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especial CENAS DE UMA GUERRA

Foi um conflito como tantos outros. O fato de ter um repórter fotográfico brasileiro na guerra do Iraque foi marcante não só na carreira de Juca Varella, mas também no meio editorial. Com a cobertura quente de uma guerra que abalou o mundo, nosso colega dispara: Apesar de sentir muito medo, faria tudo de novo!

auta de conflito já tinha feito várias, em São Paulo, Brasília, Goiás; pautas perigosas, fuga de presos, tiroteio, mas nada se compara. Você pode passar horas tenso, mas depois vai para casa e volta para sua vida. Cobrir guerra, é uma pauta como outra qualquer, só que bem mais complexa; não tem essa de voltar pra casa depois que a pauta acabar ou quando quiser, além de correr o risco de não voltar.

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Proporcionalmente, foi a guerra que mais morreu jornalistas. Quem estava trabalhando, tanto os que estavam acompanhando as tropas invasoras quanto os que estavam em Bagdá que era o meu caso e do Sérgio D' Ávila não chegava a 600 profissionais, morreram 15; dá um pouco mais de 2% e não morreu esse número de soldados. Acho que o jornalismo fica cada vez mais rápido e essa rapidez exige que o profissional seja mais ousado. Hoje contamos com elementos de tecnologia que nos permitem transmitir as imagens do front. Essa guerra tinha o objetivo de arrasar um país que foi comprido e nesse bojo quem está do lado morre também. Os ataques feitos em Bagdá eram terríveis, teve uma noite que caíram quase 400 mísseis sobre a cidade. E a relação do povo iraquiano com a morte é diferente, ele põe bomba no corpo e se explode, apesar de estar em desvantagem no poderio militar. Então, o menor sinal de desobediência podia significar a morte.

Em P De Guerra

Prioritariamente, resolvemos o problema de transmissão de texto e foto porque a gente escondeu o nosso telefone satelital. Alugamos esse telefone em Londres, com sistema via satélite de alta tecnologia, uso restrito e controlado pelo governo iraquiano. Esse aparelho só poderia ser usado no Minitério da Informação, durante o dia, e era guardado lá dentro. A gente soube disso antes de ir para Bagdá, então decidimos esconder porque sem esse esquema não tinha como viabilizar uma cobertura quente. Com isso corremos muito risco; usar esse aparelho nessas condições é considerado ato de espionagem, podendo nos gerar prisão e expulsão do país.

Outra dificuldade era em relação ao controle que o governo tinha sobre a ação dos jornalistas. A circulação era restrita, Os iraquianos organizavam cities tours e só levavam a gente onde eles queriam: hospitais, bairros residenciais mais atingidos e instalações de infra estrutura; nunca em palácios ou áreas militares. Se quebrasse essa regra era expulso, como muitos foram.

Mas o pior era controlar a ansiedade; sabendo que tinha fotos boas pela cidade, que eles não estavam deixando mostrar nem a metade do que estava realmente acontecendo, e se segurar para continuar não só o trabalho, como também estar vivo. Eu tinha como meta cumprir essa pauta, e para isso eu não podia ser preso, nem expulso, nem me machucar ou morrer. Como repórter fotográfico, meu compromisso era ainda maior: o jornalismo brasileiro não tem uma cultura de enviar repórteres fotográficos para a guerra. Se acontecesse qualquer coisa, era mais um motivo para dizer que não vale a pena enviar um fotógrafo, eu tinha isso em mente o tempo todo.

Armamento

Usei o equipamento da Folha digital. Eu viajei com um Powerbook G3, uma grande angular 14 mm f2.8, duas zoom 28-70 mm f2.8, uma 70200 f 2.8, uma 500 mm f 4, um teleconverter f 1.4x e duas câmeras EOS ID que era minha câmera principal - e a DCS 520 que era uma câmera reserva e também servia de boi de piranha . Era proibido fotografar das varandas, de onde se viam os bombardeios e de onde mais fotografei. Então, quando a gente percebia que ia ter uma batida eu escondia minha câmera e deixava aquela à vista. Não teve um desses equipamentos que mais usei; só a câmera EOS ID que é mais rápida e tem uma qualidade superior. Também não teve uma lente de preferência; usei pouco a 500 mm. Achei que seria bom para pegar os bombardeios mas eles aconteciam tão perto que não foi necessário! Detalhe: todas as lentes estragaram. Pegamos pelo menos 3 tempestades de areia, duas das lentes estragaram lá mesmo; foram emperrando o sistema de auto focus. A areia tem textura de talco que penetra em qualquer lugar. As câmeras suportaram bem, só ficaram um pouco sujas.

