SE ESSA RUA FOSSE MINHA TAMBÉM RESGATE DA AMBIÊNCIA DA RUA DO PORTO EM CARAVELAS, BAHIA
Beatriz Penalva de Oliveira Melgaço
SE ESSA RUA FOSSE MINHA TAMBÉM RESGATE DA AMBIÊNCIA DA RUA DO PORTO EM CARAVELAS, BAHIA
Trabalho Final de Graduação submetido à Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia como requisito para obtenção do título de bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientação: Heliana Faria Mettig Rocha Co-orientação: Mariely Cabral de Santana
Salvador 2020
Caravelas, rio e mar.
Ă€ minha cidade e Ă todos aqueles que fizeram e fazem tanto para preservar a sua riqueza natural e manter viva a sua memĂłria e cultura.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha família pelas histórias contadas, fotos compartilhadas e por despertarem em mim a paixão pela memória e cultura de minha terra. Em especial à mainha, por me inspirar a vida. À João pelo carinho e apoio incondicional, por me incentivar a ir além. Ao meu querido amigo Hiram que não só me incentivou a desenhar à mão livre, como sempre foi tão paciente em me ensinar técnicas e compartilhar seu conhecimento. Aos amigos que me acompanharam durante toda a graduação dentro dos espaços acadêmicos e fora dele também, Caio e Querem. Gratidão também à Takeo e Igor por todo o apoio e ajuda na etapa final. Às minhas professoras capixabas e arquitetas inspiradoras, Renatinha, Carol, Tati e Luísa. Se vocês não tivessem passado pela minha vida eu não teria embarcado nessa aventura que foi cursar Arquitetura.
Ao Curiar e ao LabHabitar por me apresentarem um lado mais humano e social do ofício do arquiteto e do urbanista. À Mariely que me acompanhou no início desse processo, cuja contribuição foi fundamental para a compreensão dos caminhos a serem percorridos para salvaguarda do patrimônio. Ao IPAC e chefes queridos pelas trocas, por todos os passeios, digo, vistorias e por lutarem para a preservação do patrimônio cultural baiano. À minha orientadora e amiga, Heliana, por ter aceitado me guiar nessa jornada de trabalho e autoconhecimento. Aos membros da banca, Beatriz, Márcia e Marta, por toparem participar dessa etapa tão importante da minha vida, por me darem a oportunidade de aprender um pouco mais com cada um de vocês. Obrigada à todos.
RESUMO
O presente trabalho final de graduação buscou fazer uma reflexão crítica, de natureza teórica e propositiva, acerca da políticas de preservação do patrimônio cultural e natural na área tombada de Caravelas, com maior ênfase na antiga área portuária da cidade, a Rua Aníbal Benévolo, popularmente conhecida como a Rua do Porto. A partir da premissa da relevância histórica do conjunto tombado e da paisagem natural, enquanto registros da história do desenvolvimento da Bahia, o trabalho foi desenvolvido na perspectiva de compreender os processos históricos que marcaram as transformações e asseguraram a permanência de elementos urbanos, naturais e humanos que constituem a ambiência do lugar. A partir da identificação dos valores culturais e ambientais da paisagem do Centro Histórico, foi feita uma proposta de diretrizes para a construção de um Plano Geral de Ações para o Centro Histórico de Caravelas, do qual desdobrou-se um projeto de intervenção urbanística e paisagística na Rua Aníbal Benévolo, haja visto o importante papel que desempenhou na história da cidade e o estado de abandono em que se encontra em tempos recentes. Além disso, foram desenvolvidos estudos e propostas referentes ao conjunto tombado, com o intuito de retomar as discussões acerca da preservação do patrimônio cultural na cidade.
Palavras-chave: Caravelas; Patrimônio Urbano; Patrimônio natural; Ambiência; Paisagismo.
ABSTRACT
The present final graduation work sought to make a critical reflection, of a theoretical and purposeful nature, about the policies for the preservation of cultural and natural heritage in the protected area of Caravelas, with greater emphasis on the old port area of the city, Aníbal Benévolo Street. Based on the premise of the historical relevance of the protected area and the natural landscape, as records of the development history of Bahia, the work was developed with the perspective of understanding the historical processes that marked the transformations and ensured the permanence of urban, natural and human elements that constitute the ambiance of the place. Based on the identification of the cultural and environmental values of the landscape of the Historic Center, a proposal for guidelines for the construction of a Masterplan was developed for the Historic Center of Caravelas, from which an urban and landscape intervention project unfolded on Aníbal Benévolo Street, seen the important role it played in the history of the city and the state of neglect in which it finds itself in recent times. In addition, studies and proposals were developed regarding the protected area, in order to resume discussions about the preservation of cultural heritage in the city.
Keywords: Caravelas; Urban Heritage; Natural patrimony; Ambience; Landscaping.
APRESENTAÇÃO
Esta apresentação é uma primeira aproximação ao tema deste trabalho sob a ótica da memória afetiva. Dessa forma, começo a falar desta cidade a partir de seu hino, pois esse é uma síntese – em poesia – de sua história e dias de glória. Estes já não são familiares, no entanto ainda é possível ver reminiscências de sua riqueza pelas ruas do Centro Histórico, as casas e seu povo perpetuam sua história: Num formoso rincão da Bahia Sob o palio de luz do cruzeiro Vive um povo de fibra sadia Que se orgulha de ser brasileiro Hei de amar minha terra ditosa de passagens tão gratas e belas Geratriz do genial Ruy Barbosa E notáveis varões Caravelas Junto aos pés de frondosas mangueiras Ao trinado de seu gaturamo prazenteira entre as mais prazenteiras Eis a bela cidade a que eu amo No oceano revolto da vida vai vencendo temíveis escolhos Tendo a frente a coroa cingida De princesa real dos Abrolhos
Ao perguntarem como é a vida nesta cidade, a primeira imagem é um feno rolando pelas ruas desertas, assim como as cidades fantasmas são retratadas nos desenhos animados – ainda que isso não ocorra de fato. Viver em Caravelas é a máxima ex-
pressão da vida pacata de interior: tudo se resolve a pé, ou de bicicleta; os recados são dados pessoalmente, não a hora do lazer é a hora de colocar as cadeiras nas portas para ver o “movimento” da rua, são as missas e cultos de domingo; um catolicismo forte e presente no modo de vida e que constitui o calendário festivo da cidade; um estilo de vida meio praiano, às vezes meio rural. O poema “Uma cidadezinha qualquer” retrata bem esse modo de vida “devagar”próprio das cidades pequenas e antigas: Casas entre bananeiras mulheres entre laranjeiras pomar amor cantar Um homem vai devagar Um cachorro vai devagar. Um burro vai devagar Devagar... as janelas olham Eta vida besta, meu Deus (Carlos Drummond de Andrade)
Outro aspecto típico da vida caravelense são apropriações dos espaços públicos como uma extensão da própria casa. E quando se é criança a praça é o playground (sem restrição) do condomínio. Haviam regras de uso e convivência estabelecidas pelas crianças, moradores da Praça Santo Antônio e em seu entorno. A praça era mais que um lugar de brincar, era um verdadeiro território na cidade, chegando a ter concurso de Miss e eleições para prefeito.
A medida que se cresce e ganha-se mais liberdade, o espaço da praça já não era o suficiente para as brincadeiras e, assim, a Rua do Porto¹ passou a ser anexado ao território. O Porto expandiu o repertório de brincadeiras, desde a descida de bicicleta na ladeira, como se fosse montanha-russa, às brincadeiras no barco, de esconde-esconde e balanço em época de maré cheia. As brincadeiras levaram à descoberta do rio que, embora sempre estivesse ali, era proibido. E assim todos os dias depois da aula se praticava um mergulho na Escadinha, com cuidado para não se ralar nas ostras. Outro ponto frequentado para banho é a Ponte, principalmente por adolescentes, onde as embarcações maiores atracam. Atualmente, a Escadinha está arruinada e a Ponte está cercada, o que dificulta práticas de lazer como banho e pesca. A Rua do Porto também era lugar da feira. Toda sexta à noite pequenos agricultores, muitos das famílias ribeirinhas, e comerciantes da região instalavam suas barracas na rua onde ficavam até sábado a tarde. E assim, tinha saída com o avô para fazer as compras da semana. Descia-se pela rua de Dona Maria (Travessa que liga a Praça Santo Antônio à Rua do Porto) chegando no setor das carnes, seguido pelos temperos, legumes, verduras e frutas, utilitários, roupas… E nos meses de maio à agosto sempre tinha caranguejo para o almoço em casa, já que os meses sem R são os melhores para o seu consumo, pois de setembro a abril a espécie se reproduz.
Além da Praça e do Porto, algumas edificações são marcos na cidade, algumas pelo requinte arquitetônico, como a Co-Catedral de Santo Antônio² e a casa de Seu Alfredinho, e outras por significados dados pelos moradores, muitas vezes por serem morada ce figuras importantes para a cidade ou por uma caso que ali ocorreu. Essas construções são cenários das histórias da cidade, das celebrações e de todas as relações sociais construídas nas calçadas, nas praças, nas ruas. Nessa perspectiva, a Rua do Porto é um dos espaços mais impregnados de significado, apesar da área carregar um estigma de sujeira, prostituição e drogas. A rua ainda é palco de celebrações religiosas e é o ponto de chegada e partida de quem vem pelo rio. É onde se tem a vista do manguezal e do rio em contraste com as ruínas de casas antigas, é lugar de pesca, de banho e de contemplação. Entretanto, bem como Caravelas, a Rua do Porto viveu seu ápice no século XIX, quando as lavouras de café e pesca da baleia eram a base da economia da cidade, depois como porto de escoamento da produção do norte de Minas, devido a Estrada de Ferro Bahia-Minas (EFBM). Porém, sempre fora um lugar estigmatizado como sujo, pobre, da prostituição, e, hoje, das drogas. Verifica-se nessa área, portanto, um cenário de crise constante que demanda um fortalecimento das dinâmicas econômicas já estabelecidas na cidade e das práticas comunitárias locais para a reintegração dessa área como lugar de convívio social.
1. A Rua Aníbal Benévolo, antiga Rua Direita, é conhecida como Rua do Porto, pois até meados do século XX funcionava ali o cais da cidade. Atualmente, o local serve como atracadouro para pequenas embarcações de pesca e turísticas. 2. A denominação de Co-Catedral se refere à catedral que divide a sede episcopal com outro templo catedralício. No caso de Caravelas, com o crescimento de Teixeira de Freitas, é feita a transferência da sede da Diocese para a cidade, em 1983. Contudo, a igreja de Santo Antônio em Caravelas recebe o título pela relevância histórica para o catolicismo na região.
A partir do afeto, a ideia inicial propunha-se a trabalhar exclusivamente com a Rua do Porto. Entranto no decorrer da construção do projeto surgiu a necessidade de ampliar o estudo para se compreender os processos históricos que culminaram na atual situação da rua, do Centro Histórico e da cidade. Percebeu-se que o problema da preservação do patrimônio cultural tinha origem em problemas socioeconômicos, pois, com a perda do entreposto comercial e o surgimento gradual da monocultura do eucalipto, chegou-se a uma sequência cíclica de causa e efeito. O pequeno produtor vende a sua terra para os latifundiários, migra para a cidade, o que gera problemas socioambientais e a consequente diminuição dos recursos naturais que, por sua vez, são as principais fontes de renda das comunidades tradicionais. Isto posto, buscou-se desenvolver um projeto que solucionasse esses problemas sociais, econômicos, ambientais e culturais na sua raiz, de modo que se pudesse desenvolver um equipamento público que gerasse renda para a população a partir das práticas das comunidades locais. Dentro de uma profusão de ideias o trabalho travou, embora a solução encontrada contribuísse para a geração de renda e manutenção dos modos de vida tradicionais a partir das práticas locais, essa ideia ia de encontro com a motivação inicial do trabalho, que tinha uma tendênciia mais urbanística e paisagística. Diante do impasse em prosseguir com um projeto que tratava diretamente da raiz da problemática no âmbito da arquitetura ou desenvolver um trabalho focado em uma das consequências no campo do urbano, optou-se pela segundo caminho, de forma que essa escolha mais adiante mostrou uma maior concretude no retorno para Caravelas.
Independente do momento do trabalho, as dificuldades encontradas foram as mesmas. Em primeiro lugar os 841 km de distância entre Salvador e Caravelas e o alto custo de descolacamento entre as cidades, o que tornou alguns levantamentos in loco e metodologias de pesquisa e projeto participativas inviáveis. Em segundo lugar o material bibliográfico encontrava-se disperso, sendo necessário recorrer as mais diversas fontes guiadas, muitas vezes, por histórias contadas por antigos moradores. Há uma produção acadêmica mais volumosa em relação às questões ambientais sobre Caravelas, que tratam principalmente de Abrolhos e o manguezal. Entretanto, a literatura sobre a história, cultura e arquitetura ainda é muito escassa, sendo necessário costurar informações de diversas e plurais fontes, partindo da oralidade do povo, recortes de jornais, Inventário para Proteção do Acervo Cultural da Bahia (IPAC-SIC), trabalhos acadêmicos, dados levantados em campo, fotografias e literatura comparada. O tema escolhido, portanto, possibilitou transitar entre vivências, bagagem teórica e práticas profissionais acumulada durante as experiências de estágio em preservação cultural. Além de retribuir à minha cidade natal um pouco do que dela recebi, referência, identidade, memória e cultura. E é por isso que se essa rua (do Porto) fosse minha também eu traria de volta a vida urbana, o contato com o rio e a beleza do seu casario.
LISTA DE SIGLAS
CHS COMDEPHAC EFBM GSDG IBGE ICMBio IDEB IDH INEMA IPAC IPAC-SIC IPHAN MMA PCD PNMA RESEX SM SNUC SPHAM UC
Centro Histórico de Salvador Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural Estrada de ferro Bahia-Minas Global Street Design Guide Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico Índice de Desenvolvimento Humano Instituto do Meio Ambiente e Recursos HÍdricos Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia Inventário para Proteção do Acervo Cultural da Bahia Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Ministério do Meio Ambiente Pessoa com Deficiência Parque Nacional Marinho dos Abrolhos Reserva Extrativista Salário Mínimo Sistema Nacional de Unidade de Conservação Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Municipal Unidade de Conservação
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 LOCALIZAÇÃO, INSERÇÃO REGIONAL E ACESSOS Figura 02 MAPA DE TOMBAMENTOS DO IPAC Figura 03 PRECEITOS PARA UMA CIDADE PARA PESSOAS - VIDA, ESPAÇO E EDIFÍCIO Figura 04 VISTA AÉREA E AMBIÊNCIA DO PARQUE MANGAL DAS GARÇAS Figura 05 AMBIÊNCIA TASINGE PLADS Figura 06 AMBIÊNCIA PARQUE MADUREIRA Figura 07 AMBIÊNCIA PARQUE CANTINHO DO CÉU Figura 08 FRAGMENTO DO ATLAS DE ALBERNAZ MOSTRANDO ABROLHOS E RIO DAS CARAVELAS Figura 09 FAROL DE ABROLHOS (FOTOGRAFIA PUBLICADA EM 1911) Figura 10 AQUARELA DA FAZENDA POMBAL NA COLÔNIA LEOPOLDINA (1820-1840) Figura 11 “NAVIO CANAVIEIRAS - PORTO LLOYD BRASILEIRO” Figura 12 “O ÚLTIMO TRANSPORTADOR DE JACARANDÁ, NAVIO HENRIQUE SCHIMIDTH” (1966) Figura 13 CHEGADA DE COLONOS JAPONESES NO AEROPORTO DE CARAVELAS PARA INSTALAÇÃO DA OLÔNIA EM JUERANA (1963) Figura 14 DESTACAMENTO DO AEROPORTO DE CARAVELAS Figura 15 PERCURSO DA EFBM NO MUNICÍPIO DE CARAVELAS Figura 16 PRIMEIRA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE CARAVELAS (ENTRE 1897-1925) Figura 17 ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE PONTA DE AREIA Figura 18 ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE PONTA DE AREIA DESTRUÍDA (1980) Figura 19 EMBARCAÇÃO CARREGADA DE EUCALIPTO EM CONTRASTE COM OS BARCOS DO CORTEJO À IEMANJÁ, TERMINAL DE BARCAÇAS DA FIBRIA (2019) Figura 20 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E RIOS DO COMPLEXO DO CASSURUBÁ Figura 21 BARRACA DE PRODUTOS DE AGRICULTURA FAMILIAR (2018) Figura 22 COMÉRCIO DE SIRI DE PORTA EM PORTA (2019) Figura 23 DESMATAMENTO HISTÓRICO DA MATA ATLÂNTICA NO EXTREMO SUL DA BAHIA Figura 24 MODELO CONCEITUAL DA RESEX DO CASSURUBÁ SINTETIZADO Figura 25 USO DA TERRA NO MUNICÍPIO DE CARAVELAS Figura 26 MARUJADA EM CARAVELAS (DATA INCERTA) Figura 27 PROCISSÃO MARÍTIMA DURANTE A FESTA DE SÃO PEDRO NA BARRA DE CARAVELAS (2012) Figura 28 ENCENAÇÃO DE BATALHA ENTRE MOUROS E CRISTÃO (2007) Figura 29 TRIO ELÉTRICO TRADICIONAL KITONGOS 2000 PASSANDO NA RUA SETE Figura 30 DIAGRAMA DE POSSIBILIDADES DE EQUIPAMENTOS PÚBLICOS Figura 31 MAPEAMENTO DE POTENCIALIDADES DAS LOCALIDADES DA SEDE DE CARAVELAS Figura 32 IGREJA DE NOSSA SENHORA DE LOURDES DURANTE E APÓS OBRA DE INTERVENÇÃO (2017) Figura 33 LOGRADOUROS DO CENTRO HISTÓRICO E BENS INVENTARIADOS PELO IPAC-SIC Figura 34 ÁREA DE MANGUE NA RUA DO PORTO (JANEIRO DE 2020) Figura 35 VISTA AÉREA RUA DO PORTO EM MARÉ ALTA (JUNHO DE 2020)
30 31 38 44 44 45 45 49 49 51 53 53 55 55 56 56 57 57 59 64 66 66 68 69 69 72 72 75 75 83 85 91 92 97 97
Figura 36 MAPA DE TOPOGRAFIA E VEGETAÇÃO Figura 37 PRAÇA MATRIZ E CASARIO DE ENTORNO, ANTIGA CASA DE C MARA E CADEIRA NO CANTO ESQUERDO Figura 38 PRAÇA E CO-CATEDRAL DE SANTO ANTÔNIO Figura 39 TRECHO MIOLO DE QUADRA ENTREAS RUAS BARÃO DO RIO BRANCO E FIRMINO PEREIRA Figura 40 CROQUI PRAÇA SANTO ANTÔNIO Figura 41 CROQUI ENTORNO DA IGREJA SANTA EFIGÊNIA Figura 42 CROQUI CANTEIRO ENTRE AS RUAS TEOBALDO COSTA E COMENDADOR MELGAÇO Figura 43 CROQUI PRAÇA DR. EMÍLIO IMBASSAHY Figura 44 FAMÍLIA SENTADA NA PORTA DE CASA NA RUA BARÃO DO RIO BRANCO Figura 45 MAPA DE CHEIOS E VAZIOS Figura 46 CROQUI DA RUA BARÃO DO RIO BRANCO VOLTADA PARA A PRAÇA SANTO ANTÔNIO Figura 47 CROQUI DA RUA BARÃO DO RIO BRANCO VOLTADA PARA A PRAÇA 15 DE NOVEMBRO Figura 48 CROQUI DA RUA SETE DE SETEMBRO COM DESTAQUE A TORRE DA IGREJA Figura 49 LATERAL DA IGREJA VISTA DE QUEM CHEGA PELA RUA DO PORTO Figura 50 RIO CARAVELAS E ILHA DO CASSURUBÁ ENQUADRADOS PELO BECO DO PINGUIM Figura 51 CASARIO DA PRAÇA SANTO ANTÔNIO ENQUADRADO PELO BECO DO PINGUIM Figura 52 CROQUI VISTA DA IGREJA DE SANTA EFIGÊNIA A PARTIR DDA PRAÇA DR. EMÍLIO IMBASSAHY Figura 53 VISTA DA IGREJA DE SANTA EFIGÊNIA A PARTIR DDA PRAÇA DR. EMÍLIO IMBASSAHY (DÉCADA DE 1970-1980) Figura 54 INFOGRÁFICO DE INFRAESTRUTURA URBANA Figura 55 SISTEMAS DE ESGOTO SANITÁRIO Figura 56 SISTEMA VIÁRIO E INFRAESTRUTURA URBANA Figura 57 MAPA DE USO DO SOLO Figura 58 MAPA DE ESTADO DE CONSERVAÇÃO Figura 59 ALVENARIAS DE TIJOLO E PEDRA DE IMÓVEIS DO CENTRO HISTÓRICO DE CARAVELAS (2019) Figura 60 DIAGRAMA DE ESTUDO DE VOLUMETRIAS CARACTERÍSTICAS DO CASARIO HISTÓRICO DE CARAVELAS Figura 61 DIAGRAMA DE ESTUDO DE VOLUMETRIAS CARACTERÍSTICAS DO CASARIO HISTÓRICO DE CARAVELAS Figura 62 MAPA DE COBERTURA Figura 63 IMÓVEL Nº 118, RUA BARÃO DO RIO BRANCO (2019) Figura 64 IMÓVEL Nº 41, RUA SETE DE SETEMBRO (2019) Figura 65 IMÓVEL Nº 29, RUA BARÃO DO RIO BRANCO(2019) Figura 66 IMÓVEL Nº 17, RUA BARÃO DO RIO BRANCO (2019) Figura 67 IMÓVEL Nº 23, RUA BARÃO DO RIO BRANCO (2019) Figura 68 MAPA DE COROAMENTO Figura 69 MAPA DE REVESTIMENTO DE FACHADA Figura 70 JANELAS DO CASARIO HISTÓRICO (2019) Figura 71 MAPA DE ANÁLISE DAS ABERTURAS Figura 72 ANÁLISE DE TRECHO DE PERFIL DA RUA SETE DE SETEMBRO (2019) Figura 73 MAPA DE GRAU DE INTEGRAÇÃO Figura 74 VISTA AÉREA DE CARAVELAS (DÉCADA DE 1970-1980) Figura 75 RUA SETE DE SETEMBRO E CINE-TEATRO (à esquerda) Figura 76 IGREJA DE SANTA EFIGÊNIA (1957)
99 101 101 102 103 104 104 105 105 107 108 108 109 109 110 110 111 111 112 113 114 119 121 124 126 129 131 132 132 132 133 133 135 137 139 141 143 145 149 150 150
Figura 77 RUA DAS PALMEIRAS E ANTIGO PRÉDIO DO COLÉGIO AGRIPINIANO DE BARROS (à esquerda) Figura 78 PROPOSTA DE SETORIZAÇÃO DO CENTRO HISTÓRICO Figura 79 NORTEADORES DE PROJETO Figura 80 DIRETRIZES PARA PROPOSTAS AO CENTRO HISTÓRICO DE CARAVELAS Figura 81 RUA ANÍBAL BENÉVOLO VISTA DO PÍER DO LLOYD BRASILEIRO (FOTO POSSIVELMENTE DO INÍCIO DO SÉCULO XX) Figura 82 VISTA DA RUA DO PORTO E DA ANTIGA CASA DE CÂMARA E CADEIRA (FOTO TIRADA POSSIVELMENTE ENTRE DÉCADA DE 1920 E 1950) Figura 83 VISTA AÉREA DA RUA DO PORTO E DA CIDADE (DÉCADA DE 1970-1980) Figura 84 VISTA DE PARTE DO FRONTISPÍCIO (DÉCADA DE 1970-1980) Figura 85 ANTIGA FEIRA LIVRE QUE OCORRIA NA RUA DO PORTO (2000) Figura 86 ESQUEMA DE DINÂMICAS DE USO NA RUA ANÍBAL BENÉVOLO Figura 87 A RUA DO PORTO COMO UM ECOSSISTEMA DE TRANSIÇÃO Figura 88 PROPOSTA PARA O SISTEMA VIÁRIO Figura 89 VISUAIS, ACESSOS E USOS NA ÁREA DE INTERVENÇÃO Figura 90 AMPLIAÇÃO DA ÁREA, NOVOS FLUXOS E ZONEAMENTO Figura 91 ESQUEMA DE CONCEPÇÃO DE DRENAGEM DA ÁREA Figura 92 CONCEPÇAO DE PAISAGISMO Figura 92 ESQUEMA DE CONCEPÇAO DE PAISAGISMO PELA PERSPECTIVA DO CONFORTO Figura 93 CORTE RUA TRECHO PORTO Figura 94 PLANTA GERAL E CORTE PRAÇA Figura 95 CORTE PRAÇA Figura 96 PLANTA CANTEIRO Figura 97 CORTE CANTEIRO SECO Figura 98 TRECHO PLANTA E CORTE CANTEIRO ALAGÁVEL E PÍER Figura 99 CORTE CANTEIRO ALAGÁVEL Figura 100 CORTE ACESSO PÍER Figura 101 CORTE PÍER Figura 102 AMBIÊNCIA DA NOVA RUA DO PORTO
150 153 154 156 161 162 162 163 163 165 166 169 171 173 175 177 179 183 184 186 188 190 192 194 196 197 198
SUMÁRIO caravelas
notas introdutórias
aproximação do tema, objetivos e abordagens metodológicas
presente histórico
os ciclos socioeconômicos e a formação da cidade
o caravelense
cultura, tradição e estatísticas
centro histórico tombamento municipal tentativas de preservação
39
princesa dos abrolhos e do manguezal
63
71
considerações parciais
81
89
aspectos urbanísticos e ambientais
95
da matéria à ambiência
47
extrativismo e políticas de preservação ambiental
fragilidades, potencialidades e possibilidades
morfologia, infraestrutura e paisagem urbana
aspectos edilícios
123
de aníbal benévolo à rua do porto
161
considerações finais
201
casario histórico e arquitetura popular
rua do porto
como intervir em centros históricos?
29
recapitulação das dinâmicas da rua
conjunto tombado
147
proposição
167
méritos, entraves e desdobramentos
conceito, partido e algumas soluções
Só se preserva aquilo que se ama, só se ama aquilo que se conhece. Aloísio Magalhães
CARAVELAS
(RE)CONHECENDO O TERRITÓRIO
caravelas | (re)conhecendo território
1. Fotografia do Acervo do IPAC-SIC
NOTAS INTRODUTÓRIAS APROXIMAÇÃO DO TEMA, OBJETIVOS E ABORDAGENS METODOLÓGICAS
O objeto de estudo desse trabalho final de graduação é o Centro Histórico da cidade de Caravelas, localizada no Extremo Sul da Bahia³ [figura 01]. O município faz parte da zona turística Costa das Baleias e é limitado pelos municípios de Nova Viçosa ao sul, Alcobaça ao norte, Teixeira de Freitas, Ibirapuã e Medeiros Neto à oeste e é banhada pelo Oceano Atlântico à leste. Possui uma área de 2.377,872 km² e é formado pela parte continental e por ilhas (IBGE, 2018). O principal acesso à sede se dá a partir da rodovia federal BR-101 e rodovias complementares: BR-418 ao sul, entrando em Posto da Mata; BA-290 na altura de Teixeira de Freitas; e a BA-489 ao norte que liga a cidade ao município de Itamaraju. O território do município é ainda cortado pelas rodovias BA-001 que dá acesso a sede, BA-696, BA-126 e BA693 que dão acesso à distritos e povoados. Há também um aeroporto de pequeno porte, conhecido como Aeroporto das Conchas⁴, utilizado para fins militares e, eventualmente, vôos particulares. O Centro Histórico de Caravelas é reconhecido como patrimônio cultural em nível municipal pelo Decreto n° 380 de 02 de outubro de
2002. Como patrimônio cultural, o conjunto urbano pode ser uma referência identitária apenas para a sua população, mas como um registro histórico ganha relevância estadual. A cidade remonta da época das primeiras ocupações portuguesas no país, sendo o ponto de partida para a ocupação do Extremo Sul Baiano, junto com Porto Seguro, e do Vale do Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais. No entanto, nota-se pouco engajamento por parte dos órgãos de preservação em atuar nessa região [figura 02]. Para compreender o que se chama de Conjuntos Históricos, partiu-se da premissa apontada pela Recomendação de Nairóbi (1976, p. 01) que esses espaços são “a presença viva do passado que lhes deu forma” e que possuem uma dimensão humana suplementar aos seus aspectos formais e construtivos. Dentro dessa perspectiva, os Centros Históricos configuram-se como uma memória viva, constituído por vários elementos construtivos e culturais que permaneceram no decorrer do tempo, abrangendo tanto o ambiente construído como as atividades humanas e as dinâmicas sociais tradicionalmente estabelecidas no território.
3. Os municípios que constituem a microrregião do Extremo Sul da Bahia são: Mucuri, Nova Viçosa, Caravelas, Alcobaça e Prado, que constituem a zona turística da Costa das Baleias, além de Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália, Belmonte, Teixeira de Freitas, Itabela, Itamaraju, Eunápolis, Itagimirim, Lajedão, Ibirapuã, Medeiros Neto, Itanhém, Vereda, Jucuruçu, Guaratinga e Itapebi. 4. O aeroporto de Caravelas (1942-1945) foi construído por estadunidenses na Segunda Guerra Mundial, por ser um ponto estratégico para base militar.
