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O VENDEDOR DE PÊSSEGOS — Conto tradicional japonês

Há muito, muito tempo, vivia numa pequena aldeia do longínquo Japão um jovem camponês. Dizer-se que ele era pobre é pouco, tão humilde era o seu modo de vestir, sempre o mesmo em qualquer época do ano.Tinha as solas dos sapatos sempre tão descosidas que quase podíamos dizer que andava descalço.

Sendo o mais novo de dez irmãos, só herdara dos pais uma leira de terra que ainda por cima ficava no cume de um monte árido e pedregoso. Mas que difícil era trabalhar aquele pedaço de terra! E quantas vezes ele subia e descia só para regar aquele terreno sequioso!

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Como podes imaginar, as raparigas da aldeia fugiam dele como da peste, pensando: “Que pelintra! Feio não é, nem antipático. Só que não tem um tostão!”

O acaso fez com que , no entanto, na aldeia vizinha e nas mesmas condições, vivesse uma linda rapariga. O único bem que tinha era a sua beleza e, quando o nosso jovem a foi pedir em casamento, os pais dela disseram-lhe: – A única coisa que te podemos dar é um caroço de pêssego. Bem sabemos que não é nada, mas tu és um excelente rapaz e, daqui a três anos, tantos quantos o pessegueiro precisa para dar fruto, poderás começar a vender os pêssegos e, então, ganhar alguma coisa…

O pobre camponês não podia ficar mais satisfeito, pois a rapariga era lindíssima e riqueza era coisa que não lhe interessava. Aceitou, portanto, o caroço de pêssego e, depois de alguns dias de namoro, casou com ela. O jovem estava completamente apaixonado pela rapariga, de tal modo que passava longas horas a contemplá-la. Até se esquecia de ir trabalhar no seu pedacito de terra. Por isso, o pouco arroz que servia de refeição ao casal depressa acabou. – Meu marido — disse, então, a rapariga-, não podemos continuar a viver assim. Felizmente, como sei desenhar, farei o meu retrato e tu leva-lo para o cimo da colina. Desse modo, quando tiveres saudades minhas, olhas para ele e já podes continuar a trabalhar. – Que bela ideia, mulher — alegrou-de o jovem. – Vou semear este caroço de pêssego que me deram os teus pais, e como para dar fruto necessita: de oito anos, o diospireiro, de nove, o limoeiro mas só de três castanheiro e pessegueiro,

dentro de algum tempo teremos com que matar a fome.

Naquela noite a rapariga desenhou o seu retrato à luz fraca da candeia de azeite e, na manhã seguinte, ofereceu-a ao marido, que o levou para o campo. Enquanto cavava, se sentia saudades da mulher, bastava-lhe levantar os olhos. Como tinha pendurado o retrato no cimo de uma grande vara, podia vê-lo de longe.

Estava ele a semear o caroço de pêssego, quando, de repente, se levantou tanto vento que fez baloiçar a vara. O retrato, pintado num levíssimo papel de arroz, soltou-se e começou a voar. Pousada a enxada, o jovem correu no encalço da folha, mas em vão:

num curto espaço de tempo o retrato desapareceu. Tristíssimo, o camponês teve de voltar ao seu trabalho.

Entretanto, a folha prosseguia a sua corrida pelo céu. Quando aquele vento furioso acalmou, o retrato, volteando como um papagaio de papel, pousou no chão. E onde havia ele de pousar?

Ficas a saber que, a poucas milhas da colina, se erguia o palácio de um grande samurai. Quando não havia guerra, o poderoso senhor ficava muito aborrecido. Naquela manhã, estendido numa esteira, bebia lentamente uma chávena de chá, de vez em quando, bocejava.Foi então que a folha veio cair mesmo diante dele. – Mas que é isto?— surpreendeu-se. _ Ah, que linda rapariga!... Nunca vi uma beleza assim. Guardas! Procurem em todas as aldeias e tragam-me a rapariga deste retrato! Quero arranjar mulher e esta linda rapariga vem mesmo a calhar.

Dizendo isto, o samurai entregou o retrato ao chefe dos guardas e, daí a pouco, um bando de soldados partiu à rédea solta do palácio. Em poucas horas encontraram a rapariga. De nada lhe valeram choros e súplicas. Os guerreiros do samurai, inflexíveis, fizeram-na montar num cavalo e deram início à viagem de regresso.

Não podes imaginar o sofrimento do rapaz quando, ao regressar à pobre choupana, não encontrou à espera a sua encantadora esposa.Desesperado, arrancou os cabelos e vagueou como um louco pelas redondezas em busca da sua amada. Mas em vão.

E assim passaram três longos anos: o samurai obrigara a rapariga a casar com ele e esta tivera de se vergar perante a violência e as ameaças daquele homem prepotente. No entanto, desde o dia do casamento que se fechara num silêncio absoluto.Naquela boca delicada deixara de se ver o esboço de um sorriso e nem um lampejo de alegria lhe perspassava nos lindos olhos.

Um dia, a rapariga e o novo marido estavam a almoçar no terraço do palácio quando, vindo da rua, se ouviu um curioso pregão: Para dar fruto necessita: de oito anos o diospireiro, de nove o limoeiro, mas só de três castanheiro e pessegueiro!

A jovem estremeceu e esboçou um ligeiro sorriso: era a voz do seu primeiro marido!

Fico muito satisfeito por te ver sorrir! -exclamou o samurai. _ Esta lengalenga é divertida, não é? Vamos ver quem a está a cantar — e debruçou-se do terraço. _ Ah! É um pobre vendedor de pêssegos… Eh! Guarda, deixa entrar aquele homem!

O vendedor de pêssegos entrou, fazendo uma vénia. – Chega aqui! — disse-lhe o samurai. – Acho que és capaz de divertir a minha mulher, que está sempre tão triste. Vamos ver se consegues que eu também a faça sorrir. Dá-me a tua roupa e veste a minha. Vou experimentar cantar a tua lengalenga!

E, se bem o disse, melhor o fez. O jovem vestiu a roupa do samurai, e o samurai a do jovem. Em seguida, o senhor desceu as escadas com o cesto de pêssegos e começou a gritar:

Para dar fruto necessita: de oito anos o diospireiro, de nove o limoeiro, mas só de três castanheiro e pessegueiro!

Depois, erguendo o olhar em direção ao terraço, acrescentou: – Estás a divertir-te, minha esposa?

Mas não obteve resposta. Então, o samurai voltou a aproximar-se do portão do castelo com a intenção de entrar. Mas o guarda,vendo-o tão mal vestido, não o reconheceu e ordenou-lhe: – Já chega de conversa, bom homem! O jogo já durou muito tempo. Os teus pêssegos já foram vendidos ao meu amo. Agora, vai-te embora! — E fechou-lhe o portão na cara.

Daí em diante, o grande samurai teve de continuar a vender pêssegos, chamando a atenção dos compradores com a lengalenga habitual. E, enquanto isso acontecia, o jovem camponês e a esposa, agora ricos, viviam na mais perfeita felicidade.

[Fonte: Os mais belos contos do mundo, Editora Civilização, pp. 21-26.]

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