Em termos de equipamento, não me senti atrás de ninguém; o que eu levei foi perfeito. Agora, a experiência pessoal, é lógico que foi um fator determinante. Nós nunca estivemos num bombardeio tão forte; tem jornalista que só cobre conflitos, é óbvio que esse cara circula com mais facilidade e dorme melhor.

Mil E Uma Noites

Antes de ir, nós sabíamos o que nos aguardava e apesar de não declarada, a guerra tinha um forte potencial para acontecer. Mas como nossa previsão de viagem era de 8 dias, ela poderia estourar e a gente não estar mais lá. Só que aconteceu exatamente no dia que a gente chegou. Nós tivemos problema de alimentação vários dias, ficamos sem comer mesmo. Nas primeiras semanas de guerra estava tudo fechado. A gente cobriu a guerra do lado do bombardeado até a ocupação de Bagdá, os saques foram depois da invasão. Precisamos sair de Bagdá porque estávamos sem grana e a situação estava muito tensa. Foi um dos momentos mais difíceis da cobertura. Dias antes, jornalistas tinham morrido naquele trajeto. Os check points americanos, que já estavam instalados na estrada, haviam sofrido atentados com homens-bomba. Foi o maior risco mesmo! Depois ficamos alguns dias fora, para se refazer e cobrir um poucoo outro lado dos americanos no Qatar. Foi o tempo necessário para derrubarem Bagdá; sem visto, sem fronteira e sem saber o que aconteceria, conseguimos entrar no primeiro comboio de volta, e para nossa surpresa, fomos novamente os primeiros jornalistas brasileiros estarem em Bagdá depois da derrubada. Nós reportamos a guerra de forma exclusiva até aí, depois começaram a chegar outros brasileiros.

Pra L De Bagd

A sensação mais forte era o medo. Eu não me arrependi. Cobrir uma guerra é o sonho de muitos repórteres fotográficos, só que lá a realidade é maior que o sonho. Não imaginava que o perigo fosse tanto e tão violento. Os mísseis vinham do céu e não se podia fazer absolutamente nada se um desses caísse muito perto. Se você sobe no morro do Rio, ou vai para Kosovo, corre outros perigos. Pode tomar um tiro, explodir uma granada perto e de alguma forma você tenta se proteger, se esconder, ou se jogar no chão, tem alguma reação na tentativa de se defender. Eu sentia que lá não tinha nenhuma defesa; se um míssel daqueles caísse perto, destruiria tudo. Essa sensação de impotência incomodava muito. E o que os mísseis não destruíram, o povo revoltado destruía depois. Eles saqueavam tudo e depois punham fogo. Os Estados Unidos não se preocuparam em manter uma mínima ordem social. A cidade não tinha mais instituição nenhuma: polícia, bombeiro, nenhum tipo de serviço e deixaram 4 milhões de pessoas desamparadas um verdadeiro caos.

Bonito Na Foto

Quando me fizeram a proposta de cobrir a guerra, coisa que sempre insisti com a editoria de fotografia, pedi 2 segundos antes de dizer sim. O Sérgio D'Ávila foi um dos grandes responsáveis, porque sem a sua influência não teríamos conseguido visto iraquiano e também, por reforçar que uma boa cobertura nunca vai ser feita por uma pessoa só. Entre medos e soluções para trabalhar e estar vivo, a conquista profissional foi merecida. Apesar de pessoalmente ter me tocado profundamente, o reconhecimento foi marcante. Essa pauta mudou meu olhar. A gente sempre acha que não fez tudo que poderia ser feito, mas fico tranquilo porque tenho certeza de que fizemos o melhor possível, que demos o máximo.

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