29
capítulo 1 | notas introdutórias
bahia
extremo sul
Salvador 841 km
Belo Horizonte 751 km Vitória 404 km
costa das baleias
oceano atlântico
município de caravelas 101
04
BR-
BA-290
06
BA-126
01 | Caravelas (sede) 02 | Juerana 03 | Ponta de Areia 04 | Santo Antônio de Barcelona 05 | Barra 06 | Nova Tribuna 07 | Rancho Alegre [figura 01] LOCALIZAÇÃO, INSERÇÃO REGIONAL E ACESSOS Elaborado pela autora com base no Google Earth (2019)
BA-001
30
07
02
8
-41
BA
01
03
05
caravelas | (re)conhecendo o territรณrio
extremo sul tombamento definitivo
25
tombamento provisรณrio
0
2
[figura 02] MAPA DE TOMBAMENTOS DO IPAC Elaborado pela autora com base em dados do IPAC (2019)
31
32
capítulo 1 | notas introdutórias
Em Caravelas, o Centro Histórico coincide com a totalidade da mancha urbana da cidade até meados do século XX, quando a cidade começou a se expandir na direção leste, dando origem ao atual bairro da Nova Coréia. Embora seja possível visualizar as diversas passagens do tempo, o conjunto edificado apresenta uma certa homogeneidade, com representativo valor cultural, histórico e arquitetônico o que, ao ser valorizado, fortalece a identidade⁵ da comunidade local: Considerando que, diante dos perigos da uniformização e da despersonalização que se manifestam constantemente em nossa época, esses testemunhos vivos [conjuntos históricos] das épocas anteriores adquirem uma importância vital para cada ser humano e para as nações que neles encontram a expressão de sua cultura e, ao mesmo tempo, um dos fundamentos de sua identidade. (Recomendação de Nairóbi, 1976)
A Recomendação de Nairóbi enfatiza também em outras partes do texto o o papel da modernização nos processos de destruição do patrimônio cultural e a identidade dos conjuntos. Em Caravelas, os principais problemas e entraves para a preservação do seu Centro Histórico são decorrentes de uma alteração na dinâmica econômica da cidade. Diferente das grandes cidades que tiveram seus centros econômicos e administrativos transferidos para novas áreas sob pretexto de “modernização”, Caravelas perde
o caráter de entreposto comercial construído desde o século XVI. Essa mudança ocorreu gradualmente sendo o marco final a implantação da BR-101, que rompe a rede de escoamento de madeira e produção agrícola do nordeste mineiro e do extremo sul baiano, cujo ponto de saída era o Porto de Caravelas. Além disso, a construção da BR-101 cria um cenário favorável para chegada das fazendas de eucalipto na região, que avançaram sobre áreas de vulnerabilidade ambiental, o que, por sua vez, constitui uma ameaça a manutenção dos modos de vida tradicionais da população caravelense que depende diretamente dos recursos naturais. Como consequência dessas mudanças econômicas, Caravelas não sofreu o esvaziamento do centro da cidade, mas o empobrecimento da população que não possui recursos financeiros e técnicos para conservação do casario. Essa degradação é um risco iminente para a perda desses bens culturais, tanto do ponto de vista material quanto documental, entendendo a cidade como registro histórico dos modos de vida do passado. Dado o valor do Centro Histórico para a perpetuação da memória e formação da identidade individual e do povo caravelense, da sua relevância histórica para a Bahia e da sua riqueza ambiental, esse trabalho se propõe a investigar as possíveis causas para a perda do patrimônio cultural, levantar e analisar a atual situação do Centro Histórico e, por fim, elaborar um projeto urbanístico e paisagístico que parte da seguinte pergunta: como intervir em centros históricos?
5. “(...) identidade se relaciona com a concepção que o indivíduo tem de si mesmo e do seu pertencimento e sua afiliação a grupos.” (BRANDÃO, Joseane Paiva Macedo. Identidade. In: REZENDE, Maria Beatriz; GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Orgs.). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 1ª ed. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2015, verbete).
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1.1. OBJETIVOS: GERAL E ESPECÍFICOS O objetivo geral deste trabalho é levantar possíveis cenários propositivos para o resgate da ambiência da Rua Aníbal Benévolo Caravelas, como parte de uma ação global para a preservação e qualificação dos espaços urbanos do Centro Histórico de Caravelas. Os objetivos específicos são: Pictogramas retirados do site flaction.com/
APROXIMAR Levantar demandas de Caravelas (área de estudo ampliada) em relação às dimensões culturais, ambientais e socioeconômicas
ATRAIR Projetar espaços que sejam atrativos para os moradores locais e que transformem a Rua do Porto em um lugar de permanência
DIAGNOSTICAR Diagnosticar o Centro Histórico (área de estudo reduzida) levantando os méritos arquitetônicos, urbanísticos e paisagísticos, bem como os entraves para sua preservação e problemas socioambientais
CONVIVER Repensar os espaços públicos com foco nas pessoas e práticas locais, a partir da criação de estruturas físicas que promovam o convívio social
PRESERVAR Propor ações de salvaguarda do patrimônio cultural e natural
RESTAURAR Propor a percursos para a restauração do espaço urbano e regeneraração do natural
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capítulo 1 | notas introdutórias
1.2. METODOLOGIA A metodologia utilizada nesse trabalho fundamentou-se no Manual de Elaboração de Projetos de Preservação do Patrimônio Cultural⁶ que estabelece os procedimentos necessários para elaboração de projetos em Espaços Públicos Urbanos tombados pelo Instituto Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Os procedimentos podem ser agrupados em três etapas, Identificação e Conhecimento do Objeto de Intervenção, Diagnóstico e Proposta, sintetizados na página ao lado com a adaptação da autora. Na primeira etapa são desenvolvidos a pesquisa histórica, levantamento físico e informações de infraestrutura, aspectos legais e levantamento socioeconômico e ambiental. Neste trabalho esses estudos se ampliaram para a cidade, com o objetivo de se compreender melhor os processos e dinâmicas estabelecidas entre Centro Histórico, sede e município. Na etapa diagnóstico foram incorporados alguns processos metodológicos apreendidos durante experiências de estágios, principalmente em projetos e trabalhos sobre estudo de conjuntos tombados e sua normatização. Em 2018, a participação no projeto de desenvolvimento de Normas e Critérios de Intervenção para o Centro Histórico de Salvador (CHS)⁷, possibilitou que a autora trabalhasse na etapa de levantamento de aspectos edilícios do bem a ser protegido e entendesse a relevância e análises geradas a partir dos diversos mapas temáticos, de modo que
parte da metodologia de trabalho fosse aplicada no capítulo 10, que trata do levantamento de valores atribuídos ao casario histórico. No ano seguinte, dentre as experiências propiciadas pelo estágio no Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), as discussões entre técnicos e a participação direta no trabalho de desenvolvimento de dossiê para o desenvolvimento de normativas contribui para a elaboração da metodologia de pesquisa e análise aplicada no capítulo 9, que trata das questões urbanísticas. Esse período de trabalho foi determinante para absorver o aprendizado no estágio anterior e o relacionar com outras questões colocadas no órgão, principalmente no que tange os desafios da preservação de conjuntos históricos tombados do interior da Bahia. A metodologia de intervenção adotada para o desenvolvimento do Plano Geral de Intervenção Urbanística e Paisagística para o Centro Histórico foi concebida a partir da discussão do capítulo 2, no qual levantou-se brevemente um discussões sobre o restauro urbano, passando pelas posturas e experiências de órgãos nacionais e chegando à discussões contemporâneas sobre espaço e paisagem urbana, a partir do trabalho de Gehl (2015) para a criação de cidade para pessoas, ampliando a visão para incorporar questões socioambientais e práticas locais pautadas por Rocha (2017).
6. BRAGA, Sylvia Maria Nelo; GOMIDE, José Hailon; SILVA, Patrícia Reis da. Manual de Elaboração de Projetos de Preservação do Patrimônio Cultural. Brasília: Instituto do Programa Monumenta, Ministério da Cultura, 2005. 7. O projeto está sendo desenvolvido pela UFBA através de convênio com o IPHAN e visa elaborar diagnósticos para proposição de novos setores para as poligonais de tombamento do IPHAN no CHS e Comércio, bem como indicar diretrizes para o desenvolvimento de normativas.
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CARAVELAS
(RE)CONHECENDO O TERRITÓRIO
1.1 Composição teórica para desenvolvimento da pesquisa, análises e proposições
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1.2 Caracterização socioeconômica 1.3 Estudo dos aspectos geoambientais 1.4 Pesquisa histórica 1.5 Levantamento de manifestações culturais
CENTRO HISTÓRICO
2
TRANSFORMAÇÕES E PERMANÊNCIAS
2.1 Estudo da legislação 2.2 Levantamento de elementos do sítio físico e morfologia urbana
1.6 Identificação das fragilidades, potencialidades e possibilidades
2.3 Caracterização das edificações
RUA DO PORTO
UMA PROPOSTA SOCIOAMBIENTAL
3.1 Plano Geral de Intervenção Urbanística e Paisagística do Centro Histórico de Caravelas 3.2. Concepção conceitual e do partido urbanístico e paisagístico para projeto básico para a Rua do Porto 3.3. Atividade projetual
2.4 Análise da paisagem urbana
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2.5 Levantamento de elementos de áreas livres e usos e apropriações 2.6 Identificação dos méritos e entraves
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capítulo 1 | notas introdutórias
1.3. ESTRUTURA DO TRABALHO O trabalho foi dividido em três momentos, Caravelas, Centro Histórico e Rua do Porto. O primeiro se dedica à entender à cidade de Caravelas nas dimensões sociais, ambientais e culturais, cujo principal objetivo foi buscar um denominador comum e os processos históricos que levaram ao empobrecimento da população, a perda gradativa ao patrimônio cultural e as ameaças ambientais, as discussões são desenvolvidas ao longo de sete capítulos. Ao fim, aponta também possíveis caminhos, no âmbito da Arquitetura e Urbanismo, a serem seguidos para resolver essas questões. Este capítulo introdutório se aproxima ido objeto de estudo, introduz brevmente a sua relevância e discute conceitos e as problemáticas do tema de pesquisa. Nessa seção, também foram apresentados os objetivos do trabalho e o processo de pesquisa. O capítulo 2 trata da composição teórica criada para o desenvolvimento desse trabalho, que podem ser agrupadas em referencial para pesquisa e análise do objeto de estudo e referencial para proposições de intervenções, dentro desses grupos foram utilizados referenciais teóricos e técnicos, e projetuais, no segundo grupo. O capítulo 3 faz um abordagem do contexto histórico pela perspectiva dos ciclos socioeconômicos, apresentando um breve panorama dos processos de formação da cidade e as principais atividades econômicas desenvolvidas em todo território municipal, chegando a apresentar os desdobramentos que esses processos trouxeram para o presente.
O capítulo 4 apresenta resumidamente a biodiversidade encontrada no território municipal, as principais ameaças para sua preservação e as políticas de proteção implantadas. Além disso, aborda a relação homem-natureza estabelecida dentro dos ecossistemas, mostrando a importância da sua riqueza ambiental para a comunidade local. O capítulo 5 levanta aspectos culturais e estatíticas relacionadas ao povo caravelense, o objetivo é entender quais são os principais agentes da formação identidade local no decorrer da história e dos grupos que atuam no presente para preservar celebrações tradicionais e formas de expressão artística, bem como compreender o perfil socioeconômico e educacional da população. Destaca-se que o principal desafio dessa parte da pesquisa foi fazer esse levantamento sem poder participar das celebrações, buscando as informações na literatura, ainda que escassa, e na própria memória. O capítulo 6 cruza as informações dadas nos capítulos anteriores para a investigação da possível causa dos principais problemas sociais, ambientais e culturais da cidade hoje, assim como aponta as suas potencialidades nos mesmos âmbitos e mapeia os lugares onde essas potencialidades se apresentam mais fortes. Com base neste levantamento, são apontados alguns caminhos possíveis para a resolver algumas dessas questões. No segundo momento, o recorte de pesquisa é reduzido ao objeto de estudo, o Centro Histórico de Caravelas, são desenvolvidos quatro capítulos com o objetivo identificar
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os valores do patrimônio, no âmbito da história, do urbanismo e da arquitetura. Em síntese, essa etapa do trabalho instrumentaliza para ações propositivas que serão desenvolvidas na terceira parte do trabalho. O capítulo 7 aborda resgata algumas iniciativas de inventário e instrumentos de proteção municipais existentes para o patrimônio cultural de Caravelas, como o tombamento é vago, não apresenta os valores e atributos a serem preservados, nem dossiê sobre o bem protegido ou até mesmo um mapa com a poligonal do conjunto, foi necessário fazer uma investigação comparativa entre dados levantados em campo, fotografias antigas e bibliografia especializada, relacionando também com os processos históricos já discutidos no capítulo 3. Os capítulos 8 e 9 se desenvolveram com base nas metodologias experienciadas durante os estágios com adaptações da autora, dada às diferentes condições de trabalho e as particularidades dos conjuntos tombados. A partir do diagnóstico, volta-se para uma análise da descaracterização do conjunto do ponto de vista da paisagem urbana. O capítulo 8 aborda questões de infraestrutura, morfologia e paisagem urbana e o capítulo 9 trata dos aspectos edilícios que conformam a ambiência urbana, de modo que se debruça apenas sobre a volumetria, cobertura e fachada do casario. O capítulo 10 faz uma síntese dos méritos do Centro Histórico de Caravelas, identificando os valores que devem ser preservados no exercício projetual, e dos entraves tanto para a preservação do seu patrimônio. Além disso, propõe uma setorização da poligonal aproximada de tom-
bamento, de modo a definir quais áreas necessitam de uma legislação mais rígida e quais podem ser mais flexíveis, supondo que um dos possíveis desdobramentos do trabalho seja um tombamento à nível estadual com criação de normativas de intervenção. Também aponta diretrizes para o desenvolvimento de um Plano Geral de Intervenção Urbanística e Paisagístia para o Centro Histórico. A terceira parte é propositiva, o capítulo 11 faz uma proposta de adequação das tipologias de ruas do Centro Histórico, a partir do entedimento que a Rua Aníbal Benévolo está inserida em uma rede viária que mantém relações paisagísticas muito importantes. No capítulo 12, portanto, explica a concepção conceitual do projeto, bem como o partido urbanístico e paisagístico e as soluções projetuais para a Rua Aníbal Benévolo. No capítulo 13, são feitas as considerações finais, no qual são resgatos as principais discussões dos capítulos anteriores e os apontamentos de cada seção do trabalho, indicando as considerações que foram incorporadas no projeto final e os possíveis desdobramentos, tanto no âmbito do projetual quanto no desenvolvimento de políticas públicas.
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2. [figura 03] PRECEITOS PARA UMA CIDADE PARA PESSOAS - VIDA, ESPAÇO E EDIFÍCIO Ilustrações de Gehl Architects
COMO INTERVIR EM CENTROS HISTÓRICOS? DA MATÉRIA À AMBIÊNCIA
O restauro se institui como disciplina no século XIX, tendo como estopim o fim da Revolução Francesa⁸, embora as noções de patrimônio e tentativas de preservação de bens culturais são incipientes desde a Antiguidade Clássica. Neste período, destacaram-se por suas contribuições Viollet-le-Duc (1814-1879), cuja teoria foi a base do que se entende como restauro estilístico, John Ruskin (1819-1900) e o anti-restauro e Camillo Boito (1836-1914) que constitui a base do restauro moderno. Como disciplina, o restauro surge para debater as formas de conservação e restauração das obras de arte e monumentos de arquitetura, de modo que durante o século XIX a dimensão urbana limitava-se ao entorno imediato dos monumentos individuais, como uma espécie de fundo de cenário para as obras arquitetônicas de valor artístico excepcional. O primeiro teórico levantar a discussão sobre a dimensão urbana dopatrimônio foi o arquiteto italiano Gustavo Giovannoni (1873-1947). O teórico contribuiu para a amplianção do conceito de patrimônio, a partir do entendimento da relação estabelecida entre o monumento individual e o seu contexto urbano. Giovanonni reconheceu que a pró-
pria “essência da arquitetura” estava impregnada no valor do ambiente, o que poderia conferir à “obras menores”, conjuntos edificados e, até mesmo, núcleos urbanos atributos dignos de preservação (ANDRADE, 2008). Essas questões foram levadas para debate durante a Conferência de Atenas⁹ (1931), entretanto a Carta de Atenas estabelecia uma relação de “pano de fundo” entre o urbano e o bem, de forma que o sítio histórico serviria para contextualização dos grandes monumentos de arquitetura excepcional. A reverberação das discussões de Giovannoni vai se intensificar no contexto europeu pós Segunda Guerra Mundial (1945), quando o debate muda para como reconstruir quarteirões, centros e cidades históricas arruinadas? Nessa conjuntura, surge na Itália a teoria do restauro crítico, cujos primeiros fundamentos foram formulados pelo arquiteto Roberto Pane (1897-1987). Para Pane, os espaços urbanos são construções coletivas e constantes, de maneira que a proteção desses ambientes deveria se debruçar sobre sobre a “manutenção de relações de massas e de espaço” (RUFINONI, 2009, p. 109). O teórico formulou algumas diretrizes¹⁰ para atuações dentro dessas áreas:
8. Em resposta à um dito “vandalismo” revolucionário, que buscava destruir todos os resquícios e símbolos ligados às antigas classes dominantes, a França vivencia várias experiências no âmbito de políticas de preservação, formulação de teorias para intervenções, formação de profissionais e consolidação da prática do restauro. (KUHL, 2007). 9. Primeira conferência internacional de peso sobre o tema da conservação e restauração de monumentos.
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capítulo 2 | como intervir em centros históricos?
I – Definir os limites do centro histórico-artístico. II – Estabelecer, sem admitir nenhuma exceção, que dentro dos limites supracitados não seja permitida, nem ao poder público nem a privados, a construção de edifícios cuja altura supere aquela média dos edifícios circundantes. (...) III – Desapropriar a título de utilidade pública as zonas verdes privadas localizadas no centro supracitado com o objetivo de impedir que as mesmas venham a ser utilizadas como áreas edificantes. Esta última norma é sugerida pela necessidade de evitar que continuem a surgir casas no interior dos antigos quarteirões, e assim no lugar em que a presença de quintais e jardins compensava a angústia das ruas garantindo, às aberturas internas, um respiro precioso. (PANE, 1959, apud ANDRADE, 2008)
Fica evidente a preocupação de Pane em relação a preservação da morfologia urbana, em detrimento da conservação da unidade estilística do conjunto urbano, de modo que, além da preservação da relação entre volumetrias, Pane identifica como valor o traçado urbano e toda a sua “estratificação secular”. No entanto, é Bonelli é o responsável pela ampliação da teoria do restauro crítico e culmina o termo “restauro urbano” que, contrário ao restauro de obras arquitetônicas, o objeto de intervenção, para além das características formais, trata-se das dimensões ima-
teriais que se estabelecem no ambiente urbano, sejam elas antropológicas, sociológicas, psicológicas ou culturais, pois o que caracteriza um núcleo histórico como uma obra de arte é a “vida traduzida em forma e forma impregnada de vida” (BONELLI, 1995, p. 31 apud RUFINONI, 2009, p. 117). De um modo geral, a discussão embrionária acerca da questão urbanística do restauro tratava mais dos aspectos arquitetônicos da cidade, no contexto pós-guerra, a necessidade de inserção de novas arquiteturas em monumentos e conjuntos arruinados passam a ser um ponto central do debate, ficando os espaços públicos e a morfologia urbana em segundo plano. Contudo, a Carta de Veneza (1964) faz um importante avanço, tanto na questão urbana ao apontar o potencial monumental do sítio urbano, quanto na mudança de mentalidade, ao relacionar o valor patrimonial com a significação cultural criada pelo povo e o bem: A noção de monumento histórico compreende a criação arquitetônica isolada, bem como o sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento histórico. Estende-se não só às grandes criações, mas também às obras modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural. (Carta de Veneza, 1964, grifo nosso)
10. Roberto Pane constrói essas diretrizes em resposta ao posicionamento do historiador de arte Cesare Brandi (1906-1988), um dos principais nomes do restauro crítico, cuja teoria é muito difundida atualmente no Brasil, que fez um ensaio negando a possibilidade de inserção de construções modernistas em lacunas dentro de contextos históricos (ANDRADE, 2008). 11. O trabalho de Lynch ajudou enfatizar a dimensão visual da percepção humana a partir da análise de cinco elementos: pontos nodais, limites, marcos, bairros e vias (LYNCH, 1969).
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2.1. PATRIMÔNIO URBANO NO BRASIL Apesar dos avanços em relação a dimensão urbana do patrimônio cultural, a postura adotada pelos órgãos de preservação no Brasil se baseia na noção de que os núcleos históricos são obras de arte concluídas e valorizam conjuntos arquitetônicos com unidade estilística em detrimento dos atributos urbanísticos e paisagísticos que compõe todo o conjunto. De forma que as intervenções aprovadas pelos órgãos e caracterizam por “uma espécie de neocolonial simplificado, que acalma as consciências” (REIS FILHO, 2011, página 122). Esse modus operandi é consequência também dos valores que se querem preservar, muitas vezes sendo elencados nos processos de tombamentos sem a participação da sociedade civil e da população ligada diretamente ao contexto do bem. O primeiro tombamento na escala de conjunto foi a cidade histórica de Ouro Preto (1938), uma ação “rápida” se considerarmos que a primeira legislação referente à preservação cultural no Brasil é o Decreto Lei nº 25 de 1937, que já previa a abrangência das políticas de proteção para “os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens”. As cidades históricas tombadas pelo IPHAN caracterizavam-se por ser um conjunto aparentemente “congelado”, que apresentavam um casario com unidade estilística dos séculos XVIII e XIX. A preservação dos bens se dava pela estagnação econômica dessas regiões, de modo que com o tombamento foram impulsionados em determinados lugares atividades de turismo. Isso reverbera ainda em ações do órgão mais recentes, a exemplo do Programa Monumenta no qual uma das duas principais estratégias foi restaurar os núcleos históricos para promover um turismo cultura, de modo que
Quanto mais espetaculoso o patrimônio, melhor, pois a operação teria maior possibilidade de ser bem-sucedida do ponto de vista econômico. A exclusão da população e dos usos tradicionais é consequência e, talvez, uma condição para esse sucesso: a valorização dos imóveis tende a promover a expulsão dos usos mais populares e a gentrificação; ao mesmo tempo, a elitização do espaço requer segurança, higienização e assepsia, situação que, para muitos, só pode ser alcançada com a exclusão dos mais pobres. (BONDUKI, 2012, p. 365)
Há, no entanto, uma mudança gradativa na postura dos órgãos de preservação, a exemplo disso temos, em andamento, a experiência de normatização do CHS, tombado em nível federal pelo IPHAN, que incorporou no processo a participação popular através da metodologia de elaboração de mapas mentais para a leitura da imagem da cidade desenvolvida por Kevin Lynch¹¹. Os mapas mentais ajudam a identificar os valores agregados aos espaços históricos por quem o habita, informação de suma importância para nortear as políticas de preservação desses conjuntos. Apesar da ampliação do conceito de patrimônio e da mudança de postura dos órgãos, se faz urgente também o atendimento às novas demandas urbanas socioambientais, em especial às práticas comunitárias que emergem nesses lugares, pois como visto anteriormente o restauro urbano trata das questões formais e também da “vida” que se desenvolve ali, em síntese patrimônio urbano é tanto “lugar como processo” quanto “lugar como produto (ROCHA, 2017; BONELLI, 1995, apud RUFINONI, 2009).
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2.2. POSSÍVEIS FORMAS DE INTERVIR A problemática de intervir no Centro Histórico de Caravelas extrapola as questões de conservação e restauro do patrimônio cultural edificado, pois trata não somente do bem material e seu valor artístico e histórico como precisa atender às demandas e complexidades das dinâmicas urbanas de uma cidade interiorana. Portanto a proposta deve assegurar a conservação e resgate dos valores artísticos, históricos e paisagísticos do conjunto, como também garantir a diversidade de usos e a qualidade do espaço público para usufruto dos moradores.
“(...) conjunto de componentes naturais e não naturais, e todo o espaço externo que pode ser apreendido pelo olhar. Pressupõe-se o espaço como cenário onde se realizam relações sociais, políticas e econômicas desempenhadas pelos diversos grupos sociais, sendo uma situação construída coletivamente e incluindo as diferentes culturas e valores, assim como o protagonismo e a participação das pessoas envolvidas com o lugar.”
Apesar das limitações impostas pela distância e recursos limitados, busca-se incorporar práticas comunitárias locais que ocorrem no objeto de estudo, pois se entende que ao se “considerar a diversidade de visões, buscar pontos de convergência entre elas e entender as incongruências, são caminhos (...) capazes de promover transformações socioespaciais mais efetivas e duradouras” (ROCHA, 2017). Nesse trabalho às práticas comunitárias locais observadas durante o desenvolvimento do trabalho serão balizadores, ou seja, elas serão o ponto de partida para o desenvolvimento da proposta de intervenção urbanística e paisagística.
Como pontuado por Rocha, a ambiência em si extrapola a dimensão física, logo não é um objeto passível de intervenção direta. Todavia, a sua dimensão imaterial é influenciada diretamente pela forma dos espaços urbanos e construções do entorno, ou seja, podemos manipular a dimensão humana e suas percepções ao moldarmos as formas construídas (GEHL, 2017). A melhoria da ambiência, portanto, favorece as relações sociais estabelecidas no espaço urbano e deve priorizar a dimensão humana das construções, inclusive em núcleos históricos, pois esses “não são ruínas arqueológicas, mas lugares vivos, onde habita uma população com necessidades contemporâneas” (BONDUKI, 2012, p. 364).
Portanto, esse trabalho busca atender a urgência pela preservação do patrimônio cultural do núcleo histórico de Caravelas, conciliando o tecnicismo da arquitetura e urbanismo com as práticas locais. Para tanto, o trabalho se pauta no resgate da ambiência dessa área, entendendo ambiência urbana como Rocha aborda em sua tese de doutorado, com fundamentação em diversos autores
(ROCHA, 2017)
Diante disso, a proposta desenvolvida neste trabalho parte das três propriedades imprescindíveis para a criação de uma Cidade Para Pessoas, segundo Gehl (2013), vida, espaço e edifícios. A vida é entendida para além do uso misto, ela é composta por lugares que alcancem atividades, funções, formas, espaços,
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pessoas, tipologias edilícias, dimensões diversas e promova acessibilidade. Os espaços públicos são os condutores das interações sociais, da economia local, promovem conexões, mobilidade e a criação da cultura e memória do lugar. Os edifícios devem atender à escala humana ou senso de comunidade, através de uso de térreos ativos, zonas de transição, grande número de portas para a rua. Em Caravelas as construções já atendem essa dimensão, assim, nesse trabalho trataremos de questões ligadas a preservação do patrimônio cultural edificado. Além disso, entendendo a relevância ambiental da cidade para a manutenção de áreas de manguezais e restinga que a circundam, amplia-se a visão do trabalho para alcançar essa questão.
Pictogramas retirados do site flaction.com/
Para complementar o arcabouço teórico, foram analisados quatro intervenções urbanísticas, Parque Cantinho do Céu, Parque Madureira, Parque Mangal das Garças e Tåsinge Plads, nas quais foram identificadas o tripé defendido por Gehl e soluções ambientalmente sustentáveis, a serem discutidas individualmente na página seguinte. O principal ponto de divergência, entre os casos de estudo, foi a relação com a água. No Parque Madureira foi instalado um sistema de reuso de água pluvial, no Parque Cantinho do Céu a intervenção tinha como objetivo proteger uma área de manancial sem remover toda a comunidade já consolidada no local, no Parque Mangal das Garças o principal objetivo era reintegrar à cidade com o rio e na Tåsinge Plads o manejo das águas pluviais foram incorporados no paisagismo. Já os principais pontos de convergência entre as referências são:
- PROGRAMA + APROPRIAÇÃO Em ambos os casos são construídos espaços com usos flexíveis.
- INSTAGRAMÁVEL + IDENTIDADE A proposta atende às demandas do contexto onde estão inseridas e dialogam com seu entorno.
- CONCRETO + PERMEABILIDADE Uso de cobertura vegetal e pavimentação drenante para aumentar a permeabilidade do solo.
- ESTÉTICA + BIODIVERSIDADE Para composição paisagística foram utilizados espécies da flora nativa de cada local.
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PARQUE MANGAL DAS GARÇAS Idealizado pelo poder público com o intuito de desenvolver o turismo na cidade e no Estado do Pará, além de resgatar a morfologia vegetal de Belém. O projeto se assemelha com a área de estudo em questão, pois o terreno situa-se em um sítio histórico de uma cidade portuária. Além disso, o terreno está localizado à beira-rio e pode ser dividido em duas áreas distintas, a área do parque em si e a várzea, tomada pelo aningal. A concepção paisagística do parque tem uma preocupação ecológica e cultural, a medida que se propõe a fazer um resgate e valorização da paisagem amazônica. Também preocupa-se com questões culturais, tais como a utilização de materiais e técnicas locais nos elementos arquitetônicos, bem como ter um programa compatível com os hábitos do morador da cidade. Além disso, o parque busca incorporar a água em seus espaços, de modo a reestabelecer o contato entre cidade-rio.
Localização Autores Ano Área Programa
Belém do Pará, Brasil Rosa Kliass 1999-2005 40.000 m² Parque
Localização Autores Ano Área Programa
Copenhagen, Dinamarca GHB Landscape Architects 2013 - 2014 7.500 m² Praça
[figura 04] VISTA AÉREA E AMBIÊNCIA DO PARQUE MANGAL DAS GARÇAS fotospublicas.com/
TÅSINGE PLADS A praça é um dos subprojetos contidos no plano de bairro “Primeiro Bairro Resiliente ao Clima” de Copenhagen (2011-2015), uma iniciativa pública com o objetivo de tirar partido de soluções ambientais para promover renovação urbana em áreas vulneráveis (ROCHA, 2017). A praça Tåsinge Plads é estruturada por soluções sustentáveis de manejo da água, de modo a evitar inundações nos períodos de chuva. As águas podem ser encaminhadas para jardins de chuva, onde vão passar por processos de purificação e retornar ao solo, o excedente pode ser encaminhado para o sistema tradicional. Além disso, o projeto promove a interação dos usuários com a água a partir de um mobiliário lúdico, alimentados também pela água da chuva que passa por um processo de limpeza com uso de ultrassons nos reservatórios de armazenamento.
[figura 05] AMBIÊNCIA TASINGE PLADS klimakvarter.dk/
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PARQUE MADUREIRA Implantado em uma área carente de espaços verdes na zona norte do Rio de Janeiro, o projeto visava principalmente ser um equipamento público que requalificasse o espaço urbano aliando sustentabilidade, valorização da comunidade, recuperação ambiental e gesta de recursos. Além do viés de educação socioambiental, o projeto inspira por ter sido abraçado pela comunidade e ter um uso abrangente, com um programa diverso com quadras, playgrounds, academias, ciclovia, entre outros. Dentro das soluções sustentáveis cita-se as edificações com paredes e tetos verdes, recuperação da flora e fauna da região, energia solar, controle de resíduos sólidos, sistema de reuso de água, pisos permeáveis e uso de lâmpada LED.
