Bárbara Mühle
ocupações de moradia no
centro possibilidades do morar
ocupações de moradia no centro possibilidades do morar
Barbara Moura e O. Mühle Orientação: Caio Santo Amore e Camila D’Ottaviano Trabalho Final de Gradução Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo Julho 2020
resumo
Este trabalho se propõe ressaltar os aspectos que ampliam o significado do morar nas ocupações de edifícios ociosos dos movimentos sem-teto dos centros urbanos, entendendo as ocupações como locais de ressignificação de formas de convívio coletivas, de ampliação de oportunidades e de participação popular. A partir da aproximação com os movimentos sem-teto, propõe-se explorar o desenvolvimento de uma prática alternativa de projeto em edifícios ocupados que seja coerente às formas de organização, participação e autogestão praticadas nestes espaços pelos movimentos de moradia. Uma prática que atente às necessidades de melhoria das condições habitacionais existentes e às potencialidades das relações sociais construídas. Para a elaboração do trabalho é realizada uma contextualização acerca das disputas territoriais e da defesa pela moradia digna na área central de São Paulo, e são levantados paradigmas e entraves dos processos de reforma e requalificação de edifícios quanto política de provisão habitacional. Para exploração do tema, dirige-se o olhar do estudo à Ocupação Ipiranga 879 do Movimento de Moradia Central e Regional (MMCR), a partir da elaboração de uma leitura sintética e de ensaios de intervenções.
Ao meu pai, alegria e amor que vivem em mim.
agradecimentos
Agradeço ao Caio, arquiteto e professor, que pelos valores e integridade me inspiraram desde o começo da graduação. Agradeço à Camila, pelo acolhimento no desenvolvimento desse TFG e pelo compromisso atencioso à qualidade. Agradeço especialmente à Conceição, Tania, Leo, Vivi, e todos outros participantes do MMCR, pela abertura, tempo e disponibilidade sem os quais este trabalho não seria possível. Agradeço também à Luciana Bedeschi pelo auxílio no momento de pesquisa. E a todos aqueles que acompanharam este processo. À minha mãe, pelo apoio, carinho e motivação. Aos queridos amigos, e em especial àqueles do GCA, grupo de extensão universitária popular, pelos aprendizados e reflexões de tamanha importância nessa formação. E por fim, aos belos anos vividos nessa faculdade, que me proporcionaram grandes afetos e alegrias.
índice
09
introdução
12
justificativa
13
estrutura e metodologia
15
a defesa da moradia na área central
16
o centro de São Paulo
20
moradia na área central
21
os movimentos de moradia do centro de São Paulo
24
as disputas atuais
32
as ocupações de edifícios ociosos
34
ocupações e sentido ampliado do morar
39
paradigmas das reformas e reabilitações de edifícios no Brasil
40
políticas públicas
47
defesa das reformas e reabilitações
51
prática alternativa de projeto em edifícios ocupados
63
síntese de leitura
67
ocupação Ipiranga 879
103
ensaio de intervenções
123
considerações finais
126
bibliografia
130
anexo 01
introdução
Podem cortar água, podem cortar luz, podem por polícia 24 horas, que a gente vai permanecer na luta. Nós não somos bandidos, nós não somos vagabundos e nós não temos vínculo com a criminalidade. Aqui são pessoas que precisam de moradia, que é um direito constituído. Então a gente vai atrás daquilo. Se o governo fizesse a parte dele, não tinha sem-teto, não tinha sem-terra, não tinha nada. Eles acham que somos coitadinhos. Nós não somos não, gente! Quebrem esse paradigma que sem-teto são pobres coitados (...). A gente tá trazendo as pessoas das comunidades pra crescer, se empoderar. Ocupar o centro porque é aqui que a gente quer morar. Tania, moradora da ocupação Ipiranga.
As primeiras ocupações de edifícios vazios ou subutilizados em São Paulo ocorreram no final da década de 1990, como estratégia de denúncia por parte de movimentos sociais organizados da falta de moradia digna para grande parte da população e da grande concentração de edifícios ociosos, como forma de reinvindicação por políticas de provisão habitacional em áreas centrais.
Imagens 01 e 02 - Entrada e fosso da ocupação José Bonifácio. Foto: autora. 1 Relatório Visitas Técnicas realizadas pelo Grupo Executivo, instituído pela Portaria nº 353, de 16 de maio de 2018. Secretaria Especial de Comunicação. Disponível em <http://www.capital.sp.gov. br/noticia/prefeitura-concluiu-visita-as-ocupacoes-com-tres-interdicoes-e-criacao-de-grupo-de-trabalho-permanente>. Acessado em 7 de junho de 2020.
No decorrer do processo de luta por moradia, alguns movimentos e lideranças passaram a considerar as ocupações de edifícios vazios não mais como um ato político transitório e pontual, mas como uma possibilidade concreta de habitação. A partir da organização social e popular, muitas ocupações puderam se consolidar e resistir a constantes pressões contrárias à presença de famílias pobres no centro da cidade, constituindo ali locais de moradia mais adequados. As ocupações se estabelecem como ferramenta de luta e de apropriação popular das regiões centrais, e se colocam contrárias à segregação socioespacial institucionalizada nas cidades brasileiras, que empurra os pobres para as regiões periféricas. O título deste trabalho se refere às ocupações como possibilidade de moradia e também quanto mobilizadoras de novas oportunidades, através da ampliação do caráter do morar, ao criar nestes espaços modos de vida coletivos que fortalecem a luta social por direitos e também o desenvolvimento individual. A cidade de São Paulo possui hoje cerca de 51 ocupações de edifícios ociosos1, algumas coordenadas por movimentos sociais organizados e outras não. Além de um teto, muitas das ocupações oferecem a seus moradores espaços comuns de convivência, geração de renda, bibliotecas, brinquedotecas e salas de estudo. As ocupações impactam positivamente as cidades na medida em que levam vida aos centros, e com isso, contribuem para a segurança de seu entorno e fortalecem o comércio local e o uso dos equipamentos públicos.
Em maio de 2018, o incêndio e colapso do edifício ocupado Wilton Paes de Almeida no Largo do Paissandú provocou fortes ataques às ocupações por parte da mídia e a abertura de um processo de criminalização dos movimentos de moradia2, numa tentativa de culpabilizá-los por uma situação fruto da negligência estatal.
de trabalho intersetorial3, que realizou visitas às ocupações e apontou medidas preliminares de qualificação para segurança e salubridade das moradias e dos edifícios com um todo. Essas visitas revelaram que as condições dos edifícios eram menos alarmantes do que o senso comum poderia supor, justamente pela ação dessas organizações populares.
A tragédia do edifício Wilton Paes foi ponto de inflexão no olhar do poder público sobre as ocupações de edifícios ociosos graças ao trabalho de técnicos de Prefeitura de São Paulo, articulados a lideranças de movimentos de moradia e seus apoiadores. Pela primeira vez foram levantadas as condições de habitação nas ocupações pela municipalidade, através da criação de um grupo
A forma como as ocupações de edifícios são tratadas atualmente pode ser comparada ao tratamento dado às favelas historicamente. Até os anos 1960, prevaleciam as ações de remoção e reassentamento em conjuntos habitacionais longínquos. A partir dos anos 1980, em meio ao processo de redemocratização, a luta popular, apoiada por gestores públicos, arquitetos e assis-
Imagem 03 - Edifício Wilton Paes de Almeida. Foto: Paulo C. Rocha - Rede Brasil Atual. 2
Por quatro meses quatro lideranças de movimentos de moradia estiveram presas (Ednalva Franco, Sidnei Ferreira, Preta Ferreira e Angélica dos Santos Lima), acusadas de extorsão em processos baseados em denúncias infundadas no âmbito das investigações decorridas após o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida. 3
O grupo foi composto por técnicos municipais acompanhados de membros das organizações populares, professores e pesquisadores universitários, e assessores técnicos.
tentes sociais, mostrou que era possível criar diálogo entre os moradores e o poder público, manter parte da população no local e melhorar as condições de vida naqueles territórios, considerando a requalificação do tecido urbano existente e das moradias. De maneira análoga, é possível levantar um debate sobre intervenções em edifícios ocupados no centro que possam melhorar as condições de habitação, sendo elas progressivas no tempo como forma a minimizar remoções e melhorar as condições habitacionais. De obras emergenciais de segurança e habitabilidade às obras infraestruturais e regularização da posse, os próprios instrumentos de projeto e planejamento podem ser colocados em xeque neste contexto. Este trabalho final de graduação teve como propósito inicial compreender as ocupações de moradia como espaços de ampliação de direitos sociais, construção de autonomia, engajamento e articulação comunitária. A aproximação com os movimentos sem-teto do centro da cidade de São Paulo conduziu ao questionamento sobre as formas de atuação dos arquitetos e urbanistas e do poder público neste contexto, mais especificamente sobre a elaboração de projetos de reforma e reabilitação de edifícios para moradia de interesse social. O protagonismo e organização social encontrado nas ocupações parecia não caber no senso comum do processo de projeto de arquitetura, muito menos naqueles que se afastam do diálogo e reificam o edifício e o trabalho técnico em detrimento das pessoas. A partir daí, surgiu a necessidade de realizar uma discussão metodológica sobre a prática de projeto, buscando uma alternativa que contribua e valorize os processos e dinâmicas existentes nas ocupações. De maneira flexível e orgânica, discute-se uma prática que possa incorporar as complexidades das ocupações, em suas necessidades e imprevisibilidades, nos recursos disponíveis e na progressão de intervenções no tempo, tendo como base a construção coletiva de soluções. Para tanto, como forma de reflexão e proposição, é dirigido o olhar para a Ocupação Ipiranga 879 pertencente ao Movimento de Moradia Central e Regional (MMCR), que gentilmente abriu suas portas para o desenvolvimento deste trabalho.
Justificativa O centro da cidade de São Paulo e seus conflitos, felizmente, são objeto de estudos já bem abordados pelas universidades. Este trabalho parte então de uma vasta produção bibliográfica a respeito do tema (BLOCH, 2007; HELENE, 2009; MURAD, 2019, BARBOSA, 2014; BOMFIM, 2004; NEUHOLD, 2009), e objetiva colaborar com as discussões relacionadas aos movimentos sociais e a luta por direitos à moradia, cidade, educação e cidadania. A escolha em trabalhar com movimentos de moradia no centro da cidade de São Paulo foi baseada na admiração pela organização, articulação e mobilização realizadas por seus militantes. Uma luta potente, que vai muito além da moradia, transforma realidades de maneira efetiva e propõe novas maneiras de convivência, mais coletivas, comunitárias e dignas. Em situações distintas, tanto na periferia, no meio rural, nos territórios indígenas, como nos centros urbanos, movimentos sociais se organizam de maneira emancipatória, politicamente consciente e engajada, criando sensos
de comunidade, apoio e principalmente de luta. Os movimentos sociais organizados, com estratégias e características particulares, encaram questões de raízes comuns e estruturais na sociedade, explicitam a luta por direitos básicos, ocupando espaços que, aos olhos de muitos, não deveria lhes pertencer. Em tempos atuais enfrenta-se um cenário de escalada de conservadorismos e retrocessos, que intensifica a perseguição e criminalização de movimentos sociais. Neste momento de sombras, é imprescindível colocar luz sobre as iniciativas e experiências dos movimentos populares, que mantém acesa a esperança de construção de um país mais justo, mostrando a importância da união de forças em prol da garantia de direitos sociais democráticos. Pela luta de movimentos sociais muito já se foi conquistado, e disso não podemos abrir mão. A universidade, especialmente a universidade pública, tem a potência de fortalecer e embasar discussões, apoiando movimentos sociais nesse contexto, e aprendendo muitíssimo com essas organizações.
Imagem 04 - Ocupação José Bonifácio. Foto: Caio Sens. 4 Visitas Técnicas de Requalificação de Segurança. Relatório nº COMDEC – 025/ PORT. 353/18. SMSU – Coordenação Municipal de Defesa Civil. Prefeitura Municipal de São Paulo, 2018. 5 Site MMCR disponível em <https://mmcrmovimento. wixsite.com/mmcr>.
Estrutura e metodologia Na primeira parte deste trabalho é realizada uma contextualização acerca das disputas territoriais e a defesa pela moradia digna na área central de São Paulo. Em seguida, são expostas as discussões em torno das reformas e requalificações de edifícios como provisão habitacional, seus entraves e potencialidades. Na terceira parte, uma Prática Alternativa de Projeto em Ocupações é apresentada como discussão metodológica de intervenção, a partir da elaboração de um fluxo orgânico e dinâmico que envolve processos de leitura, reflexão e tomada de decisão, projeto, execução e gestão. Na quarta e última parte, são expostas a síntese de leitura realizada sobre a Ocupação Ipiranga, baseada em pesquisas e no material coletado até o momento de início da quarentena, que inviabilizou sua conclusão conforme inicialmente programado, e ensaios de intervenções para a Ocupação. Este TFG foi desenvolvido conjuntamente ao projeto de cultura e extensão “Ocupações no centro de São Paulo: adequação e melhorias” do grupo Ocupas, coordenado pelos professores Camila D’Ottaviano e Estevam Otero. O projeto de extensão foi desenvolvido como continuidade de um workshop realizado no primeiro semestre de 2019, em parceria com o Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC) e o Movimento de Moradia Central e Regional (MMCR), e tem como objetivo auxiliar as lideranças e os moradores de quatro ocupações a implementarem melhorias e reformas, respondendo aos laudos das visitas realizadas pela Prefeitura4. Firmada a parceria com o MMCR, o grupo de Ocupas realizou visitas às quatro ocupações do movimento – Casarão Caetano Pinto, José Bonifácio, Rio Branco e Ipiranga. E também foram visitadas as obras de reforma em andamento dos edifícios dos hotéis Lord e Cambridge, antes ocupados por
movimentos de moradia e agora com as obras financiadas pelo Programa Minha Casa Minha Vida – Entidades. Foi elaborado um questionário socioeconômico a ser aplicado em cada uma das quatro ocupações (anexo 01). Com perguntas sobre o histórico e trajetória familiar e sobre as condições físicas de cada moradia, a aplicação do questionário visa colaborar com a atualização do cadastro das famílias participantes do movimento, que com essas informações pode mensurar as reais demandas, pleitear serviços públicos, formalizar doações e ampliar o diálogo com o poder público. Os trabalhos do grupo de extensão tiveram início a partir dos levantamentos socioeconômicos e físicos da ocupação do Casarão Caetano Pinto, que passa por um processo de regularização fundiária. Devido à pandemia de Coronavírus, a aplicação dos questionários foi suspensa e o grupo continuou a atuar à distância ajudando o movimento com campanhas de arrecadação de doações nesse momento de crise, no qual muitas pessoas ficam impossibilitadas de trabalhar e sustentar suas famílias, e também com o desenvolvimento de um site institucional para melhor divulgação do Movimento5. Além da atuação junto ao grupo de extensão, também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com moradores e lideranças da ocupação Ipiranga e conversas com integrantes da assessoria técnica Peabiru e com a advogada Luciana Bedeschi, ambos colaboradores do MMCR. Com o auxílio de Luciana Bedeschi, o processo jurídico da Ocupação Ipiranga foi consultado na Vara da Fazenda Pública. O projeto original do edifício da Ipiranga, projetado pelo arquiteto Jacques Pilon, foi consultado na Coordenadoria de Gestão Documental (CGDOC) da Prefeitura de São Paulo.
a defesa da moradia na área central
O Centro de São Paulo O Centro da cidade de São Paulo configura-se como uma região privilegiada que se refere à mobilidade urbana, infraestrutura, oferta de empregos, serviços e equipamentos públicos6. Espaço de grande circulação diária, tem importante valor social e histórico, concentrando marcos e monumentos importantes para o imaginário da cidade, e investimentos urbanos acumulados ao longo do tempo7. A região aqui chamada de Centro, refere-se àquela localizada nos distritos da Sé e República e distritos ao redor (Pari, Brás, Cambuci, Liberdade, Bela Vista, Consolação, Santa Cecília e Bom Retiro). Até os anos 1960, a área central de São Paulo era o local onde antes trabalhavam e consumiam as classes médias e altas. Em consequência do deslocamento do vetor de valorização imobiliária para outras regiões da cidade, a partir de meados da década de 1970, o centro passou por um processo chamado de “esvaziamento”. Processo também
ocorrido em outras cidades brasileiras, este “esvaziamento” do centro da cidade constituiu-se principalmente em um redirecionamento dos investimentos públicos em infraestrutura para outras regiões e no abandono e falta de manutenção dos espaços públicos nesse território. No quadrante sudoeste da cidade, “novas centralidades” passaram então a ter maior peso econômico e maior concentração de comércio e serviços destinados às camadas de mais alta renda8. Bem como a concentração dos investimentos imobiliários e de infraestrutura9 pautados pela forte presença do automóvel e pela constituição da chamada “cidade de muros”10. A área central sofre uma queda de população, simultaneamente, ao espraiamento da mancha urbana e à periferização da cidade, ocasionada pelos grandes fluxos migratórios e crescimento populacional nos municípios vizinhos da região metropolitana de São Paulo.
Imagem 05 - Vista do Edifício Itália. Foto: autora. Imagem 06 - Avenida São João, São Paulo. Foto: autora. Mapa 01 - Distritos do Centro Fonte: Geosampa, 2020. 6 NEUHOLD, 2009. 7 MELLO, 2015, p. 27. 8 VILLAÇA, 2001. 9 NAKANO, MALTA CAMPOS, ROLNIK, 2004. 10 Conceito de Teresa Pires do Rio Caldeira, desenvolvido em seu livro “Cidade de Muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo”, São Paulo, Ed. 34, Ed. Edusp, 2000. 11
BLOCH, 2007, p. 38.
A vacância imobiliária despontou como um dos desdobramentos das mudanças no dinamismo da área central e, apesar de não representar uma exceção na dinâmica urbana paulistana, tem sido bastante significativa naquela região: segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2000, 12% ou 420.327 dos 3.554.820 domicílios da cidade encontravam-se vagos; nesse mesmo período, o IBGE contabilizou 45 mil unidades vazias no centro, ou seja, 10% dos domicílios vagos da cidade, isso sem contabilizar os inúmeros terrenos e galpões abandonados (BONDUKI, 2003a: 15. BOMFIM, 2004: 5). Essas unidades abrangem casas, apartamentos e até edifícios completamente vazios. (NEUHOLD, 2009) No entanto, é importante pontuar que o que é chamado de “esvaziamento” não se deu em todos os campos, uma vez que o centro passou por uma reorganização de suas atividades e não perdeu sua densidade econômica11. Mas é a partir da queda do interesse e da produção imobiliária que o centro se desvalorizou economicamente ocasionando o abandono de dezenas de edifícios. O esvaziamento ocorreu, então, mais fortemente em relação ao uso das elites dessa região e especialmente a partir da substituição dos habitantes e frequentadores de renda mais elevada por uma população mais pobre, favorecida pela acessibilidade das conexões de transporte. O centro passa, então, a ser utilizado por uma população de menor poder aquisitivo e seus espaços, ocupados pelas estratégias de sobrevivência dos segmentos empobrecidos – sem-teto, ambulantes, desempregados, moradores de rua e demais setores excluídos dos circuitos produtivos formais. A macro e a micro organização do sistema de transporte coletivo condiciona os fluxos de pedestres no centro histórico e induz à ocupação da economia informal nos espaços públicos. Isso, por sua vez, acentua a fuga das camadas dominantes e a desvalorização imobiliária, realimentando o processo. (NAKANO, MALTA CAMPOS, ROLNIK, 2004, p.138)
bom retiro
pari
santa cecília
mooca república sé
consolação
bela vista
cambuci liberdade
A região central é ponto de convergência de diversas linhas de ônibus, metrô e trem, conectando-se a praticamente todas as localidades da cidade e da metrópole - a exemplo da Estação da Luz, principal entroncamento ferroviário do Município, por onde transitam 400 mil pessoas por dia12. Mantém ainda uma grande oferta de trabalho. Desde a década de 1970, atividades terciárias formais e informais se concentram na região, representando principalmente um lugar de comércio popular, no qual atividades como a venda ambulante e coleta de resíduos por catadores se beneficiam da grande circulação de pessoas. Além disso, no centro se concentra a maior quantidade de pessoas em situação de rua13 da cidade. Em meio ao contexto de desvalorização, especialmente a partir da década de 1990, as primeiras propostas de “renovação urbana” e “revalorização” começaram a ser discutidas pela prefeitura de São Paulo. Espelhando-se no debate internacional das cidades globais e na competição em torno de imagens e investimentos sustentada pela ideologia neoliberal, as propostas foram impulsionadas por entidades como a Associação Viva o Centro, que reúne empresas e proprietários de imóveis da região. Tais propostas urbanísticas de “regeneração” muitas vezes vieram conectadas a políticas higienistas e de gentrificação, com a consequente expulsão da camada social mais pobre, que traz imagens negativas ao território no olhar de empresários e investidores. Em resposta, organizações populares também se articularam para defender
sua permanência na área central, a partir de iniciativas como o Fórum Centro Vivo, que articula movimentos populares, universidades e partidos de esquerda na defesa de uma utilização mais democrática da região e na oposição à expulsão da população mais pobre. Aqui não se pretende detalhar a fundo as implicações dos projetos de “renovação” urbana, mas sim elucidar a oposição das narrativas colocadas em torno das áreas centrais. De um lado, projetos de revalorização econômica muitas vezes aliados a processos de segregação social e expulsão da população pobre. E do outro, a luta pelo direito à cidade, pelo cumprimento da função social da propriedade, e a defesa ao acesso e ocupação da área central pelas classes populares. A observação desses movimentos de valorização, desvalorização e revalorização, aponta uma disputa pelo espaço do centro da cidade: a criação dos vazios urbanos abandonados à deterioração, sua ocupação pelas camadas menos favorecidas da sociedade, e sua posterior expulsão para novos empreendimentos imobiliários. Trata-se de um rebatimento, no plano da organização espacial urbana, dos conflitos que acompanham a reprodução da força de trabalho na sociedade de elite brasileira (Deák, 1991), sugerindo a existência do movimento constante de uma série de “territórios interpenetrados em confronto”, onde podemos destacar a presença de uma “guerra dos lugares”, “mundos em guerra” e “zonas de turbulência” (Arantes Neto, 1999; 2000: passim). (HELENE, 2007, p.13)
12 BLOCH, 2009. 13 HELENE, 2007, p. 53.
MAPA 02 - MOBILIDADE NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO TRANSPORTE
TRA
Estações de metrô SAD69-96_SHP_estacaotrem_point Estações de trem SAD69-96_SHP_estacaometro_point Linhas de trem SAD69-96_SHP_linhametro_line Linhas de metrô SAD69-96_SHP_linhatrem_line Faixas de ônibus SAD69-96_SHP_faixaonibus Distritos do Centro Distritos do Centro copiar Demais distritos SAD69-96_SHP_distrito_polygon copiar Fonte: Geosampa, 2020.
