TFG Acessibilidade em Patrimônio Cultural

Page 1



Universidade Federal Fluminense Escola de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação

Acessibilidade em Museus e Centros Culturais: Um Estudo de Casos Sobre Inclusão em Patrimônio Cultural

Beatriz de Abreu Komatsu Autora Sérgio Rodrigues Bahia Orientador Vinícius Netto Supervisor Regina Cohen Convidada Augusto Fernandes Marcos Lima Consultores Carlos Leitão

Semestre: 2014/2


Agradecimentos

Descobri como é bom chegar quando se tem paciência. E para se chegar onde quer que seja, aprendi que não é preciso dominar a força, mas a razão. É preciso, antes de mais nada, QUERER. ALMYR KLINK 4


Agradeço primeiramente à Deus, que me guiou até aqui. Dedico este trabalho à minha avó, a quem devo cada conquista. Quem nunca mediu esforços para garantir o meu futuro. À minha mãe, minha melhor amiga e companheira de guerra: sem você nada seria possível. Aos meus irmãos Sophie e Fabrício. Agradeço à Marianna Mendes, pela viagem que me levou à igreja dos profetas de Aleijadinho, onde descobri minha vocação e deu início a essa jornada. Ao Moisés Corrêa, pela noite chuvosa em que me provou que não existe distância ou hora para amparar um amigo em apuros. À minha tia Jô por me ajudar a manter a fé. Ao tio Joaquim e à tia Sônia por estarem sempre ali dispostos a nos ajudar. À Regina Bienenstein e a toda equipe do NEPHU por todo o aprendizado na área social e pela experiência em atuação multidisciplinar. Ao Ciro Sepúlveda, por todo o carinho, confiança e aprendizado. À Marina Gonçalves e ao Dr. Alexandre Simões pela “força tarefa” nessa reta final. Mais do que isso: pelo carinho, pelo cuidado e pela dedicação. Mas esse trabalho não seria possível sem diversas contribuições. Agradeço ao Sergio Bahia por aceitar o desafio de orientar uma formanda completamente desorientada. Agradeço toda paciência, toda dedicação e pela enriquecedora troca em cada reunião. Ao Marcos Lima, Carlos Leitão e à Jackeline Sampaio por toda ajuda ao longo do trabalho. Ao Augusto Fernandes por me mostrar que eu nada sabia de acessibilidade, pelo aprendizado e por todo apoio ao desenvolvimento deste trabalho. Se eu fosse citar nome por nome de todos os anjos que foram surgindo, esse texto acabaria maior que o próprio TFG. Deixo então meu muito obrigada a todos os amigos e familiares que sempre torceram por mim, à todas as mãos que ofertaram assistência nos momentos de maior dificuldade, aos gestos de carinho e solidariedade, que foram essenciais para que eu mantivesse minha persistência até aqui. 5


6


Sumário 01.Prefácio............................................................................09 02.Introdução........................................................................10 03.Metodologia......................................................................15 04.Conceitos e Definições....................................................25 Patrimônio..................................................................26 Acessibilidade............................................................27 Deficiência..................................................................30 05.Legislação........................................................................33 06.Museus de Referência.....................................................39 Victoria & Albert Museum...........................................40 Museu da Batalha......................................................46 07.Exposições de Referência...............................................51 Cidade Acessível........................................................52 Ver e Sentir Através do Toque....................................54 Ruhr Museum.............................................................58 08.Estudos de Casos............................................................63 Centro Cultural Oduvaldo Viana Filho........................64 Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro...............70 Fundação Casa de Rui Barbosa................................76 09.Órgãos de Patrimônio......................................................82 10.Papel do Arquiteto............................................................85 Imersão......................................................................89 Sobre Rodas....................................................90 Na Escuridão...................................................94 11.Análise de Resultados.....................................................99 12.Conclusão......................................................................105 13.Referências....................................................................108 14.Anexos............................................................................110 7


“...percebi que não bastava só educar, tentar incluir a pessoa com deficiência, percebi que havia um vazio que precisava ser preenchido para que a pessoa com deficiência alcançasse seu objetivo, que é o mesmo de todas as pessoas: o direito ao trabalho, ao lazer, à vida. Resolvi então, que não mais trabalharia só com as pessoas com deficiência e passei a trabalhar com a sociedade, essa sociedade que separa as pessoas em ilhas, formando guetos, promovendo a exclusão e não entendendo que só existe uma sociedade, onde todos devemos ser respeitados como seres humanos, como iguais...” (ROSENFELD, Ethe. Acessibilidade Quantas Faces, in LICHT, Flávia Boni. e SILVEIRA, Nubia (Org). Celebrando a Diversidade, Pessoas com Deficiência e Direito à Inclusão. São Paulo, 2010. pág 62)


Prefácio

A Cidade do Rio de Janeiro possui um rico patrimônio cultural e arquitetônico, mas que ainda apresenta grandes barreiras que restringem que esses bens possam ser apreciados e vivenciados por todos. Os espaços culturais em edificações históricas na Cidade do Rio de Janeiro apresentam condições de acessibilidade, quando existentes, que se limitam em sua maioria a garantir um acesso alternativo, uma rampa improvisada, uma rota que não permite autonomia nem acompanha o percurso expositivo, reduzindo o aproveitamento da exposição. O tema acessibilidade têm entrado cada vez mais em pauta de debates e discussões, mas o que significa de fato a palavra inclusão? É importante que haja a garantia de uma acessibilidade que vá além do espaço físico. Que considere que ela contribui para a garantia do direito constitucional de livre acesso não somente à saúde, ao emprego e à educação, mas também ao lazer e à cultura, a todos, sem distinção. 9


Introdução


A ideia para este trabalho surgiu de uma inquietação. Uma angústia que permeou o desenvolvimento do projeto de restauração do Museu Antônio Parreiras (MAP), em Niterói, no semestre anterior em disciplina curricular. Ao introduzir a acessibilidade, percebi que era necessário um entendimento sobre o funcionamento do museu, e mais do que isso, do percurso expositivo, ou seja: a acessibilidade em museus e centros culturais ia muito além do mero acesso ao espaço físico. Afinal: O que os órgãos de patrimônio entendem por acessibilidade? Até que ponto as adaptações são permitidas? Como os museus do Rio de Janeiro estão realizando ou preveem realizar as adaptações? Qual o cenário atual? E a tendência para os próximos anos? Será que somente cumprir as determinações normativas é suficiente para a garantia da acessibilidade plena? Estava ali, então plantada todas as dúvidas e angústias que deram origem a este trabalho. 11


Aos poucos, com a experiência de 1 ano e 2 meses atuando na área de acessibilidade, fui consolidando a ideia de que a deficiência não está nas pessoas, mas sim em espaços físicos mal planejados ou mal adaptados. Aprendi a desenvolver um novo olhar, uma nova percepção: a das pessoas que possuem algum tipo de deficiência física ou mobilidade reduzida. Passei a compreender a diferença entre exclusão, segregação, integração e inclusão. Em bens históricos, sabemos por experiência própria que no Rio de Janeiro são raros os casos em que encontramos a integração. Em sua grande maioria nos deparamos com os dois piores cenários. Mas então por que estudar justamente um cenário tão desfavorável? A questão não é avaliar se há a acessibilidade, mas na identificação das barreiras e dificuldades para sua implementação e como está o cenário atual não somente físico, mas em termos de gestão e atendimento à pessoa com defici-

ência. Afinal, temos no Brasil um aparato legal consistente no que se refere somente à acessibilidade, onde se destacam as NBR 9050/04, a Lei nº1098/00 e o Decreto 5296/04. No que concerne à acessibilidade relacionada aos bens preservados, temos a Instrução Normativa nº1/2003 do IPHAN, que dispõe sobre a acessibilidade aos bens culturais, e mais recentemente o caderno nº9 do IPHAN sobre acessibilidade em centros históricos representando um esforço em inserir em bens tombados as adaptações necessárias, “sempre que possível”, para a garantia da acessibilidade plena. Mas, e na prática? Como isso funciona? Para obter tantas respostas era preciso andar muito, bater em muitas portas. Mas quantas portas estariam abertas para um tema tão complexo? Quando se trabalha com acessibilidade em bens patrimoniais, há também a barreira da acessibilidade em termos de pesquisa. 12


Este caderno foi estruturado seguindo a linha de desenvolvimento do trabalho. Nos primeiros capítulos temos a metodologia de trabalho seguida pela a parte teórica, com conceitos, definições e a cronologia com os principais marcos relacionados ao tema. Há também o compromisso social do arquiteto em buscar soluções criativas que possam ir além dos parâmetros determinados pelas normas para lidar com as leis de preservação sem limitar a acessibilidade à condição da segregação. Para isso buscou-se referências no Brasil e no exterior, tanto de Museus quanto de exposições acessíveis, tema abordado no capítulo 6 em Casos de Referência. No capítulo 8 “Estudos de Casos”, os resultados das visitas e entrevistas realizadas nos 3 imóveis com características diferenciadas com o intuito de montar um panorama atual da acessibilidade no patrimônio cultural do Rio de Janeiro, e já no capítulo 9, o resultado obtido junto aos órgãos de patrimônio nas três esferas: federal, estadual e municipal. No capítulo 10, sobre o “Papel do Arquiteto”, busca refletir sobre a importância de se bus13

car um entendimento além das normas, e que novas dimensões poderiam ser consideradas na atuação profissional do arquiteto e urbanista em prol de espaços culturais acessíveis a todos. Em seguida, no capítulo 11 é feita uma análise comparativa dos dados das visitas tanto física quanto em termos de gestão e atendimento, no intuito de identificar os principais desafios nesse processo de adaptação desses imóveis e quanto à mudança na percepção da própria gestão com relação ao tema, retomando assim, às questões levantadas inicialmente. Como os Órgãos de Patrimônio encaram as adaptações? Quais os projetos em andamento ou em previsão, tanto a nível físico quanto em capacitação dos funcionários? Atualmente os museus possuem algum tipo de atendimento, mesmo que pontual para receber pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida? Enfim, o que se deseja é refletir sobre formas de conciliar a questão da preservação do patrimônio com as adaptações necessárias para a acessibilidade plena.



