários no forró”. Os artistas do ramo, já consagrados, estabeleciam parcerias com as diversas bandas que surgiam, conforme acontecia com os artistas “regionais” da geração seguinte a Luiz Gonzaga, mencionados acima. Nesse contexto, a banda “Falamansa” representa uma grande referência do movimento que eclodiu na década de 90 e obteve grande sucesso de mercado. A receptividade dos públicos a partir do espaço oferecido nas mídias impulsionou diversas iniciativas inspiradas no “forró de raiz” e fez circular grupos no mercado musical de grande alcance. O “forró universitário”, no entanto, passado um primeiro momento de “estouro”, perdeu espaço nos grandes canais de comunicação.
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Todavia, muitos desses grupos não cessaram suas atividades como decorrência imediata do desinteresse midiático, tampouco os encontros culturais “universitários” em busca do forró pé-de-serra deixaram de existir. Dessa forma, sem ignorar o impacto que a propagação na indústria proporcionou social e economicamente ao gênero, pode-se dizer que a efemeridade de sua “divulgação em massa” não interrompeu uma forte movimentação cultural, basicamente formada por estudantes das capitais do sudeste, revelando uma “continuidade” até os dias atuais, “alheia” à atenção das grandes mídias.
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4. ESTUDO DE CASO COM O PÚBLICO DO FORRÓ DO GRUPO CARAMUELA Os argumentos principais na “defesa”, valorização e legitimação do considerado “forró tradicional”, geralmente, fazem referência a conceitos de “autenticidade”, “qualidade”, “tradição”, “identidade”. Tais argumentos circulam em discursos entre “intelectuais”, políticos, artistas, através da imprensa e por parte interessada da população. Nesse contexto, investigar a rede de associações e motivações relacionadas à cultura do forró “pé-de-serra”, na cidade do Rio de Janeiro, objetiva compreender em que medida tais pensamentos e classificações permeiam os interesses de seus participantes-produtores. Para tal, como estudo de caso, foi selecionado um evento com base no forró pé-de-serra (conforme é denominado pelos músicos), que ocorre semanalmente em um espaço cultural no Arco do Telles (centro da cidade do Rio de Janeiro), sendo adotados como métodos a observação participante e realização de entrevistas estruturadas com 15 frequentadores que vão regularmente a tal forró. Neste evento é apresentado o show de um grupo chamado “Caramuela”, cujo nome é uma “referência à planta popularmente conhecida como carámoela, muito utilizada como alimento no interior do Brasil pelos agricultores familiares” (CARAMUELA, [201-]). O conjunto foi desenvolvido em contexto universitário, em 2010, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, localizada em Seropédica (RJ). Antes do início desta pesquisa, o forró, divulgado como “Forró da Rua do Resende”, acontecia em um estabelecimento na Rua do Resende, bairro da Lapa, aos domingos, a partir das 20:00h, em local de aspecto rústico, eventualmente decorado com objetos ligados ao meio rural. Com o desenvolvimento do presente estudo, o grupo havia mudado o evento para um outro espaço cultural na mesma rua, de 21:00h à 1:00h da madrugada, ainda aos domingos. O ingresso ao forró custava R$10,00 e os 20 primeiros entravam gratuitamente até às 22:00h. Atualmente, foi realizada uma nova mudança de local, dia e horário, passando a acontecer às quartas-feiras em uma casa comercial situada no Arco do Telles (Travessa do Comércio, 15), de 22:00h às 3:00h e com entrada franca. O evento ocorre sob o nome de “Xote Coladinho”, uma reformulação de um antigo projeto homônimo de forró pé-de-serra apresentado na Casa Rosa, extinto espaço cultural no bairro das Laranjeiras. Segundo um dos integrantes, as mudanças ocorreram a fim de melhorar a qualidade do ambiente e para possibilitar crescimento do público.
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Com as últimas alterações na programação do evento, com destaque para a entrada franca, mas considerando o horário mais tarde e ser após um “dia útil”, pôde-se notar uma ampliação no público, de modo a também não gerar um afastamento dos frequentadores mais assíduos, presentes nos espaços anteriores. Tal “migração” imediata do veterano público do grupo Caramuela parece apontar para uma afinidade com a banda e com os próprios frequentadores, pois muitos já são conhecidos entre si. O público é predominantemente jovem, com faixa etária entre os 20 e 35 anos, contando também com algumas pessoas de maior idade, entre 40 e 70 anos, as quais diminuíram o acesso desde a mudança para o novo espaço. A primeira parte do show se inicia às 23h:00 e a segunda à 1h:00. Nos intervalos, onde permanece a música através de execução eletrônica com um Dj, nota-se um esvaziamento do salão, momento em que as pessoas saem do local para conversar, fumar, beber, etc., restando, no entanto, alguns pares interessados na sobra de espaço, favorecendo a desenvoltura na dança. É sempre a mesma banda que conduz o show, todavia, regularmente convidam para participações outros cantores e/ou músicos amigos com trabalho desenvolvido no mesmo universo musical. O repertório da banda, que conta com cinco integrantes (tocando os instrumentos: zabumba, triângulo, violão, sax, flauta e acordeom), é composto principalmente de obras de artistas renomados nos gêneros que compõem o forró pé-de-serra. Entre os artistas, estão Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Marinês, Gordurinha, Zé Ramalho, Jackson do Pandeiro, entre outros. Ao longo dos meses de observação participante, foi ouvido de alguns forrozeiros deste evento (como se costuma denominar os que frequentam forrós regularmente) que, dos principais forrós que ocorrem semanalmente na cidade, este é um dos melhores, mais “intimista”. A fim de manter o estilo do forró do grupo Caramuela, alguns frequentadores consideram que a divulgação do mesmo deve ser criteriosa, de modo a não atrair pessoas “que não tem a ver” ou observadas como “pessoas estranhas” ao ambiente. Já por parte do grupo, a estratégia de divulgação se dá principalmente através de convites compartilhados na rede social Facebook, entre amigos, e também em grupos virtuais de forró pé-de-serra na mesma rede, mobilizando menos o trabalho de mídia impressa. O público, formado de classe média em geral, possui, geralmente, uma quantidade maior de mulheres e, boa parte, permanece aguardando o convite de um possível parceiro para que possa dançar. Enquanto isso, ocupam os cantos do salão, junto aos demais que estão sem par por alguma razão. As formas de dançar são variadas, havendo desde os pares