EMPREGOS Distritos do Centro copiar copiar 2
EMP
MAPA 03 - CONCENTRAÇÃO DE EMPREGOS FORMAIS NO 3 MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
Dist
5
Número total de empregos formais/habitante
SAD69-96_SHP_emprego_polygon 10,05 - 1,80
0
1
5m
SAD
21,8 - 3,55 33,55 - 5,29 55,29 - 7,04 Fonte: DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2018.
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50
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10km
EMPREGOS
Moradia digna na área central A precariedade habitacional é resultado da estrutura e modelo político-econômico de desenvolvimento desigual. Modelo este que alimenta a concentração de renda, é conduzido predominantemente por interesses privados e que exclui uma enorme parte da população do acesso a direitos básicos e fundamentais. Considera-se aqui moradia digna aquela que não somente garanta a segurança e o bem-estar do morar, mas também que possibilite a proximidade e acesso a serviços e equipamentos públicos, a locais de trabalho e de lazer, fazendo parte da rede urbana infraestruturada14. A defesa da moradia nas áreas centrais e de urbanização consolidada através da reocupação de edifícios abandonados é uma das respostas ao déficit habitacional e à precariedade habitacional, dada a quantidade de domicílios e edifícios vazios na região. Segundo o Censo 2010 do IBGE, no Brasil há 6,07 milhões de edifícios vazios, que não cumprem a função social da propriedade.
A reivindicação dos movimentos via ocupação de imóveis vazios foi um importante instrumento na discussão sobre política habitacional, apresentando o cenário dos inúmeros edifícios vazios, deixando de ter um caráter específico e se inserindo na luta por moradia digna. Esta luta se estendeu além das questões habitacionais, passando a englobar em seu discurso o direito à cidade, a reforma urbana, o morar com qualidade, negando a especulação imobiliária e inserindo inúmeras pautas na discussão sobre o direto à moradia. (MURAD, 2019, p.53) Os movimentos de moradia que ocupam edifícios ociosos e vazios dão visibilidade e denunciam a ausência e ineficiência do poder público em fazer valer a função social da propriedade e de atender a demanda por moradias15. As ocupações na área central, além de pressionar o poder público por políticas habitacionais que atendam a população de menor renda, viabilizam abrigo para inúmeras famílias.
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Os movimentos de moradia do centro de São Paulo
5
10km
EMPREGOS
Distritos do Centro co 2 Em meio ao processo de redemocratização do país na década de 1980, os 3 de movimentos de moradia do centro surgiram a partir das lutas de moradores cortiços, que enfrentavam altíssimos preços de aluguel e altos níveis de 5precariedade e superlotação, além de despejos arbitrários e sem aviso prévio. SAD69-96_SHP_emp O primeiro movimento de moradia da área central a se formar e se oficializar 1 foi a União para Luta de Cortiços (ULC), fundada juridicamente em 1991. Após 2 as primeiras experiências com ocupações, a ULC deliberou que teria como estratégia ocupações de poucos dias, com o objetivo de denúncia e pressão sobre o3poder público de maneira mais pontual. Por diferenças políticas e de estratégias de5 ação, se originaram a partir da ULC uma série de outros movimentos, como o Fórum de Cortiços e Sem-Teto e o Movimento de Moradia do Centro (MMC). Entre as dissidências da ULC, encontram-se também o Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) e o Movimento de Moradia Central e Regional (MMCR), que têm a ocupação dos imóveis para o uso como moradia como principal estratégia de luta. Atualmente há mais de 20 movimentos de moradia atuantes no centro de São Paulo, e cada um possui diferentes articulações, regulamentos, modos de organização e estratégias. GSEducationalVersion
Mapa 04 - Ocupações de Edícios Ociosos no Centro de São Paulo. Fonte: Grupo de Trabalho SEHAB. Imagem 07 - Vista da Ocupação José Bonifácio. Foto: Caio Sens. 14 INSTITUTO PÓLIS, 2012. 15 MURAD, 2018, p. 49 16 BLOCH, p. 83
Na segunda metade da década de 1990, a partir da identificação de edifícios abandonados no centro da cidade, alguns movimentos de moradia passaram a ocupar os imóveis vazios não mais de maneira pontual, mas como estratégia de luta e de articulação e possibilidade de moradia até a garantia do direito a morar na área central da cidade de São Paulo, usufruindo dos atributos ali oferecidos, como a oferta de empregos, acessibilidade a serviços de educação e saúde, etc.16 Os edifícios ocupados não são escolhidos de maneira aleatória. Estudos prévios sobre pendências financeiras e dívidas de pagamento de impostos acumuladas são realizados nos edifícios abandonados há mais de 5 anos, que não estejam cumprindo sua função social. Ao ocupar um prédio, que normalmente encontra-se em situação de abandono total, muitas vezes é necessária a realização de uma limpeza intensa
por parte dos militantes, e quantidades imensas de resíduos e entulhos são descartadas para tornar os espaços habitáveis. As ocupações não são em si a única e final estratégia de luta dos movimentos de moradia, que não limitam sua luta à questão habitacional, mas também lutam pela garantia de outros direitos, como acesso a equipamentos públicos de qualidade, educação e representatividade política. Como relatado nas entrevistas realizadas com militantes do movimento MMCR, através da mobilização de seus militantes, o movimento conseguiu negociar a utilização do Sesc 24 de Maio por seus participantes, e negocia frequentemente visitas gratuitas a exposições em museus como Pinacoteca do Estado e a entrada em atrações teatrais. A participação popular, formação política e a organização de grupos de base são estratégias chaves na organização dos movimentos sem-teto, além de ações diretas em conselhos gestores e atos políticos17, como nos casos das eleições de Fernanda, coordenadora da ocupação José Bonifácio para o Conselho Tutelar, e de Jully, militante do MMCR, para Conselho de Municipal de Saúde.
Imagem 08 - Jomarina e Fernanda, lideranças MMCR. Foto: autoria desconhecida. 17 COMARU, FERRARA, GONSALES, 2019.
Muitos são os relatos de empoderamento e melhoria da qualidade de vida de seus militantes, que com o apoio dos movimentos conseguem acessar a universidade ou abrir seus próprios negócios. Nesse sentido, é especialmente marcante a presença feminina nas lideranças dos movimentos. Mulheres que ali encontraram redes apoio e acolhimento, e a possibilidade
de desenvolver sua formação pessoal e política. Mulheres que criaram voz e hoje organizam, coordenam e dialogam com o Ministério Público, prefeituras, juízes, polícia, etc., e que nos dias de hoje ocupam inclusive as linhas de frente dos atos políticos. Essas mulheres também se fortalecem para se colocar no mercado de trabalho, lutando por melhores salários e mesmo nas suas relações pessoais, não aceitando a violência doméstica e buscando sua independência. Apoiados muitas vezes por assessorias técnicas (jurídicas e de arquitetura), ONGs e universidades, os movimentos de moradia disputam diretamente áreas consolidadas e com alto potencial de lucro com grandes proprietários e agentes imobiliários especulativos, que no geral contam com o apoio irrestrito da força policial de repressão e do aparato jurídico conservador e patrimonialista. Por mais óbvio que possa parecer, é preciso reiterar que os militantes do movimento de moradia ocupam os prédios por necessidade, por não encontrar outra possibilidade de moradia. A realidade de uma ocupação é bastante desafiadora e seus moradores sofrem ainda discriminação constante por parte da sociedade e da mídia, sendo chamados de “invasores” por aqueles que desconhecem a importância de sua luta.
As disputas atuais Nos últimos anos, observa-se uma retomada do crescimento populacional nas áreas centrais, e o surgimento de novos interesses do mercado imobiliário18 aliados ao (não novo) discurso de revitalização ou revalorização do centro, processos onde predominantemente verifica-se a expulsão da população moradora original de baixa renda. O mapa divulgado pela Prefeitura de São Paulo no Informe Urbano 33 (mapa 05), ilustra uma mudança na concentração de lançamentos imobiliários verticais para a região central nos anos de 2007 a 2016. Nota-se a inserção do capital financeiro imobiliário como um agente contemporâneo da produção da cidade, capaz de transformá-la em uma velocidade muito ágil. Novos empreendimentos, com produtos imobiliários específicos surgem de maneira voraz pelo centro de São Paulo, colaborando com a inviabilização do acesso à terra urbanizada ou a um imóvel de localização privilegiada para a população mais pobre19. Em regiões como a Bela Vista, inúmeros cortiços vêm sendo demolidos para a construção de torres, substituindo moradores das camadas populares por moradores de classe média em um processo de “renovação” do bairro20. Observa-se o crescimento da tendência do Estado em delegar ao setor privado os processos de transformação urbana através de Parcerias Público-Privadas e Concessões21, eliminando os riscos para os investidores privados a partir da mobilização de recursos públicos como disponibilização de terras públicas e direito de construir. Como o
caso do Projeto de Intervenção Urbana (PIU) Setor Central, que vem sendo debatido e criticado por pesquisadores, ativistas e movimentos sociais22. Criados como instrumentos do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, os PIUs têm como objetivo detalhar projetos de reestruturação urbana e foram concebidos para acompanhar instrumentos de gestão e financiamento da transformação urbana, como as Operações Urbanas Consorciadas (OUCs). Como apontado pelo LabCidade23, a Proposta do PIU Central visa criar uma nova frente de desenvolvimento imobiliário, apostando na produção de Habitação de Interesse Social pela iniciativa privada, mas sem a proposição de dispositivos que reservem recursos e garantam a implantação de soluções habitacionais que respeitem e dialoguem com as necessidades e realidades heterogêneas dos habitantes do Centro hoje, como a disponibilidade de renda e o enquadramento em critérios de financiamento. Os edifícios vazios localizados na região central hoje são também disputados no mercado imobiliário. Como apontado por Akaishi24, do total de edifícios vazios na região hoje, 46% pertencem a empresas, enquanto os outros 54% são de posse de proprietários individuais. Dentre as empresas que concentram imóveis vazios no Centro, os tipos mais comuns são as ditas “administradoras de imóveis”, ligadas a intermediação na compra, venda e aluguel de imóveis e gestão da propriedade imobiliária, a exemplo da Savoy Imobiliária Ltda. Ao lado dessas empresas também se encontram incor-
Imagem 09 - Reintegração de posse Ocupação Ipiranga 895. Foto: Maria Leonor Calasans. Imagem 10 - Edifício Vanguard Ipiranga. Foto: Google Street View, 2018. 18 INSTITUTO PÓLIS, 2012. 19 COMARU, FERRARA, GONSALES, 2019. 20 SASSI, Luiza Affonso Ferreira. “A rua ‘renovada’transformações urbanas, habitação e cotidiano na Rua Paim (SP)”. Dissertação de mestrado. Habitat – FAUUSP, 2016. 21 Como também a Concessão do Vale do Anhangabaú que vem sendo discutida após reforma controversa de R$ 80 milhões provenientes do Fundurb (Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano). BONDUKI, Nabil. “A fonte luminosa de Bruno Covas”. Folha de São Paulo, São Paulo, 29 de julho de 2019. Disponível em <https://www1. folha.uol.com.br/colunas/ nabil-bonduki/2019/07/a-fonte-luminosa-de-bruno-covas. shtml>. 22 SANTORO; GUERREIRO; SANTOS. “PIU Setor Central: será mesmo que vai atender aos desafios habitacionais do Centro?”. LabCidade, São Paulo, 11 de fevereiro de 2020. Disponível em <http:// www.labcidade.fau.usp.br/ piu-setor-central-sera-mesmo-que-vai-atender-aos-desafios-habitacionais-do-centro/>. Acessado em 20 de junho de 2020. 23 Ibdem. 24 AKAISHI, 2019.
25 COSTA, Fábio Custódio; SANTORO, Paula Freire. “O processo de implementação do Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios: o caso dos imóveis não utilizados nos Distritos Centrais de São Paulo (SP)”. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. Recife: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional - ANPUR, 2019, v. 21, p. 63-79. Disponível em: <https://rbeur.anpur.org.br/ rbeur/article/view/5792>. 26 Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento. Gestão Urbana “20 perguntas e respostas sobre Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios- PEUC”. Disponível em <https:// gestaourbana.prefeitura.sp.gov. br/20-perguntas-e-respostas-sobre-parcelamento-edificacao-e-utilizacao-compulsorios-peuc/>.
poradoras imobiliárias de médio e grande porte, representadas em empresas tipo Sociedade de Propósito Específico (SPE). Entre os edifícios ociosos da região central, além de imóveis de propriedade privada, encontram-se também edifícios públicos que poderiam ser direcionados para produção de habitação de interesse social por meio de locação social. Baseados no conceito da função social da propriedade urbana, foram criados no Estatuto da Cidade25 instrumentos urbanísticos de identificação e notificação de prédios vazios ou subutilizados, a PEUC – Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios e o IPTU Progressivo. Implementada no Plano Diretor Estratégico de 2014, a PEUC induz seus proprietários a dar uso aos imóveis no prazo de um ano, e se não cumprida, é seguida pela aplicação do IPTU Progressivo no Tempo, que aumenta o valor do IPTU durante 5 anos até alcançar 15% do valor venal do imóvel. Decorridos os 5 anos sem o cumprimento da utilização compulsória, a Prefeitura pode proceder à desapropriação do imóvel, com o pagamento em títulos da dívida pública26. O edifício hoje nominado “Vanguard Ipiranga”, vizinho à Ocupação Ipiranga do MMCR, aparece em reportagem de maio de 2016 do jornal Folha de São Paulo de título “Prédios velhos recauchutados são relançados a preços competitivos”27. Na reportagem, o “retrofit” de edifícios é trazido como aposta das incorporadoras como alternativa para lançamentos na área central de São Paulo frente à escassez de terrenos na região. Segundo a reportagem, “Projetos de retrofit têm sido beneficiados por um decreto da prefeitura que determinou, em 2014, a aplicação de IPTU progressivo em prédios desocupados no centro da capital. A medida forçou proprietários a diminuir o preço do metro quadrado para vender mais rápido.”. A
1997 - 2006
MAPA 05 DISTRIBUIÇÃO DAS UNIDADES RESIDENCIAIS VERTICAIS LANÇADAS Estações de metrô Linhas de metrô Principais avenidas Apartamentos lançados 0 - 200 201 - 400 401-800 801 - 1200 1201 - 1600 1601 - 2000 2001 - 3000 3001 - 4000 4001 - 6500
2007 - 2016
0
0 10
1
Fonte: Informe Urbano 33. SMDU - PMSP
5m
50
100 m
reportagem retoma o Europa Palace Hotel como antigo uso do edifício, mas em nenhum momento cita a ocupação de moradia de 1200 famílias que ali aconteceu em 2010. O edifício pertenceu a família Antônio Ermírio de Moraes, ex-presidente do Grupo Votorantin, que acumulava fortuna de US$ 12,7 bilhões segundo lista da Forbes de 2014, e ainda assim permaneceu abandonado por anos e com uma dívida de IPTU acumulada de R$ 41.681,43 referente aos anos de 1998 e 2004. Em 2008, foi vendido para a Campinas Empreendimento Imobiliário, de propriedade da HM Engenharia, que por sua vez faz parte da CCDI, sigla para Camargo Correa Desenvolvimento Imobiliário28. Permanecendo em abandono, o edifício foi ocupado em 2010 pela Frente de Luta por Moradia (FLM) com famílias que haviam sido despejadas de um terreno na zona leste. A ocupação durou apenas 51 dias, com rápido pedido de reintegração de posse. As famílias deixaram o prédio e permaneceram na calçada da Câmara dos Vereadores por 12 dias. Da lista de 357 famílias apresentada à Prefeitura, apenas 111 foram atendidas pelo programa de auxílio aluguel29. O empreendimento “Vanguard Ipiranga” foi realizado pela HM Engenharia a partir de um convênio com a COHAB-SP, e financiado pelo Minha Casa Minha Vida. Atualmente as unidades são vendidas por cerca de R$350.000 e o custo do condomínio é de cerca de R$700,00. Até junho de 2020, de acordo com dados da Prefeitura30, foram notificados pela PEUC 1500 imóveis, sendo 916 localizados na região central. É preciso analisar a forma como os instrumentos e políticas públicas são implementados, de maneira a
27 NOGUEIRA, Amanda. “Prédios velhos recauchutados são relançados a preços competitivos”. Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 01 de maio de 2016. Disponível em <http://especial.folha. uol.com.br/2016/morar/ paulista-centro/2016/05/ 1766317-predios-velhos-recauchutados-sao-relancados-a-precos-competitivos.shtml>. 28 BARBORSA, Mariana Desidério. “Edifício Abandonado: Ipiranga, 895 – São Paulo”. Jornal GGN, São Paulo, 14 de dezembro de 2013. Disponível em <https:// jornalggn.com.br/noticia/ edificios-abandonados-ipiranga-895/>
MAPA 06 PEUC
IMÓVEIS NOTIFICADOS
PELA PEUC SAD69-96_SHP_imovelnotificado Não utilizado NAO UTILIZADO Subutilizado SUBUTILIZADO Não edificado NAO EDIFICADO Fonte:SAD69-96_SHP_distrito_polygon copiar Geosampa, 2020.