Metodologia

Com base no aprendizado adquirido nos últimos estágios e no próprio curso, começou-se a organizar o material de pesquisa existente e a buscar novas fontes de pesquisa. Em seguida passou-se para o preparo do material para o trabalho de campo, com o mapeamento dos museus e centros culturais existentes no Rio de Janeiro. A análise começaria a princípio por imóveis dentro de um circuito cultural, localizados na área central do Rio de Janeiro, pois inicialmente a ideia seria permitir a expansão da análise para as rotas acessíveis entre os prédios. Contudo, devido a complexidade do tema e como o enfoque do trabalho era nas edificações e não em sua localização, a escolha passou a priorizar as características de cada imóvel, buscando compor uma amostra heterogênea. Mesmo compreendendo ser uma pesquisa com possibilidade de continuidade, era importante que a amostra formasse um panorama do cenário atual da acessibilidade nos museus e centros culturais do Rio de Janeiro, portanto, foram escolhidos exemplares com características diversificadas, no intuito de obter dados complementares. Foram selecionados os seguintes imóveis: 15


4

5 2

Legenda 1 - Centro Cultural Oduvaldo Viana Filho (Castelinho do Flamengo) 2 - Museu de Arte Moderna (MAM/RJ) 3 - Fundação Casa de Rui Barbosa 4 - Museu de Arte do Rio (MAR) 5 - Museu Nacional de Belas Artes (MNBA)

1

3

16

fonte: google


Construção

Última Reforma

Estilo Arquitetônico

Centro Cultural Oduvaldo Viana Filho

1916-1918

1989-1992

Art Noveau

Municipal

Museu de Arte Moderna

1967-1968

1999

Moderno

Municipal

1849-1850

Déc 70/80

Neoclássico

Federal

1906-1908

-

Eclético

Federal

1912/1929

2013

Eclético/ Modernista

Municipal

Museu/Centro Cultural

Fundação Casa de Rui Barbosa Museu Nacional de Belas Artes Museu de Arte do Rio

Esfera de Gestão Tombamento Municipal

Investimentos -

Privado/Pede ajuda pública Ministério da Federal Cultura Ministério da Federal Cultura Privado

Privado

Privado

Centro Cultural Oduvaldo Viana Filho (Castelinho do Flamengo) Museu de pequeno porte em estilo art noveau, construído originalmente para ser uma residência, tombado em esfera municipal, gestão municipal, com exposições temporárias e atividades culturais.

tão e investimento federal. Embora diversas tentativas tenham sido realizadas, não foi possível obter autorização para a inclusão do imóvel neste trabalho. Contudo, foi realizada uma visita a uma exposição e alguns itens puderam ser preenchidos na planilha de resultados.

Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ) Museu de grande porte, moderno, construído para ser um museu, tombado em esfera municipal pelo conjunto do parque do flamengo, de gestão privada, com investimento privado (patrocínio), exposições temporárias e permanentes.

Museu de Arte do Rio (MAR) Museu reformado recentemente, de gestão privada, sendo um dos prédios tombado em esfera municipal. O Museu é composto pela união de duas edificações, uma em estilo eclético, o antigo Palacete D. João VI e o prédio modernista que abrigava o antigo terminal rodoviário.

Embora diversas tentativas de contato tenham Fundação Casa de Rui Barbosa sido realizadas, percebeu-se certa dificuldade Museu Casa, neoclássico, tombado em esfera para obter a autorização para a visitação do federal, gestão e investimento federal. MNBA e do MAR, motivo pelo qual esses imóveis não puderam ser incluídos na pesquisa. O Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) Museu Nacional de Belas Artes foi incluído na Construído originalmente como museu, em esti- planilha geral, mas foi analisado durante uma vilo eclético, tombado em esfera federal, de ges- sitação comum. 17


Com base na NBR9050, foi elaborado um checklist de acessibilidade organizada por ambientes de modo a otimizar o trabalho de campo e compreender como as normas estão sendo aplicadas em caso de adaptações de bens tombados. Além disso sua aplicação teve um caráter também informativo. Foi possível observar durante as visitas que os funcionários em sua maioria não esperavam que existissem tantos itens relacionados à acessibilidade. Durante a visita foram observados aspectos não somente físicos, como também referentes à serviços e atendimento às pessoas com deficiência e mobilidade reduzida.

18


Modelo em tamanho original em Anexo

19


20


Após a visita, de modo a complementar o checklist, foram realizadas entrevistas com funcionários no intuito de compreender o perfil da gestão, a previsão de intervenções para adaptação para acessibilidade e o entendimento do museu sobre o tema. As entrevistas eram um momento de troca, pois embora houvesse um roteiro com perguntas, a entrevista era aberta, permitindo, como no caso da Casa de Rui Barbosa, terminar em um debate. Foi montada uma segunda planilha para comparação dos dados, reunindo as informações do checklist e das entrevistas, formando um quadro comparativo de resultados por cores em função do tipo de resposta/resultado. Com isso é possível formar uma imagem com a visão geral da condição atual de acessibilidade dos museus e centros culturais analisados tanto a nível físico quanto a nível de gestão. 21


Roteiro entrevista Órgãos de Patrimônio Roteiro de Entrevistas: 1) Como é feita a análise de um projeto de acessibilidade em bens tombados pelo (nome do órgão)? O que é avaliado em termos de acessibilidade?

2) É avaliada a instalação de equipamentos tecnológicos voltados para acessibilidade?

6) Nos projetos de reforma/restauração que estão em análise, já está sendo feita as adaptações para acessibilidade? Em que nível?

7) Em imóveis com tombamento em várias esferas, como funciona o processo de autorização para reformas para acessibilidade?

3) Qual o documento, norma, lei de referência para o (nome do órgão) utilizados para avaliação técnica de Acessibilidade?

8) Já houve algum conflito em alguma obra onde alguma adaptação não foi executada por ameaçar as leis de preservação? É frequente? Como esses casos são resolvidos?

4) Qual a visão do (nome do órgão) sobre a adaptação de bens preservados/tombados para acessibilidade?

9) Vocês possuem contato com organizações ligadas à pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida?

5) Qual seria na opinião e experiência de vocês a melhor forma de realizar as adaptações necessárias para a acessibilidade em prédios históricos? É possível garantir uma acessibilidade que permita à pessoa com deficiência ter total autonomia?

22


Buscou-se também contato com os órgãos de patrimônio: Instituto do Patrimônio Histórioo e Artístico Nacional (IPHAN), Instituto Estadual de Patrimônio Cultural (INEPAC) e Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), respectivamente nas esferas: federal, estadual e municipal. Foi elaborado um roteiro de entrevistas no intuito de buscar o posicionamento dos órgãos no que se refere às intervenções em bens tombados para adaptações para acessibilidade. Contudo, houve pouca resposta, o cenário foi pouco animador e os dados obtidos foram insuficientes para serem incluídos no trabalho. Foram realizadas visitas a exposições, para obter exemplos de referência de exposições acessíveis, assim como foram pesquisados museus de referência em adaptação para acessibilidade tanto no Brasil quanto no exterior, de modo a trazer exemplos de soluções para acessibilidade já executados em patrimônios culturais. Compreendendo que acessibilidade em patrimônio cultural é um tema multidisciplinar, as pesquisas buscaram diversificar as fontes bibliográficas, de modo a compreender as questões em toda a sua complexidade. Com isso temos autores das seguintes áreas/especialidades: social, patrimônio, arquitetura e acessibilidade. A pesquisa também contempla a parte de legislação, normas 23

e decretos, além da participação em palestras e seminários sobre o tema. Contudo, acreditando que o melhor aprendizado é a prática, é a vivência, foi incluído um relato pessoal de uma experiência realizada através de um programa interno do Rio2016 de uma experimentação de cadeira de rodas, da qual participei na modalidade Extreme (que significa passando meio expediente trabalhando em uma cadeira de rodas incluindo a saída para o almoço em restaurante). Decidi também fazer um laboratório de deficiência visual e auditiva, aproveitando a oportunidade da Exposição Cidade Acessível também disponibilizar a infraestrutura necessária. Infelizmente, embora houvesse abafadores na exposição, descobri só ser possível vedar o áudio das TVs, então não foi possível experimentar a privação total da audição. Mas as experimentações realizadas foram de grande enriquecimento. Compartilho meus relatos no capítulo 11 e já adianto meus agradecimentos ao Rio2016 e à Exposição Cidade Acessível. A partir das experimentações houve a necessidade de buscar consultoria de pessoas com deficiência para o esclarecimento de dúvidas que surgiram, principalmente no que concerne à deficiência visual, por ter percepções/demandas em um nível mais sensorial do que técnico.