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com passos mais rebuscados a passos mais simples e pouco movimentados. Alguns jovens criticam o hábito de realizar muitos giros na parceira e demais passos mais complexos durante a dança, atribuindo a um modo “muito técnico” (com sentido pejorativo) de dançar a música, “coisa de forró universitário” e outras ideias que iriam de encontro a um “autêntico” modo de dançar o pé-de-serra. No ambiente em questão também foi possível presenciar momentos de conversas no salão, paralelas à execução do show, estimulada por minorias, ao passo que os demais se concentravam na prática da dança. A esse respeito, foram identificadas trocas discretas de informação, como um aconselhamento, sobre com quem dançar e com quem não dançar, muitas vezes partindo de mulheres que já tem um maior conhecimento sobre os frequentadores regulares ou mesmo partilhando sobre alguém “novo” com quem se acabou de dançar (e ainda opiniões formadas através de observação). Tais comportamentos acabam por comunicar, mesmo que não verbalmente, quais seriam os “bons”, os “medianos” e os “maus” na desenvoltura, o que obviamente varia com as preferências individuais, mas colabora para a configuração de perfis e atua diretamente na dinâmica de aceitação e feitura de convites à dança. Através desses momentos de conversa, ou sinalizações, consegue-se, principalmente, indicar os possíveis parceiros interessados em tirar proveito sexual, a fim de evitá-los. Dentro deste universo, mas em direção contrária a uma ideia de “proveito”, é comum haver mútuo interesse sexual entre parceiros, favorecendo a formação de casais no salão, mesmo que de modo temporário. Tais aproximações se dão, provavelmente, guiadas por critérios de afinidade, facilitadas pela baixa luminosidade no salão e pelo contato sensual possibilitado pelos movimentos da dança. Nesse sentido, o ambiente atrai muitas pessoas solteiras e/ou dispostas a tal contato mais íntimo e, através das observações realizadas durante o evento, pôde-se presenciar uma forte predominância de heterossexualidade. Todavia, embora a troca de flertes seja constante, dentro do salão tal comportamento é discreto, havendo, proporcionalmente, poucas transformações de “parceiros de dança” para “casais”, o que atenta para outras possíveis maiores motivações por parte dos forrozeiros, as quais serão avaliadas nos parágrafos seguintes. Em vista dos aspectos citados na trajetória do forró e suas relações complexas enquanto prática artística, reunindo fortes potencialidades de sociabilidade, de lazer e de constituição de identidades, buscou-se um maior aprofundamento das motivações em torno de tal cultura, optando pelas perspectivas do público. Deste modo, foram selecionados e contatados alguns frequentadores vistos de maneira regular no evento, aos quais foram
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feitas perguntas discursivas sobre suas experiências no mesmo. No total, foram obtidos 15 relatos, entre homens e mulheres, de 21 a 35 anos, de maneira individual e particular. Observando a tendência de muitos eventos, produtos ou grupos de forró pé-de-serra serem promovidos sob a “égide” de “forró autêntico” ou “forró tradicional” e a fim de que se pudesse testar o alcance das classificações e da noção de disputa entre “forró eletrônico” e “forró pé-de-serra”, foi questionado aos entrevistados se já conheciam tais termos, o que sabiam e se possuíam preferência. A maioria não apresentou, imediatamente, de modo objetivo o que seria (em suas visões) o forró eletrônico, expressão a qual alguns disseram não ter ouvido falar antes. Também se apresentou alguma reticência sobre o termo “pé-deserra”, mas logo se procedia com associações de tal estilo com um “forró tradicional”, “o de Luiz Gonzaga e outros mestres”, forró de “instrumentos tradicionais”, com a ideia de original e “ligado ao sertão”. Os entrevistados disseram preferir o estilo pé-de-serra, alegando afinidade “com a batida”, “com a forma de dançar” e pelas “letras mais poéticas”, afastando-se da vertente eletrônica pelo desgosto em relação à sonoridade, por “letras muito ruins” ou “de duplo sentido”, por ser “muita agitação” e também pelo desacordo com a forma de dançar e o estilo em geral. A maioria afirmou não ter vivenciado eventos de forró eletrônico, o que sugere que tais impressões e opiniões são provenientes dos conteúdos compartilhados pelas grandes mídias ou a partir de situações especiais, como em viagens ao nordeste, conforme relatado por alguns. A frequência nos eventos de forró pé-de-serra foi justificada por proporcionar “extravasamento”, “esquecimento”, por ser um momento de “leveza”, “revigor”, “relaxamento” e possibilitar uma troca contínua com o outro, produzindo uma espécie de diálogo criativo em busca de prazer e afinidade. Quando perguntados sobre do que se pretenderia “esquecer” ou o que se buscaria extravasar, após um esforço objetivo, as pessoas fizeram menção à rotina e às suas funções cotidianas. A experiência no forró péde-serra também foi associada a uma forma de embriaguez, a qual serve até mesmo “para se esquecer como se dança”, em uma referência às eventuais cobranças ou expectativas de passos mais elaborados por parte de parceiros. Todos afirmaram sentir identificação com os públicos do forró, com maior destaque para aqueles grupos com os quais mais se partilhavam semelhanças. A diversidade do público também foi ressaltada, pela minoria, de maneira positiva e estimuladora. Os entrevistados, de um modo geral, buscaram se esquivar de “taxar” os públicos com os quais simpatizam, mas em seguida admitiam se referir àqueles que possuem um “estilo
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alternativo”, que parecem mais “ligados à natureza” e por pessoas com “interesses culturais mais diversos”. Por essa razão, muitos evitam frequentar certos eventos de forró pé-de-serra na cidade, os quais consideram haver públicos pelos quais têm menos ou nenhuma afinidade, que tendem a executar uma dança com “mais técnica”, “pessoas que fazem academia de dança e vão para treinar”. Além disso, a rotatividade dos músicos, nesses locais, nem sempre é um fator positivo, visto que em muitas vezes se encontra “trios medianos com repertório de sempre”, ou mesmo pelo fato de não se querer arriscar sobre a qualidade dos músicos previstos no dia. Entre as situações consideradas desagradáveis no ambiente do forró, grande parte das respostas envolveram pessoas embriagadas, homens com mero interesse sexual, pessoas que “ficam paradas no meio do salão” ou muito “espaçosas” e lugares lotados. Foi solicitado aos entrevistados que comentassem uma possível identificação com o nordeste, a qual foi afirmada de maneiras variadas: como uma primeira associação, muitos apontaram relações de parentesco. Em seguida, reconheceram a região como forte produtora de culturas, além de destacar um gosto por suas paisagens naturais e ainda pela “hospitalidade das pessoas”. Relações da região com “culturas populares” e tradição foram ressaltadas como aspectos de interesse na maioria das respostas. Alguns confirmaram ainda que associações com a “cultura nacional” ou “cultura popular” são atrativos especiais para que acessem algum evento ou manifestação artística, todavia, algumas respostas sobre esta última questão procuraram, por outro lado, pontuar um descompromisso com discursos nacionalistas, distinguindo do que seria um gosto mais específico por manifestações populares brasileiras. Aprofundando o universo de representações, foi proposto aos entrevistados refletir e opinar sobre uma suposta vitalidade da cultura “forró pé-de-serra” entre jovens, em meio a uma metrópole como o Rio de Janeiro, tendo como grande temática um universo sertanejo. Tal questão, entre as demais, foi a que mais gerou respostas reticentes, mas que incluíram fatores históricos e importantes, como a vivência de Luiz Gonzaga na cidade em período de êxito profissional e a migração nordestina. Entretanto, tal indagação também abriu campo para a inclusão de motivações próprias e suposições, entre as quais um “jeito carioca” ou uma “tradição” do Rio de Janeiro, que seria “historicamente receptivo” com manifestações artísticas diversas e ainda a observação do movimento pé-de-serra como forma de fruir atividades “desvinculadas” da grande indústria, interessando a um público que, busca no lazer, manifestações ligadas a ideias tradicionais e “populares”. Sobre esta
