memorial descritivo - projeto nu de

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rebeca campagnoli sofia colucci





S達o Paulo, dezembro de 2014 Universidade Presbiteriana Mackenzie

rebeca campagnoli de vilhena sofia colucci barboza



São Paulo, dezembro de 2014 Universidade Presbiteriana Mackenzie

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em Design, habilitação em Programação Visual.

Orientadora Profª. Drª. Leila M. Reinert do Nascimento Banca Examinadora: Profª. Drª Leila M. Reinert do Nascimento Prof. Ms. Marcos Aurélio Castanha Júnior Prof. Ms. Alex Mazzini

rebeca campagnoli de vilhena sofia colucci barboza


resumo Este projeto visa apresentar um recorte de tipos femininos utilizando como base sete personagens da escritora Lygia Fagundes Telles retiradas dos romances As Horas Nuas, As Meninas e Ciranda de Pedra. Com a intenção de despir os estereótipos construídos sobre a mulher, parte-se da proposição de que cada uma, dentre as várias identidades que pode assumir, ressalta sempre uma característica singular de sua verdadeira essência. Utilizamos o nu para desvelar o âmago de cada personagem, desvinculando-a de suas marcas sociais, temporais e espaciais. É através da fotografia que cada singularidade é captada, a fim de proporcionar a representação desses femininos. Sendo esse o assunto do livro, selecionamos para a sua composição uma gradação de perfis emocionais, passando dos menos aos mais intensos tipos descritos por Lygia em suas três obras.

palavras-chave: design editorial; fotografia; Lygia Fagundes Telles; nu artístico feminino


abstract This project aims to introduce an excerpt from the universe of female types, described by the Brazilian writer Lygia Fagundes Telles, based on seven characters of her novels, “As Horas Nuas”, “As Meninas” and “Ciranda de Pedra”. With the purpose of stripping off the stereotypes, women are conceptualised, one understands that each one - and within their multiple identities, they are able to assume - emphasizes always the singular characteristic of their true essence. We are using the nude in order to unveil the core of each of these characters, unlinking them from their social and time related marks, as well as the ones related to space. It is through photography that each singularity will be captured, in order to provide the real meaning of what represents these women. Being this the subject of the book, we selected for its composition a gradation of emotional profiles, running from the least towards the most intense types, which are described by Lygia in these three books.

keywords: editorial design ; photograph; Lygia Fagundes Telles ; female nude art


agradecimentos Como mulher, designer e aprendiz devo muito a minha mãe, Marilda Campagnoli, que é e sempre será a minha inspiração, exemplo e amor maior. À minha tia e madrinha Maria Emília Vilhena e ao meu pai Manoel Vilhena por me ajudarem a concretizar meu sonho. À minha prima Melissa Campagnoli, por nos ajudar a começar esse projeto com toda a dramatização que ele precisava. Agradeço à nossa orientadora Leila Reinert por toda a contribuição e paciência que devotou a este projeto. Ao meu grande mestre, Alex Mazzini, que contribuiu muito na minha formação e amadurecimento. Ao professor Kito, que com toda sua sensibilidade me apresentou a parte mais importante da nossa profissão: a paixão. Aos outros grandes professores que colaboraram e incentivaram este e outros projetos, Arthur Verga, Andréa Almeida, Zuleica Schincariol e Luis Alexandre Ogasawara. À Sofia Colucci, minha irmã de alma e parceira fiel de todos os projetos acadêmicos, agradeço imensamente poder ter uma pessoa tão verdadeira e competente para dividir minhas ideias e momentos únicos. Aos meus colegas de trabalho pela compreensão e contribuição, em especial, a Paula De Paoli por todas as referências e conselhos, ao Ricardo Reis por provocar diferentes olhares sobre a mesma questão, ao Paulo Gomes, um dos designers que mais admiro, e à incrível Isabel Bartholomeu por nos entregar seu coração enorme. E, por fim, um muito obrigada a todas as lindas modelos que, com suas singularidades, se entregaram a multiplicidade de cada personagem.

