Outro dia uma companheira de bambolês pediu umas dicas sobre como montar coreografias. Bem, pensei muito sobre isso. Não sei se existem regras para montagem de coreografias e, conversando com algumas amigas bailarinas, cheguei a conclusão de que cada um faz suas regras mesmo. Também fiquei me perguntando as diferenças entre metodologias de quem monta um número (denominação usada dentro do circo para apresentações curtas) e quem monta uma dança breve. Pensei sobre essa diferença porque sei que existem artistas, como por ex o palhaço Tomate (se não me engano), que dão oficinas onde passam passo-apasso como montar a estrutura de um número. Uma vez, conversando com um amigo, ele disse que de acordo ainda com Tomate, vc inicia um número com um grande truque, e termina com um truque melhor ainda. Bom, é de se pensar sobre o caso. Já no caso de dançarinos, não sei se existe alguém aí dando aulas sobre como montar uma coreografia, mas claro, acredito que sim. Acredito que sim mas imagino que a maneira de pensar sobre seja bem diferente. Como o bambolê transita muito rapidamente entre circo, malabares, dança e o que mais vc quiser, fica ainda maior a gama de possibilidades para se pensar a estrutura de um número/coreografia. Já que este canal diz respeito a atual montagem do número Meus Tons de Mulher, falarei um pouco a respeito da minha experiência neste processo, e espero que possa servir para alguém Meus Tons de Mulher, diferente de outros trabalhos que apresento, surgiu a partir da vontade de utilizar de forma mais estruturada meus bambolês de tinta. Bom, eu poderia ter simplesmente criado um sequência de movimentos (isso ainda será um oooutro projeto, Tinta em Movimento), mas entrei justamente na questão que tem norteado meu número. O que todas essas cores, elementos e formas representam pra mim? Quando decidi que gostaria de falar sobre aspectos das mulheres, comecei a imaginar diferentes situações e histórias que poderiam sustentar a estrutura do número. Nao acho que uma história seja necessária para montar um número, mas ajuda ter algo na cabeça. A partir das coisas que vieram na minha cabeça, comecei a pensar o tipo de movimento que iria fazer com o bambolê. Isso foi uma opção – no número MAMAM eu penso ao contrário. A partir de uma movimentação pré-definida, imagino o que eu gostaria de passar para o público com esse movimento (a dança Indiana tem me ajudado muito a pensar assim). Voltando aos bambolês de tinta – o video relacionado a este texto é um exemplo da maneira que venho pensando. Eu imaginei, por exemplo, só como uma maneira de me nortear, o despertar de uma mulher ou essa energia que existe nesse despertar. Bom, pensando nessa energia e num plano baixo de movimentação, comecei a pesquisar movimentações que traduzissem o que eu
quero, e ao mesmo tempo não fossem entediantes para o público. Confesso que até agora não cheguei a nada muito emocionante em nível técnico, mas a simples pequisa de movimento me encanta. Com ajuda do diretor, avaliamos o que funciona e o que não funciona. Fiz inúmeras experimentações até chegar numa pequena partitura de movimento no chão, que vcs podem ver no final do video (e que já foi modificada novamente). Entao, de partitura em partitura, de acordo com o que sinto, chegarei ao número final uma hora dessas (espero). Isso é um jeito, e estou ainda falando bem simplificadamente sobre isso. Daria para aprofundar em termo de qualidade de movimento, energia, e tudo mais. É claro que durante o número todo tenho uma preocupação em colocar alguns truques mais difíceis, e penso também em como trabalhar minha movimentação para que não fique tudo com um ritmo e uma cara muito linear. Não que eu ache proibido uma dança ou um número linear maas, tem a ver com que vc quer ou não passar para o público. Em termos objetivos, um número linear pode ser meio cansativo. Eu considero que, pra quem nunca viu bambolê, olhar uma pessoa roda-lo na mesma frequencia durante 5 minutos pode ser hipnotizante. Mas para muitos será cansativo. MAS, se o seu objetivo é ir ao limite de um mesmo movimento, ou um mesmo tempo, ou até mesmo se vc quer causar uma determinada sensação no público, pode ser! Por que não? Acho que não existem regras precisas neste jogo Pra quem quer montar uma coreografia e não sabe por onde começar, acho os aspectos aqui mencionados válidos: a) pensar em um tema – desenvolver movimentos que de alguma forma (nem que seja apenas na sua cabeça), traduzam o que você quer dizer OU - criar uma sequência de movimentos e truques que vc gosta e gostaria de apresentar e achar algum tipo de significado para essa movimentação > encontrar um ESTADO pode ajudar muito a diferenciar diferentes momentos e qualidades de movimento do número > quanto mais FIEL e VERDADEIRA vc for, mais fácil será se comunicar com o público. Ex: quero mostrar que estou despertando e sou leve neste momento. Então meu corpo precisa entrar em um estado, como se estivesse realmente acordando. Meus gestos precisam ser verdadeiros e não simplesmente fingidos. b) pensar na linearidade da sequencia que vc está montando. Mudar um pouco os ritmos, tentar fazer mais rápido algumas coisas, tentar fazer mais lento. c) mudar um pouco os planos, fazer a mesma coisa no alto, médio e baixo plano d) prestar atenção em como vc utiliza o espaço. Você consegue ocupar bem o espaço que tem para dançar? Você faz sempre o mesmo desenho pelo espaço?
e) prestar atenção se as mudanças que vc provoca de ritmo, plano e espaço não acontecem sempre dentro de um mesmo padrão. Pode ser legal quebrar esse padrão, principalmente se vc não tem a intenção de estar dentro de um padrão f) prestar atenção em cada micro parte do corpo. O que a unha do seu dedinho do pé está fazendo enquanto vc roda o bambolê na cintura? Para onde está olhando? Graças ao meu diretor, pude perceber que não estava estudando minhas sequências de forma exata. Decupar um movimento é importante para entendê-lo bem. Eu fazia isso, mas não suficientemente minucioso como tenho feito agora. E isso super ajuda, principalmente se vc está querendo colocar aquele movimento difícil e desafiador, que vc nunca tem certeza se vai acertar. Não coloque no número algo que vc não consegue executar direito, porque isso vai te deixar nervoso na hora. Mas vc pode ter como meta executar bem alguma coisa, e quanto mais minuciosamente vc estudar essa coisa, mais fácil e mais rápido será acertá-la. Encerro aqui porque já está muito longo. Mas ficam as dicas que eu utilizo e que espero, possam ajudar. Uma linda semana de muito bambolê a todos!