Localização Autores Ano Área Programa
Rio de Janeiro, Brasil Ruy Rezende Arquitetos 2010 - 2012 109.000 m² Parque Urbano
Localização Autores Ano Área
São Paulo, Brasil Boldarini Arquitetura e Urbanismo 2008 - 2012 1.500.000 m² Parque Urbano
[figura 06] AMBIÊNCIA PARQUE MADUREIRA archdaily.com/
PARQUE CANTINHO DO CÉU O parque faz parte da proposta de urbanização do Complexo Cantinho do Céu, em uma área carente da zona sul de São Paulo. A princípio, todas as famílias seriam removidas da área, pois a ocupação está em uma APP, porém a ação foi revertida já que a comunidade estava consolidada no local. Foram feitas intervenções para recuperação ambiental e urbanística, sendo removidas apenas as casas que estavam em áreas de risco e que interferia na qualidade da água da represa. Foram realizadas obras de pavimentação, saneamento básico e um parque linear de 7 km de extensão na borda da represa, contando com um programa bem diverso. O projeto foi concebido para valorizar a paisagem natural, implantando equipamentos de lazer na borda e recuperando a massa vegetal, plantando espécies nativas, e aumentando a permeabilidade da área no entorno do manancial.
Programa
[figura 07] AMBIÊNCIA PARQUE CANTINHO DO CÉU archdaily.com/
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É preciso se libertar das “amarras”, não jogar fora simplesmente o passado e toda a sua história; o que é preciso, é considerar o passado como presente histórico. O passado, visto como presente histórico é ainda vivo, é um presente que ajuda a evitar as várias arapucas. (Lina Bo Bardi)
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3.
PRESENTE HISTÓRICO
OS CICLOS ECONÔMICOS E A FORMAÇÃO DA CIDADE
3.1. SÉCULO XVI AO SÉCULO XVII: DAS PRIMEIRAS OCUPAÇÕES À CHEGADA DOS JESUÍTAS Os primeiros registros históricos de Caravelas datam de 1503, ano em que Portugal enviou a segunda expedição exploratória para o território brasileiro. A esquadra, comandada por Gonçalo Coelho, saiu de Tejo em 1503 e chegou no mesmo ano em Fernando de Noronha, ponto onde a esquadra se dividiu e a embarcação comandada por Américo Vespucci se dirige ao Sul, vindo a atracar nas margens do rio Santo Antônio das Caravelas¹². Nessas terras fundou uma feitoria¹³ marcando o início da história de ocupação de Caravelas (MELLO, 2010, p. 25 ). Em 1534, o território, que corresponde hoje ao município de Caravelas, passou a integrar a capitania de Porto Seguro, cujo donatário era Pero de Campos Tourinho, nomeado na Carta Régia de 27 de maio do mesmo ano (RALILE, 1949, p. 14). Com a chegada de Tomé de Souza na recém fundada capital do Brasil, em 1549, inicia-se o período de ocupação do litoral e exploração do interior da colônia em busca, principalmente, de minerais e pedras pre-
ciosas (RALILE, 1949, p. 15). Nesse contexto, há indícios de que o bandeirante espanhol Francisco Bruzza Espinoza, partindo de Porto Seguro rumo ao sertão mineiro, tenha passado pelo Rio Caravelas, pois “visitou todo o litoral desde o Jequitinhonha até São Mateus”. Outro bandeirante de que se tem registros de passagem pela área, foi Sebastião Fernandes Tourinho, em 1572, que no retorno de sua expedição passou pelo “Vale do Rio das Caravelas” (RALILE, 1949, p. 16). Possivelmente, outros exploradores por ali também passaram em busca do “caminho para os sertões mineiros”, visto que a largura e a profundidade do rio eram favoráveis à navegação de grandes embarcações e os povos indígenas que viviam às margens do corpo hídrico não apresentavam ameaças às expedições. Essas constatações são documentadas no livro “Tratado descritivo do Brasil em 1587” de Gabriel Soares Souza (1851, p. 66-67), onde teceu a seguinte observação sobre o Rio das Caravelas e região:
12. Entre os historiadores há uma discussão em relação ao ponto de parada da embarcação comandada por Vespuci, alguns acreditam que o comandante português atracou em Cabo Frio. No entanto, a latitude registrada como local de parada corresponde à Caravelas, o que colabora com a hipótese apresentada (RALILE, 1949). 13. As feitorias eram entrepostos comerciais europeus implantados fora do continente, tinham a função de mercado, armazém, alfândega, defesa e ponto de apoio às navegações. A feitoria implantada em Caravelas, segundo RALILE (1949) foi formada por 24 homens e 12 peças de artilharia, porém acredita-se que estes foram vencidos por índios tupiniquins que viviam na região.
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“Tem este rio na boca uma ilha de uma légua, que lhe faz duas barras, a qual está povoada com fazendas, e criações de vaccas, que se dão n’ella muito bem. (...) A terra por este rio acima é muito boa, em que se dão todos os mantimentos, que lhe plantam, muito bem, e póde-se fazer aqui uma povoação, onde os moradores d’ella estarão muito providos de pescado e mariscos, e muita caça, que por toda aquella terra ha. Este rio vem de muilo longe, e pelo sertão é povoado do gentio bem acondicionado, que não faz mal aos homens brancos, que vão por elle acima para o sertão. Aqui n’este rio foi desembarcar Antônio Dias Adorno com a gente que trouxe da Bahia, quando por mandado do governador Luiz de Brito do Almeida foi ao sertão no descobrimento das esmeraldas (...)”.
Vale destacar que a região de Caravelas já era conhecida pelos inúmeros naufrágios que ocorriam nas proximidades de sua costa, em Abrolhos, retratado já em iconografias do século XVII [figura 08]. Acredita-se que o arquipélago foi batizado com esse nome, pois os antigos navegantes que por ali passavam era alertados “Abra os olhos!”, referindo-se aos perigos das formações de corais. Apesar da região já ser conhecida por navegadores, a fundação do povoado coube a um padre francês jesuíta (provavelmente, um dos missionário vindos com Manuel da Nóbrega), que no ano de 1581, ergueu uma pequena igreja sob a invocação de Santo Antônio do Campo dos Coqueiros (RALILE, 1949, p. 19), fundando a Aldeia de Garatuvo (IPACSIC, 1988).
Nesse registro, fica explícito o papel de entreposto de Caravelas, sendo um ponto importante da rota de escoamento dos produtos explorados nos sertões mineiros, papel que desempenhará até o meados do século XX. Navegadores também se dirigiam ao seu território, devido a a abundância de zimbos encontrados em suas praias. Os zimbos são um tipo de concha marinha usada como moeda na costa da África e que, portanto, foram exploradas pelos portugueses para a compra de escravos¹⁴. Outra recurso muito explorado em Caravelas era o pau -brasil, além de outras madeiras de “todas as qualidades” (RALILE, 1949), de modo que ali se desenvolveu atividades de construção naval, estimuladas também pelas atividades portuárias e pesqueiras, á época se pescava muito as garoupas (IPACSIC, 1988).
Em dois momentos de sua história, foi necessário a intervenção do Governador Geral do Brasil para reunir os colonos dispersos, em 1610 e em 1694 (RALILE, 1949, p. 23). Supõe-se que a primeira dispersão foi em decorrência de ataques indígenas, pois eram bastante recorrentes no trecho da capitania de Porto Seguro (RALILE, 1949), a exemplo do ataque promovido pelos Aimóres em 1564 IPAC-SIC, 1988, p. 17). E o segundo esvaziamento foi consequência de ataques holandeses que destruiram toda a aldeia em 1636. Em 1698, a aldeia sai da ilha banhada pelo oceano atlântico, possivelmente a Ilha do Pontal do Sul ou Ilha do Cassurubá, e é transferida para o sítio que hoje corresponde ao Centro Histórico de Caravelas (IPAC-SIC, 1988), já sob o comando dos jesuítas é fundada a Vila do Santo Antônio do Rio das Caravelas em 1700.
14. GOMES, Laurentino. Escravidão: do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares. Volume I, Ed.. Globo Livros, 2019, p. 233.
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[figura 08] FRAGMENTO DO ATLAS DE ALBERNAZ MOSTRANDO ABROLHOS E RIO DAS CARAVELAS (1640) bahia-turismo. com/ (acesso em 07/02/2019)
[figura 09] FAROL DE ABROLHOS (FOTOGRAFIA PUBLICADA EM 1911) bahia-turismo. com/ (acesso em 07/02/2019)
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3.2. SÉCULO XVIII A XIX: CONSOLIDAÇÃO PORTUÁRIA E DESENVOLVIMENTO DAS LAVOURAS A nova vila, fundada também pelos jesuítas, situava-se às margens do rio de mesmo nome, de forma a garantir mais segurança e proteção de seus habitantes contra ataques de embarcações marítimas, como ocorrera em 1636. Nos primeiros anos de sua história, a vila ainda mantinha o caráter de entreposto comercial. Entretanto, sua população vivia da exploração do zimbo, atividades pesqueiras, sobretudo de garoupa, e da exploração de madeira, usada para diversos fins, mas, principalmente, para construção naval. Possivelmente, as suas atividades comerciais já prosperavam, pois em 1714 já há registro de pagamento de impostos pelos moradores (RALILE, 1949). O livro de tombo de concessão de terras da vila registra o primeiro alvará em 1721, no qual é passado uma sesmaria para o desenvolvimente de lavouras à Luiz da Costa Sepulveda (RALILE, 1949, p. 25). Porém, Caravelas se tornará uma potência agrícola apenas no século XIX. Em 1759, os jesuítas são expulsos do Brasil por ordens do Primeiro-Ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro Marquês de Pombal, e durante o seu mandato são realizadas obras de urbanização nas aldeias da colônia, Caravelas é incluída na empreitada mesmo gozando do status de vila. Nesse período é construído a Casa de Câmara e Cadeia (1772), a Igreja Matriz é reformada (1772) e são organizadas as instituições públicas judiciárias e administrativas da vila.
A chegada da famílai real no Brasil também teve reverberações na história de Caravelas. Em 1808, D. João VI assina um decreto que promovia uma política de criação de colônias agrícolas estrangeiras no país. Depois de 10 anos são doadas as primeiras sesmarias para a formação das colônias, na Bahia, a primeira experiência foi a Colônia Leopoldina [figura 10] fundada por imigrantes alemães e suíços, em território pertencente à Vila Viçosa, que em 1833 seria indexada à Comarca de Caravelas¹⁵. Nos primeiros anos a colônia seguiu o acordo com a coroa e se manteve constituída apenas por colonos. Contudo, a insatisfação com o contrato e a carência de braços estrangeiros para o trabalho na lavoura criou o cenário favorável para a aquisição de mão de obra para as atividades de cultivo e voltasse a sua produção para a exportação de café. Leopoldina perde o status de colônia agrícola em 1850, contudo a sua produção cafeeira é responsável por dar à Caravelas uma posição de destaque na produção e exportação de café da província (FRAGA, 2010). A prosperidade da colônia teve fim na década de 1880, antes da abolição da escravatura ocorreram episódios de revoltas na colônia e, em 1888, a Lei Áurea põe fim ao modelo de negócios da colônia, baseada estritamente na exploração humana.
15. A Comarca de Caravelas é formada antes mesmo da sede ser elevada à categoria de cidade, o que veio ocorrer anos depois em 1855 através da Lei 521, assinada pelo Primeiro Ministro do Império, João Maurício Wanderley. Seu território era compreendido pelas vilas de Prado, Alcobaça, Viçosa e Porto Alegre, atual Mucuri (RALILE, 1949, p.45). Esses municípios hoje fazem parte da zona turística da Costa das Baleias.
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[figura 10] AQUARELA DA FAZENDA POMBAL NA COLÔNIA LEOPOLDINA (18201840) Ilustração atribuída à Bosset De Luze brasilianaiconografica. art.br/ (acesso em 07/02/2019)
Outro produto de grande valor comercial explorado nessa região eram os derivados da baleia. Os primeiros relatos dessas práticas datam de 1829, mas o auge da atividade foi em meados do século XIX, sendo que no ano de 1857 havia mais de 300 pessoas e 50 embarcações envolvidas (RALILE, 1949, p. 45). Os caçadores de baleia possuíam privilégio social, devido a importância dessa prática para a economia local, chegando a serem considerados heróis pela população. Da baleia aproveitava-se a carne, embora não fosse consumida pela população local, era exportada como iguaria, e o óleo, utilizado na construção de edificações e iluminação pública.A pesca da baleia foi uma atividade bastante lucrativa e praticada no Brasil e na Bahia desde o século XVII. No entanto, o ouvidor da Comarca de Porto Seguro em 1763, desobedecendo ordens do Marquês de Pombal, não instalou armações de caça e de mancho da baleia, na Vila do Santo Antônio das Caravelas, na época pertencente à comarca de
Porto Seguro, pois acreditava que as baleias não frequentavam aquela região em quantidades consideráveis (Castellucci, 2015, p. 93). De modo que em Caravelas a baleação como atividade econômica veio a ser desenvolvida dois séculos mais tarde e de modo artesanal. Essa atividade teve seu fim na região em 1924 quando a “última baleia pescada transpoz a barra do Rio das Caravelas” (RALILE, 1949, p. 45). Ainda nesse século, a pesca, a coleta de zimbo e a extração de Pau-Brasil e outras madeiras para a construção naval [figura 12] aindam eram atividades econômicas lucrativas. O zimbo, provavelmente, foi perdendo o valor econômico a medida que as leis abolicionistas foram promulgadas. A sua comercialização, possivelmente, acabou por volta de 1850, quando é promulgada a Lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico de escravos da África, onde tinha valor monetário. Logo, Caravelas se consolida como um empório e entreposto comercial, pois, além do alto
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tráfego de mercadorias, Caravelas tem uma posição estratégica, é um ponto central entre a antiga capital da colônia, Salvador, e a atual capital do Império, Rio de Janeiro, bem como tem uma proximidade com o nordeste mineiro.
Logo que os produtos agrícolas e o comércio avultarem no vale do Mucuri e adjacências, Caravelas será o empório do comércio estrangeiro, será a nossa alfândega e o nosso Rio de Janeiro: o Mucuri será tributário de Caravelas.
O alto movimento comercial favoreceu o cenário para a implantação de empresas de navegação na cidade [figura 11], em 1853 o Governo Provincial assinou contrato para a instalação da Companhia de Navegação a vapor Santa Cruz em Caravelas, ligando à vila ao porto de Maceió. E no ano seguinte, já havia uma linha regular ligando Caravelas à Salvador com viagens mensais. (RALILE, 1949, p. 48-49). Em seguida é dado o empreendimento para a construção de um farol na Ilha de Santa Bárbara em Abrolhos [figura 09], para previnir um maior número de acidentes na região. Após sua inauguração em 1861, Santa Bárbara passou a receber regularmente aprendizes da Marinha do Brasil.
Assim sendo, a concepção de uma comunicação via férrea entre as duas províncias partiu da iniciativa privada, mas, posteriormente, a sua construção foi subsidiada pelo Império. Três anos após o início das obras, a linha férrea funcionou pela primeira vez em 1881. Mas seus trilhos só chegaram ao seu destino final, Arassuaí, em 1942. Nos seus primeiros anos de vida, a Estrada de Ferro Bahia-Minas (EFBM) [figura 15] pertenceu à Província da Bahia, em 1897 é passada para o Estado de Minas Gerais e em 1912 é administrada pelos franceses Chemins de Fer Federaux de L’Est Brésilien até 1936 (RALILE, 1949).
O sucesso de seu porto também atraiu o interesse de produtores agrícolas do nordeste mineiro, que viram uma maior viabilidade econômica em escoar suas produções pelo porto de Caravelas, devido a sua proximidade com a região. Vale destacar que nesse período os limites da Comarca de Caravelas eram fronteiriços à comarca de Teófilo Otoni na Província de Minas Gerais. Na época, o governo imperial concentrava todo o escoamento da produção mineira no porto do Rio de Janeiro, o que ia de encontro com os interesses da elite do nordeste da província, como marca em seu discurso¹⁶ o político e comerciante Teófilo Otoni:
Diante do esposto, constata-se a que a ascensão econômica de Caravelas, que alcança seu ápice no terceiro quartel do século XIX. O que possibilitou a modernização da cidade, em 1833 é instalado o primeiro Ensino Secundário, em 1859 são construídos o cemitério e a fonte pública, no ano de 1864 é inaugurado o teatro de Caravelas e em 1875 chega o telégrafo à cidade. Hoje, antigos moradores, que viveram no período próspero do funcionamento da EFBM e atividade portuária, falam com nostalgia da movimentada Caravelas, também conhecida como “a cidade do já teve” (ALVES, 2014), no entanto a sua prosperidade ainda está registrada na arquitetura de seu casario.
16. Fragmento do discurso Teófilo Otoni para os acionistas da Cia do Mucuri, em 1856. In: GIFFONI, José Marcello. Trilhos arrancados: História da Estrada de Ferro Bahia e Minas (1878 – 1966). (Tese) Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
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[figura 11] “NAVIO CANAVIEIRAS PORTO LLOYD BRASILEIRO” Blog Fundação Benedito Ralile, (acesso em 07/02/2019)
[figura 12] “O ÚLTIMO TRANSPORTADOR DE JACARANDÁ, NAVIO HENRIQUE SCHIMIDTH” (1966) Blog Fundação Benedito Ralile, (acesso em 07/02/2019)
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3.3. SÉCULO XX AO SÉCULO XXI: A POLÍTICA RODOVIÁRIA NACIONAL E O DECLÍNIO ECONÔMICO LOCAL Na primeira metade do século XX, a principal atividade econômica de Caravelas era o escoamento de madeira e produtos agrícolas produzidos no nordeste de Minas Gerais. As atividades da EFBM garantiram a movimentação comercial e portuária, apesar do declínio das lavouras municipais no final do século XIX. Entretanto, houve uma investida do governo estadual, durante a gestão de Antônio Balbino (1955-1959), para o desenvolvimento de colônias agrícolas na Bahia, cujo objetivo era suprir às demandas da capital baiana que recorria à importação de produtos agrícolas de São Paulo. Essa experiência também chegou ao extremo sul baiano e duas colônias foram instaladas no território do município de Caravelas, Taquari (1955) e Juerana (1959), ocupadas por comunidades nipônicas [figura 13]. Apesar do investimento, as colônias do extremo sul baiano não tiveram êxito econômico (BRASIL, 2004). Dada a importância da Bahia-Minas para a economia local motiva a extensão do trilho e, em 1919, a Estação de Caravelas¹⁷ passar a ser o novo ponto final. O primeiro prédio da estação foi inaugurado em 1897 [figura 16], apesar da EFBM estender-se apenas até a Estação de Ponta de Areia [figura 17], localizada no distrito da cidade de mesmo nome. O atual prédio da Estação de Caravelas, onde hoje funciona a estação rodoviária, foi construído provavelmente em 1926 (RALILE,
1949). A estação ferroviária da cidade foi desativada em 1966, quando a EFBM foi extinta por um decreto do governo militar de Castelo Branco. Além da crise do setor cafeeiro no nordeste mineiro, a política federal de favorecimento dos transportes rodoviários contribuiu para a precarização e falência do sistema ferroviário. Assim como as cidades desenvolvidas ao longo da linha férrea, o fim da EFBM marca o início do declínio econômico de Caravelas. O empobrecimento das localidades e respectivas populações órfãs da Bahia-Minas foram perpetuados nos versos da música Ponta de Areia, que retrata a lacuna deixada pelo fim de suas atividades [figura 18]. Ponta de areia ponto final Da Bahia-Minas estrada natural Que ligava Minas ao porto ao mar Ponta de areia ponto final Da Bahia-Minas estrada natural Que ligava Minas ao porto ao mar Caminho de ferro mandaram arrancar Velho maquinista com seu boné Lembra o povo alegre que vinha cortejar Maria fumaça não canta mais Para moças flores janelas e quintais Na praça vazia um grito, um ai Casas esquecidas viúvas nos portais (Fernando Brant e Milton Nascimento, 1975)
17. Não foi possível a construção da Estação Final no centro de Caravelas, devido aos terrenos instáveis e brejos que dificultariam e encareceriam o empreendimento, além disso, a cidade não apresentava um bom ponto para a consrução de um píer, o que levou à construção da Estação final em um terreno doado entre a sede e o povoado da Barra. Assim, surge o atual distrito de Ponta de Areia, pois a doação do terreno estava vinculada ao loteamento e ocupação das terras, a fim de induzir aa expansão da cidade para aquela região (NOVAIS, 2014), o que de fato nunca ocorreu.
[figura 13] CHEGADA DE COLONOS JAPONESES NO AEROPORTO DE CARAVELAS PARA INSTALAÇÃO DA COLÔNIA EM JUERANA (1963) Acervo Carlos Ralile (acesso em 10/02/2019)
[figura 14] DESTACAMENTO DO AEROPORTO DE CARAVELAS Acervo IBGE (acesso em 10/02/2019)
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[figura 15] PERCURSO DA EFBM NO MUNICÍPIO DE CARAVELAS estacoesferroviarias. com.br/ (acesso em 10/02/2019)
[figura 16] PRIMEIRA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE CARAVELAS (ENTRE 1897-1925) estacoesferroviarias. com.br/ (acesso em 10/02/2019)
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[figura 17] ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE PONTA DE AREIA estacoesferroviarias. com.br/ (acesso em 10/02/2019)
[figura 18] ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE PONTA DE AREIA DESTRUÍDA (1980) estacoesferroviarias. com.br/ (acesso em 10/02/2019)
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Já em 1948, a inauguração da rodovia BR 116 que ligava o Rio de Janeiro à Bahia passando por Teófilo Otoni, cidade de grande importância para as atividades da EFBM, enfraqueceu as atividades portuárias em Caravela. Contudo, foi a construção da BR 101, inaugurada em 1973, que marca o fim de uma rede urbana construída desde o início da colonização e reconfigura as dinâmicas socioeconômicas locais e toda a logística de escoamento dos bens produzidos naquela região voltam-se para o transporte rodoviário. Nesse período, também são dados incentivos fiscais para o “reflorestamento” das áreas desmatadas em virtude da obra, o que impulsionou a monocultura do eucalipto, predominante em todo o Extremo Sul da Bahia. Em Caravelas, as fazendas de eucalipto tomaram 70% das terras cultiváveis e chegam a beirar as águas estuarinas, causando problemas socioeconômicos e ambientais (MELLO, 2010). Na década seguinte, é criado o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos (PNMA) em 1983, também um marco importante para a política de preservação ambiental em nível nacional. A cidade tem, portanto, uma chance de desenvolvimento do ecoturismo, pois Abrolhos tem a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul e nos períodos de junho à novembro é frequentado pelas baleias jubartes, atualmente um dos principais atrativos turísticos. A criação da Unidade de Conservação (UC) atraiu para Caravelas, cidade costeira mais próxima do arquipélago, Organizações Governamentais e Não Governamentais ligadas ao meio-ambiente, tais como o Instituto Baleia Jubarte, Conservação Internacional e Associação de Estudos Costeiros e Marinhos e o Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Nordeste.
Além da pesquisa científica, essas instituições foram de suma importância para a cidade, pois atuam junto às comunidades extrativistas e sociedade civil em ações de educação ambiental e na luta pela promoção de políticas de proteção ambiental. Um caso emblemático ocorreu em 2005, quando o município recebeu uma proposta para a criação da Cooperativa de Criadores de Camarão do Extremo Sul da Bahia (COOPEX) que almejava implantar o maior empreendimento de carcinicultura, técnica de criação de camarão em viveiro, do país em área de manguezal. Entretanto, as organizações ambientais e sociedade civil se articularam e conseguiram impedir que o empreendimento se concretizasse, no mesmo ano já existia a demarcação para a criação de uma nova UC federal que se sobrepunha à área de interesse da COOPEX. Em 2000 e 2001, a empresa Aracruz Celulose S/A junto com a Companhia de Navegação Norsul construíram o Terminal de Barcaças de Caravelas, o terreno localizado entre o distrito de Ponta de Areia e o povoado da Barra está englobado no complexo estaurino Cassurubá. O terminal, que começou a operar em 2003, foi construído com o objetivo de baratear o custo de escoamento das toras de eucalipto cultivadas no extremo sul baiano para a a fábrica e sede da empresa em Aracruz, Espírito Santo (OLIVEIRA, 2011). Em decorrência do movimento das grandes embarcações carregadas de madeira de eucalipto [figura 19], é feita a dragagem da foz do Rio Caravelas, no Canal do Tomba, o que gerou novos problemas ambientais e socioeconômicos na cidade, pois a interferência na vida marinha afeta também as comunidades extrativistas que dependem diretamente
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[figura 19] EMBARCAÇÃO CARREGADA DE EUCALIPTO EM CONTRASTE COM OS BARCOS DO CORTEJO À IEMANJÁ, TERMINAL DE BARCAÇAS DA FIBRIA (2019) Página da Prefeitura Municipal de Caravelas no Facebook (acesso em 10/02/2019)
da pesca e da mariscagem para a sua sobrevivência. Uma dessas consequências é o surgimento de ocupações desordenadas e irregulares em uma área dei Apicum, feição do manguezal desprovida de vegetação arbórea (ICMBio, 2018). Em 2002, a Prefeitura Municipal regulariza o loteamento da área, o que consolida o surgimento do Bairro Novo, como é popularmente conhecido. O estabelecimento do novo bairro, além de causar impactos e conflitos ambientais, intensificou o fluxo migratório das famílias ribeirinhas para a sede do município, que buscavam oportunidades de trabalho.
Após perder gradativamente a sua prosperidade econômica, Caravelas se mantém ainda hoje como entreposto comercial e porto de escoamento de madeira. No entanto, a indústria madeireira não gera uma empregabilidade expressiva da população local e o incipiente ecoturismo não possui a infraestrutura necessária para o seu crescimento. De modo que a maior parte de seus moradores sobrevivem do que plantam e do que pescam. Nessa conjuntura, o avanço da monocultura do eucalipto e a dragagem da foz do seu mais importante rio ameaçam a sua biodiversidade ambiental e os modos de vida tradicionais das famílias ribeirinhas e dos pescadores artesanais.
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LINHA DO TEMPO
CICLOS ECONÔMICOS Elaborado com base na obra de Ralile (1949) Pictogramas retirados do site flaction.com/
FEITORIA E ENTRADA PARA O SERTÃO MINEIRO PRIMEIRAS OCUPAÇÕES TERRITORIAIS
1503 POSSÍVEL “DESCOBERTA”
1581
LAVOURAS CAFEEIRAS E CONSOLIDAÇ O SÉCULO DE OUR
1700
1833
FUNDAÇÃO DA ALDEIA ELEVAÇÃO À VILA
1721 1ª SESMARIA
CRIAÇÃO DA COMARCA E
1818 COLÔNIA LEOPOLDINA
1850 EXTRATIVISMO DE ZIMBO
LEI EUSÉBIO DE QUE
1829 PESCA DE GAROUPA
PESCA DE BALEIA
PESCA E MARISCA 08
18
11
ENTRADA PARA O SERTÃO MINEIRO
LINHA REGULAR DE NAVEGAÇ
ESTRADA PARA COLÔNIA L ENTREPOSTO COMERCIAL EXPLORAÇÃO DE PAU-BRASIL
EXTRATIVISMO
AÇÃO DA OCUPAÇÃO RO
O PORTO DE MINAS OS ÚLTIMOS RESPIROS
AVANÇO DO EUCALIPTO E O INCIPIENTE ECOTURISMO DECLÍNIO ECONÔMICO LOCAL
1855
ELEVAÇÃO À CIDADE
1888
10
ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA AGRICULTURA FAMILIAR
EIRÓS
1924
1983
ÚLTIMO REGISTRO
PNMA
2009 RESEX CASSURUBÁ
AGEM ARTESANAL
853
ÇÃO
1861
FAROL DE ABROLHOS
1856
LEOPOLDINA
O DE MADEIRA
1935
2003
CONCESSÃO DOCAS
TERMINAL DA FIBRIA
09
1881 BAHIA-MINAS
15
1966 FIM DA EFBM
1973 BR-101
MONOCULTURA DE EUCALIPTO
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caravelas | (re)conhecendo território
4.
PRINCESA DOS ABROLHOS E DO MANGUEZAL
EXTRATIVISMO E POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL
Caravelas tem um clima tropical e sua temperatura média anual é 24,7ºC e ocorre uma variação de temperatura durante o ano de 4,3ºC. As normais climáticas¹⁸ solos predominantes e outros aspectos geoambientais, influenciam nas taxas de escoamento superficial, processos de erosão e assoreamento de rios e inundações. Devendo ser consideradas no planejamento urbano para expansão da cidade. A topografia da cidade caracterizase por ser uma planície com pequenas áreas inclinadas, portanto, embora não apresente áreas de risco de deslizamento por conta da declividade, o planejamento deve se pautar na identificação da vulnerabilidade ambiental das áreas. No que se refere aos aspectos hidrográficos, Caravelas é caracterizada por apresentar vários rios de pequeno porte, sendo o maior o rio Caravelas [figura 20]. Os seus principais afluentes são os rios Cupido, Jaburuna, Macaco, Caribé e Largo. A desembocadura do rio Caravelas é formada pelas regiões denominadas de Barra Velha e Canal do Tomba. O município apresenta três biomas: Mata Atlântica, Marinho e de Água Doce. Isso decorre por ser uma região que congrega variados ecossistemas como a Restinga, Manguezal, Apicum, entre outros. Pode-se divi-
dir os ecossistemas do município de acordo com a influência que a área recebe: a marinha, possuem substrato arenoso e vegetação do tipo Mata Seca de Restinga; a fluvial, sujeitas a inundações cíclicas e cobertas por formações herbáceo-graminóides; e a flúvio-marinha, cujo substrato não é consolidado e se desenvolve o mangue. Destacam-se duas Unidades de Conservação (UC) em Caravelas devido a relevância à nível nacional [figura 20], o Complexo de Abrolhos, que atrai um grande número de pesquisadores para a cidade, e o Complexo Estuarino, cujos recursos são a principal fonte de renda de inúmeras famílias. Ademais, os manguezais são de fundamental importância para o equilíbrio dos ecossistemas marinhos, inclusive Abrolhos. 4.1. ABROLHOS: ECOTURISMO E PESCA PREDATÓRIA Em Caravelas, a maior parte de seu fluxo turístico deriva da visitação ao Parque Nacional Marinho dos Abrolhos (PNMA) que está sob a gerência do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), cujo principal ponto de partida é a sede do município. Desse modo, as áreas naturais são de suma importância para o turis-
18. “A Organização Meteorológica Mundial define Normais como ‘valores médios calculados para um período relativamente longo e uniforme, no mínimo três décadas consecutivas’’ (Instituto Nacional de Meteorologia).