SAD69-96_SHP_quadraMDSF
0
0 10
1
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50
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5
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garantir a efetivação de seus propósitos e dos direitos sociais. A PEUC e o IPTU EMPREGOS Progressivo desarticulados de outras políticas habitacionais, como por exemplo a Distritos do Centro co Locação Social, e a falta da constituição de um parque público habitacional através das desapropriações, podem perder seu grande potencial transformador 2 das 31 desigualdades territoriais , como ilustrado no caso anterior. 3 Um acontecimento tomado como ponto de inflexão nas narrativas sobre 5 as disputas político-territoriais no Centro foi o incêndio e a queda do edifício Wilton SAD69-96_SHP_emp Paes de Almeida, em maio de 2018. A repercussão do incidente nas mídias de massa 1 foi bastante negativa em relação aos movimentos de moradia e muito foi divulgado a partir de informações que não condiziam com a verdade. Por 101 dias inúmeras 2 famílias permaneceram acampadas no Largo do Paissandu até que recebessem 3 algum comprometimento de atendimento habitacional por parte do poder público. 5 Em resposta ao ocorrido, foi criado pela Secretaria de Habitação da cidade de São Paulo um grupo de trabalho intersetorial32, com membros da municipalidade, dos movimentos sociais, das assessorias técnicas e das universidades, para o início de um processo de vistorias às ocupações, com intuito de elaborar laudos emergências com o indicativo de ações mitigatórias, relacionadas principalmente à segurança contra incêndio. Apenas na região central, foram realizadas visitas a 51 ocupações. Como resultado, foi criado um Grupo de Trabalho permanente e elaborado um relatório, que trouxe informações importantes a respeito das ocupações na cidade e revelou inclusive que as condições de moradia e de segurança nas ocupações coordenadas por movimentos sociais organizados eram melhores do que o esperado. GSEducationalVersion
29 Outras palavras. Webdocumentário “Ipiranga 895”. Disponível em <https:// www.outraspalavras.net/ ipiranga895/>. 30 Portal Geosampa. São Paulo, 19 de junho de 2020. 31 A revisão do Plano Habitacional do Munícipio de São Paulo (PMSP/SEHAB, 2016), elaborada no final da gestão Haddad apresentava um conjunto de propostas que buscavam vincular a PEUC à política de habitação municipal. Desde 2017 com a mudança da gestão municipal o Projeto de Lei do Plano encontra-se parado na Câmara Municipal. 32 Prefeitura de São Paulo (Portaria nº 353/18)
Um caso notável em meio a esse processo de vistorias foi o da ocupação José Bonifácio, pertencente ao MMCR. Devido à organização do movimento, que contou também com o apoio e parceria da universidade para realização de melhorias na edificação, após a segunda vistoria, o laudo de vistoria da ocupação foi arquivado, o que demonstra a potência da articulação entre a universidade e os movimentos sociais. Além de ocasionar um novo olhar da Prefeitura sobre as ocupações, a queda do edifício Wilton Paes de Almeida foi usada para desencadear um processo de crimi-
nalização dos movimentos sem-teto do Centro, que levou à prisão de lideranças durante quatro meses. A criminalização dos movimentos de moradia não é um processo novo: prisões, coerções e ataques aos movimentos sociais e suas lideranças sempre existiram, de maneira mais ou menos intensa33. Neste momento, entretanto, o formato desse processo de criminalização adquiriu novas características, que serão discutidas a seguir. Atualmente a criminalização acontece não só no âmbito judiciário, mas também de maneira acentuada no legislativo, através da tentativa de se redesenhar a Lei Antiterrorismo, de maneira a atingir os movimentos sociais. Até o momento, existe uma “salvaguarda” jurídica que exclui os movimentos populares e as lutas políticas do enquadramento como terrorismo, porém movimentações fortes dentro do Congresso Nacional, que partem das bancadas de extrema-direita, estão tentando derrubá-la, com vistas a ampliar as noções de terrorismo e enquadrar por exemplo a ocupação de imóveis como terror social34. Esses projetos, além de criminalizar a ação de movimentos sociais, colocam em xeque valores democráticos fundamentais e a própria organização da democracia.
Um exemplo mais direto da coerção estatal sobre a ação dos movimentos de moradia foi a aprovação de uma Portaria pelo Conselho Estadual de Habitação de São Paulo, em dezembro de 2019. Ainda que não efetivada, a portaria restringe o acesso a políticas de habitação dos movimentos sem-teto que atuem em ocupações de imóveis, públicos ou privados35. O processo de criminalização toma forma também nas investigações criminais e prisões de lideranças dos movimentos de moradia. A acusação de extorsão se dá devido às contribuições pagas pelos moradores para manutenção e melhoria das edificações, e a acusação de organização criminosa se dirige à própria estrutura das ocupações e divisão de tarefas dos movimentos. Dessa forma o que é criminalizado então é a própria condição de existência dos movimentos de moradia. Diferentemente da argumentação das acusações, as contribuições são pagas de maneira pactuada entre os moradores de uma ocupação e deliberadas coletivamente por meio de assembleias, assim como o direcionamento e a utilização do recurso coletado. Frente a tal conjuntura o Ministério Público tem desempenhado importante
Imagem 11 - Moradores desabrigados do Edifício Wilton Paes de Almeira no Largo do Paissandú. Foto: Daniel Arroyo - Ponte Jornalismo. Imagem 12 - Preta Ferreira em entrevista na prisão. Foto: Marcelo Cruz. 33 Falas de Dito Barbosa e Vivian Mendes, militantes e advogados da União dos Movimentos Populares (UMM), e integrantes do Comitê de Defesa dos Movimentos Populares, em evento realizado pela Editora e Livraria Tapera Tapera. Disponível em <https://www.youtube.com/ watch?v=DSEsWBOh-nU&t=776s>. Acessado em 17 de novembro de 2019. 34 Ibdem. 35 Portaria do Conselho Estadual de Habitação, de 04 de dezembro de 2019.
papel na defesa do direito de moradia e outros direitos básicos. A Promotoria de Habitação e Urbanismo acompanha diversos movimentos de luta por moradia em São Paulo36, e interfere em diversos processos de reintegração de posse demandando o atendimento habitacional por parte do poder público.
36 SILVEIRA; SILVA; SANTOS; PIMENTEL. “Déficit habitacional e ocupações: desafios à sociedade e ao Ministério Público”. Folha de São Paulo, São Paulo, 03 de maio de 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol. com.br/opiniao/2019/09/ deficit-habitacional-e-ocupacoes-desafios-a-sociedade-e-ao-ministerio-publico.shtml>. Acessado em 19 de junho de 2020. 37 Ministério Público do Estado de São Paulo. Nota à imprensa “Sobre segurança de prédios ocupados no centro de São Paulo”. São Paulo, 25 de abril de 2019. Disponível em <http://www. mpsp.mp.br/portal/page/ portal/noticias/noticia?id_ noticia=20430556&id_ grupo=118>. Acessado em 19 de junho de 2020. 38 GONÇALVES, 2009.
Em abril de 2019, a Promotoria ingressou com as primeiras 12 ações civis públicas, instrumentos processuais para defesa de interesses coletivos, relacionadas às medidas de requalificação de segurança dos prédios ocupados na região central de São Paulo. As ações contêm pedidos para que o Poder Judiciário determine aos proprietários dos edifícios e ao Município de São Paulo a implementação das medidas de requalificação de segurança apontadas pelos Grupo de Trabalho intersetorial da Prefeitura, visando propiciar condições mínimas de utilização dos imóveis, uma vez que ocupados por um grande número de famílias em situação de vulnerabilidade social37. Assim como nas favelas, nas ocupações de edifícios ociosos a precariedade jurídica se manifesta em precariedades físicas, e a legalização da moradia garante cumprimento de
um dever constitucional, de direitos sociais e a possibilidade de melhoria das condições habitacionais. O estado ilegal das ocupações serve não apenas como justificativa para expulsões arbitrárias, mas também de ausência de serviços públicos adequados, e até mesmo do investimento dos próprios moradores em melhorias das condições de habitação. Os instrumentos de regularização fundiária adquirem importante papel no combate às desigualdades territoriais como possibilidade de legalização dos meios informais de acesso à moradia, e quando aplicados fora de uma lógica mercadológica da simples transferência da propriedade podem ainda inibir processos de especulação e gentrificação, garantindo a permanência da população no local. Os entraves aos processos de regularização fundiária são tanto de ordem jurídica quanto burocrática-administrativa para o atendimento da realidade social brasileira, como aponta Gonçalves38. Apesar dos avanços legais, os procedimentos ainda são bastante complexos e apresentam traços provenientes da história colonial e patrimonialista brasileira.
A complexidade da gestão fundiária no Brasil se explica, em grande parte, pelos inúmeros procedimentos formais constituídos justamente para evitar possíveis fraudes e pelo zelo desproporcional pela proteção dos direitos de propriedade, o que dificulta toda e qualquer releitura mais social do exercício desses direitos. Essa formalidade excessiva do direito brasileiro, aliada ao sistema privado, complexo e frequentemente corrompido (Holston, 1993, p.71) de gestão do cadastro de imóveis pelos cartórios no Brasil, contribuiu para endossar a apropriação bastante desigual do solo, quase sempre beneficiando a concentração fundiária da propriedade nas mãos de alguns poucos beneficiados. (GONÇALVES, 2009) Ainda que importantes pontos de inflexão sobre as disputas territoriais e o direito à cidade, as possibilidades legais de regularização estão condicionadas a não existência de oposição por parte do proprietário durante cinco anos de ocupação do imóvel. Tratando-se de uma sociedade que criminaliza os pobres e os coloca na condição de invasores, esta brecha torna a disputa injusta, pois na maioria dos casos, garante aos proprietários de imóveis ociosos o direito de reintegração de posse, desde que estes tenham acesso a advogados e que mantenham o pagamento dos impostos prediais em dia. Após a reintegração, frequentemente se observa a contratação de seguranças e vigias para impedir a reocupação do edifício. O campo jurídico tem papel central na construção de uma cidade que não seja fruto exclusivo de interesses privados. A função social da propriedade e da cidade vem sendo discutida atualmente no direito urbanístico a partir do entendimento de que a propriedade não é mais uma realidade única e imutável, mas sim limitada pelos interesses sociais39. Diante da dificuldade de limitação dos direitos de propriedade, muitos juristas buscam reforçar a categoria jurídica da posse, ante a propriedade. Em algumas decisões recentes em ações possessórias, pareceram despertar entendimentos mais seguros de que a mera apresentação de título de propriedade, de boletins de ocorrência e de troca de e-mails sobre suposta locação de prédio vazio não são expressões do exercício de posse. Posse é o exercício efetivo da função social da propriedade, essa sim uma modernidade, que esperamos ver chegar com mais força, seja na aplicação da lei pelo Poder Executivo, seja nas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo. 40 (BEDESCHI, 2018) Dessa forma, nota-se a importância do posicionamento das instituições democráticas na garantia dos direitos sociais e no esforço pela diminuição das desigualdades. Percebem-se os traços coloniais fortemente presentes nas estruturas institucionais no acesso à terra no Brasil, que remontam a Lei de Terras de 185041. Os movimentos sem-teto e o movimento negro, talvez não passíveis de dissociação, lutam há anos pelo rompimento de tais lógicas.
Imagem 13 - Ocupação Mauá. Foto: Eli José. 39
Ibdem.
40
BEDESCHI, Luciana. “O que está por trás da difamação e da criminalização das ocupações?”. São Paulo: LabCidade FAUUSP, 17 de julho de 2018. Disponível em < http://www.labcidade.fau.usp. br/o-que-esta-por-tras-da-difamacao-e-da-criminalizacao-das-ocupacoes/>. Acessado em 25 de julho de 2020. 41 Ibdem.
As ocupações de edifícios ociosos Habitar uma ocupação não é tarefa fácil, mas ela se apresenta como solução de moradia a pessoas que tem de escolher entre se alimentar ou pagar aluguel, ou se sujeitar a viver em cômodos minúsculos, em cortiços, favelas, morar de favor ou mesmo na rua. Como também acontece nas favelas, nas ocupações de edifícios abandonados, tudo é autoconstruído pelos moradores, muitas vezes por sistemas improvisados que revelam a necessidade e a urgência de tornar aqueles espaços habitáveis. Já no início da ocupação, são numerosos os relatos de volumes impressionantes de lixo e entulho removidos dos prédios por anos abandonados, seguido por um conjunto de medidas para requalificação paulatina: adequação de escadas, execução de corrimãos e guarda-corpos, instalação e manutenção de extintores de incêndio, pinturas, melhorias nos sistemas elétricos e hidráulicos42. A consolidação das ocupações está sujeita a diversos fatores: a propriedade do imóvel, sua situação, sua localização e a existência de projetos de intervenção no entorno, que podem valorizar ou desvalorizar o preço do imóvel, e com isso o interesse do proprietário sobre o
mesmo. Na prática, a partir do primeiro dia de uma ocupação é travada uma batalha em âmbito judicial. Fatores que influenciam a permanência da ocupação são: o tempo de abandono do edifício, a inadimplência no pagamento de impostos e a iniciativa por parte dos proprietários em dar entrada a pedidos de reintegração de posse. Proprietários estes que, após anos de ausência de qualquer iniciativa relacionada a seu patrimônio, com a ocupação do edifício manifestam-se instantaneamente para assegurar seu bem. O desfecho fica então nas mãos dos juízes envolvidos, que podem determinar a reintegração de posse, exigir a provisão de outra opção de moradia para as famílias por parte do poder público ou podem ser pressionados por ações do Ministério Público, que pode se colocar a favor dos moradores e da garantia de seus direitos. A ausência de políticas habitacionais é evidenciada nestes processos, e muitas vezes resoluções das questões são proteladas pela municipalidade por meio de ajudas precárias em abrigos ou a disponibilização de bolsa-aluguel43. Entre pedidos de reintegração de posse, atos políticos, intervenções do
Imagens 14 e 15 - Primeiros dias da Ocupação Filhos da Prestes localizada na Avenida Ipiranga nº 908. Foto: Daniel Arroyo - Ponte. 42 NEUHOLD, 2009, p. 82, e MURAD, 2019. 43 BOUNFIGLIO, 2007. 44 Esse é o caso das ocupações vinculadas ao MMCR.
Ministério Público e a prorrogação da permanência, as ocupações vão (re) existindo ao longo de anos e de maneira indefinida. A insegurança da permanência das famílias no local acaba por interferir na qualidade habitacional, de maneira que o investimento em melhorias por parte de cada família pode acabar sendo completamente desperdiçado com uma ação de reintegração. Dessa maneira, a provisoriedade e a insegurança acabam por acentuar a precariedade das condições de moradia.
dades do edifício e às melhorias a serem realizadas.
Regras e regulamentos são estabelecidas para colaborar com a organização social e dinâmica do espaço. Nas ocupações - assim como em qualquer espaço de convívio social -, há conflitos inerentes à convivência diária, mas no seu enfretamento muitas vezes relações amadurecem, reafirmando disposições solidárias e valores comuns.
Mas as ocupações também são espaços de potência, de articulação comunitária e emancipação. Muitas oferecem espaços como bibliotecas, brinquedotecas, cozinhas comunitárias e atividades como reforço escolar, grupos de mulheres, entre outros, que fortalecem a coletividade e contribuem para a melhoria das condições de vida. Contribuem também para a transformação de seu entorno, levando movimento, vida e olhos para a rua. Segundo seus moradores são perceptíveis os impactos positivos na segurança pública, com a diminuição de roubos e furtos, o fortalecimento do comércio local, com o número grande de pessoas que passam a circular e consumir no entorno imediato.
A manutenção do edifício, a instalação de bombas d’água, pagamentos de despesas eventuais são realizados a partir das contribuições mensais feitas pelos moradores, num valor em torno de duzentos e vinte reais.44 Entretanto, existe uma alta taxa de inadimplência, que na prática significa um recurso bastante reduzido frente às necessi-
Muitas ocupações apresentam precariedades habitacionais como a falta de ventilação e iluminação natural nas habitações, infiltrações, sobrecargas estruturais, etc. Acrescenta-se a essas demandas medidas relativas à segurança e prevenção contra incêndios, de extrema importância para a segurança da vida das pessoas que ali habitam.
Ocupações e o sentido ampliado do morar A partir do reconhecimento de que o custo de vida nos centros urbanos é elevado e de que os moradores das ocupações são pobres, em algumas ocupações a função de moradia é estendida tanto para o campo do trabalho quanto para a efetivação de outros direitos, como acesso a cultura, saúde e educação. Entende-se que nem todas as ocupações de edifícios ociosos organizadas por movimentos de moradia conseguem oferecer a seus moradores tantos espaços e atividades comunitárias, além da moradia e da localização. Aqui são trazidas cinco ocupações nas quais se observou a ampliação do sentido do morar no que se refere à articulação comunitária, empoderamento, educação, cultura, qualificação profissional e sustentabilidade, com o objetivo de ilustrar as possibilidades do morar e de criar relações fora da lógica capitalista. Observa-se a relevância da articulação entre os movimentos sociais e universidades, ativistas e coletivos para construção e fortalecimento de projetos comunitários, assim como o acesso a financiamentos de natureza distinta a habitação, como de incubação de cooperativas e ações culturais.
Imagens 16 e 17 Ocupação Nove de Julho. Foto: T. Pires - El País. Imagem 18 - Ocupação José Bonifácio. Foto: Caio Sens. Imagem 19 - Show durante almoço na Ocupação Nove de Julho. Foto: Brasil Cena Aberta
JOSÉ BONIFÁCIO (MMCR)
Ano de ínicio: 2012 Número de famílias: 106 Imóvel: Público Localização: São Paulo Espaços comunitários: Brinquedoteca, galeria de arte, salão de reuniões, lavanderia coletiva. Atividades comunitárias: Grupo de Mulheres Empoderadas (aos sábados), Oficina de Artes, atendimento Médico da Família.
A Ocupação José Bonifácio é sede administrativa do movimento MMCR e possui a presença constante da assistente social do Movimento, Conceição. A partir da organização do Movimento, foram articulados e disponibilizados aos seus integrantes diversos serviços como o atendimento Médico da Família, que visita as ocupações mensalmente, o uso do Sesc 24 de Maio e a realização de atividades esportivas na Academia ACM. O Grupo de Mulheres Empoderadas acontece aos sábados na Ocupação e é aberto a mulheres e homens do movimento. Tem como objetivo realizar atividades formativas como aulas de economia e educação financeira. Em 2019, em parceria com o Coletivo Cultural O Grito, foi aberta uma galeria de arte no subsolo que antes se encontrava desocupado. O coletivo realiza atividades educativas e oficinas de arte com as crianças e os moradores da Ocupação.
NOVE DE JULHO (MSTC)
Ano de ínicio: 2017 (reocupação) Número de famílias: 121 Localização: São Paulo Imóvel: Público (INSS) Espaços comunitários: Oficina de costura, brechó, área de lazer, horta comunitária, brinquedoteca, quadra esportiva, galeria de arte Reocupa, espaço de reunião e convivência, cozinha comunitária, atendimento Médico da Família Atividades comunitárias: Almoço de Domingo, atividades culturais gratuitas
A Ocupação Nove de Julho se tornou símbolo de resistência e luta pela moradia, e contribuiu de maneira expressiva para transformação do olhar da sociedade em relação às ocupações de edifícios. O MSTC mostrou como a abertura das ocupações para a sociedade e a articulação com coletivos, organizações sociais, universidades e artistas pode ser importante para o fortalecimento e legitimação das ocupações. Os Almoços de Domingo na Nove de Julho se tornaram muito conhecidos como atividade cultural paulistana, recebendo shows de artistas como Chico César e Criolo.
SÃO JOÃO (MSTRU)
Ano de ínicio: 2010 Número de famílias: 80 Localização: São Paulo Imóvel: antigo Hotel Columbia Palace Espaços comunitários: salão cultural, sala multiuso, biblioteca-brinquedoteca, horta de temperos. Atividades comunitárias: Centro Comunitário e Cultural da Ocupação São João (oficina de costura, Cine Club, rodas de conversa, coral, reforço escolar, alfabetização de idosos, aula de capoeira), culto religioso evangélico.
O edifício permaneceu abandonado durante 17 anos e foi ocupado pelo Movimento Sem Teto pela Reforma Urbana, filiado a FLM. O Centro Comunitário e Cultural é um espaço formado por um grupo horizontal formado por moradores da Ocupação São João e de outras ocupações e ativistas, e já ofereceu também oficinas de pintura, culinária, artesanato, reciclagem e coral. O projeto cultural foi fortalecido pelo incentivo financeiro do VAI (Programa de Valorização de Iniciativas Culturais) da Secretaria de Cultura durante gestão Haddad (2013-2016)45. O resultado direto deste projeto é a criação de uma experiência coletiva de acesso a cultura e a produção cultural em si46. Através das contribuições mensais dos moradores, são pagos os porteiros e feita a manutenção das áreas coletivas do prédio. As oficinas de costura no início da pandemia de Covid-19 passaram a produzir máscaras47. O espaço da brinquedoteca é bastante utilizado pelas crianças enquanto os pais participam das assembleias. UTOPIA E LUTA (MNLM)
Ano de ínicio: 2005 Número de famílias: 100 Localização: Porto Alegre Espaços comunitários: lavanderia comunitária, espaço cultural, horta hidropônica Atividades comunitárias: oficinas de serigrafia, padaria, corte e costura
Autogerida pela Comunidade Autônoma de mesmo nome a Ocupação teve início em meio ao Fórum Social Mundial, como denúncia a precariedade habitacional. A ocupação passou por um processo de regularização fundiária e de reforma via Programa Crédito Solidário, e para ela foram dirigidas ações inéditas por parte do poder público como a prioridade de alienação do edifício (pertencente ao INSS). Não sem percalços e lentidão no processo, o edifício foi reformado e em 2008 entregue aos militantes48. A Cooperativa Solidária Utopia e Luta (Coopsul), realiza oficinas de plantio com recursos de um projeto financiado pela Petrobrás. O cultivo orgânico hidropônico acontece no terraço do edifício em uma área de 61m², e por mês são colhidas aproximadamente mil unidades de hortaliças49.
45 HELOU, Tania. “Ocupa São João”. Trabalho Final de Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. 2012. 46
Portfolio Ocupa São João.
