Os diários dos semideus

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Querido jovem semideus,


Querido jovem semideus, Seu destino o aguarda. Agora que você já descobriu sua real ascendência, você deve se preparar para um árduo futuro—lutar contra monstros, se aventurar pelo mundo, e lidar com os temperamentais deuses gregos e romanos. Eu não gostaria de estar no seu lugar. Eu espero que este exemplar o ajude em suas jornadas. Eu tive que pensar bastante antes de publicar essas histórias, que me foram fornecidas de maneira estritamente confidencial. De qualquer forma, sua sobrevivência vem em primeiro lugar, e este livro lhe dará uma visão particular do mundo dos semideuses—informação que deve ajudar você a se manter vivo. Nós vamos começar com "O Diário de Luke Castellan." Ao longo dos anos, alguns leitores e campistas do Acampamento Meio-Sangue me pediram para lhes contar uma história de Luke em seus primeiros dias, aventurando-se com Thalia e Annabeth antes de chegarem ao acampamento. Eu relutei em fazer isso, uma vez que nem Annabeth nem Thalia gostam de falar sobre essa época. A única informação que tenho está registrada num manuscrito do próprio Luke, em seu diário original dado a mim por Quíron. Entretanto, acho que está na hora de compartilhar uma pequena história de Luke. Ela irá nos ajudar a entender o que deu errado com esse jovem semideus promissor. Neste trecho você irá descobrir como Thalia e Luke chegaram a Richmond, Virginia, perseguindo uma cabra mágica, como eles quase foram destruídos numa casa dos horrores, e como eles encontraram uma garotinha chamada Annabeth. Eu também incluí um mapa da casa de Halcyon Green em Richmond. Apesar do estrago descrito na história, a casa foi reconstruída, o que é bastante problemático. Se você for lá, seja cuidadoso. Ainda há tesouros. Mas com toda a certeza há monstros e armadilhas na mesma medida. Nossa segunda história irá definitivamente me meter em problemas com Hermes. "Percy Jackson e o Caduceu de Hermes" descreve um incidente embaraçoso com o deus dos viajantes, que ele espera resolver rapidamente com a ajuda de Percy e Annabeth. Cronologicamente, a história acontece entre O Último Olimpiano e O Herói Perdido, nos dias em que Percy e Annabeth tinham acabado de começar a namorar, antes de Percy desaparecer. A história é um bom exemplo de como a rotina diária de um semideus pode ser interrompida a qualquer momento por uma crise no Monte Olimpo. Mesmo se você estiver apenas indo ao Central Park para um piquenique, sempre leve sua espada!


Hermes me ameaçou com um correio lento, péssimo serviço de Internet, e um mercado de ações horrível se eu publicasse esta história. Eu espero que ele esteja apenas blefando. Logo após essa história, eu forneci uma entrevista com George e Martha, as cobras de Hermes, bem como retratos de importantes semideuses que você pode conhecer durante suas missões. Isto inclui a primeira imagem de Thalia Grace. Ela não gostou nem um pouco de ter seu retrato desenhado, mas nós conseguimos convencê-la desta vez. A próxima, "Leo Valdez e a Busca por Buford" irá leva-lo aos bastidores da Carvoaria 9 enquanto Leo tenta construir seu navio voador definitivo, o Argo II (também conhecido como "a máquina de guerra da palmada quente"). Você irá aprender que encontros com monstros podem acontecer mesmo dentro dos limites do Acampamento Meio-Sangue, e nesse caso, Leo se mete em um problema potencialmente catastrófico envolvendo garotas festeiras psicóticas, mesas que andam, e materiais explosivos. Mesmo com a ajuda de Piper e Jason, não se sabe se ele será capaz de sobreviver ao que acontece. Eu também estou incluindo um diagrama da Carvoaria 9, embora você deva estar ciente de que é apenas um esboço! Ninguém, nem mesmo Leo, descobriu todas as passagens secretas, tuneis, e salas escondidas do depósito. Nós apenas podemos supor o quão grande e complicado o lugar realmente é. Finalmente, a história mais perigosa de todas: "Filho da Magia." O tema é tão sensível que não pude escrevê-la por mim mesmo. Não havia forma nenhuma de eu me aproximar o suficiente do jovem semideus Alabaster para entrevistá-lo. Ele me reconheceria como um agente do Acampamento Meio-Sangue e provavelmente me destruiria ali mesmo. Meu filho, Haley, contudo, foi capaz de ter acesso aos seus segredos. Haley, que tem agora dezesseis anos, a mesma idade que Percy Jackson, escreveu "Filho da Magia" especialmente para este livro, e eu tenho que dizer que ele conseguiu responder algumas questões que eram mistérios até mesmo para mim. Quem controla a Névoa, e como? Por que os monstros são capazes de sentir semideuses? O que aconteceu com os semideuses que lutaram no exército de Cronos durante a invasão a Manhattan? Todas essas questões são abordadas em "Filho da Magia." Você irá descobrir uma parte totalmente nova e extremamente perigosa do mundo de Percy Jackson.


Eu espero que Os Diários do Semideus o ajude a se preparar para suas próprias aventuras. Como Annabeth lhe dirá, o conhecimento é uma arma. Eu lhe desejo sorte, jovem leitor. Mantenha sua armadura e suas armas a postos. Permaneça alerta. E lembre-se que você não está sozinho! Sinceramente,

Rick Riordan Escriba Sênior Acampamento Meio-Sangue Long Island, Nova York


O DIÁRIO DE LUKE CASTELLAN


Meu nome é Luke. Honestamente, eu não sei se sou capaz de manter esse diário. Minha vida é muito louca. Mas prometi ao velho que iria tentar. Depois do que aconteceu hoje... bem, eu lhe devo isso. Minhas mãos estão tremendo enquanto estou aqui sentado de guarda. Não consigo tirar as imagens horríveis da minha cabeça. Tenho algumas horas até que as garotas acordem. Talvez se eu conseguir escrever a história, eu seja capaz de deixá-la para trás. Devo provavelmente começar pela cabra mágica. — Por três dias, Thalia e eu estivemos seguindo a cabra pela Virginia. Eu não tenho certeza do motivo. Para mim, a cabra não parecia ser algo especial, mas Thalia estava mais agitada do que jamais tinha visto antes. Ela estava certa de que a cabra era algum tipo de sinal do seu pai, Zeus. É, seu pai é um deus grego. O meu também. Nós somos semideuses. Se você pensa que isso é legal, pense novamente. Semideuses são imãs de monstros. Todos


esses gregos antigos nojentos como Fúrias e harpias e gorgonas ainda existem, e eles podem sentir o cheiro de heróis como nós há milhas de distância. Por causa disso, Thalia e eu gastamos todo o nosso tempo correndo para salvar nossas vidas. Nossos pais superpoderosos nem mesmo falam conosco, muito menos nos ajudam. Por quê? Se eu tentar explicar isso, vou gastar o diário todo, então vou seguir em frente. De qualquer maneira, essa cabra aparecia em momentos aleatórios, sempre a distancia. Sempre que tentávamos pegá-la, a cabra sumia e reaparecia mais a frente, como se estivesse nos guiando a algum lugar. Por mim, eu a deixaria ir sozinha. Thalia não explicava por que ela a achava importante, mas ela e eu havíamos nos aventurado juntos o bastante para que eu aprendesse a confiar em seu julgamento. Então seguimos a cabra. Cedo da manhã, nós acabamos em Richmond. Nós marchamos por uma ponte sobre um rio verde e lento, passado parques arborizados e cemitérios da Guerra Civil. A medida que chegávamos perto do centro da cidade, navegávamos por bairros adormecidos compostos por residências de tijolos vermelhos firmadas juntas, com varandas de colunas brancas e jardins minúsculos. Eu imaginei todas as famílias normais vivendo naquelas casas acolhedoras. Eu pensei em como deveria ser ter um lar, saber de onde minha próxima refeição estava vindo, e não ter que se preocupar em ser comido por monstros todos os dias. Eu fugi quando tinha apenas nove anos—há cinco longos anos. Eu mal lembrava como era dormir numa cama de verdade. Depois de andar outra milha, eu sentia meus pés como se estivessem derretendo dentro dos meus sapatos. Eu esperava que nós conseguíssemos achar um lugar para descansar, talvez conseguir alguma comida. Ao invés disso, achamos a cabra. A rua pela qual estávamos seguindo se abriu em um grande parque circular. Imponentes mansões de tijolos vermelhos ficavam diante da rotatória. No meio do círculo, em cima de um pedestal de mármore branco de seis metros, estava um cara de bronze sentado no cavalo. Pastando na base do monumento estava a cabra. "Se esconda!" Thalia me puxou para trás de uma fileira de roseiras. "É só uma cabra," eu disse pela milionésima vez. "Por que—?" "É especial," Thalia insistiu. "Um dos animais sagrados do meu pai. Seu nome é Amaltheia." Ela nunca tinha mencionado o nome da cabra antes. Eu me perguntava por que


ela parecia tão nervosa. Thalia não tem tanto medo. Ela tem apenas doze anos, dois anos mais nova que eu, mas se você a ver andando pela rua vai querer abrir caminho. Ela usa botas de couro, jeans preto, e uma jaqueta de couro esfarrapada repleta de buttons de punk rock. Seu cabelo é escuro e desgrenhado como o de um animal feroz. Seus olhos azuis intensos perfuraram você como se ela estivesse considerando bater em você até virar pasta. Nada a assustava, eu tinha que levar a sério. "Então você já viu essa cabra antes?" Eu perguntei. Ela assentiu relutante. "Em Los Angeles, na noite em que fugi. Amaltheia me levou para fora da cidade. E depois, naquela noite em que nos conhecemos... ela me levou até você.” Eu encarei Thalia. Até onde eu sabia, nosso encontro tinha sido um acidente. Nós literalmente nos esbarramos numa caverna de dragão fora de Charleston e nos unimos para permanecermos vivos. Thalia nunca mencionou uma cabra. Thalia não gostava de falar a respeito até de sua antiga vida em Los Angeles. Eu a respeitava demais para me intrometer. Eu sabia que sua mãe tinha se apaixonado por Zeus. Eventualmente Zeus deu um fora nela, como os deuses costumam fazer. Sua mãe chegou até o fundo do poço, bebendo e fazendo coisas loucas—não sei os detalhes—até que finalmente Thalia decidiu fugir. Em outras palavras, seu passado se parecia muito com o meu. Ela suspirou. "Luke, quando Amaltheia aparece, algo de importante está para acontecer... algo perigoso. Ela é como um aviso de Zeus, ou um guia.” "De quê?" "Eu não sei... mas olhe." Thalia apontou para o outro lado da rua. "Ela não está desaparecendo dessa vez. Devemos estar perto de onde quer que ela esteja nos levando." Thalia estava certa. A cabra estava apenas parada ali, a menos de cem metros de distancia, contente mordiscando a grama da base do monumento. Eu não era um expert em animais de fazenda, mas Amaltheia parecia estranha agora que estávamos mais perto. Ela tinha chifres arabescos como o de um carneiro, mas tetas inchadas como o de uma cabra. E seu pelo cinza desgrenhado... estava brilhando? Fios de luz pareciam se agarrar a ela como uma nuvem de neon, fazendo-a parecer desfocada e fantasmagórica.


Dois carros contornaram a rotatória, mas ninguém pareceu perceber a cabra radioativa. Isso não me surpreendeu. Há algum tipo de camuflagem magica que faz os mortais não verem a real aparência de monstros e deuses. Thalia e eu não sabemos do que essa força é chamada ou como funciona, mas é bastante poderosa. Mortais devem ver a cabra como um cão de rua, ou eles nem devem a ver no fim das contas. Thalia agarrou minha cintura. "Venha. Vamos tentar conversar com ela." "Primeiro nos escondemos da cabra," eu disse. "Agora você quer conversar com a cabra?" Thalia me arrastou para fora das roseiras e me puxou para o outro lado da rua. Eu não protestei. Quando Thalia coloca uma ideia na cabeça, você tem que aceitar. Ela sempre segue seu caminho. Além disso, eu não podia deixa-la ir sem mim. Thalia havia salvado minha vida uma dúzia de vezes. Ela é minha única amiga. Antes de nos conhecermos, eu viajei por anos por conta própria, solitário e miserável. De vez em quando eu fazia amizade com algum mortal, mas sempre que eu contava a eles a verdade sobre mim, eles não entendiam. Eu confessava que era um filho de Hermes, o cara mensageiro imortal com sandálias aladas. Eu explicava que monstros e deuses gregos eram reais e muito vivos no mundo moderno. Meus amigos mortais diziam. "Isso é tão legal! Eu queria ser um semideus!" Como se isso alguma espécie de jogo. Eu sempre terminava indo embora. Mas Thalia entendeu. Ela era como eu. Agora que eu a achei, estava determinado a ficar com ela. Se ela queria perseguir uma cabra mágica reluzente, então o faríamos, mesmo que eu tivesse um mal pressentimento sobre isso. Nos aproximamos da estátua. A cabra não prestou atenção em nós. Ela mastigava um pouco de grama, então batia seus chifres contra a base de mármore do monumento. Numa placa de bronze lia-se: Robert E. Lee. Eu não sei muito sobre história, mas eu tinha certeza de que Lee tinha sido um general que perdeu uma guerra. Isso não me parecia um bom presságio. Thalia ajoelhou-se perto da cabra. "Amaltheia?" A cabra se virou. Ela tinha olhos tristes cor de âmbar e uma coleira de bronze ao redor de seu pescoço. Luz branca embaçada fumegava ao redor de seu corpo, mas o que realmente me chamou atenção foram suas tetas. Cada teta estava marcada com uma letra grega, como tatuagens. Eu conseguia ler um pouco de Grego Antigo—que era um tipo de habilidade natural dos semideuses, eu acho. Nas tetas lia-se: Néctar, Leite, Água,


Pepsi, Aperte Aqui para Gelo, Mountain Dew Diet¹. Ou talvez eu tenha lido errado. Eu esperava que sim. Thalia olhou nos olhos da cabra. "Amaltheia, o que você quer que eu faça? Meu pai enviou você?" A cabra olhou pra mim. Ela parecia um pouco irritada, como se eu fosse um intruso numa conversa particular. Eu dei um passo para trás, resistindo a urgência de pegar minha arma. Ah, a propósito, minha arma era um taco de golfe. Sinta-se a vontade para rir. Eu costumava ter uma espada feita de bronze celestial, que é mortal para monstros, mas a espada foi derretida em ácido (longa história). Agora tudo que eu tinha era um taco de golfe que eu carregava nas minhas costas. Não exatamente épico. Se a cabra nos atacasse, eu estaria em problemas. Eu limpei minha garganta. "Hã, Thalia, você tem certeza que essa cabra é do seu pai?" "Ela é imortal," Thalia disse. "Quando Zeus era bebê, sua mãe Rhea o escondeu numa caverna—" "Porque Cronos queria comê-lo?" Eu tinha ouvido aquela história em algum lugar, como o antigo rei Titã tinha engolido seus próprios filhos. Thalia assentiu. "Então esta cabra, Almatheia, cuidou do bebê Zeus em seu berço. Ela o amamentou." "Com Mountain Dew Diet?" eu perguntei. Thalia franziu o cenho. "O que?" "Leia as tetas," eu disse. "A cabra tem cinco sabores e um dispenser de gelo." "Béééééé," disse Amaltheia. Thalia afagou a cabeça da cabra. "Tudo bem. Ele não quis insultar você. Por que você nos trouxe até aqui, Amaltheia? Para onde você quer eu vá?" A cabra bateu a cabeça contra o monumento. Do alto veio o som de metal rangendo. Eu olhei para cima e vi o General Lee de bronze movendo seu braço direito. Eu quase me escondi de trás da cabra. Thalia e eu tínhamos lutando contra muitas estátuas movidas por magia antes. Elas eram chamadas de autômatos, e eram um

¹ NT: Mountain Dew Diet é um refrigerante de limão diet semelhante ao Soda Limonada vendido no Brasil


péssimo sinal. Eu não estava ansioso para enfrentar Robert E. Lee com um taco de golfe. Felizmente, a estátua não atacou. Ele simplesmente apontou para o outro lado da rua. Eu dei um olhar nervoso a Thalia. "O que é isso?" Thalia assentiu em direção ao que a estátua estava apontando. Do outro lado da rotatória estava uma mansão de tijolos vermelhos coberta de hera. Em ambos os lados, árvores de carvalho enormes pingavam musgo espanhol. As janelas da casa estavam fechadas e escuras. Colunas brancas descascadas ladeavam a varanda da frente. A porta estava pintada com carvão vegetal preto. Mesmo numa manhã ensolarada, o lugar parecia sombrio e assustador—como a casa assombrada de E o Vento Levou. Minha boca ficou seca. "A cabra quer que nós entremos lá?" "Béééé." Amaltheia abaixou sua cabeça como se estivesse assentindo. Thalia tocou os chifres encaracolados da cabra. "Obrigada, Amaltheia. E-eu confio em você." Eu não estava certo do porquê, considerando quão assustada Thalia parecia. A cabra me incomodou, e não só porque ela distribuía produtos Pepsi. Algo estava me importunando na parte de trás da minha mente. Eu acho que tinha ouvido outra história sobre a cabra de Zeus, alguma coisa sobre aquele pelo reluzen... De repente a névoa engrossou e cresceu em torno de Amaltheia. Uma nuvem tempestuosa em miniatura a engolfou. Raios tremeluziram através da nuvem. Quando a névoa se dissolveu, a cabra tinha desaparecido. Eu nem mesmo pude experimentar o dispenser de gelo. Olhei em frente, para a casa em ruínas. As árvores musgosas em ambos os lados parecendo garras, esperando para agarrar. "Você tem certeza disso?" Perguntei a Thalia. Ela virou pra mim. "Amaltheia me levou até coisas boas. A última vez que ela apareceu, ela me levou até você." O elogio me aqueceu como um copo de chocolate quente. Eu sou um otário desse jeito. Thalia piscava aqueles olhos azuis, me dava uma palavra gentil, e então ela poderia me induzir a fazer praticamente qualquer coisa. Mas eu não podia deixar de pensar: de volta a Charleston, tinha a cabra a levado até mim, ou simplesmente a levado para dentro da caverna do dragão?


Eu expirei. "Okay. Mansão assustadora, aqui vamos nós." — A aldrava de latão tinha a forma do rosto de Medusa, o que não era um bom sinal. O piso da varanda rangia sob nossos pés. As janelas fechadas estavam se despedaçando, mas o vidro estava encardido e coberto pelo outro lado com cortinas escuras, então nós não conseguíamos ver o lado de dentro. Thalia bateu a porta. Sem resposta. Ela sacudiu o trinco, mas parecia trancado. Eu estava esperando que ela decidisse desistir. Ao invés disso ela me olhou com expectativa. "Você pode aquela sua coisa?" Eu cerrei meus dentes, "Eu odeio fazer aquilo." Apesar de eu nunca ter conhecido meu pai e realmente nem querer, eu compartilho alguns de seus talentos. Além de ser o mensageiro dos deuses, Hermes é o deus dos comerciantes—o que explica porque sou bom com dinheiro—e viajantes, o que explica porque o imbecil divino deixou minha mãe e nunca mais voltou. Ele é também o deus dos ladrões. Ele rouba coisas como—ah, o gado de Apolo, mulheres, boas ideias, carteiras, a sanidade da minha mãe, e minha chance de uma vida decente. Desculpe, isso soou cruel? De qualquer forma, por causa do ladrão divino do meu pai, eu tenho algumas habilidades que não gosto de anunciar. Eu coloquei minha mão na tranca da porta. Me concentrei, sentindo os pinos internos que controlam a tranca. Com um clique, o ferrolho deslizou para trás. A tranca do trinco foi ainda mais fácil. O bati, o girei, e a porta se abriu. "Isso é tão legal," Thalia murmurou, acho que ela já tinha me visto fazer isso uma dúzia de vezes. A entrada exalava um cheiro azedo, como o hálito de um moribundo. De qualquer forma Thalia entrou. Eu não tinha muito escolha a não ser segui-la. Dentro se encontrava um salão a moda antiga. No alto um lustre brilhava com bugigangas de bronze Celestial—pontas de flecha, pedaços de armaduras, e punhos de espada quebrados—todos lançando um brilho amarelo doentio sobre o cômodo. Dois corredores levavam para a esquerda e para a direita. Uma escada se enrolava ao redor


da parede de trás. Cortinas pesadas bloqueavam as janelas. O lugar deve ter sido impressionante um dia, mas agora estava destruído. O piso de mármore quadriculado estava manchado de lama e uma crosta seca que eu esperava que fosse apenas ketchup. Em um canto, um sofá tinha sido estripado. Diversas cadeiras de mogno tinham sido destruídas até virarem gravetos. Na base das escadas estava uma pilha de latas, trapos, e ossos—ossos do tamanho do de humanos. Thalia sacou sua arma do seu cinto. O cilindro de metal se parecia com uma lata de spray, mas quando ela o sacode, ele se expande até que ela esteja segurando uma lança com uma ponta de bronze Celestial. Eu agarrei meu taco de golfe, que não era nem de longe tão legal quanto. Eu comecei a dizer, "Talvez isso não seja uma boa—" A porta se fechou atrás de nós. Eu avancei na maçaneta e puxei. Sem sorte. Eu pressionei minha mão na fechadura e desejei que abrisse. Nada aconteceu dessa vez. "Algum tipo de mágica," eu disse. "Nós estamos presos." Thalia correu para a janela mais próxima. Ela tentou abrir as cortinas, mas o tecido preto e pesado se enrolou em suas mãos. "Luke!" ela gritou. As cortinas se liquefizeram em lençóis de lodo oleoso como línguas negras gigantes. Elas deslizaram por seus braços e cobriram sua lança. Eu senti como se meu coração estivesse tentando subir pela garganta, mas eu ataquei as cortinas e as golpeei com meu taco de golfe. O lodo estremeceu e voltou a ser um tecido longo, o suficiente para que eu conseguisse tirar Thalia a salvo. Sua lança caiu ruidosamente no chão. Eu a carreguei para longe enquanto as cortinas voltavam a ser lodo e tentavam a pegar. Os lençóis de lodo chicoteavam no ar. Felizmente, eles pareciam ancoradas aos trilhos da cortina. Depois de mais algumas tentativas de nos alcançar, o lodo se aquietou e se transformou em cortinas novamente. Thalia tremia em meus braços. Sua lança situada perto, fumegava como se tivesse sido mergulhada em ácido. Ela levantou as mãos. Elas estavam fumegando e com bolhas. Sua face pálida como se ela estivesse entrado em choque. "Espere aí!" Eu a deitei no chão e apalpei minha mochila. "Espere aí, Thalia. Eu


tenho algo." Finalmente eu achei minha garrafa de néctar. A bebida dos deuses podia curar feridas, mas a garrafa estava quase vazia. Eu derramei o resto nas mãos de Thalia. O vapor se dissipou. As bolhas desapareceram. "Você vai ficar bem," eu disse. "Apenas descanse." "Nós—nós não podemos..." Sua voz tremia, mas ela conseguiu se levantar. Ela olhou para as cortinas com uma mistura de medo e náusea. "Se todas as janelas são assim, e a porta está trancada—" "Nós iremos achar outra forma de sair," eu prometi. Essa não parecia ser a hora de lembrá-la que nós não estaríamos aqui se não fosse a cabra estúpida. Eu considerei nossas opções: uma escada subindo, ou dois corredores escuros. Eu olhei para o corredor da esquerda. Consegui distinguir um par de luzes vermelhas pequenas brilhando perto do chão. Talvez aquelas luzes da noite usadas por quem tem medo do escuro. Então as luzes se moveram. Elas balançavam para cima e para baixo, cada vez mais brilhantes e mais perto. Um grunhido fez meus cabelos ficarem de pé. Thalia fez um som estrangulado. "Hã, Luke..." Ela apontou para o outro corredor. Outro par de luzes vermelhas brilhantes nos encarava nas sombras. Dos dois corredores vinha um som estranho clack, clack, clack, como alguém jogando castanholas. "As escadas parecem uma boa ideia," eu disse. Como em resposta, uma voz de homem nos chamou de algum lugar sobre nós: "Sim, por aqui." A voz estava pesada de tristeza, como se ele estivesse dando instruções para um funeral. "Quem é você?" eu gritei. "Depressa," a voz chamou, mas ele não pareceu animado sobre isso. À minha direita, a mesma voz ecoou, "Depressa." Clack, clack, clack. Eu dei uma segunda checada. A voz parecia vir da coisa no corredor—a coisa com olhos vermelhos brilhantes. Mas como podia uma voz vir de dois lugares diferentes? Então a mesma voz chamou do corredor da esquerda: "Depressa." Clack, clack, clack.


Eu já tinha enfrentando algumas coisas assustadoras antes—cachorros que cuspiam fogo, escorpiões das profundezas, dragões—sem mencionar um conjunto de cortinas pretas oleosas comedoras de gente. Mas algo sobre essas vozes ecoando ao meu redor, esses olhos brilhantes avançando por ambas as direções, e os barulhos estranhos de estalo me faziam sentir como se eu fosse um cervo cercado por lobos. Cada músculo em meu corpo ficou tenso. Meus instintos disseram, Corra. Eu agarrei a mão de Thalia e disparei para as escadas. "Luke—" "Vamos!" "E se for outra armadilha—" "Não há escolha!" Eu subi as escadas, carregando Thalia comigo. Eu sabia que ela estava bem. Podíamos estar correndo direto para nossas mortes, mas eu também sabia que nós precisávamos dar o fora daquelas coisas do térreo. Eu estava com medo de olhar para trás, mas podia ouvir as criaturas se aproximando—rosnando como gatos selvagens, pisando no chão de mármore e fazendo barulho como o de cascos de cavalo. O que diabos eram eles? No topo das escadas, nós mergulhamos em outro corredor. Castiçais nas paredes cintilavam vagamente fazendo com que as portas ao longo dos dois lados parecessem dançar. Eu pulei por cima de uma pilha de ossos, acidentalmente chutando uma caveira humana. Em algum lugar acima de nós, a voz de homem chamou, "Por aqui!" Ele soou mais urgente que antes. "Última porta a esquerda! Depressa!" Atrás de nós, as criaturas ecoavam as palavras: "Esquerda! Depressa!" Talvez as criaturas estivessem apenas imitando como papagaios. Ou talvez a voz em nossa frente pertencesse a um monstro também. Ainda assim, algo sobre o tom de voz do homem parecia real. Ele soava solitário e miserável, como um refém. "Nós temos que ajudá-lo," Thalia anunciou como se estivesse lendo meus pensamentos. "Sim," eu concordei. Nós seguimos em frente. O corredor tornou-se mais dilapidado—o papel de parede descascando como casca de árvore, castiçais quebrados em pedaços. O carpete estava em farrapos e cheio de ossos. Luz passava por debaixo da última porta a


esquerda. Atrás de nós, o som de cascos ficava mais alto. Nós alcançamos a porta e eu me lancei contra ela, mas ela se abriu por si própria. Thalia e eu nos deixamos cair para dentro, com o rosto plantado no carpete. A porta se fechou. Do lado de fora, as criaturas grunhiram em frustração e se esfregaram contra as paredes. "Olá," disse a voz de homem, muito perto agora. "Eu sinto muito." Minha cabeça estava rodando. Eu pensei que tivesse o ouvido a minha esquerda, mas quando olhei, ele estava parado em nossa frente. Ele usava botas de couro de cobra e um terno malhado de verde e marrom que podia até mesmo ser feito do mesmo material. Ele era alto e magro, com cabelo grisalho espetado quase tão selvagem quanto o de Thalia. Ele parecia um velho, doente, e bem vestido Einstein. Seus ombros caíram. Seus olhos verdes eram sublinhados com bolsas. Ele devia ter sido bonito um dia, mas a pele do seu rosto pendia frouxa como se ele tivesse sido parcialmente esvaziado. O cômodo era disposto como um apartamento. Ao contrário do resto da casa, o quarto estava em boas condições. Contra a parede mais distante estava uma cama dupla, uma mesa com um computador, e uma janela coberta com cortinas escuras como as do térreo. Ao longo da parede direita ficava uma estante de livros, uma pequena cozinha, e duas portas—uma levava para um banheiro, a outra para um amplo closet. Thalia disse, "Hã, Luke..." Ela apontou para a sua esquerda. Meu coração quase explodiu contra minha caixa torácica. O lado esquerdo do aposento tinha uma fileira de barras de ferro como uma cela de prisão. Dentro estava o zoológico mais assustador que eu já vi. O chão de cascalho estava cheio de ossos e pedaços de armadura, e rondando de um lado para o outro estava um monstro com um corpo de leão e pelo vermelho ferrugem. Ao invés de patas ele tinha cascos como um cavalo, e sua calda açoitava como um chicote. Sua cabeça era uma mistura de cavalo com lobo—com orelhas pontudas, um focinho alongado, e lábios pretos que pareciam perturbadoramente humanos. O monstro rosnou. Por um segundo eu pensei que ele estava usando um protetor


bucal como o que os lutadores usam. No lugar de dentes, haviam duas ferraduras em forma de placa óssea. Quando estalou a boca as placas rangeram fazendo o clack, clack, clack que eu ouvi no térreo. O monstro fixou seus olhos vermelhos brilhantes em mim. Saliva pingava das suas estranhas cristas ósseas. Eu queria correr, mas não havia para onde ir. Eu ainda podia ouvir as outras criaturas—pelo menos duas delas—rosnando no corredor. Thalia me ajudou a ficar de pé. Eu segurei sua mão e encarei o velho. "Quem é você?" Eu exigi. "O que é essa coisa dentro da jaula?" O velho homem fez uma careta. Sua expressão era tão cheia de miséria que eu pensei que ele poderia chorar. Ele abriu sua boca, mas quando ele falou, as palavras não vieram dele. Como um horrível ventríloquo, o monstro falou por ele, na voz do velho: "Eu sou Halcyon Green. Eu sinto muitíssimo, mas vocês é que estão na jaula. Vocês foram atraídos até aqui para morrer." — Nós tínhamos deixado a lança de Thalia no térreo, então tínhamos apenas uma arma—meu taco de golfe. Eu o brandi para o velho, mas ele não fez nenhum movimento ameaçador. Ele parecia tão lamentável e deprimido que eu não tinha coragem de bater nele. "É—é melhor você se explicar," eu gaguejei. "Por que—como—o que...?" Como você pode notar, eu sou bom com palavras. Atrás das barras, o monstro estalava sua mandíbula de placa óssea. "Eu entendo sua confusão," ele disse na voz do velho. Seu tom simpático não combinava com o brilho homicida em seus olhos. "A criatura que vocês veem aqui é um leucrota. Ele tem o talento de imitar vozes humanas. Que é como ele atrai sua presa." Eu olhei de um lado para o outro para o homem e o monstro. "Mas... a voz é sua? Quer dizer, o cara no terno de couro de cobra—eu estou ouvindo o que ele quer dizer? "Correto." O leucrota suspirou pesadamente. "Eu sou, como você disse, o cara no terno de couro de cobra. Essa é a minha maldição. Meu nome é Halcyon Green, filho de Apolo."


Thalia tropeçou para trás. "Você é um semideus? Mas você é tão—" "Velho?" o leucrota perguntou. O homem, Halcyon Green, estudou suas mãos manchadas, como se não pudesse acreditar que eram dele. "Sim, eu sou." Eu entendi a surpresa de Thalia. Nós havíamos conhecido alguns outros semideuses em nossas viagens—alguns amigáveis, outros não tanto. Mas todos eles eram crianças como nós. Nossas vidas eram perigosas demais. Thalia e eu tínhamos concluído que era improvável algum semideus conseguir viver até a idade adulta. Halcyon Green já era um ancião, sessenta anos pelo menos. "Há quanto tempo você está aqui?" Eu perguntei. Halcyon deu de ombros apaticamente. O monstro falou por ele: "Eu perdi a conta. Décadas? Por meu pai ser o deus dos oráculos, eu nasci com a maldição de ver o futuro. Apolo me alertou para ficar quieto. Ele me disse que eu nunca deveria compartilhar o que eu via porque isso enfureceria os deuses. Mas há alguns anos... eu simplesmente tive que falar. Eu conheci uma garotinha que estava destinada a morrer em um acidente. Eu salvei sua vida contanto a ela o seu futuro." Eu tentei focar no velho homem, mas era difícil não olhar para a boca do monstro—aqueles lábios pretos, a mandíbula salivante de placa óssea. "Eu não entendi..." eu me forcei a encontrar os olhos de Halcyon. "Você fez algo bom. Por que isso enfureceu os deuses?" "Eles não gostam de mortais se intrometendo no destino," o leucrota disse. "Meu pai me amaldiçoou. Ele me forçou a usar essas roupas, a pele de Python, que uma vez guardou o Oráculo de Delfos, como um lembrete de que eu não era um oráculo. Ele me tirou a voz e me trancou nessa mansão, minha casa na infância. Então os deuses colocaram os leucrotae para me vigiar. Normalmente, os leucrotae apenas imitam a fala humana, mas esses estão ligados aos meus pensamentos. Eles falam por mim. Eles me mantém vivo como isca, para atrair outros semideuses. Que é a forma de Apolo para me lembrar, para sempre, que minha voz apenas leva os outros a destruição." Um gosto de raiva acobreado encheu minha boca. Eu já sabia que os deuses poderiam ser cruéis. Meu pai aproveitador tinha me ignorado por catorze anos. Mas a maldição de Halcyon Green era simplesmente errada. Era perversa. "Você deveria revidar," eu disse. "Você não merece isso. Saia. Mate os monstros. Nós ajudaremos você." "Ele está certo," Thalia disse. "Este é Luke, a propósito. Eu sou Thalia. Nós já


lutamos contra muitos monstros. Deve haver algo que possamos fazer, Halcyon." "Me chame de Hal," o leucrota disse. O velho homem sacudiu a cabeça desanimado. "Mas vocês não entendem. Vocês não são os primeiros a virem aqui. Tenho receio de que todos os semideuses pensam que há esperança quando chegam. Às vezes eu tento os ajudar. Nunca funciona. As janelas são guardadas por cortinas mortíferas—" "Eu notei," Thalia murmurou. "—e a porta é fortemente encantada. Ela os deixa entrar, mas não sair." "É o que veremos." Eu me virei e pressionei minha mão na tranca. Eu me concentrei até que suor escorreu por meu pescoço, mas nada aconteceu. Meus poderes eram inúteis. "Eu disse," o leucrota disse amargamente. "Nenhum de nós pode sair. Lutar contra os monstros é inútil. Eles não podem ser feridos por nenhum metal conhecido pelo homem ou deus." Para provar seu argumento, o velho homem colocou de lado a aba lateral de sua jaqueta de couro de cobra, revelando uma adaga em seu cinto. Ele desembainhou a lamina de bronze celestial de aparência malvada e se aproximou da cela do monstro. O leucrota rosnou para ele. Hal espetou sua faca entre as barras, direto na cabeça do monstro. Normalmente, bronze celestial desintegraria um monstro com um golpe. A lâmina simplesmente ricocheteou no focinho do leucrota, não deixando nenhuma marca. O leucrota bateu seus cascos nas barras, e Hal recuou. "Viu só?" O monstro falou por Hal. "Então você simplesmente desistiu?" Thalia exigiu. "Você ajuda os monstros a nos atrair e espera que eles nos matem?" Hal embainhou sua adaga. "Eu sinto muito, minha querida, mas eu tenho pouca escolha. Eu estou preso aqui, também. Se eu não cooperar, os monstros me deixam morrer de fome. Os monstros podiam tê-los matado no momento em que entraram na casa, mas eles me usam para atrair vocês para cima. Eles me permitem ter a companhia de vocês por um tempo. Isso alivia minha solidão. E depois... bem, os monstros gostam de comer ao por do sol. Hoje, será as 7:03." Ele gesticulou para o relógio digital em sua mesa, onde lia-se 10:34 AM. "Depois que vocês tiverem ido, E-Eu subsisto com o que quer que vocês carreguem de comida." Ele olhou faminto para minha mochila, e um calafrio desceu por minha espinha. "Você é tão mal quanto os monstros," eu disse.