“ A segregação é a maneira

como a sociedade diz a um grupo de seres humanos que eles são inferiores. KENNETH CLARK

“ O ser humano possui um importante valor... Por mais que o rotulem e o avaliem, ele continua sendo, acima de tudo, uma pessoa. CARL ROGERS


Conceitos e definiçþes

25


UFRJ, 1997) Para garantir a salvaguarda do patrimônio foi criada A preocupação com a através da Lei nº 378 o Instipreservação do patrimônio sur- tuto do Patrimônio Histórico e ge pela primeira no Brasil na Artístico Nacional (IPHAN) em Constituição de 1934, que refe- 1937, a Divisão do Patrimônio re como competência da União Histórico e Artístco (DPHA) em e dos Estados “proteger as be- 1965, se tornando o Instituto lezas naturais e os monumen- Estadual do Patrimônio Cultos de valor histórico ou artísti- tural (INEPAC) em 1975, em co, podendo impedir a evasão 1986 é criado o Departamento de obras de arte.” (Constituição Geral de Patrimônio Cultural Federal de 1934, Art 10/III). (DGPC), que em 2012 se tor Patrimônio é um conjun- naria o Instituto Rio Patrimônio to de obras às quais são atribu- da Humanidade (IRPH). ídas um valor. “o valor cultural que se atribui a esses bens tende a ser naturalizado, sendo considerado sua propriedade intrínseca, acessível apenas a um olhar qualificado.” (FONSECA. Patrimônio em Processo. Rio de Janeiro, PATRIMÔNIO

26


ACESSIBILIDADE Ao longo dos anos, diversos órgãos e entidades publicaram suas definições de acessibilidade: “Possibilidade e condição de alcance para a utilização com segurança e autonomia dos espaços, mobiliários e equipamentos urbano, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida.” (Normativa Nº1 IPHAN, 2003) “Possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para a utilização com segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos.” (NBR 9050/2004) Contudo, ao longo dos anos, a percepção de acessibilidade passou a ir muito além do atendimento às pessoas com deficiência, compreendendo que o desenho universal, ou universal design, atenderia a todos. O conceito de acessibilidade como agente integrador, passou a ser entendido como um conceito de inclusão.

fonte: ddhccreremas.blogspot.com.br

Diferença entre exclusão, segregação, integração e inclusão: Exclusão: Quando não há acessibilidade. Segregação: Quando há locais separados, acessos por outras entradas do prédio, fluxo expositivo diferenciado e exposições em salas reservadas, dentre outros. Integração: Quando há uma entrada próxima, porém exclusiva. Quando por exemplo, em um mesmo ambiente há mobiliários ou itens específicos para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Inclusão: Quando todos utilizam o mesmo acesso, o mesmo mobiliário (desenho universal), os mesmos serviços, as mesmas salas, o mesmo percurso (rota). 27


Características da População

16%

18%

22%

36%

8% População sem deficiência e sem mobilidade reduzida

Pessoas com uma deficiência

Pessoas com mais de uma deficiência

Gestantes (mães que tiveram filhos)

Idosos (acima de 60 anos)

Dados: IBGE/2010

28


de?

Mas para quem de fato é a acessibilida-

Segundo o levantamento do IBGE, o estado do Rio de Janeiro em 2010 possuía 15.989.926 milhões de habitantes, com estimativa de chegar a 16.461.173 milhões para o ano de 2014. Deve-se considerar que a acessibilidade não atende somente as pessoas com deficiência. Gestantes, pessoas com carrinhos de bebê, idosos, obesos e pessoas que sofreram acidente ou estão se reabilidando de alguma enfermidade, precisam de acessibilidade. Pessoas com nanismo também precisam de acessibilidade. O censo do IBGE infelizmente não forneceu todos os dados necessários, mas já é possível perceber que no mínimo 82% da população precisa de acessibilidade. São as pessoas consideradas com “preferência em atendimento”. Mas até mesmo os 18% da população considerada sem deficiência ou mobilidade reduzida, também podem precisar eventualmente de acessibilidade. O censo do IBGE não registra quantas pessoas possuem mais de uma deficiência e quais são, mas é possível fazer o cálculo pela população total, pois outro dado é justamente que temos uma população no estado de 8% com mais de uma deficiência. Isso significa que as soluções em acessibilidade não podem ser pontuais, específicas para uma ou outra deficiência e reflete a importância da acessibilidade plena. Acessibilidade portanto, é para o usufruto de todos!

29

“ são os próprios espaços que devem ser considerados deficientes ao não se adaptarem ao conjunto de pessoas com suas diversas diferenças” (COHEN. Regina; DUARTE, Cristiane Rose de S; BRASILEIRO, Alice de Barros H. e SILVA, Osvaldo Luiz de Souza. Metodologia para Diagnóstico de Acessibilidade em Centros Urbanos: Análise da Área Central do Rio de Janeiro. UFRJ. 2013)

“O alcance da acessibilidade passa indubitavelmente por superar importantes barreiras, não físicas, invisíveis mas tremendamente potentes: nos referimos às barreiras psicológicas, culturais e sociais” (UBIERNA, José Antônio Juncá. apud: BAHIA, Sergio. Município e Acessibilidade, 1998)


DEFICIÊNCIA O que é segundo cada órgão/entidade: “pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência congênita ou não, em suas capacidades físicas, sensoriais ou mentais” (ONU. Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, 1975.) “Redução, limitação ou inexistência das condições de percepção das características do ambiente ou de mobilidade e de utilização de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos, em caráter temporário ou permanente.” (NBR9050/2004) “a que temporária ou permanentemente tem limitada sua capacidade de relacionar-se com o meio e de utilizá-lo” (Normativa Nº1 IPHAN)

Auditiva Total

Visual

Moderada

Leve

Total

4%

2% 16%

17%

79%

fonte: IBGE 2010

Moderada

82%

30

Leve


“É boa prática conhecer todos os tipos de deficiências. Não apenas a total privação, como ainda os diferentes graus de perda da acuidade dos sentidos.” (DELPHIM, Carlos Fernando de Moura. “A Acessibilidade em parques e Jardins Históricos” In: RIBEIRO. Sandra Bernardes (Org). Mobilidade e Acessibilidade Urbana em Centros Históricos. IPHAN, Brasília, 2014.)

Mas afinal: Qual o termo a ser adotado para pessoas que possuem qualquer tipo de deficiência? Ao longo dos anos, várias termos foram utilizados e atualizados, buscando sempre reduzir ao máximo o preconceito e a discriminação. De 1988 até hoje foram várias alterações. Inicialmente adotou-se o termo “pessoas portadoras de deficiência”, depois, houve uma alteração para “pessoas com necessidades especiais”, por compreender que a palavra portador acrescentava ao termo uma impressão negativa sobre a deficiência, como se fosse um fardo pesado. Pessoas com Necessidades Especiais ou também conhecido como “PNE” também foi alterado por ser uma expressão genérica demais. Atualmente utiliza-se simplesmente “pessoas com deficiência”.

Proporção das Deficiências no Estado do Rio de Janeiro

Motora Não consegue de modo algum Grande dificuldade Pouca dificuldade

14%

5% 21%

27%

*Deve-se considerar que cerca de 22% da população possui mais de uma deficiência.

52%

68% 13%

31

Visual

Auditiva

Motora

Mental/Intelectual


“ Temos o direito de ser iguais

quando a nossa diferença nos inferioriza. Temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS


Legislação

Para melhor entendimento de todo o processo, nas páginas seguintes há uma linha do tempo com as principais leis, decretos, normas, convenções e demais iniciativas tanto no Brasil quanto no Exterior vinculadas ao eixo temático deste trabalho. 33


ONU

1948

Declaração de Manágua

1993

Constituição da República Federativa no Brasil. Diversos artigos definem a política a ser adotada pelo país para lidar com a questão da inclusão social em diversos segmentos da vida em sociedade, entrre elas a cultura. Entende-se como atribuição do Estado: “a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.”(Art 227)

Constituição Federal

1988

Torna obrigatória a colocação do ‘’Símbolo Internacional de Acesso” em todos os locais e serviços que permitam sua utilização por pessoas portadoras de deficiência e dá outras providências.

Lei Nº 7.405

Adequação das edificações e do mobiliário urbano à pessoa deficiente.

ABNT NBR 9.050

1985

1962

1975

1989 Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências.

