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Prefácio
Prefácio
Conheci o Daniel Meirinho e a Soraya Barreto em 2007, quando ambos vieram do Recife para o Mestrado em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa. Conheci primeiro a Soraya, estudante de um seminário que eu lecionava. Sabendo dos meus interesses de pesquisa, falou-me do Daniel, do seu interesse pela fotografia e por realizar intervenções no terreno junto de jovens em situação de vulnerabilidade social, dizia que ele era “muito ongueiro”, uma expressão que não mais esqueci. Nem de propósito: o primeiro encontro face a face foi na conferência de discussão dos resultados do projeto que coordenei, “Crianças e Jovens em Notícia” (2005-2007), na Fundação Calouste Gulbenkian, ainda nesse ano. Identifiquei no Daniel – como na Soraya – uma vontade imensa em avançar nos seus conhecimentos, em experimentar, em superar constrangimentos e em aproveitar ao máximo a estadia deste lado do Oceano. Como dizemos, em “arregaçar as mangas” saindo de zonas de conforto. Por isso estavam ambos em Portugal, sentindo na pele o Inverno húmido de Lisboa, tão diferente do calor perene do Nordeste brasileiro. Concluída a sua dissertação de mestrado com uma pesquisa sobre fotografia, tive o prazer de ter o Daniel como meu orientando de doutoramento, num projeto onde pretendia sistematizar, alargar o contexto e dar continuidade a uma experiência que já vinha de trás, o projeto Olhares em Foco. A orientação de teses de doutoramento pode ser isso mesmo, prazerosa, quando os estudantes estão mobilizados para a realização de pesquisas desafiantes, quando o orientador sente esses progressos e que está a aprender também com o que a pesquisa vai configurando, enquanto a discute e questiona. É este o trilho que tenho percorrido e
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que, no caso do Daniel, coincidiu com outros doutorandos – portugueses e brasileiros - também envolvidos na pesquisa sobre Media, Crianças e Jovens (Ana Jorge, Catarina Menezes, Conceição Costa, Daniel Cardoso, Juliana Doretto, Karita Francisco, Lídia Maropo, Maria José Brites, Raquel Pacheco), o que tornou possível a realização de estimulantes reuniões de discussão de textos de cada um. Aprende-se sempre com o olhar do outro, e é mais fácil dar conta do que não vemos por estarmos demasiado perto. Neste ambiente, e com a intervenção também do seu coorientador, Ricardo Campos, especialista em Antropologia Visual, o Daniel foi fazendo o seu caminho, consolidando conhecimentos e teorias, sem deixar de continuar a ser o ativista que é, procurando estar no terreno onde vivem jovens em situação de vulnerabilidade social, contactando com associações, sugerindo, disponibilizando-se. Cresceu como académico, consolidou a sua experiência de cientista social e de cidadão empenhando na promoção de direitos juvenis de participação. Nestes anos, o Daniel leu muito e investigou, foi para o terreno e esteve lá por períodos longos que culminaram com exposições na comunidade sobre o trabalho fotográfico realizado por jovens – sobre si mesmos, a sua família, o local onde vivem. O Daniel não esteve lá apenas: teve a preocupação da continuidade, pensando em formas de sustentabilidade destas intervenções, fazendo propostas, criando redes. Deu vida e conteúdo ao sítio na Internet associado ao projeto Olhares em Foco. Mobilizou-se e mobilizou energias. Por tudo isto, esta foi e é uma investigação que reúne conhecimento científico e compromisso social, e que merece ser conhecida como agora ocorre com esta publicação. As páginas deste livro, resultado da sua tese de doutoramento defendida em 2013, dão conta desta particularidade e podem ser lidas com sequências diferentes. Pode-se seguir uma ordem académica, como a que se apresenta no índice, começando pela discussão de conceitos e enquadramentos em torno da imagem, das identidades juvenis e dos contextos de exclusão. É um caminho mais lento, de consolidação teórica, antes de chegar à abordagem da fotografia participativa, que orientou o desenho da ação no terreno, e depois ao Projeto Olhares em Foco, realizado em três ambientes de vulnerabilidade social, no Brasil e em Portugal. Pode-se começar pela
segunda parte, entrando diretamente em contacto com o método Photovoice e com os modos como a pesquisa no terreno foi traçada, ou pode-se mesmo ir diretamente para a terceira parte, para a descrição e análise crítica dos resultados recolhidos, das dificuldades e das barreiras encontradas e daí ir atrás, aos primeiros capítulos, se se deseja conhecer melhor conceitos e o que a investigação tem produzido nestes temas. Em todos os caminhos, importa apreciar as conclusões e considerar as recomendações que encerram este percurso de investigação. Nesses processos de apropriação do texto inscrevem-se vários tipos de leitores: cientistas e estudantes de ciências sociais; responsáveis por políticas públicas de promoção de literacias mediáticas ou de intervenção social; educadores, animadores culturais e outros profissionais que trabalham com grupos populacionais, interessados na metodologia da fotografia participativa que aqui é apresentada; os próprios jovens, que podem discutir as representações aqui apresentadas e questionar-se sobre como responderiam às mesmas solicitações. Este é - pode ser - um livro aberto onde cada um encontre orientações e inspirações para os seus objetivos. Obrigada, Daniel, por esta pesquisa e pelos Olhares em Foco que se vão multiplicando.
Cristina Ponte Universidade Nova de Lisboa