O velho homem estremeceu. Não me importava muito que isso ferisse seus sentimentos. Na minha mochila eu tinha duas barras de chocolate, um sanduíche de presunto, um cantil de água, e uma garrafa vazia de néctar. Eu não queria ser morto por isso. "Você está certo de me odiar," o leucrota disse na voz de Hal, "mas eu não posso salvá-lo. Ao por do sol, essas barras irão subir. Os monstros irão levá-los para longe e matarão vocês. Não há escapatória." Dentro do recinto dos monstros, um painel quadrado na parede estava aberto. Eu não tinha notado o painel quadrado antes, mas parecia dar para outro cômodo. Mais dois leucrotae espreitavam na jaula. Todos os três fixavam seus olhos vermelhos brilhantes em mim. Suas bocas de placa óssea estalando com antecipação. Eu pensei em como os monstros conseguiam comer com bocas tão estranhas. Como se para responder minha questão, um leucrota pegou um velho pedaço de armadura com a boca. A armadura de Bronze Celestial parecia grossa o suficiente para parar um golpe de lança, mas o leucrota o prendeu com a força de um alicate e fez um buraco na forma de uma ferradura no metal com uma mordida. "Como você vê," disse outro leucrota na voz de Hal, "os monstros são notavelmente fortes." Minhas pernas pareciam espaguete molhado. Os dedos de Thalia cravaram no meu braço. "Mande os embora," ela pediu. "Hal, você pode os fazer ir embora?" O velho homem franziu o cenho. O primeiro monstro disse: "Se eu fizer isso, nós não poderemos conversar." O segundo monstro disse na mesma voz: "Além disso, qualquer estratégia de fuga que vocês possam pensar, alguém já tentou antes." O terceiro monstro disse: "Não há sentido algum em uma conversa privada." Thalia andava, tão inquieta quanto os monstros. "Eles sabem o que nós estamos falando? Quero dizer, eles apenas falam, ou eles entendem as palavras?" O primeiro leucrota deu um gemido agudo. Depois imitou a voz de Thalia: "Eles entendem as palavras?" Meu estomago se agitou. O monstro tinha imitado Thalia perfeitamente. Se eu ouvisse essa voz na escuridão, pedindo socorro, eu correria em direção a ela. O segundo monstro falou por Hal: "As criaturas são inteligentes, da forma que os


cachorros são inteligentes. Eles compreendem emoções e algumas frases simples. Eles podem atrair suas presas gritando coisas como 'Socorro!' Mas eu não sei quanto da fala humana eles realmente entendem. Não importa. Vocês não podem enganá-los." "Mande os embora," eu disse. "Você tem um computador. Digite o que você quer dizer. Se vamos morrer ao por do sol, eu não quero essas coisas me encarando o dia todo." Hal hesitou. Então ele se virou para os monstros e os olhou em silencio. Depois de alguns momentos, os leucrotae rosnaram. Eles saíram do cerco e o painel de trás fechou atrás deles. Hal olhou para mim. Ele estendeu suas mãos como se estivesse se desculpando, ou fazendo uma pergunta. "Luke," Thalia disse ansiosa, "você tem um plano?" "Ainda não, " eu admiti. "Mas é melhor conseguir um até o por do sol." — Era uma sensação estranha esperar morrer. Normalmente quando Thalia e eu lutávamos contra monstros, nós tínhamos dois segundos para bolar um plano. A ameaça era imediata. Nós sobrevivíamos ou morríamos instantaneamente. Agora tínhamos o dia todo presos em um cômodo com nada pra fazer, sabendo que ao por do sol aquelas barras da jaula iriam subir e nós seríamos pisoteados até a morte e dilacerados por monstros que não podiam ser mortos com nenhuma arma. Depois Halcyon Green comeria minhas barras de chocolate. O suspense era quase pior que um ataque. Parte de mim estava tentado a nocautear o velho com meu taco de golfe e alimentar suas cortinas com ele. Assim pelo menos ele pelo menos não poderia ajudar os monstros a atrair mais semideuses para a morte. Mas eu não tinha coragem de fazer isso. Hal era tão frágil e patético. Além disso, sua maldição não era sua culpa. Ele esteve preso neste quarto por décadas, forçado a depender de monstros para sua voz e sua sobrevivência, forçado a assistir outros semideuses morrerem, tudo isso porque ele salvou a vida de uma garota. Que tipo de justiça era essa? Eu continuava com raiva de Hal por ter nos atraído até aqui, mas eu podia entender porque ele tinha perdido as esperanças depois de tantos anos. Se alguém


merecia um taco de golf contra a cabeça, era Apolo—e todos os outros pilantras deuses olimpianos, por esse assunto. Fizemos um inventário do apartamento prisão de Hal. As estantes de livro estavam recheadas de tudo, de história antiga a romances de terror. Sinta-se livre para ler qualquer coisa, Hal digitou no seu computador. Só não meu diário, por favor. É pessoal. Ele colocou sua mão protetoramente em cima de um livro de couro surrado próximo a seu teclado. "Sem problema," eu disse. Eu duvidada que algum dos livros pudesse nos ajudar, e eu não podia imaginar que Hal tinha qualquer coisa interessante para escrever em seu diário, estando preso nesse quarto na maior parte de sua vida. Ele nos mostrou o navegador de Internet do computador. Ótimo. Nós podíamos pedir pizza e assistir os monstros comerem o entregador. Não ajudava muito. Eu presumi que podíamos mandar um e-mail para alguém pedindo ajuda, exceto que não tínhamos ninguém para contatar, e eu nunca tinha usado um e-mail. Thalia e eu nem mesmo carregávamos telefones. Nós descobrimos da maneira mais difícil que quando semideuses usam tecnologia, atraem monstros como sangue atrai tubarões. Nós fomos até o banheiro. Era bastante limpo considerando quanto tempo Hal vivia ali. Ele tinha dois conjuntos sobressalentes de roupas de couro de cobra, aparentemente recém-lavados a mão, pendurados na barra acima da banheira. Sua caixa de remédios estava abastecida com suprimentos de limpeza—artigos de higiene pessoal, medicamentos, escovas de dente, material de primeiros socorros, ambrosia, e néctar. Eu tentei não pensar sobre de onde tudo isso tinha vindo enquanto procurava, mas não via nada que podia derrotar os leucrotae. Thalia bateu uma gaveta em frustração. "Eu não entendo! Por que Amaltheia me trouxe aqui? Será que os outros semideuses vieram até aqui por causa da cabra?" Hal franziu o cenho. Ele gesticulou para que nós o seguíssemos de volta até seu computador. Ele se debruçou sobre o teclado e digitou: Que cabra? Eu não via motivo algum em manter o segredo. Eu contei a ele como seguimos a cabra brilhante de Zeus dispenser de Pepsi em Richmond, e como ela nos indicou esta casa. Hal pareceu perplexo. Ele digitou: Eu já ouvi falar sobre Amaltheia, mas não sei por que ela os traria aqui. Os outros semideuses eram atraídos até a mansão por causa


do tesouro. Eu presumi que vocês também. "Tesouro?" Thalia perguntou. Hal se levantou e nos mostrou seu closet. Estava cheio de mais suprimentos coletados de semideuses desafortunados—casacos pequenos demais para Hal, algumas tochas de madeiras antiquadas, pedaços amassados de armadura, e algumas espadas de bronze celestial que estavam tortas e quebradas. Um desperdício. Eu precisava de uma outra espada. Hal rearranjou caixas de livros, sapatos, algumas barras de ouro, e uma pequena cesta cheia de diamantes que ele não parecia ter interesse. Ele trouxe a tona um cofre de metal de sessenta centímetros quadrados e gesticulou para ele como: Ta-dã. "Você pode abri-lo?" eu perguntei. Hal sacudiu a cabeça. "Você sabe o que tem dentro?" Thalia perguntou. Novamente, Hal sacudiu a cabeça. "Está trancado," eu supus. Hal assentiu enfaticamente, então traçou um dedo de um lado a outro do pescoço. Eu ajoelhei perto do cofre. Eu não toquei, mas mantive as mãos perto da combinação do cadeado. Meus dedos formigavam com o calor como se a caixa fosse um forno quente. Eu me concentrei até que pudesse sentir os mecanismos de dentro. Eu não gostei do que achei. "Está coisa é um mau sinal," eu murmurei "O que quer esteja dentro deve ser importante." Thalia ajoelhou-se perto de mim. "Luke, este é o porquê de estarmos aqui." Sua voz estava cheia de animação. "Zeus queria que eu achasse isso." Eu olhei para ela ceticamente. Eu não sabia como ela conseguia ter tanta fé em seu pai. Zeus não a tratava muito melhor que Hermes me tratava. Além disso, muitos semideuses tinham sido guiados até aqui. Todos eles estavam mortos. Entretanto, ela fixou aqueles olhos azuis intensos em mim, e eu sabia que essa era outra vez que Thalia iria conseguir o que queria. Eu suspirei. "Você vai me pedir para abrir isso, não vai?" "Você consegue?" Eu mordisquei meu lábio. Talvez na próxima vez eu me juntasse a outra pessoa, eu


deveria escolher alguém que eu não gostasse tanto. Eu simplesmente não conseguia dizer não para Thalia. "Outras pessoas devem ter tentando abrir isso antes," eu alertei. "há uma maldição no trinco. Eu suponho que quem quer que toque nisso é queimado e reduzido a uma pilha de cinzas." Eu olhei para cima para Hal. Seu rosto se tornou cinza como seu cabelo. Encarei isso como uma confirmação. "Você consegue contornar a maldição?" Thalia perguntou a mim. "Eu acho que sim," eu disse. "Mas é a segunda armadilha que me preocupa." "A segunda armadilha?" ela perguntou. "Ninguém conseguiu desencadear a combinação," eu disse. "Eu sei disse porque há um frasco de veneno pronto para se quebrar no momento em que você acerta o terceiro número. Nunca foi ativado." Julgando pelos olhos arregalados de Hal, isso era novidade para ele. "Eu posso tentar desativar," eu disse, "mas se eu errar, todo o apartamento vai se encher de gás. Nós morreremos." Thalia engoliu. "Eu confio em você. Apenas... não erre." Eu me virei para o velho homem. "Você poderia talvez se esconder na banheira. Coloque algumas toalhas molhadas sobre o rosto. Isso poderá te proteger." Hal se deslocou inquieto. O tecido de couro de cobra de seu terno ondulou como se ainda estivesse vido, tentando engolir algo desagradável. Emoções passavam por seu rosto—medo, dúvida, mas principalmente vergonha. Acho que ele não podia suportar a ideia de se esconder numa banheira enquanto duas crianças arriscavam suas vidas. Ou talvez houvesse um pouco de espírito semideus nele depois de tudo. Ele gesticulou para o cofre como: Vá em frente. Eu toquei a combinação do cadeado. Me concentrei tanto que senti como se estivesse fazendo levantamento de peso com um haltere de mais de duzentos e vinte e sete quilos. Meu pulso acelerou. Uma linha de suor escorreu por meu nariz. Finalmente eu senti as engrenagens girando. Metal gemeu, linguetas clicaram, e os ferrolhos estalaram. Cuidadosamente recuando o trinco, eu abri a tampa com a ponta dos meus dedos e extraí um pequeno frasco intacto de liquido verde. Hal expirou. Thalia me deu um beijo na bochecha, o que ela provavelmente não deveria ter


feito enquanto eu estava segurando um tubo de veneno letal. "Você é tão admirável," ela disse. Isso fez o risco valer a pena? Sim, bastante. Eu olhei dentro do cofre, e um pouco do entusiasmo se foi. "É isso?" Thalia colocou a mão dentro e tirou de lá uma pulseira. Não parecia ser grande coisa, apenas uma fileira de argolas de prata. Thalia o fechou em volta de seu pulso. Nada aconteceu. Ela fez uma careta. "Isso deveria fazer alguma coisa. Se Zeus me enviou para cá—" Hal bateu palmas para chamar nossa atenção. De repente seus olhos pareciam quase tão loucos quanto seus cabelos. Ele gesticulou descontroladamente, mas eu não tinha nenhuma ideia do que ele estava tentando dizer. Finalmente ele bateu suas botas de couro de cobra em frustração e nos levou de volta a divisão principal. Ele sentou diante de seu computador e começou a digitar. Eu olhei para o relógio em sua mesa. Talvez o tempo passasse mais rápido dentro da casa, ou talvez o tempo simplesmente voe quando você está esperando morrer, mas já era quase meio dia. Nosso dia já tinha ido pela metade. Hal nos mostrou o pequeno romance que ele tinha escrito: Vocês são os melhores!! Vocês agora tem o tesouro!! Não consigo acreditar!! O cofre estava fechado desde antes de eu nascer!! Apolo me disse que minha maldição acabaria quando o dono do tesouro o reivindicasse!! Se você é a dona— Havia mais, com muito mais pontos de exclamação, mas antes que eu pudesse terminar de ler, Thalia disse, "Espere aí. Eu nunca vi essa pulseira. Como eu posso ser a dona? E se a sua maldição supostamente acaba agora, isso significa que os monstros se foram?" Um clack, clack, clack do corredor respondeu a questão. Eu olhei para Hal. "Você tem sua voz de volta?" Ele abriu sua boca, mas nenhum som saiu. Seus ombros caíram. "Talvez Apolo quisesse dizer que nós viríamos resgatar você," Thalia disse. Hal digitou uma nova sentença: Ou talvez eu morra hoje. "Obrigado, Sr. Animado," eu disse. "Eu pensei que você podia nos contar o futuro. Você não sabe o que vai acontecer?" Hal digitou: Eu não posso ver. É perigoso demais. Você sabe o que aconteceu comigo na última vez que tentei usar meus poderes.


"Claro," resmunguei. "Não corra o risco. Você pode estragar essa ótima vida que você tem aqui." Eu sabia que isso era cruel. Mas a covardia do velho me irritava. Ele tinha deixado que os deuses o usassem como saco de pancadas por muito tempo. Era hora de revidar, preferivelmente antes de Thalia e eu nos tornarmos a próxima refeição dos leucrotae. Hal abaixou sua cabeça. Seu peito estava tremendo, e eu percebi que ele estava chorando silenciosamente. Thalia me deu um olhar irritado. "Tudo bem, Hal. Nós não estamos desistindo. Esse bracelete deve ser a resposta. Deve ter algum poder especial." Hal deu um suspiro. Ele retornou ao seu teclado e digitou: É de prata. Mesmo que se transforme em uma arma, os monstros não podem ser feridos por nenhum metal. Thalia se virou pra mim com um silencioso apelo em seus olhos, como: Sua vez de ter uma ideia útil. Eu estudei o recinto vazio, o painel de metal através do qual os monstros tinham saído. Se a porta do apartamento não abriria novamente, e a janela estava coberta por cortinas ácidas comedoras de gente, então aquele painel era nossa única saída. Nós não podíamos usar armas de metal. Eu tinha um frasco de veneno, mas se eu estivesse certo sobre aquilo, ele iria matar todos no momento em que se dispersasse. Percorri outra dúzia de ideias em minha cabeça, rapidamente rejeitando todas elas. "Nós precisamos achar um tipo diferente de arma," eu decidi. "Hal, me empreste seu computador." Hal pareceu indeciso, mas me deu sua cadeira. Eu encarei a tela. Honestamente, eu nunca tinha usado muito computadores. como eu disse, tecnologia atrai monstros. Mas Hermes era o deus da comunicação, das estradas, e do comércio. Talvez isso significasse que ele tinha algum poder sob a Internet. Seria muito bom um Google divino nesse momento. "Pelo menos uma vez," eu murmurei para a tela, "me dê alguma folga. Me mostre que há um lado positivo em ser seu filho." "O que, Luke?" Thalia perguntou. "Nada," eu disse. Eu abri o navegador de Internet e comecei a digitar. Eu procurei por leucrotae, esperando achar suas fraquezas. A Internet não tinha quase nada sobre eles, exceto que eles eram animais lendários que atraiam suas presas imitando vozes humanas.


Eu procurei por "armas gregas." Achei algumas ótimas imagens de espadas, lanças, e catapultas, mas eu duvidava que pudéssemos matar monstros com JPEGs de baixa resolução. Eu digitei uma lista de coisas que tínhamos no quarto—tochas, bronze celestial, veneno, barras de chocolate, taco de golfe—esperando que algum tipo de fórmula mágica aparecesse para a morte de um leucrota. Sem sorte. Eu digitei "Me ajude a matar leucrotae." O resultado mais perto que eu tive foi Me ajude a curar leucemia. Minha cabeça estava latejando. Eu não tinha a menor ideia de quanto tempo eu tinha ficado pesquisando até que eu olhei para o relógio: quatro da tarde. Como isso era possível? Nesse tempo, Thalia tinha estado tentando ativar sua nova pulseira, sem sorte. Ela tinha girado, batido, sacudido, usado a pulseira em seu tornozelo, a jogado contra a parede e a balançado sobre a cabeça gritando "Zeus!". Nada aconteceu. Nós olhamos um para o outro, e eu sabia que estávamos ambos sem ideias. Eu pensei sobre o que Hal Green tinha nos dito. Todos os semideuses começavam esperançosos. Todos eles tinham ideias de como poderiam escapar. Todos eles fracassaram. Eu não podia deixar isso acontecer. Thalia e eu tínhamos sobrevivido a coisas demais para desistir agora. Mas por minha vida (e eu digo isso literalmente) eu não conseguia pensar em mais nada que pudéssemos tentar. Hal se aproximou e apontou para o teclado. "Vá em frente," eu disse desanimado. Nós trocamos de lugar. O tempo está se esgotando, ele digitou. Eu vou tentar ler o futuro. Thalia franziu o cenho. "Eu pensei que tivesse dito que isso era perigoso demais." Não importa, Hal digitou. Luke está certo. Eu sou um velho covarde, mas Apolo não pode me punir de forma pior que ele já puniu. Talvez eu veja algo que possa ajudá-los. Thalia, me dê suas mãos. Ele se virou para ela. Thalia hesitou. Do lado de fora do cômodo, os leucrotae rosnaram e se esfregaram contra o corredor. Eles pareciam famintos. Thalia colocou suas mãos sobre as de Halcyon Green. O velho homem fechou seus


olhos e se concentrou da mesma forma que eu fiz quando estava conferindo a tranca complicada do cofre. Ele estremeceu, depois deu um suspiro. Ele olhou para Thalia com uma expressão de simpatia. Ele se virou para o teclado e hesitou por um longo tempo antes que começasse a digitar. Você está destinada a sobreviver hoje. Hal digitou. "Isso é—isso é bom, certo?" ela perguntou. "Por que você parece tão triste?" Hal encarava o cursor piscando. Ele digitou, Um dia em breve, você irá se sacrificar para salvar seus amigos. Eu vejo coisas que são... difíceis de descrever. Anos de solidão. Você permanecerá elevada e contínua, viva, porém dormindo. Você irá se transformar uma vez, e depois se transformará de novo. Seu caminho será triste e solitário. Mas um dia você achará sua família novamente. Thalia cerrou os pulsos. Ela começou a falar, então caminhou pelo quarto. Por fim ela bateu a mão contra a estante de livros. "Isso não faz o menor sentido. Eu irei me sacrificar, mas vou viver. Me transformar, dormir? Você chama isso de futuro? E—Eu nem mesmo tenho uma família. Apenas minha mãe, e de forma alguma eu vou voltar para ela." Hal mordiscou o lábio. Ele digitou, Sinto muito. Eu não controlo o que vejo. Mas eu não quis dizer sua mãe. Thalia quase se segurou nas cortinas. Ela se deteve a tempo, mas parecia tonta, como se tivesse acabado de sair de uma montanha russa. "Thalia?" eu perguntei, o mais gentil que pude. "Você sabe sobre o que ele está falando?" Ela me olhou de forma severa. Eu não entendia por que ela parecia tão agitada. Eu sabia que ela não gostava de conversar sobre sua antiga vida em Los Angeles, mas ela me disse que era filha única, e ela nunca mencionou nenhum outro parente além da mãe. "Não é nada," ela disse por fim. "Esqueça. As habilidades de adivinhação do Hal estão enferrujadas." Eu estava certo de que nem mesmo Thalia acreditava nisso. "Hal" eu disse, "deve haver mais coisa. Você nos disse que Thalia irá sobreviver. Como? Você vê algo relacionada a pulseira? Ou a cabra? Nós precisamos de alguma coisa que ajude."


Ele sacudiu a cabeça tristemente. Ele digitou, Eu não vi nada relacionado a pulseira. Sinto muito. Eu sei um pouco sobre Amaltheia a cabra, mas duvido que isso ajude. A cabra amamentou Zeus quando ele era bebê. Mais tarde, Zeus a matou e usou sua pele para fazer seu escudo—o aegis. Eu cocei minha bochecha. Eu tinha certeza que essa era a história que eu estava tentando lembrar mais cedo sobre o couro da cabra. Parecia importante, embora eu não conseguisse entender o porquê. 'Então Zeus matou sua própria mamãe cabra. Típico dos deuses. Thalia, você sabe alguma coisa sobre o escudo?" Ela assentiu, claramente aliviada pela mudança de assunto. "Atena colocou a cabeça de Medusa na parte da frente e cobriu todo o escudo com bronze celestial. Ela e Zeus o revezavam em batalha. O escudo deveria afugentar os inimigos." Eu não conseguia compreender como a informação poderia ajudar. Obviamente, a cabra Amaltheia tinha voltado a vida. Isso acontecia bastante com monstros mitológicos—eles eventualmente se reformavam vindos do abismo do Tártaro. Mas por que Amaltheia tinha nos guiado até aqui? Um pensamento ruim me ocorreu. E se eu tivesse sido enganado por Zeus, eu definitivamente não estaria mais interessando em ajudá-lo. De fato, eu poderia ter uma vingança contra os filhos de Zeus. Talvez esse seja o motivo pelo qual Amaltheia nos trouxe a mansão. Hal Green estendeu suas mãos para mim. Sua expressão sombria me disse que era a minha vez para a adivinhação. Uma onda de pavor tomou conta de mim. Depois de ouvir o futuro de Thalia, eu não queria saber o meu. E se ela sobrevivesse, e eu não? E se nós dois sobrevivêssemos, mas Thalia se sacrificasse para me salvar em algum lugar lá fora, como Hal havia mencionado? Eu não poderia suportar isso. "Não, Luke," Thalia disse amargamente. "Os deuses estão certos. As profecias de Hal não ajudam ninguém." O velho piscou seus olhos lacrimejantes. Suas mãos eram tão frágeis, era difícil acreditar que ele carregava sangue de um deus imortal. Ele nos disse que a maldição acabaria hoje, de um jeito ou de outro. Ele previu que Thalia sobreviveria. Se ele visse qualquer coisa em meu futuro que ajudasse, eu tinha que tentar. Eu dei a ele minhas mãos. Hal respirou fundo e fechou os olhos. Seu casaco de couro de cobra brilhava como


se tivesse tentando se verter. Eu me forcei a ficar calmo. Eu podia sentir o pulso de Hal nos meus dedos—um, dois, três. Seus olhos se abriram. Ele puxou suas mãos para longe e me olhou com terror. "Okay," eu disse. Minha língua parecia uma lixa. "Eu acho que você não viu nada de bom." Hal se virou para o seu computador. Ele encarou a tela por tanto tempo que pensei que ele tivesse entrado em transe. Por fim digitou, Fogo. Eu vi fogo. Thalia franziu a testa. "Fogo? Você quer dizer hoje? Isso irá nos ajudar?" Hal ergueu os olhos miseravelmente. Ele assentiu. "Tem mais coisa," eu pressionei. "O que te assustou tanto?" Ele evitou meus olhos. Relutantemente ele digitou, Difícil ter certeza. Luke, eu também vi um sacrifício em seu futuro. Uma escolha. Mas também uma traição. Eu esperei. Hal não entrou em detalhes. "Uma traição," Thalia disse. Seu tom de voz era perigoso. "Você quer dizer que alguém irá trair Luke? Porque Luke nunca trairia alguém." Hal digitou, É difícil ver seu caminho. Mas se ele sobreviver hoje, ele irá trair— Thalia agarrou o teclado. "Basta! Você atrai semideuses até aqui, depois você leva embora suas esperanças com suas previsões horríveis? Não me surpreende que tenham desistido—como você desistiu. Você é patético!" Raiva se acendeu nos olhos de Hal. Eu não achava que o velho tinha isso dentro dele, mas ele ficou de pé. Por um momento, eu pensei que ele poderia atacar Thalia. "Vá em frente," Thalia rosnou. "Tente me bater, velho. Você tem fogo aí?" "Parem com isso!" Eu ordenei. Hal Green recuou imediatamente. Eu podia jurar que o velho estava com medo de mim agora, mas eu não queria saber o que ele tinha visto em suas visões. Seja lá qual forem os pesadelos que estavam no meu futuro, eu tinha que sobreviver a hoje primeiro. "Fogo," eu disse. "Você mencionou fogo." Ele assentiu, depois espalmou as mãos indicando que tinha mais detalhes. Uma ideia zumbiu na parte de trás da minha cabeça. Fogo. Armas gregas. Alguns dos suprimentos que tínhamos neste apartamento... a lista que eu coloquei no mecanismo de busca, esperando por uma formula mágica. "O que é?" Thalia perguntou. "Eu conheço esse olhar. Você está pensando em


alguma coisa." "Deixe me usar o teclado." Eu me sentei ao computador e fiz uma nova busca na internet. Um artigo apareceu imediatamente. Thalia espiou por cima dos meus ombros. "Luke, isso seria perfeito! Mas eu acho que essa coisa é apenas uma lenda." "Eu não sei," eu admiti. "Se for real, como faríamos? Não há nenhuma receita aqui." Hal bateu os nós dos dedos na mesa para chamar nossa atenção. Seu semblante mostrava animação. Ele apontou para a estante de livros. "Livros de história antiga," Thalia disse. "Hal está certo. Um monte desses são bem velhos. Eles provavelmente contém informações que não devem ter na Internet." Nós três corremos para as prateleiras. Começamos tirando livros. Logo a biblioteca de Hal parecia ter sido atingida por um furacão, mas o velho não pareceu se importar. Ele atirou alguns livros e folheou paginas tão rápido quanto nós. De fato, sem ele, nós nunca teríamos achado a resposta. Depois de muitas buscas sem resultados, ele veio correndo, batendo numa página de um livro com capa de couro. Eu analisei a lista de ingredientes, e meu excitamento aumentou. "É isso. A receita de fogo grego." Como eu sabia que devia procurá-lo? Talvez meu pai, Hermes, deus pau pra toda obra, estivesse me guiando, já que ele tem um jeitinho com poções e alquimia. Talvez eu já tivesse visto a receita em algum lugar, e procurar pelo apartamento tinha acionado minha memória. Tudo que precisávamos estava no quarto. Eu tinha visto todos os ingredientes quando tínhamos passado pelos suprimentos de semideuses derrotados: madeira de tochas velhas, uma garrafa de néctar, álcool do kit de primeiros socorros de Hal... Na verdade, eu não acho que devo escrever a receita inteira, mesmo neste diário. Se alguém encontrá-lo e aprender a fórmula secreta do fogo grego... bem, eu não quero ser o responsável por incendiar o mundo mortal. Eu li a lista até o fim. Só faltava uma coisa. "Um catalisador." Eu olhei para Thalia. "Precisamos de um raio." Seus olhos se arregalaram. "Luke, eu não posso. Da última vez—" Hal nos arrastou até o computador e digitou, Você consegue invocar um raio????


"Às vezes," Thalia admitiu. "É uma coisa de Zeus. Mas não posso invocar dentro de casa. E mesmo se estivéssemos do lado de fora, eu tenho problemas em controlar o relâmpago. Da última vez, eu quase matei Luke." Os pelos da minha nuca se eriçaram ao lembrar o acidente. "Vai dar certo." Eu tentei parecer confiante. "Eu vou preparar a mistura. Quando estiver pronta, há uma tomada debaixo do computador. Você pode invocar um relâmpago na casa e explodi-lo através da fiação elétrica." "E colocar fogo na casa," Thalia adicionou. Hal digitou, Vocês irão fazer isso de qualquer forma se tiverem sucesso. Vocês compreendem quão perigoso é o fogo grego? Engoli em seco. "Sim. É fogo mágico. O que quer que toque, queima. Você não pode apagá-lo com água, ou um extintor de incêndio, ou qualquer outra coisa. Mas se conseguirmos fazer o suficiente para algum tipo de bomba e a jogarmos nos leucrotae—" "Eles irão queimar." Thalia encarou o velho. "Por favor, me diga que os monstros não são imunes ao fogo." Hal franziu as sobrancelhas. Eu acho que não, ele digitou. Mas fogo grego irá transformar esse quarto em um inferno. O fogo irá se espalhar por toda a casa em uma questão de segundos. Eu olhei para o cerco vazio. De acordo com o relógio de Hal, nós tínhamos aproximadamente uma hora antes do por do sol. Quando as barras subiriam e os leucrotae atacariam, nós tínhamos uma chance—se conseguíssemos surpreender os monstros com uma explosão, e se nós conseguíssemos contorná-los e chegássemos ao painel de fuga na parte de trás da jaula sem sermos comidos ou queimados vivos. Tantos se's. Minha mente percorreu uma dúzia de estratégias diferentes, mas eu sempre terminava com o que Hal tinha dito sobre sacrifício. Eu não conseguia me livrar da sensação de que não havia jeito de nós três conseguirmos sair dali vivos. "Vamos fazer fogo grego," eu disse. "Depois nós resolvemos o resto." Thalia e Hal me ajudaram a reunir as coisas das quais precisávamos. Então começamos pelo fogão de Hal e fizemos alguns pratos extremamente perigosos. O tempo passava rapidamente. Do lado de fora no corredor, os leucrotae rosnavam e estalavam as mandíbulas.


As cortinas nas janelas bloqueavam toda a luz do sol, mas o relógio nos disse que estávamos quase sem tempo. Meu rosto brilhava com o suor enquanto eu misturava os ingredientes. Toda vez que eu piscava os olhos, me lembrava das palavras de Hal na tela do computador, como se elas tivessem sido queimadas na parte de trás dos meus olhos: Um sacrifício no seu futuro. Uma escolha. Mas também uma traição. O que ele quis dizer? Eu tinha certeza de que ele não tinha me contado tudo. Mas uma coisa estava clara: Meu futuro o aterrorizou. Eu tentei me focar na minha tarefa. Eu não sabia realmente o que estava fazendo, mas não tinha escolha. Talvez Hermes estivesse olhando por mim, me emprestando um pouco da sua habilidade em alquimia. Ou talvez eu simplesmente tivesse sorte. Por fim eu tinha um pote cheio de uma gosma preta grudenta, que eu coloquei num frasco de vidro velho de geleia. Fechei a tampa. "Aí." Eu entreguei o vidro para Thalia. "Você consegue acertá-lo com um raio? O vidro deve evitar que ele exploda até que quebremos o frasco." Thalia não pareceu assustada. "Eu vou tentar. Eu vou ter que expor um pouco da fiação da parede. E invocar o raio, requer alguns minutos de concentração. Vocês deveriam dar um passo para trás, no caso de... vocês sabem, eu explodir ou algo do tipo." Ela pegou uma chave de fenda na gaveta da cozinha de Hal, rastejou por baixo da mesa do computador e começou a mexer na tomada. Hal apanhou seu diário verde de couro. Ele gesticulou para que eu o seguisse. Nós fomos até a porta do closet, onde Hal pegou uma caneta do seu casaco e folheou o livro. Eu vi páginas e mais páginas com uma caligrafia apertada e bem arrumada. Finalmente Hal achou uma página em branco e rabiscou algo. Ele passou o diário para mim. A nota dizia, Luke, eu quero que você fique com esse diário. Tem minhas previsões, minhas anotações sobre o futuro e meus pensamentos sobre onde eu errei. Eu acho que isso pode ajudá-lo. Eu sacudi a cabeça. "Hal, isso é seu. Fique com ele." Ele pegou o diário de volta e escreveu, Você tem um futuro importante. Suas escolhas irão mudar o mundo. Você pode aprender com meus erros, dar continuação ao diário. Isso deve ajudá-lo com suas decisões.


"Que decisões?" Eu perguntei. "O que você viu que te assustou tanto?" Sua caneta pairou sobre o papel por um longo tempo. Acho que eu finalmente entendi porque eu fui amaldiçoado, ele escreveu. Apolo estava certo. Às vezes é melhor que o futuro seja um mistério. "Hal, seu pai é um imbecil. Você não merece—" Hal bateu na página insistentemente. Ele rabiscou, Apenas me prometa que você vai manter esse diário. Se eu tivesse começado a anotar meus pensamentos mais cedo, eu poderia ter evitado alguns erros estúpidos. E mais uma coisa— Ele colocou a caneta em seu diário e soltou a adaga de bronze celestial do seu cinto. Ele a ofereceu a mim. "Eu não posso," eu disse a ele. "Quero dizer, eu agradeço, mas eu sou mais um cara de espada. E, além disso, você vem com a gente. Você irá precisar dessa arma." Ele balançou a cabeça e colocou a adaga em minhas mãos. E retornou a escrever: Essa adaga foi um presente da garota que eu salvei. Ela me garantiu que a faca sempre protegeria seu dono. Hal suspirou. Ele deveria saber o quão maldosamente irônica aquela promessa soava, dada a sua maldição. Ele escreveu, Uma adaga não tem o alcance ou o poder de uma espada, mas pode ser uma excelente arma nas mãos certas. Eu vou me sentir melhor sabendo que você a tem. Ele encontrou meus olhos, e eu finalmente entendi o que ele estava planejando. "Não," eu disse. "Nós todos conseguiremos sair." Hal mordeu o lábio. Ele escreveu, Nós dois sabemos que isso é impossível. Eu posso me comunicar com os leucrotae. Eu sou a escolha mais lógica para isca. Você e Thalia esperam no closet. Eu vou atrair os monstros para dentro do banheiro. Eu lhes darei alguns segundos para conseguir chegar até o painel de saída antes que eu cause a explosão. É a única forma de vocês terem tempo. "Não," eu disse. Mas sua expressão era severa e determinada. Ele não parecia mais um velho covarde. Ele parecia um semideus, pronto para partir lutando. Eu não podia acreditar que ele estava se oferecendo para se sacrificar por duas crianças que ele tinha acabado de conhecer, especialmente depois de ter sofrido por tantos anos. E, no entanto, eu não precisava de caneta e papel para saber o que ele estava pensando. Esta era a sua chance de redenção. Um último ato heroico, e sua maldição iria acabar hoje, exatamente como Apolo tinha previsto.


Ele rabiscou alguma coisa e me entregou o diário. A última palavra era: Prometa. Eu respirei fundo, e fechei o diário. "Sim. Eu prometo." Um trovão sacudiu a casa. Todos nós pulados. Sobre a mesa do computador, algo fez ZZZAP-POP! Fumaça branca subia do computador, e um cheiro de pneu queimado empestou o quarto. Thalia se levantou sorrindo. A parede atrás dela estava cheia de bolhas e enegrecida. A tomada estava completamente derretida, mas em suas mãos, o frasco de geleia de fogo grego exibia agora um verde brilhante. "Alguém pediu uma bomba mágica?" Ela perguntou. Logo depois, o relógio registrou 7:03. As barras do recinto começaram a subir, e o painel da parte de trás começou a abrir. Nós estávamos contra o tempo. — O velho estendeu a mão. "Thalia," eu disse. "Dê a Hal o fogo grego." Ela olhou de um para outro. "Mas—" "Ele precisa do frasco." Minha voz soou mais grave que o normal. "Ele irá nos ajudar a escapar." Quando o significado das minhas palavras lhe ocorreram, seu rosto empalideceu. "Luke, não." As barras já tinham subido a metade. O alçapão abria lentamente. Um impulso vermelho abria caminho pela fenda. No interior da calha, os leucrotae rosnavam e estalavam suas mandíbulas. "Não temos tempo," eu alertei. "Vamos!" Hal tomou o frasco de fogo de Thalia. Ele deu a ela um sorriso corajoso, depois assentiu para mim. Eu me lembrava da última palavra que ele escrevera: Prometa. Eu guardei seu diário e a adaga em minha mochila. Depois arrastei Thalia para dentro do closet comigo. Uma fração de segundo depois, ouvimos os leucrotae invadindo o quarto. Todos os três monstros sibilavam, rosnavam e pisoteavam a mobília, ansiosos para comer. "Aqui!" A voz de Hal chamou. Devia ser um dos monstros falando por ele, mas


suas palavras soavam corajosas e confiantes. "Eu os tenho presos no banheiro! Vamos logo, seus vira latas feios!" Eu agarrei a mão de Thalia. "Agora." Nós fomos com tudo para fora do closet e corremos para o cerco. Dentro, o painel estava quase fechando. Um dos leucrotae rosnou com surpresa e começou a nos seguir, mas eu não me importei em olhar para trás. Nós lutamos dentro da jaula. Eu avancei em direção ao painel de saída, o forçando a ficar aberto com meu taco de golfe. "Vá, vá, vá!" Eu gritei. Thalia se contorceu para sair enquanto a placa de metal começava a dobrar o taco de golfe. Do banheiro, a voz de Hal gritava, "Vocês sabem o que é isso, seus cães escória do Tártaro? Esta é a última refeição de vocês!" O leucrota aterrissou em cima de mim. Eu girei, gritando, enquanto sua boca óssea abocanhava o ar onde meu rosto estava. Eu consegui dar um soco no seu focinho, mas foi como bater num saco de cimento molhado. Então alguma coisa agarrou meu braço. Thalia me arrastou pra dentro da calha. O painel se fechou, quebrando meu taco de golfe. Nós nos arrastamos através do ducto de metal até outro quarto e cambaleamos até a porta. Eu ouvi Halcyon Green, bradando um grito de guerra: "Por Apolo!" E a mansão balançou com uma enorme explosão. Nós corremos para o corredor, que já estava pegando fogo. Chamas lambiam o papel de parede e o cozinhavam o carpete. A porta do quarto de Hal tinha sido arrancada de suas dobradiças, e fogo era despejado para fora como uma avalanche, vaporizando tudo em seu caminho. Nós alcançamos as escadas. A fumaça era tão espessa, que não conseguíamos enxergar o chão. Nós tropeçávamos e tossíamos, o calor abrasava meus olhos e meus pulmões. Nós chegamos à base das escadas, e eu estava começando a pensar que tínhamos chegado até a porta, quando um leucrota nos atacou me derrubando de costas. Devia ser o que nos seguiu no recinto. Eu presumi que ele deveria estar bem longe da explosão para sobreviver ao estouro inicial e ter de algum jeito escapado do quarto,


apesar de parecer não ter gostado da experiência. Seu pelo vermelho estava chamuscado. Suas orelhas pontudas estavam em chamas, e um de seus olhos vermelhos brilhantes estavam fechados de tanto inchaço. "Luke!" Thalia gritou. Ela agarrou sua lança, que esteve estendido no chão do salão o dia inteiro, e acertou a ponta contra as costelas do monstro, mas isso apenas serviu para irritar o leucrota. Ele estalou sua boca de placa óssea em sua direção, mantendo uma pata plantada em meu peito. Eu não conseguia me mover, e eu sabia que a besta podia esmagar meu peito mesmo aplicando a menor das pressões. Meus olhos ardiam com a fumaça. Eu mal conseguia respirar. Eu vi Thalia tentando espetar o monstro com a lança de novo, e um brilho de metal chamou a atenção dos meus olhos—a pulseira de prata. Alguma coisa finalmente estalou na minha mente: a história de Amaltheia a cabra, que nos atraiu até aqui. Thalia estava destinada a achar aquele tesouro. Aquilo pertencia a um filho de Zeus. "Thalia!" eu arfei. "O escudo! Como se chama?" "Que escudo?" ela gritou. "O escudo de Zeus!" eu de repente me lembrei. "Aegis. Thalia, a pulseira—tem uma palavra código!" Era uma suposição desesperada. Graças aos deuses—ou graças a pura sorte—Thalia entendeu. Ela bateu na pulseira, mas dessa vez ela gritou, "Aegis!" No mesmo instante a pulseira se expandiu, achatando-se em um largo disco de bronze—um escudo intrincado de desenhos martelados ao redor da borda. No centro, pressionado no metal com uma máscara da morte, estava um rosto tão medonho que me fez correr para o mais longe que pude. Eu desviei o olhar, mas a imagem queimava em minha mente—cabelos de serpentes, olhos brilhantes, e uma boca com dentes arreganhados. Thalia impulsionou o escudo em direção ao leucrota. O monstro ganiu como um cachorrinho e recuou, me livrando do peso de suas patas. Através da fumaça, eu assisti o leucrota aterrorizado correndo em direção à cortina mais próxima, que se transformou em línguas negras brilhantes e engolfou o monstro. O monstro fumegou. Ele começou a gritar, "Socorro!" em uma dúzia de vozes, provavelmente as vozes das suas antigas vitimas, até que finalmente se desintegrou em ondas de óleo.