Rebeca Campagnoli


...ao meu pai, Odilon, por todas as caronas que me deu, por livre e espontânea vontade (quase sempre) ou por “livre e espancada pressão” (como ele mesmo diz). ...à minha mãe, Alaine, por toda a paciência com as bagunças que fiz e por sempre dizer que estava tudo maravilhoso (mesmo quando eu sabia que não estava). ...à minha irmã, Loreta, por sempre me perguntar se tava dando tudo certo com sua disposição genuína para ajudar. ...ao meu amor, Marcelo, por estar do meu lado sempre, aguentando minhas crises e respeitando os momentos em que eu não podia lhe dar atenção. ...aos queridos,Vivian e Rodrigo, pela ansiedade diária em ver os resultados das fotos e pela opinião crítica e precisa sobre cada ensaio. ...ao amigo do peito, Nicholas, pela magnífica consultoria de última hora, durante a madrugada. ...a todos os fotógrafos incríveis que, sem saber, me inspiraram e referenciaram. ...a todas nossas lindas modelos que posaram para esse trabalho com tanto carinho e devoção. ...à nossa atenciosa orientadora, Leila, por todo o apoio e contribuição ao longo desse ano. ...ao nosso admirado professor Alex, por tudo que nos ensinou. ...ao nosso sensível professor Kito, por cada comentário incentivador. ....à todos os nossos professores que contribuíram com dicas e sugestões durante o processo de trabalho. ...à Bienal de Arte por todo o olhar poético adquirido ao longo desses anos de trabalho. ...à minha amiga do coração e parceira do TCC, Rebeca (prefere Beca?), por todos esses anos de amizade sincera. Pelo companheirismo e divisão de todos os trabalhos da faculdade. Por todas as risadas e lágrimas compartilhadas para chegar até aqui. Por toda troca de opinião, por toda palavra de incentivo, por cada gesto de amizade.

Sofia Colucci



sumário 15

introdução

17

1. sobre a literatura brasileira

18 18 21 23

1.1 o papel da mulher na literatura 1.2 a crítica literária feminista 1.3 lygia e suas personagens 1.4 obras escolhidas

27

2. sobre a fotografia contemporânea

28 30 32

2.1 fotografia expandida 2.2 fotógrafo: fator ativo 2.3 intervenção na produção e na pós-produção

37

3. sobre o livro

38 39

3.1 contexto histórico 3.2 as funções na indústria editorial

41

4. sobre as referências

41 52

4.1 referências fotográficas 4.2 referências de fotolivros

59

5. sobre o projeto

60 61 61 62 64 80

5.1 porque a lygia 5.2 porque a fotografia 5.3 porque o nu 5.4 porque o livro 5.5 primeiros estudos fotográficos 5.6 os ensaios

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bibliografia


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introdução

introdução O fotolivro é um meio de comunicação que busca apresentar um conjunto de fotografias cujo objetivo é produzir um trabalho com significância visual. Para esse projeto, o desafio é nos apropriarmos dos romances As Horas Nuas, As meninas e Ciranda de Pedra, de Lygia Fagundes Telles, e analisá-los apropriando-se da linguagem fotográfica para transmitir as singularidades emocionais de cada personagem feminina escolhida. A partir dessa escolha, surgiu a oportunidade de trabalharmos a experimentação nas técnicas fotográficas, com a intenção de exprimir a pluralidade que reside na essência de cada mulher. O fato é que a identidade do ser ou da coisa representada não raro se resume à aparência dela, escamoteada que está por configurações intelectuais múltiplas através das quais a realidade é contraditoriamente construída, e é deste pré-julgamento estereotipado que este projeto visa fugir. Para embasar este projeto estudaremos o papel da mulher na literatura brasileira, seguido por um breve panorama histórico que conceitualiza a definição de Virgínia Woolf sobre o “território selvagem” e, por fim, apresentaremos a crítica literária feminista. Travados estes conceitos, analisaremos as obras escolhidas, a escritora Lygia Fagundes Telles e algumas de suas personagens femininas. Em um segundo momento, falaremos sobre a fotografia contemporânea e o conceito de “Fotografia expandida”, criado por Rubens Fernandes Júnior. A partir disto, explicamos o porquê do fotógrafo ser um fator ativo no fazer fotográfico e a importância de sua intervenção na produção e na pós-produção, como propõe Andreas Muller-Pohle em sua publicação Information Strategies. Em um terceiro momento, apresentaremos o conceito de livro segundo Andrew Halsan, contextualizando-o na história e explicando a importância da junção entre designer e fotógrafo na criação de um fotolivro, bem como suas respectivas funções na indústria editorial. Definidas as abordagens sobre a literatura, a fotografia e o livro, mostraremos quais foram as referências fotográficas e editoriais que nos auxiliaram na criação deste fotolivro. Por fim, iremos expor todas as decisões tomadas durante a trajetória projetual, desde os primeiros testes até o resultado final.

