Um esforço pela garantia do direito à cidade com base no marxismo em Roberto Lyra Filho ...

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UM ESFORÇO PELA GARANTIA DO DIREITO À CIDADE COM BASE NO MARXISMO EM ROBERTO LYRA FILHO: EXPERIÊNCIA DO LUTAS LONDRINA NO BAIRRO JARDIM IGAPÓ Baruana Calado1 Fernanda Verruck de Moraes2 Millien Lacerda Malinowski3 Paola Verruck de Moraes4 Eixo temático: Eixo VII Palavras-chave: Lutas Londrina; Jardim Igapó; Audiência Pública; Roberto Lyra Filho; Marx; O Lutas Londrina é um projeto de pesquisa e extensão nascido a partir do curso de Direito na Universidade Estadual de Londrina; o grupo adere, porém, a uma lógica interdisciplinar, filosófica e sociológica, de estudo e atuação. Sob orientação dos professores Érika Juliana Dmitruk e Miguel Etinger, o grupo possui como grandes pilares teóricos Paulo Freire5 e Roberto Lyra Filho; o segundo sustenta a crença no direito com base em uma visão marxista e o primeiro confere ao grupo uma metodologia de trabalho. O Lutas, no segundo semestre de 2013, deu início a um Curso de Formação de Associação de Moradores no bairro Jardim Igapó (Londrina/PR).O grupo já vinha acompanhando outras demandas do bairro; foi procurado, inicialmente, por Tereza Mendes de Souza. Moradora no bairro desde nascida, ela representa a comunidade originária da região, então marcada por populações negras e indígenas. O relato trazido por Tereza resgata o fenômeno do crescimento urbano da cidade de Londrina; a especulação imobiliária teria culminado na evasão dessa população, atualmente pouco expressiva no Bairro Jardim Igapó, para outras regiões. No entanto, remanesceram alguns grupos do período – a exemplo de 1

Graduada em Ciências Sociais pela UEL, acadêmica do 2o ano do curso de graduação em Direito da UEL e bolsista (PROEX-UEL) pelo projeto de pesquisa e extensão LUTAS: assessoria e formação em Direito Humanos. Telefone: (43)9977-7438. E-mail: baruana.cs@gmail.com. Currículo Lattes: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4213660J1> 2 Acadêmica do 2o ano do curso de graduação em Direito da UEL e bolsista (PROEX-UEL) pelo projeto de pesquisa e extensão LUTAS: assessoria e formação em Direito Humanos. Telefone: (43)9810-1031. E-mail: feverruck@gmail.com. 3 Graduada em psicologia pela UEL, acadêmica do 1o ano do curso de graduação em Direito da Universidade Estadual de Londrina e colaboradora do projeto de pesquisa e extensão LUTAS: assessoria e formação em direito humanos. Telefone: (43)9161-6185. E-mail: millienlm@yahoo.com.br. 4 Acadêmica do 40 ano do curso de graduação em Direito da UEL. 5 Entre as obras de Paulo Freire, o grupo utiliza como principal referencial teórico o livro “Pedagogia do Oprimido”. 50 ed. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.