Eu teria ficado deitado lá aturdido e horrorizado até que o teto pegando fogo caísse sobre mim, mas Thalia agarrou meu braço e gritou, "Depressa!" Nós fugimos pela porta da frente. Eu estava pensando como poderíamos abri-la, quando uma avalanche de fogo desceu pelas escadas e nos pegou. A construção explodiu. — Eu não consigo lembrar como conseguimos sair. Eu posso apenas supor que a explosão acertou a porta da frente e nos jogou para fora. A próxima coisa que eu sabia, é que eu estava esparramado na rotatória, tossindo e arfando como uma torre de fogo bramindo para o céu noturno. Minha garganta queimava. Parecia que meus olhos tinham sido acertados com ácido. Eu procurei por Thalia e ao invés disso me deparei encarando o rosto de bronze de Medusa. Eu gritei, de alguma forma achei energia para me levantar, e corri. Eu não parei até estar encolhido atrás da estátua de Robert E. Lee. É eu sei. Isso pareceu cômico. Mas foi um milagre eu não ter tido um ataque do coração ou ter sido atropelado por um carro. Finalmente Thalia me alcançou, sua lança de volta a forma de lata de spray, seu escudo reduzido a uma pulseira de prata. Juntos nós ficamos assistindo a mansão queimar. Tijolos desmoronaram. Cortinas pretas irrompiam em lençóis de fogo vermelho. O telhado desabou e fumaça subia em direção ao céu. Thalia soltou um soluço. Uma lágrima marcou caminho através da fuligem de seu rosto. "Ele se sacrificou," ela disse. "Por que ele nos salvou?" Abracei minha mochila. Senti o diário e a adaga de bronze lá dentro—os únicos vestígios da vida de Halcyon Green. Meu peito estava apertado, como se o leucrota ainda estivesse em cima de mim. Eu critiquei Hal por ser um covarde, mas no fim, ele tinha sido tão corajoso quando eu. Os deuses o haviam amaldiçoado. Ele passou a maior parte da sua vida aprisionado com monstros. Teria sido mais fácil para ele nos deixar morrer como todos os outros semideuses antes de nós. No entanto ele tinha escolhido partir como um herói. Eu me senti culpado por não ter conseguido salvar o velho. Queria ter podido


conversar mais com ele. O que ele tinha visto em meu futuro que o assustou tanto? Suas escolhas irão mudar o mundo, ele alertou. Eu não gostava de como isso soava. O som das sirenes me fez recobrar os sentidos. Sendo fugitivos menor de idade, Thalia e eu tínhamos aprendido a ter receio da polícia e de qualquer outra autoridade. Os mortais iriam querer nos questionar, talvez nos colocar em um reformatório ou orfanato. Não podíamos deixar isso acontecer. "Vamos," eu disse a Thalia. Nós corremos pelas ruas de Richmond até acharmos um pequeno parque. Nos limpados nos banheiros públicos o melhor que conseguimos. Depois ficamos deitados até que a noite tivesse se estabelecido completamente. Nós não conversamos sobre o que tinha acontecido. Nós vagamos em transe por bairros e áreas industriais. Nós não tínhamos um plano, e mais nenhuma cabra brilhante para seguirmos. Estávamos muito cansados, mas nenhum de nós parecia querer dormir ou parar. Eu queria me distanciar o máximo possível daquela mansão em chamas. Não era a primeira vez que tínhamos escapado com vida por pouco, mas nós nunca tínhamos escapado as custas da vida de outro semideus. Eu não conseguia espantar a minha dor. Prometa, Halcyon Green escreveu. Eu prometo, Hal, eu pensei. Eu vou aprender com seus erros. Se os deuses me tratarem tão mal assim, eu irei revidar. Okay, eu sei que isso parece conversa de louco. Mas eu me sentia amargo e raivoso. Se isso deixava a galera do Monte Olimpo infeliz, ótimo. Eles podiam vir aqui e dizer isso na minha cara. Nós paramos para descansar perto de um velho armazém. Na luz fraca da lua, eu conseguia ver um nome pintando na lateral da construção de tijolos vermelhos: RICHMOND FERRALHERIA. A maioria das janelas estavam quebradas. Thalia estremeceu. "Nós poderíamos ir para o nosso antigo acampamento," ela sugestionou. "No Rio James. Nós temos muitos suprimentos lá." Eu assenti apaticamente. Iria levar pelo menos um dia para chegarmos lá, mas era um plano bom como qualquer outro. Eu dividi meu sanduíche de presunto com Thalia. Nós comemos em silêncio. A comida tinha gosto de papelão. Eu tinha acabado de engolir a última mordida quando


ouvi um fraco barulho de metal vindo do beco próximo. Minhas orelhas começaram a formigar. Nós não estávamos sozinhos. "Alguém está por perto," eu disse. "E não é um mortal comum." Thalia ficou tensa. "Como você pode ter certeza?" Eu não tinha uma resposta, mas me pus de pé. Eu saquei a adaga de Hal, mais pelo brilho do bronze celestial. Thalia agarrou sua lança e convocou Aegis. Dessa vez eu sabia que era melhor não olhar para o rosto de Medusa, mas sua presença ainda me provocava calafrios. Eu não sabia se esse escudo era O Aegis, ou uma réplica feita para heróis—de qualquer maneira, o escudo irradiava poder. Eu entendia porque Amaltheia queria que Thalia o reivindicasse. Nós rastejamos pela parede do armazém. Viramos em um beco escuro que terminava num portuário com pilhas de carregamento de sucata velha. Eu apontei para a plataforma. Thalia franziu o cenho. Ela sussurrou, "Você tem certeza?" Eu assenti. "Tem alguma coisa ali embaixo. Eu sinto." Só então teve um alto CLANG. Uma chapa de zinco ondulada estremeceu no portuário. Algo—alguém—estava debaixo. Rastejamos em direção ao cais de embarque até que estivéssemos sobre a pilha de metal. Thalia aprontou sua lança. Eu gesticulei para que ela se segurasse. Segurei o pedaço de chapa ondulada de metal e disse sem emitir som, Um, dois, três! No exato momento em que levantei a chapa de zinco, algo voou em minha direção—um borrão de flanela e cabelos loiros. Um martelo foi arremessado direto no meu rosto. As coisas poderiam ter dado muito errado. Felizmente meus reflexos eram bons graças a anos de luta. Eu gritei, "Uou!" e me esquivei do martelo, e agarrei a garotinha pelo pulso. O martelo saiu derrapando pelo pavimento. A garotinha lutava. Ela não podia ter mais que sete anos de idade. "Chega de monstros!" ela gritou, me chutando nas pernas. "Vão embora!" "Tá tudo bem!" eu tentei o máximo que pude segurá-la, mas era como segurar um gato selvagem. Thalia parecia atordoada demais para se mover. Ela ainda mantinha sua lança e seu escudo em posição.


"Thalia," eu disse, "guarde seu escudo! Você está a assustando!" Thalia descongelou. Ela tocou o escudo e ele se encolheu até tomar a forma de uma pulseira. E deixou sua lança cair no chão. "Ei, garotinha," ela disse, soando mais gentil do que jamais escutei. "Está tudo bem. Nós não iremos machucar você. Eu sou Thalia. Este é Luke." "Monstros!" ela choramingou. "Não," eu prometi. A pobrezinha já não estava lutando tanto, mas estava tremendo loucamente, aterrorizada. "Mas nós sabemos tudo sobre monstros," eu disse. "Nós lutamos contra eles também." Eu a segurei, agora mais para confortá-la do que para contê-la. Finalmente ela parou de me chutar. Ela sentia frio. Suas costelas estavam aparentes sob seu pijama de flanela. Me perguntei quanto tempo esta garotinha estava sem comer. Ela era ainda mais nova que eu quando fugi de casa. Apesar de seu medo, ela me encarava com olhos enormes. Eles eram assustadoramente cinzas, lindos e inteligentes. Uma semideusa—sem dúvida. Eu tinha o pressentimento de que ela era poderosa—ou deveria ser, se sobrevivesse. "Vocês são como eu?" ela perguntou, ainda desconfiada, mas parecia um pouco esperançosa, também. "Sim," eu prometi. "Nós somos..." Eu hesitei, sem certeza de que ela entendia o que ela era, ou se já tinha ouvido a palavra semideus. Eu não queria assustá-la ainda mais. "Bem, é difícil de explicar, mas nós lutamos contra monstros. Onde está sua família?" A expressão da garotinha se tornou dura e raivosa. Seu queixo tremeu. "Minha família me odeia. Eles não me querem. Eu fugi." Meu coração parecia ter se quebrado em pedaços. Ela tinha tanta dor em sua voz—uma dor familiar. Eu olhei para Thalia, e nós tomamos uma decisão silenciosa ali mesmo. Nós iriamos cuidar daquela criança. Depois do que tinha acontecido com Halcyon Green... bem, isso parecia destino. Nós assistimos um semideus morrer por nós. Agora achamos essa garotinha. Era quase como uma segunda chance. Thalia se ajoelhou perto de mim. Ela colocou sua mão sobre o ombro da garotinha. "Qual o seu nome, pequena?" "Annabeth." Eu não consegui não sorrir. Eu nunca tinha ouvido esse nome antes, mas era


bonito, e parecia combinar com ela. "Belo nome," eu disse a ela. "Vou te dizer uma coisa, Annabeth. Você é bastante valente. Uma lutadora como você poderia nos ser útil." Seus olhos se arregalaram. "Poderia?" "Ah, sim," eu disse animado. Então um pensamento súbito me pegou. Eu agarrei a adaga de Hal e a tirei do meu cinto. Ela irá proteger o seu dono, Hal disse. Ele tinha a ganhado da garotinha que ele salvou. Agora o destino tinha nos dado a chance de salvar outra garotinha. "Que tal uma arma que realmente mate monstros? Isto é bronze celestial. Funciona melhor que um martelo." Annabeth pegou a adaga e a analisou com admiração. Eu sei... ela tinha no máximo uns sete anos. O que eu estava pensando quando lhe dei uma arma? Mas ela era uma semideusa. Nós tínhamos que nos defender. Hercules era apenas um bebê quando estrangulou duas cobras em seu berço. Na época em que eu tinha nove, lutei para salvar minha própria vida uma dúzia de vezes. Annabeth podia usar uma arma. "Facas são apenas para os lutadores mais bravos e mais rápidos," eu disse a ela. Minha voz falhou quando me lembrei de Hal Green, e como ele morreu para nos salvar. "Elas não têm o alcance ou o poder de uma espada, mas são mais fáceis de esconder e podem encontrar pontos fracos na armadura do inimigo. É preciso um guerreiro inteligente para usar uma faca. Tenho a impressão de que você é bastante inteligente." Annabeth sorriu para mim, e por um instante, todos os meus problemas pareciam ter desaparecido. Eu senti como se tivesse feito a coisa certa. Eu jurei a mim mesmo que nunca deixaria que fizessem algum mal a essa garota. "Eu sou inteligente!" ela disse. Thalia riu e despenteou o cabelo de Annabeth. Simples assim—nós tínhamos uma nova companhia. "É melhor irmos, Annabeth" Thalia disse. "Temos uma casa segura no Rio James. Vamos providenciar roupas e comida para você." O sorriso de Annabeth vacilou. Por um momento, ela teve aquele ar selvagem em seus olhos novamente. "Vocês... vocês não irão me levar de volta para a minha família? Prometem?" Eu engoli o nó em minha garganta. Annabeth era tão nova, mas ela tinha aprendido uma difícil lição, assim como Thalia e eu tínhamos. Nossos pais tinham nos desapontado. Os deuses eram severos, cruéis e indiferentes. Semideuses tinham apenas


uns aos outros. Eu coloquei minha mão sob o ombro de Annabeth. "Você é parte da nossa família agora. E eu prometo que não vou deixar que nada machuque você. Eu não vou desapontá-la como nossas famílias nos desapontaram. Combinado?" "Combinado!" ela disse feliz, segurando sua nova adaga. Thalia pegou sua lança. Ela sorriu para mim com aprovação. "Agora, vamos. não podemos ficar parados por muito tempo!" — Então aqui estou eu de guarda, escrevendo no diário de Halcyon Green—meu diário, agora. Nós estamos acampados no bosque sul de Richmond. Amanhã, nós iremos seguir para o Rio James e reabastecer nossos suprimentos. Depois disso... eu não sei. Eu continuo pensando sobre as previsões de Hal Green. Um sentimento sinistro pesa em meu peito. Há algo sombrio em meu futuro. Pode estar bem longe, mas parece uma tempestade no horizonte, sobrecarregando o ar. Só espero que eu tenha forças para proteger meus amigos. Olhando para Thalia e Annabeth dormindo perto do fogo, fico impressionado com quão sereno seus rostos são. Se vou ser o "papai" do grupo, tenho que ser digno da confiança das duas. Nenhum de nós tinha tido sorte com nossos pais. Eu tinha que ser melhor que isso. Eu podia ter apenas catorze anos, mas isso não era desculpa. Eu tinha que manter minha nova família unida. Eu olho para o norte. Imagino quanto tempo levaria para chegar a casa da minha mãe em Westport, Connecticut. Me pergunto o que minha mãe está fazendo nesse exato momento. Ela estava num estado mental péssimo quando eu fugi... Mas eu não podia me sentir culpado por tê-la deixado. Eu tive que fazer isso. Se um dia eu encontrasse meu pai, nós iriamos ter uma conversa sobre isso. Por agora, eu tinha apenas que sobreviver dia após dia. Eu escreverei neste diário sempre que tiver puder, mesmo duvidando que alguém um dia o leia. Thalia está se mexendo. É a sua vez de ficar de vigília. Uau, minha mão dói. Nunca escrevi tanto. É melhor eu dormir, e esperar por nenhum sonho. Luke Castellan—desconectando-se por hora.



PERCY JACKSON EO CADUCEU DE HERMES


Annabeth e eu estávamos relaxando no Grande Gramado do Central Park quando ela me emboscou com uma questão. “Você esqueceu, não foi?” Eu entrei em estado de alerta vermelho. É fácil entrar em pânico quando se é um novo namorado. Claro, eu lutei contra monstros com Annabeth por anos. Juntos nós enfrentamos a ira dos deuses. Nós batalhamos contra Titãs e enfrentamos a morte várias vezes. Mas agora que estamos namorando, um olhar zangado dela e eu me apavoro. O que eu fiz de errado? Eu revisei mentalmente a lista de piquenique: manta confortável? Checado. A pizza favorita de Annabeth com azeitonas extras? Checado. Chocolate caramelizado da La Maison du Chocolate? Checado. Água gaseificada com rodelas de limão? Checado. Armas para caso de acontecer um apocalipse mitológico Grego? Checado. Então o que eu esqueci? Eu estava tentado (brevemente) a blefar. Duas coisas me pararam. Primeiro, eu não queria mentir para Annabeth. Segundo, ela era esperta demais. Ela saberia que eu estava mentindo.


Então eu fiz o que sei de melhor. Eu a encarei sem expressão e agi como burro. Annabeth revirou os olhos. "Percy, hoje é 18 de Setembro. O que aconteceu há exatamente um mês?" "Foi meu aniversário," eu disse. Era verdade: 18 de Agosto. Mas julgando pela expressão de Annabeth, essa não era a resposta pela qual ela estava esperando. Não ajudava a minha concentração que Annabeth parecesse tão bonita hoje. Ela estava usando sua camiseta laranja de sempre e shorts, mas seus braços e pernas bronzeados pareciam brilhar na luz do sol. Seu cabelo loiro tomava conta de seus ombros. Ao redor do seu pescoço pendia um cordão de couro com contas coloridas do seu acampamento de treinamento semideus—Acampamento Meio Sangue. Seus olhos cinza tempestade estavam deslumbrantes como nunca. Eu só desejava que aquele olhar feroz não estivesse direcionado a mim. Eu tentei pensar. Há um mês nós derrotamos o Titã Cronos. Era isso que ela queria dizer? Então Annabeth definiu minha linha de prioridade. "Nosso primeiro beijo, Cabeça de Alga," ela disse. "É nosso aniversário de um mês." "Bem... sim!" Eu pensei: As pessoas celebram coisas desse tipo? Eu tenho que lembrar datas de nascimento, feriados, e todos os aniversários? Eu tentei sorrir. "É por isso que estamos fazendo esse ótimo piquenique, certo?" Ela se sentou sobre as próprias pernas. "Percy... eu amo a ideia do piquenique. Sério. Mas você prometeu me levar a um jantar especial essa noite. Lembra? Não é o que eu esperava, mas você disse que tinha algo planejado. Então...?" Eu podia ouvir esperança em sua voz, mas dúvida também. Ela estava esperando que eu admitisse o óbvio: Eu esqueci. Eu estava ferrado. Eu era um namorado morto. Só porque eu esqueci, você não pode tomar isso como um sinal de que eu não me importava com Annabeth. Sério, o último mês com ela foi incrível. Eu era o semideus mais sortudo de todos. Mas um jantar especial... quando eu mencionei isso? Talvez eu tenha dito depois de Annabeth me beijar, o que meio que me enfiava numa neblina. Talvez um deus Grego tenha se disfarçado de mim e fez essa promessa a ela como uma pegadinha. Ou talvez eu fosse um péssimo namorado. Momento de confessar. Eu limpei minha garganta. "Bem—" De repente uma faixa de luz me fez piscar, como se alguém tivesse lançado um


espelho no meu rosto. Eu olhei ao redor e vi um caminhão de entregas marrom estacionado no meio do Grande Gramado onde carros não eram permitidos. Escrito na lateral estavam as palavras: HÉRNIAS SOMOS NÓS Espere... desculpe. Eu sou disléxico. Eu apertei os olhos e decidi que provavelmente estava escrito: HERMES EXPRESS "Ah, legal," eu murmurei. "Temos correspondência." — "O que?" Annabeth disse. Eu apontei para o caminhão. O motorista estava saindo. Ele usava uma camisa de uniforme marrom e bermudas até o joelho com chuteiras e meias estilosas. Seu cabelo cacheado curto grisalho saía através do boné marrom. Ele parecia um cara na casa dos trinta, mas eu sei por experiência que ele estava atualmente na casa dos cinco mil. Hermes. Mensageiro dos deuses. Amigo pessoal, distribuidor de missões heroicas, e frequente causa de enxaqueca. Ele parecia chateado. Continuava apalpando seus bolsos e retorcendo suas mãos. Como se tivesse perdido algo importante ou tivesse tomado expressos demais no Starbucks do Monte Olimpo. Finalmente ele me viu e acenou, venha aqui! O que podia significar muitas coisas. Se ele estivesse entregando pessoalmente mensagens dos deuses, significava más notícias. Se ele queria algo de mim, isso também significava más notícias. Mas levando em conta que ele tinha me salvado de me explicar para Annabeth, eu estava muito aliviado para me importar. "Que pena." Eu tentei soar pesaroso, como se meu traseiro não tivesse sido retirado do churrasco. "É melhor vermos o que ele quer." —


Como você cumprimenta um deus? Se existe um guia de etiqueta para isso, eu não tinha lido. Eu nunca tinha certeza se eu deveria dar um aperto de mãos, me ajoelhar, ou me curvar e exclamar “Nós não somos dignos.” Eu conhecia Hermes melhor do que a maioria dos Olimpianos. Ao longo dos anos, ele havia me ajudado várias vezes. Infelizmente no último verão, eu também tinha lutado contra seu filho semideus Luke, que tinha sido corrompido pelo Titã Cronos, num combate mortal e severo pelo destino do mundo. A morte de Luke não foi totalmente minha culpa, mas isso colocou um freio no meu relacionamento com Hermes. Eu decidi começar simples. "Oi." Hermes vasculhou o parque com os olhos como se estivesse com medo de estar sendo vigiado. Eu não tenho certeza do porque ele fez isso. Deuses normalmente são invisíveis aos mortais. Ninguém mais no Grande Gramado estava prestando atenção na van de entrega. Hermes lançou seu olhar para Annabeth, e depois de volta para mim. "Eu não sabia que a garota estaria aqui. Ela terá que jurar manter a boca calada." Annabeth cruzou seus braços. "A garota consegue ouvir você. E antes de jurar alguma coisa, talvez fosse melhor você nos contar o que está errado." Eu não acho que já tenha visto um deus parecer tão nervoso. Hermes pegou um cacho cinza de seu cabelo ao redor da orelha. Apalpou seus bolsos novamente. Suas mãos pareciam não saber o que fazer. Ele se inclinou e baixou sua voz. "Eu estou falando sério, garota. Se isso chegar a Atena, ela não vai parar de me provocar nunca. Ela já pensa ser muito superior a mim." "Ela é," Annabeth disse. É claro que ela é parcial. Atena é sua mãe. Hermes olhou para ela. "Prometa. Antes que eu explique o problema, vocês dois precisam prometer manter silencio." De repente algo me ocorreu. "Onde está seu caduceu?" Os olhos de Hermes se contraíram. Ele parecia estar prestes a chorar. "Ai, deuses," Annabeth disse. "Você perdeu seu caduceu?" "Eu não o perdi!" Hermes retrucou. "Foi roubado. E eu não estou pedindo sua ajuda, garota!" "Ótimo", ela disse. "Resolva seu problema sozinho. Venha, Percy. Vamos sair daqui."


Hermes rosnou. Eu percebi que deveria apartar uma briga entre um deus imortal e minha namorada, e eu não queria estar de nenhum dos lados. Um pequeno pano de fundo: Annabeth costumava se aventurar com Luke filho de Hermes. Ao longo do tempo, Annabeth desenvolveu uma paixãozinha por Luke. Conforme Annabeth ficou mais velha, Luke desenvolveu sentimentos por ela também. Luke se tornou mal. Hermes culpou Annabeth por não prevenir Luke sobre se tornar mal. Annabeth culpou Hermes por ser um péssimo pai e dado a Luke a capacidade de se tornar mal em primeiro lugar. Luke morreu em guerra. Hermes e Annabeth culpam um ao outro. Confuso? Bem vindo ao meu mundo. De qualquer forma, eu percebi que as coisas iriam ficar feias se esses dois brigassem, então eu me arrisquei a ficar entre os dois. "Annabeth, isso parece importante. Deixe me ouvi-lo e eu te encontro de volta na manta do piquenique, okay?" Eu sorri para ela esperando que isso transmitisse algo como: Ei, você sabe que eu estou do seu lado. Deuses são tão idiotas! Mas o que eu posso fazer? Provavelmente minha expressão transmitiu: Não é minha culpa! Por favor, não me mate! Antes que ela pudesse protestar ou me causar danos corporais, eu agarrei o braço de Hermes. "Vamos para o seu escritório." Hermes e eu sentamos na parte de trás do caminhão de entrega em um par de caixas rotulada SERPENTES TÓXICAS. ESTE LADO PARA CIMA. Talvez esse não fosse o melhor lugar para sentar, mas era melhor que algumas das outras encomendas, que eram rotuladas EXPLOSIVOS, NÃO SENTE EM CIMA, e OVOS DE DRAKON, NÃO OS ALOQUE PERTO DE EXPLOSIVOS. "Então o que aconteceu?" Eu perguntei a ele. Hermes se afundou em suas caixas de entrega. Ele encarou suas mãos vazias. "Eu só o deixei sozinho por um minuto." "Então..." Eu disse "Ah, George e Martha?" Hermes assentiu desajeitado. George e Martha eram as duas cobras que envolviam o seu caduceu - seu mastro de poder. Você provavelmente já viu imagens do caduceu nos hospitais, uma vez que é muitas vezes usado como um símbolo dos médicos. (Annabeth argumentaria e diria que a coisa toda é um equívoco. Supostamente deveria ser o caduceu de Asclepius o deus da


medicina, bla, bla, bla. Mas enfim.) Eu era meio afeiçoado a George e Martha. Eu tinha a sensação de que Hermes também, mesmo ele estando constantemente argumentando com eles. "Eu cometi um erro estúpido," ele murmurou "Eu estava atrasado com uma entrega. Eu parei no Rockefeller Center e estava entregando uma caixa de capachos a Janus—" "Janus" eu disse. "O cara de duas faces, deus das portas." "Sim, sim. Ele trabalha lá. Rede de televisão." "O que você disse?" A última vez que encontrei Janus ele estava em um labirinto magico mortal, e a experiência não foi muito prazerosa. Hermes revirou os olhos. "Com certeza você o viu recentemente na rede de TV. É claro que eles não sabem se estão entrando ou saindo. É por isso que Janus é responsável pela programação. Ele adora encomendar novos programas e os cancelar depois de dois episódios. Deus dos inícios e dos fins, afinal. De qualquer forma, eu estava levando a ele alguns capachos mágicos, e eu estava ocupando uma vaga dupla—" "Você tem que se importar com a vaga dupla?" "Você vai me deixar contar a história?" "Desculpa." "Então eu deixei meu caduceu no painel do caminhão e saí correndo com a caixa. Depois eu percebi que precisava ter a assinatura de Janus para a entrega, então eu corri de volta para o caminhão—" "E o caduceu já havia desaparecido" Hermes assentiu. "Se aquele bruto feioso tiver machucado minhas cobras, eu juro pelo Estige-" "Calma aí. Você sabe quem pegou o caduceu?" Hermes bufou. "Mas é claro. Eu chequei as câmeras de segurança da área. Eu conversei com as ninfas do vento. O ladrão é claramente Cacus." "Cacus." Eu tenho anos de prática em parecer burro quando as pessoas soltam nomes gregos que eu não conheço. É uma habilidade minha. Annabeth continua me dizendo para ler um livro de mitos gregos, mas eu não vejo necessidade. É mais fácil apenas ter gente para explicar as coisas. "Grande e velho Cacus," eu disse. "Eu provavelmente deveria saber quem é..." "Oh, ele é um gigante," Hermes com desprezo. "Um gigante pequeno, não um dos


grandes." "Um gigante pequeno." "Sim. Talvez uns três metros de altura" "Minúsculo, então" eu concordei. "Ele é um ladrão bem conhecido. Roubou o gado de Apolo uma vez" "Eu pensei que você tivesse roubado o gado de Apolo." "Bem, sim. Mas eu fiz isso primeiro, e com muito mais estilo. Em alguns contos, Cacus está sempre roubando coisas dos deuses. Muito irritante. Ele costumava se esconder numa caverna em Capitoline Hill, onde Roma foi fundada. Nos dias de hoje, ele está em Manhattan. Em algum lugar do subsolo, tenho certeza." Eu respirei fundo. Eu vi onde isto estava indo. "Agora você está prestes a explicar para mim porque você, um deus superpoderoso, não pode apenas ir pegar seu caduceu de volta sozinho, e porque precisa que eu, um garoto de 16 anos, faça isso por você" Hermes inclinou a cabeça. "Percy, isso quase soa como sarcasmo. Você sabe muito bem que os deuses não podem sair por aí estourando cabeças e dilacerando cidades mortais procurando por seus objetos perdidos. Se fizéssemos isso, Nova York seria destruída toda vez que Afrodite perdesse sua escova de cabelos, e acredite em mim, isso acontece bastante. Nós precisamos de heróis para esse tipo de mandado." "Hum-hum. E se você sair por aí procurando seu caduceu por si só, seria um pouco vergonhoso." Hermes franziu os lábios. "Certo. Sim. Os outros deuses iriam certamente perceber. Eu, deus dos ladrões, fora roubado. E meu caduceu, nada menos, que meu símbolo de poder! Eu seria ridicularizado por séculos. A ideia é horrível demais. Eu preciso disso resolvido rapidamente e discretamente antes que eu me torne a chacota do Olimpo." "Então... você quer que nós encontremos este gigante, pegue de volta seu caduceu, e o devolva a você. Discretamente." Hermes sorriu. "Que ótima oferta! Obrigado. E eu preciso dele antes das cinco da tarde para que então eu possa finalizar minhas entregas. O caduceu serve como meu bloco de assinatura, meu GPS, meu telefone, minha permissão de estacionamento, meu iPod Shuffle—sério, eu não consigo fazer nada sem ele." "Ás cinco." Eu não tinha um relógio, mas eu tinha plena certeza de que já era pelo menos uma da tarde. "Você pode ser mais especifico sobre como Cacus é?"


Hermes deu de ombros. "Eu tenho certeza de que você pode imaginar. E só um aviso: Cacus sopra fogo." "Naturalmente," eu disse. "E seja cuidadoso com o caduceu. A ponta pode transformar uma pessoa em pedra. Eu tive que fazer isso uma vez com um fofoqueiro horrível chamado Battus... mas eu tenho certeza de que você será cuidadoso. E é claro que você irá manter isso como nosso pequeno segredo." Ele sorriu vitorioso. Eu estava imaginando que talvez ele estivesse apenas ameaçando me petrificar se eu contasse a alguém sobre o roubo. Eu engoli o gosto de serragem na minha boca. "É claro." "Você irá fazer isso, então?" Uma ideia me ocorreu. Sim—Eu tenho ideias ocasionalmente. "Que tal uma troca de favores?" Eu sugeri. "Eu ajudo você com sua situação embaraçosa; você me ajuda com a minha." Hermes levantou uma sobrancelha. "O que você tem em mente?" "Você é o deus das viagens, certo?" "Claro." Eu contei a ele o que eu queria como recompensa. — Eu estava em melhor espirito quando me juntei de volta a Annabeth. Eu combinei me encontrar com Hermes no Rockefeller Center antes das cinco, e seu caminhão de entrega desapareceu em um flash de luz. Annabeth esperou em nosso local de piquenique com seus braços dobrados com indignação. "Então?" ela exigiu. "Boas notícias." Eu disse a ele o que tínhamos que fazer. Ela não me deu um tapa, mas pareceu que ia. "Por que rastrear um gigante cuspidor de fogo é uma boa notícia? E por que eu iria querer ajudar Hermes?" "Ele não é tão mal," eu disse. "Além disso, duas cobras inocentes estão em apuros. George e Martha devem estar aterrorizados—" "Isto é uma brincadeira elaborada?" ela perguntou. "Diga me que você planejou tudo isso com Hermes, e que nós estamos atualmente indo a uma festa surpresa para


nosso aniversário." "Hã... Bem, não. Mas depois, eu prometo—" Annabeth levantou sua mão. "Você é uma gracinha e um doce, Percy. Mas por favor—nada de mais promessas. Vamos encontrar este gigante." Ela arrumou nossa manta em sua mochila e jogou fora a comida. Triste... afinal eu nem mesmo tinha provado alguma pizza. A única coisa que ela manteve com ela foi seu escudo. Como outros itens mágicos, o escudo foi criado para se transformar em um item menor para ser mais fácil carregar. O escudo adquiria o tamanho de um prato, que era como estávamos o usando. Ótimo para queijo e biscoitos. Annabeth jogou fora as migalhas e jogou o prato no ar. Que se expandiu em um giro. Quando atingiu a grama era um escudo de bronze tamanho grande, altamente polido refletindo o céu. O escudo veio a calhar durante nossa guerra contra os Titãs, mas eu não tinha certeza de como ele poderia nos ajudar agora. "Essa cosia só nos mostra imagens aéreas, certo?" eu perguntei. "Cacus supostamente está no subsolo." Annabeth deu de ombros. "Não custa nada tentar. Escudo, eu quero ver Cacus." Luz rompeu através da superfície de bronze. Ao invés de reflexo, nós estávamos olhando para uma paisagem de armazéns degradados e estradas em ruínas. Uma elevada torre de água enferrujada acima da deterioração urbana. Annabeth bufou. "Esse escudo estupido tem senso de humor." "O que você quer dizer?" eu perguntei. "Isto é Secaucus, Nova Jersey. Leia o letreiro na torre de água." Ela bateu os nós dos dedos na superfície de bronze. "Okay, muito engraçado, escudo. Agora quero ver—quer dizer, me mostre onde se encontra o gigante cuspidor de fogo Cacus." A Imagem mudou. Desta vez eu vi uma parte familiar de Manhattan: armazéns renovados, ruas de tijolos pavimentados, um hotel de vidro, e um trilho de trem elevado que havia sido transformado em um parque com arvores e flores silvestres. Eu me lembro de minha mãe e meu padrasto me levando lá há alguns anos quando abriu pela primeira vez.


"É o High Line Park," eu disse. "No Meatpacking District." "É," Annabeth concordou. "Mas onde está o gigante?" Ela franziu o cenho em concentração. O escudo deu zoom em uma intersecção bloqueada com barricadas laranja e sinais de desvio. O equipamento de construção ficou parado na sombra do High Line. Cinzelado na rua estava um grande buraco quadrado, isolado com uma fita policial amarela. Vapor subia do poço. Cocei a cabeça. "Por que a policia isolaria um buraco na rua?" "Eu me lembro disso," Annabeth disse. "Estava no noticiário ontem." "Eu não assisto ao noticiário." "Um funcionário da construção se machucou. Algum acidente bizarro muito abaixo da superfície. Eles estavam escavando um novo túnel de serviço, ou algo do tipo, e ocorreu um incêndio." "Um incêndio," eu disse. "Tal como, talvez um gigante cuspidor de fogo?" "Isso faria sentido," ela concordou. "Os mortais não entenderiam o que aconteceu. A névoa obscureceria o que eles realmente viram. Eles pensariam que o gigante seria—não sei—uma explosão de gás ou algo assim." "Então vamos pegar um táxi." Annabeth olhou melancolicamente para todo o Grande Gramado. "Primeiro dia ensolarado em semanas, e meu namorado quer me levar a uma caverna perigosa para lutar contra um gigante cuspidor de fogo." "Você é incrível," eu disse. "Eu sei," Annabeth disse. "É melhor você ter algo bom planejado para o jantar." — O táxi nos deixou na West 15th. As ruas estavam lotadas de um misto de camelôs, trabalhadores, compradores e turistas. Por que um lugar chamado Meatpacking District¹ era de repente um lugar excitante para passar o tempo, eu não sei. Mas isso é o legal de Nova York. Está sempre mudando. Aparentemente até os monstros querem ficar aqui.

¹ NT: Em português Distrito Frigorífico.


Nós fizemos nosso trajeto até o local de construção. Dois oficiais estavam na intersecção, mas eles não prestaram atenção em nós quando voltamos à calçada e depois dobramos de volta, nos escondendo atrás da barricada. O buraco na rua era do tamanho de uma porta de garagem. Andaimes estavam pendurados sobre ele com uma espécie de sistema de guincho, e degraus de escalada de metal tinham sido fixados na lateral do poço, levando para baixo. "Ideias?" eu perguntei a Annabeth. Eu imaginei que deveria perguntar. Sendo filha da deusa da sabedoria e da estratégia, Annabeth gostava de fazer planos. "Nós descemos," ela disse. "Nós encontramos o gigante. Nós pegamos o caduceu." "Uau," eu disse. "Inteligente e estratégico ao mesmo tempo" "Cala a boca." Subimos sobre a barricada, passamos por debaixo da fita policial, e rastejamos para o buraco. Eu mantive um olhar cauteloso na polícia, mas eles não estavam por perto. Se esgueirar em um poço perigoso e fumegante no meio de uma intersecção de Nova York se provou perturbadoramente fácil. Nós descemos. E descemos. Os degraus pareciam ir para baixo para sempre. O quadrado de luz do dia sobre nós ia ficando menor e menor até que se tornou do tamanho de um selo postal. Eu não conseguia mais ouvir o trafego da cidade, apenas o eco de água gotejando. A cada seis metros mais ou menos, uma luz fraca piscava próxima a escada, mas a descida continuava sendo sombria e arrepiante. Eu estava vagamente ciente de que o túnel estava se abrindo atrás de mim em um espaço muito maior, mas eu me mantive focado na escada, tentando não pisar nas mãos de Annabeth que estava descendo abaixo de mim. Eu não percebi que havíamos chegado ao fundo até que ouvi os pés de Annabeth fazerem splash. "Santo Hefesto," ela disse. "Percy, olhe." Me deixei cair próximo a ela em uma poça rasa de lama. Eu virei e descobri que estávamos numa caverna do tamanho de uma fábrica. Nosso túnel chegava a ela como uma chaminé estreita. A parede de rochas eriçada com cabos antigos, tubos e tubulações de alvenaria—talvez fundações de antigas construções. Tubos de água quebrados, possivelmente velhas tubulações de esgoto, mandavam uma garoa


constante de água pelas paredes, tornando o chão lamacento. Eu não queria saber o que tinha nessa água. Não havia muita luz, mas a caverna parecia um cruzamento de uma zona de construção e uma feira. Dispersos pela caverna haviam caixotes, caixas de ferramenta, paletas de madeira e pilhas de tubo de aço. Havia até mesmo uma escavadeira com metade atolada na lama. Ainda mais estranho: vários carros velhos que de alguma forma tinham sido trazidos da superfície, cada um cheio de malas e um monte de bolsas. Prateleiras de roupas que haviam sido descuidadamente jogadas por toda parte como se alguém tivesse feito uma limpa em uma loja de departamento. E o pior de tudo, pendurados em ganchos de carne em um cavalete de aço inoxidável, estava uma fila de carcaças de vaca—esfolada, esviscerada e pronta para o abate. Julgando pelo cheiro e pelas moscas, elas não eram muito frescas. Isso foi quase o bastante para me tornar vegetariano, exceto pelo desenvolto fato de que eu amo cheeseburgers. Nenhum sinal do gigante. Eu esperava que ele não estivesse em casa. Então Annabeth apontou para o fundo da caverna. "Talvez ali embaixo" Levando para a escuridão estava um túnel de seis metros de diâmetro, perfeitamente redondo, como se feito por uma cobra gigantesca. Opa... pensamento ruim. Eu não gostava da ideia de caminhar até o outro lado da caverna especialmente através da feira de maquinários pesados e carcaças de vaca. "Como todas essas coisas vieram parar aqui?" Eu senti a necessidade de sussurrar, mas minha voz ecoou de qualquer forma. Annabeth examinou a cena. Ela obviamente não gostou do que viu. "Eles provavelmente reduziram a escavadeira a pedaços e a montaram aqui embaixo" ela determinou. "Eu acho que é dessa forma que eles escavavam o sistema de metrô há um tempo atrás." "E as outras coisas?" eu perguntei. "Os carros e, hã, os produtos a base de carne?" Ela franziu as sobrancelhas. "Algumas destas coisas se parecem com mercadoria de vendedores de rua. Essas bolsas e casacos... o gigante deve tê-los trazido para cá por alguma razão." Ela gesticulou em direção a escavadeira. "Essa coisa parece já ter estado no meio de um combate." Quando meus olhos se ajustaram a escuridão, consegui ver o que ela dizia. A


esteira da máquina estava quebrada. O banco do motorista estava carbonizado como uma batata frita. Na frente do equipamento a lamina da pá estava danificada como se tivesse sido atingida por alguma coisa... ou perfurada. O silêncio era estranho. Olhando para o minúsculo ponto de claridade do dia sobre nós, tive vertigem. Como podia uma caverna desse tamanho existir abaixo de Manhattan sem que a cidade desmoronasse, ou o Rio Hudson inundasse tudo? Nós devíamos estar há dezenas de metros abaixo do nível do mar. O que realmente me perturbava era aquele túnel no lado mais distante da caverna. Eu não estou dizendo que eu posso sentir o cheiro de monstros da mesma forma que meu amigo Grover o sátiro consegue. Mas de repente eu entendi porque ele odiava estar no subsolo. Parecia opressivo e perigoso. Semideuses não pertencem a esse lugar. Algo estava à espera nesse túnel. Eu olhei para Annabeth, esperando que ela tivesse uma grande ideia—como sair correndo. Ao invés disso, ela começou a ir em direção a escavadeira. Nós tínhamos chegado apenas na metade da caverna quando um gemido ecoou vindo da parte distante do túnel. Nós nos abaixamos atrás da escavadeira enquanto o gigante aparecia vindo da escuridão, esticando seus braços maciços. "Café da manhã" ele rugiu. Eu podia vê-lo claramente agora, e eu desejava que não pudesse. Quão feio ele era? Vamos colocar dessa forma: Secaucus, Nova Jersey, era muito mais bonito que Cacus o gigante, e isso não é um elogio a ninguém. Como Hermes disse, o gigante tinha cerca de 3 metros de altura, o que fazia dele pequeno comparado a alguns outros gigantes que eu vi. Mas Cacus compensava isso sendo brilhante e vistoso. Ele tinha cabelo cacheado laranja, pele pálida, e sardas alaranjadas. Sua cara estava marcada permanentemente com um beicinho, nariz arrebitado, olhos arregalados, e sobrancelhas arqueadas, então ele parecia assustado e infeliz ao mesmo tempo. Ele usava um roupão de veludo vermelho com chinelos combinando. O roupão estava aberto, revelando um bermudão de seda estampado de Dia dos Namorados e um luxuoso peito com pelos de cor vermelha/rosa/laranja nunca antes encontrada na natureza. Annabeth fez um pequeno barulho engasgado "É o gigante ruivo" Infelizmente, o gigante tinha uma audição extremamente boa. Ele franziu a testa


e examinou a caverna, acabando em nosso esconderijo. "Quem está aí?" ele berrou. "Você—atrás da escavadeira." Annabeth e eu olhamos um para o outro. Ela pronunciou sem que saísse som, Oops. "Qual é?" o gigante disse "Eu não gosto de covardes! Mostre-se." Isto soou como uma terrível ideia. Então, novamente nós estávamos praticamente pegos. Talvez o gigante ouvisse a razão, a despeito do fato dele estar vestindo um bermudão de Dia dos Namorados. Eu peguei minha caneta esferográfica e a destampei. Minha espada de bronze Contracorrente ganhou vida. Annabeth puxou seu escudo e adaga. Nenhuma de nossas armas pareciam muito intimidadoras contra um cara desse tamanho, mas juntos fomos para campo aberto. O gigante sorriu. "Bem! São vocês, semideuses? Eu pedi café da manhã, e dois aparecem? Isto é bastante confortável." "Nós são somos café da manhã," Annabeth disse. "Não?" O gigante se esticou preguiçosamente. Filetes iguais de fumaça escaparam por suas narinas. "Imagino o gosto maravilhoso que vocês teriam com tortilhas, salsa, e ovos. Huevos semidiós. Só de pensar já fico com fome!" Ele caminhou pela fileira de carcaças de vaca lotada de moscas. Meu estômago revirou. Eu murmurei, "Ah, ele não vai realmente—" Cacus arrancou uma das carcaças de um gancho. Soprou fogo nela—uma torrente de chamas vermelhas que cozinhou a carne em segundos, mas que não pareceu machucar as mãos do gigante de qualquer forma. Uma vez que a vaca estava crocante e crepitante, Cacus deslocou sua mandíbula, abrindo sua boca num tamanho impossível, e tragou a carcaça em três mordidas compactas, ossos e tudo o mais. "É," Annabeth disse fracamente. "Ele realmente comeu." O gigante arrotou. Ele limpou suas mãos gordurosas em seu roupão e sorriu para nós. "Então, se vocês não são o café da manhã, devem ser clientes. O que posso lhes oferecer?" Ele soou relaxado e amigável, como se estivesse feliz em conversar conosco. Considerando isso e o roupão de veludo vermelho, ele quase não parecia perigoso. Exceto é claro por ele ter 3 metros de altura, soprar fogo, e comer vacas em três mordidas.


