TFG - ANEXO DOPS: Arquitetura em Memória

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ANEXO DOPS ARQUITETURA EM MEMÓRIA



ANEXO DOPS ARQUITETURA EM MEMÓRIA

BEATRIZ BORGES BRITO LEAL ORIENTADOR PROF. RICARDO RUIZ MARTOS CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2020


Agradecimentos


Gostaria de agradecer imensamente a minha vó, dona Judite, que desde o início acreditou muito em mim, me fez acreditar de que tudo isso seria possível e sempre me mandou forças, mesmo lá de cima. Um agradecimento especial ao meu orientador, Ricardo Ruiz Martos, que desde o começo se mostrou muito empolgado com o desenvolvimento do projeto, que abraçou e colaborou muito para a evolução do mesmo. Agradeço pela inspiração e aprendizado todos esses anos, em cada uma das aulas e orientações. Por me fazer enxergar a Arquitetura com outros olhos, com toda sensibilidade que ela tem. Além de manifesto, Arquitetura é poesia. À professora Aline Nasralla Regino, que foi a responsável por me incentivar a abordar esse tema, que já era uma inquietação dentro de mim, além de me inspirar e me permitir aprender tanto. À faculdade que me proporcionou estudar com uma bolsa de 100% e mostrou ser possível realizar sonhos, além de todo crescimento profissional e pessoal que adquiri na troca com os profissionais da instituição durante esses 5 anos; aos amigos que me acompanharam e levarei para a vida: Cristyna Miwa, Thaina Guerrero, Marina Ghobril, Matheus Sousa e Lucas Felismina; além dos amigos, fora da faculdade, que foram essenciais no apoio para chegar até aqui: Amanda Leandro, Luma Marinho, Giovana Médici e Suiren Quinto.



Minha dor é perceber Que apesar de termos Feito tudo o que fizemos Ainda somos os mesmos E vivemos Ainda somos os mesmos E vivemos Como os nossos pais Belchior


Sumário


Introdução

10

Conceitos I. Memória II. Fenomenologia III. Arquitetura Sensorial

12 13 14 15

Contexto histórico Linha do tempo

16 18

Localização

24

O Edifício

28

A Proposta

32

O Partido

34

O Programa

36

Plantas

42

O Percurso

46

Referências

50

Estudos de caso

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Introdução


Uma vez que a memória não é valorizada e tem a sua devida tratativa, as pessoas conhecem partes fragmentadas sobre o que ela foi, o que modifica a visão de um futuro. A história deve mostrada da forma mais verdadeira e sensível possível sobre um espaço que é prova física dos acontecimentos históricos de uma população, para que assim as gerações não percam suas identidades - pessoal e social. As cidades cada vez mais tem buscado, direta e indiretamente, apagar suas memórias e isso de forma física é demonstrado com o crescimento do mercado imobiliário, perdendo assim a sua história e consequentemente a identidade de seu povo. Quando um período marca historicamente um local devemos preservá-lo como um lugar de memória, um lugar que não tenha manipulações. Para que se torne cada vez mais frequente levantar discussões sobre o tema a qual muitas vezes é preferível ignorar ou deixar no esquecimento que nos leva ao negacionismo, e assim, a história tende a se repetir. Um dos exemplos seria todos os períodos ditatoriais que existiram no país, eles deveriam ter seus bens históricos tombados e restaurados de forma que conte suas histórias para futuras gerações, sobre o fim de golpe, do medo, da censura, da tortura, etc. A Ditadura Militar de 1964 a 1985, por exemplo, contou com poucos lugares oficiais e dentre esses a Pinacoteca de São Paulo junto a prefeitura, conseguiu identificar alguns e criou um projeto chamado Programa lugares de memória (PLM) que lista esses edifícios dentro do município afim de preservá-los. Alguns foram tombados, como por exemplo o antigo DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo) onde abriga atualmente o Memorial da Resistência, que foi reformado pós tombamento e hoje traz sua exposição aberta ao público; o DOI-Codi, que se tornou o 36ª Distrito Policial; entre outros. Esse Trabalho Final de Graduação traz uma proposta de um anexo para o DOPS-SP com o objetivo de levantar a importância de um fato histórico, que é preferível se levar ao esquecimento, com a implantação de ambientes sensoriais capazes de estimular a memória e sensações que a história do edifício carrega aos seus visitantes, para que nunca seja esquecido. Ambientes estes que irão, com auxílio de expositores sensoriais e o auxílio da Fenomenologia, contar um pouco mais sobre o período entre 1964-1985.

