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O real sentido da responsabilidade social Com o amadurecimento da economia brasileira nos últimos 30 anos, presenciamos uma explosão na criação de fundações, institutos e empresas, que injetam, anualmente, mais de R$ 6 bilhões de recursos privados em benefício público. Afinal, o que motiva o investimento social? Um Estado ineficiente, estratégias contemporâneas de competição ou o impulso do líder em perenizar a sua obra? por Bruno Branco
“Só o trabalho pode produzir riqueza” era o lema de Amador Aguiar (1904-1991), que, com o seu trabalho, ao longo de 50 anos, transformou uma pequena casa bancária do interior de São Paulo no maior banco privado da América Latina à sua época, o Bradesco. Fugido de casa aos 16 anos, deixando para trás a fazenda de café onde empunhava a enxada, em
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Sertãozinho (SP), Amador havia sido obrigado a deixar também a escola, quando cursava o quarto ano primário, para ajudar na plantação. Hoje, 20 anos depois de sua morte, o lema continua gravado na fachada da sede da empresa, na Cidade de Deus, em Osasco (SP). No mesmo local, está sediada a Fundação Bradesco. Criada pelo homem que não
completou o ensino primário, a Fundação é a maior rede de ensino privada e gratuita do País e atende 115 mil alunos em escolasmodelo localizadas em todos os Estados do Brasil. É também a controladora do Banco, tendo recebido boa parte das ações de Amador, como doação, pouco antes da sua morte. A Fundação, a um só tempo, preserva o império criado pelo
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o impulso de perenizar uma obra e contribuir com o desenvolvimento humano é inerente ao líder que atinge um grau superior de maturidade existencial.
Agência O Globo
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Amador Aguiar, que transformou o Bradesco no maior banco privado da América Latina, idealizou a Fundação Bradesco
empreendedor e amplia o alcance e o significado de seu lema: “produzir riqueza”, aqui, é produzir oportunidades melhores para centenas de milhares de jovens. À parte o pioneirismo de quem iniciou a criação de fundações e empreendimentos sociais no Brasil na década de 1950, milhares de outros casos são hoje conhecidos no País. O Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), instituído em 1995 e sediado em São Paulo, representa 130 das maiores iniciativas, que, juntas, investem R$ 2 bilhões de recursos privados na área social. O montante corresponde a aproximadamente 30% do volume total do Investimento Social Privado (ISP) nacional, estimado em R$ 6 bilhões, incluídos os recursos de empresas de capital misto controladas pelo governo, como a Petrobras. Entretanto, antes de ser uma tendência contemporânea ou uma necessidade de mercado, o impulso de perenizar uma obra e contribuir com o desenvolvimento humano é inerente ao
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líder que atinge um grau superior de maturidade existencial. “Estamos vivendo um boom na criação de fundações no Brasil, devido ao momento de grande enriquecimento. Mas, essa necessidade dos indivíduos em deixar um legado, em contribuir com a sociedade, existe em todas as culturas, desde que o homem é homem”, explica Fernando Rossetti, secretário-geral do GIFE. Esse boom mencionado por Rossetti teve início a partir dos anos 1980. Nessa época, ganhou espaço o debate sobre a relativa incapacidade do Estado de atender a todas as demandas sociais e sobre a necessidade de fortalecimento da sociedade civil, como agente de transformações que vão além do assistencialismo. Difundiu-se então o conceito de responsabilidade social corporativa. “Não dá para substituir aquilo que o governo tem de fazer. Mas, em algumas coisas, o Estado não é o melhor ator. Uma sociedade civil organizada significa riqueza para a sociedade.”, completa Rossetti.
