Revista Lupa #13

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# TRio RealiTY: SÓ Se VÊ na BaHia + DENiSE mAgNAVitA: fAlA QUE ElA tE EScUtA + PADRE SADOc:  ANOS DE SAcERDÓciO + PicOliNO: ENtRE O PicADEiRO E A lONA, O SONHO É O limitE

ReViSTa Da FaCoM - uFBa. n.13. SalVaDoR, 2012 iSSn 1852-1455


sumário

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EDITORIAL  CIRCO URBANO    PROVA DOS NOVE   

eDitorial exPeDiente mobiliDaDe em questão as vantaGens e Desafios De ser um Dançarino Profissional quem são os Donos Da terra? família Picolino um eDucaDor fora Das salas De aula som que não DÁ Para abafar


    

MEIO E MENSAGEM    PASSEPARTOUT    ILUSTRADO 

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realitY baiano? oxe! o criaDor Das criaturas a voZ que aconselha conteÚDo De Graça “ se fosse o Povo que me Desse fé, ela estaria acabaDa” ele tem é arte Paulo Duarte


editorial Malu Fontes editora-chefe

A lupa é uma publicação da faculdade de comunicação (facom) da Universidade federal da Bahia (UfBA). iSSN 1982 2995. turma da disciplina comunicação Jornalística 2012.1. Número 13. Distribuição gratuita.

faculdade de comunicação da UfBA. Rua Barão de gemeroabo, s/n, Ondina, Salvador, Bahia - Brasil. cEP: 40170-115 tel: (71) 3283-6174, 3283-6177 fax: (71) 3283-6197 lupa.revista@gmail.com www.lupa.facom.ufb a.br latitude: 13° 0´5.57´´S longitude: 38°30´36.42´´O

Reitora da UfBA: Profa. Dora Leal Rosa Diretor da facom: Prof. Giovandro Ferreira coordenação Editorial: Malu Fontes (DRT – BA 1.480) Redação/Editores: Ítalo Richard Moura Benedito, Gustavo Mões Galvão Maciel, Mário Rafael Batista Pinho, Renata Ribeiro Farias Barbosa e Simone Albuquerque Melo. Revisores: Ítalo Richard Moura Benedito, Renata Ribeiro Farias Barbosa e Simone Albuquerque Melo. Edição de fotografia: Gustavo Mões Galvão Maciel, Renata Ribeiro Farias Barbosa. Projeto gráfico: Amanda Lauton Carrilho, Gabriel Cayres.

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exercício da escrita jornalística produzido entre professor e alunos, quando estes trilham literalmente seus primeiros passos na prática desse tipo de narrativa, é uma prática situada entre o desafio, o desbravamento na produção de sentido e os embates com as paixões ainda em estado bruto. Esta revista, a Lupa, em sua 13ª edição - a 1ª delas sob a responsabilidade editorial da professora que assina este texto – foi produzida por alunos dos 2º semestre do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA, durante a disciplina Comunicação Jornalística no semestre 2012.1. Tratando-se de textos produzidos para o gênero que se costuma chamar de jornalismo de revista, o exercício de produzi-los torna-se ainda mais desafiador, pois se o jornalismo cotidiano ancora-se na meta da objetividade, o jornalismo de revista permite e tolera construções e nuances mais literárias e subjetivas. E isso, para alunos ainda não versados em uma série de disciplinas que estão por vir na grade curricular, é um pulo no escuro dos textos... Assim, buscamos neste pulo o amparo de nossos leitores, a quem já agradecemos.

ilustração da capa: Paulo Duarte. Repórteres: Alice Mazur, Bruno Vasconcelos Rodrigues Pedra, Cátia Aragão de Lima, Célia da Cruz Santos, Cláudo Jansen Santos Soares, Cristian Reis Santos de Jesus, Émile Janaína Barros da Conceição, Émile Souza Cerqueira, Gabriel Silva Rodrigues, Gustavo Costa Baraúna, Gustavo Mões Galvão Maciel, Ítalo Richard Moura Benedito Pereira, Jéssima Lima Guedes Chagas, Jéssica Oliveira Lemos, Júlia Santana Moreira, Luciano Alves Reis, Lukas Basbosa Mattos, Marília de Mattos Cairo, Mário Rafael Batista Pinho, Nicole Elizabeth Walker, Rafael Lauria Raña Viana, Rafael Sacramento Grilo, Renata Ribeiro Farias Barbosa, Simone Albuquerque Melo, Susana Souza Rebouças, Tácio Souza dos Santos, Thalita da Silva Lima, Thiago Seixas Andrill Gonçalves Ribeiro. impresso em: mais gráfica tiragem: 1000 exemplares faculdade de comunicação da UfBA Rua Barão de geremoabo, s/n, Ondina campus Universitário de Ondina Salvador – Bahia – Brasil cEP 40170-115 tel: (71) 3283-6174 3283-6177 fax: (71) 3283-6197


ciRcO URBANO

mobilidadE Em quEstão professora especialista em trÂnsito e transporte discute soluçÕes para salvador ENTREVISTA Denise Ribeiro por Gabriel Rodrigues, Luciano Alves e Mário Pinho foto Yuri Rosat

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mobilidade urbana é hoje um dos maiores problemas na maioria das capitais brasileiras, incluindo Salvador. A terceira maior cidade do país, com cerca de 707 km² de extensão, povoados por aproximadas 2,7 milhões de pessoas que precisam se locomover entre os mais de 100 bairros cadastrados pela Prefeitura. Quem resolve esse problema enfrentado pela maioria delas são os mais de 2,5 mil ônibus e 7,2 mil táxis que circulam pela metrópole, as duas linhas de trens urbanos que cortam o subúrbio ferroviário, os quatro ascensores que ligam a Cidade Baixa à Cidade Alta, além dos estimados 5 mil mototaxistas que facilitam a integração local na cidade. Somado aos carros particulares, essa frota se aproxima da marca de 800 mil veículos. Com as proximidades dos grandes eventos programados para Salvador, o quesito mobilidade nunca foi tão discutido na cidade.

A professora Denise Ribeiro, Mestra em Engenharia Ambiental Urbana pela Universidade Federal da Bahia, avalia quais seriam as soluções ideais para o trânsito e as dificuldades enfrentadas pelos usuários do transporte público. Denise foi Analista de Trânsito e Transporte da Superintendência de Transporte Público de Salvador (STP) e Coordenadora da Companhia de Transportes de Salvador. Hoje é professora do Departamento de Transportes da Escola Politécnica da UFBA. CIRCO URBANO • LUPA

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Em uma cidade de grandes avenidas que desembocam em gargantas, qual a solução para evitar congestionamentos gerados pelo fluxo de veículos?

Salvador é uma cidade acidentada, que cresceu de forma desordenada, então sofre pela falta de planejamento estratégico, harmonizando o uso e ocupação do solo com o sistema de transporte. Ela não foi desenhada para o fluxo de veículos atual. Algumas soluções consideradas sustentáveis podem reduzir ou até eliminar os problemas de deslocamentos, além de melhorar a rede de transporte e a necessidade do uso de automóvel. Cito por exemplo: melhoria das calçadas, implantação de infraestrutura ou facilidades para bicicleta (ciclovia, ciclofaixa ou rotas cicláveis), implantação de novos planos inclinados e elevadores e descentralização dos principais serviços públicos. A construção de ciclovias solucionaria os problemas de mobilidade? Seriam necessárias políticas de conscientização da população?

Salvador precisa de uma política integrada de transporte e uso do solo, a bicicleta tem um papel fundamental por possibilitar a diminuição do uso do automóvel. Deslocamentos de curta distância são altamente recomendáveis a pé (até 800 m) e de bicicleta (distâncias até 6 km). Vale ressaltar que estes dois modos devem ser integrados à rede principal de transporte através de estações com estacionamentos apropriados. Paralelo a estas medidas, o governo deve realizar campanhas para desestimular o uso excessivo de transporte individual motorizado.

Para Denise, a implantação de ciclovias é uma alternativa que facilitaria o fluxo de veículos em Salvador 6   LUPA  •  CIRCO URBANO


Salvador sofre com o estado de conservação das ruas e calçadas. De que forma a falta de manutenção das vias

Nunca se falou tanto em mobilidade como agora

influencia no quesito mobilidade?

De forma muito impactante. Isso fica claro nos períodos de chuva, onde o revestimento asfáltico dos pavimentos é destruído, provocando transtornos aos motoristas e até acidentes. A fiscalização dos órgãos de engenharia de trânsito e ordenamento do solo da prefeitura também ajudaria a evitar que as calçadas fossem ocupadas, impedindo o fluxo de pessoas. É preciso mais empenho da prefeitura em facilitar o caminho por onde a população transita. Salvador está sendo pensada prioritariamente para a Copa do Mundo de 2014. Como esses investimentos de mobilidade podem integrar as áreas que não estão no circuito da Copa, como Cajazeiras e Subúrbio Ferroviário?

O projeto do metrô, que hoje só vai até o Acesso Norte, tem a segunda fase da linha 1 chegando até Pirajá e a linha 2 chegando a Cajazeiras. A Copa sem dúvida é uma grande oportunidade. Nunca se falou tanto em mobilidade como agora. Pelas previsões deste recurso, o metrô chegará até Pirajá. Isto acontecendo, tanto Cajazeiras como o Subúrbio Ferroviário podem se integrar a este sistema, utilizando o BRT ou o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). Estudos já existem e apontam como ótima solução. Diversos projetos de modais foram discutidos e avaliados, entre eles o metrô, o BRT e o VLT. Quais deles se encaixariam perfeitamente nas necessidades de Salvador?

Salvador é a terceira cidade mais populosa do Brasil. Não se pode desprezar nenhum modo de transporte. Todos são importantes e têm sua função no atendimento das necessidades de deslocamento. Nas vias de grande fluxo de tráfego, a pesquisa de 1995 da Secretaria de Transporte do município já apontava a necessidade de um transporte de alta capacidade, seja o metrô de superfície ou elevado, como é o caso da Av. Bonocô. Isto é urgente e o metrô Lapa – Acesso Norte já deveria estar funcionando. O ônibus ou o sistema BRT atende com eficiência importantes áreas da cidade como, por exemplo, a orla marítima.