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última hipótese, considerada pela maioria, a fala de um dos entrevistados parece esclarecer: “o público que não procura algo muito pop, ele se desprende do eletrônico (...) porque o eletrônico está associado a uma coisa mais moderna. Eu me atraio por uma coisa mais tradicional e nos meios que eu frequento são galeras que curtem esse lance mais roots, mais raiz, guetos que curtem histórias mais antigas das tradições populares brasileiras”. A fim de informações sobre uma possível aproximação com as comunidades nordestinas presentes na cidade, bem como avaliar um potencial simbólico, foi perguntado se os entrevistados frequentavam a Feira de Tradições Nordestinas Luiz Gonzaga, em São Cristóvão, com o objetivo de dançar, ou mesmo fruir os shows regulares. Com exceção de uma das respostas, que revelou fazê-lo eventualmente, os demais afirmaram não ter o hábito de ir ao local, mas demonstraram interesse no espaço. A maioria justificou a “falta” por não haver companhia ou propostas para tal programa e mesmo por questões de deslocamento urbano, o qual seria dificultado pela região onde está instalada a Feira. Outros afirmaram não gostar do local para dançar, em vista de o estilo predominante ser o forró eletrônico. Um dos entrevistados comentou que, da Feira, a única tradição aproveitada por ele é a culinária. Já o entrevistado que afirmou alguma frequência com finalidade de dança, acrescentou que apesar de a Feira ser um “outro espírito de forró”, por conta dos palcos principais apresentarem shows de forró eletrônico, “ser o local com o maior público nordestino (...) poder tomar uma cachaça e dançar Luiz Gonzaga tocado por nordestinos, nos palcos menores de pé-de-serra” torna a experiência atrativa. Para ele, tal ambiência representa uma possibilidade de “se sentir mais perto do sertão, da origem dessa música”. Outras perguntas foram propostas em relação aos espaços políticos ocupados pelo forró. Entre elas, um projeto da União Nacional dos Estudantes, de 2013, solicitando o registro do gênero como patrimônio cultural imaterial da humanidade, e ainda como os entrevistados avaliavam a divulgação do forró nas grandes mídias. À primeira iniciativa, a maioria demonstrou aprovação, associando o título de patrimônio a uma possibilidade de se fortalecer e “manter viva” tal cultura, mesmo quando não sabiam muito a respeito de suas implicações. Outros questionaram o caráter universal do projeto, o qual aparentemente não combinaria com o aspecto “local” do forró, ou, ainda, que tal demanda deveria vir depois de um efetivo reconhecimento e valorização nacional do gênero e dos nordestinos. Um dos entrevistados refletiu: “Não sei, o que isso quer dizer? O forró ser de todo mundo? (...) Nada é de todo mundo (...) Acho que qualquer um pode dançar, mas se deve reconhecer que o forró tem uma origem, nasce numa certa tensão de vida, social, não
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dá para excluir isso (...) Porque o forró, pra mim, o que está mais em questão, é mais a assunção da gente por nós mesmos”. Opinando se gostariam de uma maior divulgação do forró pé-de-serra nas grandes mídias, houve posições contrárias na maioria das respostas, apontando como resultado, por exemplo, um processo de forte popularidade feito de públicos que iriam “por moda”, com interesses de “puro entretenimento” ou para conseguirem aproximações amorosas, pessoas que “destoariam”, por fim. Outros afirmaram ser uma questão difícil para se posicionar imediatamente, considerando prós e contras, entre os quais a oportunidade de novas pessoas conhecerem e vivenciarem o pé-de-serra, como fator positivo, e uma saturação dos eventos e da “essência” dos mesmos, como negativo. Alguns pontuaram que tal iniciativa não se faz fundamental, pois “os públicos do forró já estão formados” ou considerando que “o forró já funciona” sem precisar da interferência dos grandes meios de comunicação, pois estaria em um “circuito alternativo”. Como uma última questão mais relevante, foi perguntado o que o forró significaria em suas vidas, produzindo pensamentos como “uma forma de autoconhecimento e conhecimento do outro”, “prazer”, “preparação pra vida pela adaptação constante”, “oportunidade para relacionamentos”, “uma forma de interação social bem brasileira para extravasar o dia-a-dia”, “amor”, “autoaceitação de si”, cultura pela qual “se transmite uma familiaridade sem se dar conta”, possibilidade “das pessoas se viverem”. Tendo em vista os caminhos percorridos a partir do questionário implementado e com base na observação participante, foram reservadas ao debate teórico dos resultados duas principais questões, que são interligadas, e parecem nortear grande parte das ideias levantadas durante os processos da pesquisa. São estas: os fatores que orientam para uma dicotomia entre forró eletrônico e forró pé-de-serra e as dimensões sensoriais e simbólicas ativadas na cultura do forró pé-de-serra, as quais serão desenvolvidas nos dois capítulos a seguir, respectivamente. Sobre a primeira questão apontada, pode-se perceber que a formação de tais fatores passa por complexas relações. Durante as pesquisas para o desenvolvimento do presente estudo, a consulta a diversos trabalhos acadêmicos pautados nas temáticas da “tradição”, “cultura nordestina”, “identidade nacional” e mesmo sobre o forró, apresentou, em sua maioria, resultados que versavam sobre a relação entre “o pensamento romântico” e ideias de defesa da “tradição”, ou “preferência” por esta, no “mundo moderno”. De fato, este é um complexo quadro dinâmico que, de certa forma, já foi afirmado neste atual trabalho. Porém, na medida em que diversas respostas dos
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entrevistados rumaram, também, para esse campo de representações de um “universo tradicional”, indo ao encontro da hipótese principal desta pesquisa, faz-se necessário examinar tais associações a fim de que não seja estimulada uma leitura simplista sobre tal suposta “atração” por ideias “românticas” - na contemporaneidade, neste caso específico.