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caravelas | (re)conhecendo o território
4.2. MANGUEZAL: UNIDADE DE PRESERVAÇÃO E MODOS DE VIDA [figura 20] UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E RIOS DO COMPLEXO DO CASSURUBÁ INEMA (2019) e Oliveira (2011) com adaptação da autora
mo nos municípios da Costa das Baleias. As atrações do arquipélago são as atividades de mergulho, para a apreciação da fauna e flora dos recifes de corais e no período entre junho e novembro é possível fazer as observações das baleias Jubarte. Com área aproximada de 6.000 km, Abrolhos é constituído por um mosaico¹⁹, de ilhas vulcânicas, recifes de coral, mares rasos, manguezais e remanescentes da Mata Atlântica. É considerado o maior e mais rico sistema de recife de coral do Atlântico Sul e possui a maior concentração de baleias da costa brasileira. A pesca é outra atividade que cresceu muito na região dos Abrolhos na última década. A exploração dos recursos, entretanto, tem sido feita de forma insustentável, o que coloca em grande risco o futuro da atividade. A exploração dos estoques pesqueiros tem sido realizada de forma intensiva e a alta produção é mantida pela exploração constante de novas áreas e recursos (INEMA). Além da sobrepesca, a ocupação desordenada da linha de costa, a poluição por despejo in natura de esgoto proveniente das comunidades costeiras e o desmatamento ameaçam diretamente o futuro do complexo de Abrolhos. Frequentemente, cogita-se também a possibilidade da exploração de petróleo e mineração nessa região.
Outro ecossistema relevante para o município é o manguezal, que junto com a Restinga, Brejo, entre outros constituem o Complexo Estuarino de Cassurubá, com abrangência nos territórios dos municípios de Alcobaça e Nova Viçosa. Estima-se que sua área de influência chega a 36.000 ha, alcançando o Complexo de Abrolhos (Oliveira, 2007). O solo onde se desenvolvem os manguezais é lodoso, com baixa presença de oxigênio e grande quantidade de matéria orgânica. Por essa razão é o ambiente propício para a alimentação, proteção e reprodução de inúmeros animais. O manguezal é um ecossistema que, por suas características, funções e serviços, tem uma alta capacidade de absorver impactos, tais como poluição, vazamento de óleo e até mesmo supressão de vegetação. As espécies de vegetação de mangue que apresentam maior ocorrência no Cassurubá são mangue-vermelho (Rhizophora mangle), mangue-branco (Laguncularia racemosa), mangue-siriúba (Aviccenia germinans e Aviccenia schaueriana) e mangue de botão (Conocarpus erectus) (SOUZA, 2013). Segundo o mapeamento realizado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 2009, “os manguezais abrangem cerca de 1.225.444 hectares em quase todo o litoral brasileiro, constituindo zonas de elevada produtividade biológica.” Estima-se que os manguezais estejam sendo destruídos a taxas entre três e cinco vezes maiores que as médias estimadas para outras florestas, de
19. O Mosaico de uma Unidade de Conservação é um modelo de gestão de áreas protegidas que busca a participação, integração e envolvimento dos gestores das unidades e da população local na gestão das mesmas.
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modo que mais de 1/4 da cobertura de mangue original já desapareceu, impulsionado pela conversão de terras para a, agricultura, a aquicultura, o crescimento urbano, a poluição e a exploração excessiva dos recursos naturais (Van Bochove et al., 2014). Para garantir a preservação e desenvolvimento dos manguezais, já muito agredidos pela ação antrópica, foi criada a Lei Federal nº 12.651-2012 (Código Florestal), determinando o ecossistema como área de preservação permanente. Por outro lado o esforço de conservação é significativo e crescente. O Brasil possui 120 unidades de conservação com manguezais no interior (sendo 55 federais, 46 estaduais e 19 municipais, dessas 83% são de uso sustentável e 17% de proteção integral) que cobrem uma área de 1.211.444 hectares, o que representa 87% de todo ecossistema no Brasil. O mangue está historicamente associado como fonte de renda para diversas comunidades tradicionais que tiram seu sustento e alimento desse ecossistema. No complexo estuarino Cassurubá, de acordo com o IBGE (2000), vivia no ano de 1999 um total de 2.450 pessoas, sendo 1.550 na área do município de Caravelas e 900 em Nova Viçosa. É estimado que este total de pessoas forme trezentas famílias que vivem à margem dos rios ou no interior do território das ilhas e áreas do continente do complexo, sendo consideradas comunidades ribeirinhas (RANAURO, 2004). O sistema de políticas públicas para essas trezentas famílias, direcionadas para moradia, educação e saúde apresenta precariedades no funcionamento, colocando estas em situações limitantes para expansão de suas capacidades (RANAURO, 2004).
[figura 21] BARRACA DE PRODUTOS DE AGRICULTURA FAMILIAR (2018) Facebook da Prefeitura Municipal de Caravelas (acesso em 02/2019)
[figura 22] COMÉRCIO DE SIRI DE PORTA EM PORTA (2019) Acervo pessoal
caravelas | (re)conhecendo o território
Além destas comunidades, o complexo estuarino é utilizado há gerações por marisqueiros e pescadores residentes dos perímetros urbanos dos dois municípios. De acordo com Ranauro (2004) estas comunidades vivem da pesca, mariscagem e agricultura familiar²⁰ [figura 21], apresentando um perfil sociocultural de estreita relação com os aspectos naturais e de uma territorialidade definida, de onde eles tiram o seu sustento através de uma produção e/ou extrativismo de subsistência, características comuns das ditas “comunidades tradicionais” brasileiras. Os produtos podem ser comercializados através de atravessadores²¹, na Feira Livre ou de porta em porta [figura 22], moradores antigos relatam que no passado esse era a forma de comercialização mais comum.
ções tradicionais às políticas públicas de conservação da biodiversidade e inclusão social. Um dos instrumentos principais é o Conselho Deliberativo, conforme indica a Lei 9.985/2000 (BRASIL, 2000), conhecida como Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC). A consolidação desse Conselho estabelece mecanismos de governança local entre o órgão gestor e os atores, que interagem direta e indiretamente com a RESEX, e, posteriormente, conduz a elaboração participativa de um Plano de Manejo¹⁹ dos recursos a serem explorados. O Conselho Deliberativo foi formado em 2012, quando saiu a publicação no Diário Oficial da União no dia 10 de maio pela portaria nº 54, no entanto o Plano de Manejo foi finalizado apenas seis anos depois.
Em 5 de junho é decretada a criação da Reserva Extrativista (RESEX) do Cassurubá como uma área total de 100.767,56 mil hectares, sendo 31.996 de estuário e 68.665 hectares de área marinha. Como visto anteriormente, essa área exerce influência no Complexo dos Abrolhos, área mais extensa e biologicamente mais rica de recifes de coral do Atlântico Sul (WERNER et al., 2000). Entretanto, apenas a sua criação não garante a seguridade dos ambientes existentes e muito menos o acesso das popula-
Só no município de Caravelas cerca de 1.200 (O Timoneiro, 2009) famílias vivem da pesca e da mariscagem, a criação da reserva foi uma das medidas que potencialmente ajudariam essas pessoas, a partir do resguardo do espaço marinho para uso da comunidade local e fiscalizando eventuais embarcações de fora. À época da criação da RESEX do Cassurubá os pescadores estavam passando por dificuldade, como apontam depoimentos coletados pelo jornal O Timoneiro, 2009:
20. Geraldo Fortunato, agricultor familiar e morador da Ilha do Caribê. Além dele, outros pequenos agricultores de zonas ribeirinhas do município receberam barracas de feiras para realizarem seu comércio “informal” nas ruas da cidade. As barracas foram adquiridas pela Prefeitura Municipal de Caravelas e doadas para a Associação de Moradores, Pescadores e Marisqueiras do Povoado da Barra de Caravelas. 21. “Ele estabelece as normas, restrições para o uso, ações a serem desenvolvidas e manejo dos recursos naturais da UC, seu entorno e, quando for o caso, os corredores ecológicos a ela associados, podendo também incluir a implantação de estruturas físicas dentro da UC, visando minimizar os impactos negativos sobre a UC, garantir a manutenção dos processos ecológicos e prevenir a simplificação dos sistemas naturais.” (BRASIL, Ministério do Meio Ambiente. In: http:// www.mma.gov.br/areas-protegidas/unidades-de-conservacao/plano-de-manejo.html. Acesso 15 de janeiro de 2019).
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“A situação está mais difícil. Os peixes estão mais longe, o preço do quilo está diminuindo e o material encarecendo. O camarão também está diminuindo e há muitas embarcações no mar.” “Só as embarcações de Caravelas já são o bastante, e ainda vem os barcos de fora... a maioria coloca rede de dia e à noite.” (Antônio Teixeira e Roberto da Silva para O Timoneiro, respectivamente, 2009, p. 08)
A falta de políticas públicas de fiscalização e do Plano de Manejo à épóca foram corresponsáveis pela pesca ilegal e pela desvalorização do ofício do pescador, pois o baixo valor do pescado não garante a renda das famílias, sendo necessário, portanto, uma infraestrutura adequada para armazenamento, beneficiamento e venda desses produtos. Em 2018, é publicado o Volume I do Plano de Manejo que trata do diagnóstico ambiental e social da RESEX, no qual também são apontados estratégias para o desenvolvimento sustentável na área. No Volume II, publicado em 2019, são apresentados as normas e medidas a serem implementadas para alcançar os objetivos de conservação. O modelo conceitual adotado para o sistema de gestão da RESEX parte de um diagrama [figura 24] que sintetiza as complexas relações entre comunidade e ambiente, levantando as principais ameaças e fatores contribuintes para a proteção daquilo que se quer conservar, os chamados Alvos de Conservação que podem ser espécies, processos ecológicos ou ecossistemas. Os Alvos de Conservação da RESEX do Cassurubá são os ecossistemas de manguezal e restin-
ga, os rios, os recifes de corais, os bancos de camarão e as espécies de guaiamum, robalo e budião. Esses alvos são responsáveis por garantir benefícios diretos e indiretos para as comunidades extrativistas do Cassurubá - Serviços Ecossistêmicos - e as medidas de sua conservação vão garantir novos benefícios para as comunidades e para os ecossistemas - Alvos de Bem Estar Social. As principais ameaças mapeadas pelo Plano de Manejo apontam para duas principais causas, falta de fiscalização e políticas públicas socioambientais adequadas e a monocultura, sobretudo a do eucalipto. Ambos os fatores desencadeiam uma série de consequências que geram impactos ambientais, urbanos e socioculturais que, por sua vez, propiciam um cenário que permite ainda mais o avanço da monocultura de eucalipto. Essa atividade econômica foi uma das principais responsáveis pela redução de área de Mata Atlântica em Caravelas e no extremo sul baiano [figura 23], atualmente, as áreas de produção de eucalipto correspondem a 730, 01 km² (IBGE, 2019), ou, 30,7% do território do municipal [figura 25]. Já as áreas de matas ou florestas correspondem apenas à, aproximadamente, ¼ do território municipal, o que nos alerta da urgência em se desenvolver políticas públicas que contenham o avanço das monoculturas de eucalipto e o processo de desertificação verde em Caravelas.
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[figura 23] DESMATAMENTO HISTÓRICO DA MATA ATLÂNTICA NO EXTREMO SUL DA BAHIA Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica de Porto Seguro, 2014
caravelas | (re)conhecendo o território
MONOCULTURA DO EUCALIPTO
[figura 24] MODELO CONCEITUAL DA RESEX DO CASSURUBÁ SINTETIZADO Resumido e reorganizado pela autora com base no Plano de Manejo (2019)
MONOCULTURA
DRAGAGEM
FALTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS ADEQUADAS E FISCALIZAÇÃO PESCA E CAÇA ILEGAL �
QUEIMADAS
FALTA DE PLANEJAMENTO URBANO
FALTA DE RECURSOS NATURAIS
USO DE AGROTÓXICOS
DESCARTE INCORRETO DE RESÍDUOS
OCUPAÇÃO DESORDENADA E IRREGULAR
ÊXODOURBANO RURAL EXÔDO
PERDA DOS MODOS DE VIDA TRADICIONAIS
520,03 km²
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[figura 25] USO DA TERRA NO MUNICÍPIO DE CARAVELAS Elaborado pela autora com base em dados do Censo Agropecuário do IBGE (2018)
584,03 km² 730,01 km² 543,80 km²
21,9% PASTAGENS, LAVOURAS E AGROFLORESTAS
24,6%
30,7%
22,8%
MATAS OU FLORESTAS
PRODUÇÃO DE EUCALIPTO
OUTROS USOS DA TERRA
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5.
O CARAVELENSE
CULTURA, TRADIÇÃO E ESTATÍSCAS
O Artigo 216 da Constituição Federal (1988) define o patrimônio cultural brasileiro como “os bens de natureza material e imaterial (...) portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Esse conceito amplo abarca as diversas manifestações culturais, como o modo de vida, os saberes, formas de expressão, as obras de arte, documentos, construções, sítios, paisagens, etc. Desse ponto de vista, Caravelas apresenta uma diversidade cultural rica, materializada nos casarões antigos, nos edifícios religiosos históricos, na arquitetura das moradias dos trabalhadores e Estações da Estrada de Ferro, no mucambo de palha²² muito comum no povoado da Barra, nas casas de pau-a-pique das comunidades ribeirinhas e na paisagem natural conformada pelo Rio Caravelas e manguezal. A sua cultura também é constituída do saber das farinheiras tradicionais, dos pescadores e suas técnicas e apetrechos artesanais. Ela também se manifesta nos desfiles cívicos, nos grupos culturais afro-indígenas, nas quermesses e procissões religiosas.
Contudo, toda esses bens culturais são pouco documentados, o que foi uma das principais dificuldades encontradas no percurso do trabalho e também uma grande motivação para o seu desenvolvimento. Até mesmo o Centro Histórico, tombado em nível municipal, não apresenta um estudo detalhado sobre os seus valores culturais, tendo tomado como referência o inventário feito pelo IPAC-SIC, que pontuou apenas alguns casarões, a igreja matriz, uma construção vernacular e a Estação da Estrada de Ferro em Juerana. O patrimônio de natureza imaterial se mantém vivo pela oralidade, mas muito já se perdeu no decorrer do tempo, a exemplo do Terno de Reis, Bumba Meu Boi, Fesa do Senhor Bom Jesus, Festa de Nossa Senhora do Rosário, A Fragata, Marujada [figura 26] Pastoria, entre outros (RALILE, et. al, 2006). Existem iniciativas da sociedade civil e de instituições locais que buscam documentar as manifestações culturais caravelenses em suas diversas facetas, no entanto, essas ações per si não configuram como instrumento de preservação, sendo necessário o desenvolvimento de uma política pública para tal.
22. “Mucambo de palha, do tipo outrora frequente em toda a costa baiana e nordestina. Já não se encontram na região das antigas povoações de pescadores inteiramente de palha, senão exemplares isolados, em consequência da decadência da pesca artesanal e dos loteamentos de fim de semana. Os mucambos de palha são uma das mais primitivas e ecológicas formas de habitação do país, tendo sua origem na tradição indígena e africana.” (IPAC-SIC, 1988, p. 318).
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[figura 26] MARUJADA EM CARAVELAS (DATA INCERTA) Acervo Fundação Benedito Ralile
[figura 27] PROCISSÃO MARÍTIMA DURANTE A FESTA DE SÃO PEDRO NA BARRA DE CARAVELAS (2012) Blog Filarmônica Lira Imaculada Conceição (acesso 02/2019)
caravelas | (re)conhecendo o território
Como o objeto de estudo desse trabalho é o Centro Histórico de Caravelas, toda a análise sobre o patrimônio material vai ser desenvolvida detalhadamente na segunda parte do trabalho a partir do capítulo 8. Portanto, esse capítulo se debruçará sobre as celebrações que fazem parte do calendário festivo tradicional de Caravelas, com o objetivo de levantar as principais influências na formação da identidade do seu povo e a relação que estabelece com os espaços públicos. As celebrações culturais em Caravelas, em sua maioria, são heranças do período colonial. A maioria das manifestações são de natureza religiosa católica e mantém a tradição de apropriação das ruas para os ritos: “As ruas eram utilizadas em conjunto, pela população, desde os primeiros anos para algumas formas de recreação e principalmente para as procissões que se constituíam numa das atividades urbanas mais características. (...) As povoações mais humildes, como as aldeias de índios ou paróquias reunidas em torno de modestas igrejas isoladas, desenvolviam grande parte de suas funções nas praças (...)Em princípio, em frente às igrejas, onde a população se reunia após os ofícios religiosos, abriam-se largos, capazes de acomodá-la e frequentemente se desenvolvia o comércio, que aproveitava essas reuniões.” (FILHO, 1968, p. 133)
Assim como as procissões ocupam os espaços das ruas, a praça também mantém um importante papel nesse cenário, sendo palco de encenações em algumas datas e de quermesses em outras. Durante as festas dos padroeiros ocorrem as duas formas de ocupação do espaço público, são montadas as quermesses durante a trezena de Santo Antônio (31
de maio à 13 de junho), em Caravelas, e as novenas de Nossa Senhora de Lourdes (06 à 15 de agosto), em Ponta de Areia, e de Nossa Senhora da Imaculada Conceição (29 de novembro à 8 de dezembro), na Barra. E os festejos são finalizados com a procissão dos santos pelas ruas da cidade e das respectivas localidades. As outras celebrações católicas costumam se dar de uma forma ou outra, as procissões são tradições da Semana Santa, quando corre a encenação da Via Sacra, e do Corpus Christi, que ainda mantém a tradicional montagem dos tapetes nas ruas da cidade. E as quermesses são montadas nas celebrações juninas, de São João (24 de junho) à São Pedro (29 de junho). O Rio Caravelas e o mar também protagonizam procissões de barcos em homenagem à orixá Iemanjá (02 de fevereiro) e ao santo católico São Pedro [figura 27], protetores dos pescadores. Uma outra tradição popular na cidade e em outras localidads do município, como Barra, Ponta de Areia e Rancho Alegre, são as celebrações em homenagem à São Sebastião. No fim das celebrações à padroeira da Barra, no dia 8 de dezembro, um devoto e os festeiros saem pela rua da cidade carregando ao imagem do santo e ao som das músicas tradicionais recolhem dinheiro para a festa do santo, ritual conhecido como Esmola. Depois no dia 1 janeiro acontece a Puxada de Mastro, também conhecida como Pau de Bastião. Na madrugada do dia 1 de janeiro, começa a Puxada de Mastro de São Sebastião, também chamada carinhosamente de Pão de Bastião. O mastro é carregado pelos festeiros e devotos que seguem pelas ruas da cidade ao som de música. Acredita-se que as pessoas devem fazer seus pedidos ao santo durante o percurso e os mesmos serão aten-
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didos. A festa em homenagem ao santo continua nos dias 19 e 20 de janeiro, quando é encenado a batalha entre mouros e cristãos [figura 28] pela imagem de São Sebastião. A encenação começa na Rua Dom Melgásio, quando os mouros chegam de barco pelo Rio Caravelas. O confronto inicia-se em forma de “embaixadas” e culmina na luta de espadas até que os mouros saem vencedores. No dia seguinte, os cristãos confrontam os mouros e recuperam São Sebastião. quando é feita a procissão e à missa em homenagem ao santo.
Apesar da forte presença no calendário festivo tradicional de Caravelas, o carnaval é a festa popular mais esperada e querida pelo povo. Em Caravelas, a festa de rua é uma mistura de várias tradições, no passado era comemorado nos clubes dos 40, Vitória e Turunas (GOMES, 2011), com início marcado pelas Alvoradas caracterizadas pelo uso de carros alegóricos que saíam de madrugada pelas ruas ao som de marchinhas. Ainda hoje, o Baile a Fantasia no Clube dos 40 se mantém como tradição carnavalesca bem como a Alvorada.
As tradições católicas também se misturam com a cultura africana, em Caravelas o sincretismo é mais expressivo nas festas do santo protetor dos pretos São Benedito (05 de outubro), que ainda perpetua no povoado da Barra as Marajudas, em Caravelas essa celebração não existe mais, e nas celebrações de São Cosme e Damião (27 de setembro), comemorado pela Igreja Católica, terreiros de umbanda e candomblé. Em Caravelas, mais forte que o tradicional caruru, é a distribuição de doces às crianças, que saem em grupos batendo de porta em porta para que os moradores joguem na rua os doces. Outras formas de expressão cultural afro-indígena vão ganhar mais expressão na cidade a partir do Movimento Cultural Arte Manha²³ que nasce na década de 1980, que desde então promove ações de educação através da arte, performances de dança, musicais, teatrais, produção audiovisual, artesanal, e são reconhecidos pela população.
Em 1958, nasce a Escola de Samba Irmãos Portela que ainda desfila na avenida junto com a Escola de Samba Coroa Imperial (2001). Além das escolas, também desfilam os blocos das Nagôs, dos Tupinambás, os Afilhados de Gandhi e Umbandaum. Na década de 1970, o carnaval de Caravelas sai dos clubes e vai para às ruas, o trio elétrico tradicional Kitongos 2001 [figura 29] não saiu na avenida durante um tempo, porém essa tradição foi retomada em 2016. Assim como Caravelas sofreu um declínio socioeconômico ao mesmo passo a cultura e a memória foi se perdendo, até mesmo porque as pessoas que coordenavam esses movimentos e celebrações culturais foram morrendo e não fizeram seus sucessores. Paulatinamente, o povo vai perdendo a sua identidade cultural aderindo a culturas e a cultos oriundos de outras localidades.
23. O Movimento Cultural Arte Manha é uma associação institucionalizada em 1992 que promove ações culturais e educativas que buscam fortalecer a identidade cultural afroindígena através do Grupo de Capoeira Angola Capoeirangolé, grupo de dança, percussão, teatro e bloco de carnaval Umbandaum, Ateliê Astúcia de escultura em madeira, entre outros grupos e iniciativas (ALVES, 2014).
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[figura 28] ENCENAÇÃO DE BATALHA ENTRE MOUROS E CRISTÃO (2007) Fotografia Lilia Tandaya
[figura 29]
TRIO ELÉTRICO TRADICIONAL KITONGOS 2000 PASSANDO NA RUA SETE Página Eu Amo Caravelas no Facebook (acesso 02/2019)
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5.2. ESTATÍSTICAS SOBRE EDUCAÇÃO E RENDA Residem no município de Caravelas 21.414, das quais 11.309 são habitantes da zona urbana e 10.105 da zona rural (IBGE, 2013). A população caravelense é majoritariamente parda, onde 49,30% são mulheres e 50,70% homens, predominando a faixa etária de pessoas economicamente ativas, de modo que Caravelas apresentava 7.807 trabalhadores em 2017, dos quais apenas 2.364 pessoas trabalhavam formalmente. Entre os trabalhos de outra natureza, 32% trabalhava por conta própria, 6,3% das pessoas trabalhavam para o consumo próprio, 2,7% não tinham carteira assinada e 2% não recebiam pelo trabalho. Esses dados levantam a possibilidade de que os trabalhadores da zona rural em Caravelas, onde está concentrada quase a metade da população, são os principais afetados pela informalidade trabalhista. No que tange a economia, Caravelas apresenta um Produto Interno Bruto (PIB) per capita de R$15.258,50 (IBGE, 2015). Todavia, possui um Índice de Pobreza²⁴ Objetiva de 52,90% e Subjetiva de 60,08%. Essa discrepância é explicada pelo Índice de Gini²⁵ de 0,45, que mostra uma alta concentração de renda nas mãos de poucos habitantes. O infográfico na próxima página mostra que 59,60% da população recebe até 1 salário mínimo (SM) e 11,4% não possui renda, em contrapartida 2,80% ganha entre 5-10 SM, e 0,70% mais de 10 SM.
Esse alto índice de pobreza tem reflexão na vida escolar das crianças em Caravelas, onde a taxa de analfabetismo entre pessoas de 10 a 17 anos chega a 6% (IBGE, 2017). A população, de um modo geral, apresenta um baixo grau de instrução, 69,60% da população não conseguiu terminar o Ensino Fundamental e apenas 2,30% possui Ensino Superior (IBGE, 2010), além disso 17,5% das pessoas nuncas frequentaram a escola (IBGE, 2010). Apesar disso, o município apresenta uma melhoria no Ensino Básico, segundo Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico (IDEB)²⁶, com um aumento de 12% da nota em 10 anos, saindo de 2,7 em 2007 e chegando a 3,3 em 2017. Esses dados mostram que houve uma evasão escolar muito grande da escolas no decorrer dos anos, provavelmente, por conta da necessidade de trabalho para complementação de renda familiar e também pela baixa oferta de instituições de Ensino Médio no município. Atualmente, existe apenas uma escola desse nível, o Colégio Estadual Polivalente de Caravelas, localizado na sede e com algumas salas de anexo nos distritos, enquanto o município possui 24 instituições de Ensino Fundamental distribuídas entre sede, distritos e povoados. Essa evasão, embora tenha diminuído gradualmente a medida que a cidade desenvolveu uma melhoria na qualidade de vida, ainda é uma
24. O Índice de Pobreza Objetiva analisa se um indivíduo possui menos que o mínimo necessário para viver e o Subjetivo relata se o indivíduo julga ter o suficiente ou não para viver. 25. O Índice de Gini mede o grau de concentração de renda, o valor zero representa a situação de igualdade e o valor um que uma só pessoa. 26. Criado em 2007 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mede a qualidade do aprendizado a partir da taxa de rendimento escolar (aprovação) e as médias de desempenho nos exames aplicados pelo próprio instituto.
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problemática atual do município, dados do IBGE de 2015, apontam que neste ano haviam 3.702 alunos matriculados no Ensino Fundamental, enquanto no Ensino Médio havia apenas 970 alunos. Além da pouca oferta, muito jovens com famílias em situação econômica melhor, buscam por uma melhor educação no município de Teixeira de Freitas, onde há uma maior oferta de escolas de Ensino Médio e, também, de melhor qualidade, como o Instituto Federal Baiano, implantado em 2010. O município de Teixeira de Freitas também atende a demanda de acesso ao Ensino Superior da região, existindo instituições públicas, Universidade Estadual da Bahia, implantada em 1987, e a Universidade Federal do Sul da Bahia, 2013, e particulares, como a Faculdade do Sul da Bahia que funciona desde 2001. A Prefeitura Municipal de Caravelas oferta transporte gratuito para os universitários que moram na sede desde a gestão do ex-prefeito Neuvaldo David Oliveira (2005-2008).
Em relação à qualidade de vida, Caravelas apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,616, o que a coloca na posição 91º do ranking da Bahia, sendo o 1º lugar ocupado por Salvador com 0,759 (IBGE, 2010). Esse índice teve um grande aumentos, na década de 1990 o seu IDH era 0,271 (IBGE, 1991), isso mostra que, embora ainda haja muita pobreza no município, Caravelas vem se desenvolvendo e promovendo uma melhor qualidade de vida para seus habitantes gradativamente.
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PERFIL POPULACIONAL
ETNIA
ESTATÍSTICAS SOBRE O CARAVELENSE
65,3% pardos
Elaborado pela autora com base em dados do IBGE. Pictogramas retirados do site flaction.com/
TERRITÓRIO E POPULAÇÃO
IBGE (2010) IBGE, 2010
IBGE (2013)
21.414
HABITANTES
8,95 hab km²
47,2% RURAL
10 pessoas se declararam indígenas.
52,8% URBANA
RELIGIÃO
IBGE (2010) IBGE, 2010
católilcos
outras religiões cristãs
sem religião
2.377,872 km²
FAIXA ETÁRIA E GÊNERO
50,7% 49,3%
11,1% da população não tem religião e 1% segue outras religiões.
IBGE (2010)
6,9%
64 > x
54,1%
20<x<64
39%
x < 20
ESCOLARIDADE
3,3
IDEB*
IBGE (2010)
IBGE, 2010
Nº DE PESSOAS QUE FREQUENTAVAM A ESCOLA
6%
46,7%
NÃO FREQUENTAVA, MAS JÁ FREQUENTOU
taxa de anafalbetismo 10-17 anos*
35,8%
FREQUENTAVAM
17,5%
NUNCA FREQUENTOU
69,6%
13,4%
13,9%
2,3%
FUNDAMENTAL INCOMPLETO > FUNDAMENTAL > MÉDIO > SUPERIOR 0,8% da população não foi determinado.
TRABALHO E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA
IBGE (2010) IBGE, 2010
1 SALÁRIO = MÍNIMO
DOS 7.807 TRABALHADORES: 6,3%
consumo próprio
+
2%
não são remunerados
2,7%
sem carteira assinada
32%
trabalham por conta própria
ÍNDICE DE GINI
0
distribuição de renda igualitária
EM RELAÇÃO AO TRABALHO FORMAL, EM 2017 HAVIAM
0,45
1
concentração de renda em uma única pessoa
2.364
pessoas ocupadas
(IBGE, 2017)
“—— Minha pobreza tal é que não trago presente grande: trago para a mãe caranguejos pescados por esses mangues mamando leite de lama conservará nosso sangue.” (Morte e Vida Severina, João Cabral de Melo Neto, 1955)
caravelas | (re)conhecendo território
6.
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
FRAGILIDADES, POTENCIALIDADES E POSSIBILIDADES
O diagnóstico cultural, ambiental e econômico de Caravelas levantado nos capítulos anteriores foi sintetizado na tabela 01. A origem da maioria dos problemas encontrados foram identificados no capítullo 3, no qual consta um breve levantamento histórico sobre os ciclos socioeconômicos da cidade e onde se constatou que a possível causa para os problemas culturais e ambientais. Historicamente, Caravelas desempenhou uma função de porto de escoamento de produtos até o terceiro quartel do século XX, quando a política de expansão rodoviária do Governo Federal chega a construção da BR-101 que muda a lógica de escoamento da produção do extremo sul baiano e do nordeste mineiro que se ligavam à Caravelas pelos rios e estradas e pela EFBM, respectivamente. Os impactos dessa grande obra de infraestrutura nacional não se restringiram às questões econômicas em Caravelas, reverberando também em questões sociais, culturais e ambientais. Isso porque a retomada da atividade econômica no município foi baseada na monocultura do eucalipto que só gerou renda para os fazendeiros de eucalipto e, depois, quando construída a Fábrica, passa a empregar uma mão-de-obra especializada que não atinge a população local. Além de ter causado um grande impacto ambiental, sendo uma das principais responsáveis pela redução de área de Mata Atlântica eno território municipal.