MUITO CARRO PARA POUCA RUA:

2,5 mil ônibus e 7,2 mil táxis somados aos veículos particulares resultam numa frota de quase 800 mil carros nas ruas de Salvador

Como a reestruturação dos equipamentos de transportes públicos complementares já existentes na capital baiana ajudaria neste momento?

Todos são importantes, inclusive os ascensores e o trem do subúrbio. Constata-se uma integração física real do trem com o Plano Inclinado Liberdade - Calçada. O Elevador Lacerda, quando para, causa grandes transtornos aos seus usuários. Mais uma vez compete ao Setor de Transporte do Município (Transalvador - STP) zelar e valorizar estes equipamentos essenciais para a cidade além de ser um cartão postal para os turistas. De acordo com a sua opinião como professora e pesquisadora, como podemos imaginar a mobilidade urbana em Salvador em um futuro próximo?

Salvador vem experimentando nessas últimas décadas um processo de mudanças significativas no padrão de mobilidade, com o surgimento de múltiplos centros, ocasionando maior dispersão das atividades cotidianas. A baixa qualidade do sistema de transporte, tendo o ônibus como única alternativa de transporte coletivo, aliada aos incentivos do governo em favor do transporte individual, tem provocado impactos negativos na vida das pessoas, através de perdas de tempo em congestionamentos, poluição e acidentes de trânsito. Os corredores estruturantes de Salvador, em especial a Av. Paralela e Av. Bonocô, já ultrapassaram sua capacidade de tráfego não só nos horários de pico como também em vários períodos do dia. Se os setores públicos de transporte não correrem para planejar e implantar uma rede integrada de transporte onde se considere todos os modos de deslocamento, iremos experimentar uma imobilidade urbana, como já acontece em São Paulo nos horários de maior movimento.

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as vantaGens e Desafios De ser um

leda muhana fala sobre a nova escola de dança da ufBa e a realidade do cenário baiano por Cláudio Jansen e Jéssica Chagas fotos Lucas Seixas

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esde que terminou o colegial, Leda Muhana sempre esteve certa de que queria fazer dança. Era da arte que queria sobreviver. Para sua sorte, a Bahia tinha o curso de dança, o único do Brasil, na época. Formada em Licenciatura em Dança pela Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA), atualmente diretora, professora, coreógrafa e produtora artística da Escola, Leda trabalha na instituição há 32 anos, desde 1980. Nesta entrevista ela fala abertamente sobre as mudanças que a Escola sofreu e sobre os fatos que têm marcado a rotina da mesma nos últimos tempos, enquanto aponta suas esperanças, os projetos acadêmicos e aspirações para o futuro da dança na Bahia. Ser medíocre, em arte, não vale a pena. Não ligar, fazer por hobby, não adianta porque não vai a lugar nenhum. O mercado é limitado

O que mudou no curso de dança da UFBA?

Nós temos um currículo que mudou oficialmente em 2006, só que, antes disso, fizemos um projeto piloto. Então, desde 2001, estamos investindo nesse novo jeito de formar o aluno de Dança. Tínhamos disciplinas de Licenciatura como Técnica da Dança, Improvisação, Coreografia, aí nós mudamos para uma perspectiva mais interdisciplinar, para o Sistema Modular. Por exemplo, as matérias mais práticas de corpo se reuniram em um módulo chamado Estudos do Corpo. As de Criação, Improvisação, Coreografia, Composições Solísticas, Estudo da Forma, Estudo do Espaço, se reuniram em um módulo chamado Estudos de Processos Criativos. E as mais teóricas, que seriam História da Dança, Filosofia da Dança, se reuniram em um módulo chamado Estudos Críticos-Analíticos. É uma proposta que é centralizada em competências cidadãs, profissionais, criativas, propositivas. Essa mudança no curso interferiu no perfil dos alunos da Escola de Dança da UFBA?

Na verdade, houve uma grande mudança que agora conseguimos ver no perfil des-

se formando, inclusive, já consegui ver no primeiro ano do projeto piloto a diferença entre os alunos que tinham acabado de entrar e os que estavam se formando, que eles eram muito mais ativos. Eu sinto que são pessoas muito mais propositivas, até mesmo para achar novas formas de atuação no mercado. A gente tem muito mais possibilidades de interfaces agora do que tinha antes.

Muitas pessoas mantêm a dança como um hobby por acreditar ser difícil permanecer na profissão, por razões econômicas. A senhora acredita que esse pensamento vem mudando ou os alunos da graduação ainda expressam esse temor? Chegam a abandonar ou

Salvador é uma cidade onde a dança

trancar o curso por esse motivo?

é uma parte muito forte da cultura,

Reduziu bastante, porque, quando eu era estudante da Escola de Dança, formavam-se cinco, sete... Agora se formam 30, 40. Qualquer um que diz “vou fazer vestibular para Dança” sofre pressão. Não precisa ser do pai e da mãe, é do colega da escola. No entanto, é o que eu falo sempre para os alunos: quando você gosta, se dedica, estuda, não há como dar errado. Agora, ser medíocre, em arte, não vale a pena. Não ligar, fazer por hobby, não adianta porque não vai a lugar nenhum. O mercado é limitado. A gente está construindo pessoas que têm possibilidade de abrir novos caminhos. Estamos investindo nesses profissionais, mas tem que trabalhar e trabalhar

e a cultura é um forte mercado de trabalho. Este mercado cultural está aberto para os profissionais de dança ou é algo restrito?

Muito restrito. Em termos de turismo, completamente restrito. Como a gente não trabalha em uma perspectiva de desenvolver um gênero, então cada aluno tem a sua liberdade para trabalhar no ramo que ele quiser. A gente percebe, por exemplo, que muitos alunos são de grupos de Forró, grupos de Axé, eles já atuam no mercado, no Carnaval e São João. Eu vejo que, às vezes, alunos saem para trabalhar em hotéis, em shows no Brasil. Mas não é um mercado que absorve os alunos daqui.

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À esquerda, a professora Leda Muhana. Acima, estudantes reunidos na Escola de Dança

duro. Quem pensa que fazer dança é fácil, está equivocado. Trabalhando, investindo, dedicando-se, você ganha sucesso e poderá, certamente, sobreviver disso.

Acho que faltam ações mais continuadas que, de fato, entendam que a situação do artista é complicada e, ao mesmo tempo, importantíssima para a Bahia.

Qual o incentivo dado pelos órgãos

Qual o impacto do Reuni na Escola

públicos baianos para que a dança

de Dança?

se desenvolva e se sustente em

O Reuni possibilitou a construção do nosso novo prédio, que agora está com as obras completamente paradas. O programa possibilitou a abertura do curso noturno, que era algo que incomodava, porque era subutilizado, instalações subutilizadas, e, ao mesmo tempo, tinha uma demanda. Contudo, esse processo está moroso de uma urgência. Nossa obra está 70% pronta, parada, em um processo de sindicância. Assim, ao mesmo tempo em que você tem um Reuni com toda nobreza de sua proposta, você encontra obstáculos nos próprios mecanismos de execução, de operacionalidades que dificultam a conclusão acontecer.

Salvador?

A gente tem a Fundação Cultural do Estado que, com seus editais, apoiam muito o trabalho de Dança, tanto montagem, como circulação, como manutenção de grupos. Eu acho que o problema é que ainda é uma política pontual. Faltam mais ações continuadas. Os artistas da dança ficam a mercê de um edital que sai uma vez ao ano e que vai dar apoio para um projeto específico ou, se for o caso, de manutenção de grupo. Mas são ações pontuais, ações cujos financiamentos demoram muito de sair. Então, com relação às políticas culturais, acho que são políticas editais ‘fast-food’, que é para você conseguir ali, naquele momento. 10   LUPA  •  CIRCO URBANO

A estrutura da Escola de Dança está

sofrendo modificações. Quais serão essas modificações, o que haverá de novo? Como essas mudanças vão se refletir na formação dos alunos?

Se tivermos mais cinco estúdios grandes, um teatro, vamos poder contemplar muito mais a demanda, que agora já se mostra grande. O que vamos voltar a ter é um programa preparatório para crianças e adolescentes. Isso faz um diferencial enorme. A gente não tem nada na cidade que possa oferecer o que pode ser oferecido aqui. Como também pode ser um módulo de estudo para muitos alunos que se graduam tendo como alvo a formação de crianças e adolescentes em dança. Vamos ter gabinetes para os professores, que, hoje, não têm onde orientar. Os grupos de pesquisa terão sedes, locais onde possam funcionar. Vai ser um diferencial grande na rotina do aluno, professor, servidor, além de se tornar um portão muito maior para a comunidade, em termos de oferta de dança.