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5. CONCEPÇÕES SOBRE A MODERNIDADE E A TRADIÇÃO PARA UMA LEITURA DA CULTURA PÉ-DE-SERRA
De um modo geral, na contemporaneidade, os discursos em torno de produtos “tradicionais” e produtos “modernos” possuem em sua base as principais concepções promovidas e resultantes do projeto político entendido como modernidade, a qual, segundo Cristina Simões Bezerra: (...) se encontra historicamente elaborada entre o Renascimento (séculos XIV a XVI) e a Ilustração (séculos XVII e XVIII) e se constitui de uma programática sócio-cultural resultante de um movimento revolucionário no plano das idéias e das ações. Este movimento, como sabemos, instaurou um novo tempo de ultrapassagem de uma cultura teocêntrica, de fundação de um novo antropocentrismo, de superação do irracionalismo, de compreensão do homem como parte diferenciada da natureza, capaz de reorientar sua própria história. Instaura-se, enfim, a Razão moderna, precedente histórico do projeto de modernidade, a qual se caracteriza por um processo, ao mesmo tempo, objetivo e subjetivo (BEZERRA, 2009, p. 2)
Conforme descrito acima, a fase de instauração da modernidade se dá a partir de rupturas com importantes modelos, como o modo de produção do sistema feudal, a crença no teocentrismo e ainda o que foi considerado irracionalismo. Dentro dessa perspectiva, objetivava-se o aumento da produção de bens e serviços, capaz de emancipar a humanidade de carências materiais, bem como consolidar o controle racional sobre a natureza e sobre a própria organização social, agora orientada pela classe burguesa (BEZERRA, 2009). Nesse sentido, é ainda bastante difundida a ideia de ruptura com a “tradição”, marcando o que seria um grande objetivo da modernidade. De fato, sabe-se que a alteração dos modelos supracitados faz referência à fase pré-moderna, entendida como tradicional. No entanto, vale a percepção de que a modernidade determinou e promoveu suas próprias tradições, como, por exemplo, o fortalecimento de valores da Antiguidade Clássica (FLORENZANO, 1996), o que evidencia haver traços específicos de tradicionalidade a serem “superados”, os quais continuam, entretanto, coexistindo sob o projeto moderno, existindo como um fenômeno humano. É certo que o poder de ingerência das forças modernizadoras é muito alto e desestabiliza, desestrutura, altera os mais variados arranjos societários. Ao invés de homogeneizar todos os quadrantes do mundo, contudo, a experiência histórica tem demonstrado que a difusão da modernização acontece em tensão dialética permanente com modos de vida, costumes, instituições que possuem maior ou menor grau de solidez e/ou poder e vontade de resistência. Desta tensão emergem novos arranjos societários que são incorporados e passam a compor o
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mundo moderno. (SANT’ANA JUNIOR, 2005, p. 36-37)
De modo a contribuir para a percepção das interações dialéticas provenientes do embate entre orientações culturais diferentes, além de destacar o caráter tradicional também presente neste projeto político, Adriano Duarte Rodrigues acrescenta que: (…) A ruptura a que a modernidade pretende proceder tanto pode ser feita em nome de uma plenitude ancestral perdida que se pretende restaurar, a cuja pureza originária se pretende voltar, como pode ser feita em nome de uma plenitude por vir. O retorno do arcaico é por isso muitas vezes uma manifestação de modernidade. Estes dois sentidos antitéticos dilaceraram, desde sempre, os projectos da modernidade, tendo dado origem a duas modalidades antagónicas, às modalidades romântica e progressista (...) (RODRIGUES, 1997, p. 2)
Como apontado por Rodrigues, tal busca pela “plenitude” foi conduzida de modo a abalar os próprios ideais iluministas, os quais levariam a humanidade a “caminhos emancipatórios”. Na metade do século XIX, após a assunção do poder e consequentes estabilizações das novas ordens políticas, a burguesia outrora revolucionária se impõe como classe conservadora e abandona o movimento progressista, opondo-se já aos emergentes discursos da classe proletária. Neste quadro, de acordo com Bezerra (2009, p. 3-4), “O humanismo, o historicismo e a Razão dialética não são mais reconhecidos por esta classe como instrumentos capazes de fundar cientificamente a ética e a ontologia”. Assim, levado adiante tal conjuntura política (o modelo capitalista), a modernidade, ainda em desenvolvimento, passa a acumular críticas de diversos intelectuais, sendo logo propagada sua condição de crise no início do século XX, a qual é potencializada com a Primeira Guerra Mundial. Desde então, com a continuidade e desenvolvimento do regime capitalista e sua assimilação por quase todo o planeta, a humanidade, ainda que com o ganho de benefícios implementados na modernidade, vivencia, em nome do “progresso”, a deflagração de diversas crises decorrentes deste modelo, as quais podem ser sintetizadas em torno de uma gestão ineficiente dos “direitos humanos” e da preservação ambiental, visando a manutenção da ordem e de privilégios. Haja vista as sucessivas guerras, utilização de armas nucleares, explorações de mão de obra, promoção das desigualdades sociais e tantos outros problemas com os quais se lida há séculos. No que tange à esfera ambiental, um importante momento de impacto na percepção do potencial catastrófico do capitalismo se dá nos anos 1970, com a consciência de uma emergência de crise ecológica sem precedentes (QUERIDO, 2009). Não se pretende, pontuando tais questões, destacar apenas os malefícios decorrentes da instauração do projeto moderno. Sem dúvida, no
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decorrer de sua implementação, diversos aspectos positivos puderam ser acessados pelas sociedades em geral, além dos bens culturais resultantes de tal processo dialético conforme mencionado. Todavia, intenta-se sugerir que, na contemporaneidade, entre benefícios e problemas, estes últimos tendem a assumir, na perspectiva de determinados grupos, grande relevância na concepção de “modernização” e, consequentemente, no bem estar social dos mesmos, sobretudo em fases de saturação e intensa propagação das ideias de crise através de diversos campos da comunicação. Nesse contexto, em certos grupos sociais, vincula-se à modernidade um caráter negativo, inclusive de “irracionalidade”, noção que passa a mediar as práticas culturais e equilibrar a ativação de valores modernos e de valores tradicionais de acordo com a subjetividade dos indivíduos, como sugere Rodrigues: Considerar a modernidade como uma dimensão da experiência, e já não como uma etapa histórica destinada a substituir a tradição, faz com que contrapor hoje as sociedades tradicionais às sociedades modernas se tenha convertido numa postura simplista e redutora. Na sequência da revisão crítica do processo de modernização, ambas as modalidades da experiência, tanto a tradicional como a moderna, deixaram de ser vistas como etapas épocas para passarem a ser encaradas como modalidades distintas da experiência que coexistem num mesmo espaço e numa mesma época. (RODRIGUES, 1997, p. 3)
Em consonância com a concepção de “modalidades distintas”, não se busca cair numa definição de polos opostos que são alternados pelo indivíduo, mas apontar uma forma de equilíbrio dialético operado pelos sujeitos. Ainda no sentido de não sinalizar, em alguns movimentos culturais contemporâneos, uma “reação romântica” frente ao mundo “modernizante”, mas sugerir que dentro destes pode estar em jogo novas reivindicações racionais, é válida a interpretação de Rouanet (1992) sobre o pensamento de Walter Benjamin, segundo o qual o que entra em decadência na modernidade não é ela própria como projeto, ou seja, a preconização da razão, da ciência e da liberdade, mas uma forma específica de realização deste projeto, que não teria se realizado em seus sentidos teleológico e normativo. Tomando tal perspectiva, determinadas expressões culturais da atualidade podem ser lidas menos como ecos do “Romantismo”3 e mais como redes em torno de uma racionalidade que, recorrendo à potência e (extra)temporalidade do lazer, atende a outras demandas psicológicas e sensoriais (noção que será retomada adiante). Nas entrevistas que possibilitaram o presente trabalho, não foi identificada, através dos
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Movimento surgido na Europa no século XVIII de cunho filosófico, político e artístico, tendo, entre suas características, o escapismo, o nacionalismo, a valorização da natureza e da cultura popular.