A mulher representada na literatura, entrando num circuito, produzindo efeitos de leitura, muitas vezes acaba por se tornar um estereótipo que circula como verdade feminina. Presa de representações, confunde significante e significado e busca estabelecer uma continuidade do signo com a realidade. (BRANDÃO, 2006, p. 33).

• 15


1


1.

sobre a literatura brasileira Ao longo da história as mulheres enfrentaram grandes dificuldades de inserção na literatura: a sua ausência no cenário literário denuncia uma sociedade marcada por sistemas de exclusão, presente nas relações desiguais de poder entre o sexo feminino e o masculino. Essas complicações se iniciaram na sociedade patriarcal, em que o homem imperava e se considerava superior e à mulher só cabiam as tarefas domésticas e a procriação. Como comenta Virgínia Woolf:

“... durante séculos a mulher serviu de espelho mágico dotado do poder de refletir a figura do homem com o dobro do tamanho natural... A mulher serviu também de espelho mágico entre o artista e o Desconhecido, tornando-se Musa inspiradora e criatura. Para poder tornar-se criadora, a mulher teria de matar o anjo do lar, a doce criatura que segura o espelho de aumento, e teria de enfrentar a sombra, o outro lado do anjo, o monstro da rebeldia ou da desobediência.” (Woolf, and Teles,2006, p. 408).

O movimento feminista conquistou muitos direitos antes não reconhecidos às mulheres. Na literatura, as mulheres que se engajaram na luta pelo seu espaço no meio social e encararam as questões políticas/sociais da época foram as que se destacaram. Entre elas, temos Nísia Floresta Brasileira Augusta, considerada a primeira feminista brasileira, que publicou textos em jornais, iniciando uma militância política e jornalística de caráter republicano, favorável à libertação dos escravos e à luta pelos direitos das mulheres. Entre outras, temos no campo literário Adélia Prado, Clarice Lispector e, quase que concomitantemente, Lygia Fagundes Telles, que será estudada mais a fundo neste projeto. Percebe-se que a mulher já conquistou muitos espaços, mas ainda há um longo caminho de conquistas, aceitações, libertações a realizar. Entre essas questões, este projeto estuda a problemática do retrato da mulher como personagem das obras literárias.


18 •

nu

de

1.1

o papel da mulher na literatura

Sabe-se que durante a sociedade pratriarcal o papel da mulher era restrito à maternidade e as funções domésticas. Ao longo da história, as mulheres sofreram um processo de silenciamento e exclusão. Política, ciências e sexualidade eram assuntos destinados ao homem. Como afirma Foucault, podem-se observar diferentes níveis de exclusão que foram impostos à mulher: através da fala (à mulher era imposto o silenciamento, já que a ela só eram permitidas lamentações, gemidos ou orações); através da escrita (as produções artísticas, jurídicas, científicas, eclesiásticas e periódicos eram, em sua maioria, produções masculinas); através da sepa-ração (há uma separação entre masculino e feminino, onde o privilégio sempre é o do primeiro); e através da rejeição (a verdade está sempre com o homem e só a ele deve-se dar crédito). Os estereótipos impostos pela sociedade atingiram até mesmo o campo da literatura, limitando as mulheres a lerem somente romances. A elas eram destinadas apenas as obras que abordassem a maternidade, o amor e as atividades domésticas. Com isso, cultivou-se uma leitura de resistência por parte das feministas, a qual tinha por intuito desconstruir os estereótipos relacionados à leitura feminina, sempre criticando, analisando e questionando a herança cultural e literária que lhe foi condicionada.

1.2

a crítica literária feminista

Em reflexo a esta sociedade, em 1970, iniciam-se as críticas literárias feministas que analisam as representações de gênero de uma obra fictícia, levando em consideração o gênero do autor, o gênero do leitor e o papel relativo da mulher. Tem-se no desenvolver da crítica feminista duas vertentes que podem ser analisadas: a primeira diz respeito à primeira fase do feminismo, em que, com tom de denúncia, as críticas concentravam-se no papel da mulher como leitora. Neste período tem-se uma forte articulação entre política de gênero e crítica literária, baseada na ideia de que a última não pode ser separada da primeira. A segunda, já em um momento pos-terior, as críticas feministas limitam o campo de