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quEm são os donos da tErra? marinHa do Brasil e quilomBolas disputam área em aratu por Susana Rebouças e Jéssica Lemos fotos Jéssica Lemos

h

á quatro anos, a Marinha do Brasil disputa com a comunidade quilombola Rio dos Macacos uma área em Aratu, nas proximidades do bairro de Periperi, em Salvador, onde hoje se encontram a comunidade e a Vila Naval. Segundo os moradores, o quilombo está no local há mais de 200 anos, como lembra dona Albertina Araújo, 56: “Essa terra é do tempo dos meus avós. Meu pai, Severiano dos Santos, já falecido, nasceu aqui em 1910 e teve 22 filhos. O pai dele era José Custodio Rebeca, também nasceu aqui.”. A área ocupada pertencia oficialmente a Coriolano Bahia, fazendeiro que se apresentava como proprietário da “Fazenda Macacos”. Os moradores da comunidade afirmam que seus pais trabalharam nessa fazenda e exerciam a prática da agricultura e da pecuária, extraindo dali a sua subsistência. Esse povo também herdou elementos artísticos e culturais, como técnicas de artesanato, culinária, CIRCO URBANO • LUPA

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e ofícios como o de parteira e rezadeira, sem contar com as manifestações como o samba de roda e o bumba meu boi. No entanto, o Senhor Coriolano contraiu dívidas tributárias, o que levou a Prefeitura de Salvador a expropriar parte do terreno, doando a Fazenda Macacos para a Marinha do Brasil, em 1954. Em dezembro de 2008, surgiu a necessidade de ampliação do Comando do 2°Distrito Naval, visando instaurar uma área de adestramento do Grupamento de Fuzileiros Navais de Salvador (GptFNSa). Há algum tempo, segundo os moradores, a comunidade passou a conviver com uma série de restrições impostas pela Marinha, através de práticas abusivas cometidas pelos militares que proibiram os moradores de construir novas ou de reformar as antigas casas e manter os roçados próprios para subsistência. Além disso, ameaças de morte, tentativas de homicídio e sequestro de animais de estimação já ocorreram no local, como contou o senhor Orlando Oliveira, 60, ex-pedreiro, morador do quilombo. Tudo isso, a fim de inviabilizar a continuidade do modo tradicional de vida da comunidade. No entanto, a Marinha confirma que não foi constatada a preexistência dos ocupantes irregulares no terreno em questão, contando na documentação atinente ao tombo que a área encontrava-se livre e desimpedida, na época da aquisição do terreno, mas, que embora nunca tenha reconhecido o direito de ocupação daquelas famílias, o tratamento dispensado sempre foi respeitoso e humano. No conflito estabelecido entre a Marinha e o quilombo, a comunidade tem dificuldade de defesa, sendo representada judicialmente pelo Serviço de Ação Jurídica da Universidade Federal da Bahia (SAJU/UFBA) e pela Defensoria Pública, que apesar das dificuldades conseguiram adiantamento no processo de certificação da Fundação Cultural Palmares. O desmanche de um patrimônio

Após as várias ameaças de desocupação, a população quilombola vive sob um clima de tensão, pois a qualquer momento eles podem ser desapropriados. Poucas famílias estão se mantendo na região, insistindo em ficar na terra que nasceram. Os antigos agricultores e pescadores, hoje impedidos das práticas, vivem de doações. Nos lugares onde existiam plantações, agora só se encontram um terreno vazio e uma casa de farinha abandonada. Apenas um artesão ainda reside na comunidade, e o artesanato é a única renda de Iracildo Barbosa, de 62 anos. Uma das poucas coisas que restaram na região é a produção de dendê feita por senhor Josuel Cardoso, 56, e sua esposa, que não residem mais no quilombo, mas ainda produzem no local. Tanto o dendê quanto os artesanatos são vendidos na Feira de Periperi. No dia 08 de julho, o elenco do grupo Bando de Teatro Olodum, que faria uma leitura dramática de um dos seus espetáculos às 10h na comunidade foi impedido de entrar no local pela MB, mesmo com a tentativa de negociação do diretor do grupo, o ex-secretário cultural da Bahia, Márcio Meirelles. Eles ficaram barrados na porta da Base Naval cerca de três horas na tentativa da liberação. 12   LUPA  •  CIRCO URBANO

Essa terra é do tempo dos meus avós. Meu pai, Severiano dos Santos, já falecido, nasceu aqui em 1910 e teve 22 filhoSs Albertina Araújo

Por volta das 11:30, o diretor foi informado de que a entrada não seria liberada, mas que, no dia 10 de julho, ele e a MB voltariam a conversar, agora com um pedido formal, para a possível realização das apresentações no local. O processo

A partir do momento em que a comunidade se intitulou quilombo e conseguiu o certificado como autodefinido pela Fundação Cultural Palmares, segundo membros do SAJU, tem o direito de que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) demarque as terras que ocupam, como consta no Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal 1988 (CF/88) e o Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, que tratam da regulamentação do procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. No entanto, o INCRA ainda não demarcou as terras, segundo os moradores, porque a Segurança da Vila Naval não permite a entrada do instituto. A Fundação Cultural Palmares afirma que só poderá entrar no processo judicial depois que a comunidade tiver o Relatório de Demarcação de Terra (RDT). No entanto, o juiz do caso, Evandro Reimão Reis, da 10ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia, não aceita o certificado como legítimo.


PROVA DOS NOVE

Há 26 anos, projeto social com arte circense transforma a vida de crianças por Simone Melo e Ítalo Richard fotos Julien Karl

A

s crianças sonham em fazer coisas incríveis, ter super-poderes, voar e impressionar seus próprios sentidos; e é na magia do circo que elas podem experimentar essa sensação. O mágico, o equilibrista, o contorcionista, o malabarista, o acrobata, cada um parece, aos olhos infantis, um herói dotado de uma habilidade especial. Para Binho, menino em situação de rua aos 10 anos de idade, não era diferente. Quando lhe perguntaram qual era o seu sonho, ele respondeu de prontidão: “meu sonho é conhecer um circo de verdade”. Através da parceria com o Projeto Axé, Binho chegou à Escola de Artes do Circo Picolino. Hoje, aos 32 anos, integrante do projeto de arte-educação há mais de 20, Edi Carlos Santos de Souza, vulgo Binho, revela emocionado: “é do circo que eu tiro tudo”. PROVA DOS NOVE  •  LUPA  13


Crianças da Picolino treinam malabarismo e acrobacia

A Escola de Artes do Circo Picolino foi fundada em 1985 já com o intuito de fazer arte-circo-educação, mas naquela epóca esses conceitos ainda não eram muito claros, como explica Anselmo Serrat, criador da iniciativa ao lado de Verônica Tamaoki. A partir de 1990, os projetos sociais passaram a ser mais sistematizados na instituição. Por meio de parcerias, que variaram bastante nesses quase 30 anos, mais de 2000 meninos e meninas em estado de vulnerabilidade social tiveram a chance de aquecer os corpos e corações com arte, técnica, força e determinação. Hoje participam do projeto 80 crianças entre 7 e 17 anos; 70 mantidas pela ONG Conexão Vida e mais 10 bolsistas apadrinhadas pela Picolino. A escola também tem o apoio financeiro da ABC Trust, ONG mantida pelo guitarrista Jimmy Page da banda Led Zeppelin. Além das dificuldades financeiras, Anselmo conta que um dos maiores desafios, no início, foi convencer a sociedade a aceitar a mistura de meninos e meninas em situação de rua com as crianças que já faziam parte da escola particular de circo. Prática que é hoje, na sua opinião, comprovadamente acertada e adotada por outras instituições. 14   LUPA  •  PROVA DOS NOVE

Prática de trocas

Nos treinos semanais, Binho e mais cinco instrutores se dividem para dar conta da turma. Alongamento e brincadeiras fazem parte da primeira sessão de todas as aulas. No segundo período, todos praticam acrobacias e podem escolher mais duas técnicas dentre malabarismo, monociclo, arame, trapézio, contorção e corda indiana. Quem está começando passeia por todas as modalidades até descobrir as que mais se identifica. No início do segundo semestre, os alunos começam a montar seus números para o Viva o Circo!, espetáculo de fim de ano em que estão envolvidos em todo processo de criação. Além dos números, decidem e pesquisam figurino e cenário. Pâmela Peixoto, 12, treina contorção e arame. Ela participa do projeto há dois anos. “O circo representa várias coisas boas para mim e para todo mundo. Aqui eu fico alegre, esquento o meu corpo e fico mais forte”, afirma. Simone Requião, coordenadora pedagógica da Picolino, conta que Pâmela tinha algumas dificuldades de relacionamento e discutia sempre com os professores. Ela destaca que a


prática no circo rendeu bons resultados. “Pâmela faz contorção, por isso depende necessariamente de outras pessoas para realizar alguns movimentos. Nessa troca você percebe que não dá para ser só sua vontade, existe algo maior. Ninguém faz um espetáculo sozinho”.

Embaixo da lona da Picolino, não existia desigualdade social ou racial. Eu sempre me sentia como um filho Jailton

Frequência comprometida

O transporte é o principal obstáculo para a assiduidade das crianças. A maioria mora longe, nos bairros de Sussuarana, Escada, Vasco da Gama, Águas Claras e Vale dos Rios, e, às vezes, falta dinheiro para o ônibus ou algum responsável disponível para levá-los. Muitas estão matriculadas, mas não têm meios de frequentar as aulas. Os pais fazem o esforço que podem, revezam-se, adaptam seus horários, pois acreditam no valor dessa iniciativa e sabem o quanto isso é importante para os seus filhos. Quem mora próximo vai a pé com os colegas, caso de Pâmela, que mora em Bananal, perto de Pituaçu. Sucesso no picadeiro e na vida

As histórias de quem já suou muito embaixo da lona são um estímulo para as crianças de hoje superarem as dificuldades. Binho, Bimbinho, Antônio Marcos, Jailton, entre tantos que cresceram dentro da Picolino são exemplos para as novas gerações que chegam ao projeto. Fábio Francisco Bonfim, Bimbinho, artista e professor de circo, trabalhou nas ruas até os 16 anos, vendendo picolé, amendoim, jornal, “de tudo um pouco”. Bimbinho também conheceu a Picolino através do Projeto Axé. No final de 1995, ele foi convidado pelo diretor do projeto, Cesare La Rocca, a fazer sua primeira viagem internacional para Itália, para representar o circo junto com Binho. A partir dai, o gosto pela arte circense passa a imperar na sua vida; “Se eu pudesse naquele momento, eu fazia um quartinho e ficava morando na Picolino”, recorda. Hoje, formado em Educação Física, ele leva os conhecimentos da área para o picadeiro. “A Picolino é uma instituição que promove muita mudança na vida de qualquer ser humano, não foi diferente na minha. O circo foi algo grandioso. De fato me transformou”. Antônio Marcos dos Santos, morador de Saramandaia, entrou para a Picolino em 1991. Depois de muitos anos de trapézio, percebeu que aquilo que mudou sua vida poderia transformar a sua comunidade. Marcão, como é chamado, fundou com mais dois amigos O Grupo Cultural Arte Consciente que desenvolve projetos sociais com jovens de Saramandaia, através das artes circenses, percussão e boxe. Sobre a Picolino, ele declara: “É uma experiência muito boa, a gente entra como aluno e depois vira professor, transformador de cidadãos através da arte”. Entre os jovens, a principal “celebridade” é, sem dúvidas, Jailton Carneiro, 36. Quando aos 12 anos, entrou para a Picolino, o menino pobre da Boca do Rio nem sonhava em fazer parte da maior companhia de circo do mundo, o Cirque du Soleil (CDS). “Lembro quando eu entrei pela primeira vez na sede do CDS. Foi muito emocionante,

inexplicável. Passou um filme na minha cabeça, desde meu começo na Escola Picolino”. Jailton participou da turnê do espetáculo “Quidam” e, quando se apresentou em Salvador em 2009, organizou oficinas do Cirque na Picolino. Atualmente, mora na Suécia e sonha em fundar sua própria escola de circo para passar adiante sua experiência e seu amor pela arte. “Embaixo da lona da Picolino, não existia desigualdade social ou racial. Eu sempre me sentia como um filho. Lá eu aprendi que, tendo paixão pelo que se faz, o céu será sempre o limite”, diz. Todas essas histórias de realização profissional e pessoal são muito gratificantes para Anselmo, que diz ficar muito contente ao ver que os instrutores formados na sua escola acharam um caminho na vida a partir do encontro com o projeto social. Porém, ele lamenta o triste fato dessa oportunidade só atingir uma parcela pequena da população. “Não consigo ficar feliz ao ver a quantidade de crianças com o futuro comprometido que não tiveram essa chance e nunca vão ter”.