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Conceitos


I. Memória Alguns autores abordam esse conceito, seja ele particularmente sobre o indivíduo ou relacionado ao coletivo, e até fazem comparações entre si. No livro “Essências”, Juhani Pallasma diz que: A memória individual não é simplesmente uma capacidade mental e, sim, envolve o corpo inteiro. As memórias não permanecem escondidas somente nos secretos processadores eletroquímicos do cérebro: elas também são armazenadas no esqueleto, músculos e pele. Todos os sentidos e órgãos pensam e lembram. (PALLASMAA, 2018, p.26).

A memória individual e a coletiva andam juntas, desta maneira acabam formando a identidade de um povo ou até de um espaço. No livro “Memória Coletiva”, Maurice Halbwachs, reforça sobre a notoriedade da construção harmoniosa: Memória coletiva é uma corrente de pensamento contínuo, de uma continuidade nada artificial já que retem do passado somente aquilo que está vivo ou é capaz de viver na consciência de um grupo que a mantém. (HALBWACHS, 1990, p. 81 e 82).

Essa relação também é abordada em um artigo publicado no site do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), onde a historiadora Natalia Guerra Brayner faz uma comparação entre a identidade individual com a memória coletiva: A identidade de uma pessoa é formada com base em muitos fatores: sua história de vida, a história de sua família, o lugar de onde veio e onde mora, o jeito como cria seus filhos, fala e se expressa, enfim, tudo aquilo que a torna única e diferente das demais. (BRAYNER, 2012, p. 7).

Ou melhor, “durante sua vida, pessoas constroem suas identidades ao se relacionarem umas com as outras em diferentes contextos e situações” (BAYNER, 2012).

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II. Fenomenologia Fundamentado na experiência vivida da consciência, é o estudo das sensações humanas a partir de nossas experiências. Edmund Husserl foi um dos primeiros filósofos a estudar o conceito dessa palavra no século XX. No livro “A Ideia da Fenomenologia”, uma de suas teorias é: O fenômeno psicológico na apercepção e na objetivação psicológicas não é realmente um dado absoluto, mas só o que é o fenômeno puro, o fenômeno reduzido. (...) já não significa conjuntamente a imanência na consciência do homem e no fenômeno psíquico real. (HUSSERL, 1958, p. 26 e 27).

Dando continuidade aos pensamentos de Husserl mas em uma abordagem contrária, Maurice Merleau-Ponty que também é filósofo escreve em seu livro “A Fenomenologia da Percepção”: Eu sou o resultado ou o entrecruzamento de múltiplas causalidades que determinam meu corpo ou meu "psiquismo", eu não posso pensar-me como uma parte do mundo como o simples objeto da biologia, da psicologia e da sociologia (...) Tudo aquilo que eu sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada. (MERLEAU-PONTY, 1999, p.3).

E quase contraditório ao que o Husserl diz, e de acordo com o que MerleauPonty fala, Juhani Pallasmaa diz que: Nossos corpos e movimentos estão em constante interação com o ambiente; o mundo e a individualidade humana se redefinem um ao outro constantemente. A percepção do corpo e a imagem do mundo se tornam uma experiência existencial contínua; não há corpo separado de seu domicílio no espaço, não há espaço desvinculado da imagem inconsciente de nossa identidade pessoal perceptiva. (PALLASMAA, 2012, P. 38).

O termo é discutido entre os que buscam a ciência para explicas seus conceitos (Husserl) e até os que procuram explica-las no equilíbrio entre as vertentes cientificas e “acientíficas” (Merleau-Ponty e Pallasmaa).


III. Arquitetura sensorial Um conceito que já não é tão abordado quando atualmente arquitetos projetam visando apenas o interesse do mercado imobiliário, querendo mostrar poder e chamar atenção dos olhares. Sentir a arquitetura é algo bem complexo, e Pallasma ainda no livro “Essências” analisa a arquitetura para nós seres humanos: A função da arquitetura não é nos fazer chorar ou rir, mas nos sensibilizar para que possamos entrar em todos os estados emocionais. [...] Acredito em uma arquitetura que desacelera e foca a experiência humana, em vez de acelerá-la ou difundi-la. (PALLASMAA, 2018, p. 30- 31).