Além disso, o avanço do eucalipto no município criou condições favoráveis para o exôdo rural, pois as famílias ribeirinhas e rurais, já estavam fragilizadas por não conseguirem se manter com as atividades agrícolas, pesca e mariscagem. Esse processo tem como consequência a perda de parte da identidade cultural caravelense, pois, com a migração das populações ribeirinhas e rurais para a cidade, perde-se os modos de vida, as construções tradicionais, lugares com significado, celebrações, entre outros. Outras fragilidades da dimensão cultural em Caravelas, são em decorrência também da falta de atividade econômica que gere renda para a população, pois o empobrecimento é um entrave para a manutenção do patrimônio cultural edificado, além da falta de técnicos qualificado nessa área. Percebe-se que o denominador comum entre as fragilidades ambientais e culturais é a questão socioeconômica, é necessário tanto a Educação Ambiental e Patrimonial para a preservação dos patrimônios naturais e culturais, quanto um desenvolvimento econômico pautado nas práticas locais que explorem as potencialidades culturais e ambientais das práticas locais [figura 30]. Na dimensão ambiental, destacouse como potencialidade o extrativismo sustentável, como a agricultura familiar, pesca e mariscagem, pois o desenvolvimento tecnológico e o aumento de renda gerado por essas atividades podem garantir a manu-
81
capítulo 6 | considerações parciais
SÍNTESE DE PROBLEMÁTICAS DA CIDADE POTENCIALIDADES
Falta de conhecimento e divulgação sobre a história da cidade.
História que data da época do descobrimento.
1
Descaracterização do patrimônio cultural edificado.
Centro histórico tombado pelo município.
2
Celebrações e formas de expressão perpetuadas por grupos e movimentos culturais.
3
Falta de espaço de exposição e comercialização dos produtos.
Produção de artesanatos.
4
Pouca prática de esportes náuticos nas praias e nos rios.
Práticas esportivas em quadras poliesportivas e na praia.
5
Problemas ambientais em decorrência da monocultura e transporte marítimo de eucalipto.
Duas Unidades de Conservação federais e uma estadual: RESEX Cassurubá, PNM dos Abrolhos e APA Ponta da Baleia.
6
Falta estrutura para armazenamento e beneficiamento do pescado.
Pesca e mariscagem de subsistência.
7
Falta de estrutura para o beneficiamento e comercialização dos produtos.
Agricultura de subsistência.
8
Infraestrutura para receber turistas é insatisfatória e insuficiente.
Potencial para o turismo cultural e ecológico.
9
Péssimo estado de conservação das vias que ligam aos distritos, povoados e cidades vizinhas.
Localização estratégia para a saída de embarcações marítimas.
10
Falta de manutenção e uso do aeroporto e subutilização do porto.
Possibilidade de diversos modais de transporte para acesso à cidade: aéreo, marítimo, fluvial e terrestre.
11
Falta de diversidade de atividades econômicas formais.
Predominância de residentes economicamente ativos.
12
Áreas periféricas da cidade são carentes de saneamento básico e oferta de serviços.
Boa oferta de serviços e infraestrutura urbana na área central da cidade.
13
Distribuição de renda desigual.
Alto PIB.
14
Falta de registro do patrimônio imaterial.
A M BIENTAL
FRAGILIDADES
CU LTU RAL
Fonte: Elaborada pela autora, 2019
S OC IO ECO N ÔM ICO
82
CENTRO DE PESQUISA CENTRO DE PRESERVAÇÃO ECOLÓGICA
CENTRO DE ESPORTES NÁUTICOS
SOCIOECO NÔ MICO
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ECO N ICO M Ô
CENTRO DE BENEFICIAMENTO DO PESCADO CENTRO DE CENTRO BENEFICIAMENTO DE FRUTAS NÁUTICO MERCADO
MUNICIPAL
ESCRITÓRIO PÚBLICO AU CINE-TEATRO
tenção das comunidades espécies desse ecossistema. Na dimensão cultural, as potencialidades são em decorrência da história da cidade, tanto aquela contada nas celebrações, na forma de viver, no artesanato e na comida, quanto a história registrada no casario histórico. O centro da cidade corresponde ao núcleo histórico, levantado no início do século XVIII pelos jesuítas, e que possui um casario com fachadas requintadas, um registro das prosperidade econômica do século XIX. Há também vestígios construídos da EFBM na cidade e nos distritos de Ponta de Areia e Juerana. Além de ter uma potencialidade para atividades econômicas baseadas no turismo, a dimensão cultural é de suma importância para a identidade da população e para fomentar ainda
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CASA DO PATRIMÔNIO
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MUSEU DA HISTÓRIA DE CARAVELAS
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[figura 30] DIAGRAMA DE POSSIBILIDADES DE EQUIPAMENTOS PÚBLICOS Elaborado pela autora
AMBIE NTAL
caravelas | (re)conhecendo o território
mais o sentimento de pertencimento à cidade e proteger os modos de vida tradicionais. Em vista disso, levanta-se a possibilidade de equipamentos públicos que preservem e resgatem as tradições e manifestações culturais, bem como se promova a instituição de organizações que normatizem e instrumentalizem a população para que ela mesma fiscalize as preservação dos bens materiais. Neste caso, é necessário que, além da consolidação da edificação, a Prefeitura Municipal e sociedade civil se organizem para institucionalizar órgãos de preservação cultural caravelense que seja constituída também por técnicos da área. Para tanto, propõe-se a instituição de uma Casa de Patrimônio²⁷ em um formato adaptado às necessidades de Caravelas, podendo
83
84
capítulo 6 | considerações parciais
funcionar em parceria com um Escritório Público, ampliando o atendimento de técnicos para as demais áreas da cidade. Além disso, propõe-se ribeirinhas e rurais em suas respectivas localidades, atenuando assim o avanço da monocultura do eucalipto. Portanto, levanta-se como possibilidade de intervenção arquitetônica, a construção de dois centros de beneficiamento dos produtos do extrativismo, um da produção agrícola e outro do pescado e mariscagem. Além disso, como destacado no Plano de Manejo da RESEX do Cassurubá (2018), Caravelas possui um grande potencial para o ecoturismo, para além dos passeios para visitação dos recifes de corais e do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos. São viáveis e com grande potencial atividades como trilhas, trilhas aquáticas, ciclismo, observação de fauna e flora, banho de rio, banho de mar, entre outros esportes náuticos. De modo que se propõe também a construção de um equipamento de apoio ao ecoturismo na sede da cidade nos arredores do píer municipal, de onde saem os grupos de turistas. Outra possibilidade é a construção de um Centro de Preservação da para a valorização dos da biodiversidade e ecossistemas de Mata Atlântica da região. Em Caravelas existem três UCs, duas de ecossistemas marinhos e uma de manguezal, duas fundações privadas e sem fins lucrativos na área de meio ambiente e mais duas na área de educação e pesquisa (IBGE, 2016), o que possibilita que esse programa seja
desenvolvido junto com um Centro de Pesquisa, atraindo ainda mais pesquisadores para a cidade, como também instrumentalizando a população local para que lute pela preservação do patrimônio natural do município. Já existe atualmente um Centro de Visitantes na Praia do Kitongo, entre Caravelas e Ponta de Areia, cujo programa complementa a proposta. Vale ressaltar que a preservação dos ecossistemas em Caravelas são de suma importância para assegurar a manutenção da biodiversidade de Abrolhos, maior banco de corais e maior diversidade marinha do Atlântico Sul (ICMBio, 2014), pois os manguezais são o berçário para muitas a reconstrução de um Cineteatro, tão querido pelos moradores mais antigos da cidade, um Museu da História de Caravelas e um Mercado Público, que, além de atender às demandas por um espaço de comercialização dos produtos dos extrativistas, seja um espaço de divulgação e comércio do artesanato local. Ao mapear as potencialidades levantadas nas áreas da sede de Caravelas [figura 31], o Centro Histórico destaca-se por concentrar um maior número de potencialidades nas dimensões culturais, ambientais e econômicas, portanto ratifica-se a relevância dessa área como objeto de análise e proposições, evidenciando e tendo como foco a Rua Aníbal Benévolo.
27. São projetos pedagógicos do IPHAN com o objetivo de aprimorar a gestão e preservação
dos bens culturais a partir da construção coletiva do conhecimento em parceria com a sociedade civil e outras instituições, para tanto, além da estrutura física, se fundamenta em ações de educação patrimonial, elaboração de políticas públicas e capacitação técnica.
caravelas | (re)conhecendo o território
4
6 11
SEDE
12 14 8
5
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13 3
2
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10 13 5
➤
1
N OCUPAÇÃO IRREGULAR - APP
7 1 km
RESIDENCIAL - CENTRO HISTÓRICO RESIDENCIAL
Image © 2019 Maxar Technologies
10 13
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CENTRALIDADE - COMÉRCIO E SERVIÇO RESERVAS PARTICULARES ÁREA DE EXPANSÃO URBANA [figura 31] MAPEAMENTO DE POTENCIALIDADES DAS LOCALIDADES DA SEDE DE CARAVELAS Elaborado pela autora
85
CENTRO HISTÓRICO TRANSFORMAÇÕES E PERMANÊNCIAS
centro histórico | transformações e permanências
7.
TOMBAMENTO MUNICIPAL TENTATIVAS DE PRESERVAÇÃO
Como visto no capítulo 3, o “isolamento” de Caravelas a partir da construção da BR-101 dificultou o desenvolvimento econômico da cidade e, por conseguinte, a modernização de sua arquitetura, ainda assim seu patrimônio cultural edificado sofreu transformações no decorrer do tempo. Alguns moradores apontam como o principal problema para a preservação dos bens edificados o custo das reformas, já que a população da cidade possui renda baixa, como visto no capítulo 5 e no seguinte relato de um morador: (...) na rua do Porto, na rua Sete havia muitos casarões antigos que foram destruídos. Aí vem o problema também da sociedade que é pobre, desmanchar e fazer no estilo moderno é mais barato. Há pessoas que acham bonito, mas têm que desmanchar porque não têm dinheiro para colocar como deveria ser. (Alex Bittencourt, O Timoneiro, 2009, p. 16)
Além do empobrecimento da cidade, alguns fatos marcaram a descaracterização de alguns edifícios no Centro Histórico de Caravelas, a exemplo do que ocorreu na década de 1940 quando a Prefeitura Municipal de Caravelas propôs que os casarões antigos que “modernizassem” suas fachadas receberia dez anos de isenção de Imposto Predial e Territorial Urbano (O Timoneiro, 2009). A modernização dada ao casario histórico consistiu apenas em uma atuali-
zação figurativa da fachada, a exemplo do levantamento de platibandas, aplicação de revestimentos em cerâmica e atualização das esquadrias. Apenas na década de 1980 ocorrerá a primeira tentativa de se conhecer e preservar o patrimônio cultural de Caravelas através da promoção do Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia promovido pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC) da Bahia e executado pela equipe do arquiteto Paulo Ormindo de Azevedo. O inventário destacou onze monumentos [figura 33] dentro do Centro Histórico de Caravelas, aos quais foram propostos tombamentos à nível municipal e estadual, incluindo o acervo de bens culturais móveis da Co-Catedral de Santo Antônio. O inventário também destacou a antiga Estação Ferroviária da EFBM em Juerana, cuja edificação no estilo chalé foi introduzida na região pelos colonos suíços, alemães, entre outros imigrantes que vieram ordenar as lavouras de café da Colônia Leopoldina. Além disso, inventariou um mocambo na praia do Grauçá, localizado no povoado da Barra, pelo valor testemunhal de técnica construtiva e modos de viver em extinção. Embora as edificações mais antigas possuam características do século XVIII e XIX, o arquiteto Paulo Ormindo de Azevedo levanta a hipótese de que existam edificações mais antigas que foram “atualizadas” com
89
90
capítulo 7 | tombamento municipal
estilos arquitetônicos posteriores, principalmente, durante o período que marcou o auge da economia e desenvolvimento da cidade. No século XIX, Caravelas é a maior produtora de café da província, o que justifica o desenvolvimento de sua arquitetura com acabamentos requintados, Azevedo (IPAC-SIC, 1988, p. 24) aponta que: É em Caravelas onde o Neoclássico assume maior imponência e nobreza, seguramente pela sua condição de porto e empório. Aí são comuns as casas com fachadas revestidas de azulejos, platibanda, vãos em meio -ponto e caixilharia elaborada. Suasplantas são, geralmente, de corredor longitudinal, mas com entradas laterais de serviço. Seus interiores exibem um certo requinte, com grandes salões, portas internas envidraçadas ou gradeadas e sótãos iluminados pela empenas.
Apesar da proposição do tombamento dos 11 monumentos levantados pelo inventário do IPAC, a primeira medida legal a ser tomada em relação a preservação do patrimônio cultural de Caravelas acontecerá no início do século XXI. Inspirados por esse documento, a Prefeitura Municipal de Caravelas cria, em 2002, o Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (COMDEPHAC) através da Lei Municipal nº 187, com o intuito de impedir que ocorram maiores perdas no patrimônio cultural material de Caravelas. No mesmo ano é criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Municipal (SPHAM) através da Lei Municipal nº 188, quando foram contemplados dois Livros de Tombo
para o municípios, o Tombo Histórico e o Tombo Etnográfico. Em agosto de 2002, o COMDEPHAC através da Resolução nº 02 decide por “aprovar e mapear a área crítica de degradação do Patrimônio Histórico e permitir a vigilância e o controle sobre a descaracterização do patrimônio histórico Municipal”. Após o mapeamento fica definida a área do Centro Histórico de Caravelas [figura 33], através do Decreto n° 380 de 02 de outubro de 2002. O COMDEPHAC deliberou a aprovação do Tombamento Municipal de todas as Edificações do Centro Histórico de Caravelas, incluindo os 11 monumentos citados pelo IPAC, através da Resolução n° 04 de 15 de junho de 2005 e Decreto n° 552/2006. No mesmo ano, é criado o Fundo Especial de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Caravelas, sendo este alimentado por dotações orçamentárias, créditos adicionais, produtos de multas impostas por infrações a legislação de proteção ao Patrimônio, doações, dentre outros a partir da Lei Municipal nº 203/02. Segundo Gomes (2011), a Prefeitura Municipal de Caravelas tentou organizar um documento não finalizado onde estão dispostas as informações relativas ao patrimônio cultural edificado e outros Atrativos Turísticos Histórico-Culturais. Na classificação de esculturas, imagens sacras de valor histórico, artístico e cultural estão listadas bens culturais tais como Imagem Sacra de São Sebastião Imagem Sacra de Nosso Senhor dos Passos (tamanho natural)²⁸, Imagem esculpida do Cristo Redentor e busto de bronze do Dr. Emílio Imbassaí, entre outras.
28. IIndicada a tombamento a nível estadual pelo IPAC-SIC junto com outras obras do acervo da Igreja Católica.
centro histórico | transformações e permanências
Embora o tombamento municipal exista há 14 anos o patrimônio cultural edificado de Caravelas vem sofrendo perdas gradativamente [figura 32], principalmente pela falta de fiscalização das obras realizadas nas edificações tombadas, o que foi agravado pela dissolução do COMDEPHAC. Como exemplo disso, temos o caso da Igreja de Nossa Senhora de Lourdes, localizada no distrito de Ponta de Areia que gerou polêmica e levantou discussões na cidade, devido uma obra de ampliação da igreja para a construção de banheiros. A intervenção foi realizada pelo padre que seguiu com a reforma, mesmo questionado por grande parte dos moradores. Outro caso mais recente, foi a demolição da caixa mural de um antigo armazém situado na Rua Aníbal Benévolo durante obra de requalificação urbana pela própria prefeitura, o que será detalhado mais adiante.
[figura 32] IGREJA DE NOSSA SENHORA DE LOURDES DURANTE E APÓS OBRA DE INTERVENÇÃO (2017) Fotografias de Marcelo Silva de Santana com adaptações
Essas duas ocorrências demonstram a importância do tombamento das edificações, bem como da educação patrimonial para que se preserve o patrimônio cultural de Caravelas. É necessário, portanto, reativar o COMDEPHAC e qualificar a equipe, uma vez que os funcionários ligados às atividades do patrimônio cultural edificado não possuem capacitação técnica na área, bem como promover ações de educação patrimonial para que a comunidade conheça e se identifique com o bem cultural protegido, uma vez que “só se preserva aquilo que se ama, só se ama aquilo que se conhece” (Aloísio Magalhães). Diante disso, os próximos capítulos irão levantar as transformações e permanências do Centro Histórico de Caravelas, levantando os atributos que os fazem ser dignos de preservação e os entraves encontrados para a fazer a manutenção desse bem cultural.
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capítulo 7 | tombamento municipal
1
2
[figura 33]
3
4
LOGRADOUROS DO CENTRO HISTÓRICO E BENS INVENTARIADOS PELO IPAC-SIC
5
6
RIO CARAVELAS
MANGUE EDIFICAÇÕES
7
8
9
10
ÁRVORES CADASTRADAS
BENS INVENTARIADOS
Fonte: Base cartográfica da Prefeitura Municipal de Caravelas (2009) e cadastro de edificações e árvores feito pela autora com base no Google Earth (2019). Imagens do acervo do IPAC (década de 1970-1980)
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0 10
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centro histórico | transformações e permanências
8.
ASPECTOS URBANÍSTICOS E AMBIENTAIS MORFOLOGIA, INFRAESTRUTURA E PAISAGEM URBANA
Partindo do princípio que a proteção de um conjunto tombado tem como objetivo a preservação das relações estabelecidas entre o conjunto arquitetônico, paisagem natural e características urbanísticas, essa seção tem como finalidade entender as relações estabelecidas entre forma urbana, elementos naturais e edificados.
Para tanto serão analisados aspectos físícos-naturais, tratando da topografia, hidrografia e áreas verdes; infraestrutura e serviços urbanos; morfologia urbana e apropriações dos espaços públicos. Além disso, a análise será ampliada para englobar a relação do conjunto histórico com a paisagem natural.
Além da dimensão física do patrimônio, será desenvolvida uma análise da apropriação dos espaços públicos pelos moradores, transeuntes e outros possíveis usuários, na tentativa de compreender a dimensão simbólica do conjunto tombado. Isso também é de fundamental importância, pois, o patrimônio material é “resultado da sobreposição de distintos valores que as diferentes pessoas envolvidas projetam sobre ele” (VIÑAS, 2003 apud. ULLOA, 2016).
Os levantamentos e análises foram feitas com base nas experiências de estágio em órgão e projeto de preservação do patrimônio cultural, trazendo também elementos outros relativos à noção de ambiência urbana tratados por Rocha (2017) e Gehl.
Haja visto que o tombamento municipal não apresentou nenhuma poligonal, setorização, atributos a serem preservados e critérios de intervenção conjunto urbano, esse capítulo tem como objetivo também tentar suprir essas lacunas. Ou seja, esse capítulo se propõe a levantar os valores artísticos, históricos e culturais atribuídos ao conjunto tombado.
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capítulo 8 | aspectos urbanísticos
8.1. ASPECTOS FÍSICOS-NATURAIS: TOPOGRAFIA, HIDROGRAFIA E VEGETAÇÃO A topografia do trecho urbano analisado apresenta um pequeno desnível de 2,36 m distribuído de maneira equilibrada por toda a extensão da área. Esse desnível é mais perceptível nos becos e travessas que conectam as ruas Sete de Setembro e Aníbal Benévolo, possivelmente devido à um aterro sobre o mangue para a consolidação da rua do Porto, desse modo, quanto mais próximo do núcleo mais antigo da cidade mais íngremes são essas vias [figura 36]. Em relação à hidrografia, o único corpo d’água presente na área do Centro Histórico é o Rio Caravelas, que banha toda a Rua Aníbal Benévolo. O rio, no entanto, não está integrado no cotidiano dos moradores do Centro Histórico que pouco o utilizam para banho ou outras formas de lazer, como práticas esportivas e pesca. Nesse trecho da costa caravelense, as marés mais altas não ultrapassam os dois metros, de modo que apenas a área de vegetação de mangue se alaga nesses períodos [figura 35]. Em relação à áreas verdes, segundo o IBGE (2010), 41,5% dos domícilios da cidade de Caravelas estão em vias públicas com arborização, contudo no Centro Histórico a massa verde da área está localizada no fundo dos lotes, ou seja, nos quintais. Isso se dá pelo urbanismo colonial luso-brasileiro, além das vias, os espaços públicos também não eram arborizados. A Praça Santo Antônio sofreu intervenções que acrescentaram no espaço canteiros e vegetações, assim como a Praça Dr. Emílio Imbassahy, Rua Aníbal Benévolo e em alguns outros pontos dispersos. Dentre as espécies mais utilizadas na arborização urbana, destacam-se na paisagem as amendoeiras (Termi-
nalia catappa), diversas espécies de palmeiras e ficus (Ficus benjamina). Embora haja uma grande diversidade de espécies da flora nativa, o seu uso não é tão expressivo nos espaços públicos do Centro Histórico, mesmo aquelas com apelo estético. Porém, algumas iniciativas de moradores estão promovendo o uso de espécies nativas, a exemplo do jardim de flores no canteiro ao lado da igreja e o plantio de espécies com uso medicinal plantadas no canteiro do lado oposto do mesmo edifício. Na Rua Aníbal Benévolo ainda há uma área de remanescente de mangue [figura 34], cuja vegetação em alguns trechos e épocas são suprimidas, principalmente pela ocupação de barcos na margem. Além disso a mata ciliar também foi eliminada nessa área, para a ocupação histórica da cidade. Entre as espécies encontradas nessa área estão o mangue-branco²⁹ (Laguncularia racemosa) e Taboa (Typha domingensis) (BEMVENUTI, et al., 2013). Em relação à fauna, foram identificados a ocorrência no local das seguintes espécies: ostra do mangue (Crassostrea rhzophorae) aratu (Goniopsis cruentata) — o corte de árvores e o depósito de resíduos sólidos são ameaças a população de aratus nessa área —, caranguejo (Ucides cordatus), caramuru ou moréia verde (Gymnothorax funebris), boto cinza (Sotalia guianensis) — geralmente avistado em grupos de 3 a 5 indivíduos (ICMBio, 2019). Além das espécies supracitadas, a fauna nessa região é muito diversa, é possível encontrar uma lista completa de animais que habitam a RESEX do Cassurubá no Plano de Manejo, entretanto não há informações sobre a localização dessas espécies.
29. O mangue branco, geralmente, é encontrado em áreas banhadas por águas salobras, é intolerante à sombra e ocupam os terrenos mais firmes e arenosos nos manguezais (ICMBio, 2019, p. 102).
centro histórico | transformações e permanências
ostras nos apoios dos píers artesanais
VEGETAÇÃO EXÓTICA (Amendoeiras, grama, etc.) VEGETAÇÃO DE MANGUE BRANCO EM ÁREA NÃO OCUPADA
VEGETAÇÃO DE MANGUE BRANCO ESPARSA
RIO CARAVELAS EM MARÉ BAIXA
[figura 34] ÁREA DE MANGUE NA RUA DO PORTO (JANEIRO DE 2020) Acervo Pessoal
aratu
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capítulo 8 | aspectos urbanísticos
[figura 36]
TOPOGRAFIA E VEGETAÇÃO
RIO CARAVELAS
MANGUE EDIFICAÇÕES
ÁRVORES CADASTRADAS
MASSA DE VEGETAÇÃO
Fonte: Base cartográfica da Prefeitura Municipal de Caravelas (2009) e cadastro de edificações e árvores feito pela autora com base no Google Earth (2019)
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47.404
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capítulo 8 | aspectos urbanísticos
8.2. MORFOLOGIA URBANA: O TRAÇADO POMBALINO Como visto no capítulo 3, o núcleo histórico de Caravelas não corresponde a área da primeira ocupação européia no território do município. A aldeia denominada Santo Antônio do Campo dos Coqueiros localizava-se, entre os séculos XVI e XVII, possivelmente na Ilha do Cassurubá. Segundo Ralile (1949), a mudança foi impulsionada pelo ataque holandês no segundo quartel do século XVII e conduzida pelos jesuítas. Estes por sua vez, possivelmente, escolheram o novo sítios devido a proximidade da foz do Rio Caravelas, que era grande o suficiente para permitir a navegação para o interior e garantia a proteção contra ataques marítimos mais propícios de acontecer na costa, e na planicidade da topografia, o que facilitava o levantamento de novas construções (IPAC-SIC, 1988).
tônicos das construções jesuítas, de modo que houve a construção de uma pequena edificação para estudo (RALILE, 1949, p. 28).
O traçado é preterido na morfologia urbana, pois o espaço de maior importância e destaque em uma aldeia jesuítica é o terreiro. O terreiro jesuíta se caracterizava por ser um espaço amplo, desmatado e marcado por um cruzeiro, em Caravelas o cruzeiro foi posteriormente substituído por uma escultura de Cristo de braços abertos. Pela sua visibilidade, era usado como um espaço educativo e catequização através de ações que “seduziam” os indígenas através do teatro, dança e música (CARDOSO, 2018; IPAC-SIC, 1988). Em uma ponta do terreiro era levantada a igreja e ao lado construído o colégio, em Caravelas, entretanto, o colégio não foi construído nos padrões arquite-
Até mesmo cidades como Caravelas, que já tinham status de vila sofreram reestruturações no traçado para o estabelecimento de um plano regular e ortogonal, cuja intervenção estava sob o comando do Ouvidor José Xavier Machado Monteiro em 1772 (IPAC-SIC, 1988). Também nesse período é levantada a Casa de Câmara e Cadeia [figuras 37] em uma das esquinas do terreiro e também a igreja³⁰ [figuras 38] passa por uma reforma. A Casa de Câmara e Cadeia sofreu um incêndio na década de 1960, seu lote foi desmembrado em dois e atualmente é ocupado por imóveis de uso misto, cuja arquitetura destoa do casario histórico.
Atualmente, esse modelo de urbanismo não é tão perceptível, pois o Centro Histórico de Caravelas é um palimpsesto de tipologias de urbanismo do período colonial, o modelo jesuíta foi sobreposto pelo urbanismo pombalino ainda no século XVIII. Além de expulsar os jesuítas do Brasil em 1759, ao ascender ao cargo de primeiro ministro durante o reinado de D. José I, outra medida relevante tomada por Marquês de Pombal é a política de urbanização da colônia. As missões e aldeias jesuíticas foram elevadas à vilas e passaram por transformações no traçado urbano.
30. A atual Co-Catedral de Santo Antônio foi construída entre os anos de 1725 e 1750 pelos jesuítas que chegaram para a colonização da Vila de Santo Antônio do Rio das Caravelas. Em 1772 a capelamor é reformada e construído o atual altar no estilo rococó. Depois, entre os anos de 1851 e 1858 são construídos a sacristia e corredor esquerdos, além de ser realizado uma atualização figurativa da fachada no estilo neoclássico, linguagem arquitetônica muito difundida na cidade (IPAC-SIC, 1988, p. 296).
centro histórico | transformações e permanências
[figura 37] PRAÇA MATRIZ E CASARIO DE ENTORNO, ANTIGA CASA DE CÂMARA E CADEIRA NO CANTO ESQUERDO (Foto tirada antes da década de 1960) Acervo Carlos Ralile (acesso 02/2019)
[figura 38] PRAÇA E CO-CATEDRAL DE SANTO ANTÔNIO Acervo IBGE (acesso 02/2019)
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capítulo 8 | aspectos urbanísticos
massa verde no miolo de quadra entre as ruas firmino pereira e ernesto caetano
ampliação horizontal
anexo
Perante o exposto, o traçado viário do Centro Histórico de Caravelas se caracteriza pelos segmentos retilíneos que conformam vias públicas estreitas e sem nivelamento, cujo alinhamento é marcado pelas fachadas do casario histórico. A malha viária ortogonal resultou também em um macroparcelamento regular, com quadras de dimensões proporcionais e formas retangulares [figura 45]. O microparcelamento também obedece às premissas de ocupação urbana da época, com lotes retangulares, cuja dimensão predominante é a profundidade. Cruzando os dados levantados no mapa de aspectos físico-naturais e no mapa de cheios e vazios [figura 45] percebe-se que a área carece áreas verdes. A massa verde que, historicamente, se concentrava nos quintais das habitações, foram reduzidas à medida as edificações sofreram ampliações horizontais e foram construídos anexos nos fundos de quintal [figura 39]. Houve também no decorrer do tempo a ocupação do fundo dos lotes de esquina, cujas construções são independentes dos
lotes coloniais como é percebido nas fachadas voltadas para as ruas secundárias [figura 43]. No caso das quadras limitadas pelas ruas Sete de Setembro e Aníbal Benévolo, houve um processo de desmembramento de lotes em decorrência da mudança do caráter da Rua Aníbal Benévolo que se configurava com uma rua de serviço e passa a ser ocupada por edificações de uso misto, principalmente, por conta das atividades portuárias, configurando assim a conformação de um frontispício da cidade. Destaca-se que as quadras limitadas pela Rua Firmino Pereira e Ernesto Caeatano (fora do polígo do Centro Histórico) que não perderam tanto a área livre nos meios de quadra [figura 39]. Em relação aos espaços públicos, o de maior dimensão e relevância histórica-cultural é a Praça Santo Antônio [figura 40], por questões históricas e religiosas. Depois de ter passado por diversas intervenções, configura-se hoje como uma praça seca, onde acontecem as quermesses durante alguns festivos religiosos, como a trezena de Santo
[figura 39] TRECHO MIOLO DE QUADRA ENTREAS RUAS BARÃO DO RIO BRANCO E FIRMINO PEREIRA Elaborado pela autora
centro histórico | transformações e permanências
canteiro lateral sob cuidados de moradores
secretaria de cultura igreja
[figura 40] CROQUI PRAÇA SANTO ANTÔNIO Elaborado pela autora
Antônio.Possui apenas canteiros nas laterais, onde alguns moradores cultivam espécies de vegetação nativa, um deles composto apenas por plantas medicinais. A outra igreja histórica da cidade, a Igreja de Santa Efigênia, no entanto, não está localizada em uma área com uma configuração formal clara ou com algum tipo de tratamento [figura 41]. A Quadra Poliesportiva, popularmente conhecida como Quadra Aberta, é um espaço utilizado pela população para práticas esportivas, manifestações culturais, e, por estar localizado na área que concentra os bares, restaurantes e lanchonetes da cidade, é constantemente usada como um espaço de permanência. Atualmente, essa área está passando por uma intervenção, pelo material divulgado pela Prefeitura Municipal, é possível especular que se consolidará como uma praça voltada para a estrutura de quiosques no terreno adjacente. A Praça Dr. Imbassahy [figura 43], apesar do nome, configura-se como uma via de mão dupla, cujo canteiro central possui bancos e um monumento em homenagem
ao Dr. Emílio Imbassahy de junho de 1928. Outrora, as Travessas Gal Costa (popularmente conhecida como Beco da Prefeitura) e a Travessa do Câmbio (Beco de Seu Alfredinho) também apresentaram um uso semelhante com bancos implantados no meio da via, com a diferença que essas são de passagem exclusiva de pedestres. Atualmente, ambas as travessas estão com os bancos destruídos e/ou demolidos. Outros espaços públicos bem particulares, são os canteiros [figura 42] em vias públicas que, devido a sombra proporcionada pelas árvores e o próprio canteiro servindo como banco, acaba por atrair moradores para se apropriarem desses espaços. Dentro do Centro Histórico existem dois espaços com essa tipologia e uso, destaca-se a Praça dos Mouros e Cristãos, onde recentemente foram instalados dois monumentos em homenagem à celebração tradicional em homenagem à São Sebastião. No entanto, vale destacar que o espaço público mais ocupado, no contexto de Caravelas, são as calçadas de casas [figura 44].