Escola Picolino de Artes do Circo Av. Octávio Mangabeira, s/nº, Pituaçu Salvador-Bahia-Brasil Telefone: (71) 3363-4069

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PROVA DOS NOVE

Um educador fora das salas de aula

O pesquisador José Eduardo fala sobre a importância da preservação do Acervo da Laje por Emile Conceição e Émille Cerqueira fotos Lara Maiato

N

ascido em 1974, no Subúrbio Ferroviário de Salvador, José Eduardo Ferreira Santos, 38 anos, pedagogo (Universidade Católica de Salvador), mestre em psicologia (Universidade Federal da Bahia), doutor em saúde pública (Instituto de Saúde Coletiva – UFBA) e pós-doutorando em cultura contemporânea (Programa Avançado de Cultura Contemporânea – UFRJ), é uma inspiração para a população da periferia. Apesar de não lecionar em universidades, sua trajetória como educador é longa. Começou aos 13 anos dando reforço escolar, cursou magistério e depois pedagogia. Trabalhou em projetos sociais ensinando adolescentes, jovens e adultos, foi também coordenador de um centro educativo.

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A sua carreira como pesquisador teve início em 2002, quando começou a cursar mestrado em psicologia. Buscou essa área de estudos porque queria entender as travessias dos jovens no mundo do tráfico de drogas. O professor e mentor, Gey Espinheira sugeriu que José Eduardo mostrasse o lado da beleza do subúrbio, o lado que ninguém vê. Então, junto ao fotógrafo italiano Marco Iluminatti, ele iniciou a pesquisa A Arte Invisível dos Trabalhadores da Beleza da Periferia de Salvador. Essa pesquisa deu origem ao Acervo da Laje, uma grande coleção de obras de artistas desconhecidos, livros raros, filmes, jornais antigos e objetos que ajudam a contar a história do subúrbio de Salvador. Em meio a toda essa cultura e história, o professor José Eduardo recebeu a Lupa para esta entrevista.


Muita gente que vem aqui fica chocada porque pensava que o subúrbio era um lugar ruim

O senhor escreveu no texto Artistas Invisíveis da Periferia de Salvador que além de pesquisador se tornou um educador que educa fora das salas de aula. O que quis dizer com isso?

Eu sou pesquisador, mas não sou professor universitário, no sentido strictu. Educação não é somente a relação na sala de aula, é como você comunica aquilo que aprendeu, aquilo que está vivendo e isso faz as outras pessoas aprenderem. Em sua opinião, o que os artistas do subúrbio têm de diferente dos demais?

A primeira coisa é a capacidade de reconstituir a nossa memória ancestral. Otávio Bahia morava em Fazenda Coutos e fazia imagens de negros e negras, refez uma identidade que ainda está presente em nós, mas que podemos perder. O mesmo é feito hoje por Ray Bahia, que mora em Periperi. A segunda coisa é o pertencimento. Perinho Santana fez um livro “A Céu Aberto” em Plataforma. Ele contou toda a história de Plataforma escrevendo poemas nos muros. Isso é peculiar. E terceiro, os artistas do subúrbio dão a oportunidade de conviver com eles, de aprender com eles.

Serviço O Acervo da Laje: Rua Nova Esperança, 4E – São João do Cabrito, Plataforma

Quantas obras o acervo reúne?

Atualmente, o Acervo conta com 200 obras artísticas (quadros, esculturas, azulejos, máscaras de madeira e alumínio), 1.500 CDs, 300 DVDs, 300 livros autografados, 81 livros raros, 5.000 livros, além de milhares de fotografias, negativos, DVDS, fitas cassete, recortes de jornais e revistas sobre o Subúrbio Ferroviário, que estão na hemeroteca. Além disso, dispomos também da bibliografia de referência sobre o Subúrbio Ferroviário de Salvador, constituída de livros, artigos, dissertações e teses sobre a área. Quais as maiores dificuldades enfrentadas na manutenção de um projeto autônomo como o Acervo da Laje?

Para mim está sendo um exercício. Eu não tenho nenhuma agência financiadora, nem estou ensinando em universidade pública. O Acervo é uma pesquisa extensa, longa, e as pessoas aqui não trabalham com essa ideia, vivem muito em função do agora. As maiores dificuldades são o apoio financeiro e o apoio técnico, como, por exemplo, profissionais que possam catalogar as sementes e a fauna marinha do Subúrbio coletadas pelo Acervo, técnicos que possam restaurar algumas obras danificadas pelo tempo, ou mesmo pesquisadores que aceitem analisar os aspectos artísticos e históricos que estão presentes no Acervo. No entanto, tudo isso demanda apoio financeiro e parcerias institucionais que ainda não temos, mas vamos

procurar, pois trabalhar com pesquisa é difícil. Com cultura, nem se fala! Quais os planos que o senhor tem para o futuro do acervo?

Eu quero ter um espaço: uma casa grande de dois ou três andares, com cdteca, biblioteca, tudo. Eu penso que vou chegar nisso, mas eu não sei onde vou parar. Porque pesquisa é uma coisa estimulante, você começa num ponto e ela te leva a outro, vai ramificando até você dizer para. Eu quero que isso seja uma contribuição para a cidade, para o país. Se vai chegar a ser mesmo, é um mistério, mas a ideia é essa. Qual o perfil dos visitantes do Acervo da Laje e qual a reação deles?

Vem desde as crianças que estão iniciando na escola até pesquisadores renomados internacionalmente. As pessoas dizem o que chamou a atenção, escrevem um comentário. As reações são as mais impressionantes. De gente voltar para a infância, de explicar coisas que eu não sei. Muita gente que vem aqui fica chocada porque pensa que o subúrbio é um lugar ruim. Algumas pessoas fazem doações porque sentem vontade de fazer parte.

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om que não DÁ Para abafar por Ítalo Richard e Simone Melo fotos Patrick Silva

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meio século de improviso marca a escola de música da ufBa


t

odo ano, 125 estudantes de faixa etária variada ingressam na Escola de Música da Universidade Federal da Bahia (EMUS). Eles não são tão novinhos como os calouros dos demais cursos. Muitos, já adultos, pagam suas próprias contas e viviam de música – como costumam dizer – antes mesmo da graduação. Isso quando não são formados em outras faculdades ou abandonaram algum curso pelo meio do caminho para investir no que consideram sua verdadeira vocação. Entre descolados e caretas, convivem estudantes muito religiosos com outros totalmente desapegados; grandes virtuoses e alguns poucos não tão talentosos. Mas ninguém chega lá totalmente verde, no sentido musical, claro. Para ingressar na EMUS, todos passaram por testes de aptidão e tiveram que mostrar domínio de teoria, leitura e percepção musical; cantar, compor ou tocar bem um instrumento – a depender da habilitação escolhida. No total, são oferecidas cincos graduações: Canto, Composição e Regência, Licenciatura em Música, Instrumento e Música Popular. A última é muito recente, está no seu quarto ano e ainda não tem nenhuma turma formada.

por quE hEinz schWEbEl E não joão

o aprEndizado formal da música popular

da silva?

O perfil da EMUS mudou com a chegada do seu mais novo integrante, o curso de Música Popular. A demanda era antiga na Bahia, e a resistência acadêmica, mais antiga ainda. Para muitos, música popular só se aprende nas ruas. O fato é: muita gente que nunca passaria pela Escola, por não se sentir à vontade nos tradicionais moldes eruditos,agora está super interessada na graduação. Em apenas quatro anos de existência, o curso se tornou o segundo mais concorrido da instituição (ficando atrás apenas de Licenciatura). Mesmo com algumas esquizofrenias curriculares e grades que passam por frequentes processos de reformulação,o curso tem alcançado alta popularidade e atraído a atenção até dos estrangeiros. A cada ano, em média, oito intercambistas estão inscritos para Música Popular. Um percentual bastante alto, se considerarmos que são oferecidas apenas vinte vagas no vestibular.

