ENTRETOQUES A vida de Afonso Maria da Cruz
BÁRBARA CRUZ
Texto: Bárbara Cruz Orientação: Sérgio de Sá Imagens: arquivo pessoal da família Cruz Diagramação: Eduardo Carvalho Este é um Trabalho de Conclusão de Curso desenvolvido na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília em julho de 2016
ENTRETOQUES A vida de Afonso Maria da Cruz
BÁRBARA CRUZ
Prefácio Por Jussara Tuma, filha única de Afonso Maria da Cruz 4
"Lê muito". Sim. Ele lia muito. Tinha uma biblioteca enorme em casa, na qual eu tinha minha própria estante cheia de livros. Ler muito, estudar muito, ser honesta, não ir contra minhas convicções. Algumas coisas que ele me deixou como legado, e das quais eu me orgulho todos os dias. Me lembro quando a Bárbara pediu autorização para escrever sobre meu pai. O tio que ela conheceu sob a visão e a memória da mãe e dos outros tios. Minha primeira reação foi de profunda alegria. A essa, seguiu-se uma pequena apreensão. Afinal de contas, eu também o conhecia muito mais pelas lembranças e histórias das outras pessoas do que pelos meus próprios olhos. Quem seria aquele que eu viria a encontrar em suas palavras? Aquele homem que foi um ativista e grande advogado, era para mim apenas o "Palito". Quem me levava pra comprar pão e passar na banca de jornal aos domingos, que me ensinava a tratar dos passarinhos nas gaiolas, com quem eu tinha verdadeiro ritual de despedida no topo da escada em casa e que todas as noites voltava do trabalho com uma "surpresinha" que era deixada em um local só nosso. Por trás daquela barba comprida e daqueles óculos de armação grossa. Por trás daquele homem que era um ás com os dedos postados sobre uma máquina de escrever, havia um pai extremamente amoroso e devotado à filha. Por meio desses "entretoques", lidos, aliás, justamente na fazenda onde ele nasceu e se criou, pude conhecer Afonso Cruz, aquele homem que até então era para mim o "Palito", e nada mais. Precisava de mais? Não. Definitivamente, sempre me bastou! Mal sabia eu que poderia sentir ainda mais orgulho. Com os olhos marejados e o coração apertado pelos quase vinte e seis anos de saudade, e na certeza de que ler a história do meu pai é mergulhar na própria História política recente do Brasil, deixo aqui meu eterno agradecimento à Bárbara pelo lindo trabalho realizado. Falar de política, de ativismo, de ditadura, de golpe, de prisões e torturas, e ainda assim conseguir produzir um texto leve e convidativo é tarefa para poucos e bons. Mas tem coisas que são de família. E, assim como o tio, ela "lê muito". Isso explica muita coisa!
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“A Chefia da Obra informa a seu respeito – Funcionalmente bom. Politicamente ativo na linha, ou melhor, sob o aspecto sindical. Politizado academicamente. Entusiasmado com a situação anterior. Decepcionado com a revolução. Lê muito”. É assim que um relatório escrito em junho de 1964 descreve Afonso Maria da Cruz. O documento discorre sobre as atividades do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Destilação e Refinação de Petróleo no Estado de Minas Gerais (Sindipetro/MG) e de seus integrantes, de maio de 1962 a junho de 1964, e serviu como base para muito do que aconteceria na vida de Afonso nos 26 anos seguintes. Segundo filho de onze, Afonso nasceu em 28 de fevereiro de 1941. De origem humilde, seu Teodoro e dona Nora criaram sete meninos e quatro meninas numa fazenda em Santa Rosa dos Dourados, distrito de Coromandel, no Triângulo Mineiro. Se estivesse vivo, em 2016, Afonso completaria 75 anos. “Entretoques” tenta reviver a memória, por meio de depoimentos daqueles que com ele conviveram, do personagem quase anônimo, que marcou um período importante da História do Brasil. Nas próximas páginas, as palavras aqui escritas vão comemorar a vida que Afonso viveu entre os toques de sua máquina de escrever.
fonso Maria da Cruz era de altura me-
Em abril, com o golpe militar que instau-
diana e magro, esguio como o pai e
rou a Ditadura Militar (1964-1985) no Brasil,
os irmãos. Durante a juventude, man-
Afonso começou a chamar a atenção de um
tinha apenas um bigode suntuoso que lhe
órgão que marcou a sua história: o Departa-
conferia charme e um pouco mais de idade.
mento de Ordem Política e Social (Dops).