Eu dei um passo a frente. Me chame de cara à moda antiga, mas eu queria manter seu foco em mim e não em Annabeth. Eu acho que é educado para um cara proteger sua namorada de uma incineração instantânea. "Hã, é," eu disse. "Nós podemos ser clientes. O que você vende?" Cacus riu. "O que eu vendo? Tudo, semideus! A preço de custo, e você não consegue achar preços menores que esses!" Ele gesticulou mostrando toda a caverna. "Eu tenho bolsas com design, ternos italianos, hã... alguns equipamentos de construção, aparentemente, e se você estiver interessado por um Rolex..." Ele abriu seu roupão. Preso na parte interna estava um reluzente conjunto de relógios dourados e prateados. Annabeth estalou os dedos. "Falsos! Eu conheço eu vi essas coisas antes. Você pegou tudo isso dos vendedores de rua, não pegou? São imitações." O gigante pareceu ofendido. "Não são qualquer imitação, mocinha. Eu roubo apenas o melhor! Eu sou um filho de Hefesto. Eu reconheço falsificações de qualidade quando as vejo." Eu franzi o cenho. "Um filho de Hefesto? Então você não deveria estar fabricando coisas ao invés de estar as roubando?" Cacus bufou. "Dá trabalho demais! Ah, algumas vezes se eu encontro um item de alta qualidade eu faço minhas próprias cópias. Mas é mais fácil roubar as coisas. Eu comecei como ladrão de gado, sabe, de volta aos velhos tempos. Amo gado! É por isso que me estabeleci no Meatpacking District. Então eu descobri que eles tem mais do que carne aqui!" Ele sorriu como se isso fosse uma descoberta incrível. "Camelôs, Boutiques top de linha—essa cidade é incrível, melhor até que a antiga Roma! E os trabalhadores foram bastante gentis em fazer esta caverna para mim." "Antes de você os expulsar," Annabeth disse, "e quase matá-los." Cacus reprimiu um bocejo. "Vocês tem certeza de que não são café da manhã? Porque vocês estão começando a me aborrecer. Se vocês não querem comprar nada, Eu vou pegar a salsa e as tortilhas—" "Nós estamos procurando por algo especial," eu interrompi. "Algo original. E mágico. Mas eu acho que você não tem alguma coisa desse tipo." "Há!" Cacus bateu palmas. "Um cliente exigente. Se eu não tiver o que você precisa em estoque, eu posso roubar, por um preço justo, claro."


"O caduceu de Hermes." eu disse. O rosto do gigante ficou vermelho como seu cabelo. Seus olhos se estreitaram. "Compreendo. Eu deveria saber que Hermes mandaria alguém. Quem são vocês dois? Filhos do deus dos ladrões?" Annabeth levantou sua faca. "Ele me chamou de filha de Hermes? Eu vou esfaqueá-lo no—" "Eu sou Percy Jackson, filho de Poseidon," eu disse ao gigante. E coloquei meu braço ao redor de Annabeth. "Está é Annabeth Chase, filha de Atena. Nós ajudamos os deuses algumas vezes com pequenas coisas, como—ah, matar Titãs, salvar o Monte Olimpo, coisas como essa. Talvez você tenha ouvido as histórias. Então sobre o caduceu... seria mais fácil devolve-lo antes que as coisas fiquem desagradáveis." Eu o olhei nos olhos e esperei que minha ameaça funcionasse. Eu sei que isso parece ridículo, um garoto de 16 anos encarar um gigante cuspidor de fogo. Mas eu já tinha derrotado alguns monstros bastante perigosos antes. E mais, eu me banhei no Rio Estige, o que me faz ser imune a maioria dos ataques físicos. Isso merece algum crédito, certo? Talvez Cacus já tenha ouvido sobre mim. Talvez ele tremesse e choramingasse, Ah, Sr. Jackson. Eu sinto muito! Eu não imaginava! Ao invés disso ele jogou a cabeça para trás e riu. "Ah, entendi! Isso era para me assustar! Mas infelizmente, o único semideus que um dia me derrotou foi o próprio Hércules." Eu me virei para Annabeth e sacudi minha cabeça em exasperação. "Sempre Hércules. O que há com ele?" Annabeth deu de ombros. "Ele tinha um grande publicitário." O gigante continuou se vangloriando. "Por séculos, eu fui o terror da Itália! Eu roubei algumas vacas—mais que qualquer outro gigante. Mães costumavam assustar seus filhos com meu nome. Elas diziam, 'Comporte-se, criança, ou Cacus vem roubar suas vacas!'" "Horripilante," Annabeth disse. O gigante sorriu "Eu sei! Certo? Então podem desistir, semideuses. Vocês nunca pegarão o caduceu. Eu tenho planos com ele!" Ele levantou sua mão e o caduceu de Hermes apareceu em seu poder. Eu o vi várias vezes antes, mas continuava me dando arrepios na espinha. Itens divinos emanam poder. O caduceu era de madeira branca lisa com aproximadamente noventa


centímetros de comprimento, no topo havia uma esfera prata e asas de pombo, que tremulavam nervosamente. Entrelaçadas ao redor do caduceu estavam duas vivas, e muito agitadas serpentes. Percy! Uma voz réptil disse na minha mente. Graças aos deuses! Uma outra voz ofídica, profunda e mal humorada, disse, É, eu não sou alimentado há horas. "Martha, George," eu disse. "Vocês estão bem?" Melhor se tivesse alguma comida, George queixou-se. Tem alguns bons ratos aqui embaixo. Você pode pegar alguns? George, pare! Martha o censurou. Nós temos problemas maiores. Esse gigante quer ficar com a gente! Cacus olhou de um lado pro outro para mim e para as cobras. "Espere... Você consegue conversar com as cobras, Percy Jackson? Excelente! Diga a elas que é melhor começar a cooperar. Eu sou o seu novo mestre, e elas irão ser alimentadas quando começarem a cumprir ordens." Uma ova! Martha gritou. Diga a esse imbecil ruivo— "Calma aí," Annabeth interrompeu. "Cacus, as cobras nunca irão obedecer a você. Elas trabalham apenas para Hermes. Uma vez que você não pode usar o caduceu, ele não trará a você nenhum benefício. Apenas devolva-o e nós fingiremos que nada aconteceu." "Ótima ideia," eu disse. O gigante rosnou. "Ah, eu irei descobrir o poder do caduceu, garota. Eu irei fazer com que as cobras cooperem!" Cacus sacudiu o caduceu. George e Martha se contorceram e assobiaram, mas pareceram presos ao caduceu. Eu sabia que o caduceu poderia se transformar em todo tipo de coisa que pudesse ajudar—uma espada, um celular, um scanner de preço para uma fácil comparação de preços. E uma vez George mencionou algo perturbador sobre "modo laser." Eu realmente não queria que Cacus descobrisse esse aspecto. Finalmente o gigante rosnou em frustração. Ele jogou o caduceu contra a carcaça de vaca mais próxima que se transformou imediatamente em pedra. Uma onda de petrificação se espalhou de carcaça para carcaça até que o cavalete se tornou tão pesado que desmoronou. Meia dúzia de vacas de granito se quebraram em pedaços. "Agora sim, isto é interessante!" Cacus sorriu.


"Oh-oh." Annabeth deu um passo para trás. O gigante balançou o caduceu em nossa direção. "Sim! Em breve irei controlar esta coisa e ser tão poderoso quanto Hermes. Eu serei capaz de ir a qualquer lugar! Eu roubarei o que quiser, farei imitações de alta qualidade, e as venderei pelo mundo. Eu serei o senhor dos vendedores ambulantes!" "Isso" eu sei, "é realmente perverso." "Ha-ha!" Cacus levantou o caduceu em triunfo. "Eu tinha minhas dúvidas, mas agora estou convencido. Roubar este caduceu foi uma excelente ideia! Agora vamos ver como eu posso matar vocês com isso." "Espere!" Annabeth disse. "Você quis dizer que não foi sua ideia roubar o caduceu?" "Mate-os!" Cacus ordenou as sobras. Ele apontou o caduceu para nós, mas a extremidade prateada apenas expeliu tiras de papel. Annabeth apanhou um e o leu. "Você está tentando nos matar com cupons de desconto," ela anunciou. "'Oitenta e cinco por cento de desconto em aulas de piano.'" "Gah!" Cacus olhou para as cobras e soprou fogo em sinal de advertência sobre suas cabeças. "Obedeçam-me!" George e Martha se contorceram alarmados. Pare com isso! Martha choramingou. Nós temos sangue frio! George protestou. Fogo não é nada bom! "Ei, Cacus!" gritei, tentando tomar de volta sua atenção. "Responda a nossa pergunta. Quem te disse para roubar o caduceu?" O gigante zombou. "Semideus tolo. Quando você derrotou Cronos, pensou que tinha eliminado todos os inimigos dos deuses? Você só atrasou a queda do Olimpo por um pouco mais. Sem o caduceu, Hermes não será capaz de entregar mensagens. As linhas de comunicação Olimpiana serão interrompidas, e este é apenas o começo do caos que meus amigos planejaram." "Seus amigos?" Annabeth perguntou. Cacus dispensou a pergunta. "Não importa. Vocês não viverão o bastante, e eu estou nisso apenas por dinheiro. Com este caduceu, Eu ganharei milhões! Talvez até milhares! Agora fiquem quietos. Talvez eu consiga um bom preço por duas estátuas de semideuses." Eu não gostava de ameaças como essa. Eu tive o bastante há alguns anos quando


lutei com Medusa. Eu não estava ansioso para lutar com esse cara, mas eu também sabia que eu não podia deixar George e Martha a seu mercê. Além disso, o mundo tem vendedores ambulantes o bastante. Ninguém merecia atender a porta e encontrar um gigante cuspidor de fogo com um caduceu mágico e uma coleção de imitações de Rolexes. Eu olhei para Annabeth. "Hora de lutar?" Ela me deu um sorriso doce. "A coisa mais inteligente que você disse durante toda a manhã." — Você está provavelmente pensando: Espere, vocês atacaram sem um plano? Mas Annabeth e eu já estivemos juntos em brigas por anos. Nós sabemos as habilidades um do outro. Nós podemos antecipar os movimentos um do outro. Eu posso me sentir estranho e nervoso sendo seu namorado, mas brigar com ela? Era natural. Humm... isso soou errado. Ah, bem. Annabeth desviou para a esquerda do gigante. Eu o ataquei sobre a cabeça. Eu ainda estava fora do alcance da espada quando Cacus deslocou sua mandíbula e soprou fogo. Minha próxima descoberta surpreendente: hálito ardente é quente. Eu consegui saltar para um lado, mas eu podia sentir meus braços começando a ficar quentes e minhas roupas a inflamar. Eu rolei sobre a lama para apagar as chamas e derrubei um cabideiro de casacos femininos. O gigante rugiu. "Olha o que você fez! Estas eram genuínas falsificações Prada!" Annabeth usou sua distração para atacar. Ela investiu contra Cacus por trás e o esfaqueou na parte de trás do joelho—normalmente um bom ponto fraco em monstros. Ela saltou para longe de Cacus balançando o caduceu, ele a errou. A extremidade prata acertou a escavadeira a transformando em pedra num todo. "Eu vou matar você!" Cacus tropeçou, ichor dourado vazando de sua perna ferida. Ele soprou fogo em Annabeth, mas ela se esquivou do sopro. Eu avancei com Contracorrente e golpeei minha lamina contra a outra perna do gigante. Você pensou que fosse o suficiente, certo? Mas não. Cacus berrou de dor. Ele se virou com uma velocidade surpreendente, me


atingindo com a parte de trás da mão. Eu saí voando e colidi com uma pilha de vacas de pedra quebradas. Minha visão ficou borrada. Annabeth gritou, "Percy!" mas sua voz soou como se estivesse debaixo d'água. Mova-se! A voz de Martha disse em minha mente. Ele está prestes a atacar! Role para a esquerda! George disse, o que foi uma das sugestões mais úteis que ele fez. Eu rolei para a esquerda no momento em que o caduceu acertou a pilha de pedras onde eu estava deitado. Eu ouvi um CLANG! E o gigante gritou, "Gah!" Cambaleei de pé. Annabeth havia golpeado a parte de trás do gigante com seu escudo. Sendo um expert em ser expulso da escola, Eu havia sido chutado de várias academias militares onde eles ainda acreditavam que remar era bom para a alma. Eu tinha uma ideia razoável de como era ser acertado por uma superfície plana, e meu traseiro se firmou em solidariedade. Cacus cambaleou, mas antes que Annabeth pudesse discipliná-lo novamente, ele se virou e arrancou o escudo dela. Ele amassou o bronze celestial como papel e o jogou por cima do ombro. Tanto por um item mágico. "Basta!" Cacus dirigiu o caduceu a Annabeth. Eu ainda estava tonto. Minha espinha parecia ter sido tratada com uma noite no Palácio de Camas d'Água do Crosta, mas eu tropecei para a frente, determinado a ajudar Annabeth. Antes que eu pudesse chegar lá, o caduceu mudou de forma. Ele se transformou em um telefone celular e tocou ao som de "Macarena." George e Martha, agora do tamanho de minhocas, se enrolaram ao redor da tela. Boa, George disse. Nós dançamos essa no nosso casamento, Martha disse. Lembra, querido? "Cobras estúpidas!" Cacus sacolejou o celular violentamente. Ai! Martha disse. Ajudem-me! a voz de George soou estremecida. Deve-obedecer-roupão-vermelho! O telefone voltou a forma de caduceu. "Agora, comportem-se!" Cacus advertiu as cobras. "Ou eu irei transformar vocês dois em uma bolsa falsa Gucci!" Annabeth correu para o meu lado. Juntos nós recuamos até estarmos perto da escada.


"Nosso jogo de estratégia não está funcionando muito bem," ela notou. Ela estava respirando pesadamente. A manga esquerda da sua camiseta estava fumegando, mas por outro lado ela parecia bem. "Alguma sugestão?" Meus ouvidos zumbiam. A voz dela continuava soando como se ela estivesse debaixo d'água. Espere... debaixo d'água. Eu olhei para a parte de cima do túnel—todos esses tubos quebrados embutidos na rocha: canos de água, ductos de esgoto. Sendo filho do deus do mar, eu ás vezes consigo controlar a água. Eu pensei... "Eu não gosto de vocês!" Cacus gritou. Ele seguiu em nossa direção, fumaça saindo das suas narinas. "Está na hora de acabar com isso." "Espere aí," eu disse a Annabeth. Eu envolvi minha mão livre ao redor da sua cintura. Eu me concentrei em achar água sobre nós. Não foi difícil. Eu senti uma quantidade perigosa de pressão nos canos de água da cidade, e convoquei tudo aos tubos quebrados. Cacus se ergueu sobre nós, sua boca brilhando como uma fornalha. "Últimas palavras, semideus?" "Olhe para cima," eu disse a ele. Ele olhou. Nota mental: No caso do sistema de esgoto de Manhattan explodir, não permaneça embaixo dele. Toda a caverna retumbou no momento em que mil tubos de água explodiram por sobrecarga. Uma cachoeira não tão limpa acertou Cacus no rosto. Eu arranquei Annabeth pra fora do caminho, então saltei para trás para a extremidade da torrente, carregando Annabeth comigo. "O que você está—?" ela fez um barulho estrangulado. "Ahhh!" Eu nunca tinha tentado isso antes, mas eu quis me movimentar rio acima como um salmão, pulando de corrente em corrente enquanto a água jorrava para dentro da caverna. Se você já tentou subir em um escorregador de água, era mais ou menos como isso, exceto por estar em um angulo de noventa graus e sem escorregador—apenas água. Muito abaixo eu ouvi Cacus berrando a milhões, até mesmo milhares de galões de


água imunda acertando-o. Enquanto isso Annabeth alternadamente gritava, amordaçava, me batia, me chamava dos nomes mais carinhosos como "Idiota! Estúpido—imundo—imbecil—" e coroou tudo isso com "Vou matar você!" Finalmente nós disparamos para fora da terra em cima de um gêiser repugnante e pousamos com segurança em cima da calçada. Pedestres e policiais recuaram, gritando em alarme a nossa versão esgoto do Old Faithful. Freios guincharam e carros batiam nas traseiras um dos outros enquanto os motoristas paravam para assistir o caos. Eu desejei que estivesse seco—um truque útil—mas eu continuei cheirando muito mal. Annabeth tinha bolas de algodão velho presas em seu cabelo e uma embalagem de doces colada no seu rosto. "Isso," ela disse, "foi horrível!" "Pelo lado bom," eu disse, "nós estamos vivos." "Sem o caduceu!" Eu fiz uma careta. É... pequeno detalhe. Talvez o gigante se afogasse. Então ele se dissolveria e retornaria ao Tártaro da forma como monstros derrotados fazem, e nós poderíamos recolher o caduceu. Isso parecia razoável o bastante. O gêiser retrocedeu, seguido por um som horrendo de água drenando para baixo do túnel, como se alguém no Olimpo tivesse dado descarga no toalete divino. Então uma distante voz ofídica falou em minha mente. Amordace-me, disse George. Até mesmo para mim isso foi repugnante, e eu como ratos. Recebida! Martha alertou. Ah não! Eu achei que o gigante tinha resolvido— Uma explosão balançou a rua. Um feixe de luz azul disparou para fora do túnel, esculpindo uma vala ao lado de um edifício de escritórios de vidro, derretendo janelas e vaporizando concreto. O gigante subiu pelo poço, seu roupão de veludo fumegante, e seu rosto respingado de lama. Ele não parecia feliz. Em suas mãos, o caduceu agora se assemelhava a uma bazuca com cobras envolvendo o cano e um bocal azul brilhante. "Okay," Annabeth disse fracamente. “Hã, o que é isso?" "Isso," eu adivinhei, "deve ser o modo laser." —


Para todos vocês que moram no Meatpacking District, minhas desculpas. Por causa da fumaça, dos detritos, e do caos, vocês provavelmente o chamam de Packing District agora, uma vez que muitos de vocês tiveram que se mudar. Por outro lado, a real surpresa é que nós não provocamos mais danos. Annabeth e eu fugimos no momento em que um outro raio laser cinzelou um buraco na rua a nossa esquerda. Pedaços de asfalto choveram como confetes. Atrás de nós, Cacus berrou, "Vocês arruinaram meus Rolexes falsificados! Ele não são a prova de água, sabe! Por isso, vocês vão morrer!" Nós continuamos correndo. Minha esperança era levar o monstro para longe dos mortais inocentes, mas isso é um pouco difícil de se fazer no meio de Nova York. Trafego entupia as ruas. Pedestres gritavam e corriam em todas as direções. Os dois oficiais que eu tinha visto antes não estavam a vista, talvez tivessem sido arrastados pela multidão. "O parque!" Annabeth apontou para os trilhos elevados do High Line. "Se nós pudéssemos tirá-lo do nível da rua—" BOOM! O laser cortou completamente um caminhão de comida próximo. O vendedor mergulhou para fora pela sua janela de serviço com um punhado de churrasquinhos. Annabeth e eu corremos para as escadas do parque. Sirenes soavam a distância, mas eu não queria mais policias envolvidos. A aplicação das leis mortais iria apenas fazer as coisas ficarem mais complicadas, e por meio da Névoa, a policia podia até mesmo pensar que Annabeth e eu éramos o problema. Nunca se sabe. Nós subimos para o parque. Eu tentei me orientar. Sob circunstancias diferentes, eu teria aproveitado a vista do reluzente Rio Hudson e os telhados da vizinhança ao redor. O clima estava bom. Os canteiros de flores do parque irrompiam cor. O High Line estava vazio, ainda que—talvez por ser um dia útil, ou talvez pelos visitantes serem espertos e terem fugido quando ouviram as explosões. Em algum lugar atrás de nós, Cacus estava rugindo, xingando, e oferecendo a mortais em pânico grandes descontos em Rolexes levemente umidecidos. Eu percebi que tínhamos apenas alguns segundos antes que ele nos encontrasse. Eu examinei o parque, esperando achar alguma coisa que pudesse ajudar. Tudo que eu vi foram bancos, passarelas, e um monte de plantas. Eu desejei que tivéssemos


um filho de Demeter conosco. Talvez eles pudessem enredar o gigante em videiras, ou transformar flores em estrelas ninja. Eu nunca vi um filho de Demeter fazer isso, mas seria legal. Eu olhei para Annabeth. "Sua vez de ter uma ideia brilhante." "Estou trabalhando nisso." Ela era linda em combate. Eu sei isso é algo louco de se dizer, especialmente depois de termos subido uma cachoeira de esgoto, mas seus olhos cinza brilhavam quando ela estava lutando por sua vida. Seu rosto resplandecia como o de uma deusa, e acredite em, eu já vi deusas. A forma como suas contas do Acampamento Meio Sangue repousavam contra sua garganta—Okay, desculpe. Me distraí um pouco. Ela apontou. "Lá!" Uns trinta metros a frente, a velha ferrovia se dividia e a plataforma elevada formava um Y. O pedaço menor do Y era um beco sem saída—parte do parque ainda estava em construção. Pilhas de saco de terra para vasos e vasinhos de planta assentavam-se no cascalho. Sobressaindo sobre a borda da grade estava o braço de um guindaste que deve ter sido assentado ao nível do solo. Muito acima de nós, uma garra de metal pendia do braço do guindaste—provavelmente o que eles estavam usando para içar as fontes do jardim. De repente eu entendi o que Annabeth estava planejando, e eu senti como se eu estivesse tentando engolir uma moeda. "Não," eu disse. "Perigoso demais." Annabeth levantou a sobrancelha. "Percy, você sabe que eu arraso em jogos de grabber arm." Isso era verdade. Eu a levei a arcada em Coney Island, e nós voltamos com um saco cheio de animais de pelúcia. Mas esse guindaste era enorme. "Não se preocupe" ela disse. "Eu supervisiono equipamentos maiores no Monte Olimpo." Minha namorada: estudante de honra do segundo ano, semideusa, e—ah, sim—arquiteta chefe do reprojetamento do palácio dos deuses no Monte Olimpo em seu tempo livre. "Mas você consegue operá-lo?" eu perguntei. "Moleza. Apenas o atraia até lá. Mantenha-o ocupado enquanto eu o agarro." "E depois o que?" Ela sorriu de um jeito que me fez ficar feliz por não ser o gigante .


"Você verá. Se você puder pegar o caduceu enquanto ele estiver distraído, seria ótimo." "Mais alguma coisa?" eu perguntei. "Você gostaria de batatas fritas e uma bebida, talvez?" "Cala a boca, Percy." "MORTE!" Cacus rugiu acima dos degraus até o High Line. Ele nos viu e se arrastou lentamente com uma determinação sombria. Annabeth correu. Ela chegou ao guindaste e saltou para o lado dos trilhos, refulgindo o braço de metal como se fosse um galho de árvore. Ela desapareceu do ponto de vista. Eu levantei minha espada e encarei o gigante. Seu roupão vermelho de veludo estava em farrapos. Ele havia perdido seus chinelos. Seu cabelo ruivo estava colado a sua cabeça como uma touca de banho gordurosa. Ele apontou sua bazuca reluzente. "George, Martha," eu chamei, esperando que me ouvissem. "Por favor, saiam do modo laser." Nós estamos tentando, querido! Martha disse. Meu estomago dói, George disse. Eu acho que ele machucou minha barriga. Eu recuei lentamente abaixo das faixas de sem saída, avançando em direção ao guindaste. Cacus me seguiu. Agora que ele tinha me prendido, não parecia ter pressa em me matar. Ele parou há seis metros de distância, um pouco além da sombra do gancho do guindaste. Eu tentei parecer encurralado e apavorado. Não foi difícil. "Então," Cacus rosnou. "Últimas palavras?" "Socorro," eu disse "Caramba. Au. Que tal essas? Ah, e Hermes é um vendedor ambulante bem melhor que você." "Gah!" Cacus baixou o laser do caduceu. O guindaste não se moveu. Mesmo se Annabeth já tivesse começado, eu tentava imaginar como ela conseguiria ver o alvo lá de baixo. Eu provavelmente deveria ter pensado nisso antes. Cacus puxou o gatilho, e de repente o caduceu mudou de forma. O gigante tentou me zapear com uma máquina de cartão de crédito, mas a única coisa que saiu foi um recibo de papel. Ah, sim! George gritou em minha mente. Um ponto para as cobras! "Caduceu estúpido!" Cacus jogou o caduceu no chão com desgosto, que era a


chance pela qual eu estava esperando. Eu me lancei para frente, agarrei o caduceu, e rolei por baixo das pernas do gigante. Quando eu fiquei de pé, nós tínhamos trocado as posições. Cacus estava de costas para o guindaste. O braço estava exatamente atrás dele, a garra perfeitamente posicionada acima de sua cabeça. Infelizmente, o guindaste continuava sem se mexer. E Cacus continuava querendo me matar. "Você extinguiu meu fogo com aquele maldito esgoto," ele grunhiu. "Agora roubou meu caduceu." "Que você erradamente roubou," eu disse. "Isso não importa." Cacus estalou suas juntas. "Você não pode usar o caduceu também. Eu vou simplesmente matar você com minhas próprias mãos." O guindaste se deslocou, devagar e quase silenciosamente. Eu percebi que ali haviam espelhos fixados ao longo da lateral do braço - como um retrovisor para guiar o operador. E refletido em dos espelhos estavam os olhos cinza de Annabeth. A garra se abriu e começou a descer. Eu sorri para o gigante. "Atualmente, Cacus, eu tenho outra arma secreta." Os olhos do gigante iluminaram-se com ganância. "Outra arma? Eu irei roubá-la! Eu irei fazer cópias e vender as imitações com lucro! O que é esta arma secreta?" "Seu nome é Annabeth," eu disse. "E ela é um amor de pessoa." O gancho desceu, acertando Cacus na cabeça derrubando-o no chão. Enquanto o gigante estava tonto, a garra se fechou ao redor do seu peito e levantando-o no ar. "O q—o que é isso?" O gigante retomou os sentidos a seis metros de altura. "Me ponha no chão!" Ele se contorceu inutilmente e tentou soprar fogo, mas apenas conseguiu tossir um pouco de lama. Annabeth balançava o braço do guindaste de um lado para o outro, com um ímpeto construtivo enquanto o gigante xingava e lutava. Eu estava com medo de que o guindaste tombasse, mas o controle de Annabeth era perfeito. Ela balançou o braço pela última vez e abriu a garra quando o gigante estava no topo do seu arco. "Aahhhhhhhhh!" O gigante passou por cima dos telhados direto sobre o Chelsea Piers, e começou a cair em direção ao Rio Hudson. "George, Martha," eu disse. "Vocês acham que podem assumir o modo laser


apenas mais uma vez para mim?" Com prazer, George disse. O caduceu se transformou em uma estranha bazuca de alta tecnologia. Eu mirei no gigante que caia e gritei, "Atirar!" O caduceu explodiu seu raio de luz azul, e o gigante se desintegrou numa bonita explosão estelar. Isso, George disse, foi excelente. Posso ter um rato agora? Eu tenho que concordar com George, Martha disse. Um rato agora seria encantador. "Vocês merecem," eu disse. "Mas primeiro é melhor checar Annabeth." Ela me encontrou nas escadas do parque, sorrindo como louca. "Isso não foi incrível?" ela perguntou. "Isso foi incrível," eu concordei. É difícil se sujeitar a um beijo romântico quando vocês dois estão encharcados de lama, mas nós fizemos nossa melhor tentativa. Quando finalmente parei para respirar, eu disse, "Ratos." "Ratos?" ela perguntou. "Para as cobras," eu disse. "E depois—" "Ai, deuses." ela puxou seu telefone e checou as horas. "Já são quase cinco. Nós precisamos devolver o caduceu a Hermes!” — As ruas estavam entupidas de veículos de emergência e pequenos acidentes, então nós pegamos o metrô de volta. Além disso, o metrô tinha ratos. Sem entrar nos detalhes horripilantes, eu posso lhe dizer que George e Martha ajudaram com o problema de vermes. Enquanto seguíamos para o norte, eles se enroscaram em volta do caduceu e cochilaram contentes de barriga cheia. Nós encontramos Hermes na estátua de Atlas no Rockefeller Center. (A estátua, aliás, não se parece em nada com o Atlas de verdade, mas essa é outra história.) "Graças as Parcas!" Hermes gritou. "Eu estava praticamente desistindo!" Ele pegou o caduceu e afagou as cabeças de suas cobras adormecidas. "Aí, aí, meus amigos. Vocês estão em casa agora." Zzzzz, disse Martha.


Delícia, George murmurou em seu sono. Hermes suspirou de alívio. "Obrigado, Percy," Annabeth limpou a garganta. "Ah, sim," o deus adicionou, "e você, também, garota. Eu só tenho tempo para finalizar minhas entregas! Mas o que aconteceu com Cacus?" Nós contamos a história a ele. Quando eu relatei o que Cacus disse sobre alguém o dando a ideia de roubar o caduceu, e sobre os deuses terem outros inimigos, o rosto de Hermes se enevoou. "Cacus queria cortar as linhas de comunicação dos deuses, não é?" Hermes ponderou. "Isso é irônico, considerando que Zeus tem ameaçado..." Sua voz sumiu. "O que?" Annabeth perguntou. "Zeus tem ameaçado o que?" "Nada," Hermes disse. Era obviamente uma mentira, mas eu aprendi que era melhor não confrontar os deuses quando eles mentem na sua cara. Eles tendem a te transformar em pequenos mamíferos felpudos ou vasos de plantas. "Okay..." eu disse. "Alguma ideia do que Cacus quis dizer com outros inimigos, ou quem queria que ele roubasse seu caduceu?" Hermes se inquietou. "Ah, podem ser vários inimigos. Nós deuses temos muitos." "Difícil de acreditar" Annabeth disse. Hermes assentiu. Aparentemente ele não tinha pegado o sarcasmo, ou tinha outras coisas em mente. Eu tinha a sensação de que os avisos do gigante viriam nos assombrar cedo ou tarde, mas Hermes obviamente não iria nos esclarecer agora. O deus conseguiu dar um sorriso. "De qualquer maneira, bom trabalho, vocês dois! Agora eu preciso ir. Tantas paradas—" "Há a pequena questão da minha recompensa," eu o lembrei. Annabeth franziu o cenho. "Que recompensa?" "É nosso aniversário de um mês," eu disse. "Com certeza você não esqueceu." Ela abriu a boca mas a fechou novamente. Eu não a deixava sem palavras com muito frequência. Eu tinha que aproveitar esses raros momentos. "Ah, sim, sua recompensa." Hermes nos olhou de cima a baixo. "Eu acho que devemos começar com roupas novas. O esgoto de Manhattam não é um visual que você pode usar por aí. Então o resto deve ser fácil. Deus das viagens, a seu serviço."


"Sobre o que ele está falando?" Annabeth perguntou. "Uma surpresa especial para o jantar" eu disse. "Eu prometi." Hermes esfregou as mãos. "Digam adeus, George e Martha." Adeus, George e Martha, disse George sonolento. Zzz, disse Martha. "Eu não devo te ver por um bom tempo, Percy" Hermes alertou. 'Mas... bem, aproveite a noite." Ele fez isso soar tão ameaçador, eu pensei de novo no que ele não estava me contando. Então ele estalou os dedos, e o mundo se dissolveu ao nosso redor. — Nossa mesa estava pronta. O mâitre nos acomodou no terraço com vista para as luzes de Paris e barcos no Rio Seine. A Torre Eiffel reluzia a distância. Eu estava vestindo um terno. Eu esperava que alguém tirasse uma foto, porque eu não uso ternos. Gratamente, Hermes tinha arrumado isso de forma mágica. Caso contrário, eu não teria conseguido dar um nó na gravata. Auspiciosamente eu parecia bem, porque Annabeth estava esplêndida. Ela usava um vestido sem mangas verde escuro que exibia seu longo cabelo loiro e sua figura atlética magra. Seu cordão do acampamento havia sido substituído por um colar de pérolas cinza que combinavam com seus olhos. O garçom trouxe pães frescos e queijo, uma garrafa de água gaseificada para Annabeth, e uma Coca com gelo para mim (porque eu sou um bárbaro). Nós jantamos um monte de coisas que eu nem mesmo sei pronunciar o nome—mas todas elas estavam ótimas. Haviam se passado quase meia hora até que Annabeth tivesse superado o choque e falado. "Isso é... inacreditável." "Apenas o melhor para você," eu disse. "E você pensou que eu tivesse esquecido." "Você esqueceu, Cabeça de Alga." Mas seu sorriso me disse que ela não estava brava. "Você se safou bem, contudo. Eu estou impressionada." "Eu tenho meus momentos" "Você certamente tem." Ela se esticou por cima da mesa e pegou minha mão. Sua expressão se tornou séria. "Alguma ideia do por que Hermes pareceu tão nervoso? Eu


tenho o pressentimento de que algo ruim está acontecendo no Olimpo." Eu balancei a cabeça. Eu não devo te ver por um bom tempo, o deus tinha dito, quase como se estivesse me alertando sobre que estava por vir. "Vamos apenas aproveitar essa noite," eu disse. "Hermes irá nos teletransportar de volta a meia noite." "Tempo de caminharmos ao longo do rio," Annabeth sugeriu. "E Percy... sinta-se livre para começar a planejar nosso aniversário de dois meses." "Ai, deuses." Eu me senti apavorado com o pensamento, mas também me senti bem. Eu havia sobrevivido um mês como namorado de Annabeth, então eu acho que eu não tinha estragado tanto as coisas. De fato, eu nunca tinha me sentido tão feliz. Se ela via um futuro para nós—se ela estava até mesmo planejando um segundo mês comigo, então isso era o suficiente para mim. "Que tal irmos para essa caminhada?" Eu puxei o cartão de crédito que Hermes tinha enfiado em meu bolso—um metal preto Olimpo Express—e o coloquei sobre a mesa. "Eu quero explorar Paris com uma garota linda."


ENTREVISTA COM GEORGE E MARTHA, COBRAS DE HERMES É uma grande honra falar com vocês. Vocês são bastante famosos, vocês sabem. GEORGE: Isso é certo, amigão. Nós somos VIS—very important snakes¹. Sem nós, o caduceu de Hermes seria nada mais que um galho sem graça. MARTHA: Shhhh... ele pode ouvir você. Hermes, se você estiver escutando, nós o achamos maravilhoso. GEORGE: Sim, é um prazer para nós que você nos carregue, Hermes. Por favor, não pare de nos alimentar.

Como é trabalhar para Hermes? MARTHA: Nós trabalhamos com Hermes, querido. Não para. GEORGE: Sim, só porque ele nos carrega e nos faz parte de seu caduceu não significa que ele é nosso dono. Nós somos sua constante companhia e ele ficaria entediado sem nós. E ele parece bastante tolo sem o seu caduceu, agora, não parece?

Qual é a melhor parte do trabalho de vocês? MARTHA: Eu gosto de conversar com jovens semideuses. Tão amáveis, aquelas crianças. É triste ver quando elas se tornam más, embora... GEORGE: O negócio de Cronos era uma confusão, mas não vamos falar de coisas tristes. Vamos falar sobre as coisas divertidas, como lasers e viajar pelo mundo com Hermes.