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capítulo 8 | aspectos urbanísticos
rua com maior concentração de carros estacionados (comércio, serviços e instituições)
canteiro central à rua
praça
fórum
área subutilizada
[figura 41] CROQUI ENTORNO DA IGREJA SANTA EFIGÊNIA Elaborado pela autora
[figura 42] CROQUI CANTEIRO ENTRE AS RUAS TEOBALDO COSTA E COMENDADOR MELGAÇO Elaborado pela autora
centro histórico | transformações e permanências
rua com maior concentração de carros estacionados (comércio)
relação visual com a rua do porto e o rio caravelas
desmembramento de lotes coloniais
canteiro central
[figura 43] CROQUI PRAÇA DR. EMÍLIO IMBASSAHY Elaborada pela autora
Rosana
Lúcia Seu Elias
[figura 44] FAMÍLIA SENTADA NA PORTA DE CASA NA RUA BARÃO DO RIO BRANCO Elaborada pela autora
casarão histórico
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[figura 45]
CHEIOS E VAZIOS
RIO CARAVELAS
MANGUE EDIFICAÇÕES
ÁRVORES CADASTRADAS
Fonte: Base cartográfica da Prefeitura Municipal de Caravelas (2009) e cadastro de edificações e árvores feito pela autora com base no Google Earth (2019)
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47.404
47.876
48.112 48.348
48.584
48.820
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49.056
49.292 49.528 49.764
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8.3. PAISAGEM URBANA Seguindo a tradição urbanística portuguesa, em Caravelas as residências foram construídas sobre o alinhamento das vias públicas e as paredes laterais sobre os limites do terreno, conformando assim a rua e o traçado viário (REIS FILHO, 2014). Portanto, o edifício se relaciona com o ambiente urbano através da fachada que, por sua vez, é responsável por comunicar a tipologia, uso, expressão estética e história do imóvel (LAMAS, 2004). Em Caravelas, apesar da uniformidade dos terrenos, as composições de fachadas são diversas, de modo a atenuar a monotonia na paisagem urbana causada pelas padronizações de ocupação do lote [figura 46]. Além das fachadas, as empenas dos sobrados também são elementos marcantes na paisagem [figura 47], principalmente aquelas que possuem aberturas e configuram-se como fachadas significativas.
subconjunto de edifícios hisóricos com tratamento de fachadas de diferentes linguagens praça santo antônio
empenas laterais com tratamento de fachada
[figura 46] CROQUI DA RUA BARÃO DO RIO BRANCO VOLTADA PARA A PRAÇA SANTO ANTÔNIO Elaborado pela autora [figura 47] CROQUI DA RUA BARÃO DO RIO BRANCO VOLTADA PARA A PRAÇA 15 DE NOVEMBRO Elaborado pela autora
centro histórico | transformações e permanências
O casario histórico por sua configuração cria uma paisagem e ambiência urbana aprazível à perspectiva do pedestre, tanto pela predominância de edificações térreas e sobrados quanto pelo grande número de aberturas na fachada voltadas para a rua, o que também proporciona uma sensação de segurança para os transeuntes. Dentro desse contexto de casario homogêneo, a Co-Catedral de Santo Antônio destaca-se na paisagem pela sua monumentalidade, podendo ser percebida das ruas Sete de Setembro [figuras 48], Aníbal Benévolo [figuras 49] e, principalmente, por quem chega de barco à cidade. Portanto, além do seu valor histórico e artísticos, a igreja também representa um marco para a população dentro do contexto urbano.
[figura 48] CROQUI DA RUA SETE DE SETEMBRO COM DESTAQUE A TORRE DA IGREJA Elaborado pela autora
[figura 49] LATERAL DA IGREJA VISTA DE QUEM CHEGA PELA RUA DO PORTO Elaborado pela autora
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capítulo 8 | aspectos urbanísticos
Outro aspecto importante da paisagem é integração do casario com a natureza, explorado através das ‘linhas sinuosas da paisagem com a rigidez geométrica da massa construída” (WEIMER, 2012), porém pouco percebidas do ponto de vista do pedestre, sendo esse aspecto mais notável para quem chega à cidade pelo rio ou por vista aérea. No entanto, a paisagem natural é marcante nas vias secundárias do Centro Histórico, pois criam enquadramentos do Rio Caravelas e do mangue, já que a orla da cidade não foi totalmente ocupada [figura 50]. Os enquadramentos do ponto de vista oposto, ou seja, a Rua Aníbal Benévolo para as ruas adjacentes também são importantes visuais para o casario histórico [figura 51], além de aumentar os “olhos da rua” e melhorar a sensação de segurança nos becos, muitas vezes com poucas aberturas voltadas para ele e pouco ocupado pelos moradores.
[figura 50] RIO CARAVELAS E ILHA DO CASSURUBÁ ENQUADRADOS PELO BECO DO PINGUIM Elaborado pela autora
[figura 51] CASARIO DA PRAÇA SANTO ANTÔNIO ENQUADRADO PELO BECO DO PINGUIM Elaborado pela autora
centro histórico | transformações e permanências
Já relação visual com o maciço verde da mata que circundava à cidade, foi perdido a medida que a mancha urbana se expendiu nas direções sul, norte e leste. Apenas a massa vegetal concentrada nos quintais das casas fazem a composição cênica do ambiente urbano, principalmente nas vias secundárias, onde é possível visualizar o verde do ponto de vista do transeunte. Em linhas gerais, não há grandes obstruções ao conjunto tombado, com exceção da visual entre a Praça Dr. Emílio Imbassahy e a Igreja de Santa Efigênia [figuras 52 e 53] , que está obstruída pela arborização da Travessa da Fonte. De modo que os principais agentes de poluição visual são os fios das redes elétrica e de iluminação pública, bem como construções contemporâneas que não harmonizam com o entorno, quebrando por vezes o ritmo de abertura e alinhamento e inclinação das coberturas. Já o uso de engenhos publicitário causa maior impacto em setores de ocupação mais recente, devido ao seu caráter comercial.
[figura 52] CROQUI VISTA DA IGREJA DE SANTA EFIGÊNIA A PARTIR DA PRAÇA DR. EMÍLIO IMBASSAHY Elaborado pela autora [figura 53] VISTA DA IGREJA DE SANTA EFIGÊNIA A PARTIR DA PRAÇA DR. EMÍLIO IMBASSAHY (DÉCADA DE 1970-1980) Acervo IPAC
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capítulo 8 | aspectos urbanísticos
8.4. ESPAÇOS PÚBLICOS, INFRAESTRUTURA, SERVIÇOS URBANOS No Centro Histórico não há hierarquia viária [figura 56], contudo, em relação ao sistema viário, existe um sistema binário formado nas ruas Barão do Rio Branco e Sete de Setembro e as demais vias são de mão dupla, incluindo os becos que possuem uma largura mais estreita. Quanto à mobilidade urbana, as pessoas na cidade se locomovem a pé ou de bicicleta, existindo apenas o transporte público coletivo intra urbano, que liga a sede do município ao distrito de Ponta de Areia e ao povoado da Barra. Não há condições de acessibilidade para Pessoas com Deficiência (PCD) visual e de locomoção [figura 56]. As calçadas do Centro Histórico possuem diversos níveis sem que haja nenhum elemento de transição de uma cota a outra, as larguras são variáveis e, na maioria das vezes, não atendem à uma unidade mínima de passagem, apresentando inclusive, obstáculos no percurso pela ausência da faixa de serviços nos passeios. Além disso, as rampas das garagens são feitas de qualquer jeto, interrompendo o passeio e criando uma obstrução na calçada. Também não são encontrados mobiliários urbanos no percurso das ruas, apenas algumas lixeiras e bancos nas praças e nos becos de passagem apenas de pedestres. Não há nenhum outro tipo de mobiliário urbano nessa área. De acordo com o IBGE (2010, cerca de 9,8% dos domícilios urbanos da cidade de Caravelas localizam-se em vias públicas com urbanização adequada, ou seja, com presença de bueiros e elementos de drenagem, bem como calçada, meio-fio e pavimentação. As ruas do Centro Histórico se enquadram nesses parâmetros,
contudo o estado de conservação das calçadas é de regular para ruim. As ruas de paralelepído, a exceção da Rua do Porto que foi recentemente pavimentada com blocos hexagonais de concreto, apresentam um bom estado de conservação, com poucos pontos em que há inserção de rampa de garagem em via pública e paralelepípedos soltos. Já as calçadas não apresentam nenhum tipo de padronização de revestimento, há áreas com pavimentação de material cerâmico, pedra portuguesa, tijolos maciços, concreto e outras pedras.Esses problemas também podem ser encontrados nos espaços públicos que possuem poucos mobiliários que, na maioria dos casos, encontra-se mal conservados, além de não serem universalmente acessíveis. O município de Caravelas não apresenta bons índices de infraestrutura urbana [figura 54 e 55], contudo a sede apresenta indíces melhores, de modo que o Centro Histórico é melhor servido em relação ao abastacimento de água, coleta de lixo e esgoto sanitário dos que as demais localidades da sede e município. A coleta de lixo é feita de porta em porta em horário estabelecido pela prefeitura, entretanto as ruas e espaços públicos não possuem lixeiras em quantidade satisfatória. Recentemente foi construído um novo Plano de Saneamento para a cidade, no entanto até a publicação desse trabalho não foi publicado pela prefeitura obras referente à esse projeto.
9,8% urbanização de vias públicas
41,5% arborização de vias públicas
24% domicílios atendidos esgoto sanitário
93% domicílios atendidos coleta de lixo [figura 54] INFOGRÁFICO DE INFRAESTRUTURA URBANA IBGE, 2019
centro histórico | transformações e permanências
SISTEMAS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUAS 100%
REDE GERAL OUTRA FORMA CISTERNA POÇO OU NASCENTE
0%
RURAL
URBANO
SISTEMAS DE ESGOTO SANITÁRIO 100%
FOSSA RUDIMENTAR REDE GERAL OUTRA FORMA NÃO POSSUIAM
0%
RURAL
URBANO
FOSSA SÉPTICA RIO, LAGO, MAR OU VALA
DESCARTE DE LIXO 100%
SERVIÇO DE LIMPEZA QUEIMADO
[figura 55] SISTEMAS DE ESGOTO SANITÁRIO InfoSanBas (acesso 07/2019)
CAÇAMBA DE SERVIÇO
0%
RURAL
URBANO
ENTERRADO OU JOGADO EM TERRENO BALDIO
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capítulo 8 | aspectos urbanísticos
[figura 56]
SISTEMA VIÁRIO E INFRAESTRUTURA URBANA 1
2
RIO CARAVELAS
MANGUE EDIFICAÇÕES
3
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ÁRVORES CADASTRADAS
VIA DE MÃO ÚNICA
VIA DE MÃO DUPLA VIA PEADONAL
FOTOS ESPAÇOS 1. Praça Santo Antônio 2. Praça das Artes 3. Praça Dr. Imbassahy 4. Quadra Poliesportiva 5. Píer Municipal Fonte: Base cartográfica da Prefeitura Municipal de Caravelas (2009) e cadastro de edificações e árvores feito pela autora com base no Google Earth (2019). Imagens do acervo pessoal (2019)
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47.876
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48.112 48.348
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capítulo 8 | aspectos urbanísticos
8.5. USO DO SOLO Dentro da área estudada existem 545 lotes, dos quais 529 são edificados e 477 foram cadastrados nas vistorias realizadas em campo em janeiro de 2019. Além dos 52 imóveis não cadastrados, 14 construções também não foram por se configurarem com anexos das edificações principais. Portanto, as porcentagens aqui apresentadas tomam como total os 477 imóveis cadastrados. No [figura 57] observa-se que há predominância do uso residencial na área estudada, cerca de 65%, o equivalente a 310 imóveis, são destinados exclusivamente para habitação. Esse número aumenta, quando somamos com os casos de imóveis de uso misto (32 edificações ou 6,7%), totalizando 71,7% de uso residencial.
mado os lotes não edificados e subutilizados. As edificações sem uso estão concentradas na quadras limitadas pelas ruas Aníbal Benévolo e Sete de Setembro, o antigo centro comercial da cidade, devido às atividades portuárias, esses imóveis, em sua maioria, estão arruinados ou em péssimo estado de conservação, como veremos a seguir, de modo a aumentar a estigmatização dessa área, já tratado no primeiro capítulo. Esse imóveis podem configurar-se como ruínas ou ainda imóveis que pertencem à alguma família tradicional da cidade que não residem mais na edificação, geralmente são imóveis melhor conservados.
Verifica-se também que as quadras compreendidas entre as praças Quinze de Novembro e Doutor Imbassahy concentram as atividades comerciais e de serviço. Os serviços ofertados são básicos, abrangendo programas como salão de beleza, oficinas de bicileta, escritório de advocacia, entre outros, e o comércio é em escala de bairro, com pequenas mercearias, bares, lojas de roupa, sorveteria e restaurantes. No total 78 imóveis (16,3%) são utilizados para tais fins, dos quais 9,6% (46 imóveis) são de uso exclusivo para comércio e serviços.
8.6. ESTADO DE CONSERVAÇÃO
Dentro da área existem 24 imóveis de uso institucional, distribuídos na área e de diversas naturezas, governamentais, religiosas, educacionais, entre outros. No entanto, os equipamentos urbanos de maior porte e abrangência nas adjacências, como as escolas, rodoviária, quadra poliesportiva e hospital. Cerca de 11,9% da área (57 imóveis) está sem uso, número que poderia crescer se so-
Das edificações cadastradas, 90,5% dos imóveis (430) apresentavam um bom estado de conservação [figura 58], possivelmente isso ocorreu, pois a população do Centro Histórico permaneceu ocupando os imóveis. No entanto, essa permanência a medida que foi boa para manter o bom estado de conservação também foi determinante para que as edificações sofressem alterações que as descaracterizariam, dada a ausência de legislação específica e fiscalização. Em contrapartida, nas quadras compreendidas entre as ruas Aníbal Benévolo e Sete de Setembro apresentam o maior número de imóveis mal conservados e arruinados. O que condiz com a tônica de que imóveis vazios ou subutilizados [figura 58] estão mal conservados ou em arruinamento. Para esse estudo as definições de grau de conservação foram desenvolvidas a partir das patologias identificadas superficialmente no casario.
centro histórico | transformações e permanências
8.7. DESCARACTERIZAÇÃO DE ASPECTOS URBANÍSTICOS Tendo em vista os aspectos observados no tópicos anteriores e, principalmente, no âmbito da paisagem urbana, nota-se que a descaracterização da morfologia urbana no Centro Histórico passe quase despercebida para quem caminha pelas suas ruas. No entanto, nos becos e travessas essas modificações saltam aos olhos dos transeuntes mais atentos, pois a partir desses lugares pode-se notar as alterações no parcelamento da quadra, na ocupação do lote, a perda de massa vegetal nos quintas e incorporação de becos e vielas como “extensões de calçadas”. Além disso, a falta de uma hierarquia viária traz inúmeros benefícios para os pedestres nesse caso (como velocidades baixas de veículos), mas também facilita a ocupação de vários trechos de vias pelos veículos particulares, construções de rampas de acesso à garagem incompatíveis com as normas técnicas, etc. Outro aspecto importante é o mau estado de conservação de pavimentações e calçamentos que não só impossibilitam um percurso com acessibilidade universal, mas geram também ambientes urbanos com pouco grau de caminhabilidade. Vale ressaltar também que em alguns trechos de vias e calçadas há uma divergência entre os materiais utilizados e os materiais tradicionais do local. Esse contrate cria uma ruptura na leitura dos espaços do Centro Histórico, a exemplo da pavimentação em bloquete de concreto na Rua Aníbal Benévolo em descontinuidade às demais ruas com pavimentação em paralelepípedo. Ainda no que se refere à infraestrutura urbana, são necessários melhorias mais urgentes no sistema de saneamento básico, que precisam de
ampliação da rede e manutenção da infraestrutura existente. Recentemente, foi feito um Plano de Saneamento Báisco pela Prefeitura Municipal, mas nenhuma obra foi iniciada ou prevista para essa área até o momento em que esse texto foi produzido. Esses problemas urbanísticos, principalmente os de infraestrutura, geram um impacto na área de mangue remanescente na Rua Aníbal Benévolo. Pois o esgoto e o sistema de drenagem da cidade são lançados nessa área, o que gera impacto na fauna local. A falta de áreas e políticas de descarte de entulhos, podas e eletrodomésticos também são agravantes para perda da população de espécies que vivem nesse trecho de mangue. Vale mencionar nesse momento, que a Rua Aníbal Benévolo passou por obras de pavimentação, iluminação e instalações de mobiliário urbano recentemente. No entanto, não foram feitas obras de infraestrutura, como manutenção do sistema de esgoto e drenagem, também não houve um cuidado com o descarte de entulhos oriundos da demolição de um antigo galpão localizado na orla. A área de mangue onde foi feito esse descarte já sofre com ações antrópicas, pois o descarte de entulhos facilita o acesso de pescadores à suas embarcações, atracadas de maneira improvisada em cima da lama. Dado o exposto, o Centro Histórico de Caravelas, apesar de inúmeros problemas nos aspectos de infraestrutura, ainda preserva um pouco de sua ambiência urbana nos aspectos analisados, mas também se faz necessário uma análise dos aspectos arquitetônicos do casario a ser discutido no próximo capítulo.
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capítulo 8 | aspectos urbanísticos
[figura 57]
USO DO SOLO
RIO CARAVELAS
MANGUE
ÁRVORES CADASTRADAS
NÃO CADASTRADO [52]
RESIDENCIAL [310]
COMÉRCIO E SERVIÇO [46]
MISTO [32]
INSTITUCIONAL [24]
SEM USO [57]
EM OBRA [8]
Fonte: Base cartográfica da Prefeitura Municipal de Caravelas (2009) e cadastro de edificações e árvores feito pela autora com base no Google Earth (2019)
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47.876
47.404
48.112 48.348
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47.640
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49.292 49.528 49.764
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BOM Elementos arquitetônicos íntegros (cobertura, paredes, esquadrias e modenatura).
REGULAR Elementos arquitetônicos preservados volumetricamente, porém com manifestação de patologias leves (exemplo: manchas de umidade). RUIM Elementos arquitetônicos parcialmente preservados volumetricamente e manifestações de patologias moderadas (vegetação de pequeno porte, descolamento de camadas de revestimento, etc.). RUÍNA Menos de 50% dos elementos arquitetônicos preservados, com perda parcial ou total da cobertura, e manifestação de patologias graves (vegetação de médio e grande porte, biofilme, crosta negra, etc.).
[figura 58]
ESTADO DE CONSERVAÇÃO
RIO CARAVELAS
MANGUE
ÁRVORES CADASTRADAS
NÃO CADASTRADO [52]
EM OBRA [8]
BOM [430]
REGULAR [10]
RUIM [15]
RUÍNA [14]
Fonte: Base cartográfica da Prefeitura Municipal de Caravelas (2009) e cadastro de edificações e árvores feito pela autora com base no Google Earth (2019). Desenhos autorais
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47.876
47.404
48.112 48.348
48.584
48.820
47.640
49.056
2
49.292 49.528 49.764
0 10
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centro histórico | transformações e permanências
9. Ilustrações autorais.
ASPECTOS EDILÍCIOS CASARIO HISTÓRICO E ARQUITETURA POPULAR
“A tipologia edificada determina a forma urbana e a forma urbana é condicionadora da tipologia edificada, numa relação dialética. (LAMAS, 2004, p. 79)
Como a arquitetura influi na morfologia urbana e, de modo recíproco, é influenciada por ela, esse capítulo buscou identificar os aspectos do conjunto arquitetônico que contribuem para a formação da morfologia, paisagem e ambiência urbana Portanto, foram levantados dados em relação aos aspectos volumétricos das edificações e a composição de fachada, por comunicarem as tipologias edilícias e histórico de ocupação do espaço urbano, além de serem responsáveis por estabelecer uma noção de conjunto. Diante disso, foram levantados dados referentes à implantação, número de pavimentos, cobertura, coroamento, revestimento de fachada e aberturas, a fim de fazer uma análise do grau de integração dos imóveis ao conjunto tombado e identificar os valores a serem preservados, uma lacuna encontrada no processo de tombamento da área. O núcleo histórico de Caravelas não possui nenhum monumento com grande valor artístico e arquitetônico, no entanto é constituído por uma arquitetura popular, “aquela que é própria do povo e por ele é realizada” (WEIMER, 2012). De modo que o valor do conjunto como patrimônio
diz respeito aos estratos dos períodos históricos perpetuados na arquitetura. Com exceção dos edifícios religiosos, a Co-Catedral de Santo Antônio e uma capela de meados do século XIX, as tipologias edilícias encontradas são casas de meia morada³¹ em sua maioria, sobrados e armazéns térreos. A Casa de Câmara e Cadeia, construída em 1772, foi destruída em um incêndio na década de 1960, contudo, pelas fotografias, é possível identificar que a mesma funcionava em um sobrado semelhante aos encontrados ainda hoje na cidade. Vale destacar que vizinho a poligonal de tombamento encontra-se o edifício que funcionou como Estação Ferroviária, construído na década de 1920 e tipologia similar às demais estações da EFBM. Supõe-se que a construção da maior parte das edificações localizadas no Centro Histórico datam da primeira metade do século XVIII e que sofreram atualizações figurativas nas fachadas seguindo as tendências de cada época. Nessa conformidade, as composições de fachada apresentam diversas linguagens arquitetônicas com interpretações feitas por aquitetos populares categorizadas aqui em exemplares da arquitetura colonial luso-brasileira, eclética, com destaque para a vertente do neoclássico, art déco, entre outros.
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capítulo 9 | aspectos edilícios
[figura 59] ALVENARIAS DE TIJOLO E PEDRA DE IMÓVEIS DO CENTRO HISTÓRICO DE CARAVELAS (2019) Acervo Pessoal
centro histórico | transformações e permanências
Portanto, apesar do tratamento diferente de cada fachada no que diz respeito aos acabamentos e modenatura, os elementos morfológicos, como volumetria, ritmo de aberturas, proporção entre cheios e vazios, cobertura e técnicas construtivas são os mesmos dentro do conjunto.
“Os edifícios das províncias constituíam cópias imperfeitas da arquitetura dos centros maiores do litoral. Os elementos neoclássicos limitavam-se, quase sempre, aos enfeites de gesso e aos papéis decorativos importados, aplicados sobre paredes de terra, socadas por escravos. ”
Mesmos as construções do século XIX são difíceis de serem distinguidas daquelas levantadas no período colonial, uma vez que as transformações sofridas nas construções mais modestas do século XIX foram superficiais, permanecendo a forma de ocupação do lote bem como a configuração dos ambientes internos não alteraram-se, a exceção das residências de porão alto e que não são encontrados em Caravelas:
(FILHO, 1970, p . 123)
“Sobre os seus porões altos, térreas ou sobrados, as residências urbanas construídas dentro dos novos padrões [do século XIX] continuavam porém a utilizar as mesas soluções de implantação dos tempos coloniais. Construídas sobre o alinhamento das ruas e sobre os limites laterais dos lotes, empregavam um tipo de relação com o lote urbano, de características medieval-renascentista.” (FILHO, 1970, p. 121)
O que ocorreu foi a importação de elementos decorativos, principalmente pré-fabricados argamassados e azulejos³², e adaptações do que era produzido nas grandes cidades. Sobre o estilo neoclássico:
Em síntese, a tipologia da casa caravelense não foge aos padrões das ocupações coloniais no litoral, bem como a materialidade utilizada nas suas construções. Os edifícios possuem paredes autoportantes de alvenaria de tijolo [figura 59], muitas vezes com pilastras de reforço do mesmo material que sustentam o sótão e a cobertura. Considerando que a inter-relação entre casario, morfologia urbana e paisagem natural vão definir o espaço urbano e moldar a imagem da cidade (LAMAS, 2004), a preservação do casario do núcleo histórico de Caravelas é de suma importância para a preservação da ambiência e paisagem urbana. Isto posto, serão analisadas as características morfológicas edilícias, tais como volumetria, cobertura e aberturas, e a composição de fachada, avaliando as caracterísitcas e elementros tradicionais bem como as alterações e novas inserções.
31. Casas construídas no período colonial com duas janelas e uma porta. 32. Casas com fachadas inteiramente azulejadas eram comuns aos segmentos intermediários, tanto pela estética quanto por questões técnicas, pois evitavam fungos e vegetação, além da fácil manutenção.
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capítulo 9 | aspectos edilícios
9.1. VOLUMETRIA A volumetria do casario histórico [figura 60] de Caravelas foi identificada nesse trabalho a partir do cruzamento entre os dados dos mapas de cheios e vazios, número de pavimentos [figura 61] e cobertura [figura 62]. O corpo da edificação tradicional caracteriza-se pela sua profundidade, em decorrência do parcelamento do solo típico da urbanização portuguesa da época que gerava lotes estreitos e as técnicas construtivas não eram propícias a grandes verticalizações, de modo que os imóveis mais altos em Caravelas, com exceção da Igreja Matriz, possuem dois pavimentos e sótão. O casario apresenta, de um modo geral, dimensões equilibradas de fachada devido a proporção muito próxima entre as a dimensão horizontal e vertical, já que “os lotes urbanos eram medidos em varas ou braças (1 vara = 2 braças), a largura dos terrenos correspondia, nominalmente, a um múltiplo de 1,10 metro. Via de regra, a cada módulo correspondia uma abertura (uma janela ou uma porta)”. Como dito anteriormente, há uma predominância de casas de meia morada com um pavimento, de modo que podemos estimar uma proporção de fachada de 3,30 m horizontal e 3-4 metros na vertical. Outro aspecto determinante da volumetria dos imóveis do conjunto tombado, são as coberturas em duas águas com cumeeira paralela ao alinhamento da rua, que eram construídas assim para minimizar a ação das intempéries nas fachadas. Em alguns casos, as empenas conformadas pela cobertura possuem aberturas na altura de sótãos, configurando assim fachadas significativas para a percepção do conjunto.
B
MEIA MORADA
A
B
ARMAZÉM
mudança na altura da cumeeira
A+1A 3
2B
A
SOBRADO COM SÓTÃO
2B
SOBRADO COM PAVIMENTO RECUADO (SÓTÃO)
A
centro histórico | transformações e permanências
[figura 60] DIAGRAMA DE ESTUDO DE VOLUMETRIAS CARACTERÍSTICAS DO CASARIO HISTÓRICO DE CARAVELAS Elaborado pela autora
9.1.1. IMPLANTAÇÃO
9.1.2. NÚMERO DE PAVIMENTOS
A grande maioria dos lotes não apresentam recuos, já que foi desconsiderado o recuo de fundo para esse estudo. Destacam-se três edificações ecléticas que tem uma implantação diferente da ocupação total do lote, possuindo recuo lateral para os acessos e uso de jardins nessas áreas de recuo. Outras duas edificações dessa época que fogem a essa lógica, são as duas igrejas, a Co-Catedral de Santo Antônio, construída dentro dos parâmetros de ocupação jesuíta e a Igreja de Santa Efigênia, ambas estão isoladas no lote em frente para um largos.
A grande maioria das edificações do Centro Histórico são térreas, 336 imóveis (69,9%) [figura 61]. As construções com dois pavimentos podem ser sobrados, casas térreas que sofreram um acréscimo de pavimento ou edificações contemporâneas construídas já com essa tipologia. Os imóveis com dois pavimentos correspondem a 26,2% do total (126 imóveis) e concentram-se nas quadras limitadas pelas ruas Sete de Setembro e Aníbal Benévolo. Enquanto as edificações com três pavimentos ou mais somam apenas sete exemplares também distribuídas nessas quadras.
As edificações isoladas no lote estão localizadas nas áreas mais periféricas do Centro Histórico e foram ocupadas em um período mais recente, sem harmonizar com o casario histórico das quadras vizinhas. Dentro do núcleo histórico, existem indícios de agrupamento de dois lotes coloniais onde se mantém a edificação em um lote, enquanto no outro constrói-se uma garagem. Ademais, muitas casas com recuo frontal também apresentam o recuo como forma de adaptação para inserção da garagem, demolindo a edificação antiga e construíndo uma nova recuada para dar espaço para a garagem na frente.
9.1.3. COBERTURA A cobertura característica do conjunto arquitetônico de Caravelas é definida em duas águas com cumeeira paralela ao alinhamento da rua, 435 imóveis (89,3%) possuem essa tipologia de cobertura [figura 62]. Em seguida, com a segunda maior expressividade são os 24 imóveis (4,9%) com a cobertura desenvolvida em três águas ou mais. A maior parte dos imóveis são cobertos com telhas cerâmicas do tipo capa canal e alguns poucos com telhas francesas, usadas nas edificações com tipologias de armazéns, possivelmente por ser propícia a criação de um sótão. Apenas 78 edificações (16%) são cobertos por telhas de outros materiais e 13 imóveis (2,7%) não possuem cobertura.