A
Mais tarde, adotou uma barba grossa que, por muito tempo, foi sua marca registrada. Os óculos de aro grosso escondiam o olhar doce
Dops
e tímido. Era uma pessoa simples e humilde, bem-humorado e engraçado, calmo e racional, culto e inteligente.
e Social (Dops), criado na década de
Saiu da casa dos pais muito cedo. Na fazen-
1920 e extinto na década de 1980,
da onde morava, não tinha acesso aos estudos
foi um órgão do governo brasileiro
secundários, então se mudou para Patrocínio,
muito utilizado durante o Regime
a 60 quilômetros. Lá, estudava e trabalhava
Militar, entre 1964 e 1985. O obje-
como operário em uma fábrica de ladrilhos.
tivo do Dops era, principalmente,
Tinha 22 anos quando se mudou para Belo
controlar e reprimir movimentos
Horizonte, a cerca de 500 quilômetros de sua
políticos e sociais contrários ao go-
cidade natal. Logo que chegou na capital mi-
verno, e assegurar e disciplinar a or-
neira, morou em uma pensão, no bairro Flo-
dem militar no Brasil.
resta, num quarto de nove metros quadrados.
Em Belo Horizonte, o Dops fun-
Acabara de ser aprovado no concurso público
cionava em um prédio suntuoso na
da Petrobras, onde tomou posse no dia 26 de
Avenida Afonso Pena. Durante a Di-
junho de 1963.
tadura Militar, o local foi usado para
Como se diz em Minas, Afonso era bom de
prender e torturar presos políticos.
serviço. Em seis meses, foi promovido duas
Hoje, no prédio funciona uma dele-
vezes, acumulando aumentos que quase do-
gacia da Polícia Civil especializada
braram seu salário inicial. Mas não foi só sua
em combate às drogas. Em 2013,
competência que atraiu a atenção do coman-
o prédio foi tombado e atualmente
do da estatal. Em outubro do mesmo ano,
espera a desocupação do local para
Afonso foi eleito membro efetivo do Conselho
o começo da construção do futuro
Fiscal do Sindipetro/MG.
Memorial do Dops, que irá homena-
Em janeiro de 1964, começou a publicar
gear as vítimas de tortura em Minas
no Voga, jornal do sindicato. Escreveu arti-
Gerais. A OAB/MG reivindica uma
gos como “O Medo do Diálogo”, “Petróleo e
sala no local para prestar homena-
Liberdade” e “O Povo Reclama seu Minério”.
gem aos advogados que lutaram
O relatório escrito logo após o golpe classifica
contra a Ditadura.
os artigos como “de certo mérito, mas vasado (sic) de linguagem tipicamente esquerdista”.
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O Departamento de Ordem Política
Em 26 de janeiro de 1969, Afonso foi demitido da Petrobras.
área penal. “Como ele era de esquerda, juntou a fome com a vontade de comer: aplicou seu
Em certidão emitida pelo Dops em 1º de
conhecimento e se dedicou à defesa de per-
abril de 1970, a Petrobras informa que “desco-
seguidos políticos”, relembra Márcio Santiago,
nhecia os motivos da dispensa” de Afonso, já
colega de profissão, sócio no escritório onde
que ela “tinha sido determinada pela Divisão
Afonso começou e seu melhor amigo durante
de Informações sediada no Rio de Janeiro”.
a maior parte da vida.
Na mesma certidão, a Delegacia Regional do Ministério do Trabalho diz que “o referido foi destituído, por despacho ministerial de 15 de maio de 1965, do cargo que ocupava uma vez que ficou apurado que o mesmo, usando da posição que seu cargo lhe dava na entidade, promoveu intensa propaganda de doutrinas incompatíveis com as instituições e os interesses da Nação”. A Lei da Anistia, promulgada em 1979 pelo então presidente João Figueiredo, deu o respaldo jurídico para que Afonso lutasse pelos seus direitos. Ele, então, entrou com uma ação contra o Estado no dia seguinte em que a lei foi regulamentada em 1980. Em 1983, foi reintegrado ao quadro da Petrobras, porém a Arquivo Pessoal/ Fábio Cruz
restituição monetária só saiu após sua morte. No final de 1964, revoltado com o caminho que o país seguia, Afonso prestou vestibular e foi aprovado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Já trabalhava na Petrobras quando começou o curso na Faculdade de Direito, no prédio na Avenida Álvares Cabral, em 1965. Na UFMG, teve alguns mentores, dentre os quais o jurista e político Edgar da Mata Machado. A militância política de Afonso o levou a
Afonso se formou advogado na Universidade Federal de Minas Gerais e atuou em diversas cidades mineiras
se interessar primeiramente pela área Criminal e Penal, defendendo “figuras subversivas”
Advocacia
durante os anos mais duros da Ditadura Mi-
A advocacia militante, aliás, tirou dele
litar. Afonso, hoje, é mais conhecido na área
um momento que tradicionalmente marca
de direito trabalhista, mas ele começou na
a vida estudantil. Ele não pode participar
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Churrasquinho A mudança no visual foi radical. Duran-
e José Carlos da Mata Machado, um gru-
te uma das férias da faculdade, chegou
po importante na resistência à ditadura
na casa dos pais com a barba volumosa e
dentro do movimento estudantil entre os
algumas marcas pelo braço direito. Logo
anos de 1964 e 1969. Apesar de sua mi-
se percebia que a barba não estava ali por
litância ter sido majoritariamente intelec-
acaso ou por estética – escondia marcas
tual, teve um momento de luta armada.