Lei Nº 7.853

Dispõe sobre a atuação da Administração Federal no que concerne às pessoas portadoras de deficiências, institui a Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, e dá outras providências.

Decreto Nº 93.481

1986

Declaração dos direitos das pessoas deficientes

ONU

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS “Todos os homens são iguais perante a lei e Lei Nº 4.169 tem direito, sem qualquer distinção, à igual Oficializa as convenções “Braille” para uso proteção da lei.” (Art VII) na escrita e leitura dos cegos e o Código de “Toda pessoa tem direito de participar livreContrações e Abreviaturas “Braille”. mente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes”

Principais marcos

Linha do Tempo:

Documento prega sociedade baseada na equidade, na justiça, na igualdade e na interdependência.

34


ONU

Governo Federal

Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência

Lei Nº 10.098

Declaração de Washington

1999

O Governo Federal elabora o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), revogado em 2002.

Decreto Nº 1.904

1996

Acessibilidade de pessoas portadoras de deficiência a edificações, espaço, mobiliário e equipamentos urbanos.

NBR9.050

O Governo Federal, através da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, estabelece o Programa de Eliminação de Barreiras Arquitetônicas e Ambientais.

1994

Governo Federal

Classificação Internacional de Funcionalidade, Deficiência e Saúde (CIF) / OMS, que substituiu a Classificação Internacional de Impedimentos, Deficiências e Incapacidades/ OMS, de 1980.

2001

Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dá outras providências.

Lei Federal Nº 10.436

2002

Documento aprovado na Conferência de Cúpula – Perspectivas Globais sobre Vida IndepenEstabelece normas gerais e critério básicos para dente para o Próximo Milênio. a promoção da acessibilidade das pessoas porConvenção da Guatemala tadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra OMS as Pessoas Portadoras de Deficiência.

2000

Regulamenta o benefício de prestação continuada devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso, de que trata a Lei Nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e dá outras providências.

Decreto Nº 1.744

1995

Institui a Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência

Decreto 914

O Governo Brasileiro elaborou o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH, buscando reforçar a Declaração Universal da ONU e a Constituição Federal e garantir os direitos até então conquistados.

35


ONU

Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência.

2003

ONU

IPHAN

Publica o “Caderno Técnico nº 09 - Mobilidade e acessibilidade urbana em centros históricos”, em cumprimento à resolução n° 623/2009 do IPHAN. Nele estabelece um conjunto de ações no campo da mobilidade e acessibilidade urbana. Além disso a publicação reúne diversos autores que tratam a temática de acessibilidade em Patrimônio, inclusive na adaptação de edificações.

2014

Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. “Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência a participar na vida cultural, em base de igualdade com as demais pessoas e deverão tomar todas as medidas apropriadas paea que as pessoas com deficiência possam usufruir o acesso a materiais, atividades e serviços culturais, bem como a monumentos e locais de importância cultural nacional”

2007

Lançado pelo Munistério da Cultura, propõe em um de seus eixos a democratização do acesso aos bens culturais

Política Nacional de Museus

Dispõe sobre acessibilidade aos bens culturais imóveis acautelados em nível federal, e outras categorias, conforme especifica.

Instrução Normativa Nº1/IPHAN

36

2009

2010

PLANO NACIONAL SETORIAL DE MUSEUS, Instituído pelo Ministério da Cultura: Dos objetivos do plano até 2020: “Universalizar o acesso à arte e à cultura” (Arto 2, V) “A vinculação dos Estados, Distrito Federal e Municípios às diretrizes e metas do Plano Nacional de Culltura far-se-à por meio de termo de adesão voluntária, na forma do regulamento.” XII/6º: “O ministério da Cultura exercerá a função de coordenação executiva do Plano Nacional de Cultura - PNC, conforme esta lei, ficando responsável pela organização de suas instâncias, pelos termos de adesão, pela implantação do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC, pelo estabelecimento de metas, pelos regimentos e demais especificações necessárias à sua implantação.” (Art 2, XII//2º)

Lei Nº 12.343

Lei que institui o Estatuto de Museus e dá outras providências.

Lei Nº 11.904

Dispõe sobre o direito do portador de deficiência visual de ingressar e permanecer em ambiente de uso coletivo acompanhado de cão-guia. Regulamentada atrevés do Decreto Nº 5.904 /06.

Lei Federal Nº 11.126

2005

Regulamenta a lei nº10098 e dá outras providências.

Decreto Nº 5.296

Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos..

NBR 9.050

2004


Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, além da igualdade entre os homens perante a lei, fica estabelecido que “toda pessoa tem direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes” (Resolução 217, Art VII). Em 1988, a constituição Federal especifica o direito civil ao livre acesso aos bens e serviços e enfatiza como obrigação do Estado a eliminação de obstáculos e preconceitos no acesso a esses bens. No que concerne à adaptação de edificações históricas para acessibilidade, os documentos de referências são a NBR 9050/04 (que é importante ressaltar que encontra-se até o momento em processo de revisão) e a Normativa nº1 do IPHAN, que estabelece os critérios para a adaptação de bens preservados/

tombados. Recentemente o IPHAN também publicou em 2014 o Caderno Técnico nº 09 - Mobilidade e acessibilidade urbana em centros históricos, que reforça ainda mais esses critérios e traz mais informações sobre a temática da acessibilidade vinculada à preservação. Em 2010, o Ministério da Cultura, através da Lei nº12.343, é instituído o Plano Nacional Setorial de Museus, com validade de 10 anos, que tem como uma das meta captar recurso para garantir as adaptações necessárias aos museus para o atendimento aos requisitos mínimos de acessibilidade, conforme a legislação. Além disso, também busca formas de estimular a consciência crítica da população e formas de desenvolver capacitação no setor para o melhor atendimento. 37


aquilo que é bom para o indivíduo, condicionado na sua mobilidade, é bom para todos. ANTÔNIO MIGUEL LOPES DE SOUZA


Museus de Referência

Para compreender até que ponto é possível intervir em bens tombados, sem descaracterizá-los buscou-se referências tanto no Brasil quanto no exterior. Contudo, embora no Brasil haja esforços no sentido de fazer adaptações, principalmente em São Paulo1, os exemplos mais inspiradores de acessibilidade em bens tombados foram em outros países. 1

39

Para saber mais acesse: http://img.org.br/cultura


fonte: www.vam.ac.uk

40 fonte: www.2020london.com/


41 fonte: dsq-sds.org


fonte: dsq-sds.org

fonte: dsq-sds.org

42 fonte: www.vam.ac.uk


Victoria & Albert Museum, Londres, Inglaterra O Victoria & Albert Museum é o melhor exemplo de acessibilidade. Em reforma realizada em 2001, foi feita uma intervenção na escadaria do museu para a construção de uma rampa que permitisse a entrada universal. A solução é criativa, pois a vista frontal da fachada torna a rampa imperceptível, como se a escada ainda estivesse em seu estado original, preservando assim a imagem do passado mas integrando e respondendo a demanda presente. A intervenção, embora nitidamente recente, é cuidadosa com o bem e o valoriza, não confere uma imagem hospitalar que normalmente é associada às adaptações para acessibilidade. O museu ainda dispõe de atendimento com guia em linguagem de sinais, vídeos com legenda, audiodescrição, sessões para tocar as obras, informações em braille, mapa do museu em braille, dentre outros. Eles oferecem também uma caneta que faz a leitura de textos para pessoas com dislexia.

43


44


fonte: www.vam.ac.uk

45


Museu da Comunidade Concelhia da Batalha, Portugal O Museu da Comunidade Concelhia da Batalha foi completamente adaptado no prédio onde funcionava a Caixa de Crédito Agrícola, para se tornar um “Museu para Todos”, adquirindo reconhecimento internacional com diversos prêmios. O Museu oferece acesso universal, rota acessível com guia para deficientes visuais, audioguia, audiodescrição, videoguia em libras e textual, peças e obras originais ou com réplicas para toque, maquetes, elevador, mobiliário acessível, vagas de estacionamento reservadas e espaço reservado para descanso de cão guias com água e ração.

46 fonte: preguicamagazine.com


47


fonte: diarioleiria.pt

fonte: https://www.youtube.com/watch?v=xCsRg8abF3s


fonte: museubatalha.com

fonte: museologiaporto.ning.com


O museu é plural, ele se destina ao mesmo tempo a cada um e a todos. Se as vias da descoberta são infinitas, como encontrar o caminho? Ninguém deve ser negligenciado, e, principalmente aquele que fala a linguagem do corpo. Ele é ator e não expectador da visita.

SYLVIE GRANGE


Exposições de Referência

É importante compreender que no que se refere a espaços de cultura, a acessibilidade ultrapassa os aspectos meramente físicos da arquitetura. Para a acessibilidade em museus e centros culturais é preciso também que as exposições sejam acessíveis. Foram analisadas duas exposições de referência no Rio de Janeiro, a Exposição Cidade Acessível e a Exposição “Ver e Sentir Através do Toque”, voltada especificamente para pessoas com deficiência visual. Como exemplo de referência no exterior, temos o caso do Complexo Zollverein, na cidade de Essen na Alemanha. 51


fonte: Acervo Pessoal

fonte: Acervo Pessoal

52 fonte: Acervo Pessoal


Exposição Cidade Acessível

53 fonte: Acervo Pessoal

Exposição realizada de 22 de outubro de 2014 a 2 de Fevereiro de 2015 com proposta de reflexão sobre acessibilidade. Piso tátil de alerta e direcional, informações em braile, incluindo folder da exposição, vídeos com legenda e áudio, painéis com texturas, sons, cheiros. Monitores, painéis, objetos disponíveis em altura acessível a todos.