¹ NT: Um trocadilho com VIP - very important peoples (pessoas muito importantes). Nesse caso “cobras muito importantes”


Sim, o que vocês fazem enquanto Hermes está fora entregando encomendas, atuando como patrono dos viajantes e ladrões, e sendo o mensageiro dos deuses? GEORGE: Bem, não é como se fossemos inúteis, sabe. Você pensa que nós ficamos vagabundeando e tomando sol no caduceu o dia todo? MARTHA: George, calma, você está sendo grosseiro. GEORGE: Mas ele precisa saber que somos indispensáveis. MARTHA: O que George quer dizer é que nós fazemos muito por Hermes. Primeiro de tudo, nós proporcionamos suporte moral a Hermes, e eu gosto de pensar que nossa presença tranquilizante ajuda jovens semideuses quando Hermes está entregando notícias não muito boas. GEORGE: Nós fazemos coisas mais legais que isso. Hermes pode usar o caduceu como um aguilhão, um laser, até mesmo um telefone celular, e quando ele usa, o que vos fala é a antena. MARTHA: E quando ele entrega encomendas e os clientes precisam assinar seus recibos, Eu— GEORGE: Ela é a caneta, eu sou o bloco de notas. MARTHA: George, não interrompa. GEORGE: Tudo que estou dizendo é que Hermes não pode fazer seu trabalho sem nós!

Telefone, bloco de notas, caneta—parece que vocês usam um grande número de chapéus. GEORGE: Vocês disse ratos²? MARTHA: Não, não, ele disse chapéus. Porque nós fazemos um grande número de coisas diferentes, nós usamos um monte de chapéus diferentes. GEORGE: Ratos são deliciosos. MARTHA: Não ratos, CHAPÉUS— GEORGE: Toda essa conversa sobre ratos me deixou com fome. Vamos fazer um lanche.

² NT: George confundiu “hats” (chapéus) com “rats” (ratos).



LEO VALDEZ EA BUSCA POR BUFORD


Leo culpou o Windex¹. Ele deveria ter desconfiado. Agora todo o seu projeto—dois meses de trabalho—podia literalmente explodir na sua cara. Ele esbravejou pela Carvoaria 9, amaldiçoando a si mesmo por ser tão estúpido, enquanto seus amigos tentavam acalmá-lo. "Tudo bem," Jason disse. "Nós estamos aqui para ajudar." "Apenas nos conte o que aconteceu," Piper pediu. Felizmente eles atenderam a seu pedido de socorro de forma rápida. Leo não conseguiria ligar para qualquer outra pessoa. Ter seus melhores amigos ao seu lado o fazia se sentir melhor, embora ele não tivesse certeza de que eles fossem capazes de deter o desastre. Jason parecia calmo e confiante como todo surfista bonitão com seu cabelo loiro e olhos azuis cor do céu. A cicatriz em sua boca e a espada ao seu lado davam a ele uma aparência durona, como se ele fosse capaz de lidar com qualquer coisa. Piper estava ao seu lado em seus jeans e camiseta laranja do acampamento.

¹ NT: produto de limpeza usado para limpar vidros.


Seu longo cabelo castanho estava trançado em um lado. Sua adaga Katoptris brilhava em seu cinto. Apesar da situação, seus olhos multicoloridos brilhavam como se ela estivesse tentando conter um sorriso. Agora que Jason e ela estavam oficialmente juntos, Piper adquiria essa aparência frequentemente. Leo respirou fundo. "Okay, galera. Isso é sério. Buford foi embora. Se nós não o trouxermos de volta, todo esse lugar irá explodir." Os olhos de Piper perderam um pouco daquele brilho sorridente. "Explodir? Hã... okay. Acalme-se e nos fale quem é Buford." Ela provavelmente não tinha feito de propósito, mas Piper tinha esse poder dos filhos de Afrodite chamado persuasão que fazia da sua voz algo difícil de ignorar. Leo sentiu seus músculos relaxando. Sua mente clareou um pouco. "Tudo bem," ele disse. "Venha aqui." Ele os levou através do galpão, cuidadosamente contornando alguns dos seus projetos mais perigosos. Em seus dois meses no Acampamento Meio-Sangue, Leo tinha gastado a maior parte do seu tempo na Carvoaria 9. Afinal, ele tinha redescoberto a oficina secreta. Agora o lugar era como uma segunda casa para ele. Mas ele sabia que seus amigos ainda se sentiam desconfortáveis ali. Ele não os culpava. Construído do lado de um penhasco de calcário no meio da floresta, a carvoaria era parte depósito de armas, parte oficina mecânica, e parte esconderijo subterrâneo, um pouco como a Área 51—loucura em boa medida. Fileiras de bancadas se estendiam na escuridão. Armários de ferramentas, armários de armazenamento, caixas cheias de equipamento de solda, e pilhas de material de construção formavam um labirinto de corredores tão vasto que Leo imaginava ter explorado apenas dez por cento de tudo se muito. No alto havia uma série de passarelas e tubos pneumáticos para a entrega de suprimentos, mais uma iluminação de alta tecnologia e um sistema de som que Leo tinha acabado de arranjar. Um grande banner mágico pendia sobre o centro do andar de produção. Leo tinha recentemente descoberto como mudar o display, como o Jumbotron da Times Square, então agora o banner dizia: Feliz Natal! Todos os seus presentes pertencem ao Leo! Ele conduziu seus amigos para a área central de testes. Décadas atrás, o amigo metálico de Leo, Festus o dragão de bronze tinha sido criado aqui. Agora, Leo estava montando lentamente seu orgulho e alegria—o Argo II.


No momento, ele não se parecia muito com isso. A quilha estava definida—uma extensão de bronze celestial curvada como o arco de um arqueiro, sessenta metros da proa à popa. As tábuas do casco já tinham sido colocadas no lugar, formando uma bacia rasa, mantidas juntas com a ajuda de andaimes. Mastros estavam de um lado, prontos para ser posicionados. A figura de proa era um dragão de bronze—a cabeça de Festus antigamente—estava próxima, cuidadosamente embrulhada com veludo, esperando ser instalada neste local de honra. Leo gastava a maior parte de seu tempo no meio do navio, na base do casco, onde ele estava construindo o motor que iria fazer o navio de guerra funcionar. Ele subiu no andaime e pulou para dentro do casco. Jason e Piper o seguiram. "Estão vendo?" Leo disse. Fixado a quilha, o motor parecia um trepa-trepa de alta tecnologia feito de tubos, pistões, engrenagens de bronze, discos mágicos, saídas de vapor, fios elétricos, e um milhão de outras coisas mágicas e peças mecânicas. Leo deslizou para dentro e apontou para a câmara de combustão. Era algo lindo, uma esfera de bronze do tamanho de uma bola de basquete, sua superfície eriçada com cilindros de vidro de tal forma que parecia uma explosão estelar mecânica. Fios de ouro vinham do fim dos cilindros, conectando-se a várias partes do motor. Cada cilindro estava cheio com uma diferente substância mágica altamente perigosa. A esfera central tinha um relógio digital onde lia-se 66:21. O painel de manutenção estava aberto. Dentro, o núcleo estava vazio. "Eis o problema," Leo anunciou. Jason coçou a cabeça. "Hã... o que é isso que estamos vendo?" Leo pensou que isso era bastante óbvio, mas Piper parecia confusa também. "Okay," Leo suspirou. "vocês querem a explicação completa ou a explicação curta?" "Curta," Piper e Jason disseram num uníssono. Leo gesticulou para o núcleo vazio. "O sincopador vai aqui. É uma válvula giroscópio reguladora de fluxo de multiacesso. A dúzia de tubos de vidro do lado externo? Eles estão cheios de material poderoso e perigoso. Esse vermelho brilhante é fogo de Lemnos das forjas do meu pai. Essa substância escura aqui? É água do Rio Estige. O material dos tubos irá alimentar o navio, certo? Como as hastes radioativas de


um reator nuclear. Mas a mistura tem de ser controlada, e o temporizador já está em funcionamento." Leo tocou o relógio digital, que agora mostrava 65:15. "Isso significa que sem o sincopador, todo esse material irá descarregar para dentro da câmara ao mesmo tempo, dentro se sessenta e cinco minutos. Neste estágio, nós iremos ter uma reação bastante desagradável." Jason e Piper olharam para ele. Leo se perguntou se ele tinha falado em inglês. Às vezes quando ele estava agitado ele passava para o espanhol, como sua mãe costumava fazer em sua oficina. Mas ele tinha plena certeza que ele tinha falado inglês. "Hã..." Piper limpou a garganta. "Você pode fazer a explicação curta ficar mais curta ainda?" Leo bateu a palma da sua mão na testa. "Tudo bem. Uma hora. Mistura de fluídos. Carvoaria vai cabum. Uma milha quadrada de floresta virará uma cratera fumegante." "Ah," Piper disse com uma voz fraca. "Você não pode simplesmente... desligar?" "Caramba, eu não tinha pensado nisso!" Leo disse. "Deixe-me apenas apertar esse botão e—Não, Piper. Eu não posso desligar. Essa é uma parte complicada do maquinário. Tudo tem que ser montado numa certa ordem num certo período de tempo. Uma vez que a câmara de combustão é manipulada, dessa forma aqui, você não pode simplesmente deixar todos esses tubos parados. O motor tem que ser posto em movimento. O relógio de contagem regressiva se inicia automaticamente, e eu tenho que instalar o sincopador antes que o combustível se torne perigoso. O que seria tranquilo exceto por... Bem, eu perdi o sincopador." Jason cruzou os braços. "Você o perdeu. Você não tem um extra? Você não consegue tirar um do seu cinto de ferramentas?" Leo sacudiu a cabeça. Seu cinto mágico podia produzir um grande número de ótimos produtos. Qualquer tipo de ferramenta comum—martelos, chaves de fenda, alicates, o que seja—Leo podia tirar qualquer coisa de seus bolsos bastando apenas pensar nelas. Mas o cinto não conseguia fabricar dispositivos complicados ou itens mágicos. "O sincopador levou uma semana pra ser feito," ele disse. "E sim, eu fiz um sobressalente. Eu sempre faço. Mas esse eu perdi também. Ambos estão nas gavetas de Buford."


"Quem é Buford?" Piper perguntou. "E por que você está guardando sincopadores nas cuecas² dele?" Leo revirou os olhos. "Buford é uma mesa." "Uma mesa," Jason repetiu. "Chamada Buford." "Sim, uma mesa." Leo se perguntou se seus amigos estavam perdendo a audição. "Uma mesa mágica que anda. Tem mais ou menos um metro de altura, topo de mogno, base de bronze e três pernas que podem se deslocar. Eu o encontrei em um dos armários de suprimentos e o coloquei em condições de funcionamento. Ele é exatamente como as mesas que meu pai tem em sua oficina. Um ajudante incrível; carrega todas as minhas peças de máquina que são importantes." "Então o que aconteceu com ele?" Piper perguntou. Leo sentiu um caroço em sua garganta. A culpa era quase insuportável. "Eu—eu fui negligente. Eu o lustrei com Windex, e... ele fugiu." Jason parecia que estava tentando resolver uma equação. "Deixa eu entender isso direito. Sua mesa fugiu... porque você a lustrou com Windex." "Eu sei, eu sou um idiota!" Leo lamentou. "Um idiota brilhante, mas ainda um idiota. Buford odeia ser lustrado com Windex. Tinha que ser Lemon Pledge³ com fórmula extra-hidratante. Eu estava distraído. Eu pensei que talvez uma vezinha só ele não notaria. Então eu dei as costas por um instante para instalar os tubos de combustão, e quando procurei por Buford..." Leo apontou para as portas gigantes abertas da carvoaria. "Ele já tinha ido embora. Uma pequena trilha de óleo e parafusos levava até o lado de fora. Ele pode estar em qualquer lugar há essa hora, e ele está com os dois sincopadores!" Piper olhou para o relógio digital. "Então... nós temos exatamente uma hora para achar a sua mesa fugitiva, recuperar seu sinco-qualquercoisa, e instalá-lo nesse motor, ou o Argo II explode, destruindo a Carvoaria 9 e uma grande parte da floresta." "Basicamente é isso," Leo disse. Jason franziu a testa. "Nós temos que alertar os outros campistas. Nós poderemos ter que evacuá-los." "Não!" A voz de Leo rompeu. "Olha, a explosão não destruirá o acampamento

² NT: “drawers” significa tanto “gavetas” quanto “cuecas”. ³ NT: outro produto de limpeza.


inteiro. Apenas a floresta. Eu tenho certeza. Tipo sessenta e cinco por cento de certeza." "Bem, isso é um alívio," Piper murmurou. "Por outro lado," Leo disse, "nós não temos tempo, e eu—eu não posso contar aos outros. Se eles descobrem o tamanho da trapalhada que cometi..." Jason e Piper olharam um para o outro. O display do relógio mudou para 59:00. "Ótimo," Jason disse. "Mas é melhor nos apressarmos." — À medida que eles caminhavam pela floresta o sol ia se pondo. O clima do acampamento era controlado magicamente, então não estava muito frio e nevando como no resto de Long Island, mas ainda sim Leo podia dizer que era final de Dezembro. Nas sombras dos enormes carvalhos, o ar estava frio e úmido. O chão coberto de musgo era esmagado por seus pés. Leo estava tentando a invocar fogo em sua mão. Ele tinha melhorado desde que chegou ao acampamento, mas ele sabia que os espíritos da natureza da floresta não gostavam de fogo. Ele não queria levar bronca de mais nenhuma dríade. Véspera de Natal. Leo não podia acreditar que já era essa data. Ele tinha estado trabalhando tão arduamente na Carvoaria 9, que ele mal notara as semanas se passando. Normalmente perto dos feriados ele costumava ficar zoando por aí, pregando peças em seus amigos, se vestindo de Taco Noel (invenção pessoal dele), deixando tacos de carne assada nas meias e sacos de dormir das pessoas, ou derramando gemada nas camisetas de seus amigos, ou criando paródias inapropriadas para as canções de Natal. Este ano, ele estava todo sério e trabalhador. Qualquer professor que ele havia tido riria se Leo descrevesse a si mesmo dessa forma. A coisa toda era que Leo nunca tinha se importado tanto com um projeto antes. O Argo II tinha que ficar pronto até Junho se eles quisessem começar sua grande missão a tempo. E mesmo Junho parecendo estar distante, Leo sabia que ele dificilmente conseguiria cumprir a tarefa dentro do prazo. Mesmo com todo o chalé de Hefesto o ajudando, construir um navio de guerra mágico voador era uma tarefa difícil. Isso fazia o lançamento de uma espaçonave da NASA parecer fácil. Eles tinham tantos


contratempos, mas tudo que Leo conseguia pensar era sobre o navio ficando pronto. Ele seria sua obra prima. Além disso, ele queria colocar o dragão como figura de proa. Ele tinha perdido seu 4

velho amigo Festus, que literalmente caiu e pegou fogo na sua última missão. Mesmo que Festus nunca mais fosse o mesmo, Leo esperava poder reativar seu cérebro usando o motor do navio. Se Leo pudesse dar a Festus uma segunda vida, ele não se sentiria mais tão mal. Mas nada disso iria acontecer se a câmara de combustão explodisse. Isso seria um game over. Nada de navio. Nada de Festus. Nada de missão. Leo não teria ninguém em quem por a culpa a não ser em si mesmo. Ele realmente odiava Windex. Jason se ajoelhou as margens de um riacho. Ele apontou para algumas marcas na lama. "Essas marcas se parecem com pegadas de uma mesa?" "Ou um guaxinim," Leo sugeriu. Jason franziu o cenho. "Sem dedos?" "Piper?" Leo perguntou. "O que você acha?" Ela suspirou. "Só porque eu sou uma nativa americana não significa que eu posso 5

rastrear mobília através da mata silvestre." Ela engrossou a voz: " 'Sim, kemosabe . Uma mesa de três pernas passou por aqui há uma hora.' Diabos, eu não sei." "Tá bom, caramba," Leo disse. Piper era metade Cherokee, e metade deusa grega. Em alguns dias era difícil dizer sobre qual lado de sua família ela era mais sensível. "Provavelmente uma mesa," Jason decidiu. "O que significa que Buford atravessou o riacho." De repente a água borbulhou. Uma garota em um vestido azul cintilante subiu a superfície. Ela tinha cabelos verdes viscosos, lábios azuis, e pele pálida. Parecia uma vítima de afogamento. Seus olhos estavam arregalados em alarme. "Você pode ser mais barulhento?" ela sibilou. "Elas irão ouvir você!" Leo piscou. Ele nunca se acostumava com isso—espíritos da natureza 4 5

NT: “crashed and burned” também significa “pagou o maior mico”. NT: Na série de TV The Lone Ranger, Tonto–um nativo americano–chamava seu parceiro, Lone Ranger, de

“kemosabe” um termo que significa algo como "amigo fiel".


simplesmente pipocando no meio da floresta e riachos e sei lá mais o que. "Você é uma náiade?" ele perguntou. "Shh! Elas irão matar todos nós! Elas estão bem ali!" Ela apontou para trás dela, no meio das árvores do outro lado do riacho. Infelizmente, essa era a direção que Buford parecia ter tomado. "Okay," Piper disse gentilmente, ajoelhando-se perto d’água. "Agradecemos o aviso. Qual o seu nome?" A náiade parecia querer fugir, mas a voz de Piper era forte demais para resistir. "Brooke," a garota azul disse relutante. 6

"Brooke o riacho ?" Jason perguntou. Piper deu um tapa na perna dele. "Okay, Brooke. Eu sou Piper. Nós não deixaremos ninguém machucar você. Só nos conte de quem você está com medo." O rosto da náiade ficou mais agitado. A água borbulhou ao redor dela. "Minhas primas loucas. Vocês não são capazes de pará-las. Elas irão acabar com vocês. Nenhum de nós está a salvo! Agora saiam daqui. Eu tenho que me esconder!" Brooke se derreteu em água. Piper ficou de pé. "Primas loucas?" Ela franziu o cenho para Jason. "Alguma ideia do que ela está falando?" Jason balançou a cabeça. "Talvez nós devêssemos falar mais baixo." Leo olhou para o riacho. Ele estava tentando adivinhar o que havia de tão horrível que até mesmo podia destruir um espírito do rio. Como se destrói água? Seja lá o que fosse ele não queria encontrá-lo. Ele podia ver as pegadas de Buford na margem oposta—pequenos quadrados gravados na lama, levando na direção a qual a náiade tinha os alertado. "Nós temos que seguir a trilha, certo?" ele disse, mais para convencer a si mesmo. "Quer dizer... nós somos heróis e tal. Nós podemos lidar com o que quer que seja. Certo?" Jason sacou sua espada—um gládio perverso no estilo romano com uma lâmina de ouro imperial. "Certo. Claro." Piper desembainhou sua adaga. Ela olhou para a lâmina como se estivesse esperando que Katoptris mostrasse a ela uma visão que ajudasse. Às vezes a adaga fazia 6

NT: riacho em inglês é "brook".


isso. Mas se ela viu algo importante, não disse. "Primas loucas," ela murmurou. "Aqui vamos nós."

Não houve mais nenhuma conversa enquanto eles seguiam os rastros da mesa entrando cada vez mais fundo na floresta. Os pássaros estavam em silêncio. Nenhum monstro rosnou. Era como se todas as outras criaturas vivas da floresta tivessem sido espertas o bastante para deixar o lugar. Finalmente eles chegaram numa clareira do tamanho de um estacionamento de supermercado. O céu estava denso e cinza. A grama estava amarela e árida, e o chão estava marcado com buracos e trincheiras como se alguém tivesse dirigido como um louco um equipamento de construção. No centro da clareira estava uma pilha de pedregulhos com mais ou menos nove metros de altura. "Oh," Piper disse. "Isso não é nada bom." "Por que?" Leo perguntou. "Dá azar estar aqui," Jason disse. "Este é um local de batalha." Leo fez uma careta. "Que batalha?" Piper levantou suas sobrancelhas. "Como assim você não sabe disso? Os outros campistas falam desse lugar o tempo todo." "Ando meio ocupado," Leo disse. Ele tentou não se sentir penoso sobre isso, mas ele sentia muita falta das coisas normais do acampamento—as batalhas entre trirremes, as corridas de biga, os flertes com as garotas. Essa era a pior parte. Leo finalmente tinha uma chance com as garotas mais gostosas do acampamento, uma vez que Piper era a conselheira chefe do chalé de Afrodite, e ele estava ocupado demais para ela ajuda-lo com as garotas. Triste. "A Batalha do Labirinto." Piper manteve sua voz baixa, mas ela explicou a Leo como uma pilha de pedras costumava ser chamada de Punho de Zeus, quando o monte se parecia com algo, não apenas um monte de pedras. Havia uma entrada para um labirinto mágico, e um grande exército de monstros vindo dessa entrada invadiu o acampamento. Os campistas ganharam—obviamente, uma vez que o acampamento


ainda continuava ali—mas foi uma batalha árdua. Muitos semideuses morreram. A clareira ainda era considerada amaldiçoada. "Ótimo," Leo resmungou. "Buford tinha que fugir para a parte mais perigosa da floresta. Ele não podia só, tipo, fugir para a praia ou para uma lanchonete." "Falando nele..." Jason estudou o solo. "Como vamos rastreá-lo? Não há pegadas aqui." Embora Leo preferisse ficar protegido pelas árvores, ele seguiu seus amigos para a clareira. Eles procuraram por pegadas de mesa, mas enquanto caminhavam até a pilha de pedregulhos eles não acharam nada. Leo tirou um relógio do seu cinto de ferramentas e o prendeu ao seu pulso. Aproximadamente quarenta minutos até o grande cabum. "Se eu tivesse mais tempo," ele disse, "Eu poderia fazer um dispositivo de rastreamento, mas—" "Buford tem o tampo da mesa redondo?" Piper interrompeu. "Com pequenas saídas de vapor apontando para cima de um lado?" Leo olhou para ela. "Como você sabe?" "Porque ele está bem ali." Ela apontou. Com certeza, era Buford gingando em direção ao lado mais distante da clareira, vapor saindo de suas aberturas. Enquanto eles o assistiam, ele desapareceu em meio as árvores. "Isso foi fácil." Jason começou a segui-lo, mas Leo o deteve. Os cabelos da nuca de Leo se eriçaram. Ele não tinha certeza do porquê. Então ele percebeu que podia ouvir vozes vindo da mata a sua esquerda. "Alguém está vindo!" Ele puxou seus amigos para trás das pedras. Jason sussurrou "Leo—" "Shh!" Uma dúzia de garotas descalças saltaram para dentro da clareira. Elas eram adolescentes usando vestidos de seda soltos estilo túnica roxos e vermelhos. Seus cabelos estavam emaranhados com folhas, e muitas usavam coroas de louro. Algumas carregavam mastros estranhos que se pareciam com tochas. As garotas riam e empurravam umas as outras, tombando sobre a grama e girando como se estivessem tontas. Todas elas eram realmente deslumbrantes, mas Leo não se sentiu tentando a flertar.


Piper suspirou. "Elas são apenas ninfas, Leo." Leo gesticulou freneticamente para que ela ficasse abaixada. Ele sussurrou, "Primas loucas!" Os olhos de Piper se arregalaram. Quando as ninfas chegaram mais perto, Leo começou a notar detalhes estranhos nelas. Seus mastros não eram tochas. Eram ramos de madeira retorcidos. Cada uma com uma pinha gigante no topo, e algumas tinham cobras vivas enroladas ao redor. As coroas de louro das garotas, não eram coroas, tampouco. Seus cabelos eram trançados com minúsculas víboras. As garotas sorriam, gargalhavam e cantavam em grego antigo enquanto cambaleavam pela clareira. Elas pareciam estar se divertindo, mas suas vozes pareciam tingidas com algum tipo de ferocidade selvagem. Se leopardos pudessem cantar, Leo imaginava que eles soariam daquela forma. "Elas estão bêbadas?" Jason sussurrou. Leo franziu o cenho. As garotas agiam como se estivessem, mas ele achava que tinha mais alguma coisa acontecendo. Ele se sentia grato pelas ninfas ainda não os terem visto. Então as coisas se complicaram. Na mata a direita, algo rugiu. As árvores farfalharam, e um drakon invadiu a clareira, parecendo sonolento e irritado, como se o canto das ninfas o tivesse acordado. Leo já tinha visto muitos monstros na floresta. O acampamento os mantia intencionalmente como um desafio aos campistas. Mas este era maior e mais assustador do que a maioria. O drakon era mais ou menos do tamanho de um vagão de metrô. Ele não possuia asas, mas sua boca era cheia de dentes cortantes. Chamas saiam de suas narinas. Escamas prateadas cobriam seu corpo como uma malha metálica polida. Quando o drakon viu as ninfas, ele rugiu novamente e cuspiu chamas em direção ao céu. As garotas não pareceram notar. Elas continuaram dando cambalhotas, rindo e empurrando umas em cima das outras de brincadeira. "Nós temos que ajudá-las," Piper sussurrou. "Elas serão mortas!" "Espere aí," Leo disse. "Leo," Jason censurou. "Nós somos heróis. Nós não podemos deixar essas garotas inocentes—"


"Relaxa!" Leo insistiu. Algo naquelas garotas o incomodava—uma história que ele só lembrava pela metade. Como conselheiro do chalé de Hefesto, Leo fez com que ler sobre itens mágicos se tornasse uma atividade sua, para no caso de ele precisar construí-los algum dia. Ele tinha certeza que já tinha lido alguma coisa sobre mastros de pinha envolvidos com cobras. "Observe." Finalmente uma das garotas notou o drakon. Ela gritou de alegria como se ela tivesse encontrando um cachorrinho fofo. Ela pulou em direção ao monstro e as outras garotas a seguiram, cantando e rindo, o que pareceu deixar o drakon confuso. Ele provavelmente não estava acostumado com sua presa parecendo tão alegre. Uma ninfa em um vestido vermelho sangue deu uma cambalhota e foi parar na frente do drakon. "Você é Dioniso?" ela perguntou esperançosa. Isso parecia ser uma questão estúpida. Verdade, Leo nunca vira Dioniso antes, mas ele tinha certeza que o deus do vinho não era um drakon cuspidor de fogo. O monstro soprou fogo no pé da garota. Ela simplesmente dançou no mesmo lugar. O drakon avançou e pegou o braço da menina com sua mandíbula. Leo estremeceu certo de que a ninfa ia ter o braço amputado bem na sua frente, mas ela arrancou o braço da boca do monstro junto com vários dentes quebrados do drakon. Seu braço estava perfeitamente bem. O drakon fez um som algo entre um rosnado e um ganido. "Malcriado" a garota ralhou. Ela se virou para as suas amigas animadas. "Não é Dioniso! Ele precisa se juntar a nossa festa!" As ninfas gritaram alegres e cercaram o monstro. Piper prendeu o folego. "O que elas estão—ai, deuses. Não!" Leo não costumava sentir pena de monstros, mas o que aconteceu em seguida foi horrível de verdade. As garotas se jogaram em cima do drakon. Suas risadas alegres se transformando em rosnados cruéis. Elas atacaram com seus mastros de pinha, com unhas que se tornaram garras longas e brancas, e com dentes que se alongaram até parecem presas de lobo. O monstro cuspiu fogo e cambaleou, tentando fugir, mas as adolescentes eram demais para ele. As ninfas dilaceraram e rasgaram o drakon até que ele lentamente se desfizesse em pó, seu espírito retornando ao Tártaro. Jason fez um barulho como se estivesse engolindo algo. Leo tinha visto seu amigo em todo tido de situação perigosa, mas ele nunca tinha visto Jason parecer tão pálido.


Piper estava tapando seus olhos, balbuciando, "Ai, deuses. Ai, deuses." Leo tentou fazer com que sua voz não tremesse. "Eu li sobre essas ninfas. Elas são seguidoras de Dioniso. Eu me esqueci como elas se chamam—" "Maenads." Piper tremeu. "Eu ouvi falar sobre elas. Eu pensava que elas tinham existido apenas nos tempos antigos. Elas participavam das festas de Dioniso. E quando elas ficam muito agitadas..." Ela apontou para a clareira. Ela não precisava dizer mais nada. Brooke a náiade tinha os alertado. Suas primas loucas rasgavam suas vitimas em pedaços. "Nós temos que dar o fora daqui," Jason disse. "Mas elas estão entre nós e Buford!" Leo sussurrou. "E nós temos apenas—" Ele checou o relógio. "Trinta minutos para instalar o sincopador!" "Talvez eu possa fazer vocês voarem comigo até Buford." Jason fechou seus olhos firmemente. Leo sabia que Jason já tinha controlado o vento antes—apenas uma das vantagens de ser um descolado filho de Zeus—mas desta vez, nada aconteceu. Jason balançou a cabeça. "Eu não sei... o ar parece agitado. Talvez essas ninfas estejam bagunçando as coisas. Ou os espíritos do vento estão apreensivos demais para se aproximar." Leo olhou de volta para o lugar de onde vieram. "Nós temos que recuar até as árvores. Se nós pudéssemos contornar as Maenads—" "Galera," Piper guinchou em alarme. Leo olhou para cima. Ele não notou as Maenads se aproximando, subindo as pedras em um silêncio absoluto ainda mais assustador que suas risadas. De cima das pedras elas olharam para baixo, sorrindo encantadoramente, suas unhas e dentes de volta ao normal. Víboras enroladas em seus cabelos. "Olá!" A garota de vestido vermelho sangue sorriu para Leo. "Você é Dioniso?"

Havias apenas uma resposta para isso. "Sim!" Leo gritou. "Absolutamente. Eu sou Dioniso."


Ele se pôs de pé e tentou corresponder ao sorriso da garota. A ninfa bateu palmas alegre. "Maravilhoso! Meu lorde Dioniso? Sério?" Jason e Piper se levantaram, armas a postos, mas Leo esperava que isso não se transformasse numa luta. Ele tinha visto o quão rápido aquelas ninfas podiam se mover. Se elas resolvessem entrar no modo processador de comida, Leo duvidada que ele e seus amigos tivessem chance. As Maenads deram risadinhas, dançaram e empurraram umas as outras. Muitas despencara de cima da pilha de pedras caindo pesadamente no chão. Isso não parecia incomoda-las. Elas apenas se levantavam e continuavam brincando. Piper deu uma cotovelada nas costelas de Leo. "Hã, lorde Dioniso, o que você está fazendo?" "Está tudo bem." Leo olhou para os seus amigos como se fosse, Está tudo sem dúvida, sem dúvida mesmo, nada bem. "As Maenads são minhas assistentes. Eu adoro essas meninas." As Maenads bateram palmas e giraram ao redor dele. Muitas conjuraram cálices do nada e começaram a beber de um gole só... seja lá o que estivesse dentro. A garota de vermelho olhou desconfiada para Piper e Jason. "Lorde Dioniso, esses são sacrifícios para a festa? Nós devemos rasga-los em pedaços?" "Não, não!" Leo disse. "Ótima oferta, mas, hã, sabe, talvez devêssemos começar devagar. Com, tipo, apresentações." A garota estreitou os olhos. "Com certeza você se lembra mim, meu lorde. Eu sou Babette. " "Hã, certo!" Leo disse. "Babette! Claro." "E essas são, Buffy, Muffy, Bambi, Candy—" Babette recitou um monte de nomes que juntos se misturavam. Leo olhou para Piper pensando se isso não era algum tipo de pegadinha de Afrodite. Essas ninfas podiam se encaixar facilmente no chalé de Piper. Mas Piper parecia estar tentando não gritar. Isso devia ser porque duas das Maenads estavam passando as mãos nos ombros de Jason enquanto davam risadinhas. Babette parou perto de Leo. Ela cheirava como agulhas de pinheiro. Seu cabelo preto cacheado caia sobre seus ombros e seu nariz era salpicado de sardas. Uma coroa de cobras corais se contorcia em sua testa.


Espíritos da natureza normalmente tinham uma coloração esverdeada em suas 7

peles, decorrente da clorofila, mas essas Maenads pareciam ter como sangue Kool-Aid de cereja. Seus olhos eram injetados de sangue. Seus labios eram mais vermelhos que o normal. Suas peles eram pavimentadas com vasos capilares brilhantes. "Que forma interessante você escolheu, meu lorde." Babette analisou o rosto e os cabelos de Leo. "Juvenil. Fofo, suponho. Além de... um pouco magro e baixo." "Magro e baixo?" Leo reprimiu algumas respostas. "Bem, sabe. Eu estava mais para fofo, no geral." As outras Maenads cercaram Leo, sorrindo e cantarolando. Sobre circunstâncias normais, ser cercado por garotas gostosas seria completamente okay para Leo, mas não dessa vez. Ele não conseguia esquecer como os dentes e as unhas da Maenads tinham crescido logo antes delas destroçarem o drakon. "Então, meu lorde." Babette passou seus dedos pelo braço de Leo. "Onde você tem estado? Nós estamos o procurando há tanto tempo!" "Onde eu tenho—?" Leo pensou freneticamente, Ele sabia que Dioniso costumava trabalhar como diretor do Acampamento Meio-Sangue antes de Leo chegar. Então o deus foi chamado de volta ao Monte Olimpo para ajudar a lidar com os gigantes. Mas onde Dioniso tinha estava hoje em dia? Leo não tinha ideia. "Ah, você sabe. Eu tenho estado fazendo, hã, coisas relacionadas a vinho. Eu tenho estado tão ocupado trabalhando—" "Trabalho!" Muffy a Maenad gritou, pressionando suas mãos sobre os ouvidos. "Trabalho!" Buffy limpou sua língua como se estivesse tentando se livrar da horrível palavra. As outras Maenads levantaram suas taças e correram em círculos, gritando, "Trabalho! Sacrilégio! Morte ao trabalho!" Algumas começaram a fazer as garras crescerem. Outras bateram suas cabeças contra as pedras, o que parecia machucar mais as pedras do que suas cabeças. "Ele quis dizer festejando!" Piper gritou. '"Festejando! Lorde Dioniso tem estado ocupado festejando por todo o mundo." Lentamente, as Maenads começaram a se acalmar. "Festa?" Bambi perguntou cautelosamente. 7

NT: marca famosa de suco de pózinho/saquinho.


"Festa!" Candy suspirou de alívio. "Isso!" Leo enxugou o suor das mãos. Ele deu a Piper um olhar agradecido. "Ha-ha. Festejando. Certo. Eu estive tão ocupado festejando." Babette continuou sorrindo, mas não de uma maneira amigável. Ela fixou seu olhar em Piper. "Quem é essa, meu lorde? Uma recruta para as Maenads, talvez?" "Ah," Leo disse. "Ela é minha, hã, planejadora de festa." "Festa!" gritou outra Maenad, possivelmente Trixie. "Que pena." As unhas de Babette começaram a crescer. "Nós não podemos permitir que mortais presenciassem nosso festejo sagrado." "Mas eu posso ser uma recruta!" Piper disse rapidamente. "Vocês garotas tem um site? Ou uma lista de requisitos? Er, você precisam estar bêbadas o tempo inteiro?" "Bêbadas!" Babette disse. "Não seja tonta. Nós somos Maenads menores de idade. Nós não fomos autorizadas a tomar vinho ainda. O que nossos pais pensariam?" "Vocês têm pais?" Jason tirou as mãos das Maenads de cima dos seus ombros. "Nada de ficar bêbada!" Candy gritou. Ela se virou fazendo um círculo meio torto então caiu no chão, derramando liquido espumante branco da sua taça. Jason limpou a garganta. "Então... o que vocês garotas estão bebendo se não é vinho?" Babette riu. "A bebida da estação! Observe o poder do bastão de tirso!" Ela bateu seu mastro de pinha contra o chão e um gêiser branco borbulhou. "Gemada!" Maenads se apressaram para encher suas taças. "Feliz Natal!" uma gritou. "Festa!" outra disse. "Morte a todos!" disse uma terceira. Piper deu um passo para trás. "Vocês ficam... bêbadas com gemada?" "Éééé!" Buffy derramando sua gemada e deu a Leo um sorriso espumoso. "Matar coisas! Com um punhado de noz moscada!" Leo decidiu nunca mais tomar gemada. "Mas chega de conversa, meu lorde," Babette disse. "Você tem sido malcriado, mantendo-se escondido! Você mudou seu e-mail e seu número de telefone. Poderia-se pensar até mesmo que o grande Dioniso estava tentando evitar suas Maenads!"


Jason tirou as mãos de outra garota de seus ombros. "Nem consigo imaginar porque o grande Dioniso faria isso." Babette avaliou Jason. "Esse aqui é um sacrifício, obviamente. Nós devemos dar início as festividades o estraçalhando. A garota planejadora de festa pode provar a si mesma nos ajudando!" "Ou," Leo disse, "nós podemos começar com alguns aperitivos. Crispy Cheese 'n' Wieners. Taquitos. Talvez alguns salgadinhos e queso. E... espere, já sei! Precisamos de uma mesa para colocar tudo isso em cima." O sorriso de Babette tremulou. As cobras sibilaram em seu mastro de pinha. "Uma mesa?" "Cheese 'n' Wieners?" Trixie acrescentou esperançosamente. "É, uma mesa!" Leo estalou os dedos e apontou para o fim da clareira. "Você sabe o que—eu acho que eu vi uma andando naquela direção. Por que vocês meninas não esperam aqui, e bebem um pouco de gemada ou sei lá o quê, enquanto meus amigos e eu vamos pegar a mesa. Nós estaremos de volta rapidinho!" Ele começou a ir, mas duas Maenads o puxaram para trás. O puxão não pareceu ser de brincadeira. Os olhos de Babette ficaram mais vermelho ainda. "Por que meu lorde Dioniso está tão interessado em mobília? Onde está seu leopardo? E seu copo de vinho?" Leo engoliu. "Sim. Copo de vinho. Me deixa tonto." Ele enfiou a mão no bolso de seu cinto de ferramentas. Ele rezou para que o cinto conjurasse um copo de vinho para ele, mas isso não era exatamente uma ferramenta. Ele agarrou algo, tirou para fora, e se viu segurando uma chave inglesa. "Ei, olhe só isso," ele disse fracamente. "Há algum tipo de mágica divina por aqui, não é mesmo? O que é uma festa sem... uma chave inglesa?" As Maenads olharam para ele. Algumas franziram a testa. Algumas estavam vesgas de tanto tomar gemada. Jason parou ao seu lado. "Ei, hã, Dioniso... talvez nós devêssemos conversar. Tipo, em particular. Sabe... sobre coisas da festa." "Nós voltamos já já!" Piper anunciou. "Esperem aqui, garotas. Okay?" Sua voz estava meio elétrica com persuasão, mas as Maenads não pareceram ser atingidas.