também no rosto. A quem indagava, Afonso contava sem-
pertencia começou a planejar um atenta-
pre a mesma história: estava em uma de
do a uma casa no bairro do Prado. A casa
suas viagens de pescaria quando resolveu
era de David Hazan, delegado da Polícia
acender a churrasqueira. Tendo bebido
Federal que chefiava o Dops em Belo Ho-
demais, perdeu a noção do que estava
rizonte. Hoje, sabe-se que Hazan foi um
fazendo e o botijão de gás estourou em
dos maiores torturadores do regime mi-
sua mão.
litar, tendo sido aluno de Dan Mitrione,
Quem conhecia Afonso, sabia que a história era mais do que plausível – até
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Em 1968, o grupo da AP a que Afonso
agente norte-americano que ensinou técnicas de tortura a militares brasileiros.
se perguntavam como que isso não tinha
O grupo preparou bombas caseiras e
acontecido antes. Não demorou muito e o
foi ao local. No momento em que Afonso
apelido “Churrasquinho”, dado pelos cole-
descia do carro, o dispositivo que carre-
gas de trabalho na Petrobras, já tinha se
gava estourou em sua mão. Felizmente,
espalhado entre seus círculos de amiza-
um dos companheiros que estava no local
des e família.
era médico e a explosão causou apenas
Para muitos, a história continuaria a
algumas queimaduras pelo corpo e ros-
mesma até hoje. Mas a verdade é que
to. Afonso ficou alguns dias no hospital
Afonso pertenceu por pouco tempo à
e, quando voltou ao trabalho, os colegas
Ação Popular (AP), ao lado de colegas da
perceberam o corpo todo manchado e
Faculdade de Direito, como Plínio Arantes
criaram o apelido de Churrasquinho.
da sua colação de grau em 1969. À época,
não queria que isso acontecesse, então não
ele já ajudava a defender presos políticos
foi no dia da colação e seu nome não apa-
em Juiz de Fora antes mesmo de se formar.
receu no programa.
“Se descobrissem que ele não era ainda um
O colega de profissão Fahid Tahan Sab
advogado ‘de verdade’ poderiam cancelar
não poupa elogios ao trabalho de Afonso.
todas as defesas em que ele havia traba-
“Ele era um artesão de peças. Diagramava
lhado”, relata o advogado Luciano Marcos,
com perfeição e a redação dele era impecá-
que fora estagiário e depois sócio no escri-
vel.” Naquela época, existiam duas petições
tório de direito trabalhista de Afonso. Ele
das quais era possível reconhecer os auto-
res imediatamente. “A do promotor de Juiz de Fora, pelas besteiras que ele colocava e
Fusca
pela datilografia muito ruim, e a do Afonso,
Uma vez, Afonso ajudou um de seus
devido aos argumentos muito bem articula-
clientes a entrar na clandestinidade. Na
dos, à diagramação bem-feita e à elegância
época, ele tinha um Fusca branco. Foi
dos termos que ele usava.”
até Juiz de Fora, buscou o cara e o le-
Afonso nunca foi muito bem na tribu-
vou até Belo Horizonte. Naquela época,
na. Por conta da timidez, ele gaguejava, não
todo cuidado era pouco e Afonso era
conseguia seguir uma linha de raciocínio,
bem cuidadoso, mas, mesmo assim,
era um desastre. Mas no texto, era brilhan-
ficou com a impressão de que tinham
te. A escrita e a velocidade na máquina de
visto o carro e poderiam reconhecê-lo.
escrever foram características marcantes do
Então, Afonso levou o Fusca para uma
trabalho de Afonso. A fama impressionava a
oficina no bairro Nova Suíça. Num final
todos. “Tinha juiz que dizia: ‘Não deixe uma
de semana, o seu Fusca branco se trans-
máquina na mão desse cara que ele derruba
formou em um Fusca azul.
todos nós’. A escrita dele era boa desse tan-
Arquivo Pessoal/ Graça Cruz
Afonso aproveitava cada ocasião especial para ficar com a família. Do alto à esquerda em sentido horário: Dora, Teodoro, Tomaz, Graça, Afonso e Marta comemoram o aniversário de Graça em 1976
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to”, lembra Olímpia Marra, com quem Afon-
mais conhecida como Beth, e Geraldo Ma-
so foi casado de 1978 até sua morte.
gela, falecido em 1993. Juntos, o quinteto
Advogar contra o regime não exigia apenas técnica jurídica e organização. Exigia
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representou mais de cem prisioneiros políticos, apenas no presídio de Linhares.