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discursos levantados pelos participantes do evento pé-de-serra, noções de dispensabilidade de valores políticos modernos, mas antes formas de necessidade de alternativas de experiência que, em parte, oriente-os a lugares simbólicos menos explorados4 pelo momento industrial, a um mercado menor ou à sensação da falta deste, potencializando a ativação das modalidades tradicionais de experimentação. Isto é, um desligamento temporário de determinados aspectos da vida cotidiana (muitas vezes condicionada pelo problema “perder / ganhar tempo”), os quais se pretende “esquecer” durante as horas de forró. Tal tendência à “excentricidade” na atualidade é percebida por Michel Nicolau Netto como uma reformulação da busca por “autenticidade”, entendida pelo autor como discurso fabricado (e legítimo), próprio da contemporaneidade (NETTO, 2008) e estimulada por determinados “efeitos restritivos” dos avanços das relações econômicas e da difusão da informação. À medida que determinados campos de saberes se ocupam de desconstituir a “autenticidade” como componente alcançável (existente), possivelmente está sendo indicada a importância das revisões de sentido a fim de sugerir caminhos a certos discursos que nela (“autenticidade”) encontram fundamento e tratam como uma questão de “resgate”. A esse respeito, Netto (2008, p. 61) pontua que “a valorização dessa cultura ‘autêntica’ deve ser ponderada, não se permitindo que o julgamento parta de um viés essencialista e sempre positivo”. Este viés que se deve desconstruir, no entanto, circula histórica e amplamente em diversos meios midiáticos, normalmente quando buscam fazer uso da categoria “tradição” ou mesmo é partilhado pelo senso comum, em meio escolar (normalmente em fases infantis) e demais espaços interessados em destacar uma “dimensão agregadora” das culturas populares, provavelmente uma herança de usos governamentais das culturas populares para esculpir uma nacionalidade. Nesses processos, geralmente se omite os conflitos que as envolvem, e ainda seus aspectos “contraditórios”, manipulativos e mercadológicos, terminando por reforçar uma concepção de “universos tradicionais”, que, entretanto, tende também a uma ideia de “isolamento”, romantizando as manifestações artísticas e acionando-lhes esporadicamente sob as formas de “guardiãs”, “folclóricas”, “patrimônio” e mesmo ainda como símbolos de afirmação nacional. Deste modo, gera-se um quadro em que, parte do repertório de associações ao 4
Vale ressaltar neste momento o surgimento do baião como um produto comercial, planejado, altamente utilizado pelas mídias à época como um recurso de atração das massas. No entanto, o distanciamento temporal de tal processo e o repertório (de imagens e narrativas) formador do universo “pé-de-serra” constituem as chaves importantes para seu reposicionamento, uma vez que se encontra à margem dos “grandes comerciais” atuais do mercado midiático.
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“mundo moderno” (descontentamento, insatisfação, desgaste, etc.), e parte do repertório de associações às culturas “populares” (comunidade, ludicidade, “afastamento” da grande indústria, etc.) contribuem para a compreensão mais sistemática das tendências em dicotomização (ainda que a saiba desconstruída no plano racional, mas opere como sensação) entre os perfis “pé-de-serra” e “eletrônico” (ou que contribuem para um desinteresse neste último). O antropológo Michel Agier acrescenta a esta problemática uma observação crucial: Assistimos então a atitudes que se dão o ar de retornos ("retorno à etnia") ou de recolhimento ("recolhimento sobre si", "recolhimento identitário", busca de "raízes") quando, ao descodificar os processos e resultados de sua busca, descobrimos antes inovações, invenções, mestiçagens e uma grande abertura para o mundo presente (AGIER, 2001, p. 10-11)
Diante de tal declaração, busca-se reforçar que movimentos relacionados à ideia de “raízes” não devem ser submetidos a uma leitura distraída que os reduza a “reflexos românticos” (sem desconsiderar suas possíveis posições essencialistas), de modo a compreendê-los enquanto manifestações da própria modernidade no seio de sociedades voltadas à serialização do “novo”. E, elevando tal perspectiva, destacar como podem agir as práticas culturais em suas tendências dialéticas, em vez de privilegiar, de tais práticas, uma análise que identifique suas “contradições” e “invenções” e as dirija a um esvaziamento de sentido, correspondendo-as a ideias ultrapassadas. Neste mesmo viés, fazse importante somar a este desdobramento sociológico o entendimento de que, entre importantes ícones envolvidos na “formação” do forró pé-de-serra, tampouco se observa comportamentos estritamente conservadores, desinteressados de prioridades individuais ou que se mostrassem “alheios” às relações dialéticas, complementares, entre tradição e modernização. Luiz Gonzaga, desde o início envolvido nos processos modernos, objetivava a manutenção do baião no grande mercado, mas também dizia perceber benefício nos períodos fora das mídias, “(...) É até melhor que seja assim, porque do contrário haveria um estouro nas paradas e depois um solene pé no traseiro, como todo mundo enjoado do baião.” (MARCELO; RODRIGUES, 2012, p. 270). Sobre as grandes marcas indumentárias idealizadas pelo sanfoneiro para o gênero musical (de cunho “tradicionalizante”), Gonzaga afirmou sobriamente, nos anos 1970, que as tais eram passíveis de modificação, sem que isso perturbasse seu entendimento de identificação nordestina: “eu acho que pro homem matuto, sertanejo, demonstrar que é sertanejo e que é