No livro “Arquitetura Vivenciada”, Steel Eiler Rasmussen explica o deve ser feito para compreender uma edificação, e assim entender a intenção do arquiteto em suas experiências: Compreender arquitetura, portanto, não é o mesmo que estar apto a determinar o estilo de um edifício através de certas características externas. Não é suficiente ver arquitetura, devemos vivenciá-la. Devemos observar como foi projetada para um fim especial e como se sintoniza com o conceito e o ritmo de uma época específica. Devemos residir nos aposentos, sentir como nos circundam, observar como nos levam naturalmente de um lado para o outro. (RASMUSSEN, 1986, p. 32).

A definição para o arquiteto Gordon Cullen é: O local) diz respeito às nossas reações perante a nossa posição no espaço. É fácil de exemplificar: quando entramos numa sala pensamos "Estou cá fora", depois "Estou a entrar ali para dentro" e finalmente, "Estou aqui dentro". Este tipo de percepção integra-se numa ordem de experiências ligadas às sensações provocadas por espaços abertos e fechados que nas suas manifestações mórbidas são a agorafobia e a claustrofobia. (CULLEN, 1971, p. 11).

Esse local descrito se dá tanto pela arquitetura interna quanto externa, pela criação dos seus cheios e vazios, construídos e não construídos.

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Contexto


A história da República Federativa do Brasil é famigerada pelas tentativas de golpes ao estado por militares, entre as tentativas tiveram os casos que foram bem sucedidos, onde setores do Exército ao se sentirem ameaçados desrespeitaram e resolveram passar por cima da democracia do país, e interviram à força. Dentre golpes como o de Marechal Deodoro da Fonseca, em 1889, que impõe o governo sob o império, dando total poder ao presidente. E o de Getúlio Vargas, em 1937, que institui o Estado Novo redigindo uma nova constituição inspirada pelo fascismo, dando o direito de intervir sobre os poderes Legislativo e Judiciário. O golpe de estado que se destaca para elaboração desse projeto é o Golpe Militar de 1964, com apoio dos Estados Unidos da América, por suspeitas de que o país se tornasse comunista fortaleceu os políticos de direita, enfraquecendo o apoio a João Goulart, que era presidente na época, que acabou sendo destituído às forças e o poder foi assumido por militares. Foi instituído naquela época, atos institucionais e decretos, até fazerem a alteração da constituição em 1967.

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LINHA DO TEMPO 1960

1961

1963

1964

1965 1966

1967

- Inauguração de Brasília por Juscelino Kubtischek - Transferencia da capital do Brasil, do Rio de Janeiro para Brasília - Estados Unidos se infiltra no governo brasileiro - Crises econômicas - Revolução cubana: Fidel Castro e Che Guevara chegam ao poder de Cuba - Fim do mandato JK - Jânio Quadros assume o cargo de presidência do país, mas renuncia no mesmo ano - João Goulart, seu vice, assume a presidência - Construção do Muro de Berlim - Carlos Lacerda defende um golpe militar contra Jango - CCC - Comando de caça aos comunistas é criado - John Kennedy é assassinado, Lyndon Johnson assume - Martin Luther King em marcha afima: "Eu tenho um sonho" - "Marcha da Família com Deus pela Liberdade" contra o governo de João Goulart - Operação Brother Sam: EUA manda navais da Marinha para que não haja falha no golpe - O general Mourão Filho comanda as tropas para destruir Goulart - Oficializado o golpe, uma junta militar assume o poder - É decretado o primeiro Ato Institucional, o A1-5 - Em votação indireta, o general Castelo Branco é eleito presidente (início do golpe) - DEOPS-SP: Se torna um dos principais braços da repressão do Estado, até 1983 - Golpe militar na Bolívia - Castelo Branco decreta o AI-2, que dissolve partidos - Eleições tornam-se indiretas