54


fonte: Acervo Pessoal

Ver e Sentir Através do Toque A exposição ver e sentir através do toque foi realizada do dia 13 de Janeiro de 2015 a 02 de Maio de 2015 e possui um caráter experimental. Foi desenvolvida com material produzido em parceria com a Escola Municipal de Ensino Especial Helena Antipoff. A exposição conta com uma sala onde 4 obras pertencentes ao acervo do museu foram reproduzidas em relevo para deficientes visuais e em E.V.A. (Espuma Vinílica Acetinada) para pessoas com baixa visão. Além disso, duas obras apresentam também versões tridimensionais. Todas as obras possuem material informativo em braille. 55


56


fonte: Acervo Pessoal

57 fonte: Acervo Pessoal

fonte: Acervo Pessoal



Ruhr Museum, Complexo Zollverein, Essen, Alemanha O Ruhr Museum, no complexo de Zollverein, era originalmente uma fábrica de carvão que foi desativada e transformada em museu com projeto de Rem Koolhaas. Sua exposição permanente sobre a história do local, possui maquete tátil da edificação e do relevo do entorno, permite o toque das peças expostas e até de recursos sensoriais como sons e cheiros que remetem a história local, permitindo uma visitação inclusiva e multisensorial, principalmente para pessoas com deficiência visual. O complexo Zollverein consta na lista de patrimônios mundiais pela UNESCO.

http://themuseumofthefuture.com/

59


http://themuseumofthefuture.com/

http://themuseumofthefuture.com/


http://themuseumofthefuture.com/

61

Måquina que emite fragâncias locais



Estudo de Casos

63


Centro Cultural Oduvaldo Viana Filho O Centro Cultural Oduvaldo Viana Filho, também conhecido como Castelinho do Flamengo, é um projeto do arquiteto Francisco dos Santos para ser a residência de Joaquim da Silva Cardoso. O prédio, em estilo Art Noveau, teve sua construção entre os anos de 1916-1918. Sua última reforma ocorreu entre 1989-1992. Teve seu tombamento pelo município em 1986, através do decreto 5.936.

64


65 fonte: Acervo Pessoal


fonte: Acervo Pessoal

66

O Centro Cultural Oduvaldo Viana Filho atualmente é inacessível para pessoas com deficiência motora e visual, de difícil acesso a pessoas com mobilidade reduzida. A sala multimídia não tem opção de legenda nos vídeos. Na data da visita não havia exposição no local para análise. O museu só costuma receber idosos que sentem dificuldades com a escada. O banheiro é inacessível, localizado no patamar da escada e com vão muito estreito (50cm). Durante a entrevista foi informado que o museu estava aguardando o retorno da vistoria de acessibilidade que havia sido feita, provavelmente do Ministério da Cultura. Os funcionários não possuem treinamento para atendimento de pessoas com deficiência e mobilidade reduzida. Ao indagar sobre a entrada de cão-guias, a princípio a resposta foi que não seria permitido por causa das obras que estivessem expostas. Foi necessário esclarecer que além de ser lei, os animais são treinados e portanto não oferecem nenhum risco às obras. Em termos físicos, o maior agravante no Castelinho do Flamengo é o sanitário, que precisaria de uma alternativa, pois não há como adaptar o existente. Mas acesso e circulação vertical também são complicados. No geral o museu não é acessível. Quanto à gestão e serviços, há uma necessidade de treinamento, pois é visível que o problema é o desconhecimento.


Legenda: Área aberta ao público

Planta baixa térreo. fonte: Acervo do Centro Cultural Oduvaldo Viana Filho

Planta baixa segundo pavimento fonte: Acervo do Centro Cultural Oduvaldo Viana Filho

Planta baixa terceiro pavimento fonte: Acervo do Centro Cultural Oduvaldo Viana Filho

67


fonte: Acervo Pessoal

68


Escada com patamar de acesso ao sanitĂŁrio de uso pĂşblico.

69 fonte: Acervo Pessoal


70


Museu de Arte Moderna do RJ

O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro foi construído pelo arquiteto Afonso Eduardo Reidy na década de 60, em terreno pertencente ao município e doado para a construção do museu em 22 de Setembro de 1954. Em 25 de Novembro de 1976 é publicado no diário oficial o decreto municipal 1.010, que reconhece, o MAM/ RJ como bem público de domínio municipal. Em 20 de Dezembro de 1990, a Secretaria Estadual de Cultura publica, em ofício 07/1990, conforme o artigo 5º, inciso II, decreto 5808 de 13/07/82, processo E-18/001 170/90, efetuando o tombamento em caráter provisório dos terrenos do jardim Burle Marx, Praça Senador Salgado Filho. Com isso, o MAM/RJ é tombado dentro do conjunto do Parque do Flamengo. O museu possui um certificado emitido pela Alerj de Acessibilidade nota 10, referente ao resultado da reforma realizada em 1999, em reconhecimento aos esforços empregados para tornar o museu acessível. A validade da certificação é de 2006. 71 fonte: Acervo Pessoal


Planta baixa térreo. Acessos, Recepção e Loja. fonte: Acervo MAM RJ

Planta baixa 2º Pav Exposições Temporárias fonte: Acervo MAM RJ

Planta baixa 3º Pav Exposição Permanente fonte: Acervo MAM RJ

72


fonte: Acervo Pessoal

fonte: Acervo Pessoal

73 fonte: Acervo Pessoal


fonte: Acervo Pessoal fonte: Coleção MAM RJ

fonte: Acervo Pessoal

74


O museu possui acessibilidade para pessoa com deficiência auditiva, com uma monitora habilitada em libras disponível e com vídeos na exposição permantente com legenda. O museu não atende a deficientes visuais, pois não possui sinalização nem informativos em braille tanto nas exposições quanto no próprio museu. Além disso o museu não oferece serviço de audioguia. Com relação a deficiência motora, como o piso no entorno é em pedra portuguesa e irregular, o acesso ao museu foi realizado seguindo a rota de ciclistas, o que não é o recomendado, pois a velocidade de trânsito é diferenciada, podendo ocasionar acidentes. A entrada do museu é acessível, mas para a deficiência motora há diversos pontos a serem melhorados. O agravante é o único sanitário acessível no segundo pavimento fora da norma. Vale ressaltar que a última versão da NBR9050 é de 2004, posterior à reforma realizada. Durante a entrevista os próprios funcionários reconheceram que o sanitário era um problema, principalmente em dias de maior movimento, pois já chegaram a receber em um único dia, 50 cadeirantes. Ao serem perguntados sobre questões de reforma, o entrevistado do setor administrativo disse que não era prioridade, pois o museu tem uma verba muito limitada. 75


76


fonte: cultura.gov.br

Fundação Casa de Rui Barbosa

A Casa de Rui Barbosa foi construída em 1850, em estilo neoclássico, sendo vendida em 1924 para o governo federal, pelo Ministério da Cultura. Foi tombada pela União em 1938. Antiga residência de Rui Barbosa, o imóvel funciona desde 1930 como um museu. Em 1966 surgiu a Fundação responsável por preservar e promover a obra e a história de Rui Barbosa. Já possui projeto de acessibilidade para o jardim e a meta é adaptar o prédio até 2020, conforme a meta do Plano Nacional Setorial de Museus. Foi realizado um curso de acessibilidade atitudinal com os funcionários e esse treinamento se refletiu na entrevista.

77


fonte: Acervo Pessoal

Ao lado: Escada de acesso ao andar da exposição. Acima: Informativos de cada ambiente em pedestal de acrílico.

78

fonte: Acervo Pessoal


Mapa andar exposições.

Fonte: casaruibarbosa.gov.br

Não há uma rota acessível, pois não há sinalização, há trechos do circuito com tapetes grossos (que não são os originais), o acesso é somente por escada e o museu não oferece informativos em braille. Por ser um museu casa, muitos cômodos estão isolados, não é permitido tocar nos objetos e muitos deles ficam dentro de armários de vidro. 79


fonte: Acervo Pessoal

fonte: Acervo Pessoal

Audioguia e módulo de recarga. Permite descrição em inglês e em Português. Pode ser utilizado com ou sem fone. O guia aprendeu na hora como utilizar o equipamento. O Museu oferece audioguias em português e inglês, contudo os visitantes com deficiência visual precisam da ajuda de um acompanhante, pois as placas informativas com a numeração de identificação de cada sala não está acessível.

Há um sanitário acessível externo, evidenciando uma reforma recente. Contudo, somente as dimensões estão dentro da norma. Barras de apoio, pia, torneira, acessórios, vaso sanitário, não atendem aos requisitos da NBR9050. 80


fonte: Acervo Pessoal

Sanitário acessível no térreo, acesso pela área externa ao museu.