47 Entrevista Mildo, liderança da Ocupação São João à disciplina da pós-graduação da FAU USP. São Paulo, 01 junho de 2020. 48
BOUNFLIGLIO, 2011.
49 VASCONCELLOS, Hygino. “Horta comunitária no meio do Centro”. G1 Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 23 de março de 2016. Disponível em <http:// g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2016/03/ de-limpeza-voluntaria-sopao-porto-alegrenses-agem-para-mudar-cidade.html >. Acessado em 21 de junho de 2020.
MANOEL CONGO (MNLM-RJ)
Ano de ínicio: 2007 Número de famílias: 70 Localização: Rio de Janeiro Imóvel: Público (INSS) Espaços comunitários: CRIARTE (espaço infantil de estudo e recreação), cozinha comunitária, lavanderia, restaurante, espaço para oficinas e comemorações, duas lojas, salas de reunião e assembleia, Atividades comunitárias: atividades culturais, reforço escolar, saraus, produção de lanches e refeições, produção de camisetas serigrafadas.
A Ocupação Manoel Congo está localizada na Cinelândia, região central do Rio de Janeiro e é organizada a partir da autogestão de seus moradores, que dedicam seu tempo de trabalho voluntário para a manutenção e conservação do edifício. Para além da impossibilidade financeira em arcar com as despesas de porteiro e limpeza do prédio, o MLNM-RJ tem como proposta político ideológica a gestão coletivizada e o estímulo da reciprocidade na relação entre moradores. Buscando criar um elo de cooperação e complementariedade entre os moradores e atividades de geração de trabalho e renda, foi criada a Cooperativa Liga Urbana, que é organizada em três núcleos: gastronomia, construção civil e cultura. Um financiamento da Petrobrás viabilizou sua criação e regularização, assim como a implantação de um restaurante no térreo50.
Imagem 20 - Ocupação São João. Foto: Rovena Rosa Agência Brasil. Imagem 21 - Horta da Ocupação Utopia e Luta. Foto: Hygino Vasconcellos - G1. Imagem 22 - Exibição de fime do Centro Cultural Mariana Crioula, da Ocupação Manoel Congo. Foto: Facebook Liga Urbana Cooperativa 50
MELLO, 2015.
51 O processo de reforma da Ocupação Manoel Congo apresenta peculiaridades, como o fato de as famílias permanecerem no edifício durante as obras, e os moradores serem contratados para a execução. Sobre o processo construtivo autogestionário da Manoel Congo ver NUNES (2017).
A Ocupação teve projeto de reforma viabilizado em 2013 pelo Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-FNHIS), posteriormente migrado para o Programa Minha Casa Minha Vida Entidades. A Cooperativa foi responsável pela gestão da obra51. O projeto de reforma foi elaborado pelos moradores em conjunto com uma assessoria técnica e, além de 42 unidades habitacionais, conta com a criação do Centro Cultural Mariana Crioula (restaurante e Casa de Samba) e um espaço de geração de renda e trabalho. O Plano da Cooperativa é estruturar um núcleo de estética, comunicação interativa e artesanato, expandindo a abrangência do projeto para outras ocupações e comunidades. Parte dos ganhos da cooperativa constituirá um Fundo de Manutenção do Imóvel que buscará assegurar a sustentabilidade financeira dos moradores.
paradigmas das reformas e reabilitações de edifícios no Brasil
Políticas públicas A presença e atuação dos movimentos de moradia nos centros urbanos chama a atenção para a agenda de reforma urbana e luta pelo direito à moradia digna em todo o país. A pressão exercida sobre os governantes pelos movimentos sociais e um conjunto significativo de atores, entre eles coletivos, ativistas, pesquisadores, professores universitários, artistas, etc., adquire um papel determinante na formulação de instrumentos e políticas públicas relacionadas à reforma urbana e ao direito à cidade e moradia digna. Os movimentos sociais hoje ocupam espaços significativos em conselhos gestores municipais, estaduais e federais e colaboram no desenho e formulação das mesmas. A exemplo é possível citar a Lei Moura (Lei Municipal 10.928/91) que regulamenta parâmetros mínimos de habitação em cortiços e visa a proteção dos moradores frente a exploração abusiva dos aluguéis, e também a demarcação de Zonas Especiais de Interesse Social - ZEIS 3 (imóveis vazios) nos Plano Diretores de 2002 e 201452. Programas governamentais relacionados à reabilitação de edifícios para provisão habitacional no centro já foram implementados, elucidando as reformas como possibilidade. O Programa de Arredamento Residencial53 (PAR) do governo federal em sua modalidade Reformas foi implementado na gestão da prefeita Marta Suplicy (2001-2004) em meio ao Programa Morar no Centro. O programa requalificou imóveis ocupados por movimentos sem-teto, apresentando experiências significativas na cidade de São Paulo, como os edifícios Riskalla Jorge, Hotel São Paulo e Maria Paula.
Embora não direcionado a projetos de reabilitação em edifícios em áreas centrais, o Programa Crédito Solidário (PCS) implementado no governo Lula (2003-2010), foi importante para o fortalecimento do acesso a uma política habitacional autogestionária pelos movimentos sociais organizados. O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) também financiou reformas e requalificações de edificações para habitação, ainda que numericamente pouco significantes em relação ao total, na modalidade Entidades54. Edifícios ocupados em diferentes regiões do Brasil também foram requalificados55. Nos dias de hoje, o panorama de políticas públicas habitacionais é bastante incerto. Por parte do governo federal, o Programa Minha Casa Minha Vida sofreu cortes no início da gestão do atual governo (Jair Bolsonaro, posse em janeiro/2019), principalmente nas modalidades de atendimento à população de menor renda (modalidades Faixa 1 e Entidades do PMCMV). O programa MCMV era até então o único programa habitacional público vigente de provisão habitacional. Frente a isso, observa-se a abertura de novas discussões nos âmbitos municipais e estaduais, e também a discussão e proposição de projetos pela sociedade civil e terceiro setor que não dependam diretamente de investimentos públicos. No final de 2019, a prefeitura de São Paulo anunciou o lançamento de um novo programa de provisão habitacional do município, o Programa Pode Entrar, que teria como finalidade a criação de “mecanismos de incentivo à produção
Imagem 23 - Reforma Edifício Cambridge. Foto: autora. Imagem 24 - Edifício Riskalla Jorge reabilitado. Foto: Milena Leonel. 52 Outros instrumentos frutos das lutas pela moradia no centro podem ser citados, tais como: Programa de Bolsa Aluguel e Programa de Locação Social. (BARBOSA, p. 73, 2014) 53 O PAR foi um programa federal, elaborado em 1999 no governo Fernando Henrique Cardoso, baseado na descentralização da atuação federal para as esferas estaduais e municipais. Sobre o PAR e outros programas habitacionais nas áreas centrais ver BLOCH, 2007. 54 Embora não direcionado à projetos de reabilitação em edifícios em áreas centrais, o Programa Crédito Solidário (PCS) implementado no Governo Lula, foi importante para o fortalecimento do acesso a políticas habitacionais pelos movimentos sociais organizados de maneira autogestionária. Sobre PCS ver MOREIRA, Fernanda Accioly. ugar da autogestão no Governo Lula”. Dissertação de mestrado – Habitat FAUUSP. São Paulo, 2009. 55 Entre os edifícios ocupados por movimentos de moradia e requalificados via MCMV-Entidades encontram-se: Dandara (São Paulo) e Manoel Congo (Rio de Janeiro); e hotéis Lord, e Cambridge (São Paulo), com obras em andamento.
de empreendimentos habitacionais de interesse social, requalificação de imóveis urbanos ou aquisição de unidades habitacionais” 56 para famílias com renda bruta até 3 salários mínimos. A partir da alteração dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), o programa deveria destinar um bilhão de reais para produção de 10 mil unidades habitacionais. O atendimento a entidades (ou seja, movimentos de moradia) cadastradas encontra-se entre as modalidades do programa, com a destinação de 40% dos recursos. Paralelamente, movimentos de moradia, universidades e outros agentes envolvidos nessa luta discutem propostas e modelos de parceria entre os movimentos sociais e o Estado. A Parceria Público Popular (PPPOP) é uma dessas propostas, que tem como objetivo aumentar a oferta de moradias sem aumentar a demanda por novos terrenos57. A proposta de parceria torna oficial o que já acontece na prática: a gestão condominial dos edifícios públicos destinados a habitação e o trabalho de assistência social desenvolvido pelos movimentos sem-teto do centro. Ainda em discussão entre os
agentes envolvidos no que se refere a seu desenho como proposta de política pública, a PPPOP articulada a um programa de locação social seria uma solução frente ao conjunto de edificações vazias e ociosas, sendo elas públicas ou privadas. Na parceria público-popular os edifícios seriam cedidos pelo poder público, por tempo determinado, a uma associação de moradia sem fins lucrativos (onde se diferenciaria da parceria público-privada), que se responsabilizaria pela gestão da adequação dos edifícios, zeladoria e manutenção dos mesmos. A PPPOP seria o reconhecimento por parte Estado da importante atuação dos movimentos e lideranças populares, que já atuam para garantia de melhores condições de moradia de maneira participativa e emancipatória, potencializando suas ações ao invés de criminalizá-las. Uma outra proposta recentemente debatida sobre reabilitação de imóveis ociosos é o Fundo Imobiliário Comunitário para Aluguel (FICA), um fundo imobiliário de propriedade coletiva, que segundo seu manifesto tem como objetivo garantir o acesso socialmente justo à moradia, buscando proteger a
Imagem 25 - Edifício Dandara reabilitado (ULC). Foto: Marlena Bergamo - Folhapress. Imagem 26 - Unidade reformada do Edifício Dandara Foto: Gabriela Nolasco - Cohab. 56 Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo. Programa Pode Entrar – Novo Programa Habitacional do Município de São Paulo. São Paulo, 06 de dezembro de 2019. Disponível em <https://www.prefeitura. sp.gov.br/cidade/secretarias/ habitacao/programas/ programa_habitacional_pode_ entrar/>. Acessado em 13 de maio de 2020. 57 BEDESCHI, Luciana; CARVALHO, Celso Santos. “Parceria Público Popular: Uma proposta social contra a especulação imobiliária”. Reportagem para Carta Capital, São Paulo, 21 de agosto de 2019. Disponível em: <https://www.cartacapital. com.br/blogs/br-cidades/ parceria-publico-popular-uma-proposta-social-contra-a-especulacao-imobiliaria/>. Acessado em 23 de abril de 2020.
terra da especulação imobiliária58. O fundo é sustentado a partir de doações, e visa adquirir imóveis através da compra para disponibilização via locação por valores considerados justos e não especulativos.
58 FICA, Manifesto. Disponível em <https:// fundofica.org>. Acessado em 31 de maio de 2020. 59 Como apontado por D’Ottaviano, de 2008 a 2015, período no qual o MCMV produziu 3 milhões de unidades habitacionais, o déficit habitacional total no Brasil aumentou de 5.546.310 para 6.355.743 moradias. D’OTTAVIANO, Camila. “Abrindo Janelas: alternativas para moradia no Brasil”. Tese (Livre-Docência) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2019. 60 Rufino, M. B. C. (2016). Transformação da periferia e novas formas de desigualdades nas metrópoles brasileiras: um olhar sobre as mudanças na produção habitacional. Cadernos Metrópole (PUCSP), v. I, p. 217. 61 ROSSETTO NETTO, 2017. 62 VILAÇA, 2001.
A discussão em torno da propriedade torna-se necessária, principalmente tendo em vista os programas habitacionais já implementados e a solução do déficit habitacional. Programas como o PMCMV, apesar da entrega de milhões de unidades, sozinhos não foram capazes de diminuir o déficit habitacional59 e acabaram por contribuir para o aumento dos preços dos imóveis populares nas grandes cidades brasileiras60. A dissociação entre políticas habitacionais e políticas de reforma urbana, assistência social, educação e combate às desigualdades sociais diminui fortemente o potencial de transformação social. A viabilização de empreendimentos de habitação social na região central foge da lógica comum a maior parte dos programas habitacionais: a implantação de grandes conjuntos na periferia. Programas como o PAR-Reformas e o PMCMV atrelaram o valor global do empreendimento ao valor unitário de aquisição da unidade habitacional. Segundo Maleronka (2005), nos empreendimentos viabilizados pelo PAR-Reformas, o elevado custo de aquisição dos imóveis, forçou a subdivisão excessiva dos edifícios em unidades habitacionais muito pequenas para sua viabilização, maioria em tipologias de quitinetes e um dormitório. Da mesma forma, o programa MCMV estabeleceu modelo de produção habitacional a ser replicado em todo território nacional, com base na atuação de promotores privados e de produção em escala, característica esta que é intrinsicamente inviabilizada nos projetos de reforma e reabilitação61. Uma vez que o custo da terra urbana está vinculado à acessibilidade e à disponibilidade de infraestrutura e serviços, relacionados às possibilidades rentáveis do terreno, para possibilitar o acesso da população de mais baixa renda e romper os mecanismos de segregação espacial62, uma outra lógica que vincule a terra aos interesses de toda sociedade e não a interesses individuais e privados precisa ser defendida e aplicada.
A valorização imobiliária, apoiada nos investimentos públicos e na legislação urbanística, tem empurrado os mais pobres para mais longe e para fora do município através do mecanismo de preços. Mecanismo esse que determina a distribuição das vantagens e desvantagens da cidade, de suas qualidades e de seus defeitos, todos estes socialmente produzidos, porém apropriados de maneira privada. Isso explica a existência de terrenos vagos dentro de áreas urbanas como retenção de terra ociosa para fins especulativos. (MALERONKA, 2005, p. 41)
forças político-econômicas que tendem a favorecer interesses privados e patrimonialistas sobre a gestão pública, como é apontado por Anitelli,
Programas de reabilitação de edifícios para habitação social no centro trazem compensações e benefícios sociais distintos dos programas de provisão habitacionais convencionais, como a requalificação urbana e aqueles já colocados anteriormente, e por isso deveriam ser analisados de maneira também distinta. Os custos de produção de uma unidade habitacional nova, em região periférica não levam em conta os investimentos indiretos em outros setores, como os gastos com ampliação da infraestrutura urbana e da rede de transportes e equipamentos públicos, além de elementos de difícil mensuração, como oferta de empregos e tempo de deslocamento no trajeto centro-periferia.
A Constituição Federal de 1988, diante da pressão dos movimentos sociais, em seu capítulo sobre política urbana (artigos 182 e 183), reconheceu a função social da propriedade e da cidade. A função social da propriedade articula a propriedade a seu uso e manutenção adequada, e quando não cumprida por intensões puramente financeiras, ocorre a especulação imobiliária. Muitos proprietários de edifícios ociosos no centro da cidade desrespeitam este dever e aguardam melhor oportunidades de mercantilização ou mesmo a desapropriação por parte do poder público, como no caso do edifício da ocupação Prestes Maia64.
Rossetto Netto (2017) realiza uma análise sobre experiências mais recentes de reformas e reabilitações na área central, financiadas pelo programa MCMV. O autor coloca que, para melhor desempenho do programa na região, teria sido necessário induzir a atuação de atores locais, como a municipalidade, integrando a política de habitação à política urbana, de maneira a abranger questões econômicas, sociais e ambientais. Assim como a adoção de valores diferenciados das unidades habitacionais nos empreendimentos voltados à requalificação urbana, dado o maior custo da terra urbanizada e os empreendimentos de menor porte63. Entretanto, é importante ressaltar que as políticas públicas e sua implementação estão em meio a correlações de
(...) para compreender-se a abrangência e os limites dessas reabilitações, é pertinente considerar a constituição do ambiente político e econômico a partir da relação entre agentes públicos e privados e a forma como eles determinam quais parcelas da população serão beneficiadas, em quais circunstâncias e em quais regiões da cidade. (ANITELLI, 2017, p. 10)
No que se refere às políticas habitacionais, pode-se ainda acrescentar o reforço de estigmas patrimonialistas à sociedade a partir da transferência de propriedade, em oposição ao atendimento da necessidade por moradia de maneira ampliada a partir de seu valor de uso e não de troca. Como apontado por Rossetto Netto, alternativas como a Concessão de Direito Real de Uso e a Locação Social são capazes de garantir a moradia digna sem privatizar o investimento público, ainda dentro de uma lógica redistributiva65. E especialmente tratando-se da habitação social nos centros urbanos, regiões de grande disputa e valor imobiliário, políticas baseadas na locação social adquirem papel importante no combate à gentrificação e podem ter grande potencial transformador se associadas a outras políticas, como de assistência social.
Imagem 27 - Edfício Lord em obras de reabilatação . Foto: autora. 63 “PMCMV‐3 traz a indicação de valores diferenciados para programas de requalificação, cerca de 40% maiores. Entretanto, a impossibilidade de apresentação de projetos do Faixa 1 junto à CAIXA desde meados de 2016, não possibilitou ainda análise sobre tal possibilidade. O relançamento do PMCMV‐3, e a promessa de edição de normativa específica no final de fevereiro de 2017, deve permitir a retomada do programa, com contratações paralisadas desde a alteração de comando no Governo Federal.” (ROSSETTO NETTO, 2017, p. 101) 64 Após duas ocupações e um longo processo de desapropriação, o edifício Prestes Maia que inicialmente havia sido avaliado no valor de R$ 7 milhões, foi desapropriado pela Prefeitura em 2015 com valor de R$ 19.253.175,00. Descontada a dívida de IPTU R$ 9.659.395,58, o valor pago foi de R$ 13.504.995,00, numa valorização de 285% desde o início do processo (MURAD, 2019). 65 ROSSETTO NETTO, 2017, p. 107.
Defesa das reformas e reabilitações Para além das discussões atreladas às disputas políticas e econômicas pela ocupação da área central, existem paradigmas colocados em relação a reformas e reabilitações de edifícios que também são importantes a serem debatidos.
partir de políticas públicas. No município de São Paulo, por exemplo, apenas um número restrito de edificações passaram pelo processo de reabilitação promovidas via financiamento públicos, número pequeno se comparado a produção de novas construções.
A provisão de habitação social no centro colabora com a diminuição dos deslocamentos pendulares centro-periferia, que têm grande impacto na vida dos trabalhadores de classes mais baixas, assim como com a desaceleração do processo de periferização e expansão da mancha urbana, que acarretam grandes gastos públicos diretos e indiretos a partir da provisão de infraestrutura em áreas não consolidadas.
Durante a gestão da prefeita Marta Suplicy, em uma iniciativa inédita na cidade, foi criado o Grupo Técnico de Avaliação de Imóveis (GTAI), responsável por desenvolver uma metodologia de escolha de edificações ociosas a serem reabilitadas pelo programa municipal Morar no Centro. No entanto, como apontado por Anitelli66, as pontuais e descontinuadas políticas públicas de reabilitação de edifícios contribuem com a inviabilização do estabelecimento de procedimentos metodológicos que possam ser aplicados e avaliados, e dessa forma ter seu desenvolvimento aprimorado no Brasil.
Acrescenta-se a isso os fatores ambientais de: diminuição da poluição atmosférica a partir da redução de viagens motorizadas; refreamento da devastação de áreas de preservação ambiental; e a menor produção de resíduos sólidos e consumo de recursos naturais das reformas em relação às novas construções.
Imagem 28 - Conjunto habitacional Astrubal II e Edifício Mário de Andrade. Ocupados pelo movimento MTSRC e reformados pelo Programa de Locação Social da PMSP. Foto: SEHAB. 66 Ibdem.
Numa perspectiva de patrimônio histórico e arquitetônico, com a reabilitação de edifícios antigos é possível colaborar com a manutenção da memória e da cultura do lugar. A demolição de diversos edifícios ou até de quadras inteiras para novos projetos urbanos não parece responder a demandas locais e nem mesmo da cidade. Mas a reabilitação de edifícios verticais não é uma prática ainda consolidada no Brasil, principalmente no que se refere à promoção habitacional a
Costa (2009) realizou em sua dissertação uma pesquisa sobre gestão pós-ocupação em cinco edifícios reabilitados pelo PAR (Maria Paula, Riskalla Jorge, Fernão Salles, Olga Benário e Labor), e apontou aspectos socioeconômicos dos moradores, assim como aspectos físicos e arquitetônicos sobre as edificações que influenciam na ocupação. A pesquisa evidenciou aspectos positivos no pertencimento dos moradores a um movimento de luta por moradia antes da mudança para os prédios no que se refere a apropriação, cuidado e manutenção, assim como a existência de uma liderança moradora no edifício. Entre os principais problemas físicos encontram-se o mau funciona-
mento das esquadrias e dos elevadores reformados e problemas nas instalações hidráulicas. Em relação ao projeto dos edifícios, a ocupação por um número de pessoas maior do que o previsto em projeto (nos quais a maioria das tipologias é de quitinetes) ocasiona a subdivisão em espaços sem aberturas para iluminação e ventilação naturais. As lavanderias coletivas são objeto de crítica dos moradores, devido a dificuldade de acesso ao espaço projetado e a falta de controle sobre o uso e gasto de água. A falta de um trabalho social contínuo é colocada como raiz de problemas na gestão pós-ocupação, e a autora aponta para a necessidade de redesenho das políticas habitacionais para a inclusão de planejamento da gestão pós-ocupação, garantindo a permanência dos moradores e a manutenção do edifício. Já tratando-se dos processos de projeto e obra, a viabilidade para reformas de edifícios e técnicas de intervenção para requalificação são defendidas por Devecchi67, que apresenta a desmistificação da ideia recorrente de que a reforma de edificações é um processo economicamente inviável. A autora aponta entraves às reformas relacionados ao uso de técnicas convencionais da construção civil (aplicadas a construções novas) e não específicas de reabilitação, que elevam o custo e diminuem a qualidade espacial.