Tereza e sua família. Ademais, como bairro tradicional na cidade de Londrina, o Jardim Igapó abriga diversas famílias que, há décadas, vêm cultivando a história e a identidade do local. Nesse sentido, a principal demanda apresentada ao Lutas pelos moradores do bairro Jardim Igapó é relativa à preservação de uma das principais praças públicas da região, tida como patrimônio cultural da população, que realizava tradicionais confraternizações no local. A Administração Pública, ignorando a importância histórica da praça, pretendia realizar obra (quadra poliesportiva) que colocava em risco a ocupação do espaço por parte da população. Para deliberação acerca do projeto, foi realizada reunião sem a devida convocação dos moradores da comunidade. À revelia da maioria da população local, ausente na reunião, a Secretaria de Educação do Município de Londrina anunciou, para futuro próximo, a construção de quadra poliesportiva no local; o dinheiro viria do programa FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) e exigia o cumprimento de prazos para que fosse liberado o financiamento da obra6. Os moradores opunham-se tendo em vista a experiência de outra região da cidade. Além disso, a obra é considerada inadequada às necessidades do bairro e representa séria ruptura do patrimônio histórico-cultural do Jardim Igapó. Após insistente busca dos moradores por esclarecimentos frente ao Poder Público, a demanda foi tema de Audiência Pública. No evento, pela primeira vez, os moradores ganharam voz na discussão sobre o tema. A audiência culminou na suspensão do projeto para averiguação de irregularidades e realização de estudos técnicos e sociais acerca da real necessidade de realização da obra. Essa situação reforça o posicionamento de Roberto Lyra Filho: o Direito guarda em si estranha antinomia, se por um lado reafirma a estrutura social opressora, a normatização também funciona como sustentação de insurgência no sentido oposto. Além do evento da Audiência Pública, com base na experiência junto à comunidade, o Lutas Londrina observou que uma Associação de Bairro no local poderia ser um instrumento bastante proveitoso na luta da população pela garantia de seu Direito à Cidade. Em substituição à postura paternalista, notadamente empregada pelo serviços legais tradicionais, o Lutas procurou privilegiar a conscientização e auto-organização da comunidade7. 6

DOS SANTOS, Rodolfo Carvalho Neves. Uma análise crítica na práxis emancipatória dos moradores do bairro Jardim Igapó em Londrina/PR e da Assessoria jurídica popular universitária do projeto de extensão “Lutas”. Anais do 34o Encontro Nacional dos Estudantes de Direito: universidade e mundo do trabalho. Editora e Gráfica Universitária, 2013. 7 CAMPILONGO, Celso Fernando. Assistência jurídica e realidade social: Apontamentos para uma tipologia dos serviços legais. Disponível em: </http://najup.files.wordpress.com/2008/08/2-nova-tipologia-dosservic3beos-legais.pdf> Acesso em: 19 de setembro de 2013.


O fenômeno da especulação imobiliária, fruto do capitalismo vigente, já havia vitimizado os originários moradores do Jardim Igapó. O capital, aparentemente, voltou a se sobrepor a vontade da população através da imposição, por parte do Poder Público, da construção da quadra poliesportiva. Entretanto, o capitalismo e o Direito, dialéticos que são, guardam em si uma antinomia insuperável, defende Roberto Lyra Filho, em sua análise marxista do Direito8. O mesmo Direito que ora oprime, ora liberta. Muito do que antes foi considerado “utopia comunista”, passou a integrar o ordenamento burguês vigente. Descreve o autor que Karl Marx considerava as leis que culminaram na diminuição da jornada de trabalho, por exemplo, uma “condição fundamental” para a “evolução revolucionária”. A contradição interna, para Roberto Lyra Filho, é inerente ao Direito e também sua característica fundamental. Encarar o Direito como completo vilão seria ignorar essas contradições que tornam o próprio Direito capaz de reconstrução contínua. Nesse ponto, o autor afasta-se dos “marxistas tradicionais”9. O Lutas Londrina, partindo dessa perspectiva, busca assessorar juridicamente a instrumentalização da cooperação e do poder reivindicatório, já visivelmente latentes nos grupo visitados; seja por meio do Curso de Associação de Moradores ou ao lado da comunidade em Audiência Pública. O Direito é eterna construção, é luta10.

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FILHO, Roberto Lyra. Marx e o Direito. Disponível em: <http://issuu.com/assessoriajuridicapopular/docs/roberto_lyra_filho_-_marx_e_o_direito> Acessado em: 19 de setembro de 2013. 9 FILHO, op. cit. apud Marx, Karl. Pages de Karl Marx pour Étique Socialiste. M. Rubel.org. Paris, Payot, 1970. 10 FILHO, Roberto Lyra. O que é direito. 11 edição. São Paulo: Brasiliense, 1993.


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