Inteligência econômica que fundamenta a ação social O empresário Raul Randon compartilha dessa visão. Fundador e presidente do Conselho de Administração de um conglomerado de empresas que faturou mais de R$ 5,6 bilhões em 2010, foi o idealizador dos programas Florescer e Qualificar, iniciativas sociais que proveem educação, alimentação, transporte, auxílio de custos e iniciação profissional para cerca de 1,2 mil jovens por meio do Instituto Elisabetha Randon. Para ele, existe uma inteligência econômica que embasa o investimento social e gera satisfação ao líder, além de beneficiar a sociedade. “Precisamos educar nossos jovens. Depois, eles decidem o que fazer. Esses jovens são um espetáculo! Saem do nosso programa disputados profissionalmente, ajudam a corrigir os pais e os irmãos em casa. É algo que ninguém é obrigado a fazer, mas todo empresário deveria. Quanto mais deixarmos para o governo, mais caro ficará para nós, porque, de uma forma ou de outra, teremos que pagar a conta. Com mais impostos ou de algum outro modo. Se o Florescer estivesse na mão do governo, custaria cinco vezes mais do que custa hoje. E, ao tomar essa iniciativa, conquistamos uma felicidade muito grande. Afinal, o que temos na vida? Quem não gosta de ser um líder, de fazer o bem? De poder dizer: eu fiz, ajudei.”, explica Randon, que investe em iniciativas sociais por meio de fundações desde a década de 1960, quando sua empresa empregava pouco mais de 300 funcionários. Entre outros grandes empresários brasileiros que escolheram promover
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Raul Randon, presidente do Conselho de Administração do Grupo Randon e fundador do Instituto Elisabetha Randon
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ativamente melhorias sociais em vários campos, um exemplo emblemático é o de Jorge Gerdau Johannpeter. O Grupo Gerdau, cujo Conselho de Administração é presidido por ele, mantém o Instituto Gerdau desde 2005 e investiu mais de R$ 200 milhões em projetos de responsabilidade social nos últimos três anos. Envolvido com inúmeras ações empresariais e sociais, o seu desafio da vez é o comando da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, função governamental que assumiu em 2011. A atividade, não remunerada, é classificada pelo governo como “serviço público relevante” e tem o propósito de identificar maneiras para redução de custos, racionalização de processos e melhoria dos serviços prestados pela administração pública. A atividade levará ao setor público a experiência de sucesso obtida com empresas privadas junto ao Movimento Brasil Competitivo (MBC), fundado por Gerdau. Ele preside ainda o Conselho de Governança do Todos Pela Educação, movimento financiado exclusivamente pela iniciativa privada que tem como objetivo promover inclusão, acesso e melhoria de qualidade na educação brasileira. Mas o que leva um empresário da grandeza de Gerdau, aos 75 anos de idade, a dedicar seu tempo e seus recursos privados em prol da causa pública? “Nós temos, individualmente, a responsabilidade profissional de exercer nossa atividade com seriedade e eficiência. Nós temos uma responsabilidade com nossa comunidade. Mas a terceira e mais complexa parte é consolidar a responsabilidade institucional do País. Esse desafio tem que ser incorporado à nossa análise comportamental. Minha consciência social não me dá tranquilidade. Estamos pagando, em
Jorge Gerdau, presidente do Conselho de Administração do Grupo Gerdau e idealizador do Instituto Gerdau
média, 40% do PIB em impostos ao Estado em troca de um serviço que não funciona. A maior responsabilidade social que podemos ter é contribuir para uma melhor construção institucional do nosso País, que crie respeito ao indivíduo, à pessoa, à propriedade, ao mercado e às liberdades”, disse o empresário, durante a primeira edição mineira do Fórum da Liberdade, promovido pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEE), do qual é um dos principais incentivadores. Entre os membros do Conselho de Governança do Todos Pela Educação, presidido por Gerdau, está Luís Norberto Pascoal, dono da DPaschoal, uma das
maiores empresas brasileiras de serviços e peças automotivas. Criador da Fundação Educar DPaschoal, o empresário possui uma visão lúcida sobre os objetivos que pretende atingir com o investimento social privado. “Minha história familiar fez com que a caridade permeasse a nossa empresa. Mas a caridade possui um grave defeito: constrói uma pessoa refém e dependente”. Por isso, sua fundação tem hoje como proposta dar suporte a programas de estímulo à leitura e à educação como estratégia de transformação social. “Em 1986, um professor de política econômica me disse: ‘A caridade é boa, mas não é construtiva. A educação pública é que faz a diferença’. Naquela época, ele vislumbrou que a Coreia do Sul, por conta de seu processo educativo, seria muito mais forte do que o Brasil em registro de patentes em 2000 – apesar de, na ocasião, estar muito aquém de nosso País. Ele me alertou que eu deveria utilizar a minha capacidade gestora para a educação pública. Demorei dois anos para compreender seu pensamento. Em 1988, numa avaliação própria, percebi que as 350 instituições que até então havíamos apoiado [via Federação das Entidades Assistenciais de Campinas] eram dependentes financeiramente. No ano seguinte, criamos a Fundação Educar”, explicou.