O que vemos é um grande desperdício de materiais, possibilitando pouca autonomia para os proprietários e exigindo a contratação de pequenas empreiteiras. Acreditamos que a grande quantidade de edifícios obsoletos associada às necessidades de reforma tradicional subjacente no universo de 148.000.000 m2, constitui universo significativo para o desenho de um programa de reforma e reconversão. Este programa, além de indicar métodos de construção, rotinas de trabalho e indicadores de viabilidade para possibilitar a construção, promoveria o desenvolvimento de um nicho de produção industrial devotado para sistemas de componentes para reforma assim como para a produção de módulos de banheiros e cozinhas industrializados. Um programa com estas características propiciaria a produção maciça de unidades habitacionais através da reforma, constituindo política habitacional transformadora da nossa realidade urbana. (DEVECCHI, 2010, p. 316) Como defendido por Rossetto Netto (2017), os entraves para a reabilitação e reforma no Brasil estão menos relacionados a questões de técnicas construtivas e falta de domínio técnico, e mais a questões fundiárias. Nota-se que a propriedade do imóvel é fator de maior impedimento para a viabilidade de projetos de reforma e reabilitação. No centro de São Paulo observa-se que grande parte dos edifícios que apresentam potencial para reabilitação foram construídos durante as décadas de 1940, 1950 e 1960. Estes edifícios possuem características arquitetônicas marcantes de sua época, como o escalonamento, pés direitos baixos, áreas mínimas no caso das unidades habitacionais (como quitinetes), e outros princípios construtivos de racionalização da construção68. Nesse contexto, foram construídas muitas edificações que não priorizavam questões relacionadas ao desempenho ambiental como ventilação e iluminação natural. Nos projetos de reabilitação e requalifação desses edifícios antigos tais questões precisam então ser enfrentadas para garantia da qualidade habitacional.
Imagem 29 - Edfício Cambridge em obras de reabilatação . Foto: autora. 68 MULFARTH, SAMPAIO, OLIVEIRA, 2015. 67 DEVECCHI, 2010. Sobre viabilidade, análise de custos, gestão de projeto e obra de reabilitações ver também (CROITOR, 2008; MARQUES DE JESUS, 2008; REABILITA, 2007; GALVÃO, 2012).
Outros importantes aspectos nas reabilitações estão relacionados à adequação às normas técnicas e legislações vigentes, como de acessibilidade e saídas de emergência. Processos de aprovação de projetos como o do Edifício Dandara nos órgãos municipais abriram importantes precedentes para o desenvolvimento de projetos, como apontado por Rossetto Netto (2017). Em 2011, foi emitida uma Instrução Técnica para adaptação de edificações existentes (IT-43) pelo Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo, que facilitou consideravelmente a viabilidade econômica dos projetos de reabilitação e possibilitou maior agilidade nos processos aprovação, como através do aproveitamento das escadas de emergências existentes. A partir das visitas realizadas às obras de reabilitação em andamento do programa MCMV-Entidades dos edifícios Lord e Cambridge, foi possível notar que a qualidade construtiva e arquitetônica presentes nas edificações, que remetem às suas respectivas épocas, são dificilmente encontradas em novos empreendimentos de habitação social. Elementos como lajes espessas, que garantem estabilidade e conforto acústico, revestimentos como pisos de tacos de madeira e pedras de mármore, pés-direitos altos, aberturas grandes que garantem iluminação e ventilação de qualidade, espaços amplos, etc.
Prática alternativa de projeto em edifícios ocupados
reflexão e tomada de decisão SÍNTESE
OFICINAS DEBATES
ESTUDOS E ANÁLISES
DIRETRIZES
projeto
leitura LONGO MÉDIO
PLANEJAMENTO DESENHO
CURTO
execução
gestão
Uma reflexão metodológica A não transitoriedade das ocupações de edifícios ociosos e sua (re)existência quanto possibilidade de moradia nos centros urbanos convoca uma maneira diferenciada de pensar sobre intervenções e projetos nos edifícios ocupados. A vivência nas ocupações como alternativa contra-hegemônica de formas do morar, principalmente em sua potência de desenvolvimento comunitário, provoca questionamentos de projetos e programas habitacionais formulados à distância dessa realidade, que propõem soluções prontas, idealizadas e repetíveis. Neste contexto, busca-se repensar o posicionamento dos arquitetos e do projeto enquanto ferramenta, que podem colaborar com os processos coletivos através do compartilhamento de suas mecanismos de leitura e proposição espacial, de maneira a enriquecer as discussões e deliberações coletivas daqueles que estão envolvidos no processo através da autogestão, e por isso formulam suas próprias demandas baseadas em suas reais necessidades e desejos. As demandas de um coletivo, mais especificamente de moradores de uma ocupação, podem ser muitas vezes imprevisíveis e emergenciais, e se transformam ao longo do tempo, o que pode tornar inverossímil um recorte estático. Ao propor uma “prática alternativa de projeto”, busca-se realizar aqui uma discussão metodológica que se apoie essencialmente na participação social e também em leituras qualificadas das condições existentes, de formulações de diretrizes e estratégias de transformação. É importante destacar que um
processo participativo não tem a capacidade de gerar impactos e transformações sem uma base política mobilizada e engajada69. Tal movimento oriundo de uma consciência de classe está além das qualificações dos arquitetos, que neste contexto são parceiros e não protagonistas. Para elaboração desta reflexão, tem-se como base práticas consideradas “insurgentes” tais como o Plano Popular da Vila Autódromo70, que foi realizado por um movimento organizado em conjunto com assessorias técnicas de arquitetos, urbanistas, cientistas sociais e universidades, sendo expressão da luta de moradores e comunidades contra a remoção e pela garantia de seus direitos. Os chamados planejamentos “insurgentes” ou “radicais” colocam a arquiteta ou o arquiteto como agente que, segundo Tanaka, “atua junto a um grupo organizado que propõe práticas emancipatórias em direção a um futuro alternativo”71. Não se pretende aqui delongar em tais definições, mas sim situar em meio a discussões contemporâneas acerca de práticas que tendem a incluir formas coletivas de reflexão e planejamento, com o objetivo da conquista de autonomia (conforme Paulo Freire72) e empoderamento. A invocação não apenas dos moradores e lideranças das ocupações, mas também do Estado como agente central neste processo, aponta para o cumprimento de direitos essenciais de proteção à vida e garantia de condições dignas de moradia, colocados como prioridade em detrimento ao direito de propriedade. Portanto, parte-se de
69 PÚBLIQUES, Raons. “Yes, we can! Building the ‘his is how it’s done’”. In LACOL, 2018. 70 Plano Popular da Vila Autódromo. Rio de Janeiro, 2014. 71 TANAKA, 2017, p. 228. 72 FREIRE, 1987 e 1996 [FREIRE, Paulo (1996). Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra; FREIRE, Paulo (1987). Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.]
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execução
gestão
uma expectativa do posicionamento do Estado na garantia da permanência das ocupações e melhoria de suas condições habitacionais, e ainda do reconhecimento da atuação dos movimentos de moradia na articulação e mobilização popular, e na formação política e cidadã, em oposição a uma desresponsabilização social do Estado73. Os processos de regularização fundiária e de urbanização nas favelas exigem iniciativas públicas de diferentes naturezas: intervenções urbanísticas a fim de eliminar situações de risco e permitir a instalação ou melhoria dos serviços públicos e de infraestrutura, reconhecimento administrativo das ruas, construção de cadastro fiscal, entre outros. Recorrendo novamente a esta analogia, uma política pública que garantisse a melhoria das condições habitacionais nas ocupações poderia, em primeiro lugar, garantir a segurança da posse, para em seguida viabilizar melhorias estruturais que necessitem de maior investimento, como por exemplo a mudança de prumadas hidrosanitárias e reforços estruturais. Entende-se a complexidade dos investimentos em melhorias a partir dos recursos dos próprios moradores frente à insegurança da permanência nos edifícios ocupados e por isso uma política pública se faz tão necessária. Entretanto frente à realidade política brasileira atual, pode-se ressaltar os efeitos positivos para a própria consolidação e permanência das ocupações tanto das melhorias das unidades habitacionais como dos espaços coletivos, utilizados para atividades de geração de renda ou promoção de eventos culturais. Como no caso da Ocupação Nove de Julho, do MSTC, tais fatores contribuem para a legitimação social e acabam por influir até mesmo nas disputas jurídicas, onde as melhorias das qualidades de vida dos moradores, a partir da educação e da geração de renda, podem contar positivamente74. 73 Sobre a passível confusão entre práticas autogestionárias e desresponsabilização social do Estado ver TANAKA, 2017, p. 247. 74 Esse é o caso da Ação Civil Pública da ocupação Caetano Pinto, vinculada ao MMRC.
Uma Prática Alternativa de Projeto se faz então como forma de fomentar a discussão e reflexão dos moradores e lideranças sobre os problemas, necessidades e potencialidades da ocupação. A participação e colaboração se faz presente em todas as etapas, buscando o compartilhamento de conhecimentos, ferramentas e experiências. Ele se estabelece em etapas de Leitura, Reflexão e Tomada de Decisão, Projeto, Execução e Gestão, que se desenvolvem em um fluxo dinâmico de constantes avanços e revisões do processo. No esquema formulado as ligações entre as etapas se dão sempre nos dois sentidos.
Leitura O reconhecimento das condições existentes nas ocupações, da realidade dos seus moradores e das condições físicas do edifício traz insumos e prerrogativas para as discussões coletivas e tomadas de decisão, assim como para o processo projetual. A etapa de Leitura foi pensada a partir de Estudos e Análises realizados através de ferramentas como visitas, entrevistas com as lideranças e moradores, registros fotográficos, pesquisas históricas e aplicação de questionários socioeconômicos. Os questionários socioeconômicos (Anexo 01) trazem também perguntas relativas ao histórico familiar e à entrada da família para o movimento de moradia. A aplicação dos questionários, realizada mais como conversa do que simples tabulação, é uma etapa importante para a compreensão de contextos e realidades específicas, para o esclarecimento da atuação na ocupação, e para aproximação entre a equipe envolvida e os moradores. A compreensão do contexto específico da ocupação, do edifício e de seus moradores, se faz como uma fotografia, uma representação congelada no tempo, e por isso deve ser constantemente revisitada
leitura
de maneira a tentar manter-se fiel ao contexto em que se intervém. O levantamento arquitetônico da edificação, realizado a partir de plantas originais e do estado atual do edifício é importante para reunir as informações recolhidas e dar base para as futuras intervenções. Yolle (2006) escreve sobre os processos de reabilitação de edificações e aponta para a importância do mapeamento detalhado dos problemas e patologias tanto para as fases de projeto quanto de execução. Busca-se o reconhecimento dos sistemas construtivos, dos valores históricos e arquitetônicos, das dinâmicas de uso dos espaços, das patologias da edificação, questões de habitabilidade, entre outras. É importante ainda a verificação da legislação vigente para adequação às normas técnicas, como segurança contra incêndios e acessibilidade, e uma busca sobre disponibilidade de editais e de programas públicos de financiamento, que podem estar ligados ao desenvolvimento de atividades educativas, culturais, iniciativas de incubação de cooperativas, etc.
ESTUDOS E ANÁLISES
registros fotográficos entrevistas questionários socioeconômicos
SÍNTESE
pesquisas: históricas, legislação, editais, financiamentos
75 Collectiu Punt 6. “Other
voices in participation: Including the gender perspective in order to ensure social diversity in urban transformation”. In LACOL - ARQUITECTURA COOPERATIVA, 2018.
76 Sobre a reprodução do trabalho e trabalho doméstico ver FEDERICI, SILVIA. “O Ponto Zero da Revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista”; tradução Coletivo Sycorax – São Paulo: Elefante, 2019.
Reflexão e tomada de decisão Para reflexão sobre as ações a serem executadas, propõem-se a realização de oficinas e debates com os moradores da ocupação, com a apresentação do material produzido na etapa de leitura, nos quais são compartilhadas ferramentas e conhecimentos para tomada de decisão. São discutidas a priorização dos problemas e necessidades, possíveis soluções, expectativas e desejos, e levantados os agentes que podem ser envolvidos, os recursos disponíveis e maneiras de viabilizar as intervenções. O programa e o planejamento são então elaborados de maneira coletiva.
vidade. Como por exemplo a discussão em grupos menores (de 3 a 4 pessoas) que pode favorecer o posicionamento e fala em relação à grandes rodas de discussão.
A participação dos moradores da ocupação é uma ferramenta essencial para que suas experiências e vivências possam ser incorporadas e sirvam como guia do planejamento e da tomada de decisão. A priorização dos problemas parte da discussão coletiva, assim como a melhor maneira de lidar com eles, enriquecidos pelo compartilhamento de soluções e técnicas entre todos os envolvidos.
A diversidade de pessoas, experiências de vida, condições socioeconômicas e opiniões enriquece os processos participativos, mas eles por si só não garantem horizontalidade e equidade da participação. A participação não é neutra e tão pouco universal, e facilmente podem-se perpetuar valores, hierarquias e papeis sociais predominantes na sociedade75 quando questões de gênero e raça não são levadas em consideração. Para que a equidade seja garantida entre os participantes são necessárias estratégias e intenções que busquem gerar espaços de fala que proporcionem segurança e acolhimento. Os movimentos de moradia felizmente são espaços de fortalecimento da voz de mulheres negras, que ocupam posições de liderança e fortalecem umas às outras.
Ao propor uma dinâmica participativa são necessários certos cuidados como a garantia de conteúdos acessíveis e condições materiais e temporais para que todos possam estar presentes. Na prática isso pode significar encontrar o espaço e o horário mais conveniente para a realização das atividades, levando em consideração o cotidiano das pessoas envolvidas; e também formatos de atividades e oficinas que podem favorecer espaços de maior participação, com flexibilidade e criati-
As perspectivas de gênero incluídas nos processos participativos de planejamento fazem visível a esfera reprodutiva do trabalho doméstico executado por mulheres76, que normalmente para participar de maneira ativa de outras atividades adicionam mais um turno de trabalho à sua rotina. Faz-se necessária a corresponsabilização comunitária das tarefas e do cuidado de crianças e idosos para que as mulheres possam participar e estar presentes nos processos de reflexão e tomada de decisão.
reflexão e tomada de decisão
APRESENTAÇÃO SÍNTESE DE LEITURA
pesquisa por soluções e técnicas
DEBATES
eleição de prioridades
OFICINAS ASSEMBLEIAS
compartilhamento de ferramentas determinação dos agentes diretrizes elaboração de programa
Imagens de 30 a 33 - Oficinas de projeto realizadas pela assessoria técnica Peabiru com moradores da Ocupação José Bonifácio . Foto: Renata Antonialli, 2016.
Projeto Levando em conta a temporalidade das ocupações, são propostas três fases que articulam diferentes intensidades de intervenção, diferentes agentes e formas de viabilização. Manutenção e reparos, melhorias, adaptações nos ambientes, mudanças de uso e a reabilitação integrada do edifício relacionam-se ao longo do tempo. Propõem-se a sistematização em atividades de curto, médio e longo prazo, que podem envolver diferentes agentes e formas de realização. O projeto de arquitetura aqui é proposto como meio e não como fim. Ele se concretiza como linguagem necessária para seu planejamento e execução, expressão formal das decisões tomadas coletivamente e não exclusivamente pelos arquitetos. A competência dos arquitetos em lidar com a proposição de espaços de qualidade não é descartada, mas retirada do seu isolamento. No planejamento militante, expressa-se a dificuldade de se combater através de processos de planejamento as desigualdades de saberes, diante do domínio do conhecimento técnico-científico nos espaços de poder, de tomada de decisão. Expressar projetos populares através da linguagem técnica seria uma forma de afirmá-los em processos conflituosos, revelando interesses diferenciados. (TANAKA, 2017) No contexto de lutas populares, o projeto pode ser visto como ferramenta discursiva de disputa, que legitima possibilidades e negociações em espaços institucionais. Em uma conversa com a Conceição, militante e assistente social do MMCR, foi trazida por ela a importância do estudo de viabilidade de reabilitação da Ocupação José Bonifácio, desenvolvido pela assessoria técnica Peabiru, como ferramenta de argumentação em prol da permanência da ocupação. Segundo ela, o projeto foi anexado tanto no processo jurídico de desapropriação do imóvel quanto no processo de visitas técnicas da Prefeitura.
projeto
CURTO PRAZO MÉDIO PRAZO LONGO PRAZO
agentes intervenções recurso
Execução A partir do plano de projeto elaborado, podem ser executadas as intervenções. A etapa de Execução se interliga à etapa de Leitura da ocupação, pois desenvolve-se em tempos e prazos diferentes e, portanto, o atendimento das necessidades e do contexto atual deve ser revisitado. Outros aspectos desta etapa podem se referir à própria logística de obra, como no caso de intervenções de maior impacto, onde questões como a permanência das famílias no edifício durante o período de obras e realocação provisória podem ser debatidos. O processo de autogestão pode fortalecer a apropriação dos moradores aos projetos desenvolvidos e pode também ser campo para expressão popular na etapa de execução. Os limites e potencialidades da autogestão na construção da moradia popular já foram amplamente abordados em trabalhos acadêmicos (VELASCO, 2018; SANTO AMORE, 2005; LAGO, 2013; PERCASSI, 2009; USINA CTAH, 2006).