Quase sessenta anos atrás, em meados de 1954, começou a se formar o que viria a ser a atual Escola de Música. Foi o alemão Hans Joachim Koellreutter quem criou os Seminários Livres de Música, durante a gestão do reitor Edgar Santos, e inaugurou a tradição de diretores estrangeiros na Escola. Dos nove diretores que a EMUS teve até hoje, quatro foram estrangeiros, quatro brasileiros e um, o atual, Heinz Karl Novaes Schwebel tem dupla nacionalidade, brasileira e alemã, o que dá para notar pelo seu nome. Na época dos Seminários, a escola funcionava como um núcleo de extensão cultural localizado na Av. Araújo Pinho (atual sede da Secretaria Geral dos Cursos) e tinha um perfil fortemente erudito e europeu. O estrangerismo era patente. Convocados por Koellreutter, dois europeus foram responsáveis pelo que Antonio Risério chama de avant-garde na Bahia: um foi o suíço Ernest Widmer, que logo depois se tornou diretor da EMUS; o outro foi o excêntrico Anton Smetak.

arquitEtura improvisada

Diariamente, transeuntes atravessam a Escola de Música com destino a algum lugar no Canela. O prédio é um atalho para quem quer ir da Av. Araújo Pinho a Basílio Gama e vice-versa. Sem saber, essas pessoas economizam todos os dias 400 metros de caminhada e vencem sutilmente um desnível de 4 metros. O caminho obrigatório da passagem é pelo pátio da Escola, onde muitos alunos aproveitam para bater um papo, treinar suas peças e fazer um lanche na Pereira Confeitaria.A principal especialidade do lugar, aprovada pelos alunos, são os sonhos com doce de leite ou PROVA DOS NOVE • LUPA

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goiabada vendidos por R$1,70. Na hora do almoço, o pátio se veste de branco. São os estudantes de Saúde – Odontologia, Medicina, Nutrição – que vêm reivindicar seu espaço. O atual prédio da Escola de Música foi construído para abrigar um instituto de saúde, mas com o crescimento dos Seminários Livres de Música houve uma necessidade urgente de ampliação e a arquitetura foi adaptada. É com muito improviso que permanece até hoje. As paredes de elcatex, feitas às pressas, na época, deveriam ter sido preenchidas com lã de aço, que promove isolamento acústico. O que nunca ocorreu. Resultado, a sonora escola de música é dividida por paredes ocas e, muitas vezes, esburacadas. O elcatex não resiste nem a um leve murrinho, quanto mais a meio século desgaste. Este ano, pela primeira vez, a estrutura passou por uma ampla reforma desde que foi erguida. Antes, não

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no PÁtio Da escola, muitos alunos aProveitam Para treinar suas Peças e bater um PaPo

havia verba para isso. O orçamento em 2012 foi duplicado em relação aos anos anteriores para o o valor atual de 52.500 reais, um dos menores da Universidade. Há tempos, uma nova estrutura que contemple todos os alunos da graduação, mais os dos cursos livres (programa de extensão da EMUS aberto para a comunidade), é desejada. No ano passado, foram iniciadas obras para a construção de um novo prédio no PAF, campus de Ondina. Mas, por questões burocráticas, ainda não há prazo definido para entrega. Enquanto isso, os estudantes de música vão estudando ao ritmo do jazz – no improviso. Sem salas com dimensões adequadas, isolamento acústico e instrumental completo.


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Reality baiano? Formato de programa Oxe! que é sucesso nacional chega à Bahia de trio elétrico

por Gustavo Mões e Renata Farias ilustração Luana Vellame

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ada mais comum do que ver um trio elétrico no início do ano em Salvador. Mas, entre 15 de janeiro e 11 de fevereiro de 2012, um desses enormes carros de som teve uma finalidade diferente: durante 28 dias, Salvador foi palco do primeiro reality show regional produzido no Brasil. Realizado pela TV Aratu, emissora afiliada ao SBT, O Trio Reality trouxe uma novidade para esse gênero televisivo: tudo que os participantes viveram aconteceu dentro de um trio elétrico, fazendo referência ao Carnaval da capital baiana, temática principal do programa. Inicialmente, o reality poderia ser acompanhado pelo público todos os dias durante meia hora, às 13:45, e também às quartas e sábados à noite. Devido à grande aceitação por parte do público que foi percebida, o horário foi ampliado, passando a ser exibido também, durante 20 minutos, às 11:45. Além disso, o programa era transmitido ao vivo integralmente através da internet. Dentro do trio elétrico, fixado nos estúdios da emissora, sete pessoas brigaram entre si pelo prêmio de 30 mil reais e um carro zero quilômetro. Vigiados 24 horas por dia, os integrantes, denominados foliões, participavam de festas e provas dentro e fora do trio, mas sem contato algum com a realidade além daquele espaço.

Segundo Chagas Vieira, superintendente de conteúdo da TV Aratu e idealizador do reality, o critério de escolha dos participantes foi uma tentativa de aliar um pouco de polêmica, para gerar curiosidade, mas sem figuras caricatas, à possibilidade de viver a proposta do programa sem torná-lo um produto de “baixo nível”. Por sua vez, Leonardo Oliveira, estudante de design e telespectador do reality, reclamou da falta de diversidade na seleção dos participantes, já que eram todos ligados ao pagode baiano. MEIO E MENSAGEM  •  LUPA   21


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Em meio a anônimos e subcelebridadeS

Entre os sete participantes estavam dois anônimos que foram escolhidos através de um vídeo enviado pela internet: Ana Célia, dançarina e modelo, e Werles Pajjero, ator. Compondo o restante do “bloco” de O Trio Reality estavam cinco das chamadas subcelebridades baianas: Rosiane Pinheiro, dançarina e cantora; Léo Kret, vereadora e ex-dançarina transgênera; Rianne Ferreira, modelo e ex-namorada de Neymar; Guga de Paula, ex-vocalista da banda de axé Babado Novo; e, entrando com uma semana de programa, Cissa Chaggas, dançarina que ficou conhecida por representar a Mulher Maravilha na música Liga da Justiça da banda Levanóiz. A rotina semanal era bem característica dos reality shows já consagrados nacionalmente, com exceção dos termos utilizados. Os foliões passavam por provas de divisão de tarefas e de liderança. Quem vencesse esta, consagrava-se rei (menção clara ao Rei Momo) ou rainha da semana. Caso contrário, deveria se preocupar com a possibilidade de ir parar na corda e acabar saindo para a pipoca. 22  LUPA  •  MEIO E MENSAGEM

Vigiados 24 horas por dia, os integrantes, denominados foliões, participavam de festas e provas dentro e fora do trio, mas sem contato algum com a realidade além daquele espaço


Receita de sucesso

Aliada à antiga fórmula dos reality shows, formato que explodiu no início dos anos 2000 com o Big Brother, criado pela produtora holandesa Endemol, a regionalização fez com que o programa ganhasse um tom de novidade, chamando atenção não só do público baiano, mas também da mídia de todo o país. Tudo tinha um toque de baianidade: as festas eram animadas por bandas baianas e as provas a que os foliões eram submetidos remetiam à cultura carnavalesca. A ideia inicial era criar um novo programa que chamasse a atenção do público e gerasse mídia espontânea, disse Vieira. Parece que deu certo. O projeto foi comentado por artistas, inclusive de emissoras concorrentes, nas mídias sociais e ganhou posição de destaque em alguns sites e revistas. O ineditismo do caráter regional dado ao programa pode ter sido positivo para a divulgação, mas acarretou algumas dificuldades para a produção. Mariana Gomach, produtora de rotina de O Trio Reality, contou que foi um desafio, considerando que a ocorrência de imprevistos era muito grande e não havia o benefício da edição o tempo inteiro, já que havia a transmissão ao vivo, 24 horas, pela internet.

A folia chega ao fim

Após os 28 dias de competição, Rosiane Pinheiro se consagrou a grande vencedora desse carnaval produzido pela TV Aratu. Com 48% dos votos, a dançarina foi escolhida pelo público, desbancando a vereadora Léo Kret, que ficou com a segunda posição. Para que um programa como o Trio Reality, ainda que com problemas, seja produzido, é necessário o envolvimento de uma grande equipe de comunicação. Com o advento da segunda edição, uma equipe ainda maior irá participar da produção, gerando um know-how inédito na televisão baiana até então. A segunda edição está programada para ser lançada ainda no segundo semestre de 2012 e terá como uma das novidades a saída do trio para pontos estratégicos da cidade.

Uma dose de realidade O gênero reality television surgiu com a intenção de retratar situações reais com pessoas normais e sem roteiro prévio. Presente na programação da televisão americana desde An American Family, exibido em 1973, o formato explodiu nos anos noventa com o programa da MTV The Real World, transmitido em 1992 e exibido no Brasil com o nome Na Real. Em 1999, John de Mol, sócio da empresa holandesa Endemol, bolou a ideia de um programa onde os participantes, pessoas comuns, seriam confinados em uma casa vigiada por câmeras 24 horas por dia. O programa recebeu o nome Big Brother, que faz referência ao livro do escritor inglês George Orwell, 1984. No livro, as pessoas têm a rotina observada pelo Grande Irmão em tempo real. No Brasil, o fenômeno dos reality shows começou com o No Limite, versão adaptada do programa Survivor, no ano 2000. Em 2001, o SBT saiu na frente da Rede Globo, que já esboçava a sua versão do reality show da Endemol, e transmite o programa Casa dos Artistas, que seguia o formato do Big Brother, mas com famosos. O programa foi um sucesso, rendendo a maior audiência da história da emissora, mas foi perdendo relevância e durou até o ano de 2004. Em 2002, algumas semanas depois do fim da Casa dos Artistas, a Rede Globo deu início à exibição do Big Brother Brasil, o reality show de maior sucesso do país e que já tem a sua décima terceira edição programada para o ano de 2013.

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mEiO E mENSAgEm

O SISTEMA É

BRUTO!

O CRIADOR DAS CRIATURAS

laDo b De Pablo reis, o iDealiZaDor Do “sistema bruto”

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ranquilo e sereno, Pablo Reis, 34 anos, em nada faz associar ao cargo de diretor de um programa polêmico como o Na Mira. Exibido na TV Aratu, emissora baiana afiliada ao SBT, o programa é caracterizado por mostrar o caos da segurança pública. Formado em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação da UFBA, passou pela TV Educativa como diretor esportivo e pelo jornal Correio*, onde escreveu mais de 100 perfis. Chegou à TV Aratu em 2005 e foi um dos idealizadores do programa Se Liga Bocão, exibido, hoje, na TV Itapoan, afiliada baiana da Record, dando início a uma série de programas denominados populares na Bahia. Ao afirmar que a programação da TV aberta passa o que as pessoas querem ver, esquece que a mídia tem função não só de mediar os acontecimentos, mas de despertar o interesse do público para o diferente. Amante das histórias de pessoas comuns, Pablo Reis conta como acabou nesse sistema bruto. qual foi sua trajEtória no jornalismo?