- "Comunismo não é amor; comunismo é um martelo com o qual se golpeia o inimigo" - A MPB (Música Popular Brasileira) é televisionada por um festival de músicas na TV Record - Manifestações de protestos estudantis são organizados em diversos estados - É decretado o AI-3 e o AI-4 - Golpe militar na Argentina - Che Guevara é morto pondo fim no seu sonho de revolucionar a América - Nova constituição: A Lei de Imprensa, restrição a liberdade e expressão - Castelo Branco morre, Costa e Silva assume a presidência - Criação do Centro de Informações do Exercito


1968

1969

1970

1971

1972

1973

- Estudante Edson Luis é morto pela Polícia Militar, aumenta resistência - "A passeata dos 100 mil": A maior manifestação de protesto ocorrida no país desde 1964 - Agressão aos autores da peça Roda Vida, e depredação do teatro por membros do CCC - Criação do Conselho Superior de Censura pelo ministro da Justiça - Atentados a bomba nos teatros do Rio de Janeiro - Baixado o AI-5: Suspensão de habeas corpus e fechamento do Congresso - Forças da repressão caçam grandes nomes como Marighela - Criação da Oban, um dos braços mais violentos da repressão política - Costa e Silva deixa a presidência, Emílio Médici assume - AI-13: Banimento de brasileiros que fossem considerados perigosos - AI-14: Pena de morte ou perpétua em casos de "guerra revolucionária" - Assassinato Carlos Marighela, líder da Ação Libertadora Nacional - Criação da Frente Brasileira de Informações - Criação do Destacamento de Operações e Informações (DOI) e os Centros de Operações de Defesa Interna (Codi) - Olavo Hanssen, primeiro operário morto nas dependências do DEOPS-SP - Censura de livros oficializada - Sequestro do embaixador da Suíça, governo cede a libertação de 70 presos políticos - Brasil é tri campeão mundial - Primeiro civil condenado a pena de morte, Teodomiro Romeiro - Presidente da Ultragás, Henning Albert, responsável por financiar o Oban, é assassinado - Início do regime militar na Bolívia, com apoio da ditadura brasileira - A Guerrilha do Araguaia é descoberta pelas Forças Armadas e iniciam combate - É divulgado os nomes de 472 torturadores e 1.081 torturados, pela Anistia Internacional, em relatório sobre direitos humanos - Crise mundial do Petróleo. Fim do "milagre econômico" brasileiro - Aumento da censura à imprensa - Maior PIB da história, 14% - Início da sangrenta ditadura do general Pinochet, no Chile - Golpe de estado no Uruguai


LINHA DO TEMPO

1974

1975

1976

1977

1978

1979

1980 1981

1982

1983

- O general Ernesto Geisel, escolhido por Médici, se torna presidente - Censura sobre meios como: jornais, TV e rádio se intensificam - Economia brasileira sofre - O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) ganha forças e é eleito em 22 estados - Vladimir Herzog é assassinado no DOI-Codi - Regime militar começa a perder forças - Fim da Guerra no Vietnã - JK e Jango, ex-presidentes, morrem - Manoel Fiel Filho é assassinado no DOI-Codi, levando a demissão do general Ednardo D'Vila - Golpe militar na Argentina. Início da "guerra suja", violenta repressão que se estende até 83 - Congresso é fechado - Geisel rompe acordo militar com os EUA - Jimmy Carter é eleito presidente dos EUA, e se posiciona contra a ditadura militar, condenando a violação dos direitos humanos nesse período - Primeira greve após o AI-5, realizado em São Bernardo do Campo, pelos funcionários da Scania - General João Baptista Figueiredo é eleito indiretamente novo presidente - As greves dos trabalhadores aumentam em todo o país - Lei da Anistia é aprovada, lei essa que abre os cárceres e permite a volta dos exilados, porém impede a punição aos de Estado que violaram os direitos humanos - Desativação do DOI/Codi-SP - Atentado no dia do trabalhador no Riocentro realizado por um sargento e um capitão, comprovam armações feitas durante a ditatura - Volta do debate na TV - Na crise da dívida externa, o Brasil pede ajuda ao Fundo Monetário Internacional - Greve geral, convocada pelas correntes sindicais paralisa o país por um dia, aumentando a pressão sobre a ditadura - Primeiro comício pela eleição direta é realizada, e tem a presença de cerca de 10 mil pessoas