também coragem e, muitas vezes, uma cer-
Beth, que se mudou para Brasília ainda
ta engenhosidade. Afonso tinha os dois de
na década de 1970, descreve Afonso como
sobra. O advogado e ex-secretário-geral da
uma pessoa simples e cativante. “Ele estava
OAB/MG Carlos Cateb escreveu o perfil de
sempre pronto para tudo. Ele se dedicava to-
Afonso no livro “Coragem – a advocacia cri-
talmente, corpo, alma e coração”, relembra
minal nos anos de chumbo”, homenagean-
Beth, que também trabalhou na defesa de
do o amigo e colega de longa data. Cateb
presos políticos na capital federal, incluindo
descreve Afonso como alguém que, desde
a de Honestino Guimarães, importante líder
jovem, “defendeu princípios políticos e ide-
estudantil na Universidade de Brasília desa-
ológicos que viabilizassem a mudança polí-
parecido político durante o Regime Militar.
tica, capaz de realizar a inclusão social dos
Afonso defendeu integrantes de orga-
pobres e alijados do processo desenvolvi-
nizações inseridas no cenário de luta con-
mentista e educacional”.
tra a ditadura. Em Minas Gerais, atuou em
No texto, Cateb narra algumas das peri-
praticamente todos os processos dos seus
pécias de Afonso, como a tática do cigar-
companheiros de AP, além de alguns da
ro. “Nossas visitas aos presos eram acom-
ALN (Ação Libertadora Nacional), da corren-
panhadas por policiais civis ou militares,
te vermelha do Partido Comunista do Bra-
armados, sempre atentos e muito perto de
sil (PCdoB), do Partido Comunista Brasilei-
nós, numa pequena sala do presídio de Li-
ro (PCB), e da Corrente (grupo político que
nhares, em Juiz de Fora. A turma inventou
surgiu em Minas Gerais a partir do PCB).
uma estratégia. Afonso e eu aceitamos os
“Advogado que defende quem luta pela li-
riscos: o preso relatava as torturas e depoi-
berdade é cúmplice em nome da liberdade”,
mentos em pequeno papel, retirava o fumo,
analisa Fahid.
inseria o bilhete e cobria com o fumo. Tro-
E, quase sempre, de graça. As famílias
cávamos os maços colocados estrategica-
dos réus vendiam artesanato para ajudar
mente no banco”, conta Cateb. “Tais pro-
como dava. “Com o dinheiro, a gente com-
cedimentos salvaram muitos militantes e
prava cigarro para os presos e ajudava tan-
tranquilizavam os familiares.”
to quanto podia os advogados. As viagens
Fahid recorda com carinho e emoção a
eram frequentes e os gastos, altos”, conta o
época em que trabalharam juntos. Eram um
jornalista Nilmário Miranda, ex-deputado fe-
grupo pequeno, de apenas cinco advoga-
deral e hoje secretário de Estado de Direitos
dos, que sustentou, muitas vezes de forma
Humanos, Cidadania e Participação Social
heroica, a defesa de presos políticos em Mi-
do Governo de Minas Gerais. Cateb relembra
nas Gerais. Além de Fahid, de Afonso e de
que os militares não entendiam como podí-
Cateb, formavam a turma Elizabeth Diniz,
amos defender presos sem o pagamento de
O ex-ministro Patrus Ananias conhe-
Pente
ceu a fama de Afonso antes de encontrá-lo
A primeira vez que foram juntos a
pessoalmente. “Ele era conhecido entre as
Juiz de Fora, no início de 1970, Fahid
pessoas que estavam na resistência à dita-
e Afonso estavam acompanhados do
dura”. Mais tarde, quando se aproximou de
amigo e cliente Plínio Arantes, que
Afonso, Patrus entendeu a fama do futu-
iria prestar um depoimento na cida-
ro amigo. “Ele era um excelente advogado,
de. Decidiram se hospedar no Hotel
muito atento e perspicaz. Mas o que me
Regente, um hotel “arrumadinho”, o
marcou mais foi a humildade e a inteligên-
que fugia à norma: o costume era se
cia dele”, rememora.
hospedar em “pocilgas” ou viajar de
Nilmário também conheceu o nome de
madrugada para não pernoitar na ci-
Afonso, no final da década de 1960, an-
dade ou até mesmo dormir e tomar
tes mesmo de conhecê-lo, somente em 75.
banho na própria rodoviária.
Afonso foi colega na Faculdade de Direito
Chegando ao hotel, Fahid logo en-
e, mais tarde, um dos advogados de seu
trou no banho. Começou a ouvir os
irmão, Oldack Miranda, que pertencia ao
dois amigos murmurando dentro do
mesmo grupo na AP. Afonso negociou para
quarto. Achou estranha aquela mo-
que Oldack se apresentasse no presídio de
vimentação, desligou o chuveiro, co-
Linhares, em Juiz de Fora, desde que ele
locou a cabeça pra fora e perguntou:
não fosse levado para centros de tortura.