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vaqueiro, ele não precisa trazer o cheiro do vaqueiro, como muitos poetas aí, intelectuais, admitem (...) basta uma estilização. Eu cheguei a usar roupa de couro, roupa de vaqueiro, mas pesava muito, era muito incômodo (...) então fui modernizando uma coisinha, fui modernizando, acabei ficando só com a cabeça do Lampião, que foi essa que eu escolhi para caracterizar o meu tipo” (ENSAIO, [2013?]). Dominguinhos, considerado “sucessor musical” de Gonzaga, flertou com variados gêneros musicais durante sua trajetória, tendo sido “advertido” a ele, por Gonzaga, na abertura da música “Quando chega o verão” que: “(...) o seu compromisso com o nordeste é muito sério / você urbanizou o forró / daqui pra frente tem que ser tudo mais melhor” (DOMINGUINHOS, 1994). Em depoimento de 2007, Dominguinhos comenta a grande “ajuda” recebida por artistas como Gal Costa e Gilberto Gil, ícones do Tropicalismo (inspirado por vanguardas), no período de decadência do baião: “Eu trabalhei bastante com a Gal (...) ela, junto com Gil, (...) fez com que eu tocasse naquela época pra turma de universitários, que era o público deles (...) a sanfona caiu em desgraça nos anos 60 (...) apareceu o violão (...) Roberto Carlos tomou conta (...) e a sanfona ficou obsoleta (...) e aí eu fiquei, meu irmão passou logo pra piano, Moraes, e se deu bem, muitos amigos passaram (...)” (ENSAIO, [2013?]). Genival Lacerda, geralmente associado ao forró “malicioso” que nortearia a década de 1970 (MARCELO; RODRIGUES, 2012), em contraposição à frequente sexualidade “romântica” do “forró tradicional”, reagia prontamente diante de acusações sobre sua música ser “apelativa”, afirmando o seu “bom senso”: “minhas músicas têm um duplo sentido sadio”. E ainda, regravando “Tenente Bezerra”, de Gordurinha, orienta para um menosprezo da afamada (e universal) “tradição” de violência em nome da “moral” (MARCELO; RODRIGUES, 2012), fomentada historicamente no nordeste pelos governos e pelo Cangaço: “Hoje eu nem sei atirar, nem me interessa isso, não. Mas aprendi a xaxar e me formei no baião”. Em suma, situações e comportamentos que, além de iluminarem o entendimento da tradição em seu permanente diálogo com o mercado, com as subjetividades e com o presente, ressaltam conexões entre o forró pé-de-serra e o forró “moderno”, sem ignorar suas trajetórias, negociações e fronteiras simbólicas.
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6. DAMAS, CAVALHEIROS, REGRAS: observações sobre o forró em sua estrutura de jogo
A segunda questão que carece de desenvolvimento diz respeito às dimensões psicológicas e sensoriais ativadas no forró (aqui centrado no pé-de-serra), às quais os entrevistados fizeram referência de diversas maneiras, sendo compreendidas, então, como suas maiores motivações. Para dar prosseguimento a tal viés, será proposto e analisado o forró em sua estrutura de jogo, tendo como principal fonte para discussão o livro Homo Ludens do historiador Johan Huizinga (1938), na qual o jogo é pensado como elemento primário da cultura e avaliado em relação às suas funções sociais. Desde já, faz-se importante uma avaliação: Em nossa maneira de pensar, o jogo é diametralmente oposto à seriedade. À primeira vista, esta oposição parece tão irredutível a outras categorias como o próprio conceito de jogo. Todavia, caso o examinemos mais de perto, verificaremos que o contraste entre jogo e seriedade não é decisivo nem imutável. É lícito dizer que o jogo é a não-seriedade, mas esta afirmação, além do fato de nada nos dizer quanto às características positivas do jogo, é extremamente fácil de refutar. Caso pretendamos passar de "o jogo é a nãoseriedade" para "o jogo não é sério", imediatamente o contraste tornar-se-á impossível, pois certas formas de jogo podem ser extraordinariamente sérias. (HUIZINGA, 2000, não paginado)
A partir da concepção de jogo de Huizinga, o forró pode ser compreendido considerando o espaço concreto do evento como o terreno de jogo, lugar onde se adere a determinadas regras voluntariamente, e onde os dançantes5 (e também os músicos) podem ser observados como os jogadores. A observação de que “Dentro do círculo do jogo, as leis e costumes da vida quotidiana perdem validade (...) Esta supressão temporária do mundo habitual é inteiramente manifesta no mundo infantil, mas não é menos evidente nos grandes jogos rituais dos povos primitivos” (HUIZINGA, 2000, não paginado), leva à consideração das seguintes relações sobre as dinâmicas em eventos de pé-de-serra: o forró pode ser compreendido como um ambiente regrado que suporta certas variabilidades, como quando os convites à dança partem das mulheres aos homens (e também ao dançarem duas pessoas de mesmo sexo), uma vez que a “norma” seria o “cavalheiro” convidar a “dama” para a dança, ou ainda em casos de homens que sugerem ou se deixam ser conduzidos. Nesse sentido, a concepção de que as leis e costumes da vida cotidiana perdem a validade não se aplica ao forró, mas estes ficam sujeitos às regras do ambiente, podendo 5
A fim de diferir de “dançarinos”, normalmente vinculados a uma profissionalização.