Meu interesse era ser repórter de jornal. Foi isso que mais me deu gratificação pessoal e profissional. Minha preferência inicial foi escrever sobre gente, principalmente pessoas anônimas que fazem alguma coisa relevante. Escrevi por volta de 120 perfis no Correio*. Depois tive que optar pela televisão que, financeiramente, é mais rentável que jornal. Fui para a TVE ser editor de esporte do programa Cartão Verde, meu primeiro contato com televisão. Cheguei à TV Aratu dois anos depois, exatamente na mesma semana em que Zé Eduardo veio para fazer a experiência de um programa de esporte. Minha monografia de conclusão de curso na Facom foi sobre o Programa do Ratinho. Por coincidência, falando sobre sensacionalismo na televisão. 24

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por Gustavo Mões e Renata Farias foto Julien Karl

Só que, nessa monografia, a minha visão era acadêmica. Comecei a entender o que o povo quer completamente por acaso. sEmprE quis fazEr programas quE sEguEm Essa linha popular?

Quando cheguei à Aratu, fui descobrindo o que era televisão e, com as nossas próprias deficiências, começamos a fazer coisas que ninguém estava fazendo por aí. A gente começou a ver que o povo não falava na televisão. Encontrei um cara como Zé Eduardo, que é muito esperto e muito sensível para entender isso. Acrescentando um cara, um maluco também que é Zé Bim, o programa foi o maior sucesso já visto na TV Aratu, o Se liga Bocão. Era o programa que posso chamar de popular de entretenimento. Não tinha nenhuma notícia, tinha umas aberrações, assistência social, umas coisas engraçadas, um pagode... Zé Eduardo saiu daqui [TV Aratu], e a gente veio com Casemiro [Casemiro Neto, atual apresentador do Que Venha o Povo]. Casemiro tem outro estilo, não é tão popular. A gente mudou um pouco o programa. Depois, Uziel apresentou a ideia de ter um programa policial. Para mim, era uma incógnita. Eu não sabia o que vinha pela frente, só achava que o programa não deveria ser exibido ao meio dia, e sim às 18h. A gente começou a fazer o programa com 45 minutos. Já se chamava Na Mira. Uziel apresentava e era o repórter. Esses caras trabalhavam praticamente 24 horas por dia. Começamos a ver que tinha muita morte, muito corpo aparecendo, os policiais ligavam... Começamos a mostrar corpo, cara sem braço, com tiro. Em seis meses, a gente, nesse horário em que a TV Aratu não tinha nenhuma audiência, já era vice-líder, perdendo só para a Globo. Decidimos fazer uma versão ao meio-dia e a gente começou a pegar pesado. Era pioneirismo, experimentando tudo. Eu não tenho orgulho de algumas coisas que já mostramos, não. Eu falo porque tem que ser dito. Foi feito e acabou. Se foi errado ou certo, a galera julga, mas é o que foi feito.


Até onde vai o limite legal do jornalista?

do coisas legais, fonte nova lotada, praias bonitas... ele é um urubuzinho, procurando um cadáver e quando acha, fica lá. O concorrente, como tem o ibope em tempo real, fica monitorando. Se o cara tá insistindo muito em alguma coisa é porque a audiência dele está subindo e ele vai explorar até o limite.

Ser jornalista é ser repórter. O jornalista tem o direito e o dever de ir fundo nas perguntas para saber o que ele quer. NesComo é produzir para um público com o qual o senhor nem se identifica? sa situação específica, eu considero que há um desequilíbrio. A capacidade do traNo começo, era uma tortura. Não era ideológico, nem sentimental. Eu não sabia balho vai ser medida de acordo com a proquem eram essas pessoas, como elas pensam, o que elas gostam, como atingir... fundidade das perguntas. O problema que É ter a humildade de admitir que você não sabe nada. Você não sabe nada que a peseu vejo é uma pessoa ficar à disposição de soa quer, o que a pessoa pensa, o que a pessoa planeja e então aprender com esse uma emissora de televisão por duas horas, pessoal. Eu sou absolutamente contra, por exemplo,o projeto de lei anti-baixaria. sendo que a pessoa está, naquele momenIsso está dizendo: vocês, povo, não têm condição nenhuma de decidir o que é bom to, sob tutela do Estado. Quando uma pespara vocês. Para mim, o povo é o maior censor, o maior regulador. Se isso é uma soa é suspeita de ter cometido um crime, é merda, se isso é ruim, eu, Pablo, não tenho o direito de dizer à maioria da população retirada do convívio da sociedade e passa a que ela está errada. Pelo contrário, eu tenho que aprender com eles e, se eu tiver ser responsabilidade do Estado. O que está muita convicção do que eu estou falando, tenho que dizer quais são os meios de acontecendo é a pessoa ficar em uma espéconscientizar aquele pessoal, o que eu posso fazer, mas eu não posso forçar. Eu cie de vitrine, por duas horas, a mercê dos não gostaria de ver minha mãe naquela situação. Se eu tivesse filha, não gostaria dissabores de uma programação de televide ver minha filha. E irmã muito menos. Mulher, namorada, pelo amor de Deus, são. Se entrar um intervalo ou uma matéria não queria. Mas eu vou chegar lá com um carro de som e dizer: ‘Atenção! Vocês melhor, a pessoa vai continuar ali. Não estou todos estão cometendo um delito, um atentado ao pudor e vocês vão todos queientrando no fato da falta de instrução da pesmar no inferno porque estão fazendo uma coisa erradinha.’ Não! Eles são adulsoa para se defender ou a não presença de um tos, já sabem o que fazem. Não posso controlar, porque isso não tem fim. É o advogado. Isso é outra questão que tem relaque o pessoal chama de censura. Isso não tem limite. Quem é que vai dizer, quem ção com defensoria pública e direito de defesa pode determinar um limite? Não tem como dizer isso. para todos. Estou discutindo o formato que se Como o senhor consegue lidar com tudo isso que é exibido no constata nesse programa: uma espécie de zooprograma e ainda ter uma opinião crítica? lógico de suspeitos. As pessoas não entendem a dimensão diabólica do que está acontecendo. Tem duas dimensões aí. Antes, eu saía daqui todos os dias arrasado, na merda, Não é ninguém que está invadindo delegacia pra f#$&$# mesmo. Vi uma cena de uma mãe chorando e meu olho começou a enfazer, é o Estado que está sendo conivente com a cher de lágrima, mas, ao mesmo tempo, eu não conseguia tirar minha atenção situação. O Na Mira não faz isso. O programa não da mulher. Depois de algum tempo, eu fui trabalhando para ver que isso exisvai além de noticiar o fato. Não vai lá dentro mante, que é uma realidade e cabe a mim definir o que outras pessoas querem ver. dando chamar fulano, não interfere. Não é a funDefinir não, porque não defino nada. Traduzir. Eu traduzo se outras pessoas ção do jornalista. querem ver aquilo ou não. Na minha opinião, a maioria das pessoas quer, sirvo só de canal. Eu não quero me envolver. Tenho um distanciamento. Provavelmente, um distanciamento que um advogado teria defendendo coisas que ele tipo de programa e desse conteúdo? não quer trazer para a vida dele. Lembro que, nessa época, eu fazia terapia, No público em geral, todo mundo quer ouvir a desaí conversei com minha terapeuta sobre isso e nunca vou esquecer o que ela graça alheia. As pessoas têm um prazer mórbido em falou: ‘No dia em que você conseguir decifrar a morte, vai ter total sucesso. ver a miséria. Não sei se isso está ligado ao público Como você não vai conseguir decifrar a morte, se conseguir explicá-la ou fade classe baixa. Tem um programa ótimo apresentazer com que as pessoas entendam que aquilo ali vai ser o destino de qualdo por Serginho Groisman chamado Ação, só mostra quer um, que qualquer um pode passar por aquilo, todo mundo vai querer coisa positiva. Comparando os ibopes desse prograver isso, porque as pessoas são fascinadas pela morte. É o maior temor e ma com o do Linha Direta, Ação tinha 15 por cento de o maior fascínio das pessoas.’ É uma questão de gosto, diferente da quespúblico e o Linha Direta 50. A promessa e a expectatitão de execução. É esse o trabalho da crítica. Não é dizer ‘isso é bom, isso é va lançadas sobre o Na Mira são outras. Isso é um pouruim’. Se o porteiro, lavador de carro, flanelinha disserem que o programa co tóxico. Se você sai da faixa crítica e vai para a faixa está bom, eu posso dormir tranquilo, porque ele é feito para esse público. de quem consome, você vê justamente isso: vou ligar a É dizer o que está bem feito dentro daquele compartimentozinho que ele tevê para ver o que está acontecendo. Aí você vê um hequer ocupar. Quando a gente começou a mostrar a morte, e ninguém fazia licóptero na tevê. Ele não tá ali sobrevoando, procuranisso, era uma audiência estúpida. O que explica a atração e o interesse por esse

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A voz que aconselha Há cinco anos no ar apresentando o Cá Entre Nós, Denise Magnavita mantém viva a participação do ouvinte de rádio por Júlia Moreira e Thiago Andrill foto arquivo pessoal

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uando a entrevista feita com Denise Magnavita para a realização deste perfil acabou, ela, que estava sem comer e fumar há quase cinco horas, tirou da bolsa um cigarro e isqueiro. Segundo Denise, não seria apropriado comer e fumar durante uma entrevista ou compromisso profissional. Seriedade e comprometimento, aliados ao bom humor, são características marcantes dela. A apresentadora do programa diário Cá Entre Nós, da Itaparica FM, divide o tempo entre as atividades de radialista, conselheira, estudante de psicologia, sendo também mãe, esposa e mulher vaidosa. Atenta ao visual, ela sempre usa acessórios dourados que combinam com seus cabelos loiros, volumosos e cacheados, e que expressam a sua personalidade. Há cinco anos no ar, Denise recebe ligações de ouvintes que buscam encontrar ajuda para conflitos amorosos nas suas palavras que transmitem confiança e amizade.