Reciprocidade com a vida Entre os motivos prioritários que levam um empreendedor a voltar-se para a sociedade, depois de um estágio de amadurecimento empresarial e existencial, está a reciprocidade com a vida. Considerando que ao longo da sua trajetória conseguiu transformar seus
sonhos em realidade, o empreendedor busca ser recíproco com a sociedade. Não num sentido assistencialista, ou provedor, mas porque conquistou essa possibilidade através dos resultados que gerou, pela sua capacidade de realização, e por isso retribui apoiando causas em que acredita. Trata-se de uma necessidade interior de multiplicar o que a vida proporcionou de melhor para ele. Essa forma de ser e fazer de boa parte dos líderes empresariais está inserida nas atuais exigências sistêmicas dos ideais sociais e econômicos do mundo contemporâneo. Eles são a consequência direta do contínuo aumento do papel do indivíduo na sociedade. Na prática, ao fazer negócios nos dias de hoje, uma empresa, além de todas as suas obrigações, leva em conta temas centrais adicionais, que são novas preocupações humanitárias e sociais. O efeito é que, em todo o mundo, estratégias de responsabilidade social têm integrado o planejamento de organizações públicas e privadas que, por esses atos, tentam preencher lacunas não atendidas e que acabam influenciando a vida de milhões de pessoas. Como decorrência dessa visão de realização de um ideal social, existe um reconhecimento e reforço da reputação para a empresa e suas marcas, ampliando a percepção e o conhecimento da opinião pública quanto à empresa aos seus produtos. Muitas vezes, porém, o que se inicia como impulso individual antecipa a construção de um exato posicionamento estratégico futuro, perfeitamente adaptado ao novo ambiente de negócios, além de contribuir com o avanço social. O impulso inicial é potencializado no tempo. É o caso do Itaú, que, historicamente, investia em projetos sociais de forma pontual, até a constituição da Fundação Itaú Social, no ano 2000, com o objetivo
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Existe uma Inteligência econômica que embasa o investimento social e gera satisfação ao líder, além de beneficiar a sociedade
Ivson Miranda
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Luís Norberto Pascoal, presidente do Grupo DPaschoal e criador da Fundação Educar DPaschoal
“A maior responsabilidade social que podemos ter é contribuir para uma melhor construção institucional do nosso país, que crie respeito ao indivíduo, à pessoa, à propriedade, ao mercado e às liberdades.”
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Eduardo Knapp /Folhapress
de estruturar e sistematizar os diversos investimentos sociais já existentes na empresa e que ostenta hoje um patrimônio superior a R$ 528 milhões. Olavo Setúbal (1923-2008), que esteve por mais de 20 anos à frente do Banco fundado por seu tio, transformando-o no 2º maior banco privado do País à sua época (hoje é o primeiro, depois da fusão com o Unibanco), foi também prefeito da cidade de São Paulo (1975-79) e ministro das Relações Internacionais (1985-86), estendendo à política sua preocupação com as causas públicas. Além disso, em 1987, criou o Instituto Itaú Cultural, hoje dono de um dos mais importantes acervos privados do País, com mais de 3,6 mil obras de arte. No seu discurso de inauguração, Setúbal listou, entre os objetivos que pretendia alcançar com o Instituto, “contribuir para a emergência de políticas culturais plurais e
Olavo Setúbal esteve por mais de 20 anos à frente do Banco Itaú e criou o Instituto Itaú Cultural
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paralelas às desenvolvidas pelo Estado, na consciência de que as sociedades abertas requerem, para sua própria vitalidade, entrechoques de opiniões, críticas e reflexões sob a forma de símbolos culturais”. “Olavo Setúbal apostou na cultura como dimensão central para o crescimento da sociedade brasileira e deixou como legado ao País o Instituto”, disse a presidente do Itaú Cultural, Milú Villela, maior acionista individual do Itaú, que também tem sua trajetória fortemente marcada pelo investimento social privado, sobretudo na área da educação e cultura. Ela ficou conhecida pela rápida e profunda transformação que promoveu no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), ao assumir seu comando. Questionada sobre por que resolveu dedicar tanto de seu tempo à causa social, sendo neta do fundador do Itaú, a empresária respondeu apontando valores pessoais. “Nasci em berço de ouro, mas nunca tive dinheiro fácil. Nem sabia que tinha nascido em berço de ouro. Nunca se falou em dinheiro em casa. Os valores eram outros, era educação, cultura. Não existia consumismo”, explicou. A primeira esposa de Setúbal, Matilde, conhecida como Tide Setúbal, também realizava trabalhos sociais importantes e foi a criadora do Corpo Municipal de Voluntários (CMV), em São Paulo. O CMV desenvolveu, naquela época, uma visão avançada do que deveria ser um trabalho social voluntário, quando a maioria das entidades sociais brasileiras promovia ações pautadas por uma visão estritamente assistencialista. A meta, como ela mesma definia, era “o Homem”. Quase 30 anos após sua morte foi criada em São Paulo a Fundação Tide Setúbal, hoje uma das mais atuantes no País, presidida por Maria Alice Setúbal, sua filha.
Mônica Andrade/AE
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Milú Villela, atual presidente do Itaú Cultural
Olavo e Tide Setúbal, Milú Villela, Amador Aguiar, Raul Randon, Jorge Gerdau Johannpeter e Luís Norberto Pascoal são alguns dos tantos exemplos de líderes brasileiros que buscaram, através do investimento social, perenizar suas experiências existenciais em benefício de milhares de outros indivíduos. Da abundância de si mesmos, investiram-se continuamente e tornaram-se ainda maiores. O impulso de contribuir com esse infinito projeto do desenvolvimento humano, portanto, faz parte da essência dos líderes de todas as épocas e culturas. Grandes empresários, ao realizar investimentos públicos relevantes, mantêm sua essência e reforçam o próprio legado existencial, sendo recíprocos com a sociedade. Atingida a eficiência de si mesmo, pode-se liderar o caminho em direção a uma sociedade humanamente mais funcional.
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