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capítulo 9 | aspectos edilícios
[figura 61]
NÚMERO DE PAVIMENTOS
RIO CARAVELAS
MANGUE
ÁRVORES CADASTRADAS
NÃO CADASTRADO [52]
EM OBRA [8]
UM PAVIMENTO [336]
DOIS PAVIMENTOS [126]
TRÊS PAVIMENTOS [6]
QUATRO PAVIMENTOS [1]
Fonte: Base cartográfica da Prefeitura Municipal de Caravelas (2009) e cadastro de edificações e árvores feito pela autora com base no Google Earth (2019)
centro histórico | transformações e permanências
47.876
47.404
48.112 48.348
48.584
48.820
47.640
49.056
2
49.292 49.528 49.764
0 10
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100
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capítulo 9 | aspectos edilícios
[figura 62]
COBERTURA
RIO CARAVELAS
MANGUE
ÁRVORES CADASTRADAS
NÃO CADASTRADO [34]
EM OBRA [8]
UMA ÁGUA COM CUMEEIRA PARALELA À FACHADA [2]
DUAS ÁGUAS COM CUMEEIRA PERPENDICULAR À FACHADA [13]
DUAS ÁGUAS COM CUMEEIRA PARALELA À FACHADA [435]
TRÊS OU QUATRO ÁGUAS [19]
MAIS DE QUATRO ÁGUAS [5]
TELHA DE MATERIAL NÃO-CERÂMICO [78]
SEM COBERTURA [13]
Fonte: Base cartográfica da Prefeitura Municipal de Caravelas (2009) e cadastro de edificações e árvores feito pela autora com base no Google Earth (2019). Levantamento feito por imagem do satélite do Google Earth com adaptações
centro histórico | transformações e permanências
47.404
47.876
48.112 48.348
48.584
48.820
47.640
49.056
49.292 49.528 49.764
0 10
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capítulo 9 | aspectos edilícios
9.2. COROAMENTO O casario histórico de Caravelas apresenta uma diversidade de coroamentos [figura 68], uma vez que o conjunto sofreu no decorrer dos anos diversas atualizações figurativas seguindo as tendências estilísticas de cada época, contudo 56,7% dos imóveis possuem beiral simples (ou 266 imóveis). Em segundo, os imóveis com platibanda representam 22,6% do total, o que corresponde a 106 edificações, das quais 12,6% tem o desenho simplificado e 10% são decoradas, a maioria no estilo art decó e com alguns exemplares ecléticos. Em seguida, há mais exemplares de coroamento em cimalha com 86 edificações (18,3%) e, depois, 3 imóveis (0,6%) com beira-seveira. Dentro do conjunto há apenas dois exemplares de imóveis com coramento em frontão (0,4%), que correspondem aos imóveis históricos de uso religioso, a Co-Catedral de Santo Antônio e a Igreja de Santo Antôonio. Em 6 edificações (1,3%) não foi possível identificar o coroamento, ou pela ausência de cobertura ou crescimento de vegetação atrapalhando a visbilidade dessa área da fachada. Vale destacar que não foi analisado a sobreposição de coroamentos naqueles imóveis em que houve acréscimo de pavimento, que na maioria das vezes apresentam um coroamento em cimalha no primeiro pavimento e beiral simples no último [figura 65], ou nos casos dos imóveis históricos preservados que em determinado tempo histórico construíram uma platibanda com tratamento estético em cima da cimalha [figura 64]. Com exceção dos imóveis históricos com pavimento recuado [figura 63], foram considerados para análise dos mapas o coroamento do último pavimento.
[figura 63] IMÓVEL Nº 118, RUA BARÃO DO RIO BRANCO (2019) Acervo Pessoal
[figura 64] IMÓVEL Nº 41, RUA SETE DE SETEMBRO (2019) Acervo Pessoal
[figura 65] IMÓVEL Nº 29, RUA BARÃO DO RIO BRANCO(2019) Acervo Pessoal
centro histórico | transformações e permanências
9.3. REVESTIMENTO [figura 66] IMÓVEL Nº 17, RUA BARÃO DO RIO BRANCO (2019) FonAcervo Pessoal
[figura 67] IMÓVEL Nº 23, RUA BARÃO DO RIO BRANCO (2019) Acervo Pessoal
Em relação aos revestimentos de fachada, 355 imóveis (74,9%) são pintados [figura 69], enquanto 88 imóveis (18,6%) possuem revestimento cerâmico e 10 edificações (2,1%) acabamento em pedra, que são utilizados, na maioria das vezes, em imóveis comerciais, e 15 (3,2%) não possuem revestimento. Dentro do conjunto tombado existem ainda seis imóveis (1,3%) revestidos com azulejos tradicionais, dos quais quatro estão localizados na Rua Barão do Rio Branco. Ressalta-se que no caso de imóveis com mais de um tipo de revestimento foi sinalizado nesse estudo o material descaracterizante, visto que os imóveis sempre fizeram combinação da pintura com revestimento cerâmico ou em pedra. Em relação à composição cromática, as fachadas são pintadas com cores diversas, com variação de uso de tons pastéis e cores vibrantes, mas que são diferentes das cores utilizadas na pintura das esquadrias e elementos de modenatura [figura 66], incluindo coroamento, cunhal e molduras de aberturas. No caso das edificações com fachadas ecléticas, a tendência é pintar os elementos de modenatura na cor branca ou em tons mais claros do que o utilizado na parede. Em alguns casos, a fachada é dividida em duas partes, cuja divisão segue a linha do peitoril. A parte inferior da fachada recebe o acabamento em chapisco, podendo ser pintada da mesma cor da parte superior ou não, nesse caso a fachada pode apresentar duas ou três cores [figura 67].
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capítulo 9 | aspectos edilícios
[figura 68]
COROAMENTO
RIO CARAVELAS
MANGUE
ÁRVORES CADASTRADAS
NÃO CADASTRADO [52]
EM OBRA [8]
BEIRAL SIMPLES [266]
CIMALHA [86]
BEIRA SEVEIRA [3]
PLATIBANDA TRADICIONAL [47]
PLATIBANDA [59]
FRONTÃO [2]
NÃO IDENTIFICADO [6]
Fonte: Base cartográfica da Prefeitura Municipal de Caravelas (2009) e cadastro de edificações e árvores feito pela autora com base no Google Earth (2019)
centro histórico | transformações e permanências
47.404
47.876
48.112 48.348
48.584
48.820
47.640
49.056
49.292 49.528 49.764
0 10
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100
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capítulo 9 | aspectos edilícios
[figura 69]
REVESTIMENTO DE FACHADA
RIO CARAVELAS
MANGUE
ÁRVORES CADASTRADAS
NÃO CADASTRADO [44]
EM OBRA [8]
PINTURA [355]
AZULEJO TRADICIONAL [6]
CERÂMICO [88]
PEDRA [10]
SEM REVESTIMENTO [15]
Fonte: Base cartográfica da Prefeitura Municipal de Caravelas (2009) e cadastro de edificações e árvores feito pela autora com base no Google Earth (2019)
centro histórico | transformações e permanências
47.404
47.876
48.112 48.348
48.584
48.820
47.640
TURA
49.056
LEJO DICIONAL
49.292 49.528 49.764
ÂMICO
RA
REVESTINTO
0 10
50
100
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capítulo 9 | aspectos edilícios
9.4. ABERTURA As aberturas do casario histórico de Caravelas seguem o padrão típico da ocupação portuguesa no litoral do Brasil Colônia, em sua maioria são aberturas em vergas retas ou arcos abatidos vedadas com esquadrias de madeira de folhas cegas [figura 70]. Em algumas construções com fachadas ecletizadas, as aberturas se dão em arco pleno, em decorrência da forte influência do neoclássico na cidade [figura 70]. A particularidade de Caravelas se dá na caixilharia de guilhotina com desenhos retangulares, losangos concêntricos e bandeira fixa com desenho de cauda de pavão, muito difundida na cidade e utilizada, inclusive, em construções mais antigas. O padrão dos desenhos da guilhotina se repetem nas bandeiras de vidro das portas internas das casas, o que permite uma melhor iluminação dos ambientes.
As esquadrias mais contemporâneas são, majoriatariamente de madeira, no entanto há exemplares de alumínio e vidro, diferem-se das esquadrias tradicionais pelas suas dimensões que alteram o ritmo de aberturas e a proporção entre cheios e vazios e, por vezes, altera também o formato das vergas. Um número expressivo de imóveis apresenta algum tipo de descaracterização das aberturas [figura 71], no total são 342 imóveis (72,1%) sofreram ou modificação no tamanho das aberturas ou as esquadrias são de uma materialidade incompatível com o conjunto. Desse total, 190 edificações (40,1%) apresentam ambas incompatibilidades. Apenas 125 imóveis possuem aberturas e esquadrias preservadas ou integradas, o que corresponde à 26,4% do total. Além disso, 7 edificações (1,5%) não possuem esquadria.
[figura 70] JANELAS DO CASARIO HISTÓRICO (2019) Acervo Pessoal
centro histórico | transformações e permanências
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capítulo 9 | aspectos edilícios
[figura 71]
ABERTURAS
PRESERVADA OU INTEGRADA
RIO CARAVELAS
MANGUE
ALTERAÇÃO HORIZONTAL
ALTERAÇÃO VERTICAL
INCOMPATIBILIDADE DE MATERIALIDADE
ÁRVORES CADASTRADAS
NÃO CADASTRADO [44]
EM OBRA [8]
PRESERVADA OU INTEGRADA [125]
ALTERAÇÃO HORIZONTAL [134]
ALTERAÇÃO VERTICAL [13]
MATERIALIDADE DA ESQUADRIA INCOMPATÍVEL [5]
PROPORÇÃO DA ABERTURA E MATERIAL DA ESQUADRIA INCOMPATÍVEL [190]
SEM ESQUADRIA [7]
Fonte: Base cartográfica da Prefeitura Municipal de Caravelas (2009) e cadastro de edificações e árvores feito pela autora com base no Google Earth (2019). Diagramas elaborado pela autora
centro histórico | transformações e permanências
47.404
47.876
48.112 48.348
48.584
48.820
47.640
49.056
49.292 49.528 49.764
0 10
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9.5. DESCARACTERIZAÇÃO O diagnóstico das interferências danosas no acervo edilício caravelense tombado à nível municipal foi feita com base em estudos de bibliografia e análise comparativa entre registros fotográficos históricos e o levantamento em campo, já que o processo de tombamento não apresenta dossiê de tombamento nem esclarece aspectos protegidos por esse instrumento. Tratando-se de um Centro Histórico tombado a análise da descaracterização do casario baseou-se em questões que geram impacto na imagem e paisagem urbana, ou seja, no grau de integração das edificações do conjunto. Portanto foram analisados questões relacionadas à volumetria e composição de fachada [figura 72], cujo conceito adotado foi inspirado no entendimento do IPAC sobre o grau de integração do imóvel em relação ao conjunto, que considera a temporalidade dos imóveis e a reversibilidade das intervenções descaracterizantes. Nesse trabalho, além da consideração da temporalidade do imóvel, foi avaliado os aspectos de volumetria, revestimentos e aberturas.
Ressalta-se que nesse estudo não foram analisados aspectos da poluição visual em decorrência da instalação de engenhos publicitários e sinalizações, instalação de gradis, toldos, marquises metálicas, antenas e outros elementos, por serem alterações brandas e reversíveis, que não interferem na leitura espacial do imóvel e do conjunto. Também não foram considerados a composição cromática dos elementos de fachada, declividade dos planos de cobertura e materialidade e desenho das esquadrias, apesar do entendimento que esses aspectos geram impactos na harmonia do conjunto. Porém, são características particulares de cada edificação, sendo necessário a avaliação individual de cada imóvel. Esse estudo foi sintetizado no mapa de grau de integração [figura 73] e para interpretação dos seus dados do não foram considerados os lotes não edificados, lotes não cadastrados e lotes em obra. Das 466 edificações analisadas apenas 51 imóveis (10,9%) estão preservados e 81 edificações (17,4%) estão integradas, 191 imóveis (41,0%) estão semi-integrados e 143 edificações (30,7%) estão destoantes do conjunto.
[figura 72] ANÁLISE DE TRECHO DE PERFIL DA RUA SETE DE SETEMBRO (2019) Acervo Pessoal
centro histórico | transformações e permanências
semi-integrada alteração de ritmo de aberturas e proporção cheios/vazios
ruína de fachada integrada
lacuna criada pela demolição de imóvel atualmente fundo de lote
imóveis destoantes do conjunto
imóveis integrados que passaram por intervenção contemporânea
semi-integrada alteração no ritmo de aberturas e volumetria para criação de garagem
integrada alteração do desenho da esquadria
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capítulo 9 | aspectos edilícios
[figura 73]
GRAU DE INTEGRAÇÃO INTEGRADO Imóveis históricos com descaracterização no que tange ao revestimento. Ou imóveis contemporâneos que se integram ao conjunto nos mesmos aspectos.
SEMI-INTEGRADO Imóveis históricos que apresentam alteração na proporção das aberturas, interferindo no ritmo ou na relação entre cheios e vazios, ou imóveis históricos com alteraçao na volumetria, havendo ou não incompatibilidade nos materiais de revestimento. Ou ainda, imóveis contemporâneos que se integram ao conjunto em relação à volumetria, mas apresenta incompatibilidade no tratamento de fachada.
DESTOANTE Imóveis históricos ou contemporâneos que apresentam descaracterização da volumetria, revestimentos e composição de fachada.
RIO CARAVELAS
MANGUE
ÁRVORES CADASTRADAS
NÃO CADASTRADO [52]
EM OBRA [8]
PRESERVADO [51]
INTEGRADO [81]
SEMI-INTEGRADO [191]
DESTOANTE [143]
Fonte: Base cartográfica da Prefeitura Municipal de Caravelas (2009) e cadastro de edificações e árvores feito pela autora com base no Google Earth (2019). Ilustrações autorais
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47.404
47.876
48.112 48.348
48.584
48.820
47.640
49.056
49.292 49.528 49.764
0 10
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10.
CONJUNTO TOMBADO MÉRITOS, ENTRAVES E DESDOBRAMENTOS
Caravelas foi o terceiro núcleo povoado (IPAC-SIC, 1988, p. 257) surgir no extremo sul baiano, região marcada na história como palco dos primeiros contatos portugueses com território brasileiro. Como visto no capítulo 3, nos séculos XVI e XVII tinha como principais atividades econômicas a extração de Pau-Brasil e pesca, no século XIX, era a maior produtora de café do Extremo Sul da Bahia. A facilidade de conexão com outras nucleações urbanas por vias marítimas-fluviais permitiu que a cidade se consolidasse posteriormente empório e porto regional. Também nesse período desempenhou papel importante devido ao terminal ferroviário da antiga EFBM, cuja área de influência abrangia todo o extremo sul baiano e norte mineiro. O seu desenvolvimento e progresso no século XIX está perpetuado em seu casario, principalmente nos imóveis azulejados no estilo neoclássico que apresentam um acabamento requintado. Além disso, seu acervo edilício apresenta exemplares de diversos momentos da produção da arquitetura popular brasileira, com imóveis nos estilos barroco-colonial, eclético e art déco. A sua morfologia urbana é um importante testemunho dos processos de urbanização do século XVIII, distinguido-se de outras nucleações urbanas históricas da região por ter surgido como um aldeamento jesuítico e ter se consolidado como uma vila de tradição urbanística pombalina, caracterizada pelo seu traçado regular.
Em Caravelas, há também uma relação visual entre paisagem construída e natural, tanto pelos enquadramentos do rio a partir da vias secundárias, quanto pela relação de frontispício percebida por quem chega à cidade pelo rio e cenário para manifestações culturais, como as procissões feitas em barcos para Iemanjá e parte da celebração da batalha entre Mouros e Cristãos. Além da relação paisagística, o Rio Caravelas e o que restou do ecossistema costeiro de mangue tem uma grande relevância ecológica, inclusive para manutenção da biodiversidade dos Arquipélago de Abrolhos. Apesar do municípo de Caravelas ter uma grande extensão de manguezais protegidos, na sede e no Centro Histórico o ambiente construído avança sobre o que restou de mangue nessa parte da costa. Diante disso, o Centro Histórico de Caravelas tem um valor histórico, arquitetônico, urbanístico e paisagístico, sendo um testemunho material de parte importante da história da Bahia e relevante para a formação da identidade estadual, principalmente para a região do extremo sul baiano. Portanto, justifica-se um possível reconhecimento do valor cultural do conjunto pelo estado da Bahia, também como instrumento de garantia de preservação do patrimônio caravelense. Apesar do entendimento da importância da municipalização das políticas de proteção de bens culturais, principalmente em estados com grandes
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capítulo 10 | conjunto tombado
extensões territoriais como a Bahia, contudo, em pequenas cidades as políticas públicas nem sempre são respeitadas. Em alternâncias de poder, prática inerente à democracia, gestores poucas vezes dão continuidade à políticas implantadas em gestões anteriores. No caso do tombamento de Caravelas, não foi diferente. Atualmente, o COMDEPHAC, criado através da Lei Municipal nº 187/2002, não exerce mais suas funções e as ações de intervenção no patrimônio não são orientadas ou avaliadas por técnicos especialistas. Com o tombamento estadual, o IPAC e a Prefeitura Municipal de Caravelas podem atuar em conjunto em ações de regularização e normatização do bem, iniciativas de educação patrimonial e desenvolvimento de plano de ação preventivas e corretivas contra danos ao patrimônio edificado. Além do enfraquecimento dos instrumentos legais de preservação, outro entrave é o empobrecimento da população em decorrência da falta de atividades econômicas que gerem trabalho e retorno financeiro diretamente para a população. A indústria madeireira de produção e beneficiamento de eucalipto não gera empregos para a população local de maneira expressiva, como visto no segundo capítulo, a maior parte da população não tem formação básica. Além de ser excludente, as atividades ligadas à essa indústria ameaçam os modos de vida da população rural e ribeirinha, pela pressão para expansão das fazendas de eucalipto. Junto com uma política de preservação cultural dos bens materiais, se faz urgente a construção de uma política de desenvolvimento sustentável para possibilitar que os moradores possam financiar obras de restauro, intervenção e conservação dos imóveis históricos. Isso também permitiria a manutenção dos
modos de vida de parte do povo caravelense, mantendo viva as suas tradições e culturas. Diante ao exposto, propõe-se a revisão dos decretos n° 380/2002 e n° 552/2006 que definem a área do Centro Histórico e o tombamento individual de todas as edicações inseridas nas vias citadas no primeiro decreto, com o objetivo de esclarecer as abrangência da proteção e os valores a serem preservados, de forma que os técnicos responsáveis pela salvaguarda do patrimônio tombado caravelense tenham informações satisfatórias para o exercício de suas funções. Com base no trabalho aqui apresentado, prevê-se também que a área tombada seja reduzida e setorizada, seguindo critérios de similaridades entre o conjunto arquitetônico e histórico de ocupação urbana. A partir dos mapas temáticos desenvolvidos ao longo dos dois capítulos anteriores e da reconstituição do mapa de evolução da mancha urbana, percebe-se que o tombamento municipal não fez um estudo aprofundado sobre o bem cultural protegido, de modo que foram incorporadas áreas que correspondem à um período de ocupação mais recente. Feito o cruzamento dos dados, propõe-se a incorporação de uma área adjacente como zona de amortecimento para a preservação da ambiência do bem tombado [figura 78], e também a seotrização da poligonal tombada em cinco áreas [figura 74]: 1) Centro Histórico; 2) Praça Teófilo Otoni e arredores; 3) Rua Sete de Setembro-Rua Marechal Deodoro; 4) Rua Teobaldo Costa-Rua Comendador Melgaço; 5) Praça Quinze de Novembro e arredores.
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[figura 74] VISTA AÉREA DE CARAVELAS (DÉCADA DE 1970-1980) Acervo IPAC com adaptações
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capítulo 10 | conjunto tombado
O setor 1 corresponde a primeira área de ocupação da cidade e ainda mantém o parcelamento do solo e a ocupação do lote do período colonial na maior parte da área, bem como as tipologias das edificações do século XVIII e XIX. A área ainda pode ser dividida em mais três subsetores categorizados de acordo com o histórico e características de ocupação: núcleo primitivo, que engloba a praça matriz e ruas Sete de Setembro [figura 75] e Barão do Rio Branco; Rua Aníbal Benévolo, antigo setor portuário; e Rua Firmino Pereira. As duas últimas ruas, possivelmente, se configuravam como ruas de serviço* e tiveram uma mudança de caráter com o desenvolvimento de atividades portuárias e desmembramento dos lotes, respectivamente. A Rua Aníbal Benévolo distingui-se dos demais setores pela conformação do frontispício da cidade e por apresentar a maior concentração de edificações sem uso e em arruinamento. Enquanto a Rua Firmino apresenta exemplares de arquitetura da segunda metade do século XIX e início do século XX, o que levanta a hipótese de que no período colonial apenas as ruas Sete de Setembro e Barão do Rio Branco eram ocupadas. A Rua Barão do Rio Branco concentra os exemplares de imóveis com maior requinte de acabamento de fachada, enquanto a Rua Sete de Setembro concentra os imóveis de tipologia de sobrados e casas térreas de uso misto. O setor 2 compreende a área entre a Praça Teófilo Otoni e a Rua Firmino Pereira. Assim como o setor 3, essa região caracteriza-se por ser uma área de transição entre o Centro Histórico e a cidade moderna. Entretanto, difere-se do outro setor pelos edifícios históricos não serem
centro histórico | transformações e permanências
[figura 75] RUA SETE DE SETEMBRO E CINE-TEATRO (à esquerda) Facebook Prefeitura Municipal de Caravelas (acesso 02/2019)
residenciais, como a Igreja de Santa Efigênia [figura 76] e a Estação Ferroviária da EFBM, onde hoje funciona a rodoviária da cidade. As demais edificações já estão muito descaracterizadas e não se integram ao conjunto do núcleo primitivo, de modo que essa área poderia funcionar melhor como entorno de bem tombado, caso a igreja e a estação fossem tombadas individualmente.
[figura 76] IGREJA DE SANTA EFIGÊNIA (1957) Acervo IBGE
Já o setor 3 é de uma ocupação mais recente e configura-se como uma área de transição entre o Centro Histórico e a cidade moderna, cuja expansão se dá a partir dos meados do século XX. Portanto, apresenta alguns exemplares de edificações históricas, como o casarão azulejado na esquina da Praça Dr. Imbassahy, além dessa praça se configurar como uma importante visual para a Igreja de Santa Efigênia. O macro parcelmaneto segue o alinhamento com o núcleo histórico, no entanto, os lotes já apresentam agrupamentos incompatíveis com o traçado histórico.
[figura 77] RUA DAS PALMEIRAS E ANTIGO PRÉDIO DO COLÉGIO AGRIPINIANO DE BARROS (à esquerda) Acervo IBGE (acesso 02/2019)
O setor 4 caracteriza-se por ser uma área ocupada por casas térreas sem recuos e com uma arquitetura mais simples, sem atualizações figurativas ou elementos de modenatura nas fachadas. Nessa região estão concentradas também tipologias de casas de porta e janela, o que aponta para uma ocupação de uma população empobrecida. Apesar de não apresentarem grandes valores arquitetônicos e artísticos e o casario está destoante da área do Centro Histórico, esse setor tem uma relevância cultural, pois é cenário de uma das celebrações mais popular da cidade, a batalha entre os exércitos mouro e cristão pela imagem de São Sebastião.
Por fim, o setor 5 foi a última ser ocupada dentro da poligonal definida pelo tombamento municipal. Em registros fotográficos do IPAC-SIC na década de 1970 [figura 77], nota-se que haviam escassas edificações na área. A ocupação dessa área se deu na segunda metade do século XX, a princípio com construção de equipamentos públicos, como o edifício que hoje corresponde á Escola Municipal Agripiniano de Barros. Esse trabalho traz como proposta, portanto, que essa área seja considerada uma zona de amortecimento, pois a verticalização dessa área, por exemplo, poderia interferir na ambiência do Centro Histórico e na imagem do frontispício da cidade. Além da discussão acerca do mérito dos valores artísticos e históricos do patrimônio urbano, é de fundamental importância que se compreenda outras dimensões relativas à ambiência urbana para o desenvolvimento de uma proposta de intervenção em um conjunto tombado. Tendo como base tudo que já foi discutido nos capítulos anteriores do corpus deste trabalho, à luz dos fatores que estabelece uma cidade para pessoas (Gehl, 2013) — vida, espaço e edifício — foram levantadas as problemáticas urbanísticas do Centro Histórico, tratando também da questão ambiental, por entender a importância dos ecossistemas caravelenses tanto para a manutenção da biodiversidade regional quanto para o sustento de sua população. Em relação à infraestrutura urbana, o Centro Histórico é uma das áreas da cidade que está em melhores condições, é atendida pelo sistema de saneamento básico, coleta de lixo e iluminação pública, possui uma grande praça e outros espaços menores de convívio social. Apesar disso, nota-se nesses aspectos algum nível de deficiência, as ruas e os espaços não são acessíveis universal-
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capítulo 10 | conjunto tombado
[figura 78]
PROPOSTA DE SETORIZAÇÃO DO CENTRO HISTÓRICO
RIO CARAVELAS
MANGUE EDIFICAÇÕES SETOR 1 ZONA DE PROTEÇÃO RIGOROSA
SETOR 2 ZONA DE TRANSIÇÃO E ENTORNO DE BEM DE INTERESSE CULTURAL
SETOR 3 E 4 ZONA DE AMORTECIMENTO VOLUMETRIA SETOR 5 ZONA DE AMORTECIMENTO GABARITO Fonte: Base cartográfica da Prefeitura Municipal de Caravelas (2009) e cadastro de edificações e árvores feito pela autora com base no Google Earth (2019)
centro histórico | transformações e permanências
47.404
47.876
48.112 48.348
48.584
48.820
47.640
49.056
49.292 49.528 49.764
0 10
50
100
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capítulo 10 | conjunto tombado
mente, a caminhabilidade é afetada por questões construtivas e sensoriais, em determinadas ruas há uma sensação de insegurança para o transeunte, devido a subutilização dos edifícios e do espaços. O remanescente de mangue na Rua Aníbal Benévolo é afetado pelo desmatamento para uso de atracadouros sem infraestrutura e organização adequada, pelo derramamento de esgoto e materiais tóxicos utilizados nos reparos dos barcos, constantemente é usado como área de depósito de entulhos e restos de construção, inclusive pelo poder público. Em relação aos edifícios, as problemáticas envolvem mais questões de preservação do patrimônio histórico, com novas construções que produzem falso histórico, descaracterização do casario e outros tipos de lacunas, em decorrência de lotes vazios e ruínas. Outro fator que se apresenta no âmbito do edifício, mas que tem um impacto na escala urbana, são as ocupações dos fundos de lotes que são feitas sem acompanhamento e orientação técnica, de modo que a área vem perdendo gradativamente permeabilidade do solo. Para além de descrever as consequências de cada problema e identificar as possíveis causas, percebeu-se que o principal agente causador desses danos é a ação antrópica. Podendo ser através do poder público que se absteve no decorrer do tempo de fazer as obras de intervenção e manutenção necessárias para a infraestrutura urbana, bem como fiscalizar as construções de iniciativa privada que prejudicaram o conjunto histórico, em ambiência e infraestrutura. Ou através da população, por ações de vandalismo, mau uso do espaços e mobiliário urbano e de construções irregulares. Desse modo, propõe-se como desdobramento dessas análises um Plano de Ações para o Centro Histórico de Caravelas seguindo os preceitos para o
desenvolvimento de uma cidade para pessoas. Na tabela ao lado, são elencados as problemáticas, com identificação das possíveis causas e as consequências que embasaram as diretrizes [figura 79] para intervenções no espaço urbano e no conjunto arquitetônico e ações a serem desenvolvidas pelo poder público, das quais apenas algumas serão desenvolvidas na atividade projetual desse trabalho. Dada a relevância cultural e ambiental de Caravelas, optou-se por desenvolver um projeto de intervenção para um trecho da Rua do Porto, por ser um ponto intermediário entre o natural e o urbano. Devido essa condição, os aspectos apontados por Gehl vão tomar outros significados e as prioridades vão se alterar sob à luz de cada um desses aspectos [figura 79].
[figura 79] NORTEADORES DE PROJETO Elaborado pela autora
RESGATE DA AMBIÊNCIA RESTAURO PATRIMÔNIO RESTAURO NATURALPATRIMÔNIO AMBIENTAL URBANOCULTURAL
AMBIENTE RECUPERAÇÃO ECOLÓGICA VIDA MANUTENÇÃO DA PRINCIPAL FONTE DE SUSTENTO DA MAIORIA MORADORES DA CIDADE ESPAÇOS INFRAESTRUTURA VERDE EDIFÍCIO ESCALA HUMANA
VIDA OCUPAÇÃO DOS IMÓVEIS E DOS LUGARES MEMÓRIA E IDENTIDADE EDIFÍCIOS HARMONIA DO CONJUNTO ESPAÇOS AMBIÊNCIA E PATRIMÔNIO IMATERIAL AMBIENTE RELAÇÃO PAISAGÍSTICA
centro histórico | transformações e permanências
SÍNTESE DE PROBLEMÁTICAS URBANÍSTICAS DO CENTRO HISTÓRICO Fonte: Elaborada pela autora, 2019
DESCRIÇÃO VIDA
POSSÍVEIS CAUSAS
CONSEQUÊNCIAS
INSEGURANÇA, FALTA DE ACESSIBILIDADE E CAMINHABILIDADE
Calçadas com dimensões reduzidas, desníveis, obstáculos e materiais inadequado.
Falta de conscientização sobre a responsabilidade dos proprietários e falta de fiscalização.
Falta de acessibilidade universal e caminhabilidade para pedestres que, na maioria das vezes transitam pelas vias.
Espaços livres com usos e atividades reduzidas.
Falta de mobiliário urbano, áreas sombreadas e “olhos da rua”.
Insegurança nos espaços públicos.
Predominância de fachadas inativas na Rua Aníbal Benévolo (Rua do Porto).
Fim das atividades portuárias. Grande número de fundo de lote.
Insegurança nos espaços públicos.
Pouco uso de abrangência noturna.
Carência de equipamentos públicos.
Insegurança nos espaços públicos.
EDIFÍCIO
FALSO HISTÓRICO, DESCARACTERIZAÇÃO E LACUNAS
Construções contemporâneas que reproduzem falso histórico.
Falta de conhecimento e acompanhamento técnico.
Impacto na distinguibilidade entre edifícios históricos e reconstruções.
Concentração de edificações arruinadas e terrenos vazios.
Falta de uso e manutenção de edificações.
Edificações arruinadas, falta de segurança, usos ilícitos.
Demolição do antigo Barracão, deixando um espaço vazio no conjunto arquitetônico do frontispício.
Falta de conhecimento e acompanhamento técnico.
Alteração na percepção do conjunto arquitetônico do frontispício.
Alterações de cobertura, verticalização, desalinhamento com a testada do lote, mudança no ritmo de aberturas, instalações inadequadas nas fachadas.
Legislações e permissivas, falta de fiscalização, necessidade de ampliação dos imóveis e introdução de novas tecnologias.
Poluição visual, invisibillidade de alguns elementos das fachadas, desarmonização do conjunto.
ESPAÇO
SERVIÇOS URBANOS, ACESSIBILIDADE E DESCONFORTOS SENSORIAIS
Carência de mobiliário urbano.
Descaso do poder público e ações de vandalismo.
Espaços públicos ociosos. Acúmulo de lixo nas ruas.
Carência de áreas arborizadas.
Herança da urbanização colonial.
Desconforto térmico.
Pavimentação mal conservada e falta de elementos de acessibilidade.
Descaso do poder público em relação.
Espaços públicos subutilizados e uso reduzido de PCD.
Fiação de instalações elétricas e telefônicas.
Falta de manutenção e atualização dos sistemas de serviço.