Apesar da competência e familiaridade com rádio, comunicação não foi a primeira opção de Denise no que diz respeito à escolha de uma carreira. Influenciada pela família, ela iniciou os estudos dedicando-se à medicina. Apesar de grande admiradora da profissão, Denise não se encaixava no ofício. Necessitou de terapia para contar aos pais que queria largar a faculdade e ajudá-la a descobrir a sua verdadeira paixão: a publicidade. Durante anos, trabalhou em agências, conquistando espaço no mercado da comunicação, até que um convite feito por um dos donos da TV Aratu lhe fez iniciar a carreira nas rádios. Um dos motivos que a fi zeram mudar de trabalho foi o desencantamento com o ofício que exercia nas agências de publicidade, mais especificamente com algumas práticas do meio. Sem experiência, Denise começou como gerente comercial da rádio Aratu. Em pouco tempo transformou a emissora em uma das mais ouvidas da cidade. O talento para a comunicação era indiscutível e, apesar de migrar para a televisão por um período, ela retornou para o que havia descoberto ser a sua vocação: a rádio. Após trabalhar em algumas emissoras, quando já estava na Itaparica, em

2007, criou o programa Cá Entre Nós, cujo nome foi ideia da filha, Raquel Magnavita. A energia e a inquietude de Denise são colocadas ao lado de uma aguda atenção e gentileza ao ouvir variados problemas dos ouvintes, que ligam para o programa motivados pela necessidade de terem alguém a quem confiar assuntos íntimos. Em tempos que a individualidade e a dinâmica social impedem que as pessoas prestem mais atenção umas às outras, Denise, no programa, mostra que esse cenário egocêntrico não é invariável, existem indivíduos dispostos a ajudar e ouvir outros, conhecidos ou não. As pessoas em sociedade estabelecem laços. Elas têm família, amigos, colegas de trabalho, companheiros e filhos, mas, um desconhecido, alguém que não está relacionado ao problema, e aos personagens deste, pode ser o mais indicado para, quando informado sobre a situação, aconselhar uma atitude. É isso que os ouvintes do Cá Entre Nós procuram. Denise é mãe, amiga e confidente. Com a sua forte percepção e comprometimento com o outro, é capaz de identificar, apenas pela voz, um ouvinte que já tenha ligado para o programa. A confiança depositada não é arbitrária. Ela consegue mostrar comprometi-

mento e cuidado com as dores de seus amigos desconhecidos, fazendo com que cada vez mais pessoas liguem para ela. O reconhecimento de ouvintes que já tenham entrado em contato e ligam mais uma vez para agradecer, contar como está, seus problemas, destacam a capacidade de Denise em escutar, prestar atenção e perceber o outro. Por meio de um único sentido, é feito um depósito de confiança que é, de alguma maneira, de ambas as partes. Apaixonada pelo trabalho, pelo funcionamento e papel da rádio, Denise sonha em um dia ter a sua emissora. A vontade de arrecadar fundos para a realização do projeto é explicada pelos custos elevados envolvidos no processo de elaboração, concretização e manutenção desse sonho. Ter uma rádio, segundo Denise, não é simples, nem barato. Entretanto, fazendo o esforço para desviar de possíveis adivinhações, caso ela consiga realizar o sonho, não será nada surpreendente se a sua rádio for dirigida com o mesmo comprometimento e energia apresentados todos os dias no Cá Entre Nós e que também demonstrou durante a realização dessa entrevista.

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passepartout

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aixar músicas, filmes, jogos e outros conteúdos na internet virou rotina hoje em dia, mas poucos sabem das repercussões que isso gera, não só no mercado da cultura e entretenimento, mas também para os artistas e desenvolvedores de softwares. Mesmo com parte desse conteúdo protegida por direitos autorais, a massificação da prática de download gerou grande insatisfação dos empresários e artistas, levando-os a fazer campanhas e se pronunciarem publicamente contra a livre circulação desses produtos na internet.

Conteúdo de graça Baixar conteúdo autoral na web ainda está longe de ser consenso

por Alice Mazur e Rafael Raña fotos Gabriel Cayres

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No Brasil, o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), instituição privada sem fins lucrativos composta por nove associações de autores do ramo da música, cuida de identificar e cobrar por toda execução musical pública. Segundo Márcio Fernandes, gerente executivo de arrecadação do ECAD, a intenção da instituição é defender os interesses dos milhares de titulares representados por estas associações. Embora reconheça que a internet é uma grande oportunidade para a indústria criativa, ela não deve ser isenta de regulamentação e cobrança financeira: “Os criadores querem que suas criações circulem na rede. Porém, conceitos fundamentais que norteiam nossa vida em sociedade devem ser seguidos, tais como respeitar o que é de terceiro, somente utilizar aquilo que é autorizado pelo seu titular e valorizar o trabalho dos artistas da música por meio do pagamento da retribuição autoral, contribuindo, dessa forma, para a continuidade da indústria musical”. Questionado sobre o download para uso pessoal, Fernandes diz que o ECAD não tem a intenção de controlar a liberdade na internet, mas classifica o uso não autorizado para reprodução como pirataria: “O ECAD trabalha exclusivamente na arrecadação e distribuição de direitos autorais de execução pública musical. Com isso, não há relação entre o seu trabalho e a pirataria propriamente dita, caracterizada pela reprodução não autorizada de obras artísticas, literárias e científicas,


apesar do ECAD se posicionar veementemente contra esta, uma vez que é prejudicial aos artistas”. Para Emmanuel Góes Boavista, que se consagrou como baixista e compositor da banda Jammil e uma Noites, e criou músicas famosas como “Milla” (com Tuca Fernandes), “Acabou”, “Praieiro” e “Ê, Saudade”, a internet pode ser uma maneira de divulgar o trabalho do artista e do compositor. Manno Góes acredita que, atualmente, o download de conteúdos protegidos por direitos autorais é algo inevitável: “Entendo que o consumo de música através de downloads é menos nocivo que a compra de CDs piratas. A troca de conteúdo pela internet é inevitável, assim como eram inevitáveis, antigamente, as gravações em fita cassete que trocávamos entre amigos”. Porém, embora acredite no potencial de divulgação de conteúdo autoral que a internet proporcione, Manno Góes ressalta que os interesses do autor deveriam ser respeitados: “A internet divulga e possibilita aos artistas promoverem seu trabalho. Disponibilizar sua obra para downloads é uma opção válida, desde que o seu

trabalho seja autoral. Mas, caso a obra seja composição de outra pessoa que não o artista, o direito do compositor deve ser prioritário, e cabe a ele aceitar ou não que sua obra seja disponibilizada na internet”. Góes não se posiciona a favor do livre compartilhamento de conteúdos autorais pela internet, mas ressalta que a receita obtida no ambiente online ainda é mínima em relação a outros meios de arrecadação, como shows, rádio, TV e ringtones, os toques de telefone celular. Enquanto o hábito coletivo de baixar conteúdos legalmente protegidos é um problema e prejuízo para alguns, outros não se incomodam e até se beneficiam do livre compartilhamento. É o caso de O Teatro Mágico, uma banda paulista que iniciou seu trabalho e adquiriu reconhecimento de maneira independente, sem o apoio de uma grande gravadora ou campanha midiática. O grupo de Osasco, que atua desde 2003, mescla apresentações musicais com teatro, circo, literatura e poesia. O Teatro Mágico faz parte do movimento Música Para Baixar (MPB), que promove a liberdade de compartilhamento de músicas pela internet e a

flexibilidade do direito autoral. Em determinada ocasião, explicando por que o site da banda, www.teatromagico.mus. br, usa “.mus” em vez de “.com”, o vocalista, Fernando Anitelli, disse: “Não tem ‘.com’ porque ‘.com’ é comércio, e o que a gente faz é música”. Porém, ao contrário do que sugere o comentário do vocalista, a banda possui algumas estratégias de mercado, como usar a internet para a divulgação de seu trabalho, reforçada pela distribuição gratuita de suas músicas. Durante os shows, além de incentivar seu público a “piratear” seu trabalho, a banda vende seus CDs a preços muito baixos, um atrativo para o consumidor e um desestímulo para a cópia não autorizada. O sucesso da banda na internet e o seu público crescente lhe renderam, em 2008 e 2009, convites para participar do programa Altas Horas e, em abril de 2010, uma participação na novela Viver a Vida, ambos da Rede Globo. Segundo o site do Teatro Mágico, “depois de oito anos de trabalho, mais de 400 mil CDs vendidos e o DVD ultrapassando 120 mil cópias, a trupe festeja”.

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“Se fosse o povo que me desse a fé, ela estaria acabada” O Monsenhor Gaspar Sadoc avalia a sociedade baiana e a Igreja Católica do alto de sete décadas de sacerdócio por Cristian Reis e Rafael Grilo

O

rdenado em 1941 e hoje aposentado das atividades religiosas, o Monsenhor Gaspar Sadoc tem 96 anos e 70 de ordenação. É considerado atualmente o grande orador sacro baiano. Tornou-se o primeiro vigário da Paróquia dos Santos Cosme e Damião, na Liberdade, onde permaneceu por sete anos, até ser transferido para a Paróquia Cristo Rei e São Judas Tadeu, localizada no bairro do Pau Miúdo, na qual exerceu o ministério por 17 anos. De lá, foi para a Paróquia N. Sª da Vitória, onde se estabeleceu por mais de 30 anos e fundou a Creche Escola N. Sª da Vitória e o Centro Médico e Odontológico. Não se limitando às funções eclesiásticas, atuou como professor de latim e história no Ginásio Dom Macedo Costa, nos colégios da Polícia Militar, Sophia Costa Pinto e na Escola Técnica, atual IFBA. Por encontrar-se impossibilitado de movimentar os membros superiores e inferiores, Sadoc concedeu esta entrevista acamado em seu apartamento, na Vitória. Acomodado em uma cama hospitalar, ele conta com a assistência de sete profissionais de enfermagem que, 24 horas por dia, revezam-se ao longo de dois turnos. Estrutura cedida por um hospital de Salvador. Mesmo debilitado fisicamente, o padre demonstra bom humor. 30   LUPA  •  passepartout

fotos Rodrigo Wanderley

Como se dá a aposentaria na Igreja Católica? Existe alguma cerimônia ou regras estabelecidas?