É um museu que apresenta grandes desafios em termos de adaptação, mas caso não sendo possível solucionar o acesso para pessoas com deficiência motora, deve-se pensar em soluções tecnológicas ou alternativas, como visita virtual, maquetes (que atendem também a pessoas com deficiência visual) 81

O dado mais interessante foi descobrir durante a entrevista que todo o processo de mudanças em prol da acessibilidade na Fundação Casa de Rui Barbosa, ganhou força a partir do momento em que a nova presidência assumiu, justamente um cadeirante.


fonte: Acervo Pessoal

82


Órgãos de Patrimônio Buscou-se agendar entrevistas com representantes das três esferas de tombamento: Municipal (IRPH), estadual (INEPAC) e federal (IPHAN), no intuito de compreender como é a atuação de cada órgão com relação aos projetos de reforma para acessibilidade. Contudo, somente um respondeu às perguntas de maneira informal. Um não retornou os pedidos de agendamento e o outro pediu o envio das perguntas por email mas não retornou os contatos mesmo após inúmeros pedidos. Na entrevista com o setor de aprovação de projetos, houve uma boa recepção, contudo percebeu-se pouca abertura para adaptações, com o entendimento que as propostas contemplam somente “soluções removíveis que não interfiram na obra”. Verificou-se ao indagar sobre o instrumento utilizado para a análise dos projetos de acessibilidade, um desconhecimento sobre as publicações de acessibilidade do IPHAN, que abordam de forma conceitual especificamente a acessibilidade em patrimônio. A maior parte dos projetos, segundo o órgão entrevistado, são para adaptação para acessibilidade e que em caso de bens tombados em mais de uma esfera, prevalece a avaliação mais restritiva. 83


Certas coisas não estão escritas no manual, fazem parte da consciência crítica de cada um ARQ. JOÃO FIGUEIRAS LIMA


O Papel do Arquiteto

85


“Incorporar a acessibilidade universal ao patrimônio cultural com eficácia e criatividade exige a partir do conhecimento amplo do patrimônio em suas diversas facetas: contexto histórico, tipologias, características estruturais, materiais, funcionalidade, usos, entorno imediato, composição estética, arquitetônica e urbanística. ” (CHOAY, Françoise. Reabilitar o passado, fazendo-o vibrar como se fosse presente. In: RIBEIRO. Sandra Bernardes (Org). Mobilidade e Acessibilidade Urbana em Centros Históricos. IPHAN, Brasília, 2014.) Cada bem patrimonial possui sua própria história, suas próprias características. Portanto, não existem fórmulas para adaptação desses espaços. Em casos de adaptação de museus já existentes, deve-se compreender os fluxos de cada tipo de usuário (visitante, serviços, administração), sua dinâmica de usos e propor alternativas caso não haja possibilidade de adaptação, para não limitar o acesso. Muitas vezes somente uma mudança de usos nos ambientes já soluciona questões relativas à acessibilidade sem necessariamente demandar intervenções físicas ou um diagnóstico de inacessibilidade. Por isso torna-se imprescindível uma formação profissional ampla que permita pesar cada um dos valores atribuídos ao bem, cada forma de apropriação desse bem pela sociedade, de modo que as intervenções agreguem valor sem que a aces-

sibilidade fique reduzida à condição de segregação. A Normativa nº1 do IPHAN estabelece que “nos casos em que os estudos indicarem áreas ou elementos em que seja inviável ou restrita a adaptação, interagir com o espaço e o acervo, ainda que de maneira virtual, através de informação visual, auditiva ou tátil, bem como pela oferta, em ambientes apropriados, de alternativas como mapas, maquetes, peças de acervo originais ou cópias, entre outras que permitam ao portador de deficiência utilizar suas habilidades de modo a vivenciar a experiência da forma mais integral possível.” (Item 3.4/E) Isto reforça a importância de uma atuação integrada e multidisciplinar na busca de soluções. A formação ampla do arquiteto, inclui também o trabalho em montagens de exposições. Quando se fala em museus, centros culturais e acessibilidade, a rota acessível torna-se um elemento de extrema relevância. O conhecimento e aplicação da NBR9050 faz parte da atribuição profissional. Enquanto algumas soluções como audioguias, legendas em vídeos, dentre outros são de cunho tecnológico ou de gestão, outras são de responsabilidade do arquiteto, como piso tátil, sinalização, rota acessível sem obstáculos, mapa tátil, maquetes, réplicas táteis de obras, posicionamento e altura dos objetos expostos, iluminação, o contraste e tamanho dos textos, dentre outros. 86


É importante para a formação profissional, que os cursos de arquitetura e urbanismo tenham a acessibilidade como disciplina obrigatória curricular, justamente para que os novos profissionais estejam preparados para uma demanda cada vez mais crescente por acessibilidade incluindo a adaptação de imóveis observada durante a entrevista com os órgãos de patrimônio. Em 2006 o Ministério das Cidades publicou o Brasil Acessível, que reúne em 6 cadernos com publicações voltadas a todos agentes envolvidos na temática. Consta no Código de Ética profissional a responsabilidade em compreender as demandas do público atendido, (que inclui sempre, pessoas com deficiência e mobilidade reduzida) e assegurar que as demandas de acessibilidade sejam atendidas. “Entendemos que pesquisas interdisciplinares só possuem sentido se permitirem compreender as realidades de grupos de pessoas que utilizam os espaços que nós arquitetos ou outros profissionais com ou sem deficiência preparamos para eles.” (COHEN, Regina; DUARTE, Cristiane Rose; BRASILEIRO, Alice de Barros. Acessibilidade a Museus.Ibram, Brasília, 2012.) Um dos maiores problemas é a má aplicação da Norma que evidencia dificuldades de compreender a forma com ocorre a interação com o espaço. Um bom projeto de acessibilidade exige um entendimento das demandas do público para quem se projeta. Nesse sentido o próximo capítulo contém o resultado do laboratório realizado, cujo resultado foi surpreendente. Muitas vezes o melhor aprendizado é simplesmente se colocar no lugar do outro.

87

Código de Ética do Arquiteto e Urbanista: “1.1.5. O arquiteto e urbanista deve defender os direitos fundamentais da pessoa humana, conforme expressos na Constituição brasileira e em acordos internacionais” 2. Obrigações para com o Interesse Público Recomenda-se que: 2.3.2.O arquiteto e urbanista deve considerar e interpretar as necessidades das pessoas, da coletividade e dos grupos sociais, relativas ao ordenamento do espaço, à concepção e execução das construções, à preservação e valorização do patrimônio arquitetônico, urbanístico, paisagístico e natural. 2.3.3. O arquiteto e urbanista deve envidar esforços para assegurar o atendimento das necessidades humanas referentes à funcionalidade, à economicidade, à durabilidade, ao conforto, à higiene e à acessibilidade dos ambientes construídos.


Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver

AMYR KLINK

fonte: polario.com.br 88


IMERSテグ

89


Sobre Rodas

Agradecimento: Rio 2016

fonte: Acervo Pessoal

90


Esforço. Era meio dia. O calor do início do verão castigava. Os braços doíam. As mãos latejavam. Ardiam com o esforço. A cadeira sacolejava sobre o piso irregular, trepidante da calçada. Me sentia em uma selva onde precisava me desviar constantemente de buracos variados. O próprio piso era inconstante, manifestando sua indecisão e imprecisão. As mãos teimavam em escorregar, perdendo a firmeza em segurar as rodas. A própria cadeira, embora de um modelo superior à fornecida pelo SUS, respondia mal às demandas do piso. O cenário era urbano, mas me sentia em um rally. Meus olhos, acostumados vagar apreciando a paisagem, estavam agarrados ao chão, apreensivos, em busca de qualquer possível rota acessível. A pavimentação era cruel. Ora trepidante, ora danificada, ora muito estreita. Quando havia algum conforto, que felicidade, respirava em alívio, no que batizaria naquela condição, de “ilhas de acessibilidade”. De repente, senti a cadeira puxar bruscamente para a direita, exigindo mais do braço esquerdo para que eu não fosse pra sarjeta. Nenhuma calçada me ensinaria mais do que aquela calçada lisa em concreto com um caimento que eu jamais teria notado, pois não era acentuado, mas era o suficiente para torna-lo inacessível. Fiquei pensando comigo: “O que os olhos não veem, a cadeira sente.” . 91


Parei diante do obstáculo seguinte. Me virei e sinalizei um pedido de ajuda. Meu acompanhante, um arquiteto e deficiente auditivo, veio me auxiliar a descer o meio-fio para fazer a travessia. Eu literalmente estava parando o trânsito e não era muito agradável ser o centro das atenções, tímida como sou, ainda mais quando os olhares são de pena para uma “falsa cadeirante”.