1985


1978

1984

1985

1988

- Diretas Já! Comícios são realizados para reivindicar a aprovação que estabelece eleições diretas para presidente, e milhões de pessoas vão as ruas - Criação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terras - MST - Estado de emergência decretado, como forma de pressão do governo militar em resposta à votação pelo Congresso que prevê as eleições diretas - As Diretas Já não são aprovadas pela Câmara - Tancredo Neves é o novo presidente, meses depois adoece e é internado - Tancredo morre e seu vice, José Sarney, assume a presidência - É aprovada a emenda das eleições diretas, garantindo a legalização dos partidos comunistas - Início da Nova República - Fim da censura - Tortura é crime!

1985

1988


Imagens: Reprodução


Imagens: Reprodução


Localização


I. Programa lugares da memória O Programa Lugares da Memória (PLM) é um projeto da Pinacoteca do Estado de São Paulo, com o objetivo de preservar lugares de memória, de resistência e de repressão, do período da ditadura militar em todo o estado de São Paulo, assim como o Memorial da Resistência. A cidade de São Paulo é cheia de lugares da memória, sendo eles popularmente conhecidos ou não. O projeto teve início no ano de 2007 e passou por diversas etapas para o seu desenvolvimento diante de muita pesquisa, onde foram feitos levantamentos sobre apropriação desses lugares sob uma perspectiva museológica. O programa se subdivide em quatro projetos: Inventário dos lugares de memória: a educação para os direitos humanos por meio do patrimônio, Lugares da Memória - resistência e repressão em São Paulo, Sinalização dos Lugares da Memória e Museu de Percurso. No livro “Memórias Resistentes, Memórias Residentes: Lugares de memória da resistência e da repressão em São Paulo durante a ditadura” publicado pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania e a Coordenação de Direito à Memória e à Verdade, mapeia, especifica e detalha os locais esses lugares de memória. O território escolhido para a proposta de intervenção que esse trabalho aborda, o antigo DEOPS-SP, atual Memorial da Resistência, foi o primeiro edifício a ser estudado para desenvolvimento do Programa Lugares de Memória.

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Fonte: livro “Memórias Resistentes, Memórias Residentes


Fonte: Geosampa


O Edifício


I. Antigo DOPS-SP O edifício serviu como armazém da estação ferroviária sorocabana até 1938, onde depois de alguns anos foi fechado para reformas e se tornou parte do Departamento Estadual de Ordem Política e Social – DEOPS-SP durante os anos de 1940 e 1983, criado para controlar movimentos políticos contrários ao estado. As salas de reunião se tornaram celas onde presos políticos foram encarcerados e torturados. Em 1999, foi reconhecido e aprovado como bem tombado pelo Condephaat e passou por um projeto de restauração que durou até 2002, sob gestão da Secretaria de Estado da Cultura. Antes da reforma o espaço estava muito bem conservado e deveria ter se mantido pelo seu valor histórico, mas drásticas mudanças foram feitas durante a restauração, muitos espaços foram descaracterizados, inclusive as marcas deixadas pelos presos nas paredes das celas, conforme o artigo publicado na Revista Urbs um ano antes de seu tombamento descrevia. A reforma promovida pelos governantes fez desaparecer as quatro celas solitárias, as duas celas coletivas e a carceragem do presídio do DEOPS/SP.

Nas

celas

que

sobreviveram

a

essa

reforma

desapareceram os diminutos banheiros e as inscrições feitas pelos presos nas paredes e portas, ao longo de toda a história do local. Esses documentos presenciais de personagens ativos da História foram raspados e repintados de modo a não permitir nenhum resquício de lembrança do período. (SEIXAS; POLITI, 2009, p. 200).

Imagens feitas pós a reforma de 2002 mostram as paredes lisas e pintadas.

Fonte: Acervo Memorial da Resistência de São Paulo

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O Fórum Permanente de ex-presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo reivindicaram pela transformação que foi feita no espaço, e em 2007 a pedido da Pinacoteca foi apresentado um novo projeto museológico, em busca de uma identida

Fonte: Fernando Braga. Acervo: APESP.


II. Atual Memorial da Resistência Assumido como Memorial da Resistência no dia 1 de Maio de 2008, seguindo as diretrizes criadas por uma equipe multidisciplinar em 2007 para o novo projeto museológico, os testemunhos serviram como base para a reforma e fez com que mudasse a concepção do memorial.