Não tem cerimônia. Simplesmente a pessoa, aos 70 anos, entrega o cargo, e o bispo determina outro. O povo pode fazer a festa, mas não há festa oficial da igreja para isso, mesmo porque aposentadoria não é para fazer festa (risos). Desde o início de sua trajetória na igreja até a sua aposentadoria, houve alguma mudança na relação entre os fiéis e o padre?

Nesse ponto, foi muito modificado. Sinto que havia outrora mais facilidade para a


Ninguém nunca me lembrou qual era a minha cor. Lembro que sou negro apenas quando me olho no espelho

logo outro meio de ficar sobrevivendo e fui ser professor. Fui professor toda a minha vida e me aposentei como professor, porque eu achava que ficava mais livre para trabalhar. Graças a Deus, gostei muito, muito mesmo. Tanto ensinei como aprendi durante esse tempo, então não tenho uma certa autoridade para falar das dificuldades encontradas. Na realidade, eu não encontrei dificuldades, mas sei que existe. O senhor já sofreu algum tipo de preconceito dentro da Igreja por ser negro?

condução do povo, embora houvesse um pouco de afastamento do padre do povo. Hoje, existe um envolvimento do padre, principalmente com a juventude. Ele está no meio de tudo, de viagens etc., o padre está bem comprometido, outrora não, ficava separado, longe, não gostava. Hoje está muito melhor. Quais mudanças na sociedade o senhor percebe ao longo desses anos?

O que mais faz impressionar é a liberdade demasiada com que as coisas são tomadas, o desrespeito para coisas essenciais. O respeito à vida, o sagrado respeito à vida, tão importante. No meu tempo, quando havia um crime, abalava a cidade toda, quase que ninguém trabalhava por causa daquilo. Hoje é comum três, quatro por dia e ninguém dá importância. Há uma mudança, por exemplo, nos modos e nos moldes femininos. Naquele tempo, as mulheres eram bem contidas, aquelas roupas tradicionais, brincadeiras inocentes. Hoje não, há uma espécie de liberdade. A mulher passeia,

dança. Naquele tempo, nem se pensava em uma coisa dessas, que uma pessoa fosse para o palco dançar, sambar. Eu não estou criticando, estou comentando, porque não é possível que a gente vá viver hoje com a cabeça e o coração de 50 anos atrás. O mundo vai evoluindo, e a gente tem que evoluir com o mundo, não tenha dúvida. Quem quiser ficar para trás que fique. Tenho que seguir a correnteza, agora tenha a sua personalidade, viva dentro da correnteza, mas mantendo a sua personalidade. Como um padre consegue o seu sustento?

O padre é um empregado, ele é um servidor do povo. Não deveria caber ao padre ter que providenciar o que quer e o que precisa, caberia ao povo saber o que ele precisa e providenciar, infelizmente o nosso povo não está acostumado com isso, talvez em algum lugar da Europa estejam mais habituados. Aqui não, o padre tem que providenciar um pouco a sua manutenção. Tem o que é chamado de dízimo, que a cada mês cada fiel dá uma quantidade para sustento do culto e do padre, outrora era um pouco diferente. Para cada coisa que o padre fazia recebia uma colaboração, por batizado, casamento, era uma coisa entre espontânea e sugerida. Não era obrigatório, era uma sugestão. Não gosto de a gente precisar disso. Quando me ordenei, procurei

Durante todos esses anos, não guardei ressentimentos. Ninguém nunca me lembrou qual era a minha cor. Lembro que sou negro apenas quando me olho no espelho. Em algum momento as dificuldades da vida abalaram a sua fé?

Minha fé não é abalada por nada disso. Se fosse o povo que me desse à fé, ela estaria acabada, mas não foi o povo que me deu e não pode tirar aquilo que só Deus me dá. Recentemente, o Papa Bento XVI afirmou que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma ameaça ao futuro da humanidade. Qual a sua opinião sobre o assunto?

O casamento sempre e em toda a parte foi tido como a união de um homem e uma mulher para a procriação. Esse foi o casamento instituído por Deus. Então não sei a evolução que estão tendo agora. É um pouco indisciplinada pelo menos. Deviam ficar com a vida que cada um tem, ninguém tem nada a ver com isso, cada um escolhe a sua vida, mas sem afronta aos outros. Essa igualdade que querem não pode ser, não é lógico. Eles têm a liberdade de serem assim, respeito a liberdade dos outros de serem diferentes, mas querer casamento, não, eu não entendo. É preciso que me expliquem, mas, eu não entendo.

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Ele tem éarte No teatro, no desenho e na restauração, Jorge Mendes vive de criatividade por Rafael Grilo e Cristian Reis foto arquivo pessoal

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o ônibus, a caminho de casa, após as atividades escolares, um garoto percebe que a senhora sentada ao seu lado olha para ele de maneira insistente, mais especificamente para uma cicatriz de queimadura em sua mão direita. Diante daquele olhar, um misto de repulsa e pena, o menino pensou em revelar que tal marca não passava de uma maquiagem realizada pelo seu professor durante a aula de teatro. No entanto, achando que tal atitude seria um desrespeito para com o talento e a irreverência do seu mestre, manteve a farsa. A senhora, ao notar que sua curiosidade não havia passado despercebidamente, de forma encabulada, falou para o estudante: “Também tive uma queimadura semelhante, foi bastante incômoda”. O comentário não apenas soou para o garoto como uma legitimação da competência de seu educador como também gerou naquele jovem a ideia de que ele vivia um personagem teatral. Jorge Lyrio Mendes, o responsável pela cicatriz do menino, hoje com 71 anos, sempre foi bem humorado, característica herdada do seu pai, que lhe ensinou a arte de fazer rir ao, por exemplo, responder da seguinte forma a um pedido de R$ 50,00 emprestados: “O quê? 40? Para que 30? 20 não chega, 10 é muito, toma 5, divide com seu irmão e traz o troco”.

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Cartunista, restaurador e professor de educação artística do Colégio Anchieta, em Salvador, há 22 anos, por onde passa com seus cabelos brancos, quase sempre cobertos por uma boina, óculos e uma barbixa também grisalha, é impossível não ouvir repetidas vezes seu clássico bordão: “Artista!”. A palavra tanto é proferida pelo mestre, quanto pelos alunos e conhecidos quando notam sua presença. “Na minha concepção, todo mundo é artista, basta respirar”, explica Jorge. “No início, eu me preocupava mais com a informação, hoje foco na formação”, avalia Jorge, que em uma de suas interações com os alunos, ao mesmo tempo em que exibe um slide com a caricatura de Bob Marley, na qual o cabelo do cantor consiste em folhas de maconha, também dança um Reggae, aproveitando para alertar sobre os riscos do uso de entorpecentes. “Durante todos esses anos nunca coloquei um aluno para fora da sala”, afirma de maneira orgulhosa o educador, embora admita


TRABALHOS DE RESTAURAÇÃO E ILUSTRAÇÃO FEITOS PELO ARTISTA

a necessidade de ser habilidoso para lidar com a dificuldade que julga existir na juventude contemporânea com relação ao cumprimento de regras. No colégio onde ensina, também coordena, há mais de uma década, graças à ideia de um dos seus alunos, o grupo de teatro Stardalhaço, formado por estudantes da instituição que se identificam com as artes cênicas. O grupo, além de se apresentar no colégio, também realiza performances em espaços como asilos e orfanatos. A trajetória do artista

Embora resida em Salvador há 40 anos, Jorge Mendes nasceu na capital do Rio de Janeiro, onde, na década de 60, ingressou na TV Rio, desempenhando o papel de comediante em programas como “Noites Cariocas” e “O Riso é o Limite”. Trabalhou com artistas como Chico Anysio e Roberto Guilherme, o Sargento Pincel do programa Os Trapalhões, que chegou a protagonizar um monólogo de humor escrito integralmente por ele. Ainda no Rio, Jorge começou a desenvolver técnicas de restauração de peças artísticas e de decoração feitas a base de cerâmica, porcelana e outros materiais. Sua prática nesse ramo começou de maneira experimental, já que ele não encontrou naquela época no Brasil qualquer curso na área. Depois de montar uma empresa de restauração com mais duas pessoas, passou a atender uma quantidade crescente de pedidos, inclusive de pessoas ilustres como a cantora Nara Leão e o então presidente Castelo Branco. Após desfazer-se da empresa, devido a divergências com seus

sócios, foi para Salvador em 1972 por intermédio de um comerciante que enxergou, na aptidão de Jorge, a chance de fazer bons negócios. Em 1981, foi contratado como restaurador de arte pela Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB) e, no ano seguinte, nomeado chefe do setor de restauração do Departamento de Museus pela Secretaria de Educação e Cultura. Há cerca de três anos aposentado da atividade de restaurador, Jorge explica que, na Bahia, os restauradores atuam de forma “ilhada”, isto é, não compartilham seus conhecimentos a ponto de não haver no Estado uma associação nessa área. Além disso, Jorge explica que, no âmbito estatal, existe um interesse pela aceleração dos métodos e critérios de restauração, o que pode gerar danos nas peças. “Levou-se um mês para se discutir os critérios de restauração da Pietà de Michelangelo. Aqui, muitas vezes, querem que se faça uma peça em um mês sem se discutir em momento algum”, desabafa Jorge. A partir de personagens como O Azarado, os índios Cão e Fúcio e o portador de Síndrome de Down, Xandinho, atuou na década de 70 como cartunista dos jornais Tribuna da Bahia e A Tarde, unindo o humor à crítica social. Também passou a desenvolver caricaturas, inspirado em expressões faciais que utilizava em performances teatrais. Após sete décadas, Jorge Mendes ainda esbanja alegria e criatividade, disparando com euforia a quem surge em sua direção: Artista!

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ILUSTRADO

POR:  PAULO DUARTE

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POR:  PAULO DUARTE

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