“Para mim, a paralisia cerebral não é minha incapacidade. (...) Às vezes, é difícil conceber que uma pessoa com uma deficiência física, com a fala de um bêbado, ou completamente muda, possui as mesmas necessidades humanas que você e, em alguns casos, uma inteligência maior do que a sua. (...) A piedade é a última coisa de que eu, ou outras pessoas como eu, preciso. (...) As deficiências são bem menos limitadoras do que as atitudes que tentam definir, limitar e comparar. Elas é que constituem a incapacidade.” (Depoimento de MARIA FRENCH, in: BUSCAGLIA, Leo. Os Deficientes e Seus Pais, Record, Rio de Janeiro, 2006, pág 243) Após atravessar, não tive forças suficiente para empinar a cadeira e também precisei ajuda pra subir o meio fio. Tentei dar o impulso após ter a cadeira empinada e novamente me faltou força no braço. Tudo fica muito mais difícil quando já estamos cansados. Parece óbvio, mas não era pra mim até esse dia. Aos poucos a cadeira parecia pesar cada vez mais. As mãos começaram a arder, latejar com o esforço de tocar a cadeira. Os braços lançavam reclamações que reverberariam nos dias seguintes. Comecei a querer chegar logo ao destino e na volta, confesso, envergonhada até, que precisei apelar ao meu acompanhante para me empurrar um pouco, para descansar até chegar na rampa de acesso ao prédio do escritório, que fazia questão de subir sozinha para sentir a inclinação. 92


fonte: Acervo Pessoal

O que pra mim normalmente é uma caminhada rápida, simples e tranquila entre o escritório e o restaurante, em uma cadeira de rodas provou-se graças a falta de acessibilidade, um desafio que exige coragem, saúde e determinação. Ao chegar ao escritório fui tomada pelo sentimento de alívio, na seguinte ordem: pelo fim do “rally em calçadas”, pelo ar condicionado, pelo piso liso e pelo ambiente acessível. Enquanto esperava pelo elevador, olhei para minhas mãos, que ardiam. Estavam vermelhas e entre a palma e os dedos já se formavam pequenos calos. Assustador, se formos pensar que foram o resultado somente de uma saída para o almoço. Minha cabeça, conforme previsto, já latejava de dor, pelo calor e pelo esforço. O fato mais curioso de toda a experiência foi que em nenhum momento, enquanto “tocava” a cadeira, eu pensei ou agi como técnica, como estudante de arquitetura. A vivência foi de tamanha intensidade, que de fato eu me senti uma cadeirante e meu olhar não tinha como ser um olhar técnico. Meu comportamento, minhas decisões, meu olhar, tudo foi direcionado a vencer cada adversidade para chegar ao destino. Nos dias que se seguiram foram bem doloridos. Paguei caro pelo meu sedentarismo! Como os nervos da região estavam sensíveis adquiri uma inflamação que se estendeu. Compreendi sentindo na pele a importância da acessibilidade. O mês que se seguiu foi pra mim um mês como mobilidade reduzida, com várias restrições devido à inflamação que adquiri. É muito comum os cadeirantes terem problemas como rompimento de ligamento, devido ao esforço excessivo pela falta de acessibilidade. Quando isso acontece, ficam condenados a passar uma temporada em repouso em casa, pois perdem a mobilidade no braço. 93

fonte: Acervo Pessoal


Na Escuridão

Agradecimento: Exposição Cidade Acessível

94


Angústia. Insegurança. Dependência. Confusão. Foram os sentimentos que predominaram enquanto tateava com a bengala caçando o piso tátil. Não me limitei somente a experimentação em cadeira de rodas. Fiz também a experiência com a deficiência visual. Para mim foi a experimentação mais angustiante. Procurava o piso guia tentando entender como a coisa funcionava. Quando finalmente encontrei, fui seguindo, mas volta e meia ele escapava, entre uma junta e outra, principalmente se havia alguma diferença no piso. E estava de volta à escuridão angustiada, me perguntando que lambança havia feito para ter me perdido. Seria um piso alerta e era para eu ter virado? Talvez com minha inexperiência eu não consegui reconhecer o piso alerta de jeito nenhum. Mesmo sabendo como ele é. Errei todos. Todos mesmo! Meu acompanhante precisou me alertar ou me orientar após eu me desesperar ao cair na “escuridão”. Precisei mais do que imaginava das orientações verbais. O cheiro era difícil de compreender. A audição e o paladar ficaram confusos, enquanto não sabia para onde ia. O piso tátil pra pra mim estava completamente confuso. 95


fonte: Acervo Pessoal

96 fonte: Acervo Pessoal


fonte: Acervo Pessoal

Me senti muito dependente. Foi surpreendente perceber o quanto somos acostumados a fazer tudo com a visão. Uma vez sem ela, os demais sentidos ficaram confusos inclusive o olfato e o tato. A audição rapidamente fica mais aguçada. Me recordei por outro lado, de quando assisti ao teatro dos sentidos, uma peça onde o público assiste vendado. No primeiro momento também é confuso. Aos poucos, com a ajuda dos atores provocadores (responsáveis pelo estímulo dos demais sentidos), nossa intravisão desperta e percebemos que enxergar é diferente de ver. Podemos ver mesmo de olhos vendados.

Compreendi nesse dia que deficiência não é incapacidade, ou limitação. Basta que tenhamos o serviço, o atendimento e a estrutura adequada. “qualquer caminhada é, na verdade, uma grande aventura na qual se tenta passar ileso.” (COHEN. Regina; DUARTE, Cristiane Rose de S; BRASILEIRO, Alice de Barros H. e SILVA, Osvaldo Luiz de Souza. Metodologia para Diagnóstico de Acessibilidade em Centros Urbanos: Análise da Área Central do Rio de Janeiro. UFRJ. 2013) 97


“está garantido, Mesmo nas sociedades em que o direito legal de acesso a transformação desse direito em prática social

cidadã, em realidade cotidianamente vivida exige embates e enfrentamentos sistemáticos. Em uma palavra: exige militância.

COHEN, Regina; DUARTE, Cristiane Rose; BRASILEIRO, Alice de Barros. Acessibilidade a Museus – Cadernos Museologicos, Volume 2, Ibram, Brasília, 2012.


Anรกlise dos Resultados

99


Com relação à legislação temos bons instrumentos mas que na prática ainda não estão mostrando força. A NBR9050 embora tenha qualidade, nas visitas foi possível perceber quando nos casos em que houve adaptação para acessibilidade, que ou não houve consulta à norma ou que a mesma foi mal interpretada. Falta fiscalização tanto em termos de espaços físicos quanto em atendimento. O Ministério da Cultura possui um portal para acompanhamento do Plano Nacional Setorial de Museus. É possível observar avanços no engajamento dos estados e municípios, contudo, não houve nenhuma sinalização de avanço em termos de adaptação de bens, muito menos em mensuração de museus a serem adaptados ou de levantamentos realizados. Um dado preocupante é que o órgão informa 100

no site que ainda não possui dados sobre os imóveis a serem adaptados, informação fundamental para esse processo. Apesar de todo o aparato legal e normativo vigente para garantir a acessibilidade, na prática ainda há um longo caminho a percorrer para que todas as adaptações necessárias em imóveis existentes sejam implantadas. O discurso dos órgãos de patrimônio embora mostre avanços em termos de entendimento das demandas, ainda não chegou na prática de atuação dos órgãos, o que foi percebido logo nos contatos. Há publicações mas quando o assunto era a atuação dos órgãos, uma vez que a prática profissional do arquiteto e urbanista em adaptação de bens patrimoniais depende da aprovação das propostas, a maioria não respondeu mais às tentativas de contato.


Nos levantamentos observou-se pouca compreensão sobre o significado de acessibilidade. Percebe-se um desconhecimento generalizado e falta de treinamento. A gestão quer adaptar, mas tampouco sabe o que pode fazer. Com base nos dados obtidos nas visitas foi montada uma planilha de resultados para comparação das informações. Como o levantamento é técnico e a entrevista é qualitativa e o objetivo era reunir ambas por serem complementares, a análise foi feita considerando resultado/resposta positiva, negativa ou intermediária, no quadro, respectivamente representados pelas cores verde, vermelho e amarelo. Se observa que mesmo quando não há um diagnóstico físico favorável há casos em que há uma mudança na percepção com relação ao atendimento à pessoa com deficiência e há previsão de melhorias. Com as entrevistas foi possível mapear portanto as iniciativas em termos de gestão e em quais museus há a necessidade de um trabalho de conscientização. A planilha permite uma visualização da condição de acessibilidade nos museus visitados, observa-se portanto que no Centro Cultural Oduvaldo Viana Filho, não há aces-

sibilidade para nenhum tipo de deficiência, nem há treinamento dos funcionários. Os únicos itens positivos, são itens como vão de porta e circulação que por ser uma edificação histórica, possui largura adequada. O MAM por sua vez não possui acessibilidade para deficiência visual, é acessível para deficientes auditivos e possui limitações à deficiência motora. Em termos de gestão e atendimento fica em nível intermediário. A Fundação Casa de Rui Barbosa é acessível para deficiência auditiva, possui limitações à deficiência visual e não é acessível à deficiência motora. Em termos de gestão e atendimento percebe-se que foi feito um bom trabalho de conscientização. Sentiu-se uma preocupação em buscar soluções para os problemas de acessibilidade existentes. Para que um museu ou centro cultural seja acessível é fundamental que haja um trabalho em conjunto. É preciso que haja uma estrutura, um atendimento e um serviço acessível. O trabalho realizado aponta que ainda há muito a se avançar nas três áreas, contudo, como a parte física depende da contribuição dos órgão de patrimônio, é o setor que mais requer atenção. 101