"Não, vocês ficam." Os olhos de Babette furaram os de Leo. "Você não age como Dioniso. Aqueles que não honram o deus, aqueles que ousam trabalhar ao invés de festejar—esses devem ser destruídos. E qualquer um que ouse personificar o deus, deve morrer de forma ainda mais dolorosa." "Vinho!" Leo gritou. "Eu já mencionou o quanto eu amo vinho?" Babette não pareceu convencida. "Se você é o deus das festas, você saberá a ordem dos nossos festejos. Prove! Conduza-nos!" Leo sentiu-se preso. Uma vez ele tinha ficado preso numa caverna no topo do Pikes Peak, cercado por um bando de lobisomens. Outra vez ele tinha ficado preso em uma fabrica abandonada com uma família de ciclopes malvados. Mas isso—de pé numa clareira com várias garotas bonitas—era muito pior. "Claro!" Sua voz chiou. "Festejos. Nós começamos com o Hokey Pokey—" Trixie rosnou. "Não, meu lorde. O Hokey Pokey é o segundo." "Certo," Leo disse. "Primeiro a Dança da Cordinha, depois o Hokey Pokey. Então, hã, prender o rabo no burro—" "Errado!" Os olhos de Babette ficaram totalmente vermelhos. O Kool-Aid escurecido em suas veias, formando uma teia de linhas vermelhas como hera debaixo de sua pele. "Última chance, e eu lhe darei uma dica. Nós começamos cantando o Bacchanalian Jingle. Você se lembra disso, não lembra?" A língua de Leo parecia uma lixa. Piper colocou a mão em seu braço. "Claro que ele se lembra." Seus olhos disseram, Corra. Os nós dos dedos de Jason ficaram brancos no cabo de sua espada. Leo odiava cantar. Ele limpou sua garganta e começou a berrar a primeira coisa que veio a cabeça—algo que ele tinha assistido online enquanto trabalhava no Argo II. Depois de algumas linhas, Candy sibilou. "Este não é o Bacchalian Jingle! É a música tema de Psych!" "Matem os infiéis!" Babette gritou. — Leo reconhecia uma deixa para sair quando ouvia uma.


Ele puxou um artifício de confiança. Do seu cinto de ferramentas, ele pegou um frasco de óleo e o espirrou em um arco a sua frente, encharcando as Maenads. Ele não queria machucar nenhuma delas, mas então ele lembrava a si mesmo que aquelas garotas não eram humanas. Elas eram espíritos da natureza inclinados a destroça-lo. Ele conjurou fogo em suas mãos e pôs o óleo em chamas. Uma parede de chamas engolfou as ninfas. Jason e Piper deram um 180 graus e correram. Leo foi logo atrás deles. Ele esperava ouvir gritos vindo das Maenads. Ao invés disso, ele ouviu risadas. Ele olhou para trás e viu as Maenads dançando pelas chamas com seus pés descalços. Seus vestidos queimavam, mas as Maenads não pareciam se importar. Elas pulavam pelo fogo como se estivessem brincando em um irrigador. "Obrigada, infiel!" Babette riu. "Nosso frenesi nos faz imunes ao fogo, mas isso faz cócegas! Trixie, mande aos infiéis um presente de agradecimento!" Trixie saltou da pilha de pedregulhos. Ela agarrou uma pedra do tamanho de uma geladeira e a levantou sobre a cabeça. "Corram!" Piper disse. "Nós estamos correndo!" Jason ganhou velocidade. "Corra mais!" Leo gritou. Eles tinham alcançado a beirada da clareira quando uma sombra passou por cima de suas cabeças. "Virem à esquerda!" Leo gritou. Eles mergulharam entre as árvores ao mesmo tempo em que a pedra caia próxima a eles com um ruidoso baque, errando Leo por alguns centímetros. Eles derraparam pela ravina até que Leo perdeu o equilíbrio. Ele se chocou com Jason e Piper de tal modo que eles acabaram rolando colina abaixo como uma bola de neve semideusa. Eles se espatifaram no riacho de Brooke, ajudaram-se a se levantar, e cambalearam para dentro da floresta. Atrás deles, Leo ouviu as Maenads rindo e bradando, incitando Leo a voltar então elas poderiam rasga-lo em pedaços. Por alguma razão, Leo não se sentiu tentado. Jason os puxou para trás de um carvalho gigantesco, onde eles ficaram arfando. O cotovelo de Piper estava bastante arranhado. A perna esquerda da calça de Jason tinha sido quase completamente rasgada, de um jeito que parecia que sua perna estava


vestindo uma capa de brim. De algum modo, eles tinham descido a colina rolando sem matar a eles mesmos com suas próprias armas, o que era um milagre. "Como vamos vencê-las?" Jason perguntou. "Elas são imunes ao fogo. Elas são superfortes." "Nós não podemos matá-las," Piper disse. "Deve haver um jeito," Leo disse. "Não. Nós não podemos matá-las," Piper disse. "Qualquer um que mate uma Maenad é amaldiçoado por Dioniso. Você não tinha lido as histórias antigas? Pessoas que matavam seus seguidores ficavam loucas ou se transformavam em animais ou... bem, coisas ruins." "Pior do que deixar as Maenads nos rasgar em pedaços?" Jason perguntou. Piper não respondeu. Seu rosto parecia tão úmido, Leo decidiu não exigir mais detalhes. "Isso é ótimo," Jason disse. "Então nós temos que pará-las sem matá-las. Alguém tem uma fita adesiva daquelas de prender moscas?" "Nós estamos em menor número, quatro para um," Piper disse. "E tem mais..." Ela agarrou o pulso de Leo e checou o relógio. "Nós temos vinte minutos até que a Carvoaria 9 exploda." "É impossível," Jason resumiu. "Estamos mortos," Piper concordou. Mas a mente de Leo rodava em alta velocidade. Ele fazia trabalhos melhores quando as coisas eram impossíveis. Parar as Maenads sem matá-las... Carvoaria 9... fita adesiva pega mosca. Uma ideia veio como uma de suas engenhocas malucas, todas as engrenagens e pistões se encaixando em seus lugares perfeitamente. "Tenho uma ideia," ele disse. "Jason, você tem que achar Buford. Você sabe a direção que ele tomou. Volte e encontre-o, depois o traga até a carvoaria, rápido! Uma vez que você esteja longe o bastante das Maenads, talvez você possa controlar os ventos novamente. Aí você pode voar." Jason fez uma careta. "E vocês?" "Nós vamos tirar as Maenads do seu caminho," Leo disse, "direto para a Carvoaria 9." Piper tossiu. "Desculpa, mas a Carvoaria 9 não está prestes a explodir?"


"Sim, mas se eu conseguir colocar as Maenads lá dentro, terei uma forma de cuidar delas." Jason parecia cético. "Mesmo se você conseguir, eu ainda terei que achar Buford e devolver o sincopador a você em trinta minutos, ou você, Piper, e as doze ninfas malucas irão explodir." "Confie em mim," Leo disse. "E temos dezenove minutos agora." "Eu adoro esse plano." Piper inclinou-se e beijou Jason. "No caso de eu explodir. Por favor, vá rápido. " Jason nem mesmo respondeu. Ele se enfiou no meio das árvores. "Venha," Leo disse a Piper. "Vamos convidar as Maenads para conhecer minha casa." — Leo tinha jogado alguns jogos na floresta antes—principalmente capture a bandeira—mas nem mesmo a versão plena de combate do Acampamento Meio-Sangue era tão perigosa quanto fugir de Maenads. Piper e ele refizeram seu caminho de volta com a luz do sol se desvanecendo. A respiração virando vapor. Ocasionalmente Leo gritava, "Festa aqui!" para fazer com que as Maenads soubessem onde eles estavam. Era complicado, porque Leo tinha que ficar longe a frente o bastante para evitar ser pego, mas perto o suficiente para que as Maenads não o perdesse de vista. Ás vezes ele ouvia gritos assustados quando as Maenads passavam por algum monstro ou espírito da natureza desafortunado. Cada grito a sangue frio que perfurava o ar, era seguido por um som como o de uma árvore sendo destruída por um exército de esquilos selvagens. Leo estava tão assustado que ele mal conseguia manter seus pés em movimento. Ele imaginava alguma pobre dríade tendo sua fonte da vida picada em pedaços. Leo sabia que espíritos da natureza reencarnavam, mas aquele grito de morte ainda era a coisa mais medonha que ele já tinha ouvido. "Infiéis!" Babette gritou em meio as árvores. "Venham celebrar conosco!" Ela soou mais perto agora. Os instintos de Leo disseram a ele para continuar correndo. Esquecer a Carvoaria 9. Talvez ele e Piper pudessem chegar até a borda da zona de explosão.


E depois... deixar Jason morrer? Deixar as Maenads irem pelos ares de maneira que Leo pudesse sofrer a maldição de Dioniso? E a explosão iria mesmo matar as Maenads? Leo não tinha ideia. E se as Maenads sobrevivessem e continuassem procurando por Dioniso? Uma hora elas encontrariam os chalés e os outros campistas. Não, aquela não era uma opção. Leo tinha que proteger seus amigos. Ele ainda podia salvar o Argo II. "Aqui!" ele gritou. "Festa na minha casa!" Ele agarrou o pulso de Piper e disparou para a carvoaria. Ele podia ouvir as Maenads se aproximando rapidamente—pés descalços correndo pela grama, galhos estalando, cálices de gemada se estilhaçando nas pedras. "Quase lá." Piper apontou para as árvores. Há cem metros a frente estava um enorme penhasco de calcário que marcava a entrada para a Carvoaria 9. O coração de Leo parecia uma câmara de combustão funcionando a todo vapor, mas eles conseguiram chegar até o penhasco. Ele deu uma batidinha no calcário. Linhas ardentes queimaram através do penhasco, lentamente formando o contorno de uma grande porta. "Vamos! Vamos!" Leo incitou. Ele cometeu o erro de olhar para trás. Há poucos passos de distância, a primeira Maenad apareceu fora da floresta. Seus olhos eram puro vermelho. Ela sorriu com a boca cheia de presas, então lascou suas garras na árvore mais próxima a cortando ao meio. Tornados de folhas giravam ao seu redor como se até mesmo o ar estivesse ficando louco. "Venha, semideus!" ela chamou. "Se junte a mim nos festejos!" Leo sabia que isso era insano, mas suas palavras zumbiam em seus ouvidos. Parte dele queria correr em direção a ela. Uau, cara, ele disse a si mesmo. Regra de Ouro para Semideuses: Tu não dançarás Hokey Pokey com psicopatas. Apesar disso, ele deu um passo em direção a Maenad. "Pare, Leo." A persuasão de Piper o salvou, o congelando no lugar. "Isso é a loucura de Dioniso afetando você. Você não quer morrer." Ele deu um suspiro. "É. Elas estão ficando mais fortes. Nós temos que nos apressar,"


Finalmente a porta da carvoaria se abriu. A Maenad rosnou. Suas amigas emergiram da floresta, e juntas elas atacaram. "Deem a volta!" Piper gritou para elas em sua voz mais persuasiva. "Nós estamos cinquenta metros atrás de vocês!" Era uma sugestão ridícula, mas a persuasão momentaneamente funcionou. As Maenads se viraram e correram de volta para o caminho de onde vieram, então pararam subitamente, parecendo confusas. Leo e Piper mergulharam para dentro da carvoaria. "Fecho a porta?" Piper perguntou. "Não!" Leo disse. "Nós a queremos do lado de dentro." "Queremos? Qual é o plano?" "Plano." Leo tentou se livrar do nevoeiro em seu cérebro. Eles tinham trinta segundos, com sorte, antes que as Maenads invadissem o local. O motor do Argo II explodiria em—ele checou seu relógio—ai, deuses, doze minutos? "O que eu posso fazer?" Piper perguntou. "Vamos, Leo" Sua mente começou a clarear. Este era seu território. Ele não podia deixar as Maenads ganharem. Da mesa mais próxima, Leo pegou um controle de bronze com um único botão vermelho. Ele o entregou a Piper. "Eu preciso de dois minutos. Suba até as passarelas. Distraia as Maenads como você fez lá fora, okay? Quando eu der a ordem, onde quer você esteja, aperte o botão. Mas não antes que eu diga." "O que isso faz?" Piper perguntou. "Nada ainda. Eu tenho que preparar a armadilha." "Dois minutos." Piper assentiu severamente. "Você tem dois minutos." Ela correu para escada mais próxima e começou a subir enquanto Leo saiu correndo pelos corredores, apanhando coisas das caixas de ferramentas e ativando os sensores de temporização nos painéis de controle do interior da carvoaria. Ele não estava pensando no que estava fazendo mais do que um pianista pensava sobre onde seus dedos estavam no teclado. Ele simplesmente voava pela carvoaria, trazendo todas as peças juntas.


Ele ouviu as Maenads se apressando para dentro da carvoaria. Por um momento, elas pararam em espanto, fazendo ooh e ahh na vasta caverna cheia de coisas cintilantes. "Onde estão vocês?" Babette chamou. "Meu lorde Dioniso falso! Festeje conosco!" Leo tentou ignorar a voz dela. Então ele ouviu Piper, em algum lugar acima nas passarelas, bradar: "Que tal a dança do quadrado? Virem para a esquerda!" As Maenads guincharam confusas. "Pegue uma parceira!" Piper gritou, "Faça-a rebolar!" Mais gritos e guinchos e alguns CLANGS como se algumas Maenads aparentemente tivessem rebolado umas as outras em direção a objetos de metal. "Parem!" Babette gritou. "Não peguem uma parceira! Peguem aquele semideus!" Piper gritou mais alguns comandos, mas ela parecia estar perdendo seu rebolado. Leo ouviu o barulho de pés batendo nos degraus da escada. "Oh, Leo?" Piper gritou. "Já se passaram dois minutos?" "Só um segundo!" Leo achou a última coisa da qual precisava—Uma pilha de tecido dourado reluzente do tamanho de uma colcha. Ele enfiou o tecido metálico dentro do tubo pneumático mais próximo e puxou a alavanca. Pronto—assumindo que o plano tenha funcionado. Ele correu para o meio da carvoaria, bem a frente do Argo II, e gritou, "Ei! Eu estou aqui!" Ele estendeu os braços e sorriu. "Venham! Festejem comigo!" Ele olhou para o contador regressivo no motor do navio. Seis minutos e meio tinham se passado. Ele queria nem ter olhado. As Maenads desceram as escadas e começaram a cercá-lo cautelosamente. Leo dançou e cantou músicas tema de programas de televisão aleatórios, esperando que isso as fizesse hesitar. Ele precisava de todas as Maenads juntas antes que ele soltasse a armadilha. "Cantem comigo!" ele disse. As Maenads rosnaram. Seus olhos vermelho-sangue mostravam raiva e irritação. Suas coroas de cobras sibilaram. Seus bastões de tirso brilharam com fogo roxo. Babette foi a última a se juntar a festa. Quando ela viu Leo sozinho, desarmado e dançando, ela riu com deleite.


"Você é esperto em aceitar seu destino," ela disse. "O real Dioniso ficaria satisfeito." "É, sobre isso," Leo disse. "eu acho que há uma razão para ele ter mudado seu número de telefone. Vocês garotas não são seguidoras. Vocês são perseguidoras fanáticas e loucas. Vocês não tem o achado porque ele não quer que vocês o achem." "Mentiras!" Babette disse. "Nós somos os espíritos do deus do vinho! Ele tem orgulho de nós!" "Claro," Leo disse. "Eu também tenho parentes loucos. Eu não culpo o Sr. D." "Matem-o!" Babette guinchou. "Espere!" Leo ergueu as mãos. "Vocês podem me matar, mas vocês querem que isso seja uma festa de verdade, não querem?" Como ele esperava, as Maenads vacilaram. "Festa?" perguntou Candy. "Festa?" perguntou Buffy. "Ah, sim!" Leo olhou para cima e gritou para as passarelas: "Piper? Está na hora de botar pra quebrar!" Por três inacreditáveis longos segundos, nada aconteceu. Leo permaneceu lá sorrindo para uma dúzia de ninfas enlouquecidas que queriam cortá-lo em cubinhos de semideus. Então toda a carvoaria zumbiu à vida. Ao redor das Maenads, canos subiram vindos do chão e sopraram vapor roxo. O sistema de tubo pneumático lançava lascas de metal como confetes brilhantes. O banner mágico acima delas cintilou e mudou a mensagem que estava escrita SEJAM BEM VINDAS, NINFAS PSICOPATAS! Música soou do sistema de som—The Rolling Stones, a banda favorita da mãe de Leo. Ele gostava de ouvi-los enquanto trabalhava, porque isso o fazia se lembrar dos bons velhos tempos quando ele passava o tempo na oficina de sua mãe. Então o sistema de manivela entrou em cena, e uma bola espelhada começou a descer bem acima da cabeça de Leo. Da passarela, Piper observava o caos que ela tinha provocado com o aperto de um botão, e seu queixo caiu. Até mesmo as Maenads pareciam impressionadas pelas festa instantânea de Leo. Mais alguns minutos e Leo poderia ter feito algo muito melhor—um show de lasers, pirotecnias, talvez alguns aperitivos e uma máquina de bebidas. Mas para dois


minutos de trabalho, aquilo não era nada mal. Algumas Maenads começaram a fazer a dança do quadrado. Uma dançou o Hokey Pokey. Apenas Babette parecia não ter sido afetada. "Que truque é esse?" ela exigiu. "Você não festeja por Dioniso!" "Ah, não?" Leo olhou para cima. A bola espelhada estava quase ao alcance. "Você ainda não viu meu truque final." A bola se abriu. Um arpéu caiu, e Leo pulou para pegá-lo. "Peguem-o!" Babette gritou. "Maenads, atacar!" Felizmente, ela teve problemas em chamar a atenção delas. Piper começou a dar instruções para a dança do quadrado novamente, as confundindo com comandos estranhos. "Virem para a esquerda, virem para a direita, batam suas cabeças! Senta, levanta, finge de morto!" A polia levantou Leo no ar enquanto as Maenads invadiam o lugar abaixo dele, reunindo-se numa ótimo conjunto compacto. Babette saltou em direção a ele. Suas garras erraram por pouco seus pés. "Agora!" ele murmurou para si mesmo, rezando para que seu temporizador estivesse configurado precisamente. BLAM! O tubo pneumático mais próximo atirou um véu de malha dourada sobre as Maenads, as cobrindo como um paraquedas. Um tiro perfeito. As Maenads lutavam contra a rede. Elas tentavam empurra-la para longe delas, cortando as cordas com seus dentes e unhas, mas enquanto elas socavam, chutavam e lutavam, a rede simplesmente mudava de forma, endurecendo e adquirindo a forma de uma gaiola cubica de ouro cintilante. Leo sorriu. "Piper, aperte o botão novamente!" Ela apertou. A música parou. A festa acabou. Leo se soltou do gancho sobre o topo da sua jaula recém-feita. Ele pulou em cima gaiola, apenas para ter certeza, mas a jaula parecia firme como titânio. "Nos deixe sair!" Babette gritou. "Que magia negra é essa?" Ela batia contra as barras de tecido, mas até mesmo sua superforça não era páreo para o material dourado. As outras Maenads sibilavam, gritavam e acertavam as laterais da gaiola com seus bastões de tirso. Leo pulou para o chão. "Está é minha festa agora, senhoritas. Esta jaula é feita de rede hefestiana, uma pequena fórmula que meu pai inventou. Talvez vocês tenham


ouvido a história. Ele pegou sua esposa Afrodite o traindo com Ares, então Hefesto jogou uma rede dourada sobre eles e os colocou em exposição. Eles ficaram presos até que meu pai decidisse que eles podiam sair. Essa rede aqui? É feita do mesmo material. Se dois deuses não foram capazes de escapar dela, vocês não tem a menor chance." Leo esperava seriamente que ele estivesse certo sobre isso. As Maenads inquietas enfureciam-se em sua prisão, subindo umas nas outras e tentando rasgar a malha sem nenhum sucesso. Piper desceu as escadas e se juntou a ele. "Leo, você é incrível." "Eu sei disso," Ele olhou para o display digital próximo ao motor do navio. Seu coração afundou. "Por mais ou menos mais dois minutos. Depois eu deixo de ser incrível." "Ah, não." O semblante de Piper desmoronou. "Nós precisamos dar o fora daqui!" De repente Leo ouviu um barulho familiar vindo da entrada da carvoaria: uma baforada de vapor, o ranger das engrenagens, e o clink-clank das pernas de metal correndo pelo chão. "Buford!" Leo chamou. A mesa autômato caminhou orgulhosa em sua direção, zumbindo e batendo suas gavetas. Jason vinha caminhando atrás dele, sorrindo. "Estavam nos esperando?" Leo abraçou a pequena mesa de trabalho. "Eu lamento tanto, Buford. Eu prometo que nunca mais vou tratá-lo como bobo novamente. Apenas Lemon Pledge com formula extra-hidratante, meu amigo. A hora que você quiser!" Buford soltou vapor alegremente. "Hã, Leo?" Piper incitou. "A explosão?" "Certo!" Leo abriu a gaveta da frente de Buford e apanhou o sincopador. Ele correu para a câmara de combustão. Vinte e três segundos. Ah, ótimo. Sem pressa. Ele iria ter apenas uma chance de fazer isso certo. Leo cuidadosamente montou o sincopador no lugar. Ele fechou a câmara de combustão e prendeu a respiração. O motor começou a zumbir. Os cilindros de vidro brilharam com o calor. Se Leo não fosse imune ao fogo, ele tinha certeza que teria sofrido uma queimadura bem desagradável. O casco do navio estremeceu. Toda a carvoaria pareceu tremer. "Leo?" Jason perguntou firmemente. "Calma aí," Leo disse.


"Nos deixe sair daqui!" Babette guinchou na sua jaula dourada. "Se você nos destruir, Dioniso o fará sofrer!" "Ele provavelmente nos mandará um cartão de agradecimento," Piper resmungou. "Mas isso não importa. Nós estaremos todos mortos." A câmara de combustão abriu suas várias câmaras com um click, click, click. Líquidos e gases superpoderosos fluíram para dentro do sincopador. O motor estremeceu. Então o calor se abrandou, e a tremura se acalmou até virar um ronronar confortável. Leo colocou sua não no casco, agora vibrando com a energia mágica. Buford se aconchegou carinhosamente encostado a sua perna e soltou vapor. "Está tudo bem, Buford." Leo se virou orgulhoso para seus amigos. "Este é o som de um motor que não está explodindo." — Leo não percebeu o quanto estava exausto até que desmaiasse. Quando ele acordou, ele estava deitado num catre perto do Argo II. Toda a cabine de Hefesto estava lá. Eles estabilizaram os níveis do motor e expressaram todo a sua admiração pela genialidade de Leo. Uma vez que ele estava de pé novamente, Jason e Piper o levaram até um canto e prometeram a ele que eles não diriam a ninguém o quão perto de explodir o navio esteve. Ninguém saberia sobre a grande mancada que quase vaporizou a floresta. Apesar disso, Leo não conseguia parar de tremer. Ele quase tinha arruinado tudo. Para se acalmar, ele sacou o Lemon Pledge e cuidadosamente lustrou Buford. Depois ele pegou o sincopador reserva e o trancou dentro de um armário de suprimentos que não possuía pernas. Apenas para prevenir. Buford podia ser temperamental. Uma hora depois, Quíron e Argus chegaram da Casa grande para cuidar das Maenads. Argus, o chefe da segurança, era um cara grande e loiro com centenas de olhos sobre todo o seu corpo. Ele parecia envergonhado por descobrir que uma dúzia de Maenads perigosas tinham se infiltrado no seu território sem que fossem notadas. Argus nunca falava, mas ele ficou vermelho vivo e todos os olhos do seu corpo olhavam para o chão.


Quíron, o diretor do acampamento, parecia mais irritado que embaraçado. Ele olhou para baixo em direção as Maenads—o que ele podia fazer sendo um centauro. Da cintura para baixo, ele era um garanhão branco. Da cintura para cima, ele era um cara de meia idade com cabelos castanhos cacheados, uma barba, e um arco e uma aljava presos em suas costas. "Ah, elas de novo." Quíron disse. "Olá, Babette." "Nós vamos destruir vocês!" Babette berrou. "Nós vamos dançar com vocês, alimentá-los com petiscos gostosos, festejar com vocês até a madrugada, e rasgar vocês em pedaços!" "Anham." Quíron não parecia impressionado. Ele se virou para Leo e seus amigos. "Bom trabalho, vocês três. A última vez que essas garotas vieram procurar Dioniso, elas causaram um grande aborrecimento. Vocês as pegaram antes que elas pudessem sair do controle. Dioniso ficará satisfeito por vocês terem as capturado." "Então elas o incomodam?" Leo perguntou. "Absolutamente," Quíron disse. "Sr. D despreza seu fã clube tanto quanto despreza semideuses." "Nós não somos um fã clube!" Babette choramingou. "Nós somos suas seguidoras, suas escolhidas, suas especiais!" "Anham," Quíron disse novamente. "Então..." Piper se deslocou inquieta. "Dioniso não iria se importar se nós as destruíssemos?" "Ah, não, ele iria se importar!" Quíron disse. "Elas ainda são suas seguidoras, mesmo ele as odiando. Se vocês a machucassem, Dioniso seria forçado a enlouquecer ou matar vocês. Provavelmente os dois. Então ótimo trabalho." Ele olhou para Argus. "O mesmo plano da última vez?" Argus assentiu. Ele gesticulou para um dos campistas de Hefesto, que dirigia uma empilhadeira que carregava a gaiola. "O que vocês vão fazer com elas?" Jason perguntou. Quíron sorriu gentilmente. "Nós vamos as mandar para um lugar onde elas se sintam em casa. Nós vamos carregá-las num ônibus até Atlantic City." "Ai, mas" Leo disse. "esse lugar já não tem problemas o bastante?"


"Não se preocupe," Quíron prometeu. "As Maenads vão tirar a festança de seus sistemas bem rapidamente. Elas irão se desgastar e vão desaparecer gradualmente até o próximo ano. Elas sempre costumam aparecer perto dos feriados. Muito importuno." As Maenads foram transportadas para fora. Quíron e Argus voltaram para a Casa Grande, e os campistas de Leo o ajudaram a trancar a Carvoaria 9 para passar a noite. Normalmente Leo trabalhava de madrugada, mas ele decidiu que ele já tinha trabalhado o suficiente para um dia. Era véspera de Natal, afinal. Ele merecia um descanso. O Acampamento Meio-Sangue não celebrava feriados mortais, mas todos estavam de bom humor na fogueira. Alguns estavam bebendo gemada. Leo, Jason e Piper ignoraram a gemada e ao invés disso optaram por chocolate. Eles ouviram as canções que todos cantavam junto e observaram as fagulhas do fogo espiralarem em direção as estrelas. "Vocês salvaram minha pele de novo, galera," Leo disse aos seus amigos. "Obrigado," Jason sorriu. "Qualquer coisa por você, Valdez. Você tem certeza de que o Argo II ficará seguro agora?" "Seguro? Não. Mas ele não está correndo perigo de explodir. Provavelmente." Piper riu. "Ótimo. Eu me sinto bem melhor." Eles sentaram tranquilamente, aproveitando a companhia um dos outros, mas Leo sabia que isso era apenas um breve momento de paz. O Argo II tinha que ficar pronto até o solstício de verão. Depois eles navegariam na grande aventura deles—primeiro para achar o lar antigo de Jason, o acampamento romano. Depois disso... os gigantes estariam esperando. Gaia a mãe terra, a mais poderosa inimiga dos deuses, estava reunindo suas forças para destruir o Olimpo. Para detê-la, Leo e seus amigos teriam que navegar até a Grécia, a antiga morada dos deuses. Em algum momento ao longo do caminho, Leo sabia que ele podia morrer. Por agora, entretanto, ele tinha decidido aproveitar. Quando sua vida tinha um temporizador que levava a uma explosão inevitável, isso era tudo que se podia fazer. Ele levantou seu cálice de chocolate quente. "Aos amigos." "Amigos," Piper e Jason concordaram. Leo permaneceu na fogueira até que o líder das canções do chalé de Apolo sugeriu que todos dançassem o Hokey Pokey. Então Leo decidiu encerrar a noite.



UMA NOTA DE RICK RIORDAN Percy Jackson começou como uma história de ninar para meu filho Haley. Na primavera de 2002, quando Haley estava na primeira série, ele começou a ter problemas na escola. Logo descobrimos que ele tinha TDAH e dislexia. Isso fez a leitura ser algo difícil para ele, mas ele gostava de mitologia grega, que eu tinha lecionado no ensino médio por muitos anos. Para mantê-lo interessado na leitura, comecei a contar mitos a Haley em casa. Quando as histórias se esgotaram, ele me pediu para escrever uma nova. O resultado foi Percy Jackson, o semideus moderno com TDAH e dislexia, inspirado no próprio esforço de meu filho. Ao longo dos anos, Haley e Percy cresceram juntos. Percy se tornou um herói. Haley fez algumas coisas bastante heroicas também. Ele aprendeu a superar suas dificuldades de aprendizagem, se destacou na escola, tornou-se um leitor ávido, e—para meu total espanto— ele decidiu que queria escrever seus próprios livros. Ele recentemente terminou seu primeiro manuscrito, que é maior do que qualquer coisa que eu já escrevi! Eu também tenho que admitir que suas habilidades de escrita estão anos luz além das que eu tinha aos dezesseis anos. No momento em que este texto está sendo escrito, Haley e Percy tem a mesma idade—dezesseis. Para mim é incrível ver o quão longe os dois chegaram. Quando eu estava planejando este livro de histórias, ocorreu-me que Haley poderia ter algo a dizer sobre o mundo de Percy. Afinal, ele o inspirou. Se não fosse por seu encorajamento, eu nunca teria escrito O Ladrão de Raios. Perguntei a Haley se ele gostaria de contribuir com uma história em Diários de Semideus. Ele imediatamente aceitou o desafio. O resultado é "Filho da Magia", em que Haley esculpe um novo território no mundo de Percy. Sua história tem como ponto principal uma questão intrigante: Depois de O Último Olimpiano, o que aconteceu aos semideuses que lutaram no exército de Cronos?


Você está prestes a conhecer um desses semideuses. Você também irá obter algumas respostas sobre como a Névoa funciona, e porque monstros conseguem "cheirar" heróis. Eu gostaria de ter tido essas ideias! Parece apropriado que Haley e eu tenhamos um círculo completo. O menino que me inspirou a criar Percy Jackson agora está escrevendo sobre o mundo de Percy Jackson por si próprio. É um prazer apresentar "Filho da Magia", a história de estreia de Haley Riordan.


FILHO DA MAGIA

POR HARLEY RIORDAN


"Normalmente eu encorajo as pessoas a me fazerem perguntas quando termino, mas dessa vez eu tenho uma questão que gostaria de perguntar a todos vocês em vez disso." Ele deu um passo para trás, tentando fazer contato visual com cada uma das pessoas presentes na plateia. "Quando vocês morrerem, o que vai acontecer? A pergunta parece bem infantil, não é mesmo? Mas algum de vocês sabe a resposta?" Houve silêncio, exatamente como deveria ser... Dr. Claymore não esperava que alguém respondesse a pergunta depois do discurso que ele tinha feito. Ele não achava que alguém sequer ousaria tentar. Mas como sempre, alguém frustrou suas expectativas. Desta vez foi um garoto de cabelos castanhos, com um rosto cheio de sardas sentado na parte da frente do auditório. Claymore o reconheceu—era o mesmo garoto que correu em direção a ele no estacionamento, dizendo o quanto ele era seu fã e como ele tinha lido todos os seus livros... "Sim?" Dr. Claymore perguntou. "Você acha que sabe? Então por favor, nós todos estamos morrendo de vontade de lhe ouvir." O garoto que tinha sido tão enérgico antes agora parecia que tinha enrolado a língua. Claymore sabia que isso era cruel fazer esta inocente criança passar vergonha.


Mas ele também sabia que isso era necessário. Claymore era exatamente como um ator, atuando para seus expectadores como qualquer mágico faria durante um espetáculo de mágica. E esse garoto tinha acabado de se voluntariar para fazer parte da sua apresentação. Naquele momento toda a plateia estava encarando o menino. O homem sentado ao seu lado—o pai do garoto, Claymore supôs—mudava de posição desconfortável em seu assento. Com tanta atenção direcionada a ele, Claymore duvidava que o menino sequer tivesse forças para respirar. Ele parecia tão frágil—magricela e esquisito, provavelmente alvo de piadas na escola. Mas então o aparentemente garoto fraquinho fez algo surpreendente. Ele se levantou e encontrou sua voz. "Nós não sabemos," o garoto disse. Todo o seu corpo estava tremendo, mas ele encontrou o olhar fixo de Claymore. "Você critica cada ideia que as pessoas têm acerca da vida após a morte. Depois de toda a sua pesquisa, por que você está nos pedindo uma resposta? Você não pode achar uma por si próprio?" Claymore não respondeu de imediato. Se o garoto tivesse dito "paraíso" ou "reencarnação", ele teria rebatido como um chicote, mas esses comentários eram diferentes. Eles tinham feito sua apresentação chegar ao fim abruptamente. A plateia virou os olhos para ele com um olhar censurador, como se eles achassem mais fácil manter-se fiéis às palavras simplistas do garoto do que ao trabalho da vida de Claymore. Mas como qualquer bom mágico, Claymore tinha um plano reserva. Ele não deixou que passassem mais que 5 segundos. Mais tempo, e ele pareceria nervoso. Menos tempo, e pareceria que ele estava atacando o garoto. Depois da pausa apropriada, ele deu sua réplica ensaiada. "Eu estou lhes pedindo uma resposta porque eu ainda estou procurando por uma resposta por mim mesmo," ele disse, agarrando-se ao palanque. "E às vezes as verdades mais complicadas vem dos lugares mais simples. Quando eu estiver no meu leito de morte, vou quero saber com certeza absoluta o que está por vir. Eu tenho certeza que cada um de vocês se sentem da mesma forma." A plateia aplaudiu. Claymore esperou para que pudesse terminar. "Meu novo livro, Estrada Para a Morte, estará nas lojas em breve," ele concluiu. "Se quiserem saber mais, eu ficaria honrado se vocês o lessem. E agora eu os desejo boa


noite. Espero que todos vocês achem as respostas que procuram." Algumas pessoas da plateia o ovacionaram de pé. Claymore deu um último sorriso antes de se encaminhar para os bastidores. Mas uma vez longe dos olhos do público, ele fez uma careta. Isto era o que sua vida veio a ser—sempre desfilando de um evento a outro como um animal de circo. Ele era um visionário, mas ao mesmo tempo, uma piada. Talvez uma dúzia de pessoas na plateia, mesmo que remotamente, tinham entendido seu trabalho. E menos ainda tinham o aceitado. A ignorância absoluta de seus fãs o aborrecia. "Sr. Claymore!" sua anfitriã correu pelos bastidores, e Claymore transformou sua carranca em um sorriso. Era ela quem estava pagando seu cachê, afinal de contas. "Você foi um sucesso, Sr. Claymore!" ela disse, quase pulando fora de seus saltos altos. "Nós nunca tivemos essa multidão!" A mulher voltou a se equilibrar em seus pés, e Claymore estava surpreso por ela não ter quebrado seus saltos com seu peso. Isso era provavelmente um pensamento mal educado, mas essa mulher tinha quase a mesma altura que ele, e Claymore era considerado uma pessoa alta. A melhor maneira de descrevê-la seria como uma avó estereotipada, do tipo que assa biscoitos e tricota suéteres. Ela era maior que a maioria das avós, de qualquer forma. E seu entusiasmo era ávido, quase como se estivesse faminta. Faminta pelo o que? Ele se perguntou. Claymore concluiu que por mais biscoitos. "Obrigado," ele disse, rangendo os dentes. "Mas é Doutor Claymore, na verdade." "Bem, você foi incrível!" ela disse, sorrindo de orelha a orelha. "Você foi o primeiro autor a lotar nosso auditório!" Mas é claro que eu lotaria o auditório numa cidade minúscula como essa, Claymore pensou. Mais de um crítico tinha o chamado de a mente mais brilhante desde Stephen Hawking. Mesmo quando criança, ele costumava usar sua lábia para fazer com que parecesse ser pouco menos que um deus para seus colegas e professores. Agora ele mirava políticos, cientistas e personalidades do tipo. "Eu prego a verdade, e as pessoas anseiam pela verdade sobre a morte," ele disse, citando seu novo livro. A mulher pareceu um pouco fascinada e sem dúvida permaneceria o elogiando por horas, mas ela precisava continuar seu trabalho; então Claymore aproveitou a


oportunidade para fazer sua saída. "Eu preciso me retirar para minha casa agora, Sra. Lamia. Tenha uma boa noite." Com essas palavras, ele saiu do edifício e adentrou o ar fresco da noite. Ele nunca teria concordado em discursar no meio do nada em Keeseville, Nova York, se ele não tivesse uma casa aqui. O auditório gigante se estendia como um polegar inchado nessa cidadezinha singular para onde ele se mudou para prosseguir com sua escrita em paz. Com sua população que dificilmente passava de dois mil habitantes, Claymore achava que a grande multidão de hoje a noite devia ter vindo do resto do estado. Ele era um evento especial, ele era um uma-vez-na-vida. Mas para Claymore aquilo tinha sido só mais um trabalho suplementar, algo que seus publicitários tinham exigido. Só mais um dia de trabalho. "Dr. Claymore, espere!" uma voz chamou atrás dele, mas ele a ignorou. Se não era seu patrocinador, ele não precisava responder. Não havia motivo... o evento tinha acabado. Mas então alguém agarrou seu braço. Ele se virou e olhou. Era aquele garoto, o mesmo que tinha tentando fazê-lo passar vergonha. "Dr. Claymore!" o garoto disse, ofegando. "Espere. Eu preciso lhe perguntar uma coisa." Claymore abriu a boca para censurar o menino, mas então ele parou. O pai do garoto estava poucos passos atrás dele. Pelo menos, Claymore achava que era o pai. Eles tinham o mesmo cabelo castanho e físico magro. Ele achava que o homem deveria repreender seu filho por ser tão insolente, mas o pai apenas encarava Claymore sem expressão. "Por que, sim, olá," Claymore disse, forçando um sorriso em direção ao pai. "É seu filho?" "Ele só tem uma pergunta rápida para você," o pai disse distraidamente. Claymore relutantemente virou seu olhar para o garoto, que, ao contrário de seu pai, tinha olhos que queimavam com uma determinação ardente. "Suponho que seja minha culpa," Claymore disse o mais civilizadamente possível. "Eu deveria ter concedido a você mais tempo para conversar no fim do meu discurso." "É algo importante," o garoto disse. "Então, por favor, leve isso a sério mesmo que soe estranho, okay?"


Claymore resistiu a urgência de ir embora. Ele não gostava de pessoas indulgentes, mas sua imagem pública era importante para a venda dos seus livros. Ele não podia ter o idiota do pai desse garoto dizendo ao mundo que eles tinham sido cruelmente ignorados. "Pergunte," Claymore disse. "Sou todo ouvidos." O garoto se endireitou. Apesar de ser fino como um galho, ele ficou quase tão alto quanto Claymore. "O que acontece se alguém acha uma forma de parar a morte?" Claymore podia sentir seu sangue esfriar com a mudança de voz do garoto. A voz já não era mais nervosa. Era tão pesada e fria como uma pedra. "Isso seria impossível," Claymore disse. "Todas as coisas vivas deterioram ao longo do tempo. Há um certo ponto em que nós nos tornamos incapazes de funcionar. Isso é—" "Você não respondeu minha pergunta," o garoto o interrompeu. "Por favor, me dê sua opinião honesta." "Eu não tenho uma," Claymore retrucou. "Eu não sou um escritor de ficção. Eu não me entrego a impossibilidades." O garoto franziu o cenho. "Isso é bem ruim. Pai, o papel?" O homem tirou um pedaço de papel do bolso e o entregou a Claymore. "É nosso contato," o garoto disse. "Se você descobrir a resposta, me ligue, está bem?" Claymore o encarou, tentando não deixar sua confusão transparecer. "Você me entendeu, não entendeu? Eu não posso responder a sua pergunta." O garoto olhou para ele com olhos solenes. "Por favor, tente, Dr. Claymore. Porque se você não conseguir, eu morrerei." — No caminho para casa Claymore se manteve olhando para seu espelho retrovisor. Realmente, ele era patético. O garoto tinha apenas tentado enervá-lo. Ele não podia se deixar aborrecer por algo como aquilo. No momento em que ele chegou à entrada da garagem, sentiu como se tivesse superado tudo aquilo. Mas ainda se pegou ajustando o alarme da casa.