“O que vocês precisam? De um pente,
Conseguiu uma pena de seis meses para
por acaso?”. Para surpresa de todos, a
o colega de faculdade. “Era uma pena pe-
resposta era sim. Os dois cabeludos
quena, não valia a pena, para ele, continuar
não tinham pente, mas o careca tinha.
clandestino”, relata Nilmário. Oldack cum-
Estava ali, então, forjada uma amiza-
priu, então, a primeira metade da pena em
de duradoura e profunda, na qual um
regime fechado no presídio de Linhares, e
completava o outro, um levava o pen-
a segunda metade em regime semiaberto
te que o outro esquecia.
em Barbacena, onde trabalhava e morava na casa dos tios durante a semana. Nos fins de
honorários. “Fomos muitas vezes acusados de recebermos dinheiro de Moscou”.
semana voltava para Linhares. Mais tarde, quando o próprio Nilmário
Nilmário descreve Afonso como um ho-
estava preso em Linhares, Fahid e Afonso
mem firme nas suas convicções e habili-
foram seus advogados. Em novembro de
doso no exercício do Direito. “Afonso era
1974, Nilmário já estava preso havia dois
uma pessoa totalmente identificada com a
anos e oito meses, e esperava uma medida
esquerda, não fazia segredo disso, mas, ao
administrativa para sair. “Me chamaram, eu
mesmo tempo, tinha uma capacidade enor-
fui achando que seria solto, mas tinham vá-
me de negociar com as autoridades milita-
rios homens com metralhadoras, viaturas.
res da repressão”, recorda.
Me enfiaram um capuz. Fui praticamente
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Arquivo Pessoal/ Graça Cruz Arquivo Pessoal/ Graça Cruz
Afonso gostava muito de viajar. Quando o irmão Geraldo foi morar nos Estados Unidos, Afonso aproveitou a oportunidade para visitá-lo. Em cima, Afonso (de bigode) conversa com amigos do irmão Geraldo. Em baixo, Afonso (dir.) e Geraldo matam a saudade
sequestrado dentro da prisão”, relembra. Nilmário foi levado para o DOI-Codi de
Nilmário. À época, ele ainda não conhecia Afonso pessoalmente.
São Paulo sem o conhecimento de Fahid,
Todos que conheceram Afonso ressal-
seu advogado principal. Chegando à capital
tam o pulso firme. Ele tinha convicções for-
paulista, foi direto para a tortura. Afonso e
tes e usou a advocacia em defesa daqueles
Fahid tiveram uma enorme atuação no caso,
que tinham as mesmas convicções. Tanto
pressionando intensamente o juiz Mauro
na área criminal, quanto na parte trabalhis-
Seixas Telles, em Juiz de Fora. “Depois de
ta, Afonso exerceu a advocacia com cora-
cerca de dez dias, voltei para Linhares sem
gem e cumplicidade. Isso fez com que ele
tomar banho, sem nada. Com a roupa que
fosse referência nas duas áreas.
eu saí, eu voltei e o pessoal logo me disse
Com o relaxamento da ditadura no fi-
para agradecer ao Afonso e ao Fahid porque
nal da década de 1970, Afonso passou a
foram eles que fizeram um escarcéu”, conta
se dedicar mais ao direito trabalhista. Em toda sua carreira profissional, ele prestou
DOI-CODI
assistência a mais de 20 sindicatos. Gostava de advogar para empregados, não para
O Destacamento de Operações e
patrões. Era um momento histórico para o
Informações – Centro de Operações
movimento sindical brasileiro. “Eu só fiz
de Defesa Interna (DOI-CODI), criado
parte dessa história porque o Afonso me
durante o regime militar subordina-
convidou para começar o escritório com
do ao Exército, seguia a Doutrina de
ele”, conta Santiago.
Segurança Nacional com o objetivo
Orlando Tadeu de Alcântara, conterrâ-
de combater “inimigos internos” que
neo e primo distante de Afonso, diz que
supostamente ameaçariam a segu-
o parente foi uma grande referência para
rança nacional.
ele no Direito. No início de 1981, Afonso
Existiam três DOI-CODI: Rio de Ja-
telefonou a Orlando, que estava então no
neiro, Recife e São Paulo. Na capital
nono período da Faculdade de Direito e lhe
paulista, o DOI-CODI foi comandado
ofereceu um estágio para trabalhar com
pelo coronel do Exército Carlos Al-
ele e com o Santiago no Sindicato de Me-
berto Brilhante Ustra. Além de Nil-
talúrgicos de Betim-MG. O sindicato estava
mário Miranda, outros nomes proe-
até então sob intervenção do Ministério do
minentes na luta contra a ditadura
Trabalho e uma nova diretoria acabara de
passaram pelo prédio no bairro do
ser eleita.