102


103


“ Se quisermos compreender nossas diferenças, Precisamos formular novas questões ” ZYGMUND BAUMAN


Conclusão “...por mais regulamentado e controlado que pretenda ser o processo de construção dos patrimônios, e por mais fixos que possam parecer os efeitos de um tombamento, tanto materiais quanto simbólicos, a recepção dos bens tombados tem uma dinâmica própria em dois sentidos: primeiro, no da mutabilidade de significações e valores atribuídos a um mesmo bem em diferentes momentos históricos (...), segundo, no da multiplicidade de significações e valores atribuídos, em um mesmo momento e um mesmo contexto, a um mesmo bem, por grupos econômico, social e culturalmente diferenciados.” (FONSECA, Maria Cecília Londres. Patrimônio em Processo, UFRJ, 1997) Cada pessoa se apropria da arte e da cultura de uma maneira. No caso dos museus e centros culturais deve-se também considerar a apropriação sensorial, a necessidade de percepção do espaço através dos sentidos. As adaptações não devem ser negadas uma vez que não o são para a restauração, para uma instalação elétrica e para a colocação de um ar condicionado, itens que não existiam no período original das edificações. Se a acessibilidade não é autorizada com este argumento, não se poderia então fazer instalações elétricas nem de ar condicionado. O mesmo vale para as obras de arte, uma vez que já que se perde a pátina em restauração e manutenção, e é necessário tocar para o transporte, por que então não permitir o toque de uma pessoa com deficiência? 105


Se os bens são preservados como patrimônio para a sociedade, quem de fato está incluído no conceito de sociedade ao se pensar em preservação?

“Os edifícios aos quais a sociedade atribui valores culturais, e nele reconhece sua cultura, independentemente de ter regime público ou privado, não devem ser bloqueadores desse direito de usufruto, ao mesmo tempo em que não devem também confinar os indivíduos, que, pela sua dificuldade momentânea ou permanente de mobilidade, se veem privados de interagir com o meio físico e social que o circunda.” (SOUZA, Antônio Miguel Lopes de. In: RIBEIRO, Sandra Bernardes. “Mobilidade e Acessibilidade Urbana em Centros Históricos” IPHAN, 2014.) A lógica da preservação deve levar em conta as diversas formas de apropriação e não ter somente o enfoque para a salvaguarda do bem. A preservação só tem sentido se atinge seu objetivo, que é garantir o acesso a quem se destina todo este trabalho, que é a humanidade, com todas as suas características e diversidade. Assim de fato estaremos cumprindo todas as determinações legais presentes na constituição e levando o discurso de fato, para a prática. É importante ressaltar que seguimos fielmente na restauração os teóricos que são em sua maioria do século XIX, alguns do século XX. Uma época em que não existia acessibilidade, onde as pessoas com deficiência tinham uma realidade completamente diferente. A ONU só reconheceu os direitos de igualdade dos homens em 1948 e a declaração dos direitos da pessoa com deficiência em 1975, após as principais publicações. Não é o momento então de repensar se não é necessário rever nossos conceitos e o grau de rigidez nos setores de aprovação de projetos? Perpetuaremos os erros de quase dois séculos atrás? Será que hoje, Viollet-le-Duc, Mérimée, John Ruskin, Camilo Boito, Cesare Brandi e Gustavo Giovannoni concordariam que acessibilidade não se configura em uma descaracterização? Não temos como saber. Temos duas opções: ou trazemos os teóricos da restauração para a nossa realidade ou voltamos todos ao tempo da lâmpada a gás, do fogão à lenha e abdiquemos do ar condicionado (sem direito a ventilador!). 106


...adequar os edifícios para assegurar o acesso àqueles que não conseguem, autonomamente, vencer os obstáculos inerentes a determinadas características destes espaços, não significa desvirtuar valores ou ferir a integridade estética ou estilística dos bens patrimoniais, mas sim contribuir para a qualificação do uso dos imóveis e para o alargamento do seu reconhecimento e sua valorização a toda sociedade.” (SOARES, Antônio Miguel Lopes de. In: RIBEIRO, Sandra Bernardes. “Mobilidade e Acessibilidade Urbana em Centros Históricos” IPHAN, 2014.) Se temos exemplos no exterior que fazem uma boa acessibilidade em patrimônio, conforme mostrado neste trabalho, porque aqui no Brasil seria descaracterização? Temos um discurso muito bom, principalmente nos órgãos de patrimônio mas que na prática ainda não se observa resultados. A sociedade tem um papel fundamental nesse processo. Ela precisa participar, ter mais informação, pois o respeito é um item essencial para a manutenção da acessibilidade. A gestão e os funcionários precisam de treinamento, pois fora observado em sua maioria que o problema era falta de informação e não falta de interesse. A área técnica precisa ir além do entendimento técnico, pois entendendo para quem se projeta, como este interage com o espaço, projeta-se melhor. Quando se fala em adaptar bens culturais preservados ou tombados é necessário um entendimento ainda mais aprofundado e um trabalho multidisciplinar para mesclar a história da edificação com as demandas da inclusão. Em cultura, por serem museus e centros culturais, há um ponto crucial que precisa ser abordado: os artistas precisam incorporar como agentes sociais e fazer exposições acessíveis uma vez que cultura é um direito de todos. Mesmo compreendendo que a arte é uma expressão espontânea, deve-se ter a consciência de que ao se disponibilizar para o público, deve-se pensar em como incluir, podendo ser a nível de informação. Ou seja: A acessibilidade é para todos e portanto, sem a participação de todos, ela não funciona plenamente. 107


Referências NBR9050/2004. Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbannos. ABNT, 2004. RIBEIRO, Sandra Bernardes. “Mobilidade e Acessibilidade Urbana em Centros Históricos” IPHAN, 2014. FONSECA, Maria Cecília Londres. Patrimônio em Processo, UFRJ, 1997 COHEN, Regina; DUARTE, Cristiane Rose; BRASILEIRO, Alice de Barros. Acessibilidade a Museus – Cadernos Museologicos, Volume 2, Ibram, Brasília, 2012. COHEN. Regina; DUARTE, Cristiane Rose de S; BRASILEIRO, Alice de Barros H. e SILVA, Osvaldo Luiz de Souza. Metodologia para Diagnóstico de Acessibilidade em Centros Urbanos: Análise da Área Central do Rio de Janeiro. UFRJ. 2013 BUSCAGLIA, Leo. Os Deficientes e Seus Pais, Record, Rio de Janeiro, 2006 BAHIA, Sergio. Município e Acessibilidade, Rio de Janeiro, IBAM//DUMA,1998 LICHT, Flávia Boni. e Silveira, Nubia (Org). Celebrando a Diversidade, Pessoas com Deficiência e Direito à Inclusão. São Paulo, 2010. VIJICIC, Nick. Uma vida sem limites, Editora Novo Conceito, LEMOS, Carlos. O que é patrimônio histórico. São Paulo, Brasiliense, 1981. Pags 24-33. CHOAY, Françoise, A Alegoria do Patrimônio, 2001 CORRÊIA, Maria Rosa (Org.). Oficina de Estudos da Preservação, Coletânea II. Rio de Janeiro, IPHAN-RJ, 2009. 108


Anais do 1º Seminário Estadual de Acessibilidade em Museus e Instituições Culturais. Rio de Janeiro, SEC/SMU, 2011) Guia do Patrimônio Cultural Carioca: Bens Tombados 2014. Prefeitura do Rio de Janeiro, 2014. Legislação sobre Museus. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2013. Museus RJ: Um guia de memórias e afetividades. Secretaria de Estado e Cultura do Rio de Janeiro, 2013. BRASIL ACESSÍVEL - Programa Brasileiro de Acessibilidade Urbana, Ministério das Cidades, 2006 Sites: http://www.museubatalha.com http://turismoadaptado.wordpress.com http://www.museusdorio.com.br http://www.cvi-rio.org.br http://www.bengalalegal.com http://www.disabilityworld.org http://www.cultura.rj.gov.br http://www.patrimoniofluminense.rj.gov.br http://www.mnba.gov.br http://mamrio.org.br http://museudeartedorio.org.br http://acessibilidadenosmuseus.blogspot.com.br http://www.museuparatodos.com.br http://www.jusbrasil.com.br http://www.planalto.gov.br http://www.ibge.gov.br http://www.iphan.gov.br http://www.ipea.gov.br http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br http://www.rj.gov.br http://acessibilidadeemmuseus.wordpress.com http://www.jb.com.br http://www.caubr.gov.br http://www.vam.ac.uk www.pact-zollverein.de http://www.folguedo.com.br/expocidade http://www.historiasdecego.com.br

109


Anexos

110


111


112


113


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.