GERAÇÃO DE EMPREGO
execução
QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL MELHORIAS E REFORMAS
cursos de capacitação mutirões contratação de moradores assessoria técnica
77 (ANITELLI; TRAMONTANO, Recife, 2016) Imagem 34 - Placa da Obra de reforma da Ocupação Manoel Congo gerida pela Cooperativa de moradores Liga Urbana. Foto: Diogo Ramos Tirado
(Auto)Gestão A gestão da ocupação está presente ao longo de toda a ação, pois ela organiza todos os outros processos e sintetiza a atuação do Movimento enquanto organização coletiva e autogerida. Ela se faz desde o trabalho social de acolhimento das famílias até a manutenção e zeladoria da edificação, e pode também ser responsável por projetos de geração de renda que contribuam para a sustentabilidade financeira da ocupação. A possibilidade de criar nas ocupações espaços de compartilhamento e atividades comunitárias, como cozinhas, creches para as crianças, bibliotecas, salas de exibição de filmes, etc., pode potencializar o engajamento comunitário e ainda contribuir na redução de gastos mensais dos moradores. Um exemplo disso foi realizado na Ocupação Marconi, onde duas refeições diárias eram produzidas na cozinha comunitária e oferecidas aos moradores ao custo de 10 reais por semana, por pessoa77. Anitelli e Tramontano (Recife, 2016) apontam que serviços como este, que não visam o lucro, acabam por ter custos menores dos praticados pelo mercado privado e se colocam como formas de consumo alternativas às capitalistas. Segundo os autores, a autogestão não ocorreria apenas para suprir a falta de recursos financeiros, mas também pela intenção dos moradores em decidir coletivamente sobre seu espaço doméstico cotidiano. A partir do engajamento, os moradores seriam então invocados a cuidar das áreas comuns para além do espaço privativo de cada família. Constituem-se atividades realizadas pelos próprios moradores, sem a participação, interferência ou conivência de agentes públicos ou privados. Exatamente por isso, a rotina dessas pessoas é completamente diferente do comum. Atualmente, no Brasil, nenhum programa público ou produto privado oferece um edifício de apartamentos com tais serviços, autogeridos pelos próprios moradores, sem interferências externas. O próprio programa habitacional e as tipologias arquitetônicas poderiam ser repensados nessas circunstâncias. (ANITELLI; TRAMONTANO, Recife, 2016) No que se refere ao acesso à habitação, a flexibilidade a transformações nos núcleos familiares, nas necessidades e desejos ao longo do tempo pode não ser apenas uma questão arquitetônica expressa através da flexibilidade de mudança nos ambientes no interior da habitação, mas também através de sistemas de posse que não estejam baseados da propriedade privada individual, como os de cooperativas de moradia e locação social. A existência de uma gestão participativa, após a conquista da moradia, teria potencial de lidar com tais questões. TRABALHO SOCIAL
(auto) gestão
grupos de trabalho
GERAÇÃO DE RENDA
assembleias
MANUTENÇÃO
assessoria jurídica
ZELADORIA
cooperativismo assessoria financeira
coopera
TRABALHO SOCIAL determinação dos agentes
pesquisas históricas e de legislação
entrevistas
assembleias
DEBA APRESENTAÇÃO SÍNTESE DE LEITURA
SÍNTESE
reflex tomad deci
leitura
registros fotográficos
contratação de moradores
elabora progr
ESTUDOS E ANÁLISES
execu
editais de projetos e e financiamentos
MELHORIAS E REFORMAS
QUALIFI PROFIS
questionários socio-econômicos ZELADORIA
curso capac
grupo traba
Prática alternativa de projetos
ativismo
MANUTENÇÃO
ação de rama
diretrizes compartilhamento de ferramentas
ATES ASSEMBLEIAS
xão e da de isão
agentes CURTO PRAZO
os de alho
intervenções
MÉDIO PRAZO
LONGO PRAZO
assessoria financeira mutirões
assessoria técnica
(auto) gestão
recursos
GERAÇÃO DE EMPREGO
ICAÇÃO SSIONAL
os de citação
assessoria jurídica
OFICINAS
projeto
ução
pesquisa por soluções e técnicas
GERAÇÃO DE RENDA
síntese de leitura
GSEducationalVersion
De maneira a aprofundar as questões levantadas anteriormente de forma mais prática, escolhi trabalhar com a Ocupação Ipiranga, uma entre as quatro ocupações do movimento MMCR com o qual foi possível estabelecer aproximação e parceria a partir do grupo de extensão. O MMCR conta com a colaboração da assessoria técnica Peabiru em outras duas ocupações, José Bonifácio e Casarão Caetano Pinto, e da Escola da Cidade na ocupação Rio Branco. A ocupação Ipiranga, no entanto, ainda não foi objeto de estudo, projeto ou intervenção de nenhuma assessoria técnica ou universidade. Durante o desenvolvimento deste trabalho foram encontradas inquietações e dificuldades em seguir adiante, de achar um propósito na realização de um encerramento à distância justamente no âmbito de um processo que ansiava pela proximidade. No entanto, a introspecção do isolamento colaborou para a construção de reflexões sobre a prática que se buscava defender, sobre o sentido do projeto de arquitetura e sobre as próprias limitações de um Trabalho Final de Graduação. O contexto e a duração deste trabalho certamente não seriam suficientes para tirar do papel a Prática aqui defendida em sua totalidade, mas havia a intenção de aproximação e contato direto com os moradores da Ocupação como elemento essencial para seu desenvolvimento. Frente à pandemia de Coronavírus, naturalmente, esse processo foi interrompido. Apesar de uma imanente contradição entre a teoria anteriormente defendida e o que será aqui apresentado, a intensão é que este conteúdo possa colaborar com discussões futuras, servir como exercício de reflexão e ilustrar possibilidades.
Imagem 35 - Vista do sétimo andar da Ocupação Ipiranga Foto: autora.
O conteúdo a seguir foi elaborado a partir das leituras feitas por mim através das conversas e visitas realizadas até o início da quarentena. O levantamento arquitetônico foi apenas iniciado e por isso há lacunas de informações sobre os espaços da ocupação, seus usos e suas condições físicas. Não puderam também ser aplicados os questionários qualitativos para o levantamento socioeconômico da ocupação e tampouco as oficinas e discussões comunitárias. Serão então apresentados aqui a síntese da etapa de Leitura, com as informações coletas no momento anterior, e alguns ensaios de como certas intervenções poderiam se manifestar em projeto.
O MMCR O Movimento de Moradia Central e Regional (MMCR) é um movimento social organizado fundado em 2012, numa dissidência do MSTC. É filiado à Frente de Luta por Moradia (FLM), rede de movimentos sociais autônomos que estabelece regulamentos éticos democráticos e organizativos. Além do acolhimento de 350 famílias, o movimento atua estabelecendo parcerias e criando oportunidades para educação, formação profissional e empoderamento de seus militantes. O MMCR possui outras três ocupações de edifícios ociosos na região central de São Paulo.
JOSÉ BONIFÁCIO Endereço: Rua José Bonifácio, 237 – Sé Número de Famílias: 110 Início: novembro 2012 Propriedade: IPREM Instituto de Previdência Municipal de São Paulo (INSS antigo proprietário) Ano de construção: final década 1930 Uso anterior: Escritórios – comercial
CASARÃO CAETANO PINTO
Endereço: Rua Caetano Pinto, 40 – Brás Número de Famílias: 32 Início: 2012 Propriedade: privada Ano de construção: 1926 Uso anterior: Residencial Hotel
RIO BRANCO 53
Endereço: Avenida Rio Branco, 53 – Campos Elísios Número de Famílias: 46 Início: novembro 2011 Propriedade: privada Ano de construção: 1960 Uso anterior: Hotel
Ocupação Ipiranga 879 Iniciada em outubro de 2012 pelo movimento MMCR, na ocupação Ipiranga moram hoje 101 famílias no edifício que . Localizada na avenida de mesmo nome, próxima ao cruzamento com a Avenida São João e à 200m da Praça de República. A Ocupação se insere em um tecido urbano altamente consolidado, onde se cruzam duas linhas de metrô, vermelha e amarela, que conectam às zonas leste e oeste da cidade, e com grande diversidade de comércios e serviços, próprios da região central. À distâncias muito próximas também se encontram equipamentos culturais de grande importância para a cidade como o Teatro Municipal, a Galeria Olido e o Sesc 24 de Maio, e ícones da arquitetura e cartões postais da cidade, como os Edifício Copan e Itália. Em um circuito relativamente pequeno, encontram-se também outras ocupações de edifícios ociosos pertencentes a outros movimentos de moradia, como a Ocupação São João, mencionada anteriormente.
Imagem 36 - Fachada Ocupação José Bonifácio . Foto: João Augusto Lima Guedes. Imagem 37 - Ocupação Casarão Caetano Pinto . Foto: Site São Paulo Antiga. Imagem 38 - Ocupação Rio Branco 53 . Foto: João Augusto Lima Guedes. Imagem 39 - Ocupação Ipiranga 879 . Foto: autora.
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O edifício Basílio Jafet Construído em 1948 pelo engenheiro civil Eduardo Benjamin Jafet, o edifício Basílio Jafet78 foi projetado pelos arquitetos Jacques Pilon e Franz Heep, na época expoentes da arquitetura modernista brasileira. Possui estrutura de concreto armado e vedações em alvenaria. Com 14 pavimentos de salas comerciais e uma loja no térreo, o edifício foi lançado no ano de 1951, apresentando caraterísticas modernas para sua época, como os rápidos elevadores divulgados no anúncio de aluguel dos escritórios. Formado na Escola de Belas Artes de Paris, o arquiteto francês Jacques Pilon (1905-1962) foi responsável por inúmeros projetos de edifícios verticais no chamado “centro novo”, região a oeste do Vale do Anhangabaú que nas décadas de 1940-1960 passou por grande processo de transformação. Arquiteto das elites paulistanas, Jacques Pilon e seu escritório introduziram princípios da arquitetura moderna no mercado imobiliário de São Paulo, que se configurava como metrópole a partir do final dos anos de 193079. O escritório desenvolveu inúmeros edifícios residenciais, comerciais e de uso misto na cidade. Edifícios de salas comerciais como o Basílio Jafet, colocados no mercado de locação, foram erguidos de acordo com o Código Arthur Saboia, que estabelecia entre outras coisas gabaritos máximos, possibilidade de escalonamento, ocupação máxima dos lotes e parâmetros estéticos de fachada. A colaboração do arquiteto alemão Franz Heep (1902-1978) promoveu
mudanças significativas da arquitetura produzida pelo escritório de Pilon no que se refere à incorporação de elementos modernistas. Formado na Escola de Artes e Ofícios de Frankfurt, Frank Heep trabalhou com Adolf Meyer e posteriormente com Le Corbusier. Segundo Mello (2010), o projeto do edifício Basílio Jafet teve um primeiro estudo em 1947 e foi modificado por Heep em 1950. No edifício a flexibilização da planta é garantida pela adoção da estrutura de concreto armado. O desenho regular da malha estrutural se reflete na fachada, através dos caixilhos e quebra-sóis. Os caixilhos são compostos por janelas de correr e basculantes, e garantem boa ventilação e iluminação até os dias de hoje. A preocupação
Imagem 40 - Anúncio Edifício Basílio Jafet pubicado no jornal O Estado de São Paulo em fevereiro de 1951 Imagem 41 - Avenida Ipiranga (entre 1940 e 1960). Foto: Werner Haberkorn, Acervo Museu Paulista. Imagem 42 - Projeto Original Edifício Basílio Jafet, Jacques Pilon. Coordenadoria de Gestão Documental - Secretaria Municipal de Gestão da Prefeitura de São Paulo. 78 Basílio Jafet, a quem o edifício homenageado, foi um dos irmãos que administrou os negócios familiares. 79 SILVA, Joana Mello de Carvalho. “O arquiteto e a produção da cidade: a experiência de Jacques Pilon em perspectiva 1930-1960”. Tese de doutorado – História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo – FAUUSP. São Paulo, 2010.
Imagem 43 - Escada Ocupação Ipiranga. Foto: autora. Imagem 44 - Antigo painel informativo do edifício comercial na entrada da Ocupação Ipiranga. Foto: autora. 80 Ibdem. 81 DPH, Processo de tombamento Palacete dos Corvos, nº 1991-0.005.368-6 e 1991-0.005.386-6 82 Conforme Processo Civil de Reintegração/ Manutenção de Posse nº 583.00.2012.205591-4. 42ª Vara Cível - Fórum Central Cível João Mendes Júnior.
de síntese entre questões técnicas, construtivas e estéticas da arquitetura moderna também se faz presente na concentração das áreas molhadas e da circulação vertical, que continha nichos para instalações hidráulicas e de lixo80. Os Jafet, primeiros donos do edifício, foram uma das primeiras famílias de imigrantes libaneses a chegar ao Brasil no final do século XIX. Trabalharam inicialmente como mascates e em pouco tempo construíram uma grande indústria de tecidos de nome “Fiação, Tecelagem e Estamparia Ypiranga Jafet S.A”, localizada no bairro do Ipiranga, bairro industrial a sudeste da região central. Tornaram-se uma das famílias mais ricas e influentes na cidade de São Paulo, expandindo seus negócios para outras áreas como a siderurgia, beneficiando-se principalmente do fim das importações durante a 1ª Guerra Mundial81. Eduardo Benjamin foi casado com Adma Jafet, primeira proprietária do edifício. Ambos faleceram na década de 1950, deixando-o às suas duas filhas Violeta e Angela Jafet.
Até o ano de 1996, as salas comerciais foram alugadas a diferentes usuários, entre eles consultórios odontológicos e bancos como o Banco do Estado de Sergipe e Banco Agrimisa. Com o processo de deslocamento dos centros comerciais para a porção sudoeste da cidade, o edifício Basílio Jafet permaneceu vazio até o ano de 2012, quando foi ocupado pelo movimento de moradia. Em 2006 o edifício foi vendido pelos herdeiros da família Jafet à empresa LP Administrados de Bens, atual proprietária e requerente de inúmeras reintegrações de posse. A empresa é especializada na locação, compra e venda de imóveis comerciais, industriais e logísticos, sendo um de seus proprietários Nasser Fares, também acionista do grupo Marabraz. A empresa tem capital social de R$ 14.747.864,00 (quatorze milhões setecentos e quarenta e sete mil oitocentos e sessenta e quadro reais) e é proprietária de diversos edifícios, principalmente industriais, no interior de São Paulo82.
O edifício Basílio Jafet em 2012 tinha valor venal de R$ 2.408.222,00 (dois milhões quatrocentos e oito mil duzentos e vinte dois reais), segundo a Certidão de Dados Cadastrais do Imóvel (IPTU). O valor venal atual é de R$ 7.125.184,00 (sete milhões cento e vinte cinco mil cento e oitenta e quadro reais), (dados de 2020). A partir das matrículas do edifício, foi estimado um valor médio do metro quadrado da transação de venda para a LP Administradora de R$ 330,00. Valor este consideravelmente inferior à média do metro quadrado em relação ao valor venal do imóvel na época, que seria de R$ 763,00 (valor venal dividido pela área construída). O valor médio de venda de um imóvel reformado na região da República, em 2016, era de R$ 7.250/m², segundo reportagem83, o que aparentemente tornaria um negócio um tanto lucrativo. Em 2016, a Secretaria de Habitação e a COHAB, em continuidade aos trabalhos do Programa Renova Centro iniciado na gestão Kassab, realizaram um levantamento de imóveis na região central com potencialidade de conversão para habitação social que se enquadrassem num limite de viabilidade de R$200.000 (duzentos mil reais) relativo
83 NOGUEIRA, Amanda. “Prédios velhos recauchutados são relançados a preços competitivos”. Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 01 de maio de 2016. Disponível em < http://especial.folha. uol.com.br/2016/morar/ paulista-centro/2016/05/ 1766317-predios-velhos-recauchutados-sao-relancados-a-precos-competitivos.shtml>. 84 Segundo Sampaio, SAMPAIO, Celso Aparecido. Entrevista concedida a Bárbara Mühle. Trabalho Final de Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 02 de julho de 2020.
a fração ideal para compra e reforma dos imóveis. Ou seja, assim como em outros programas habitacionais já implementados, o total de investimento dependeria do número de unidades final viabilizadas. Neste contexto, em meio ao diálogo entre a Prefeitura e os proprietários do imóvel, foi descartada pela Prefeitura a possibilidade de desapropriação e compra pois, na época, o valor ofertado pelos proprietários estava muito acima do limite estimado para a viabilidade da desapropriação e reforma para habitação social84. O imóvel, apesar de manter-se por anos desocupado e não cumprir sua função social, está em dia no pagamento de IPTU. Através de seus advogados, os proprietários foram bastante ágeis em dar entrada no processo de reintegração de posse, que hoje encontra-se na Vara da Fazenda Pública e já acumula 1400 páginas em 6 volumes, envolvendo além da LP Administradora de Bens e a FLM (representante do MMCR), a Prefeitura Municipal de São Paulo e o Ministério Público. O Ministério Público colocou o atendimento habitacional das famílias moradoras da Ocupação pela Prefeitura como condicionante para a reintegração de posse, o que até hoje garantiu a permanência da Ocupação no local.
A ocupação Como relatado por militantes do movimento MMCR, o Edifício Basílio Jafet foi escolhido para ser ocupado devido ao longo período de abandono no qual se encontrava e a existência de dívidas no pagamento de impostos. Em 28 de outubro de 2012, após as eleições municipais, os militantes ocuparam o edifício no chamado “dia de festa”. Entre os militantes encontravam-se pessoas já pertencentes ao movimento e pessoas do grupo de base de Heliópolis, que nesse “dia de festa” vivenciavam sua primeira experiência de ocupação. Ao ocupar o edifício o movimento se deparou com a família de um funcionário de uma empresa terceirizada, contratado pelos proprietários para tomar conta do local. Apesar de impasses iniciais, o diálogo foi estabelecido e foi acordado que o funcionário e sua família permaneceriam no edifício junto a ocupação, que conseguiu consolidar-se. A presença do funcionário no local foi usada como argumento no processo judicial pelos proprietários para justificar que o edifício não se encontrava abandonado. Entretanto, o zelador e sua família ocupavam apenas o 15º andar, enquanto todos os outros 14 pavimentos e o térreo permaneciam sem uso e, portanto, não cumpriam sua função social. O antigo zelador também ocupa atualmente o 12º pavimento para criação cachorros, pavimento onde se localiza uma ampla laje descoberta, a maior área livre do edifício.
Imagens 45 e 46- Fachada e Entrada Ocupação Ipiranga. Foto: autora.
Imagem 47 e 49 - Tania e Viviane, moradoras da Ocupação Ipiranga. Foto: autora. Imagem 48 - Leonardo, coordenador da Ocupação Ipiranga. Foto: Rachel Castilho. Imagem 50 - Moradoras da Ipiranga em mutirão de limpeza. Foto: autoria desconhecida. 85 GONÇALVES, 2020.
Nas primeiras semanas os militantes se revezavam na permanência da ocupação. As salas comerciais dos primeiros andares serviam como dormitório e havia uma cozinha comunitária. Com a consolidação da ocupação, as antigas salas de escritório foram distribuídas entre as famílias ocupantes de acordo com o número de integrantes e as necessidades prioritárias, com locação de idosos em andares mais baixos, por exemplo. Em sete anos de existência, a ocupação Ipiranga teve grande relevância na melhoria das condições de vida de seus moradores, que conseguem morar com qualidade e próximo aos locais de trabalho, tendo como único custo a contribuição de duzentos reais. O valor arrecadado com as contribuições é utilizado no pagamento dos salários dos quatro porteiros, na manutenção do edifício e uma pequena parte é direcionada à coordenação do MMCR, para o pagamento da assistente social, advogada e contador. Atualmente moram na ocupação 101 famílias, aproximadamente 60 crianças e 26 adolescentes em idade escolar. Segundo levantamento incompleto realizado em fevereiro de 2019 com 92 famílias, a maioria dos núcleos familiares é composta de 3 a 4 pessoas (61%), 23% de famílias com 2 pessoas, e 16% são compostas por 5 ou mais.
A maior parte dos moradores atuais se encontra na ocupação desde seu início. Alguns desenvolveram seus próprios negócios e muitos usufruem da grande movimentação e circulação do centro paulistano para vender produtos e alimentos. Como o caso da Viviane, que antes trabalhava numa oficina de costura e ao entrar para o Movimento, conseguiu, junto com seu marido Flávio, começar a trabalhar com um carrinho de tapioca no cruzamento da Avenida Ipiranga com a Rua Barão de Itapetininga e fazer doces e bolos sob encomenda85. Os moradores da ocupação utilizam os equipamentos públicos do entorno como UBS e equipamentos de cultura como o Sesc 24 de Maio e a Pinacoteca do Estado. As crianças da ocupação além de frequentarem escolas também nas proximidades, realizam atividades extracurriculares durante a semana no projeto social da Fundação ACM, que oferece atividades esportivas como natação e balé, frequentam a Escola da Paz, na Igreja de São Francisco, que oferece reforço escolar e outras atividades educativas aos sábados de manhã. A ocupação é coordenada por Leonardo, um dos fundadores do MMCR, mas as decisões organizativas são sempre deliberadas em assembleia, como as relacionadas à manutenção do edifício, ao processo de reintegração de
242 m²
DEPÓSITO
245 m²
133 m²
GARAGEM
ÁREAS TÉCNICAS 242 m²
DEPÓSITO
133FAMILIAR m² ÁREAS TÉCNICAS COMPOSIÇÃO DA OCUPAÇÃO IPIRANGA (fev. 2019) COMPOSIÇÃO 3% 2% FAMILIAR
3% 5%
3%
3%
2%
COMPOSIÇÃO FAMILIAR
23%
1 01 PESSOA pessoa
5%
23%
pessoas 2 02 PESSOAS 1 PESSOA 2 PESSOAS pessoas 3 03 PESSOAS 3 PESSOAS pessoas 4 04 PESSOAS 4 PESSOAS
31%
5 05 PESSOAS pessoas 31%
5 PESSOAS
7 07 PESSOAS pessoas
7 PESSOAS
8 08 PESSOAS pessoas
30%
8 PESSOAS
30%
Fonte: Processo Civil de Reintegração/ Manutenção de Posse
nalVersion
ÁREAS CONSTRUÍDAS DA OCUPAÇÃO SEGUNDO LEVANTAMENTO 158 m²
TERRAÇO ZELADOR
208 m²
ZELADOR
79 m²
TERRAÇOS PRIVATIVOS
2.499 m²
posse e convivência. As assembleias são normalmente realizadas em intervalos mensais. Existem regras de convivência e um regulamento da Ocupação, que restringe, por exemplo, distúrbios dos vizinhos com músicas altas e uso de drogas ilícitas dentro da ocupação. O assédio e a agressão física também são proibidos e fortemente combatidos dentro da ocupação. A participação comunitária nos dias de hoje não é mais tão ativa quanto nos primórdios da ocupação, entretanto quando necessário os moradores da ocupação Ipiranga se articulam para resolução dos problemas e realização de mutirões de limpeza. Segundo Tânia86, moradora da Ipiranga, a luta pela moradia é o que mais une os moradores da Ocupação. Na ocupação espaços subutilizados, como o térreo e o subsolo, se contrastam com espaços de maior densidade de ocupação como as moradias. A área privativa dos apartamentos (antigas salas comerciais) ocupada pelas 101 famílias corresponde a 57% da área construída do edifício. Considerando como espaços subutilizados aqueles de não permanência ou sem atividade, poderiam ser incluídos a garagem (antiga loja) e o subsolo usado como depósito, e ainda os espaços de uso restrito não acessíveis aos moradores da ocupação, como o 12º pavimento. Estes ambientes, sendo eles áreas construídas ou terraços, totalizam 750m² ou 16% da área total.