Paraíso, como a presidente afastada
Patrus, que à época também atuava
Dilma Rousseff, o jornalista Vladimir
na área trabalhista sindical, assessorou
Herzog, então diretor da TV Cultura,
a chapa de oposição durante o período
e o operário Manoel Fiel Filho, am-
de eleições. Depois das eleições, os ven-
bos mortos pela tortura.
cedores chamaram o escritório do Afonso para atuar como a assessoria jurídica
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oficial do sindicato. Afonso, Santiago e
lembrança que eu tenho dele é na porta do
Orlando assumiram os cargos na segun-
restaurante em que a gente almoçava com
da-feira, dia 4 de maio de 1981. Já Patrus
frequência, na 7ª Vara do Trabalho. Ele me
continuou dando assistência aos traba-
chamou para beber aquele dia e eu não fui.
lhadores, mesmo não sendo advogado
Eu poderia ter tido mais uma conversa com
oficial da entidade sindical.
ele. É com certeza um dos grandes arrepen-
Nilmário foi chamado para ser jornalista
dimentos da minha vida.”
do sindicato, onde trabalhou dois anos com Afonso, Santiago e Orlando. Ele lembra que foi nessa época que sua amizade com Afon-
O Ato Institucional número 5, instituí-
so se solidificou. Passaram a ser amigos e
do em 1968, deu início ao período conhe-
companheiros de trabalho. “Foi uma pessoa
cido como Anos de Chumbo. A repressão,
que me marcou muito. Ele foi líder de uma
cada vez mais forte e impiedosa, mostra-
geração de advogados pelo exemplo que ele
va a sua cara. O preço de lutar contra a
dava”, relembra Nilmário.
Ditadura Militar era, muitas vezes, alto
Não era à toa. Afonso fazia questão de
demais. Amigos ajudavam uns aos ou-
passar seu conhecimento adiante. Insis-
tros. “Era uma época muito difícil. Tínha-
tia em levar gente jovem para o escritório.
mos um lado sombrio para administrar. O
Gostava muito de ensinar e capacitar os jo-
Afonso tinha uma compreensão profunda,
vens. “Era algo que em muitos escritórios
sem igual, das fragilidades humanas. Isso
não acontecia por falta de paciência e tem-
dava um tom filosófico às nossas conver-
po”, relata Orlando, que atualmente é Juiz
sas”, recorda Patrus.
do Tribunal Regional do Trabalho em Minas Gerais.
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Prisão
O medo, a desconfiança e o sofrimento
Apesar do interesse em dividir o
estavam sempre presentes naqueles que
conhecimento, Afonso nunca quis ser pro-
discordavam do governo e lutavam pela
fessor. “Nunca passou pela cabeça dele ser
liberdade. Escritórios de advogados que
outra coisa além de advogado militante”,
defendiam presos políticos eram monito-
comenta Santiago.
rados pela Ditadura Militar. Em muitos mo-
O advogado Mário Lima, que também
mentos, era possível escutar o gravador do
fora estagiário e depois contratado no es-
outro lado. “Grampeavam nossos telefones
critório que Afonso fundou, rememora com
para saber qual família já tinha sido avisa-
emoção. “Se não fosse o Afonso, eu não
da, pra decidir se deslocava o preso ou não,
estaria aqui hoje, não teria chegado aon-
se matava, se torturava”, conta Fahid. Al-
de cheguei, não teria aprendido a advogar
gumas vezes, a suspeita se mostrava real;
na justiça do trabalho”, relembra, sentado
na maioria das vezes, não. Suspeitava-se
na mesa do bar que Afonso frequentava.
até que o ar estivesse contaminado. “Não
Os olhos lacrimejam. “Eu fico emocionado
havia nada pior do que a autorrepressão
quando lembro dele. Eu não o vi deitado no
que a gente fazia com medo da repressão”,
caixão. Não quis ver, me recusei. A última
relembra Fahid.
Arquivo Pessoal/ Graça Cruz
Afonso fazia questão de participar da vida dos irmãos e sobrinhos, como no aniversário de 2 anos de Michelle, filha da imrã Graça
Arquivo Pessoal/ Graça Cruz
Certo dia Afonso chegou em casa preocupado e resolveu que ele e o irmão Téo pre-
ter tido algum motivo’. Ele era radical”, recorda Téo.
cisavam tirar do apartamento que dividiam todo e qualquer livro que pudesse ser considerado suspeito. “Levamos malas e malas de
Afonso não gostava de conversar sobre
livros para outros lugares”, lembra o arquite-
política. A maior parte de seu círculo de ami-
to Teodoro Tomaz da Cruz.
zade participou da criação e da fundação do
Pouco tempo depois, o advogado esta-
Partido dos Trabalhadores, mas Afonso não
va em Juiz de Fora, na 4ª Auditoria Militar,
gostava do PT. “Ele dizia que, se um dia o
em janeiro de 1972. Defendia um de seus
PT chegasse ao poder, ele levaria a gente pra
clientes quando foi interrompido. No mo-
fora do país”, conta Olímpia. Pra onde? Esta-
mento em que o Afonso fazia sua susten-
dos Unidos, Europa, países vizinhos? “Não,
tação oral, chegaram um oficial do Exérci-
pra Cuba”. Afonso era comunista.
to e mais outros militares e o levaram.