Claymore vivia sozinho em sua casa projetada por ele mesmo. Entre seus vários talentos ele era um arquiteto, e ele queria que sua casa o espelhasse em todos os aspectos. Impressionantemente moderna com linhas claras, criada bem atrás da estrada. Suas câmeras de segurança e janelas gradeadas protegiam sua privacidade, mas por dentro, os cômodos eram decorados de forma simples, tranquila e confortável. Sem esposa, sem crianças—não havia ninguém na casa para perturbá-lo. Nem mesmo um gato. Especialmente nem mesmo um gato. Sua casa era seu oásis e seu oásis sozinho. Estar aqui sempre acalmava seus nervos desgastados. Sim, sua linda casa o ajudava a tirar o garoto da cabeça. Mas não demorou muito para que ele se encontrasse sentado à mesa, lendo o cartão que o pai deu a ele. ALABASTER C. TORRINGTON 273 MORROW LANE 518-555-9530

O código de área 518 significada que eles deviam morar em Keeseville. E Claymore se recordava de um Morrow Lane do outro lado da cidade. Alabaster Torrington era o garoto, ou o pai? Alabaster era um nome antigo. Ele não o ouvia frequentemente, porque a maioria dos pais tinha o senso de não nomear seus filhos enquanto bêbados. Claymore sacudiu sua cabeça. Ele deveria jogar o cartão fora e esquecê-lo. Cenas de Misery de Stephen King estavam presas em sua cabeça. Mas era para isso que servia o sistema de alarme, ele disse a si mesmo; manter os fãs assustadores longe. Se no mínimo alguém batesse a porta no meio da noite, a polícia seria enviada imediatamente. E Claymore não estava indefeso. Ele tinha uma coleção respeitosa de armas de fogo escondidas em vários lugares pela casa. Não era possível ser mais cuidadoso. Ele suspirou, jogando o pedaço de papel na mesa com o resto de seus recados. Não era comum para ele encontrar pessoas esquisitas nos eventos. Não obstante, para cada pessoa semi-inteligente que comprava seus livros, havia pelo menos três outras que os tinha apanhado achando que eram guias de dieta. Tudo o que importava era o fato de que Claymore não estava sozinho em um beco escuro com aquelas pessoas. Ele estava em segurança, ele estava em casa, e não havia melhor lugar para se estar.


Ele sorriu pra si mesmo, se recostando em sua cadeira de trabalho. "Okay, tudo certo, nada com o que se preocupar," ele disse a si mesmo. "Só mais um dia de trabalho." Foi então que o telefone tocou, e o sorriso de Claymore se desmanchou. O que alguém queria a essa hora? Eram quase onze da noite. Qualquer um que fosse sensato estaria ou dormindo ou enrolado com um bom livro. Ele pensou em não atender, mas seu telefone não parava de tocar—o que era bastante estranho, considerando que sua secretária eletrônica era acionada após o quarto toque. Eventualmente a curiosidade o venceu. Ele se levantou e caminhou até a sala. Em nome da simplicidade, ele tinha colocado apenas um telefone fixo na casa. No identificador de chamadas lia-se MARIAN LAMIA, 518-555-4164. Lamia... era a mulher que reservou o evento. Ele franziu a testa e relutantemente tirou o fone do gancho enquanto se sentava em seu sofá. "Sim, alô, Claymore falando." Ele não se esforçou em disfarçar o aborrecimento em sua voz. Essa era sua cara, e forçá-lo a atender um telefonema não era melhor que invadi-la em pessoa. Ele esperava que Lamia tivesse um bom motivo. "Sr. Claymore!" Ela disse seu nome como se estivesse anunciando que ele tinha ganhado na loteria. "Olá, olá, olá! Como você está?" "Você sabe que horas são, Sra. Lamia?" Claymore perguntou na voz mais áspera possível. "Você tem algo importante para me dizer?" "Sim, eu tenho! Na verdade, eu tenho que falar sobre isso com você imediatamente!" Ele suspirou. Essa pessoa o fez ir de levemente irritado para claramente enfurecido em um total de trinta segundos. "Bem, então, não fique dando voltas falando sobre inutilidades," ele rosnou. "Diga logo! Eu sou um homem ocupado e não tenho amabilidade para ser perturbado." A linha ficou em silêncio. Claymore estava quase convencido de que ele tinha a assustado. Mas finalmente ela prosseguiu numa voz muito mais fria. "Muito bem, Sr. Claymore. Não temos que passar pelas gentilezas, se é isso que você deseja." Ele quase riu. Parecia que essa mulher estava abertamente tentando ser intimidante. "Obrigado," Claymore disse. "O que exatamente você quer?" "Você conheceu um menino essa noite, e ele lhe deu uma coisa," Lamia disse. "Eu quero que você entregue isso a mim."


Ele franziu o cenho. Como ela sabia sobre o garoto? Ela o estava espionando? "Eu não gosto da ideia de você me seguindo, mas eu acho que isso pouco importa agora. Tudo que o menino me deu foi um pedaço de papel com seu endereço nele. Eu não me sentiria confortável dando isso a você, alguém que eu conheci ontem. " Houve outra pausa. Assim que Claymore estava para desligar o telefone, a mulher perguntou, "Você acredita em Deus, Sr. Claymore?" Ele rolou os olhos, aborrecido com a mulher. "Você não sabe quando parar, sabe? Eu não acredito em coisa alguma que eu não possa ver ou sentir por mim mesmo. Então se estiver me perguntando em um contexto religioso, a resposta é não." "Que pena," ela disse, sua voz era quase um sussurro. "Isso torna meu trabalho mais difícil." Claymore bateu o telefone no gancho. Qual era o problema dessa mulher? Ela tinha começado a conversa praticamente dizendo, "Eu estive perseguindo você," e depois tentou convertê-lo. Coisas demais sendo ela uma avó agradável. O telefone tocou de novo—Lamia novamente—mas Claymore não tinha absolutamente nenhum intuito em atendê-lo. Ele desconectou seu telefone, e aquilo foi o fim disso. Amanhã, talvez, ele registraria uma ocorrência policial. Claramente a Sra. Lamia era demente. Por que diabos ela queria o endereço do garoto? O que Lamia queria com ele? Claymore estremeceu. Ele sentiu uma estranha urgência em alertar o menino. Mas não, isso não era problema seu. Ele simplesmente deixaria os psicopatas se resolverem sozinhos, se era o que queriam. Ele não iria entrar no meio do fogo cruzado. Especialmente hoje à noite. Nessa noite, ele precisava dormir. — Claymore sabia que aquela curiosidade e agitação poderiam bagunçar os sonhos de uma pessoa. Mas isso não explicava aquele sonho. Ele se viu em uma sala ampla, velha e poeirenta. Se parecia com uma igreja que não era limpa há séculos. Não havia nenhuma luz exceto por um leve brilho verde na parte mais distante da sala. A fonte de luz era obscurecida por um garoto que permanecia no corredor exatamente à sua frente. Embora Claymore não conseguisse ver claramente, ele tinha certeza que era o mesmo menino do auditório. O que ele estava fazendo no sonho de Claymore? Claymore era o que as pessoas chamavam de sonhador lúcido, alguém que


normalmente sabia quando estava sonhando e podia acordar se quisesse. Ele podia acordar agora se desejasse, mas ele decidiu por não fazê-lo por enquanto. Ele estava curioso. "Ela me achou de novo," o garoto disse. Ele não estava falando com Claymore. Ele estava de costas, e parecia estar conversando com a luz verde. "Eu não sei se consigo derrotá-la dessa vez. Ela está se aproximando pelo meu cheiro." Por um momento não houve nenhuma resposta. Então, finalmente, uma mulher falou sua voz vinda da parte da frente da sala. Seu tom era firme e sem humor, e algo sobre isso provocou calafrios na espinha de Claymore. "Você sabe que não posso ajudá-lo, meu filho," ela disse. "Ela é minha filha. Eu não posso levantar minha mão contra nenhum dos dois." O garoto ficou tenso como se estivesse pronto para argumentar, mas ele se deteve. "Eu—Eu entendo, mãe." "Alabaster, você sabe que eu te amo," a mulher disse. "Mas essa é uma batalha que você trouxe a si mesmo. Você aceitou a benção de Cronos. Você lutou junto com seu exército em meu nome. Você não pode simplesmente virar para seus inimigos agora e implorar por perdão. Eles nunca ajudarão você. Eu tive que barganhar para manter você a salvo até então, mas eu não posso interferir na sua luta com ela." Claymore franziu a testa. O nome Cronos se referia ao lorde Titã da mitologia grega, filho da terra e dos céus, mas o resto não fazia sentido algum. Claymore esperou obter alguma introspecção deste sonho, mas agora parecia besteira—mais mitologia e lendas. Isso não era nada além de ficção inútil. O garoto, Alabaster, caminhou em direção à luz verde. "Cronos não deveria ter perdido! Você disse que as chances de vitória estavam a favor dos Titãs! Você me disse que o Acampamento Meio-Sangue seria destruído!" Quando o garoto se moveu, Claymore pode finalmente ver a mulher com quem ele estava falando. Ela estava ajoelhada no fim do corredor, seu rosto levantado como se em oração para uma janela de vitral suja acima do altar. Ela vestia uma túnica branca ornamentada com desenhos prateados, como runas ou símbolos de alquimia. Seu cabelo escuro mal dava abaixo de seus ombros. Apesar da sujeira e da poeira ela estava ajoelhada no meio disso, a mulher parecia impecável. Na verdade, ela era a fonte da luz. O brilho verde a cercava como uma aura. Ela falou sem olhar para o garoto. "Alabaster, eu simplesmente disse a você o resultado mais provável. Eu não prometi a você que isso iria ocorrer. Eu apenas queria que você enxergasse as possibilidades, então você estaria preparado para o que viesse." "Certo," Claymore finalmente disse. "Eu já tive o bastante. Essa história ridícula


termina agora!" Ele esperava saltar acordado. Mas por alguma razão ele não acordou. O garoto girou e o examinou com espanto. "Você?" Ele se virou de volta para a mulher ajoelhada. "Por que ele está aqui? Não é permitido que um mortal entre na casa de um deus!" "Ele está aqui porque eu o convidei a entrar," a mulher disse. "Você pediu sua ajuda, não foi? Eu esperava que ele fosse mais solicito se entendesse sua—" "Basta!" Claymore gritou. "Isso é um absurdo! Isso não é a realidade! Isso é meramente um sonho, e como seu criador, eu exijo acordar!" A mulher continuou não olhando para ele, mas sua voz soou divertida. "Muito bem, Dr. Claymore. Se é isso que você quer, eu farei isso então." — Claymore abriu seus olhos. A luz do sol fluía através da janela do seu quarto. Estranho... Normalmente quando ele escolhia terminar um sonho, ele acordava imediatamente, durante a calada da noite. Por que já era manhã? Bem, aquele sonho tinha feito o garoto de ontem parecer muito menos intimidante. Benção se Cronos? A casa de um deus? Alabaster parecia mais um membro de RPG do que um psicopata maluco. Titãs? Claymore lutou contra uma risada. Quantos anos ele tinha, cinco? Claymore se sentia aliviado e revigorado. Estava na hora de começar sua rotina matinal. Ele se livrou das roupas de dormir, tomou um banho, e vestiu seus trajes regulares—o mesmo estilo de roupas que ele tinha usado no seu discurso da noite anterior: calça, camisa e mocassins lustrados marrons. Claymore não acreditava em situações caracterizadas por roupas desnecessariamente informais. Ele vestiu seu casaco de lã e começou a reunir seus pertences. Laptop: checado. Carteira: checado. Chaves: checado. Então ele hesitou. Havia mais uma coisa da qual ele precisava. Era uma precaução completamente desnecessária, mas o deixaria com a mente tranquila. Ele abriu sua gaveta da mesa, apanhou seu revolver— uma nove milímetros—e a guardou dentro do bolso do casaco. Na noite passada o garoto Alabaster tinha mexido com sua cabeça. Tanto que Claymore tinha ido para a cama sem escrever qualquer coisa, que era algo que ele não poderia se permitir no momento, com seu prazo tão perto de acabar. Ele não poderia permitir que nenhum fã enlouquecido afetasse seu estado de espirito e produção. Se


isso significava que ele teria que carregar seu cobertor de segurança¹, então ele iria carregá-lo. — Black's Coffee. Era um nome com um trocadilho da pior espécie², mas Claymore retornava dia após dia. Afinal, era a melhor cafeteria em Keeseville. Novamente, era a única cafeteria em Keeseville... Ele tinha chegado a conhecer bem o proprietário. Tão logo ele entrava, Burly Black era o primeiro a cumprimentá-lo com "Howard! Como você está? O de sempre?" Burly era... bem, corpulento³. Sua cara carnuda, braços maciços tatuados, e sua carranca permanente teria lhe rendido a entrada em qualquer gangue de motoqueiros. Seu avental Beije o Cozinheiro era a única coisa que o fazia parecer que deveria ficar atrás do balcão. "B'Dia," Claymore respondeu, pegando um lugar no canto e retirando seu laptop. "Sim, o de sempre seria bom." Ele estava no capitulo quarenta e seis nesse momento, o que tornava seu trabalho mais fácil. Nada mais de enrolação com os leitores. Se eles não tivessem entendido o propósito até esse momento, eles nunca entenderiam. Café e pastel de blueberry apareceram a sua frente, mas Claymore mal os notou. Ele estava em seu próprio mundo, dedos se alastrando sobre o teclado, palavras e pensamentos vindo juntos em um padrão aparentemente irreconhecível, mas Claymore sabia que era um gênio. O café foi drenado lentamente. O pastel foi reduzido a poucas migalhas. Outros fregueses iam e vinham, mas nenhum deles perturbou Claymore. Nada importava exceto seu trabalho. Era por aquilo que ele vivia. Mas então seu mundo privado se estilhaçou quando uma mulher se sentou perto dele. "Claymore, que surpresa! Eu não esperava vê-lo aqui!" Ódio brotou dentro dele. Ele apertou Ctrl+S e fechou seu laptop. "Sra. Lamia, se eu não fosse um homem civilizado, puxaria essa cadeira debaixo de você."

¹ NT: “security blanket” é uma expressão que faz menção ao cobertor que as crianças costumam carregar para se sentirem mais seguras. Nesse caso o revolver de Claymore é seu “security blanket”..

² NT: Black’s Coffee faz um trocadilho com “black coffee” em português: café preto ³ NT: “Burly” significa corpulento em inglês.


Ela fez beicinho, dando a ele um olhar de cachorrinho sem dono, que não era convincente em uma mulher da sua idade. "Isso não é muito legal, Sr. Claymore. Eu estou apenas dando um alô." Ele olhou para ela. "É Doutor Claymore." "Desculpe-me," ela disse indiferente. "Eu sempre esqueço... eu não sou muito boa com nomes, como pode ver." "A única coisa que quero de você é que suma da minha frente," ele disse. "Eu me recuso a ser convertido a qualquer que seja o culto ao qual você pertence." "Eu só quero conversar," ela insistiu. "Não é sobre deuses. É sobre o garoto, Alabaster." Ele olhou pra ela desconfiado. Como ela sabia o nome do garoto? Claymore não tinha mencionado em sua conversa na noite passada. Sra. Lamia sorriu. "Eu tenho procurado por Alabaster por algum tempo. Eu sou sua irmã." Claymore riu. "Você não pode arrumar uma mentira melhor que essa? Você é mais velha que o pai do garoto!" "Bem, as aparências enganam." Seus olhos pareciam anormalmente brilhantes, luminosamente verdes, como a luz do sonho de Claymore. "O garoto tem se ocultado muito bem," ela continuou. "Devo admitir que ele está ainda melhor em sua magia occultandi. Eu esperava que seu discurso o faria se revelar, e isso aconteceu. Mas antes que eu pudesse pegá-lo, ele conseguiu escapar. Me dê seu endereço, e eu deixarei você em paz." Claymore tentou manter a calma. Ela era apenas uma mulher velha e louca, divagando sem sentido. Apesar de magia occultandi... Claymore sabia latim. Isso significada encantamento de ocultação. Quem diabos era essa mulher, e por que ela queria o garoto? Estava claro que ela queria fazer mal a Alabaster. Enquanto Claymore a encarava, ele percebeu outra coisa... Sra. Lamia não estava piscando. Ele já tinha a visto piscar alguma vez? "Você sabe o que é? Eu estou cansado disso," a voz de Claymore tremia de ódio. "Black, você está me ouvindo?" Ele olhou para Burly por cima do balcão. Por alguma razão, Burly não estava respondendo. Ele continuava polindo as canecas de café. "Ah, ele não consegue te ouvir." A voz de Lamia se transformou no mesmo sussurro rouco que ele tinha ouvido na noite passada ao telefone. "Nós podemos controlar a Névoa a vontade. Ele nem mesmo faz ideia de que estou aqui." "Névoa?" Claymore perguntou. "Sobre o que diabos você está falando? Você deve ser verdadeiramente insana!"


Ele se levantou, instintivamente recuando, colocando sua mão no bolso do casaco. "Burly, por favor, expulse essa mulher daqui antes que ela estrague completamente minha manhã!" Burly continuou sem responder. O grandalhão olhou para a direita através de Claymore como se ele não estivesse lá. Lamia deu um sorriso convencido. "Sabe, Sr. Claymore, eu não acho que já tenha alguma vez encontrado um mortal tão arrogante desse jeito antes. Talvez você precise de uma demonstração." "Você não entende, Sra. Lamia? Eu não tenho tempo pra isso! Eu vou me retirar agora, e quanto à..." Ele não teve tempo de terminar. Lamia se levantou e sua forma começou a brilhar. Seus olhos foram os primeiros a mudar. Suas íris se expandiram, brilhando em verde escuro. Suas pupilas se estreitaram até virarem fendas ofídicas. Ela estendeu uma mão e imediatamente seus dedos murcharam e endureceram, e suas unhas se transformaram em garras de lagarto. "Eu posso matar você agora mesmo, Sr. Claymore," ela sussurrou. Espere... Não, isso não era um sussurro. Soava mais como um silvo. Claymore sacou sua arma do seu casaco e o apontou para a cabeça de Lamia. Ele não estava entendendo o que estava acontecendo—algum tipo de alucinógeno em seu café, talvez. Mas ele não podia deixar essa mulher—essa criatura—levar a melhor em cima dele. Aquelas garras podiam ser uma ilusão, mas ela ainda estava se preparando para atacá-lo. "Você realmente pensa que eu agiria tão pretensiosamente em torno de uma lunática se eu não estivesse preparado para me defender?" ele perguntou. Ela rosnou e avançou, levantando suas garras. Claymore nunca tinha atirado em alguma coisa antes, mas seus instintos tomaram de conta. Ele puxou o gatilho. Lamia cambaleou, silvando. "A vida é uma coisa frágil," ele disse. "Talvez você devesse ler um dos meus livros! Estou apenas agindo em legitima defesa!" Ela investiu novamente. Claymore atirou mais duas vezes na cabeça da mulher, e ela desabou no chão. Ele esperava que tivesse mais sangue... mas isso não importava. "Você—você viu isso, Burly, não viu?" ele exigiu. "Não há forma de socorrê-la!" Ele se virou para Black, e depois franziu o cenho. Burly estava ainda polindo as canecas de café. Não tinha jeito de Burly não ter escutado os tiros. Como era possível? Como?


E em seguida, uma outra impossibilidade aconteceu. O cadáver abaixo dele começou a se mover. "Eu espero que entenda agora, Sr. Claymore." Lamia se levantou e o encarou com seu olho de serpente remanescente. Toda a parte esquerda de seu rosto tinha sido estourada, mas onde deveria ter sangue e ossos tinha uma espessa camada de areia preta. Parecia mais que Claymore tinha destruído parte de um castelo de areia... e mesmo assim essa parte estava se reformando lentamente. "Por me atacar com sua arma mortal," ela silvou, "você declarou guerra a uma filha de Hécate! E eu não entro em uma guerra de ânimo leve!" Isso... isso não era um sonho, ou indução por drogas ou qualquer outra coisa. Isso era impossível... Como isso era real? Como ela permanecia viva? Foco! Claymore disse a si mesmo. Obviamente isso é real, uma vez que aconteceu! E então, sendo um homem lógico, Claymore fez a coisa mais lógica. Ele apanhou sua arma e correu. — A última vez que ele tinha visto uma trava de carro tinha sido há anos atrás, em um carro de aluguel que ele estacionou ilegalmente em Manhattan—mas agora, claro, justo nesta manhã, havia uma no pneu do seu carro. Fugir não era mais uma opção. Lamia estava se aproximando. Ela saiu do café como se estivesse deslizando mal levantando os pés, seu olho esquerdo estava se regenerando lentamente em um olhar irritado. Um carro passou por Claymore que tentou chamar atenção acenando, mas como tinha acontecido com Black, o motorista não pareceu notá-lo. "Você não entende?" Lamia silvou. "Seus irmãos mortais não conseguem vê-lo! Você está em meu mundo!" Claymore não argumentou. Ele aceitou sua explicação para isso. Ela cambaleou em direção a ele, levando o tempo que precisava. Ela agora se parecia menos com uma serpente, e mais com um gato brincando com sua presa. Não havia forma de combatê-la. Ele tinha apenas mais cinco balas. Se três tiros na cabeça não conseguiram pará-la, ele duvidada que qualquer coisa inferior a uma granada pararia. Ele tinha uma vantagem. Ele nem de longe era um atleta, mas Lamia parecia ser o tipo de pessoa que tinha dificuldade em ir do sofá até a geladeira. Ele poderia correr e sobreviver a ela, não importava que tipo de monstro ela fosse.


Ela estava há seis metros de distância agora. Claymore deu a ela um sorriso desafiador, então se virou e saiu correndo rua abaixo pela Rua Principal. Havia apenas uma dúzia de lojas no centro da cidade, e a rua era bem ampla. Ele teve de virar na Segundo Avenida, para eventualmente perder Lamia de vista em um dos lados das ruas. Depois ele retornaria para sua casa, em segurança, e entraria em contato com a polícia. Uma vez que estivesse lá, ele... "Incantare: Gelu Semita!" Lamia gritou atrás dele. Isso era latim... um encantamento. Ela estava recitando algum tipo de feitiço. Ele não teve tempo de traduzir a frase antes do ar ao redor dele baixar a temperatura em pelo menos trinta graus. Embora não tivesse nenhuma nuvem no céu, granizo começou a cair. Ele se virou, mas Lamia tinha ido embora. "Encantamento: Caminho de Geada..." ele traduziu em voz alta, sua respiração vaporizando. "Sério? Ela está usando mágica? Isso é ridículo!" Então a voz dela disse atrás dele: "Você é um homem inteligente de verdade, Sr. Claymore. Agora eu entendo por quê meu irmão procurou você." Ele girou em direção a voz de Lamia, mas de novo ela não estava lá. Mais um de seus joguinhos para cima dele... Ótimo. Ele tinha que fazer mais do que apenas fugir. Ela não era humana, mas ele podia aproximar-se dela como qualquer adversário. Ele tinha que estudar seu oponente, descobrir suas fraquezas. E então ele poderia escapar. Ele estendeu sua mão para o granizo. "Eu podia não saber que isso era possível dez minutos atrás, mas eu sei de uma coisa: se isso é uma extensão do seu poder, não é nenhuma surpresa nós não conseguirmos ver mais monstros como você!" Ele gritou. "Nós devemos ter matado todos eles!" Ela silvou furiosa. O granizo começou a cair mais forte, enchendo o ar de névoa gelada. Ele sacou seu revolver, pronto para que ela viesse de qualquer angulo. Embora não ligasse para ficção, ele havia passado sua carreira pesquisando sobre crenças antigas. Encantamentos eram atualmente um conceito simples: se você dissesse algo com poder o bastante, isso poderia se tornar realidade. Esse encantamento devia ser um feitiço translocacional de algum tipo. Caso contrário ela não teria usado a palavra semita. Ela estava fazendo um caminho para si mesma, e esse gelo era o método de viagem—ocultando sua localização e fazendo ficar mais difícil para Claymore se locomover ou antecipar o próximo ataque dela. Só para enfurecê-lo, mas ele se forçou a manter o foco. O chão ao redor dele estava agora coberto de gelo. Ele se manteve imóvel e com os ouvidos atentos. Ele sabia que ela usaria a oportunidade para atacar. Ela devia estar brincando com ele, mas Claymore não tinha a intenção de morrer


nas mãos de uma idiota como ela, especialmente tendo ela se apaixonado por seu sarcasmo tão facilmente... Claymore ouviu o som denunciador de seus saltos altos triturando o gelo. Ele rodopiou imediatamente, se esquivando enquanto ela passava as garras pelo lugar onde ele estivera parado. Antes que ela pudesse recuperar seu equilíbrio, ele atirou. Seu joelho esquerdo explodiu em pó preto, e o granizo cessou. Lamia tropeçou, pelo olhar em seu rosto, a ferida nem mesmo tinha a perturbado. A metade inferior de sua perna tinha se desintegrado, mas já estava reformando-se. Ele não esperava matá-la dessa vez. Ele observou cuidadosamente enquanto ela se curava, cronometrando sua regeneração. Com uma bala, ele estimava conseguir um minuto. "Você ainda não entende, mortal!" ela disse. "Essas armas não podem me matar! Elas conseguem apenas me retardar!" Claymore olhou para ela e riu. "Você deve estar maluca se estiver pensando que estou tentando matar você! Obviamente, eu agora sei que você é imortal, então porque eu tentaria? Não, eu não posso matar você. Mas eu aprendi algo interessante com nosso tempo juntos." Ele apontou sua arma. "Você não quer realmente me matar. Do contrário não teria perdido seu tempo atirando cubos de gelo em mim. Você quer me assustar, esperando que eu vá levar você até o garoto. Ele é uma ameaça a você, não é? Tudo que eu tenho que fazer é achá-lo então ele pode eliminar você adequadamente. E eu sei exatamente onde ele está!" Ela silvou enquanto sua perna se emendava, mas ele atirou nela mais uma vez. "Se eu tivesse balas o suficiente poderia ficar sentado aqui o dia inteiro!" Claymore zombou. "Você está indefesa! Talvez eu devesse pegar um aspirador de pó e acabar logo com você!" Ele pensou que a besta iria perceber que estava a sua mercê agora, mas por alguma razão, ela continuava sorrindo. O granizo tinha cessado completamente. O que estava no chão já tinha derretido, então ele sabia que fosse qual fosse o feitiço que ela estava usando ele tinha acabado. Como ela ainda tinha a audácia de sorrir? "Você é realmente o mortal mais arrogante que eu já vi! Ótimo! Se você não vai me levar até o garoto, eu terei o prazer em te destruir!" Ela sacudiu a língua de cobra. "Incantare: Templum Incendere!" "Templo de fogo," Claymore traduziu. Provavelmente um feitiço ofensivo—ele estava prestes a ser atacado por fogo de alguma forma. Ele atirou na perna recém restaurada de Lamia que voltou a ser pó.


O feitiço obviamente não funcionou imediatamente, mas ele não fazia questão de descobrir o que o feitiço faria. Ele estava para tomar vantagem do fato de nenhum mortal conseguir vê-lo. Ele correu de volta para o Black's Coffee e empurrou a porta. Black deveria está se divertindo muito, muito mesmo polindo as xícaras porque ele ainda estava fazendo isso. Claymore não se importou. Ele alcançou o bolso de Black e tirou de lá as chaves de seu caminhão—e Black nem mesmo notou. Quando Claymore pensou que estivesse livre, ouviu a voz áspera de Lamia: "Você realmente acha que eu sou idiota, não é?" Ela estava exatamente atrás dele... mas como era possível? Ele mediu seu tempo de reação que era em torno de um ou dois minutos. Não havia forma de ela ter sido capaz de segui-lo tão rapidamente. Ele não teve tempo de reagir. No momento em que se virou, ela apertou suas garras de lagarto ao redor de seu pescoço e seu revolver caiu ruidosamente no chão. "Eu tenho andando neste mundo por milhares de anos!" ela silvou, seus olhos de um verde profundo o encarando. "Você é um mortal! Cego! Eu fui como você, uma vez. Eu pensei que estivesse acima dos deuses. Eu era a filha de Hécate, deusa da magia. O próprio Zeus se apaixonou por mim! Eu me considerava seu igual! Mas então o que os deuses fizeram comigo?" Sua mão se fechou mais apertado em torno de sua garganta, e Claymore engasgou tentando tomar fôlego. "Hera sacrificou meus filhos bem na frente dos meus olhos! Ela...! Aquela mulher...!" Uma lágrima escorreu pelo seu rosto escamoso, mas Claymore não se importou nem um pouco com a história triste da criatura. Ele dirigiu seu joelho ao peito dela com toda a força que conseguiu reunir e ouviu um crack satisfatório vindo das costelas de Lamia se quebrando. Lamia caiu para trás. Felizmente, suas costelas levariam tempo para se regenerar. Ela se curvou, ofegando, como se o golpe tivesse causado tanta dor que ela não conseguisse se levantar. "Eu já convoquei o Templo de Fogo," ela disse. "Que é um encantamento que destrói seu santuário—seja qual for o lugar que você deposita sua fé. Eu não sou capaz de fazer você sentir minha dor, mas eu ainda posso tirar tudo o que é precioso para você! E posso com apenas um aceno de mão!" De repente a temperatura na cafeteria disparou. O local parecia uma sauna em que o calor continuava aumentando. As mesas foram as primeiras a pegar fogo, depois as cadeiras e depois...


Claymore correu loucamente para Black, que ainda estava polindo suas xícaras de café alegremente. "Incantare: Stulti Carcer!" Lamia gritou. Subitamente as pernas de Claymore pareceram virar chumbo. Ele tentou se forçar a mover, mas não conseguiu. Ele estava colado no lugar. Chamas começaram a se aproximar do avental de Black. Logo todo o seu corpo estava em chamas. A pior parte era que ele nem mesmo notava o que estava acontecendo com ele. Claymore clamou por ele, mas foi inútil. Ele teve de assistir seu único amigo de verdade em Keeseville ser consumido pelas chamas bem na frente dos seus olhos. "Deuses podem fazer isso!" Lamia gritou. "Eles podem eliminar tudo o que você mais preza em um segundo, e assim farei eu!" Ela virou para o laptop de Claymore. "Eu vou destruir isso também—seu trabalho mais recente!" Ela gesticulou para o computador enquanto as chamas rolavam em direção ao equipamento através da cafeteria. O plástico começou a derreter. "Tente salvá-lo, Claymore!" ela provocou. "Se você tentar combater as chamas agora, pode não ser tarde demais." Ela flexionou sua mão e Claymore pode de repente sentir seus pés. "Vá, filho de homem," ela silvou. "Salve o que é mais precioso para você. Você falhará! Assim como eu—" Lamia não teve tempo de terminar antes que o punho de Claymore acertasse seu rosto. Ela caiu contra uma mesa. Claymore desceu até ela com outro soco, sua mão agora revestida de areia preta. "Como você pode simplesmente ficar aí falando dessa forma depois de tirar a vida de um homem?" ele gritou. Ela o alcançou com suas garras, mas Claymore as atirou para longe. Ele virou a mesa e Lamia tombou no chão. "Você o matou!" ele gritou. "Burly não tinha nada a ver com isso, e você o matou! Eu não me importo com que tipo de monstro você é! No momento em que eu acabar com você, você irá desejar que Hera tivesse a matado!" Ela abriu sua boca. "Incantare: Stu—!" Claymore chutou sua mandíbula, e a parte inferior do seu rosto se dissolveu em areia. As chamas tinham ficado mais agressivas agora. A fumaça pungente queimava nos pulmões de Claymore, mas ele não se importava. Enquanto ela tentava se regenerar, ele a chutou e socou repetidas vezes, até que ela virasse um monte de areia. Entretanto... ele sabia que não podia continuar com isso. Ele não podia deixar a


raiva acabar com ele. Isso era o que Lamia queria. Ela ficaria bem independente do que ele fizesse a ela, mas ele não invulnerável—só a fumaça já tornava difícil respirar. Ele tinha que sair dali. Do contrário, o monte de areia debaixo dos seus pés levaria a melhor no fim das contas. Levaria pelo menos um minuto para que ela se reformasse, ele supôs, apenas tempo suficiente para ele desaparecer Ele olhou para a massa rodopiante de pó, imaginando se aquilo era capaz de ouvi-lo. "Na próxima vez, eu saberei como matar você. Sua morte é inevitável. Eu sugiro que corra, assim que suas pernas crescerem novamente." Ele apanhou seu revolver do chão e atirou contra o monte de areia—um último tiro por Burly Black. Ainda não era o bastante. Justiça tinha que ser feita, e se a sua intuição estivesse certa, ele conhecia exatamente quem poderia fazê-la. — Quando a polícia descobrisse que ele tinha pegado o caminhão de Black, eles o iriam culpar pelo fogo? Eles o acusariam pelo assassinato de Black? Um monstro de verdade estava atrás dele, mas Claymore devia ser atrelado como um inimigo da lei. Se a situação fosse diferente ele teria achado tal ironia engraçada; mas não agora, não quando Black está morto. Com certeza Black teria permitido que Claymore pegasse seu caminhão... Claymore pisou fundo, dirigindo o mais rápido possível sem que causasse um acidente. Lamia tinha um conjunto de feitiços a sua disposição. Tudo o que Claymore tinha era uma vantagem de um minuto. Ele não gostava daquelas probabilidades, mas Claymore tinha uma forma de virar as probabilidades a seu favor. Ele nunca teve vantagens em sua vida, ainda que ele tivesse conseguido obter um PhD e se tornar um autor bem sucedido. Foi por meio do seu brilhantismo que ele conseguiu fazer um nome. Mesmo se ele tivesse sido jogado dentro de um mundo estranho onde monstros e deuses existem, não havia jeito de ele permitir a si mesmo perder. Não para Lamia, não para Hécate, para ninguém. Ele entrou na garagem da sua casa e correu para dentro, ajustando o alarma enquanto trancava a porta atrás dele. Ele não planejava ficar por mais que um minuto, mas o alarme o daria algum avanço disparando se Lamia chegasse aqui mais rápido do que ele tinha antecipado. Ele tentou reunir seus pensamentos. O garoto Alabaster devia saber sobre Lamia. No sonho de Claymore, Alabaster disse a mulher de branco que ele estava sendo


caçado. A mulher alertou Alabaster sobre ela não poder interferir num combate entre seus filhos. O que significava que a mulher de branco era Hécate, e Lamia e Alabaster eram ambos seus filhos, presos em um tipo de combate mortal. O que acontece se alguém acha uma forma de parar a morte? o garoto tinha perguntando a ele do lado de fora do auditório. Alabaster precisava achar uma maneira de derrotar Lamia, que não podia ser morta. Do contrário Lamia o mataria. Então ele foi atrás do maior especialista em morte—Dr. Howard Claymore. Ele pegou o cartão de cima da mesa e discou o número em seu telefone celular. Mas a resposta que ele teve não foi exatamente um pedido de socorro. "O que você quer?" o garoto perguntou em um tom frio feito pedra. "Eu sei que sua resposta é Não. Então o que é agora? Você quer que eu lhe diga que seu sonho da noite passada não era real?" "Eu não sou idiota," Claymore retorquiu, reajustando o alarme enquanto saia. "Agora eu sei que é real, e eu também sei que sua irmã está tentando me matar. Eu fui atacado na área de comércio, muito provavelmente porque você me pediu ajuda." O garoto parecia aturdido demais para falar. Finalmente, quando Claymore já estava entrando no caminhão de Black, Alabaster perguntou, "Se ela te atacou, como você ainda está vivo?" "Como eu disse, eu não sou um idiota," Claymore disse. "Mas como consequência de você ter me arrastado para isso, meu amigo está morto." Ele explicou brevemente o que tinha acontecido no Black's Coffee. Houve outro momento de silêncio. Claymore deu partida no caminhão. "Então?" "Nós precisamos cessar essa conversa," Alabaster disse. "Monstros conseguem rastrear chamadas telefônicas. Apenas venha até onde estou e eu irei explicar o que eu preciso que você faça. Depressa." Claymore jogou seu telefone no banco e meteu o pé fundo no acelerador. — A rua de Alabaster era um beco sem saída, com nada detrás exceto penhascos de pedra calcária que terminavam no Rio Hudson. Isso significava que não havia jeito de atacá-lo por trás, mas também significava que não havia por onde fugir. Não foi por acaso que Alabaster estabeleceu sua moradia aqui, Claymore assumiu. Alabaster queria que ali fosse um lugar onde ele poderia facilmente se defender, mesmo se ele perdesse a opção de fugir. Um lugar perfeito para uma última batalha.