ÁREA PRIVATIVA OCUPAÇÃO
4.655 m²
194 m²
BANHEIROS COLETIVOS
85 m²
TERRAÇOS COLETIVOS
812 m²
ÁREAS COMUNS DE CIRCULAÇÃO
245 m²
GARAGEM
242 m²
DEPÓSITO
133 m²
ÁREAS TÉCNICAS
COMPOSIÇÃO
As áreas de terraço são os únicos espaços livres existentes na edificação. Os terraços de uso comum aos moradores da ocupação se localizam no 16º pavimento e 1º pavimento, nos fossos de ventilação em condições de pouca luminosidade. A maior área livre é o terraço do 12º pavimento, restrita ao uso do antigo zelador para criação de cachorros Rotweilers e correspondente a 49% das áreas de terraço. A restrição do uso desta área de boa insolação se contrasta com a ausência de espaços livres para brincar para as crianças da ocupação, que acabam por usar os corredores.
Os principais problemas relacionados à manutenção e conservação do edifício são vazamentos e infiltrações nas prumadas hidráulicas, que podem comprometer a estrutura da edificação e ocasionam mofo e umidade em alvenarias e quadros elétricos. As tubulações hidráulicas originais do prédio são de ferro e embutidas na alvenaria. Devido ao tempo de uso da edificação é natural que os sistemas prediais se encontrem desgastados. Os moradores da ocupação realizaram a troca de parte dos encanamentos metálicos por canos de PVC, mas muitos vazamentos e infiltrações permanecem. A umidade é agravada nos andares inferiores da ocupação devido à falta de iluminação natural e ventilação. A própria implantação e a orientação do edifício são fatores que contribuem para isso: o lote no qual o prédio foi construído apresenta um formato irregular, com uma área que se comprime entre dois lotes vizinhos, o que inviabilizou a abertura de janelas laterais. A construção de altas edificações vizinhas justapostas desfavorece a entrada de iluminação natural. Os fossos de ventilação são insuficientes para garantir a salubridade dos ambientes. O laudo da visita técnica realizada pela Prefeitura de São Paulo em 2018 apontou para as más condições das instalações elétricas, que assim como as de água e esgoto não são regulari-
GSEducationalVersion GSEducationalVersion GSEducationalVersion GSEducationalVersion
Condições físicas do edifício
zadas. Foram assinalas no relatório as fiações expostas, com emendas e subdimensionamento, como fatores geradores de risco de superaquecimento e incêndio. No que se refere à segurança contra incêndios, as divisórias dos cômodos em alvenaria e a desobstrução dos corredores, que são mais largos do que 1,20m, são fatores positivos, assim como a existência de extintores de brigada de incêndio. O edifício possui rede de hidrantes e sistema de detecção de fumaça, porém os mesmos encontram-se inoperantes. A única escada existente é a principal forma de circulação vertical da ocupação, porém não é enclausurada e não possui corrimãos.
09h
12h
15h
Os caixilhos envidraçados das fachadas, que são os mesmos do projeto original, têm platibandas inferiores a 90cm, o que torna a compartimentação vertical da fachada menor do que o exigido pelas atuais instruções técnicas dos bombeiros para impedir a propagação vertical em caso de incêndio. Os relatórios das visitas técnicas contraindicaram o uso de botijões de gás nas habitações, pelo confinamento do GLP e riscos de vazamento, e sugeriram como medida mitigatória a instalação de cozinha comunitária, o que para os moradores da ocupação é inviável.
17h
Diagrama de Insolação no edifício em 23/abril 86 MOURA, 2020. Imagem 51 e 52 - Infiltração parede do corredor e fosso lateral. Foto: autora.
Imagem 53 e 54 Acúmulo perene de água no piso da garagem e corredor. Foto: autora. Imagem 55 - Fosso lateral. Foto: autora.
Subsolo O subsolo é a área mais subutilizada da ocupação. Sem nenhuma abertura para ventilação ou iluminação natural, com infiltrações constantes provenientes de vazamentos dos encanamentos, o ambiente é bastante insalubre e tem forte odor de bolor e umidade. É utilizado como depósito de objetos e eletrodomésticos quebrados. No subsolo encontram-se algumas áreas técnicas como reservatórios e fosso dos elevadores. Ali encontra-se também uma unidade de habitação.
Problemas e Patologias - Laje, pilares e paredes de alvenaria com machas de mofo e umidade, que provocam forte odor - Fiação elétrica exposta - Unidade habitacional sem abertura
SEducationalVersion
GSEducationalVersion
2,652,65
1
2,882,88
N 0
5m
rsion
Térreo O térreo é divido em dois acessos: O saguão de entrada do edifício e a loja. O saguão é revestido em mármore e ali encontram-se a portaria, o hall dos elevadores e a escada que dá acesso aos andares superiores. Os antigos elevadores não são utilizados e o hall foi fechado com divisórias de escritório para abrigar o espaço administrativo ou uma possível biblioteca da ocupação. Como porteiros, trabalham moradores da própria ocupação em revezamento de turnos. Já a antiga loja é utilizada como garagem para o estacionamento de veículos e de carrinhos de moradores que trabalham como vendedores ambulantes nas ruas do centro. Lá se encontram também geladeiras, veículos abandonados e outros objetos. Em datas festivas, como Natal e dia das crianças, o espaço da garagem é utilizado para realização de celebrações. Os moradores são então notificados a retirarem seus veículos nas datas estabelecidas.
Problemas e Patologias - infiltração constante e acúmulo de água no piso - paredes e pilares de alvenaria com manchas de umidade e bolor - forro de madeira danificado - aberturas originais fechadas - fiação elétrica exposta - piso de granito danificado
GSEducationalVersion SEducationalVersion
2,65 2,65 5,15 5,15
N 0
1
5m
Imagem 56 e 57 - Subsolo. Foto: autora. Imagem 58 e 59 - Entrada e Garagem. Foto: autora.
rsion
1º pavimento
Anteriormente chamado de sobreloja, o primeiro pavimento tem pé direito mais baixo do que os demais. Nesse se inicia o acesso vertical pela escada em “U”. Há terraços privativos que são pouco utilizados e com acúmulo de lixo.
Problemas e Patologias - umidade e bolor nas paredes de alvenaria, pilares e forros - umidade nos quadros elétricos - fiação elétrica exposta - torneiras nos banheiros danificadas, com água vertendo initerruptamente - caixilhos metálicos corroídos pela umidade - encanamentos hidráulicos expostos
SEducationalVersion
3,10 2,65 3,10
1
2,65
N 0
5m
Imagem 60 a 63 - Corredores e banheiro coletivo. Foto: autora.
Imagem 64 e 65 - Caixa elétrica danificada e fosso lateral. Foto: autora.
1º ao 11º pavimento As habitações estão distribuídas por todo o edifício em diferentes áreas e arranjos nas antigas salas comerciais. Famílias mais numerosas ocupam as unidades de maior tamanho. A planta em H concentra a circulação vertical (escada e elevadores) e os banheiros no seu centro, e há três fossos internos de ventilação.
Problemas e Patologias - umidade e bolor nas paredes de alvenaria, pilares e forros - umidade nos quadros elétricos - fiação elétrica exposta - torneiras nos banheiros danificadas, com água vertendo initerruptamente - caixilhos metálicos corroídos pela umidade - encanamentos hidráulicos expostos
67,43 m m22 67,43
27,89 m m22 27,89
12,64 m m22 12,64
38,08 m m22 38,08
34,19 m m22 34,19
N
3,10 3,10
3,10 3,10
3,10 3,10
28,15 m m22 28,15
0
1
5m
Em todos os andares os banheiros são compartilhados, um para as unidades de frente e outro para as unidades de fundo, e os moradores de cada andar se organizam para estabelecer a forma de revezamento na limpeza dos mesmos, que normalmente acontece por dias da semana. A condição de manutenção e limpeza de cada andar difere pois depende das condições dos moradores daquele andar. Em alguns andares os banheiros e os corredores foram reformados e em outros permanecem em condições mais precárias. Algumas janelas que abrem para os fossos de ventilação central foram pintadas pelos moradores, por questões de privacidade, pois as janelas de duas unidades fazem frente uma para a outra, o que diminui a entrada de luz natural nessas unidades. Há uma grande diversidade de unidades, com áreas que variam de 12,60m² a 67,50 m², distribuídas de acordo com tamanho de cada família. A única unidade com fechamento em madeira e não em alvenaria está localizada no 2º pavimento, em uma subdivisão da antiga maior sala comercial, esta unidade também não possui abertura para ventilação ou iluminação natural.
Imagem 66 e 67 - Banheiros coletivos. Fotos: autora.
Imagem 68 a 70 - Janela com abertura para o fosso pintada, apartamentos. Fotos: autora.
1º ao 11º pavimento
No 12º pavimento existe o espaço cinco antigas salas comerciais e um grande terraço no qual o antigo zelador do edifício cria seus cachorros Rottwieler. Essa área não é utilizada pelos demais moradores da ocupação e até agora a negociação da utilização do espaço do terraço não foi pensada como possibilidade.
Problemas e Patologias Levantamento não realizado neste pavimento
0
1
5m
3,10
N
3,10
3,10
3,10
13º e 14º pavimento A planta do edifício recua a partir do terraço e nestes andares encontram-se mais habitações. Apesar de serem os andares mais altos da ocupação, sendo necessário percorrer muitos lances de escada, as unidades localizadas nos últimos pavimentos são as que apresentam melhores condições de iluminação e ventilação naturais.
15º pavimento Neste andar encontra-se a casa do antigo zelador. A casa do zelador é parte do projeto original do arquiteto Jacques Pilon e foi construída com este intuito.
16º pavimento
N
3,10
3,10
3,10
3,35
No último andar do edifício encontra-se a caixa d’água e também um terraço técnico. Com vista para a cidade, este terraço é acessado por todos os moradores da ocupação e utilizado inclusive para festas e encontros.
0
1
5m
Problemas e Patologias Levantamento não realizado neste pavimento
MENTO muns - 18 m²
ativas or - 104 m²
16º PAVIMENTO áreas comuns circulação - 19 m² áreas técnicas - 39 m² terraço - 72 m²
GSEducationalVersion
15º PAVIMENTO áreas comuns circulação - 18 m²
16º PAVIMENTO áreas comuns circulação - 19 áreas técnicas terraço - 72 m²
3,35
áreas privativas uso zelador - 104 m²
3,10
N
GSEducationalVersion
0 15º PAVIMENTO áreas comuns circulação - 18 m²
áreas privativas uso zelador - 104 m²
1
5m
16º PAVIMENTO áreas comuns circulação - 19 áreas técnicas terraço - 72 m²
ensaio de intervenções
Como já mencionado, as propostas aqui apresentadas foram desenvolvidas a partir das minhas reflexões pessoais frente às discussões levantadas neste trabalho. A escolha da palavra “ensaio” reflete o caráter não conclusivo das propostas elaboradas, que têm como intenção colaborar com discussões coletivas acerca do uso e da melhoria dos espaços nas ocupações de edifícios ociosos. Os limites destas propostas são das mais diversas ordens, mas tomo a licença de idealizar possibilidades para o espaço da Ocupação Ipiranga. As ações aqui colocadas poderiam se dar dentro de uma política pública de melhoria das condições de moradia a partir da parceria público-popular, que involvesse financiamentos de pequenas intervenções a serem desenvolvidas progressivamente, com a colaboração de assessorias técnicas de engenharia e arquitetura, e uma política que garantisse a permanência das ocupações no Centro. Entretanto, outras formas de viabilização, financiamento e execução são colocadas como possibilidade, tendo sempre como agente central os movimentos de moradia a partir da autogestão. As parcerias com universidades, coletivos de cultura, cooperativas de construção civil e outras entidades podem ser meios significativos de fortalecimento social e constituição de redes de apoio e cidadania. A execução das intervenções através de oficinas, capacitações e mutirões podem adquirir caráter formativo e pedagógico para as pessoas envolvidas. Seguindo a lógica da metodologia aqui apresentada, são indicadas a seguir propostas de intervenções em diferentes tempos e escalas, agentes e formas de execução.
projeto
CURTO PRAZO MÉDIO PRAZO LONGO PRAZO
agentes intervenções recurso
curto prazo No curto prazo são propostas ações de maior urgência, medidas de manutenção e reparos, que afetam questões de segurança da estrutura da edificação e prevenção contra incêndios, assim como resolução de questões de insalubridade que podem afetar a saúde dos moradores. Muitas das medidas propostas nesta etapa respondem ao laudo das vistorias técnicas realizadas pela Prefeitura em 2018. Também são sugeridas ações que não requerem grandes investimentos, como a implantação de coleta seletiva na ocupação.
médio prazo Neste momento são propostas intervenções de maior impacto e investimento de tempo e recursos, melhorias que poderiam ser viabilizadas de diferentes formas com o intuito de potencializar a ocupação dos espaços e atender necessidades imateriais, como espaços lúdicos e educativos e de geração de renda.
longo prazo Inserido em um um programa de locação social e parceria público-popular, propõem-se a reabilitação do edifício, através da autogestão. Aqui os programas de reforma de edifícios para moradia social que já existiram foram utilizados como referência, entretanto, seus parâmetros e normativas não foram utilizados integralmente, principalmente frente às críticas levantadas anteriormente sobre tais programas. A construção de uma política pública integrada envolve a incorporação de aspectos como saúde, educação, geração de renda, cultura e gestão às políticas habitacionais e poderia ter como base a Prática Alternativa de Projeto discutida anteriormente. Sendo a flexibilização dos espaços de moradia dificultada nos edifícios reformados, a autogestão acompanhada de um serviço social, poderia dar conta das transformações dos núcleos familiares ao longo do tempo, flexibilizando a ocupação das diferentes tipologias habitacionais conforme os arranjos de seu tempo.
Intervenção
Solução das infiltrações e vazamentos
Reparo instalações elétricas
Instalações de gás
Descrição
- Troca ou reparo das torneiras danificadas que vazam água vertem água constantemente
- Dimensionamento da rede e fiações elétricas
- Posicionamento dos botijões de gás próximos às janelas com ventilação permanente (sugestão de mudança de layout no interior das unidades)
- Contratação de serviço especializado de rastreamento (verificar viabilidade)
- Instalação de eletrodutos nas áreas comuns - Instalação de novos quadros elétricos
- Distanciamento do botijão ao fogão
- Reparo das alvenarias danificadas pelas infiltrações, raspagem do revestimento danificado, aplicação de impermeabilizante quando necessário e pintura em cor branca
Viabilização Financiamento
Execução
- Instalação de mangueiras de PVC ou de borracha nitrílica longas o suficiente para o distanciamento
Contribuição ocupação
Contribuição ocupação
Contribuição ocupação
Rateio
Rateio
Doação de materiais
Doação de materiais
Doação de materiais
Parcerias
Parcerias
Política pública de melhorias habitacionais
Política pública de melhorias habitacionais
Profissionais especializados
Profissionais especializados
Capacitação - Mutirão
Assessoria técnica (dimensionamento e projeto)
Próprios moradores Acompanhamento assessoria técnica
Capacitação - Mutirão Aspectos
Saúde e salubridade Segurança estrutural Sustentabilidade: economia consumo de água
Segurança contra incêndios Sustentabilidade: economia de consumo de energia
Segurança contra incêndios
curto prazo
Rotas de fuga e saídas de emergência
Coleta seletiva
Qualificação do subsolo
Qualificação do térreo
- Aplicação de corrimãos conforme a Instrução Técnica -11 do Corpo de Bombeiros
- Containers de armazenamento de materiais recicláveis no térreo ou no subsolo
- Limpeza (retirada de objetos e veículos quebrados, sem uso, venda para ferro velho)
- Aplicação de fita antiderrapante nos degraus
- Parceria com cooperativas de catadores da região
- Remoção e da unidade insalubre localizada no subsolo, relocação em uma unidade disponível no edifício localizada no 1º pavimento e utilizada como escritório
- Garantia da faixa de circulação de 1,20m através da desobstrução dos corredores
- Oficinas de educação ambiental
- Reabertura de janelas para o fosso interno - Reativação do sistema de sistema de ventilação para o térreo (caso ainda exista)
- Retirada do forro deteriorado para melhoria da ventilação - Reabertura de janelas fechadas
- Limpeza (retirada de objetos e veículos quebrados, sem uso, venda para ferro velho)
- Reparo das alvenarias danificadas pelas infiltrações, raspagem do revestimento danificado, aplicação de impermeabilizante quando necessário e pintura em cor branca
Contribuição ocupação
Contribuição ocupação
Contribuição ocupação
Contribuição ocupação
Rateio
Doação de materiais
Rateio
Rateio
Doação de materiais
Parcerias
Doação de materiais
Doação de materiais
Parcerias
Parcerias
Próprios moradores
Mutirão
Mutirão
Educadores
Assessoria técnica
Assessoria técnica
Saúde e salubridade
Saúde e salubridade
Melhor aproveitamento dos espaços
Melhor aproveitamento dos espaços
Parcerias Política pública de melhorias habitacionais Profissionais especializados Assessoria técnica (dimensionamento e projeto)
Assessoria técnica
Capacitação - Mutirão Segurança contra incêndios
Sustentabilidade: resíduos sólidos Educação ambiental
Intervenção
Desmobilização unidades sem abertura
Instalações de gás
Melhoria dos banheiros
Descrição
- Desmobilização e relocação unidades sem abertura localizadas no 2º andar
- Abrigo para botijões, com passagem de tubulações externas para o abastecimento das unidades
- Impermeabilização, pintura e reassentamento de azulejos
- Negociação uso do 12º pavimento com o ex-zelador
Viabilização Financiamento
Execução
MMCR e moradores
- Botijões maiores para uso comum (diferentes intensidades de usos, como pessoas que utilizam para trabalhar, peso maior na contribuição)
- Instalação de ganchos e bancadas para apoio dos itens pessoais e de higiene - Reparo das portas (pintura e trancas)
Contribuição ocupação
Contribuição ocupação
Rateio
Rateio
Doação de materiais
Doação de materiais
Parcerias
Parcerias
Política pública de melhorias habitacionais
Política pública de melhorias habitacionais
Profissionais especializados
Profissionais especializados
Assessoria técnica (dimensionamento e projeto)
Assessoria técnica (dimensionamento e projeto) Capacitação - Mutirão
Aspectos
Saúde e salubridade Melhoria das condições habitacionais
Segurança contra incêndios
Salubridade Melhoria das condições habitacionais
médio prazo
Condições de iluminação nas unidades
Uso e aproveitamento do térreo
Uso e aproveitamento dos terraços
- Retirada da pintura das janelas
- reoganização dos espaços para melhor aproveitamento
- Negociação do uso do espaço do terraço do 12º pavimento para espaço de lazer e uso da ocupação
- Instalação de cortinas ou persianas - Pintura dos fossos em cor branca para melhorar reflexão
- materiais de baixo custo - construção do mobiliário - abertura de janelas e demolição de paredes
- Horta no terraço do 16º pavimento - Oficinas de educação ambiental
- bicicletário - brinquedoteca - administração / sala de estudos
Contribuição ocupação
Contribuição ocupação
Parcerias
Rateio
Doações
Doações
Doação de materiais
Parcerias
Editais
Parcerias com oficinas de costura
Editais
Política pública de melhorias habitacionais Próprios moradores
Mutirão
MMCR e moradores
Mutirão
Assessoria técnica
Assessoria técnica
Parceirias
Parceirias
Salubridade
Geração de renda
Espaços educativos
Melhoria das condições habitacionais
Espaço lúdico Espaço para assembleias
GSEducationalVersion
01
A. reabertura de janela B. abertura de novas janelas C. demolição D. divisórias de madeira e policarbonato ou telha transparente E. Porta sanfonada brinquedoteca
05
03
A
D B
02
01
SUBSOLO
06
C
07
04
08 07
01. área de estudos 02. terraço 03.biblioteca 04. sala de aula 05. bicicletário 06. depósito 07. reservatório 08. bombas
01
04 02
05
D A 03
B
TÉRREO
C
E 07
06
01. conteiners de reciclagem 02. bicicletário 03.brinquedoteca 04. estacionamento 05. loja 06. portaria 07. administração
0
1
5m
médio prazo
A proposta de reforma do térreo e do subsolo na fase de médio prazo não envolve grandes demolições, mas sim a abertura de janelas. A constituição de novos espaços envolve o fechamento com materiais translúcidos como telhas ou chapas de policarbonato e estruturas de madeira que podem ser montadas e desmontadas e envolvem o reaproveitamento de esquadrias de demolição. De maneira a não se desligar das necessidades e do uso atual do espaço do térreo, propõe-se a manutenção do uso de estacionamento de automóveis e de carrinhos de ambulantes, mas de maneira reduzida e conciliada a outros espaços como a loja que se abre para rua e a brinquedoteca, e aos outros usos
Escola infantil Wawa Qasi construída com materias de baixo custo. Asociación Semillas para el Desarrollo Sostenible, Peru. Fechamento com materiais translúcidos e de reuso. Hal Maker’s Corner Vandkunsten Architects, Dinamarca.
como assembleias e comemorações já realizados nesse espaço. No térreo também são propostos um espaço administrativo da ocupação e locação de um bicicletário e de containers de materiais recicláveis a serem coletados por cooperativas de catadores do Centro. No subsolo são propostas a qualificação do espaço de externo de terraço, a construção de uma biblioteca e uma sala de aula na qual cursos como de idiomas e formação política poderiam ser oferecidos principalmente aos moradores da ocupação e participantes dos movimentos sem-teto, em parceiras com coletivos culturais e educativos.
terraço e horta
salão multiuso
áreas coletivas
centro de formçação
longo prazo
Projeto de reabilitação A proposta de reabilitação envolve intervenções de maior impacto para adaptação do edifício ao uso residencial e proprõe também a instalação de um Centro de Formação no térreo e subsolo do edifício. É mantida a ocupação da torre com unidades habitacionias, em tipologias de quitinete, um e dois dormitórios. Tanto o Centro de Formação quanto o conjunto residencial poderiam ser organizados e geridos pelo movimento de moradia em parceria com o Estado. O edifício original construído em estrutura de concreto armado e vedações em alvenaria abriga as transformações sem dificuldades estruturais. Demolições e construções de novos fechamentos se fazem necessárias para o melhor aproveitamento do espaço, assim como novas prumadas hidrossantiárias com novas aberturas nas lajes. Visando o aproveitamento da estrutura existente, de maneira a evitar reforços estruturais, propõem-se o uso de paredes de gesso acartonado (drywall) ou execução em blocos de concretos celular, quando necessário. Frente ao estado de conservação das esquadrias, faz-se necessária a manutenção da maioria das janelas existentes. A troca de caixilhos acontece apenas em duas fachadas, que se dirigem para os fossos internos, onde a reformulação do espaço demanda outra divisão.