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Política
Viu o surgimento do PT como uma trai-
No mesmo dia em que foi preso, Afon-
ção ao movimento de oposição que até en-
so foi transferido para o Dops de Belo
tão caminhava junto. “Eu atribuo a ira ini-
Horizonte. Segundo os processos do dia
cial dele ao fato do PT ter surgido de uma
7 de agosto de 1973, Afonso fora preso
separação da esquerda”, afirma o primo
com mais quatro pessoas: Waldir José Re-
Orlando. Afonso tinha a tese de que o sur-
zende, Mário Bento da Silva, Marco Túlio
gimento do PT dividia a força da oposição
Barreto Rocha Braga e Déa Márcia da Silva,
justamente no momento em que eles mais
de quem Afonso era amigo.
precisavam estar fortes.
Fahid estava em Juiz de Fora com
Na primeira eleição direta para presi-
Afonso e foi o único que não fora preso,
dente, em 1989, foi um custo paras os ami-
o que causou um mal-estar. “Muita gente
gos convencerem Afonso a votar em Luís
não entendeu minha ‘não prisão’”, con-
Inácio Lula da Silva. Os colegas de escri-
ta Fahid. Naquela época se desconfiava
tório conversaram e decidiram – inclusive
de tudo, inclusive dos amigos. Afonso
Afonso – que, no primeiro turno, cada um
acreditou nos boatos de que Fahid teria
votava em seu candidato preferido, mas
tido alguma coisa a ver com sua prisão
que no segundo turno votariam todos no
e os dois se afastaram por um pequeno
candidato mais à esquerda. Afonso concor-
período. “Fiquei chateado, mas depois de
dou e votou em Leonel Brizola. Mas Brizola
um tempo conversamos e esclarecemos
perdeu, Lula foi disputar o segundo turno
tudo”, relembra.
com Fernando Collor. “Nesse dia, a gente
A prisão repercutiu na família. Teodoro
se empenhou muito em convencer o Afon-
João da Cruz, pai de Afonso, era duro e
so”, conta Patrus. O PT estava à direita de-
severo. “Quando o Afonso foi preso, o pai
mais dos seus ideais.
foi muito direto. Ele dizia: ‘Se prenderam
Afonso não concordou com a filiação dos
ele foi porque ele fez alguma coisa, deve
amigos próximos ao partido e fez questão
de falar. Porém, é unânime entre os amigos:
Salinas. Suas preferidas eram Lua Cheia,
Afonso sempre foi muito respeitoso. “A gen-
Seleta e Cristalina de Picão. Em bares – os
te discordava, mas sempre com muito apre-
seus preferidos em Belo Horizonte eram o
ço um pelo outro”, explica Patrus. Nilmário
Merenda, o Maleta ou o Pelicano –, Afonso
conta que, nos churrascos e feijoadas no iní-
bebia chope com Steinhäger, uma bebida
cio do PT, ele estava sempre presente. Afon-
destilada de ervas. Mas ele não gostava mui-
so era um não-petista muito engraçado.
to de beber em bar, não. Preferia beber no escritório, ao fim do expediente. “Tinha dia
Seis e Um
que ia chegando gente, o povo empolgava e,
Afonso ia a todas as festas por dois mo-
quando via, tinha terminado a primeira gar-
tivos principais: apoiar os amigos e beber.
rafa de cachaça. Ele mandava alguém descer
E era exigente com a bebida. Cachaça boa
pra comprar mais, mas tinha que ser uma
era do Norte de Minas, de preferência de
dessas três”, lembra Mário.
Arquivo Pessoal/ Téo Cruz
Afonso gostava de ler. Lia de tudo. Sua biblioteca particular sempre foi invejável e aproveitava por todos os irmãos que, em algum momento, moraram com ele. Afonso (dir.) e Geraldo no apartamento que dividiam em Belo Horizonte (circa 1996)
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O escritório que Afonso fundou fica-
te conversar, Téo marcava um horário e ia
va no Edifício Joaquim de Paula, na pra-
até o escritório de Afonso. Durante o dia,
ça Sete de Setembro, na capital mineira, e
era certeza que ele estaria completamente
não era muito grande. A mesa de Afonso
sóbrio e compenetrado.
ficava no final da sala. Ao lado tinha um
A morte de Afonso não foi surpresa nem
pequeno armário; dentro, uns garrafões
pra ele próprio, nem pra quem o conhecia.