Fonte: Acervo Memorial da Resistência de São Paulo

Do Fórum Permanente de ex-presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo surgiu o Núcleo de Preservação da Memória Política que participa junto com o Memorial em diversas atividades.

Fonte: Acervo Memorial da Resistência de São Paulo

Houve mudança no espaço físico e nas concepções do que antes havia sido caracterizado enquanto “Memorial da Liberdade” com intuito de apagar os resquícios de um período, essa reforma foi vista por muitos como uma conquista. Até hoje o espaço se mantém da forma como o caracterizaram na reforma de 2002, com sua exposição de longa duração onde as celas tem uma representação “romantizada” pois encontram-se com paredes pintadas, limpas, bem iluminadas e sem o odor das necessidades fisiológicas de qualquer ser humano, trazem críticas por estar totalmente descaracterizado. Localizado no Largo General Osório, 66 – Santa Ifigênia - SP, o edifício abriga tanto o Memorial da Resistência quanto a Estação Pinacoteca. Tem a sua localização no centro, além de fácil acesso por meio de transportes públicos já que a Estação da Luz fica há aproximadamente 350 metros de distância.


A Proposta


Em tempos onde é preferível deixar os fatos no esquecimento e ignorar a história, onde a alienação proporciona medo e ameaça a volta de acontecimentos já vividos em um passado obscuro, há lugares que contam histórias, há resquícios entre paredes que documentam fatos, documentos que relatam crimes cometidos contra a liberdade de uma nação. Considerando tudo, surge a intenção de um espaço de memória através da implantação de uma arquitetura sensorial, que permita uma reflexão sobre a famigerada Ditadura Militar de 1964, além do respeito pelas diferenças. Em manifestação da busca pelos direitos a qual lutamos. A proposta é implantada em um terreno onde fora localizado os armazéns da estação Sorocabana, idealizado pelo arquiteto Ramos de Azevedo, que posteriormente serviu como DOPS - Departamento de Ordem Política e Social, braço direito do golpe de 64, e abrange uma localização com acesso a diferentes meios de transporte. O objetivo é oferecer uma arquitetura que dialoga ao mesmo tempo que manifesta e se oprime, com traços marcantes que simbolizam a cicatriz deixada naquele local e seu entorno. Os espaços contemplam expositores sensoriais em um percurso que oferece ao visitante doses de memória em tempos de esquecimento. A relação entre esses acontecimentos históricos que é contada através de cheios, vazios, luzes, sombras e as sensações geradas. Memória, prisão, ponderação, um corredor que contém luz natural proporcionada pelas 434 aberturas em memória das pessoas mortas e desaparecidas pela ditadura militar. A experiência sensorial é concluída conectando o passado, contado por um percurso no subsolo com uma praça que o traz de volta a liberdade.

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O Partido


O anexo trata-se de um edifício enterrado, assim como tratamos essa parte da história, onde em partes ele se faz presente e interfere volumetricamente na praça, localizada no térreo. O seu acesso será realizado pelo subsolo do atual prédio do Memorial da Resistencia. O desenho do percurso transparece no piso térreo formando uma cicatriz que foi deixada no local, na população e na história, simbolizando as marcas que carregamos ainda nos dias atuais, marcas essas que não devemos nos esquecer. O percurso conta com salas de diversos tamanhos e diferentes tipos de expositores, além de desníveis que levarão a uma praça representando a falsa liberdade que muitos, muitas das vezes, durante o período ditatorial sentia. A escala humana pensada reflete no indivíduo e no coletivo, onde trabalha as sensações e memória individualmente e estimula a discussão, a abertura do diálogo proporcionando assim a troca de experiências.