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haver alteração, supressão ou reforço dos mesmos, a exemplo de certos referenciais machistas norteadores, como o entendimento de que é o homem que “deve” convidar e cumprir o papel de “condutor” da dança, consequentemente sendo visto como o “maior responsável” pela boa ou má desenvoltura da performance. Tal perspectiva da mulher como “coadjuvante” ou mesmo “acompanhante” do desempenho masculino é questionada por muitos, que atentam para a compreensão de que o movimento é resultante de um encontro dialético, de duas sensibilidades, isto é, fruto de uma comunicação. Nesse cenário, em vez de “bons, medianos e maus dançantes”, conforme supracitado, poderia se pensar em bons, medianos e maus jogadores, tanto homens quanto mulheres, entendendo tais percepções enquanto demarcações pessoais e mutáveis. A recorrente indisposição (acusada nas entrevistas) com “danças muito técnicas”, em outras palavras, com pessoas que possuem bom domínio na execução de movimentos, mas são percebidas como “mecânicas”, orienta para uma possível premissa, segundo a qual “saber dançar” não significa, necessariamente, saber jogar, indicando, assim, que esta é uma habilidade que envolve técnica, criatividade (características pessoais desenvolvidas a partir dos conhecimentos técnicos, superando-os) e perspicácia, a qual orientaria a quem convidar, em que momento, quantas vezes por evento, como se mostrar disponível ou indisponível, fomentando estratégias diversas para uma mediação de “convites” e apreensão de repertório gestual. Em suma, administrar um comportamento ligado a tentativas de “acerto” e “evolução”. A valorização de tal dinâmica no jogador, que compõe as normas no ambiente de certos forrós, pode ser, por extensão de sentido, relacionada a um “problema” identificado por Huizinga no esporte (entendido como forma de jogo), no contexto de avanço da modernidade: Ora esta sistematização e regulamentação cada vez maior do esporte implica a perda de uma parte das características lúdicas mais puras. Isto se manifesta nitidamente na distinção oficial entre amadores e profissionais (...) O espírito do profissional não é mais o espírito lúdico, pois lhe falta a espontaneidade, a despreocupação. (...) Uns e outros vão levando o esporte cada vez mais para longe da esfera lúdica propriamente dita (...). (HUIZINGA, 2000, não paginado)
Descartadas generalizações possíveis no trecho citado, pode-se evidenciar que as críticas relacionadas às performances ligadas a um excesso técnico e, possivelmente, a uma falta de “espontaneidade”, fazem menção a interesses por experiências que se construam, em parte, descomprometidas com uma ideia de “espetacular” e, em parte, nas quais os erros não “descontam” da performance, podendo ser aproveitados criativamente. No forró,
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então, é possível associar o jeito de dançar ao que seria um jeito de jogar, pois embora a dança seja uma criação dialogada, cada jogador tem suas características (nem fixas e nem imprevisíveis, já em um segundo contato) e as põe em um confronto produtivo com as do parceiro durante a música, elaborando comunicações não verbais (e também verbais, muitas vezes chamando para as regras, saudando uma sintonia entre os corpos ou ainda com objetivos de flerte). Tal “confronto” pode ser, para cada indivíduo da dupla, positivo ou negativo, de acordo com o desenvolvimento do encontro, ativando interações entre expectativa, rapidez, flexibilidade, contenção, encenação, improviso, equilíbrio, intuição e emoções diversas. Na dinâmica do terreno de forró,
O jogador pode entregar-se de corpo e alma ao jogo, e a consciência de tratar-se "apenas" de um jogo pode passar para segundo plano. A alegria que está indissoluvelmente ligada ao jogo pode transformar-se, não só em tensão, mas também em arrebatamento. A frivolidade e o êxtase são os dois pólos que limitam o âmbito do jogo. O jogo tem, por natureza, um ambiente instável. A qualquer momento é possível à "vida quotidiana" reafirmar seus direitos, seja devido a um impacto exterior, que venha interromper o jogo, ou devido a uma quebra das regras, ou então do interior, devido ao afrouxamento do espírito do jogo, a uma desilusão, um desencanto. (HUIZINGA, 2000, não paginado)
A interrupção (momentânea) do jogo do forró pode ser exemplificada, conforme muitas respostas nas entrevistas, pelo incômodo gerado por pessoas bêbadas, “aproveitadoras”, “encrenqueiras” e mesmo aqueles que “ignoram” alguns referenciais simbólicos no ambiente do forró, a exemplo de pessoas que aparecem com “roupa social” 6 (possivelmente vindas de uma jornada de trabalho), entre outros estilos que destoam do coletivo e reforçam essa distinção à medida que atuam. Nesse sentido, na obra de Huizinga aproveitada para a presente discussão, aparece o conceito do “desmancha-prazeres”, sendo o jogador que desrespeita ou ignora as regras: Este, porém, difere do jogador desonesto, do batoteiro, já que o último finge jogar seriamente o jogo e aparenta reconhecer o círculo mágico. É curioso notar como os jogadores são muito mais indulgentes para com o batoteiro do que com o desmancha-prazeres; o que se deve ao fato de este último abalar o próprio mundo do jogo (...) Todavia, freqüentemente acontece que, por sua vez, os desmancha-prazeres fundam uma nova comunidade, dotada de regras próprias. Os fora da lei, os revolucionários, os membros das sociedades secretas, os hereges de todos os tipos têm tendências fortemente associativas, se não sociáveis, e todas as suas ações são marcadas por um certo elemento lúdico. (HUIZINGA, 2000, não paginado)
Esta percepção possibilita pensar a manifestação do forró eletrônico enquanto 6
Mais características da vestimenta serão comentadas adiante.
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fundação dessa nova comunidade, a qual teria reformulado as “regras” ligadas ao “forró tradicional” de modo a atrair e agradar a outros jogadores (sem desconsiderar, no entanto, os movimentos de interseção dos públicos). Outro viés levantado em Homo Ludens (HUIZINGA, 1938) atenta para a repetição e a alternância como elementos chaves do jogo, através das quais se transmite algo, forma-se tradição. Nesse aspecto também se pode relacionar ao ambiente de forró, visto que se tende a um acúmulo de experiência provenientes do contato com o outro (e perante as movimentações coletivas), na assimilação da musicalidade, de aspectos físicos e psicológicos. A “transmissão” de tal experiência se dá de diferentes formas, mas também pode ser negada. Tal “transmissão” pode ser compreendida como mostrar as regras aos novos ou excluídos (ou novos e, por isso, excluídos – dos quais se costuma aguardar uma “amostra” de performance, ou mesmo “arriscar” uma dança), possibilitando-lhes melhorar ou diversificar suas performances. Duas falas de entrevistados, homens, abordam tal ponto “(...) quando eu vejo que a menina dança muito mal, eu tento muito não fazer bullying (...) porque eu acho que há dois, três anos, eu também não dançava e tirava as damas pra dançar e elas não gostavam... eu acho que o processo de aprendizado é esse também: você tem que dançar com alguém que sabe mais e ir tendo muitas experiências, para ir também fazendo a sua dança (...) muitas mulheres foram generosas comigo” e ainda: “porque acaba se criando um péssimo hábito, a meu ver um tanto comodista, de sempre se dançar ‘com quem sabe dançar’, e acho isso péssimo para o movimento como um todo, isto é, o fluxo de novas pessoas chegando e se tornando forrozeiras”. Alguns componentes visuais, em geral, contribuem para um processo de inclusão ou interesse sobre um “jogador” desconhecido por parte de “veteranos” (ou não). Nesse sentido, pode ser considerada uma adequabilidade indumentária para a prática do forró, visto que muitas mulheres costumam frequentar usando saias ou vestidos “folgados” (potencializando a beleza de alguns movimentos e favorecendo a mobilidade), além de calçados confortáveis - geralmente “rasteiros”; os homens também costumam utilizar roupas simples e de aparência confortável. Muitas vezes tais combinações aliam comodidade com acessórios artesanais ou demais elementos que versam com as linguagens do pé-de-serra, sendo estas um grande aspecto norteador de regras. Neste momento, faz-se importante frisar uma ressonância promovida por grande parte das narrativas dos gêneros musicais do forró pé-de-serra, as quais tendem a evocar “um tempo” e “um lugar” (não necessariamente “concretos”, e de certo modo coibidos no
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presente - fora do ambiente de jogo), gerando um movimento que conduz às suas “tradições”, operando em grande parte através da intimidade e da informalidade, estimuladas e suportadas pelo ambiente. Tal ressonância instaura no ambiente do forró uma certa “localidade” de dimensões estética e também emotiva, orientando suas normas e podendo transcender o mesmo, segundo observa Huizinga:
As comunidades de jogadores geralmente tendem a tornar-se permanentes, mesmo depois de acabado o jogo (...) a sensação de estar "separadamente juntos", numa situação excepcional, de partilhar algo importante, afastando-se do resto do mundo e recusando as normas habituais, conserva sua magia para além da duração de cada jogo. (HUIZINGA, 2000, não paginado)
Sem pretensões de tomar as expressões do autor de forma literal, nem desconsiderar os fluxos de novas pessoas que passam a frequentar e pessoas que deixam de ir (ou diminuem suas frequências), objetiva-se apontar uma tendência em formação de grupos, estimulados por tal compartilhamento que produz efeitos psicológicos e sociais que, de algum modo, continuam a reverberar fora do (e até o próximo) jogo. Cabe, enfim, mencionar algumas abordagens científicas ponderadas por Huizinga (2000) no que tange à função do jogo, tais como: “descarga da energia vital”, “instinto de imitação”, “necessidade de distensão”; considerando o componente “diversão” como um elemento chave e ainda incluindo sua função “de uma luta por alguma coisa ou a representação de alguma coisa”. Noções complementares que, complexificadas, podem ainda se deslocar e formular novos sentidos às suas funções. Tais abordagens, úteis às discussões sobre a cultura do forró pé-de-serra, evidenciam como certas expressões culturais podem ter suas leituras, em parte, pautadas pela perspectiva do jogo, contribuindo para ampliar o olhar sobre as estruturas e tensões de diversas manifestações.