de cachaça; em cima, uma bandeja com as
“A gente já esperava que aquilo pudesse
“cumbuquinhas” de barro. Não se podia
acontecer. Ele estava sem controle”, relem-
beber antes das seis horas da tarde. Ho-
bra Téo. Quando os amigos o questionavam
rário de trabalho era horário de trabalho,
ou lhe pediam para não dirigir bêbado, ele
e Afonso não admitia nada menos do que
insistia. “Meu carro já sabe o caminho de
completa dedicação.
casa”, dizia Afonso. E ia. “Uma vez ele tinha
Em compensação, dava seis da tarde,
bebido tanto que a gente achou que ele nem
Afonso abria o armarinho, pegava a cacha-
chegaria em casa, mas chegou. Na outra
ça e às seis horas e um minuto bebia a pri-
vez, nem tinha bebido muito e não chegou”,
meira dose. “Mesmo se a gente estivesse
recorda Mário.
cansado ou se terminasse o trabalho antes
No dia 28 de novembro de 1990, uma
das seis, a gente ficava pra dose de cachaça
quarta-feira, Afonso, Orlando e Luciano
às seis e um”, conta Orlando. E tinha gente
saíram do escritório por volta de 19h30
que ia lá só pra isso, desde o porteiro do
e foram tomar um chope no Merenda. Or-
prédio até deputados e jornalistas que co-
lando foi embora uma hora depois, pois
nheciam Afonso.
iria a um show do Caetano Veloso. Afonso
O ritual diário marcava o final do dia do
e Luciano seguiram então para a casa de
trabalho e o início da noite de descanso.
Luciano, onde Afonso ficou cerca de uma
Hoje, é como seus amigos chamam a mesa
hora, bebeu mais algumas doses de ca-
de bar onde se reúnem semanalmente – Seis
chaça e seguiu seu rumo. No dia seguinte,
e Um também é legado de Afonso.
teria uma audiência cedo com Santiago e
A dedicação que Afonso dava ao traba-
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queria descansar.
lho, aos amigos e à família, ele estendia à
Orlando chegou em casa por volta das
bebida. Foi com essa dedicação que ele vi-
3h da manhã e, pouco tempo depois, rece-
veu e com ela ele morreu.
beu um telefonema de Olímpia dizendo que
“Ele tinha o problema com o alcoolismo,
Afonso não havia chegado em casa. Na hora
mas era de uma disciplina impressionante.
imaginou que alguma coisa grave tivesse
Enquanto ele estava trabalhando nem pen-
acontecido. Esperou um pouco e por volta
sava em beber”, relembra Nilmário. O irmão
das 5h da manhã fez o percurso de carro
Téo confessa que, nos últimos anos de vida
que Afonso normalmente fazia. Orlando,
de Afonso, evitava encontrá-lo depois das
inclusive, passou pelo local onde aconteceu
seis da tarde. Se precisasse tratar de algum
a batida, mas não tinha mais nada lá. Foi di-
assunto com o irmão ou se quisesse somen-
reto para o escritório e pouco depois das 8h
da manhã recebeu a ligação de um policial que lhe contou o que tinha acontecido.
Afonso foi enterrado no cemitério de Contagem, cidade que escolhera para morar
Afonso sofreu um acidente no cruzamen-
com a esposa e a filha Jussara. Em 1995, cin-
to da BR 040 com a MG 432 por volta das
co anos após sua morte, seus restos mortais
22h30. Foi socorrido por um taxista, que o
foram transferidos para o cemitério de San-
levou ao hospital Odilon Behrens, onde fale-
ta Rosa dos Dourados. Hoje descansa junto
ceu ainda na noite de quarta-feira. Orlando,
com seus avós paternos.
Téo e Carlos Gonçalves da Cruz, sobrinho de
Afonso Maria da Cruz tinha 49 anos.
Afonso, foram até o Instituto Médico Legal.
Deixou esposa, uma filha, um pai, uma
No momento de reconhecer o corpo, apenas
mãe, seis irmãos, quatro irmãs e quase 26
o irmão e o sobrinho entraram na sala.
anos de saudade.
Bárbara Cruz
Depois de anos, Afonso finalmente voltou para a vila onde nasceu. Lá descansa até hoje, sob citação de um de seus autores preferidos
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Dura lex, sed lex por Afonso Maria da Cruz (Publicado no livro “Rua Viva”, de Betinho Duarte)
Justiça, clama o povo massacrado Por ti, que és irmã gêmea da Razão E do Direito!...Tens em tuas mãos Espada Nua e pratos equilibrados. Sabes tu onde estás? Creio que não; Tu não vês, os teus olhos vendados Te proíbem os possíveis olhados E não te permitem enxergar a Razão. Tu estás aos caprichos submissa De autoridades alheias de preguiça Tornando-se, hoje, uma força morta! Bem conheces o campo que exploras? Parece que não. És cega, tu ignoras teu caminho e trilhas linhas tortas!