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O Programa


O edifício será construído no lote do Memorial da Resistencia, mais especificamente na área do estacionamento, no subsolo. Como um memorial, será composto por ambientes com expositores sensoriais que despertam as sensações diante das memórias e imaginação de seus visitantes. Com o auxílio da Fenomenologia, terá ambientes que trabalham a iluminação, luz e sombra, altura do pé direito, desníveis, aberturas, sons, etc. Para que se torne uma experiência mais reflexiva a cada indivíduo, onde cada um precisará se concentrar em cada representação. Durante o percurso além dos espaços sensoriais, temos os espaços expositivos e os de memória, que homenageiam as vítimas da Ditadura Militar de 64. A primeira sala do percurso do anexo que os visitantes terão acesso será uma sala em homenagem aos mortos e desaparecidos da ditadura com as suas fotografias expostas nas paredes, para que os visitantes associem a crueldade que foi esse período. Seguindo para as salas sensoriais tem como propósito transmitir as sensações da implantação do golpe de estado que foi dado e como os presos se sentiam no DOPS, quando se viam presos e a única fonte de vida que se via era no banho de sol ou quando passavam por diversos interrogatórios que acabavam em torturas. O percurso consistirá em: primeiro, um memorial sensorial, para que possa recordar essas memórias; segundo, após sentir e refletir um pouco sobre o que foi esse período obscuro, prestar homenagem às vítimas em uma área de respiro que o percurso contempla; terceiro, uma sala de exposição itinerante que levanta para reflexão atualidades sobre o mundo que em algum aspecto se interliga com atitudes ou tratativas de um período ditatorial; e por último, no final do percurso terá uma rampa que sairá em uma praça pública, para representar a liberdade, a “volta da democracia”, que levanta a discussão e abordagem de outros assuntos como: a homofobia, o racismo, o machismo, etc. Com expositores que trazem grades nomes dessas lutas na atualidade.

37



39




Plantas


43


A

CORTE A-A

B

A

B


CORTE B-B


O Percurso


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Referências


ANTONINI, Anaclara Volpi. Marcas da memória: o dops nas políticas de preservação do patrimônio cultural no centro de são paulo. 2012. 70 f. TGI (Graduação) - Curso de Geografia, Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 2012. BRAYNER, Natália Guerra. Patrimônio Cultural Imaterial: Para Saber Mais. Edição 3. 36 p. Brasília, DF: Iphan, 2012. CONDEPHAAT. Edifício do antigo DOPS – atual Estação Pinacoteca. CONDEPHAAT, São Paulo, 1999. Disponível em: <http://condephaat.sp.gov.br/ benstombados/edificio-doantigo-dops-atual-estacao-pinacoteca/>. Acesso 04 jun. 2020. COORDENAÇÃO DE DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE (org.). Memórias Resistentes, Memórias Residentes: Lugares de Memória da Ditadura Civil-Militar no Município de São Paulo. São Paulo: Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, 2017. CULLEN, Gordon. Paisagem Urbana. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1983. HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda., 1990. HUSSERL, Edmund. A Ideia da Fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 1958. MEMORIAL DA DEMOCRACIA. 21 anos de resistência e luta. Disponível em: <http://memorialdademocracia.com.br/timeline/21-anos-de-resistencia-e-luta>. Acesso 01 jun. 2020. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Pole-Vídeo, 1999. PALLASMAA, Juhani. Essências. São Paulo: Gustavo Gili, 2018. PALLASMAA, Juhani. Os Olhos da Pele: a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2012. RASMUSSEN, Steen Eiler. Arquitetura vivenciada. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1986. SÃO PAULO. Prefeitura de São Paulo. Associação Pinacoteca Arte e Cultura. Apresentação e Metodologia do Programa Lugares de Memória. Memorial da Resistência de São Paulo, São Paulo, 2016. SEIXAS, Ivan; POLITI, Maurice. Os elos que vinculam as vivências encarceradas com as perspectivas de comunicação museológica: o olhar dos ex-presos políticos. In: ARAÚJO, M. M.; BRUNO, M.C.O. (Coords.). Memorial da Resistência de São Paulo. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2009. SILVA, Mariana Busson Machado; TOURINHO, Andréa de Oliveira. Lugares de memória difícil em São Paulo: reconhecimento de valor nas políticas de preservação do patrimônio cultural. Revista arq.urb. São Paulo, nº 25, maio – agosto de 2019, p.116 e 117.