Poluição visual e descaracterização da ambiência.
AMBIENTE
BAIXA PERMEABILIDADE E DEGRADAÇÃO DE ECOSSISTEMAS
Perda da massa vegetação no meio das quadras.
Novas necessidades para habitação, ampliações horizontais e construções de anexos sobre os fundos de lote.
Diminuição de áreas permeáveis e sobrecarga no sistema de drenagem.
Perda de vegetação do remanescente de mangue.
Uso desordenado de atracadouros.
Degradação do ecossistema.
Despejo de esgoto clandestino na rede de drenagem, despejo de entulho, lixo e substâncias tóxicas usadas nos reparos de barcos no mangue e rio.
Falta de manutenção e ampliação do sistema de saneamento básico e falta de fiscalização de novas construções.
Diminuição da qualidade da água do Rio Caravelas.
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capítulo 10 | conjunto tombado
VIDA
LOTES E IMÓVEIS SEM USO OU SUBTUTILIZADO
E DIFÍC IO
EQUIPAMENTOS PROPOSTOS
1. Organização do sistema viário priorizando o pedestre; 2. Desenhar ruas que priorizem o pedestre; 3. Readequação de vias para garantir a acessibilidade universal;
RESTAURO
NOVA CONSTRUÇÃO
RECOMPOSIÇÃO
INTERVENÇÃO EM RUÍNA
1. Desenvolvimento de estudos para complementação do processo de tombamento e desenvolvimento de normativas de intervenção; 2. Reestabelecer o órgão de fiscalização e orientação para intervenções no patrimônio tombado (COMDEPHAC);
4. Aplicação do Artigo 8º da Lei Nº 10.257 de 2001 nos imóveis e lotes vazios que não exerçam função social;
3. Ações de educação patrimonial;
5. Implantação de equipamentos públicos propulsores de urbanidade destacados no capítulo 6, com usos diversos e maior abrangência de horário de funcionamento.
5. Recomposição volumétria e de fachada de ruínas e imóveis que descaracterizam o conjunto arquitetônico tombado;
DIRETRIZ FORA DO PROJETO DIRETRIZ DA PROSPOSTA FINAL
[figura 80] DIRETRIZES PARA PROPOSTAS AO CENTRO HISTÓRICO DE CARAVELAS Elaborado pela autora
4. Recomposição das lacunas no casario histórico;
6. Prever formas de estacionamento para veículos dos proprietários, com o objetivo de coibir a abertura de garagens que agridam os casario histórico; 7. Estimular as atividades culturais que valorizem a memória de Caravelas, recuperação do fundo municipal para ações de salvaguarda da cultura; 8. Implantação de uma Casa do Patrimônio.
centro histórico | transformações e permanências
E SPAÇO
REQUALIFICAÇÃO DE ESPAÇOS PÚBLICSO
1. Requalificação dos espaços públicos buscando diversidade de usos e respeitando os espaços culturais e religiosos; 2. Requalificação da pavimentação, garantindo acessibilidade e permeabilidade; 3. Instalação de mobiliário urbano; 4. Substituição de instalações elétricas, telefônicas e de iluminação pública por sistemas com fiação subterrânea; 5. Padronização da sinalização pública e engenhos publicitários; 6. Arborização dos espaços públicos utilizando espécies nativas; 7. Usos contemplativos nas áreas próximas ao Rio Caravelas, como mirantes, decks e incentivando esportes náuticos; 8. Integrar a Rua Aníbal Benévolo às áreas históricas adjacentes através do uso de materiais, mobiliários, etc. padronizados.
AMBIE NTE
INFRAESTRUTURA VERDE
INFRAESTRUTURA TRADICIONAL
1. Plantio de espécies nativas na área adjacente ao remanescente de mangue na orla; 2. Organização de atracadouros ao longo da orla; 3. Demolição de estruturas de uso privado que avançam sobre o rio; 4. Reforma e ampliação do sistema tradicional de saneamento básico (Plano de Saneamento Básico Municipal de 2019); 5. Incentivar e promover obras de saneamento básico ecológico e doméstico; 6. Uso de sistemas de infraestrutura verde, como biovaletas, jardins de chuva, pavimentações permeáveis, etc. 7. Implantar mecanismos legislativo para assegurar a permeabilidade dos lotes; 8. Implantar sistema de coleta seletiva; 9. Implantar o Centro Náutico.
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RUA DO PORTO CENÁRIOS PROPOSITIVOS
ESCADINHA
TARIFA BARRACÃO
PÍER
rua do porto | cenários propositivos
11.
DE ANÍBAL BENÉVOLO À RUA DO PORTO RECAPIITULAÇÃO DAS DINÂMICAS DA RUA
A Rua Aníbal Benévolo historicamente era uma rua de serviço e se consolidou como área portuária da cidade, enquanto Caravelas se sustentava como entreposto comercial. Dessa forma, as tipologias das edificações da rua caracterizam-se por sobrados de uso misto, armazéns térreos, alguns exemplares de casas de porta e janela e fundos de lote ocupados [figuras 81, 82, 83 e 84]. Como visto no capítulo 3, o fim das atividades da EFBM foram determinantes para o declínio das atividades portuárias em Caravelas e, por conseguinte, para o esvaziamento da Rua do Porto.
[figura 81] RUA ANÍBAL BENÉVOLO VISTA DO PÍER DO LLOYD BRASILEIRO (FOTO POSSIVELMENTE DO INÍCIO DO SÉCULO XX) Blog Fundação Benedito Ralile (acesso abril de 2019)
A partir de então, a dinâmica da rua pouco mudou, com a implantação do PNMA, em 1983, o Píer Municipal passou a ser utilizado pelas embarcações das agências de turismo que fazem frequentes viagens ao parque e, eventualmente, por embarcações da Marinha do Brasil. A medida em que se caminha em direção aos limites do Centro Histórico, a orla é tomada por canoas, bateras e pequenas embarcações a motor que ficam atracadas na área de mangue desmatado [figura 86], com o auxílio de cordas e os próprios troncos de mangue-branco (Avicennia schaueriana), conhecidos popularmente por Siriba.
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capítulo 11 | de aníbal benévolo
[figura 82] VISTA DA RUA DO PORTO E DA ANTIGA CASA DE CÂMARA E CADEIRA (FOTO TIRADA POSSIVELMENTE ENTRE DÉCADA DE 1920 E 1950) Blog Fundação Benedito Ralile (fevereiro de 2019)
[figura 83] VISTA AÉREA DA RUA DO PORTO E DA CIDADE (DÉCADA DE 19701980) Acervo IPAC
rua do porto | cenários propositivos
[figura 84] VISTA DE PARTE DO FRONTISPÍCIO (DÉCADA DE 19701980) Acervo IPAC
[figura 85] ANTIGA FEIRA LIVRE QUE OCORRIA NA RUA DO PORTO (2000) Nicolau (2014)
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capítulo 11 | de aníbal benévolo
Como visto no capítulo 8 (p. 90 e 91), essa área possui uma faixa de solo característico de manguezal que se estende do limite da rua, a partir do muro de contenção, até o Píer Municipal, mas que recebe descarte inadequado de lixo e entulho de obra, principalmente no trecho mais ocupado por embarcações [figura 86]. Possivelmente, isso ocorre para facilitar o acesso aos barcos, pois a maioria deles fica atracado no próprio solo, de forma que os entulhos facilitam a locomoção do próprio pescador [figura 86]. Fora esses usuários, a Rua do Porto era mais frequentada por quem ali morava, pois é uma espaço estigmatizado como sujo, mal cheiroso e mal frequentado. O caravelense comum pouco frequentava essa rua, indo,
geralmente, para contemplar o pôr do sol, dada a beleza da paisagem natural, pescar e banhar-se, em dias de maré cheia no Píer Municipal e de maré baixa na Escadinha, essa encontrava-se totalmente destruída na última visita de campo . No entanto, após uma obra de pavimentação e iluminação finalizada no início desse ano, a rua passou a ser mais frequentada, sendo atividades físicas um dos seus principais usos - corrida e caminhada - e ainda contemplação da natureza. Vale destacar que essa obra foi iniciada durante o processo de elaboração desse trabalho e não foi finalizada até a realização da última visita de campo em janeiro de 2020. Além disso, como visto no capítulo 6, é
rua do porto | cenários propositivos
da Rua do Porto que parte a procissão marítima de Iemanjá no dia 2 de fevereiro e é pelo Rio Caravelas que chega a embarcação dos Mouros (“Chegança”) para a representação da batalha entre o exército Mouro contra os Cristãos em celebração à São Sebastião no dia 21 de janeiro. Dada a perda da ambiência da rua, em decorrência do esvaziamento das edificações, subutilização dos espaços públicos e poluição desse trecho do ecossistema de mangue, o trabalho aponta alguns cenários propositivos para o resgate da mesma ambiência da Rua do Porto. A Rua do Porto pode ser subdividida em três trechos, o trecho compreendido entre a Escadinha e a antiga Tarifa, caracterizado pela ocupação de
canoas e barcos a motor, fachadas de fundo de lote e com maior incidência solar, pois a arborização neste trecho é mais esparsa; o trecho entre a antiga Tarifa e o Barracão, onde estão concentrados os antigos armazéns da rua e onde funcionava a feira livre, esse trecho de rua é mais sombreado e fresco, devido à sombra causada pelas edificações à beira rio; e o trecho entre o Barracão e o Píer Municipal, escolhido como área piloto para o desenvolvimento de uma proposta, por ser uma área com maior extensão e maior potencialidade de ocupação do espaço público.
[figura 86] ESQUEMA DE DINÂMICAS DE USO NA RUA ANÍBAL BENÉVOLO Elaborado pela autora
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ZONA DE RESTAURO URBANO
ZONA DE RESTAURO ECOLÓGICO
ZONA DE TRANSIÇÃO
rua do porto | cenários propositivos
12. [figura 87] A RUA DO PORTO COMO UM ECOSSISTEMA DE TRANSIÇÃO Fonte: Elaborada pela autora sobre foto própria (2018).
PROPOSIÇÃO CONCEITO, PARTIDO E ALGUMAS SOLUÇÕES
No imaginário popular, o mangue é um lugar sujo e fedido, em Caravelas ele também é estigmatizado, no entanto toma dimensões paradoxais, pois o mangue é a principal fonte de sustento de muitas famílias que dependem diretamente da pesca e da mariscagem para a sua sobrevivência. De forma que, assim como o mangue é um grande berçário natural, também representa a vida para essas pessoas. A proposta a ser apresentada se inspira no manguezal como um ecossistema de interdependência com outros, de modo a encarar o Centro Histórico de Caravelas e a Rua do Porto como espaços de transição. Se por um lado Caravelas é margeada por manguezais e apicuns e por outro pela mata de restinga, então por que não adaptá-la também para que a cidade seja uma zona de transição entre o construído e o natural? “Estou enfiado na lama É um bairro sujo Onde os urubus têm casas E eu não tenho asas (...) Ninguém foge ao cheiro sujo Da lama da manguetown Andando por entre os becos Andando em coletivos Ninguém foge à vida suja Dos dias da manguetown (...) Fui no mangue catar lixo Pegar caranguejo, conversar com urubu” (Manguetown, Chico Science e Nação Zumbi, 1996)
A proposta se estrutura, portanto, a partir do estabelecimento das seguintes camadas [figura 87]: (1) ZONA DE RESTAURO URBANO Abrange a maior parte do Centro Histórico, representa o ecossistema terrestre, que passará por intervenções mais pontuais e de caráter de manutenção e conservação da infraestrutura e espaço urbano; (2) ZONA DE TRANSIÇÃO Representa o manguezal e corresponde à Rua do Porto, onde seriam efetuadas as principais intervenções urbanísticas, no qual são propostos novos espaços públicos, infraestrutura verde e um espaço para atividades individuais e coletivas; (3) ZONA DE RESTAURO ECOLÓGICO Referente ao ecossistema marinho, onde estão as áreas de mangue a serem recuperadas e preservadas. A zona de restauro urbano, no que tange ao conjunto arquitetônico, não será observado nessa proposta, será dada ênfase às duas outras zonas por questões de abordagem.
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capítulo 12 | proposição
Recorte do corte geral da proposta (trecho de acesso ao píer)
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DESENHANDO PARA PESSOAS Constatou-se que a Rua do Porto perdeu seu caráter comercial e a maioria dos edifícios voltados para si estão desocupados ou tem uso residencial (ver p. 113), de modo que essa via adquiriu um caráter de espaço urbano de permanência em detrimento da rua como passagem. Logo, propõe-se que a Rua do Porto seja pedestrianizada [figura 88] com o tráfego limitado aos veículos de emergência, automóveis particulares de moradores e de agências de turismo previamente cadastradas que usam o píer municipal como ponto de embarque e desembarque. Dito isso, esse projeto propõe um piso compartilhado com uma largura média de 4,70 metros, mas que se alarga no trecho compreendido entre o Píer Municipal e o Beco da Creche (ver p. 194 e 195) chegando a 6,75 metros de largura. Essas dimensões, além de atenderem às necessidades dos veículos e pedestres críticos para o projeto (tabela valores de referência), também permitem que a área de lazer da orla seja ampliada. Para criar uma rua compartilhada foi necessário propor o nivelamento entre pavimentação e calçamento, havendo uma grande variação de altura de calçadas sendo a menor cadastrada 10 cm e a maior 50 cm, valores que impactaram também nas decisões de projeto relacionadas à drenagem da rua.
VALORES DE REFERÊNCIA MÍNIMO DE PASSAGEM
90
UM PCR E UMA PESSOA
120-150
DUAS PCR
150-180
MANOBRA 90º
120
MANOBRA 180º
150
ROTAÇÃO 360º
300
FAIXA LIVRE MÍNIMO
180
FAIXA LIVRE RECOMENDADA
240
FAIXA DE SERVIÇO MÍNIMO
60
CANTEIROS DE ÁRVORE MÍNIMO
150
CICLOVIA MÃO DUPLA MÍNIMO
240
FAIXA DE ROLAMENTO MÍNIMA
270
FAIXA DE ROLAMENTO IDEAL
300
LARGURA MÍNIMA MÃO DUPLA
475
LARGURA MÍNIMA RUA COMPARTILHADA
370
ABNT NBR 9050, 2004, p. 5 e 7
Global Street Design Guide, 2018, p. 78, 80, 100, 126, 128
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rua do porto | cenários propositivos
N [figura 88] PROPOSTA PARA O SISTEMA VIÁRIO Fonte: Elaborada pela autora sobre foto do Google Earth (2019)
1 km
Image © 2019 Maxar Technologies
VIA PEADONAL
VIA DE SENTIDO ÚNICO PISO COMPARTILHADO
VIA DE SENTIDO ÚNICO
VIA DE SENTIDO DUPLO
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capítulo 12 | proposição
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Recorte de cortes da proposta (trecho da passa e píer)
CONEXÃO ENTRE PONTOS DE ATRAÇÃO
O traçado foi pensado para conectar dois espaços mais consolidados e atrativos dentro da rua, uma área de aterro rente ao antigo Barracão e o Píer. Além dos acessos naturalmente existentes, foram estabelecidos mais dois pontos de acesso ao espaço a partir da relação visual entre quem caminha pelas ruas paralelas à Aníbal Benévolo (Rua do Porto), desse modo, além de garantir a relação paisagística entre rio e casario, sem interferir nas visuais existentes, criase um convite para ocupação do espaço [figura 89].
Com os acessos definidos, o traçado buscou prolongar o percurso dentro do espaço, respeitando as amendoeiras existentes para serem substituídas gradativamente por espécies nativas. Dentre as áreas verdes, foram propostos pontos de encontro mais íntimos e de contemplação e relaxamento, de forma que o desenho secundário funciona como um fio condutor que conecta esses ambientes [figura 90].
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rua do porto | cenários propositivos
Acessos marcados pela vista ao rio que convida quem passa pela Rua Sete de Setembro à encaminhar-se para a Rua do Porto.
[figura 89] VISUAIS, ACESSOS E USOS NA ÁREA DE INTERVENÇÃO Fonte: Elaborada pela autora
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capítulo 12 | proposição
Recorte do corte geral da proposta (trecho de jardim seco e alagável, respectivamente)
ZONEAMENTO: PROPONDO E RESSIGINIFICANDO ESPAÇOS Os espaços foram zoneados levando em consideração as áreas, usos potenciais e morfologia do espaço. Os espaços com o potencial de atração coletiva foram ressignificados, de forma que a área adjacente ao antigo Barracão foi proposto um desenho de praça com uma grande área livre centralizada e limitada por desníveis que configuram-se como bancos (ver p. 196). Esse formato permite que manifestações culturais de rua, como capoeira, apresentações de teatro, música, dança, festas juninas ocorram ali. Dentro das celebrações tradicionais da cidade apenas a Esmola de São Sebastião e a procissão de Iemanjá passam por esse trecho da Rua do Porto (página 67). O píer é um espaço subutilizado pelos moradores, sendo ocupado por poucos para contemplação do pôrdo-sol, vide a beleza natural que o circunda, para pesca e para banho no rio, sendo essa atividade mais
segura em período de maré alta. Além disso, é desse ponto que saem as embarcações para a procissão marítima em homenagem a Orixá Iemanjá no dia 2 de fevereiro. A proposta para o píer é torná-lo um lugar mais agradável e propício à permanência, concebendo-o como um lugar de embarque e desembarque, mas também de contemplação (ver p. 197). A área verde compreendida entre a praça e o píer, pode ser zoneada de acordo com duas características, as zonas de jardins arborizados e as zonas de jardim alagáveis, no primeiro, propõe-se as zonas de relaxamento e reflexão e no segundo áreas contemplativas dada as visuais para o rio e mangue e para as demais áreas do Centro Histórico, o que também permite criar “olhos da rua” para os becos e travessas de acesso à Rua do Porto.
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rua do porto | cenários propositivos
Percurso interno contornando às Amendoeiras existentes.
CONTEMPLAR
BRINCAR . RELAXAR PÍER
PERFORMAR
[figura 90] AMPLIAÇÃO DA ÁREA, NOVOS FLUXOS E ZONEAMENTO Fonte: Elaborada pela autora
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capítulo 12 | proposição
Recortes da planta geral da proposta
CAMINHO DAS ÁGUAS
MATERIALIDADE, UNIDADE E IDENTIDADE
A drenagem buscou respeitar o caimento natural das ruas para o rio, sendo necessário fazer uso de artifícios de drenagem artificial dentro dos jardins de orla, pois as águas pluviais são conduzidas à jardins alagáveis, cujo objetivo é filtrar a água com processos naturais de modo a retorná-la ao rio com maior qualidade. Os elementos de infraestrutura verde são aliados no combate a poluição hídrica, além disso o direcionamento de águas pluviais para essas superfícies também proporcionam uma irrigação passiva e reduz a sobrecarga sobre o sistema tradicional de drenagem. Outra solução empregada para reduzir o escoamento de águas pluviais é o uso de pavimentação que permita em certo grau a infiltração da água no solo.
O uso de pavimentação que permite uma certa permeabilidade contribui tanto ecologicamente quanto culturalmente, uma vez que foram utilizados paralelepípedos tradicionais no Centro Histórico da Cidade para a pavimentação e blocos de tijolo maciço nas calçadas e percurso principal da orla, uma vez que esses materiais eram também utilizados no calçamento, como visto no capítulo (seção 8.4). Outro material utilizado que faz referência à paisagem local são os decks de madeira no píer e em alguns pontos do projeto. No caminho interno entre os jardins é mantido a terra batida para compor a ambiência do espaço bem como manter a permeabilidade, em relação à acessibilidade não é uma questão nesse caso, pois ela já está garantida pelo percurso calçado.
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rua do porto | cenários propositivos
Ponto de transferência de água de um canteiro seco para um canteiro alagável (desenho ao lado).
Biovaleta (p. 190)
Calha aberta no perímetro das edificações (p. 181)
[figura 91] ESQUEMA DE CONCEPÇÃO DE DRENAGEM DA ÁREA Elaborado pela autora
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capítulo 12 | proposição
ECOSSISTEMA URBANO Em Caravelas, há diversas formações de manguezais com vegetação e características próprias (ver capítulo 4, seção 4.2), os estudos sobre os ecossistemas de manguezal no território municipal enfocam na área da RESEX do Cassurubá, de modo que o trecho analisado fica de fora desses estudos. Para tanto, foram feitas analogias e aproximações, considerando os trechos com características geoambientais mais próximas à realidade desse trecho da Rua do Porto. Essa área é caracterizada pela vegetação conhecida como mangue branco, vegetação intolerante à sombra, fixada em terrenos mais firmes e de água salobra.
A principal fonte de água doce para os sistemas de mangue em Caravelas são os afloramentos do lençol freático, popularmente chamados de Olhos D’água, que, por sua vez, necessita dos ecossistemas de restinga para a sua manutenção (Soares et al. (2008 apud. Plano de Manejo, 2019). Devido à essa característica e também ao aporte da água doce dos rios, a formação de vegetação de restinga pós-mangue se caracteriza ou pela mata ou por formações de herbáceas inundadas, com exceção nas formações de mangue mais próximas ao Canal do Tomba, encontro do Rio Caravelas com o Oceano Atlântico, na Ilha do Cassurubá (Plano de Manejo, 2019).
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Recortes de cortes da proposta (trecho píer e jardim alagável)
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rua do porto | cenários propositivos
Limite natural
Limite artificial existente
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Limite artificial proposto / Rua
RIO CARAVELAS
RESTAURO DE ÁREA DE MANGUE
CANTEIROS DE RESTINGA
[figura 91] CONCEPÇÃO DE PAISAGISMO Elaborado pela autora
Desse modo, além da proposta de plantio de vegetação de mangue-branco, Taboa e Samambaia do Mangue no trecho de lama da Rua do Porto, propõe-se a implantação de espécies de vegetação de restinga na área de transição entre mangue e rua, trazendo para esses espaços áreas de jardins que se caracterizam como vegetação de herbáceas de restinga, secas e inundadas, e a arborização no trecho mais próximo da rua, para o sombreamento dos espaços públicos.
que crie um ecossistema mais qualitativo, ao utilizar espécies encontradas nas áreas de restinga da RESEX do Cassurubá, mapeadas no Plano de Manejo (2019). Para que esse ecossistema se recupere, é necessário também que na área de remanescente de manguezal sejam eliminados as construções de concreto e alvenaria e que seja feita uma limpeza de eventuais lixos e entulhos descartados na área para que a vegetação de mangue possa se regenerar e o ecossistema se recuperar. Destaca-se que, além do benefício ambiental a partir da manutenção da diversidade biológica, a vegetação de mangue também funciona como proteção contra inundações costeiras e ações do vento.
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O emprego de espécies nativas aumenta as chances de sucesso do plantio e da recuperação ecológica da área. Desse modo, é proposto um plano de plantio para a substituição gradativa das espécies exóticas da orla por uma composição vegetal
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capítulo 12 | proposição
Recorte do corte geral da proposta (trecho de acesso ao píer)
CRIANDO ESPAÇOS COM A VEGETAÇÃO
PRODUCED BY AN AUTODESK S O uso da vegetação traz inúmeros benefícios para o ambiente urbano, além de proporcionar conforto ambiental, o uso correto de espécies podem trazer experiências sensoriais positivas, como cheiros das frutas e flores e a diminuição de ruídos, e também trabalham como definidores de espaços, criando planos laterais, de cobertura e piso. Todos esses aspectos foram levados em consideração ao posicionar as vegetações neste espaço. Os jardins de mata de restinga serão arborizados em suas bordas para garantir o sombreamento parcial dos percursos internos e também da rua
adjacente à área verde. Além disso, o uso de espécies arbóreas cria um marco para o limite da área verde. Os jardins internos serão compostos por mosaicos de vegetação arbustiva e herbácea de restinga respeitando as ocorrências das espécies nas respectivas formações de vegetação de restinga. Dentre as espécies nativas mapeadas no Plano de Manejo da RESEX do Cassurubá (2019), foram filtradas espécies que atendiam às intenções de projeto citadas anteriormente e que haviam informações mínimas disponíveis para a especificação das mesmas, vide a dificuldade em se encontrar dados sobre várias espécies listadas.
rua do porto | cenários propositivos
Para dar um aspecto de “parede” e quebrar a homogeneidade decorrida das arborizaçaão em linha reta na borda serão utilizadas diversas espécies com alturas, copas, folhagens, de cores diferentes.
Dentro das clareiras os espaços foram setorizados a partir da criação de caminhos sinuosos que também respeitam às amendoeiras e são marcados pelo uso de forrações.
Criar corredores de vento, pois em 63% do ano em Caravelas há desconforto por calor e a estratégia bioclimática mais aplicável neste contexto é a ventilação natural.
Criar uma barreira de segurança, principalmente nas áreas com público infantil. Essa barreira também serve para diminuir os ruídos que chegam nas casas limítrofes à rua. Desse modo, foi utilizado uma disposição triangulada entre as árvores na borda com arbustos, que possuem uma conformação similar à um guarda-corpo.
[figura 92] ESQUEMA DE CONCEPÇÃO DE PAISAGISMO PELA PERSPECTIVA DO CONFORTO Elaborado pela autora
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capítulo 12 | proposição
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LISTA DE ESPÉCIES - CANTEIRO
BY ANBY AUTODESK STUDENT VERSION PRODUCED AN AUTODESK STUDENT VERSION Referência Plano de Manejo PRODUCED da RESEX do Cassurubá (2018). SAPORETTI (2009).
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Marcetia taxifolia Melastomataceae
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Cuphea brachiata Lythraceae
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Uso: canteiros secos e alagáveis. Espécies herbáceas. Fitofisionomia de restinga: Herbácea Fechada Inundada. Altura variando entre 0,2 - 1,7 metros. Desenvolve-se em solSTUDENT pleno.VERSION Animais polinizadores: Abelhas e insetos, roePRODUCED BY AN AUTODESK dores silvestres, borboletas, beija-flor.
Cuphea sessilifolia Lythraceae
Sempre-viva Xyris capensis Xyridaceae
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PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION PRODUCED BY ANBY AUTODESK STUDENT VERSION PRODUCED AN AUTODESK STUDENT VERSION PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION
Boca de Dragão Epidendrum denticulatum Orchidaceae
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Chuveirinho Paepalanthus polyanthus Eriocaulaceae
Capim-arroz Lagenocarpus rigidus Cyperaceae
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rua do porto | cenários propositivos
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PRODUCED BY AUTODESK STUDENT VERSION LISTA DE ESPÉCIES - ANBORDA
Referência Plano de Manejo da RESEX do Cassurubá (2018). SAPORETTI (2009).
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Angelim Rosa Andira fraxinifolia Fabaceae
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Carobinha PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION Jacaranda obovata Bignoniaceae
Ingá do Brejo Inga Vera Fabaceae
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Uso: arborização das bordas dos canteiros. Espécies arbóreas e arbustivas. Fitofisionomia de restinga: Mata de Restinga. Altura pode variar entre: 2-32. Desenvolve-se em sol pleno.
Biriba branca Eschweilera ovata Lecythidaceae
Ingá Bravo Lonchocarpus sericeusa Bignoniaceae
Pau Brasil Caesalpinia echinata Fabaceae
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Pau-sangue Pterocarpus rohrii Fabaceae
Quaresmeira Tibouchina granulosa Melastomataceae
CENÁRIOS PROPOSITIVOS
Texturas da rua do Porto (2019)
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100
250
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CORTE CANTEIRO ALAGÁVEL 50
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MAPA-CHAVE
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[figura 102] AMBIÃ&#x160;NCIA DA NOVA RUA DO PORTO Elaborado pela autora
rua do porto | cenários propositivos
13.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escolha de começar o trabalho a partir de um lugar, sem saber de que forma ele ia se desenvolver e qual seria a temática do projeto, permitiu que os enfoques do mesmo fossem se moldando e integrando ao longo do processo. Essa abordagem mostrou-se pertinente ao acentuar a necessidade do olhar técnico do arquiteto e urbanista para o Centro Histórico de Caravelas e para a Rua do Porto, principalmente para preenchimento das lacunas decorrentes da escassez de documentação, registro, bibliografia, cartografia, entre outros, fator este que foi um grande desafio no decorrer da pesquisa e projeto. O Centro Histórico de Caravelas apesar da sua “pequena” escala territorial, é envolto por relações socioespaciais complexas, de forma que ainda se faz necessárias outras análises sob outras perspectivas e ângulos. Logo, o estudo aqui apresentado não se esgota ao término dele, no entanto possui grande potencial para futuros desdobramentos e soluções, sendo importante como fonte norteadora de novas jornadas. Optou-se por dar maior ênfase propositiva à Rua do Porto, pois essa é uma caricatura dos potenciais culturais e ecológicos da cidade e da negligência dos gestores públicos para com a ambiência das ruas. A rua em Caravelas fisiologicamente é membro do morar, o que dificulta que essa relação alcance o sua integralidade são as sucessivas inadequações das intervenções nos espaços cons-
truídos sem regulamentação, sem estudo prévio, sem reconhecer essas características nesses espaços. Desse modo, a busca por integrar no espaço público demandas e hábitos da população, a identidade, importância e o valor do seu patrimônio edificado e as dinâmicas do ecossistema que a circunda foi observada e refletido em todo o processo de construção do projeto final. Para finalizar foi preciso um olhar para o início, como uma retroalimentação na busca de sintetizar tudo que se viu, se leu, se pesquisou, se refletiu e se fez. Caravelas guarda tantas possibilidades que são numerosos os desdobramentos que poderão surgir a partir desse trabalho. Espera-se que no futuro outros arquitetos e urbanistas possam olhar também para Caravelas e que o trabalho aqui apresentado lhe sirvam como um norte, como um facilitador de pesquisa e compreensão do espaço urbano do Centro Histórico, principalmente sob a ótica ambiental e cultural. Espera-se também que esse trabalho seja uma mola propulsora para debates mais aprofundados e ações concretas acerca da preservação do patrimônio cultural de Caravelas, pauta frequentemente discutida entre a população, mas não efetivamente concluída.
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REFERÊNCIAS
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Tipografia: Segoi UI Light Segoi UI Semilight Segoi UI Regular Segoi UI Semibold Projeto gráfico: Beatriz Penalva Revisão de imagens: Angelo Oliveira e Igor Henckes Revisão de texto: Quem Mãos que colaboraram durante o processo de alguma forma: Andréa Penalva | Caio Almeida, Querem Salomão, João Paulo Dórea e Lígia Penalva Papel: Miolo Capa Impressão e encadernação: Insira o nome da gráfica João Paulo Dórea, Lígia Penalva, Mariely Cabral e Querem Salomão
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação Beatriz Penalva de Oliveira Melgaço