03
01
05
01
04
06
02 07
10
08 09 08
B
A 12
AV E N I DA I P I R A N G A
11
15 14 16
13 D
C 17
Centro de formação popular SUBSOLO 01. sala de aula 02. terraço 03. jardim 04. administração 05. oficina 06. funcionários 07. depósito 08. reservatório 09. bombas 10. área técnica residencial TÉRREO 11. café-bar 12. livraria - loja 13. portaria residencial 14. bicicletário 15. hall elevadores 16. estacionamento de carrinhos de venda ambulante 17. escada de emergência
Sendo a formação política e educacional parte central da atuação dos movimentos de moradia, foi pensado um centro de formação popular no qual cursos, encontros e debates pudessem acontecer. Espaços de estudo e salas de aula que podem acolher cursos pré-vestibulares e de capacitação profissional, e uma oficina com uso específico não definido, mas que pode ser local de cursos de artes, costura, marcenaria, etc. No térreo, na antiga loja e garagem da ocupação, propõe-se um espaço aberto ao público com uma loja e um bar-café. Novas aberturas nas lajes iluminam e ventilam este espaço que se mantém sempre vivo, com a possibilidade de cursos nos três períodos do dia, a todas ada faixas etárias.
Habitação de Interesse Social Na parte residencial do térreo é mantida a portaria em seu local atual, e também permanecem no térro o bicicletário e estacionamento de carrinhos de vendedores ambulante. Tais espaços podem ser flexibilizados conforme a demanda e escolha dos moradores. Há 3 pavimentos tipo e as 71 unidades habitacionais foram projetadas em 13 tipologias diferentes entre quitinetes, apartamentos de 1 e 2 dormitórios que variam de 25 a 53 m². A diversidade de tipologias é condicionada pelas pré-existencias e por uma adaptação conforme as condições de iluminação natural. Sabendo das condições de iluminação e ventilação do edifício, especialmente sua escassez nos pavimentos inferiores, foram desenhadas duas plantas tipo para o corpo da torre residencial. Nos pavimentos inferiores buscou-se evitar unidades com aberturas exclusivamente para os fossos de ventilação laterais, 4.413 m² e por esse motivo são propostas quitinetes que garantem a iluminação dos ambientes com abertura nas fachadas de melhor insolação. Também devido a insolação, no local onde anteriormente localizavam-se os banheiros coletivos foram propostas áreas comunitárias ao longo dos 5 primeiros pavimentos, sendo elas: administração, sala de estudos, biblioteca, brinquedoteca e lavanderia coletiva. A criação de espaços coletivos reflete os valores de convivência e comunidade presentes nas ocupações, e espaços como a lavanderia coletiva possibilitam melhor aproveitamento das unidades habitacionais. Em concordância com a Instrução Técnica dos Bombeiros, o hall dos elevaGSEducationalVersion
dores e da escada de emergência é fechado por portas corta-fogo. Com a adaptação do edifício ao uso residencial, com unidades com banheiros privativos, sala e cozinha não é possível alocar o mesmo número de famílias moradoras da Ocupação atualmente. Com essa configuração seria possível a permanência de 70% das famílias. 46,5 m²
2.443,65 m²
174 m² 257,3 m²
815 m²
55,45 m² 146,35 m²
TERRAÇOS PRIVATIVOS
ÁREA PRIVATIVA OCUPAÇÃO
ÁREAS COLETIVAS TERRAÇOS COLETIVOS
ÁREAS COMUNS DE CIRCULAÇÃO ESTACIONAMENTO E BICICLETÁRIO ÁREAS TÉCNICAS
441,35 m²
CENTRO DE FORMAÇÃO
33,5 m²
TERRAÇO
TIPOLOGIAS Quitinetes Quitinete PNE 01 Dormitório 02 Dormitórios
31 unidades 05 unidades 23 unidades 12 unidades
(44%) (07%) (32%) (17%)
CORTE AB 0
1
5m
GSEducationalVersion
1º PAVIMENTO 01. unidade acessível (44 m²) 02. laje cobertura (não acessada) 03. unidade quitinete (28 m²) 04. área técnica 05. escada de emergência 06. banheiro portaria 07. hall
08. administração 09. unidade quitinete (34 m²) 10. unidade 01 dormitório (32 m²) 11. unidade quitinete (35 m²) 12. terraço unidade
01 02 09 08 10
03
04 11
07 12
05 06
22 13
19
22
18
2º PAVIMENTO 13. unidade acessível (44 m²) 14. unidade quitinete (28 m²) 15. unidade quitinete (32 m²) 16. terraço comum 17. hall 18. sala de estudos 19. unidade quitinete (34 m² 20. unidade 01 dormitório (32m²) 21. unidade quitinete (35 m²) 22. terraço unidadades
20
14
15
21
17
22 16
0
1
5m
0 1
01
0 1
06 05
3º AO 5º PAVIMENTO 01. unidade acessível (44 m²) 02. unidade quitinete (28 m²) 03. unidade quitinete (32 m²) 04. hall 05. lavanderia coletiva (ou brinquedoteca ou biblioteca) 06. unidade quitinete (34 m²) 07. unidade 01 dormitório (32m²) 08. unidade quitinete (35 m²)
07
02
03 04
08
09
13
10 14
6º AO 11º PAVIMENTO 09. unidade quitinete (44 m²) 10. unidade 01 dormitório (35 m²) 11. unidade quitinete (25 m²) 12. hall 13. unidade 02 dormitórios (53 m²) 14. unidade 01 dormitório (32m²) 15. unidade 01 dormitório (35 m²)
5m
11 12
15
5m
01 02 03 04
05
12º PAVIMENTO 01. terraço coletivo 02. cozinha comunitária 03. salão multiuso 04. hall 05. terraço coletivo
06
13º AO 15º PAVIMENTO 06. unidade 20 dormitórios (44 m²) 07. hall 08. unidade 02 dormitórios (32m²)
07
08
0
1
5m
0 1
5m
0 1
02
5m
02
01
04 03
16º PAVIMENTO 01. terraço e horta 02. reservatório 03. área técnica 04. terraço e horta
0 1
5m
CORTE CD 01
5
0 1
10m
5m
considerações finais
Este trabalho teve como objetivo ressaltar os aspectos que trazem a percepção da ampliação do significado do morar nas ocupações de edifícios ociosos pelos movimentos de moradia organizados. Entendendo as ocupações como formas de ressignificação de convívio e coletividade, que a partir da luta pela moradia digna e da construção coletiva, viabilizam melhores condições de vida e ampliam oportunidades a centenas de pessoas. Os movimentos sociais organizados vêm sendo capazes de oferecer respostas às demandas populares tendo a luta pela moradia como base, mas em meio a um processo muito mais amplo de construção de redes de cuidado, de formação e participação e empoderamento popular. Tencionando e impondo-se sobre um sistema patrimonialista e desigual, os movimentos de moradia reivindicam direitos e novas soluções, colocando-se como protagonistas e agentes dos processos de transformação dentro de seus próprios territórios. A luta dos movimentos sociais por direitos sempre enfatizou as lacunas do Estado brasileiro em garantir condições de vida básicas à maioria da população. No contexto atual, no qual se faz necessária a defesa da democracia, os movimentos populares têm entendido que é necessário ainda a qualificação dessa democracia, que sempre chegou aos territórios periféricos de maneira insuficiente. É enfatizada a necessidade de construção de uma democracia baseada no poder popular territorial, diferente daquela de um Estado racista, machista, patrimonialista, que aplica as leis em função da cor e da classe social e se coloca a serviço de interesses privados das classes dominantes. A pandemia de Coronavírus, acentuada pela irresponsabilidade e perversidade do governo Bolsonaro, reflete a extrema desigualdade social existente no Brasil e a precariedade das condições de moradia e do acesso à água e ao saneamento básico. Condições que expõem ainda mais ao risco de contágio as populações em situação rua e moradoras de ocupações, favelas, cortiços e assentamentos precários de forma geral. A pandemia realça a importância da atuação do Estado e da defesa de sistemas públicos universais como o SUS para a garantia do bem-estar social, e endossa a conclusão de que políticas públicas são decisivas na melhoria das condições de vida da população. Mas o que este momento também evidencia é a forma como a organização popular potencializa o enfrentamento dos enormes desafios e como tem sido determinante na contenção da propagação do Coronavírus em diversas comunidades, nas quais os moradores têm se organizado para conscientização em relação ao isolamento social e para viabilização de doações e distribuição de alimentos, máscaras e materiais de higiene. Após quase três meses de pandemia na Ipiranga, onde moram cerca de 270 pessoas, houve apenas um caso de infecção, que foi devidamente isolado e não contagiou mais nenhum morador. Aspectos como esse reforçam a
importante atuação dos movimentos de moradia da área central, que, ao invés de perseguidos, deveriam ser legitimados e incorporados como parceiros do Estado. A Prática Alternativa de Projeto se materializou como resultado de uma aproximação com movimentos sem-teto e como uma tentativa de buscar coerência e concordância com valores emancipatórios a partir da ênfase nos processos participativos de escuta e discussão. Quanto mais próximo o contato com este contexto, mais se distanciou a ideia de que as questões habitacionais possam ser resolvidas apenas por projeto de arquitetura em seu isolamento social e político. Por mais óbvio que pudesse parecer, é em verdade um tanto desafiador quanto trabalho final de graduação de arquitetura e urbanismo sair do lugar isolado da imaginação e da idealização e se aproximar de demandas e contextos reais. Os limitantes de seu próprio contexto conduziram este trabalho a uma perspectiva reflexiva e não conclusiva e, portanto, não se tem a pretensão de encerrar aqui as discussões levantadas. A investigação acerca do método se fez quanto consequência da busca por um lugar no qual não somente este trabalho, mas também a própria atuação profissional coubesse. Um questionamento que é permeado por simbologias e idealizações, que se choca constantemente com limites e frustações de quem conclui uma faculdade de arquitetura e urbanismo com mais dúvidas do que certezas. A arquitetura e urbanismo pode ser uma importante ferramenta na negociação dos espaços, apontando estratégias de qualificação e melhoria das condições habitacionais. As intervenções em ocupações de moradia instigam novas maneiras de atuação, nas quais a prática tem sua potencialidade transformadora multiplicada pela parceria e colaboração com os atores envolvidos nos processos. Os produtos das parcerias estabelecidas entre os movimentos sociais e as universidades, assessorias técnicas e outras instituições de apoio têm a potência de uma troca dialógica e podem contribuir muito com a construção de cidades mais justas e igualitárias. A provisão de habitação de interesse social nos centros urbanos através da reabilitação de edifícios ociosos favorece a demoracratização da cidade, uma pauta que deve sempre ser enfatizada e exigida. Enxerga-se uma potência no desenho de políticas públicas intersetoriais voltadas a parcerias com movimentos sociais organizados, baseadas no fortalecimento popular através de sistemas de cooperativa e autogestão, assim como políticas públicas de melhorias das condições habitacionais em edifícios ocupados. Imagem 66 - Ocupação Mauá. Foto: Eli José. Imagem 67 - Ocupação Ipiranga. Foto: Rachel Castilho.
Com este trabalho foi possível realçar a importância dos movimentos de moradia sem-teto do Centro de São Paulo, e espera-se que com ele seja possível contribuir para as discussões em torno das intervenções em edifícios ocupados e da defesa do direito a moradia digna nas regiões centrais.
bibliografia
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Entrevistas:
SANCHES, Débora. Processo participativo como instrumento de moradia digna: uma avaliação dos projetos da área central de São Paulo (1990 – 2012). Tese de doutorado. Programa de Pós Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, 2015.
MOURA, Tânio Leonardo Abreu de. Coordenador da Ocupação Ipiranga. Entrevista concedida a Bárbara Mühle. Trabalho Final de Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 16 de março de 2020.
TANAKA, Giselle Megumi Martino. Planejar para lutar e lutar para planejar: Possibilidades e Limites do Planejamento Alternativo. Tese de doutorado - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017.
GONÇALVES, Viviane dos Santos. Entrevista concedida a Bárbara Mühle. Trabalho Final de Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 16 de março de 2020.
VILLAÇA, Flávio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. Ed. 2. São Paulo: Studio Novel: FAPESP; Lincoln Institute, 2001. YOLLE NETO, José. Diretrizes para o estudo de viabilidade da reabili-
MOURA, Tânia Carolina Abreu de. Entrevista concedida a Bárbara Mühle. Trabalho Final de Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 13 de março de 2020.
questionários elaborados pelo grupo de extensão Ocupas da FAU USP em 2019
Questionário individual IDENTIFICAÇÃO DO ESPAÇO Andar-Número-Lado NOME COMPLETO Nome Sobrenome PARENTESCO (com a pessoa responsável pelo domicílio) -----------
Chefe de Família Cônjuge Filho (a) Mãe Pai Irmã (o) Enteado (a) Tio (a) Sobrinho (a) Genro ou Nora
--------
Sogro (a) Avô (a) Neto (a) Bisavô (a) Bisneto (a) Agregado (a) Outro : _________
GÊNERO -- Masculino -- Feminino -- Prefiro não informar -- Nenhuma das anteriores
COR OU RAÇA -- Branca -- Preta -- Parda -- Indígena -- Amarela
NACIONALIDADE -- Brasileira -- Outra: __________
NATURALIDADE Cidade -UF
POSSUI ALGUMA RELIGIÃO? QUAL? HÁ ALGUM PORTADOR DE DEFICIÊNCIA? POSSUI ALGUM PROBLEMA DE SAÚDE? POSSUI ALGUM PROBLEMA RESPIRATORIO? ------
Rinite alérgica Asma Bronquite Enfisema Pulmonar Outro ____________
FAZ TRATAMENTO MÉDICO EM ALGUM HOSPITAL DA REGIÃO? PRATICA ALGUMA ATIVIDADE FÍSICA? SE SIM, QUAL?
ESCOLARIDADE -- Nenhuma -- Creche -- Pré-escola (maternal e jardim de infância) -- Ensino fundamental -- Ensino Médio -- Ensino de Jovem e Adultos (EJA) ou Supletivo -- Técnico -- Graduação -- Especialização -- Mestrado -- Doutorado VÍNCULO DE TRABALHO -- Não trabalha -- Carteira assinada -- Sem carteira assinada (informal) -- Autônomo -- Aposentado -- Pensionista -- Desempregado TEMPO HABITUAL DE DESLOCAMENTO PARA O LOCAL DE TRABALHO OU ESTUDO ------
ATÉ 10 MINUTOS Entre 10 minutos e meia hora Entre meia hora e 1 hora Entre 1 e 2 horas Mais de 2 horas
anexo 01 Questionário por domicílio QUANTAS PESSOAS RESIDEM NO DOMICÍLIO? QUANTAS PESSOAS CONTRIBUEM PARA A RENDA FAMILIAR? RENDA DO DOMICÍLIO (SEM CONTAR BENEFÍCIOS) --------
(s.m. = salário mínimo: R$1045,00 - jul 2020) sem renda de 0 a 1 s.m. (R$ 998) de 1 a 2 s.m. (R$ 999 - R$ 1.996) de 2 a 3 s.m. (R$ 1.997 - R$ 2.994) de 3 a 6 s.m (R$ 2.995 - R$5.988) mais que 6 s.m. (mais que R$5.989)
BENEFÍCIOS -- Não recebe --- Aposentadora -- Auxílio Doença --- Auxílio Reclusão -- Auxílio Aluguel --- Bolsa Família -- BPC/LOAS -- Pensão por Morte
Salário Maternidade Outros Benefícios Outras fontes (parentes que contribuem?)
A FAMÍLIA UTILIZA ALGUM EQUIPAMENTO PÚBLICO NA REGIÃO? -- UBS -- CRAS -- Outros ________ A FAMÍLIA UTILIZA ALGUM ESPAÇO PÚBLICO DE LAZER NA REGIÃO? ----
Cinemas e/ ou teatros Parques e/ ou praças Museu
--
Centros culturais Bibliotecas Centro esportivo
---
SE SIM, COM QUAL FREQUÊNCIA?
histórico e condições habitacionais QUAL A CONDIÇÃO DE SUA MORADIA, ANTES DE MORAR NA OCUPAÇÃO? ---
Situação de rua Pensão ou cortiço -- Casa própria -- Alugado R$ _________ (valor do aluguel)
-----
Cedido por empregador Cedido de outra forma Ocupação em edíficio Ocupação em favela
COMO ERA CUSTO DE VIDA ANTES DE MORAR NA OCUPAÇÃO EM RELAÇÃO AO DE AGORA? -- Maior -- Menor -- Igual HÁ QUANTO TEMPO MORA NA OCUPAÇÃO? _____________ (responder em meses?) ONDE MORAVA ANTES DA OCUPAÇÃO? ________ (Bairro - Cidade- UF) (SE NÃO É DE SÃO PAULO) JÁ CONHECIA O MOVIMENTO E AS OCUPAÇÕES ANTES DE SE MUDAR? COMO CONHECEU O MOVIMENTO DE MORADIA? PARTICIPA DE ALGUMA ATIVIDADE PROPOSTA NA OCUPAÇÃO? SE SIM, QUAL? QUAL DAS OPÇÕES DESCREVE MELHOR A SUA RELAÇÃO COM OS OUTROS MORADORES DA OCUPAÇÃO? ------
Não conheço ou me relaciono com ninguém Conheço algumas pessoas mas nos relacionamos pouco Gosto de encontrar e conversar com os outros moradores Tenho ótimos amigos na ocupação Nenhuma das anteriores
O QUE VOCÊ MAIS GOSTA NA OCUPAÇÃO? O QUE VOCÊ MENOS GOSTA? O QUE VOCÊ MUDARIA? PRETENDE FAZER ALGUMA MELHORIA NA UNIDADE? QUAL? NA SUA OPINIÃO, QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS REPAROS NECESSÁRIOS NA OCUPAÇÃO? QUAL SUA PERSPECTIVA DENTRO DA OCUPAÇÃO? VOCÊ PRETENDE CONTINUAR NO MOVIMENTO ATÉ CONSEGUIR SUA MORADIA OU BUSCAR OUTRAS OPÇÕES FORA A OCUPAÇÃO? QUAIS OS PRINCIPAIS MOTIVOS DE ENTRAR PARA O MOVIMENTO DE MORADIA E MORAR NA OCUPAÇÃO?
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