De fato, o número 273 ficava bem no final da rua sem saída. Não era nada extravagante ou especial. A grama precisa ser cortada e as paredes precisavam de uma nova mão de tinta. Não era a casa mais bonita do mundo, mas era boa o suficiente para uma família regular chamar de lar. Claymore caminhou até a porta e bateu. Não demorou muito para que a porta se abrisse. Era aquele homem de ontem, o pai de Alabaster. Seus olhos inexpressivos analisaram Claymore, e ele sorriu. "Olá, amigo! Entre. Eu fiz chá para você." Claymore franziu a testa. "Eu honestamente não me importo com isso. Só me leve até seu filho." Ele continuou sorrindo, e levou Claymore para dentro. Ao contrário do lado de fora, a sala de estar era meticulosa. Tudo estava perfeitamente lustrado, organizado e espanado. Parecia que toda a mobília tinha acabado de sair do plástico bolha. Fogo rugia na lareia, e como prometido, havia chá sobre a mesa de café. Claymore ignorou. Ele sentou no sofá. "Sr. Torrington, certo? Você compreende a situação em que estou? Eu vim aqui em busca de respostas." "O chá vai esfriar," o homem informou, sorrindo alegremente. "Beba!" Claymore o olhou nos olhos. Esta era sua arma secreta? "Você é idiota?" O homem não teve tempo de responder antes que uma porta se abrisse para a sala de estar, e o garoto caminhasse para ela. As mesmas sardas e cabelos castanhos de ontem, mas sua vestimenta estava completamente bizarra. Ele usava um colete a prova de balas sobre uma camiseta de mangas longas cinza. Sua calça era também cinza, mas a coisa mais estranha em suas roupas eram os símbolos. Marcas sem sentido estavam rabiscadas em lugares aleatórios sobre toda a sua camiseta e calça. Parecia que ele tinha deixado alguma criança de cinco anos de idade se divertir com uma canetinha. "Dr. Claymore," ele disse, "não se incomode conversando com meu acompanhante. Ele não irá dizer nada de interessante." Todo o nervosismo e ansiedade pareciam ter sumido do garoto. Ele parecia severo e determinado, como no momento em que tentou zombar Claymore no auditório. Claymore olhou para o homem, depois de volta para Alabaster. "Por que não? Ele não é seu pai?" Alabaster riu. "Não." Ele se deixou cair no sofá e apanhou uma xícara de chá. "Ele é um Nebuliforme. Eu o criei parar servir como meu guardião então as pessoas não


fariam perguntas." Claymore arregalou os olhos. Ele olhou para o homem, que parecia completamente absorto da conversa. "Criou? Com magia, você quer dizer?" Alabaster assentiu, colocando a mão dentro de seu bolso e tirando um cartão em branco. Ele o colocou sobre a mesa e o bateu duas vezes. O homem, o Nebuliforme, se desintegrou na frente de Claymore, se transformando em vapor como se estivesse sendo sugado pelo cartão. Assim que o Nebuliforme se foi, Alabaster recolheu o cartão, e Claymore pode ver que agora lá tinha um contorno verde bruto de um homem impresso nele. "Assim está melhor." Alabaster conseguiu sorrir. "Ele se torna irritante depois de um tempo. Eu sei que isso deve ser informação demais para um mortal." "Eu me viro," Claymore disse, dispensando-o. "Eu estou mais interessado em aprender sobre Lamia, particularmente em como matá-la." Alabaster suspirou. "Eu já lhe disse, eu não sei. E é por isso que eu pedi sua ajuda. Você se lembra do que eu te perguntei no estacionamento?" "O que aconteceria se alguém achasse uma forma de parar a morte?" Claymore repetiu. "Por que isso é importante? Tem alguma coisa a ver com a regeneração de Lamia?" "Não, todos os monstros fazem isso. Existem apenas duas maneiras de matar um monstro: Uma é com algum tipo de metal divino. A outra é com algum tipo de magia de ligação que os impeça de se regenerar neste mundo. Mas matá-la não é o problema; eu já fiz isso. O problema é que ela não morrerá." Claymore levantou uma sobrancelha. "O que você quer dizer com não morrerá?" "Exatamente o que parece," Alabaster disse. "Se eu matá-la, ela não vai ficar morta, não importa o que eu tente. A maioria dos monstros quando se desintegra, tem seus espíritos mandados de volta para o Tártaro e levam-se anos, às vezes séculos até que eles se regenerem. Mas Lamia volta imediatamente. É por isso que eu fui até você. Eu sei que você tem pesquisado os aspectos espirituais da morte, provavelmente mais que qualquer um no mundo. Eu esperava que você pudesse descobrir uma forma de manter algo morto." Claymore pensou sobre o assunto por um segundo, então ele sacudiu a cabeça. "Não há nada que eu queira mais do que destruir aquela criatura, mas isso está além de mim. Eu preciso entender melhor seu mundo—como esses deuses e monstros atuam, e as regras da sua magia. Eu preciso de dados." Alabaster franziu o cenho e tomou um gole de chá. "Eu vou lhe contar o que eu puder, mas nós podemos não ter muito tempo. Lamia está ficando cada vez melhor em ver através dos meus feitiços de ocultação."


Claymore recostou-se. "No meu sonho, Hécate disse que você era um membro do exército de Cronos. Com certeza existem outros membros do seu exército. Por que não pedir ajuda a eles?" Alabaster balançou a cabeça. "A maior parte deles está morta. Houve uma guerra entre deuses e titãs no último verão e a maioria dos meio-sangues—semideuses como eu—lutaram pelos Olimpianos. Eu lutei por Cronos." O garoto suspirou antes de continuar. "Nosso principal navio de transporte, o Princesa Andrômeda, foi obliterado por uma facção inimiga de meio-sangues. Nós estávamos indo invadir Manhattan, onde os deuses tem sua base. Eu estava em nosso navio quando o inimigo o explodiu. Eu sobrevivi só porque fui capaz de colocar um encantamento de proteção em mim mesmo. Depois disso, bem... a guerra não saiu como esperávamos. Eu lutei no campo de batalha contra o inimigo, mas a maioria de nossos aliados fugiu. O próprio Cronos marchou até o Olimpo, apenas para ser morto por um filho de Poseidon. Depois da morte de Cronos, os deuses olimpianos liquidaram qualquer resistência remanescente. Foi um massacre. Eu me lembro bem, minha mãe me disse que o Acampamento Meio-Sangue e seus aliados tiveram dezesseis mortos. Nós tivemos centenas. Claymore olhou para Alabaster. Embora Claymore não se considerasse uma pessoa empática, ele sentiu pena do garoto por ter passado por tanta coisa sendo tão jovem. "Se as forças de vocês foram completamente destruídas, como você escapou?" "Não foram todos destruídos," Alabaster disse. "A maioria dos meio-sangues remanescentes fugiram ou foram capturados. Eles estavam tão desmoralizados que se juntaram ao inimigo. Houve uma anistia geral, eu acho que você o chamaria assim—um acordo negociado pelo mesmo garoto que matou Cronos. Esse cara convenceu os olimpianos a aceitarem os deuses menores que seguiam Cronos." "Como sua mãe, Hécate," Claymore disse. "Sim," Alabaster disse de forma cruel. "O Acampamento Meio-Sangue decidiu que aceitariam qualquer filho dos deuses menores. Eles construiriam chalés para nós no acampamento e fingiriam que eles não tinham nos massacrado cegamente por resistir. Uma grande parte dos deuses menores aceitou o acordo de paz no momento em que os olimpianos fizeram a proposta, mas minha mãe não. Veja bem... eu não era o único filho de Hécate servindo Cronos. Hécate nunca teve muitos filhos—mas eu era o mais forte, então meus irmãos seguiam minha liderança. Eu convenci uma boa parte deles a lutar... mas eu fui o único a sobreviver. Hécate perdeu mais filhos semideuses na guerra do que qualquer outro deus." "É por isso que ela recusou a oferta?" Claymore supôs. Alabaster tomou outro gole de chá. "Sim. Pelo menos, ela recusou em um


primeiro momento. Eu a incitei a permanecer lutando. Mas os deuses decidiram que não queriam que uma deusa rebelde estragasse sua vitória, então eles fizeram um acordo com ela. Eles me exilariam para sempre da sua proteção e do seu acampamento—esta foi minha punição por tomar uma atitude—mas eles poupariam minha vida se Hécate se juntasse a eles novamente. Que era uma outra forma de dizer que se ela não se juntasse a eles, eles se certificariam de que eu morresse." Claymore franziu o cenho. "Então até mesmo os deuses não são onipotentes o bastante para resistirem a uma chantagem." Alabaster encarou a lareira aconchegante com um olhar de desgosto. "É melhor não imaginá-los como deuses. A melhor forma de pensar neles é como uma máfia divina. Eles usaram essa ameaça para forçar minha mãe a aceitar o trato. E no processo, me exilaram do acampamento, então não posso corromper meus irmãos e irmãs." Ele terminou seu chá. "Mas eu nunca irei me curvar aos deuses olimpianos depois das atrocidades que eles cometeram. Os seguidores deles são cegos. Eu nunca colocaria meu pé no acampamento, e se colocasse, seria apenas para dar aquele filho de Poseidon o que ele merece." "Então você não tem nenhuma ajuda," Claymore disse. "E esse monstro Lamia está atrás de você... por que?" "Também queria saber." Alabaster colocou sua xícara vazia sobre a mesa. "Desde o momento em que fui exilado, eu derrotei vários monstros que vieram até mim. Eles instintivamente sentem os semideuses. Como um meio-sangue solitário, eu sou um alvo tentador. Mas Lamia é diferente. Ela é uma filha de Hécate dos tempos antigos. Ela parece ter uma vendeta pessoal contra mim. Não importa quantas vezes eu a mato, ela simplesmente não permanece morta. Ela está me desgastando, me forçando a me mudar de cidade em cidade. Meus encantamentos de proteção têm sido levados até o limite. Agora eu nem mesmo posso dormir sem que ela tente quebrar minhas barreiras. " Claymore estudou o garoto mais de perto e notou círculos negros em baixo de seus olhos. Alabaster provavelmente não dormia há dias. "Há quanto tempo você está por conta própria?" Claymore perguntou. "Quando foi que aconteceu seu banimento?" Alabaster deu de ombros como se tivesse esquecido. "Há sete ou oito meses, mas parece que foi há mais tempo. O tempo é diferente para nós meio-sangues. Nós não temos a mesma vida confortável que os mortais têm. A maioria dos meio-sangues nem mesmo passa dos vinte anos." Claymore não respondeu. Até mesmo para ele, isso era muito para assimilar. Este menino era um semideus de verdade, filho de um humano com a deusa Hécate.


Ele não tinha a menor ideia de como esse tipo de procriação funcionava, mas obviamente funcionava, porque o garoto estava aqui, e claramente ele não era um mortal normal. Claymore se perguntou se Alabaster também possuía a mesma habilidade de regeneração que Lamia tinha. Ele duvidava que tivesse. Irmãos ou não, Alabaster constantemente se referia a Lamia como um monstro. Esse não era o tipo de termo que você usaria com uma pessoa da sua própria espécie. O garoto estava realmente sozinho. Os deuses o exilaram. Monstros queriam matá-lo, incluindo um que era sua própria irmã. Sua única companhia era um Nebuliforme que brotava de uma carta oito por treze. E ainda de alguma forma, o menino tinha sobrevivido. Claymore não conseguia não se impressionar. Alabaster havia começado a se servir de mais uma xícara de chá, mas então congelou. Um dos símbolos rabiscados em sua manga direita estava brilhando em verde. "Lamia está aqui," ele murmurou. "Eu tenho poder o suficiente para mantê-la longe por algum tempo, mas—" Houve um barulho quebradiço como o de uma lâmpada estalando, e o símbolo da manga de Alabaster se estilhaçou como vidro, pulverizando cacos de luz verde. Alabaster abaixou sua xícara. "Não é possível! Não tem como ela ter conseguido quebrar minha barreira com sua mágica a não ser que ela..." Ele encarou Claymore. "Meus deuses. Claymore, ela está usando você!" Claymore ficou tenso. "Me usando? Sobre o que você está falando?" Antes que Alabaster conseguisse responder, outra runa em sua camiseta explodiu. "Levante-se! Nós temos que ir agora! Ela acabou de violar a barreira secundária." Claymore se pôs de pé. "Espere! Me diga! Como ela está me usando?" "Você não escapou dela; ela te deixou ir!" Alabaster olhou para ele. "Você tem um encantamento em você que rompe minhas insígnias de feitiço! Deuses, como pude ser tão estúpido!" Claymore cerrou seus punhos. Ele tinha sido derrotado no jogo de Lamia. Ele tinha estado são ocupado em tentar compreender as regras daquele mundo e em formar uma estratégia que ele não esperou que Lamia usasse uma estratégia por conta própria. Agora seus erros tinham a guiado até o seu alvo. Alabaster tocou levemente o peito de Claymore. "Incantate: Aufero Sarcina!" Não houve outra explosão. Desta vez cacos de luz verde voaram da camisa de Claymore e ele cambaleou para trás. "O que você fez—?" "Removi o encantamento de Lamia," Alabaster explicou. "E agora..." Alabaster deu tapas em mais algumas runas da sua vestimenta e todas elas se


estilhaçaram. Como se em resposta, um símbolo em uma das pernas da sua calça começou a brilhar em verde. "Eu reforcei as paredes internas, mas não há jeito de elas deterem Lamia por mais tempo. Eu sei que você quer entender, eu sei que você quer fazer mais perguntas, mas não. Eu não vou deixar você morrer. Apenas me siga, e depressa!" — Até o momento, ele tinha estado confuso, alarmado, assustado, e ofendido além do acreditável. Mas agora ele havia experimentado uma emoção que não sentia em anos. O grande, confiante Dr. Claymore começou a entrar em pânico. Tudo isso era uma armadilha. Lamia não tinha sido derrotada tão facilmente. Era um truque, então ela poderia passar pelas defesas de Alabaster. E tudo isso era culpa sua. Alabaster correu para fora, e Claymore o seguiu, murmurando cada palavrão que conhecia—e havia muitos. Ele não tinha visto isso antes, mas uma redoma verde cintilante envolvia a casa e se estendia até pelo menos metade do quarteirão. O brilho verde parecia estar enfraquecendo, assim como a runa na calça de Alabaster. Embora o dia estivesse ensolarado há poucos momentos atrás, nuvens tempestuosas agora pairavam no alto, bombardeando a barreira com raios. Lamia estava lá, e dessa vez ela não estava fazendo joguinhos. Ela estava aqui para matá-los. Claymore murmurou outro palavrão. Alabaster parou quando chegou à rua e olhou para o céu. "Não conseguiremos escapar. Ela está nos prendendo. Essa tempestade é um encantamento de ligação. Eu não posso dissipá-lo enquanto as barreiras ainda estão erguidas. Fugir não é uma opção; nós temos que lutar." Claymore o encarou com descrença. "O caminhão de Black está bem ali. Nós podemos pegar o caminhão e—" "E depois o que?" Alabaster o encarou de volta, congelando Claymore no lugar. "Não importa o quão rápido formos. Tudo que nós estaremos fazendo é dando a ela um alvo maior para acertar. Além disso, isso é exatamente o que ela espera que um mortal como você faça. Só fique fora disso—eu vou tentar salvar sua vida!" Claymore olhou para ele, seu sangue em ebulição. Ele veio até aqui para ajudar aquele garoto, não para ficar ali parado num canto se sentindo inútil. Ele estava prestes a argumentar quando a runa brilhante na calça de Alabaster irrompeu em chamas. O


garoto estremeceu de dor, caindo de joelhos. Acima deles, a redoma verde se estilhaçou fazendo um barulho como o de milhões de janelas se quebrando. "Irmão!" Lamia berrou acima de um rugido de trovão. "Estou aqui!" Raios caíram ao redor deles, arrancando postes elétricos e pondo árvores em chamas. O resto do mundo nem mesmo notava. Há algumas casas de distância, um homem estava aguando seu gramado. Do outro lado da rua, uma mulher corria em direção ao seu utilitário esportivo, conversando no telefone celular, alheia ao fato de sua árvore de bordo estar pegando fogo. O mesmo tipo de chamas que tinha matado Burly... Aparentemente para os meio-sangues e monstros, o mundo mortal era apenas uma consequência. Alabaster se forçou a ficar de pé, tirando uma carta de seu bolso. Ao contrário de um homem, esta carta tinha a inscrição de uma espada toscamente desenhada. Quando Alabaster bateu no desenhou ele começou a brilhar, e de repente a espada não parecia mais tão tosca. Um sabre de ouro sólido se estendeu para fora da carta, ganhando vida e se formando na mão de Alabaster. A espada tinha runas verdes brilhantes gravadas, como as das roupas de Alabaster. E embora a coisa devesse pesar mais de quarenta quilos, Alabaster a segurava com uma mão só com facilidade. "Fique atrás de mim e não se mova," ele disse, fixando seu pé firmemente no chão. Pela primeira vez em sua vida, Claymore não tentou argumentar. "Lamia!" Alabaster gritou para os céus. "Ex-rainha do Império da Líbia e filha de Hécate! Você é meu alvo, e minha lâmina encontrará você. Incantare: Persequor Vestigium!" Os símbolos na espada de Alabaster arderam mais intensamente, e cada runa de suas roupas brilhou como holofotes em miniatura. Uma coleção de feitiços mágicos o cercaram, e todo o seu corpo pareceu irradiar poder. Ele se virou para Claymore, que deu um passo para trás. Ambos os olhos de Alabaster estavam cintilando em verde, como os de Lamia. O garoto sorriu. "Nós ficaremos bem, Claymore. Heróis nunca morrem, certo?" Claymore queria argumentar contra aquilo, na verdade, os heróis sempre morriam nos mitos gregos. Mas antes que ele pudesse encontrar sua voz, um trovão rugiu, e o monstro Lamia apareceu na extremidade do gramado. Alabaster atacou.


— No momento em que Alabaster levantou sua espada, ele sentiu algo que ele não sentia desde que tinha invadido Manhattan com o exército de Cronos—a disposição de dar sua vida em nome da causa. Ele havia arrastado Claymore para isso. Ele não podia deixar outro mortal morrer por causa desse monstro. Sua primeira estocada acertou o alvo, e o braço direito de Lamia se desintegrou em areia. Para monstros normais, uma ferida como aquela provocada por uma espada de ouro imperial seria uma sentença de morte, mas tudo o que Lamia fez foi rir. "Irmãozinho, por que você persiste? Eu vim aqui só pra conversar..." "Mentiras!" Alabaster cuspiu, decepando seu braço esquerdo. "Você é uma vergonha para o nome da nossa mãe! Por que você não morre?" Lamia deu a ele um sorriso com dentes de crocodilo. "Eu não morro porque minha senhora me sustenta." "Sua senhora?" Alabaster fez uma careta. Ele tinha a impressão de que ela não estava falando sobre Hécate. "Ah, sim." Lamia se esquivou do seu ataque. Seus braços já estavam se reformando. "Cronos falhou, mas agora minha senhora terá ascensão. Ela é maior que qualquer Titã ou deus. Ela irá destruir o Olimpo e levar os filhos de Hécate a sua idade de ouro. Infelizmente, minha senhora não confia em você. Ela não quer que você viva para interferir." "Por mim você e sua senhora podem ir para o Tártaro!" Alabaster rosnou, fatiando a cabeça de Lamia. "Você está numa aliança com os deuses agora? Hera te enviou para me matar?" As duas metades da boca de Lamia gemeram. "Não mencione esse nome em minha presença! Aquela velha destruiu minha família! Você não entende, irmão? Você já leu meus mitos?" Alabaster zombou. "Eu não me incomodo em ler sobre monstros desprezíveis como você!" "Monstro?" Ela gritou enquanto seu rosto remendava. "Hera é o monstro! Ela destrói todas as mulheres por quem seu marido se apaixona. Ela persegue seus filhos por inveja e despeito! Ela matou meus filhos! Meus filhos!" O braço direito de Lamia se regenerou, e ela o segurou na frente do corpo, tremendo de raiva. "Eu ainda posso ver seus corpos sem vida à minha frente... Altheia queria ser uma artista. Eu me lembro da época em que ela foi aprendiz do melhor escultor do meu reino... Ela era uma criança prodígio. Suas habilidades rivalizam até


mesmo as de Atena. Demetrius tinha nove anos, cinco dias para o seu aniversário de dez. Ele era um garoto maravilhoso e forte, sempre tentando deixar sua mãe orgulhosa. Estava sempre disposto a fazer qualquer coisa de modo a se preparar para o dia em que ele tomaria seu lugar como rei da Líbia. Ambos trabalhavam tanto, os dois tinham um futuro incrível pela frente. Mas então o que Hera fez? Ela os assassinou brutalmente simplesmente para me punir por aceitar os cortejos de Zeus! Ela é quem merece apodrecer no Tártaro!" Alabaster atacou novamente. Dessa vez Lamia fez o impossível—ela parou a lâmina, agarrando a extremidade de ouro imperial com sua garra reptiliana. Alabaster tentou soltar sua espada, mas Lamia segurou firme. Ela aproximou seu rosto dele. "Você sabe o que aconteceu em seguida, irmão?" ela sussurrou. Seu hálito cheirava a sangue fresco derramado. "Minha vida como rainha chegou ao fim, mas a minha aversão estava apenas começando. Usando o poder de minha mãe eu elaborei um encantamento muito especial, um que permitiu a todos os monstros do mundo ser capaz de sentir a mácula dos meio-sangues..." Ela sorriu. "Talvez depois que alguns milhares de vocês morram, Hera, a deusa da família, finalmente entenda minha dor!" Alabaster prendeu a respiração. "O que foi mesmo que você acabou dizer?" "Você me ouviu! Eu sou quem fez da vida de todos vocês um pesadelo! Eu dei aos monstros a habilidade de localizar semideuses! Eu sou Lamia, a caçadora dos maculados! E uma vez que você esteja morto, nossos outros irmãos irão me seguir como sua rainha. Eles irão se juntar a mim ou morrer! Minha senhora—a própria Mãe Terra—prometeu que iria fazer com que meus filhos retornassem para mim." Lamia riu com deleite. "Eles irão voltar à vida, e tudo o que eu tenho que fazer é matar você!" Alabaster conseguiu tirar a espada de suas garras, mas Lamia estava perto demais. Ela estendeu suas garras para arrancar seu coração. Houve então um agudo BANG! e Lamia cambaleou para trás, uma buraco de bala no seu peito escamoso. Alabaster girou a lâmina, cortando-a pela metade na cintura, e Lamia desmoronou em uma pilha de areia negra. Alabaster olhou de volta para Claymore, que estava há seis metros a sua direita, segurando um revolver. "O que você está fazendo? Ela poderia ter matado você!" Claymore sorriu. "Eu vi que você estava fazendo um trabalho tão lamentável quanto eu, então pensei em dar uma mãozinha. Eu tinha que fazer algo com minha última bala." Alabaster olhou para ele com estranhamento. "Deuses, você é realmente arrogante." "Eu tenho ouvido muito isso ultimamente. Vou começar a tomar isso como


elogio." Claymore olhou para o corpo de Lamia, que já estava se regenerando. "Uma vassoura seria de grande utilidade agora. Ela estará de volta em um minuto." Alabaster tentou pensar, mas ele se sentia exausto. Grande parte dos seus encantamentos tinha acabado. Suas defesas foram destruídas. "Nós temos que sair daqui." Claymore sacudiu a cabeça. "Fugir não o ajudou antes. Nós precisamos de uma forma de lidar com ela. Ela disse que sua vida estava sendo sustentada por sua senhora..." "Mãe Terra," Alabaster disse. "Gaia. Ela tentou derrubar os deuses uma vez nos tempos antigos. Mas como isso nos ajudaria?" Claymore pegou um punhado de areia negra e o observou se contorcer tentando se reformar. "Terra..." ele murmurou. "Se mandar Lamia de volta para o Tártaro não funciona, se ela não permanece morta, não haveria uma forma de aprisioná-la nesta terra?" Alabaster franziu o cenho. Então ele teve uma ideia. Ele esperava desse homem, desse gênio, uma resposta mais complicada. Alabaster esperava que se ele falasse sobre o Submundo a Claymore e o que causava a morte dos monstros, a mente mais brilhante do século poderia lhe dizer como matar Lamia permanentemente. Mas a resposta era muito mais simples que isso. Claymore tinha acabado de resolver inconscientemente o problema. Eles não poderiam matar Lamia por bem. A deusa da terra Gaia simplesmente a traria de volta ao mundo mortal repetidas vezes. Mas e se eles não tentassem mandá-la para o Tártaro? E se ao invés disso esta terra se tornasse a prisão de Lamia? Alabaster o olhou nos olhos. "Você precisa voltar para dentro da minha casa! Eu acho que sei uma forma de pará-la." "Você tem certeza?" Claymore perguntou. "Como?" Alabaster sacudiu a cabeça. "Não temos tempo! Só procure por meu livro de cabeceira. Se conseguirmos o livro, podemos pará-la. Agora vá!" Claymore assentiu, e eles correram em direção à porta da frente. Alabaster tinha tido o poder de pará-la todo esse tempo, ele apenas não sabia disso. Mas agora ele tinha a resposta. E não havia um monstro no mundo que seria capaz de pará-lo agora. — Claymore estava cansado de correr.


Seu jovem amigo Alabaster parecia poder continuar por quilômetros apesar de estar carregando uma espada de mais de quarenta quilos. E Alabaster tinha estado resistindo aos ataques de Lamia por semanas. Claymore era outra história. Depois de fugir de Lamia por apenas algumas horas, ele estava prestes a ter um colapso. Meio-sangues deviam ser feitos de um material mais resistente do que o dos humanos. Alabaster cruzou a sala de estar. Ele olhou de volta, sorrindo de orelha a orelha, e gesticulou para Claymore se apressar. "Estava aqui o tempo todo! Deuses, queria ter notado isso antes!" Um raio caiu do lado de fora, e Claymore franziu o cenho. "Você pode guardar essa conversa para depois que ganharmos. Vamos esperar que sua fórmula mágica funcione." Alabaster assentiu. "Eu tenho certeza disso! Todo tipo de invencibilidade tem um ponto fraco. Tanques tem a escotilha, Aquiles tinha o calcanhar, e Lamia tem isso." Olhando para a expressão de Alabaster, Claymore quase sorriu. Esse era o garoto despreocupado que ele deveria ser—não um guerreiro meio-sangue que esperava morrer aos vinte anos. Ele se parecia com um garoto normal de dezesseis anos com toda uma vida pela frente... Talvez depois que Lamia estivesse morta, Alabaster poderia viver aquela vida. Talvez, se os deuses o deixassem tê-la... Mas o que Claymore iria fazer? Toda a sua vida tinha sido devotada a achar uma resposta para a morte, mas no passado ele tinha descoberto que tudo que ele tinha chegado a acreditar era uma mentira. Ou melhor, as mentiras que ele tinha rejeitado durante toda a sua vida eram na realidade verdades. Como Claymore deveria fazer a diferença agora? Como podia um homem de meia idade sem poderes especiais começar a afetar um mundo de deuses e monstros? Sua antiga vida parecia sem significado—seus prazos, seus livros autografados. Aquela vida tinha se derretido junto com seu laptop no Black's Coffee. Este novo mundo teria lugar para um mortal como ele? Alabaster o levou a subir as escadas e depois para dentro de um pequeno quarto. As paredes eram cobertas pelas mesmas runas verdes que estavam nas roupas de Alabaster. Todas elas ganharam vida no momento em que ele caminhou pelo quarto e pegou um livro de sua cabeceira. "Este é um encantamento atalho," ele explicou. "Eu tenho certeza de que irá funcionar. Tem que funcionar!" O garoto se virou em direção a Claymore, que estava esperando na porta. O


sorriso de Alabaster se dissipou. Sua expressão agora demonstrava horror. Uma fração de segundo depois Claymore entendeu o porquê. Garras geladas o alfinetaram na nuca. A voz de Lamia estalou próxima ao seu ouvido. "Se você disser uma palavra que seja desse encantamento, eu o mato," Lamia ameaçou. "Abaixe o livro, e talvez eu poupe sua vida." Claymore olhou para o garoto, esperando que ele lesse o feitiço de qualquer forma, mas como um idiota, ele abaixou o livro. "O que você está fazendo?" Claymore rosnou. "Leia o feitiço!" Alabaster estava paralisado, como se mil pessoas estivessem olhando para ele. "Eu—Eu não posso... Ela irá—" "Não se importe comigo!" Claymore gritou, enquanto Lamia enfiava suas garras mais fundo em seu pescoço. Então ela sussurrou em seu ouvido: "Incantare: Templum Incendere." O livro aos pés de Alabaster pegou fogo. "O que você está fazendo, seu idiota?" Claymore rugiu para o garoto. "Você é mais inteligente que isso, Alabaster! Se você não ler esse feitiço, você vai morrer também!" Uma lágrima escorreu pela bochecha de Alabaster. "Você não entende? Eu não quero que mais ninguém morra por minha causa. Eu levei meus irmãos à morte!" Claymore fez uma careta. Será que o garoto não estava vendo o livro queimando? Lamia gargalhou conforme a capa do livro virava cinzas. As páginas não iriam durar muito mais tempo. Não havia tempo para convencer o garoto imbecil. Claymore teria que instigá-lo a entrar em ação. "Alabaster... o que acontece quando morremos?" "Pare de dizer isso!" Alabaster gritou. "Você vai ficar bem!" Mas Claymore apenas balançou sua cabeça. Ele era a única coisa que impedia Alabaster de ler o livro, então o caminho que ele deveria tomar estava claro. Ele tinha que destruir o último obstáculo no caminho de Alabaster. Para vingar Burly, para salvar este filho dos deuses, ele sabia o que tinha que fazer. "Alabaster, você me disse mais cedo que heróis não morriam. Você deve estar certo, mas vou te dizer uma coisa." Claymore olhou o garoto nos olhos. "Eu não sou um heroi." Com isso Claymore se jogou para trás contra Lamia. Ambos caíram no hall. Claymore se virou e tentou lutar com o monstro, esperando dar alguns segundos a Alabaster, mas ele sabia que não conseguiria vencer essa luta. O grito de horror de Alabaster chegou a ele de longe. Então ele estava flutuando e


flutuando em outro mundo. A mão fria da morte envolveu Howard Claymore como uma prisão gelada. — Não havia nenhum barqueiro para ele, nem mesmo um barco. Ele foi arrastado pela água de gelar do Rio Estige, puxado em direção a qualquer que fosse a punição que o esperava pela vida levou. Ele poderia tentar alegar que ele era um homem de motivos puros, tentando pregar o sentido no mundo, mas nem mesmo ele sabia se isso era verdade. Ele tinha descartado a simples ideia da existência de deuses e foi desprezado por seus adoradores. Todos eles tinham sido motivo de piada para ele—mas se ele tinha alguma coisa que ele tinha aprendido com as últimas seis horas, era que esses deuses não tinham senso de humor. Coitado, ele pensou consigo mesmo enquanto era puxado pela corrente gelada. Se Alabaster não fosse um inimigo dos deuses, Claymore poderia ter sido recebido como um herói por salvar a vida do garoto. Mas o destino tinha um plano diferente para ele. Quando ele estivesse enfrentando seu julgamento, ele também teria que ser punido por ajudar um traidor. Era irônico, de verdade... Ele morreu fazendo algo bom, mas ele podia ser condenado a uma eternidade nas trevas. Este tinha sido o seu medo desde a infância, morrer e ser rejeitado pelo céu. É claro que, mesmo enquanto estava boiando em águas geladas, ele tinha um sorriso no rosto. O fato de Alabaster não estar fazendo esta jornada com ele disse-lhe uma coisa: Lamia não tinha matado o garoto. Sem um refém o impedindo, com certeza Alabaster tinha lido o feitiço por pura raiva e derrotado Lamia. E isso era o bastante para deixar Claymore satisfeito, não importava o castigo que os deuses decidissem. Ele riria por último agora, e pelo resto da eternidade. Mas, surpreendentemente, o destino não se desenrolou dessa forma. Acima dele na escuridão, uma luz cintilou cada vez mais brilhante e mais quente. Alguém estendeu a mão para ele—uma mulher estendeu a mão para ele através da escuridão. Sendo um homem lógico, ele fez a coisa mais lógica. Ele a tomou. —


Assim que seus olhos se adaptaram, ele viu que estava em uma igreja. Não a igreja santa reluzente do paraíso, mas uma em condições precárias. Era a mesma capela imunda, coberta de poeira que ele tinha visto em seus sonhos. E orando no altar estava a jovem mulher em roupas cerimoniais—a mãe de Alabaster, a deusa Hécate. "Suponho que você esteja esperando que eu lhe agradeça," Claymore disse. "Por salvar minha vida, é isso." "Não," Hécate disse, solenemente. "Porque eu não salvei sua vida. Você ainda está morto." O primeiro instinto de Claymore era argumentar, mas ele não o fez. Não era preciso ser um gênio para descobrir que seu coração não estava batendo. "Então por que estou aqui? Por que você me trouxe a este lugar?" Ele se aproximou do altar e se sentou na poeira ao lado de Hécate, mas ela não olhou para ele. Ela manteve seus olhos fechados e orou. Seu rosto era como uma estátua grega—pálida, linda, e sempre jovem. "Eu os salvei," ela disse a ele. "Ambos os meus filhos. Você vai me odiar por isso." Ambos... Ela tinha salvado Lamia... Claymore imaginou que não era prudente gritar com uma deusa, mas ele não pode evitar. "Você disse a Alabaster que não podia interferir!" ele exigiu. "Depois de tudo que eu sacrifiquei para ajudar o garoto, você entra no último momento e salva o monstro?" "Eu não quero que mais nenhum filho meu morra," Hécate disse. "A solução de Alabaster teria funcionado. Graças a sua morte altruísta, ele teve tempo de recuperar o livro e achar o feitiço. Era um encantamento de ligação—o inverso de um feitiço concebido para curar e fortalecer um corpo vivo. Se ele tivesse o lançado em Lamia ela teria sido reduzida uma pilha de pó preto, mas não teria morrido. Nem teria se regenerado. Ela teria permanecido viva na forma de uma pilha de pó preto para sempre. Eu parei isso antes que acontecesse." Claymore piscou. A solução do garoto teria sido brilhante e simples ao mesmo tempo. Ele admirava Alabaster mais que nunca. "Por que você não o deixou fazer isso?" Claymore questionou. "Lamia é uma assassina. Será que ela não merece o julgamento de Alabaster?" Hécate não respondeu por um momento. Ela apenas apertou com mais força suas mãos entrelaçadas. Depois do que pareceu uma eternidade de silencio, ela sussurrou: "Alabaster gosta de você. Eu vi o quão feliz você o fez. Provavelmente porque você nos lembra seu pai." Ela sorriu fracamente. "Alabaster é um menino que sempre procura deixar sua mãe orgulhosa, mesmo que às vezes ele seja imprudente... Mas Lamia também teve um


passado difícil. Ela não pediu por seu destino. Eu quero vê-la tão feliz quanto Alabaster." "Você me trouxe aqui só para me dizer isso?" Claymore perguntou, levantando uma sobrancelha. "Para me dizer que todos os meus esforços foram em vão?" "Eles não irão ser em vão, Doutor. Porque eu vou ter você para cuidar de Alabaster." Ele a olhou com curiosidade. "E como eu farei isso se estou morto?" "Meu principal papel como deusa é manter a Névoa, a barreira mágica entre o Olimpo e o mundo mortal. Eu mantenho esses dois mundos separados. Quando os mortais têm um vislumbre de algo mágico, eu venho com alternativas felizes para eles acreditarem. Alabaster também tem poder sobre a Névoa. Tenho certeza de que ele lhe mostrou algumas de suas criações—símbolos que podem ser transformados em objetos sólidos." "Nebuliformes." Claymore se lembrou do pai falso e da espada de ouro. "Sim, Alabaster me deu uma demonstração." A expressão de Hécate ficou mais séria. "Recentemente os limites entre a vida e morte tem sido enfraquecidos, graças à deusa Gaia. É assim que ela consegue trazer de volta do submundo seus servos monstruosos tão rapidamente. Mas eu posso usar essa fraqueza a nosso favor. Eu poderia devolver sua alma ao mundo em um corpo Nebuliforme. Seria necessária uma boa parte do meu poder, mas eu poderia lhe dar uma nova vida. Alabaster sempre foi teimoso e impaciente, mas se você estivesse ao seu lado, poderia guiá-lo." Claymore olhou para a deusa. Retornar a vida como um Nebuliforme... ele tinha que admitir que parecia melhor que o sofrimento eterno. "Se você tem tanto poder, por que não pôde separar Lamia e Alabaster antes? Minha morte não foi desnecessária? " "Infelizmente, Doutor, sua morte foi muito necessária," Hécate disse. "A mágica não pode criar algo do nada. Ela faz uso do que já existe. Um sacrifício nobre gera uma energia mágica poderosa. Eu usei essa força para separar meus filhos. Na verdade, sua morte me permitiu salvar os dois. Talvez o mais importante seja o fato de Alabaster ter aprendido alguma coisa com a sua morte. E eu suspeito que você também tenha aprenddido algo." Claymore reprimiu uma réplica. Ele não gostou da ideia de sua morte sendo usada como uma lição. "E se isso acontecer de novo?" Claymore perguntou. "Lamia não irá continuar indo atrás de seu filho?" "Em curto prazo, não," Hécate disse. "Alabaster agora possui um feitiço poderoso para derrotá-la. Ela seria tola se atacasse." "Mas eventualmente ela irá encontrar uma maneira de combater esse feitiço,"


Claymore previu. Hécate suspirou. "Esse dia pode chegar. Meus filhos sempre lutaram uns com os outros. O mais forte lidera os outros. Alabaster se juntou a causa de Cronos e levou seus irmãos para a guerra. Ele se culpa por suas mortes. Agora Lamia ascendeu para desafiar sua preeminência, esperando que os filhos da magia a sigam sob a bandeira de Gaia. Deve haver outra maneira. Os outros deuses nunca confiaram em meus filhos, mas essa rebelião de Gaia só irá trazer mais derramamento de sangue. Alabaster deve encontrar outra resposta—algum novo arranjo que traga paz para meus filhos." Claymore hesitou. "E se eles não quiserem paz?" "Eu não vou escolher um lado." ela disse, "Mas espero que com você o guiando, Alabaster tome a decisão certa, uma decisão que trará paz a minha família." Uma razão para viver, Claymore pensou. Um caminho para um homem mortal sem poderes especiais para afetar o mundo dos deuses e monstros. Claymore sorriu. "Isso parece um desafio. Muito bem, eu aceito. E apesar de eu ser apenas um Nebuliforme, irei garantir que ele consiga." Ele se levantou e estava prestes a sair pelas portas da igreja, mas então parou. Mesmo estando morto, a resposta que ele estava procurando estava bem a sua frente. "Eu tenho mais pergunta a fazer, Hécate." Ele preparou sua língua, assim como Alabaster deve ter feito em frente ao público em sua palestra. "Se você mesma é uma divindade, para quem você está orando?" Ela parou por um momento, virou-se para ele, e abriu seus olhos verdes brilhantes. Então como se a resposta fosse óbvia, ela sorriu e disse: "Eu espero que você descubra." — Alabaster acordou em um campo. Todas as runas de suas roupas tinham se estilhaçado, e seu colete à prova de balas tinha sido destruído a ponto de se tornar inutilizável. Porém, surpreendentemente, ele sentiu-se bem. Ele ficou ali na grama por um minuto, tentando descobrir onde estava. Suas últimas lembranças eram de Claymore batendo no monstro, as garras de Lamia se fechando ao redor do pescoço do Doutor, o livro em chamas, o encantamento... Ele estava preparado para lançar o feitiço, e então... ele acordou aqui. Ele enfiou a mão no bolso e tirou suas cartas Nebuliforme, mas todas as inscrições tinham se transformado em manchas pretas—gastas, junto com o resto da sua magia.


Então a forma de um homem apareceu sobre ele, bloqueando a luz do sol. Uma mão se estendeu para ajudá-lo. "Claymore?" o ânimo de Alabaster cresceu imediatamente. "O que aconteceu? Eu pensei que... O que você está fazendo aqui?" Claymore deu a Alabaster um sorriso que duraria o resto de sua vida. "Vamos," ele disse. "Eu acho que nós dois temos uma investigação a fazer."


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