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Estudos de caso


© Anabella Fernandez Coria

© Anabella Fernandez Coria

© Laurian Ghinitoiu

MUSEU JUDAICO DE BERLIM Berlim, Alemanha

Projetado pelo arquiteto polonês Daniel Limbeskind o museu conta com uma área de 15.500m², e foi aberto ao público em 2000. O único acesso para o museu é através do subsolo do Museu Nacional de Berlim. Todo o trajeto do museu foi pensado de acordo em como os judeus viveram, diante disso, é abordado em sua construção três conceitos que levam a três caminhos e espaços diferentes, seriam eles: O Holocausto, o Exílio e a Continuidade. O Holocausto é representado por uma torre com uma abertura na cobertura e uma escada marinheiro alta o suficiente para não ter chance de que alguém a alcance, propositalmente colocada pelo arquiteto, para que traga a sensação de enclausuramento, já que o visitante vê a saída porém não consegue alcançar a escada que seria seu meio para que pudesse sair dali. O Exílio, esse caminho leva o visitante para um jardim com blocos de concreto parecidos com o próprio solo, porém desnivelados, representando os judeus. E a Continuidade, que dá em uma escada íngreme com vigas irregulares que atravessam o corredor em diversos sentidos, a fim de representar as vidas que foram interrompidas. Os demais ambientes contam com espaços para exposição e biblioteca. É um projeto que tem a sensibilidade em retratar um fato histórico, abordando conceitos com o propósito sensorial dentro da arquitetura, desde a volumetria originando da Estrela de Davi, os três eixos, os jogos de luz e sombra nos ambientes e os desníveis usados para causar desconforto, proporcionando ao visitante uma experiência imersiva.

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Fotos: aquimequedo.com.br

PARQUE DA MEMÓRIA Buenos Aires, Argentina

Projeto do escritório Baudizzone-Lestard-Varas, conta com uma área de 14 hectares na região norte de Buenos Aires, e tem como propósito homenagear as vítimas da ditadura militar, de forma silenciosa e delicada, a respeitar a memória. Localizado as margens do Rio del Plata, e próximo ao Aeroporto Jorge Newbery, onde tinha uma câmara de tortura na época e os corpos das vítimas eram lançadas ao rio, denominando como "vuelos de la muerte". O parque conta com diversos monumentos ao ar livre, em toda sua extensão. Dentre elas, o monumento as vítimas do terrorismo do Estado, é uma parede de concreto extensa, que simboliza uma ferida na paisagem em direção ao rio, com os nomes das vitímas declarado pela Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de pessoas (CoNaDep), entre 1969-1983. Os nomes foram colocados a uma estatura baixa, para que todos pudessem tocar. Muitas das vítimas tinham idade entre 14 e 18 anos, mulheres grávidas não eram exceção. Nesse parque também há um edifício, um espaço para exposições e debates sobre o tema, além do funcionamento de uma biblioteca e o Centro de Informação sobre os desaparecidos, chamado Sala Pays (Presentes, Ahora y Siempre). A escolha desse parque, foi devido a abordagem do projeto com o mesmo tema, além da sensibilidade e pontos estratégicos que abordam o conceito da arquitetura em memória, construindo uma ferida na cidade com o propósito de que as pessoas se inteirem com a história de um período que marcou a vida, a cultura, a política e a população do país.


© Cristobal Palma

© Janelas abertas

© Noelegroj

MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS HUMANOS Santiago, Chile

Projeto dos arquitetos Mario Figueroa, Lucas Fehr e Carlos Dias, inaugurado em 2009. Onde tiveram que desenvolver um edifício para um concurso abordando a memória da ditadura militar país, com a violação dos Direitos Humanos. Construído em uma área de 10.900 m², é um edifício que conta com espaços para exposição, com vedação em vidro e revestimento em cobre. Em estrutura metálica com quatro apoios e duas vigas vierendeel centrais. O projeto é composto por "caixas" que ficam suspensas com o intuito de lembrar e separar a história por fragmentos, os visitantes escolhem por onde começar a visita, não há um percurso, as extremidades contam com uma visão para o exterior, como se fossem respiros para seguir diante de memórias dolorosas. A intenção de abordar os fatos com a incidência da luz natural, foi um conceito abordado pelo arquiteto. Como um dos ambientes em que há velas acesas, direcionadas as fotografias dos desaparecidos e assassinados na época, é uma forma sutil demonstrar a dor. Além da integração com o térreo diante de uma rampa generosa que contribui e concede um espaço público harmônico.

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