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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho apresentou como hipótese central a ideia de que entre os interesses na cultura do forró pé-de-serra na cidade do Rio de Janeiro estaria o desejo por experiências artísticas ligadas à ideia de “tradições populares”, frequentemente observadas como autênticas, interrogando-se ainda se as discussões em torno de “defesa” da tradição, historicamente levantadas pelas elites intelectuais (também disseminadas no campo político e, em parte, no campo midiático), estendiam-se ao público do evento escolhido para estudo de caso. Para investigar tais associações, foram contatados frequentadores deste evento e realizadas entrevistas com perguntas discursivas que promoviam reflexões a respeito de temáticas como tradição, identificação, representatividade, motivação. As respostas obtidas, em parte, foram ao encontro da hipótese, à medida que, em geral, afirmaram distanciamento do forró “moderno” e valorizavam aspectos do forró péde-serra em sua ligação com a “tradição” e com o “popular”. Todavia, os posicionamentos sobre o “forró eletrônico” apresentavam mais desinteresse do que contrariedade, revelando-se, nas ocasiões de tais entrevistas, como um debate secundário ou uma discussão desinteressante em relação ao apontamento de impactos psicológicos e sociais articulados no ambiente de forró pé-de-serra. As afirmações quanto a um distanciamento do estilo “eletrônico” e a preferência pelo pé-de-serra impulsionaram a abordagem, na presente pesquisa, de uma discussão abrangendo a “modernidade”, como projeto político, e suas relações com a “tradição”, destacando aspectos recorrentemente apropriados para fundamentar interpretações que descrevam “reflexos do pensamento romântico” frente a variadas práticas culturais que versam com ideias de “recolhimento”, apontadas por Michel Agier (2001). As reflexões sobre a condução política do “projeto moderno” possibilitaram também propor fatores que contribuem para a percepção de uma dicotomia entre o forró eletrônico e o forró pé-de-serra, este compreendido em sua origem no Rio de Janeiro a partir de Luiz Gonzaga, e pensado o seu desenvolvimento em relação aos interesses do mercado cultural capitalista. Tais discussões puderam afirmar o caráter dialético das tradições e do próprio capitalismo frente a estas, apontando, no entanto, certas lacunas originadas por determinadas políticas apresentadas como progressistas. Após discorrer sobre alguns problemas que circulam entre as concepções de cultura popular, indústria cultural, “moderno” e “tradicional”, importantes para a compreensão de muitos discursos em um plano sociológico, passam a ter destaque, no presente texto, os
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mencionados impactos psicológicos e sociais relacionados ao ambiente de forró, entendidos, enfim, como as maiores motivações do grupo entrevistado para o acesso à cultura do pé-de-serra. Tal constatação produziu um novo movimento de pesquisas a fim de que se encontrasse uma abordagem que abarcasse os elementos que se buscou valorizar por trás da priorização da “dança” (a dois, sobretudo) como principal fator atrativo ao evento. A indagação passou a ser o que o “ambiente de forró” estaria mediando, para enfim observar na obra de Johan Huizinga (2000), em seu entendimento de jogo como elemento da cultura, a presença de aspectos do “jogo” no espaço de forró, possibilitando uma interpretação nesse sentido e uma compreensão com maior clareza dos modos como o forró promove regras, linguagens, imagens, tensões e afetos também dentro de sua estrutura como jogo. Em vista de tais problemas e debates, é ressaltada a complexidade da manifestação forró, em sua abrangência de grupos, discursos, sentidos e artes, sendo útil, assim, como ponto de partida para elaborar novas compreensões sobre as sociedades contemporâneas.
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APÊNDICE – Entrevista
Entrevista Idade: Sexo: Profissão: Bairro: Solteiro(a): ( ) sim ( ) não 1) Você conhece os termos pé de serra e forró eletrônico? (Há preferência e por quê?)
2) Quando começou a frequentar forró e por quê?
3) A que você atribui sua frequência ao forró? Numerar por ordem de relevância. Não é necessário numerar todos os itens caso não se identifique. ( ) Ao show / estilo musical ( ) À possibilidade de dançar junto com outro ( ) À possibilidade de flerte ( ) Pela sociabilidade ( ) Outro. (Qual?)
4) Dança regularmente outros ritmos?
5) Você costuma ir acompanhado(a) ao forró? De quem?
6) Você se identifica com os públicos do forró? Por quê?
7) Você já “ficou” com alguém que conheceu no forró?
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8) Você convida os(as) parceiros(as) para dançar ou aguarda ser chamado(as)? Possui critérios para aceitar/propor a dança?
9) O repertório de determinado grupo é que define o seu interesse pelo evento? Por quê? Na Música Popular Brasileira em geral, você tem artistas favoritos do gênero?
10) O que pode te desagradar no público presente?
11) Você frequenta a Feira de Tradições Nordestinas Luiz Gonzaga para dançar? Por quê?
12) Você se identifica com o nordeste? Por quê? Já foi à região?
13) Como você explicaria a vitalidade da cultura do forró pé-de-serra numa metrópole como o Rio de Janeiro, sendo uma expressão cultural com linguagens tão ligadas a um universo rural nordestino?
14) Em 2013, a União Nacional dos Estudantes (UNE) criou um projeto para transformar o forró em patrimônio cultural imaterial da humanidade. O que você pensa a respeito?
15) Você gostaria que as grandes mídias divulgassem melhor as produções contemporâneas e eventos de forró?
16) O que o forró significa para você?