sobre a literatura brasileira

Rita Felski

Judith Fetterley

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estudo, passando a se concentrar no papel da mulher como escritora. De acordo com Rita Felski, a introdução da categoria gênero como análise no debate acadêmico foi possível graças ao impacto ideológico feminista, o que resultou em um marco da conquista feminista contemporânea. Considerando os primeiros argumentos feministas, pode-se observar a importância do autor nas obras fictícias, pois o seu gênero e sua classe não podem ser negligenciados na leitura de uma obra. Para as feministas, o fato de uma obra literária ser de autoria masculina faz com que a leitura seja limitada ao campo de visão do homem. Como afirma Judith Fetterley, “a leitora feminina é forçada a identificar-se contra si mesma.” (FETTERLEY apud FELSKI, 2003. P.31). Outra afirmação relevante é de que as próprias personagens femininas nas obras literárias, ao serem retratadas por autores masculinos, sofrem as punições impostas pela sociedade patriarcal. As imagens em torno da mulher são recorrentes e transmitem os discursos historicamente construídos em volta dela. Tem-se também em algumas personagens femininas da literatura que ousam transgredir as leis impostas pelas instituições ou pela sociedade o sentimento de culpa e autopunição, ou mesmo, um final trágico e infeliz, o qual sugere qual é a consequência ideal para a mulher, enquanto os homens assumem papéis centrados, seguros e donos de poder e vontades. Essa identidade construída em torno da mulher permite que a abordagem das obras, ao descreverem tal papel, transcreva uma nova forma de exclusão social. Na análise de Rita Felski sobre as personagens femininas pode-se observar como essa questão pode ser interpretada: “as mulheres da ficção existem como reflexo da lua, brilhando na projeção da luz moral de um homem.” (FELSKI, 2003, p17).

Problemática: Referente ao posicionamento das críticas literárias feministas pode-se apontar duas questões problemáticas: a primeira refere-se às marcas de gênero na literatura, pois reduzir todos os atributos textuais de uma obra apenas considerando sua autoria é limitar a literatura a uma mera representação de atitudes, crenças e valores patriarcais, restringindo muito o escopo da análise textual. Neste caso, a interpretação deve ser feita a partir do espaço onde se articulam e se materializam as posições sociais de homens e mulheres ao longo de séculos; a segunda é sobre a leitura feminina de resistência, a qual impõe uma leitura dogmática da questão de gênero, forçando o leitor a sempre reagir negativamente ao que lê. Tal teoria deveria ser relativizada, pois qualquer representação literária se relaciona às questões históricas, sociais e culturais.


20 •

nu

de

Posicionamento: Segundo Elaine Showalter, a crítica literária feminista é um “território selvagem” devido ao pluralismo de tendências e aos impasses gerados por elas. Joan Scott define em 1980 o conceito de gênero: “toda e qualquer construção social, simbólica, culturalmente relativa, da masculinidade e da feminilidade. Ele define-se em oposição ao sexo, que se refere à identidade biológica dos indivíduos.” (SCOTT, 1990, p.5) Conforme a definição de Scott pode-se perceber que a questão gênero difere-se do sexo: é uma categoria que se impõe sobre o corpo sexuado, aquilo que faz do ser biológico um sujeito social, seja ele homem ou mulher, heterossexual ou homossexual. Têm-se no pós-estruturalismo o decreto do declínio e “morte do autor”, defendido por Roland Barthes: “O autor morre assim que nasce a escrita, deixando um espaço vazio que será preenchido pelo leitor.”. A partir dessa teoria de Barthes é que se origina a estética da recepção, em que o processo de interpretação é determinado pela bagagem cultural do leitor. Dentre todos os discursos apontados é que se conclui que “[...] as representações literárias de gênero são também construções, marcadas por fatores culturais e, ao mesmo tempo, estéticos, uma vez que, mesmo fazendo uma análise sociológica, não podemos negligenciar as convenções estéticas na interpretação de uma obra.” Acredita-se que o separatismo radical entre o pólo masculino e feminino só faz alterar o juízo de valor entre ambos. Desta forma, iniciamos este projeto com o olhar mais atento, para não cairmos nos estereótipos relacionados a valores, atitudes e crenças enraizados em uma sociedade, visto que a intenção não é enfatizar a questão política de gênero das obras literárias e nem a comparação entre masculino e feminino, mas sim a análise emocional do papel da mulher como personagem nas obras de Lygia Fagundes Telles.

Elaine Showalter

Virgínia Woolf


sobre a literatura brasileira

1.3

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lygia e suas personagens

Lygia Fagundes Telles, feminista, nascida em São Paulo, formou-se nas faculdades de Direito e Educação Física. Tornou-se escritora e após um incentivo de sua mãe, Maria do Rosário de Azevedo Fagundes, faz de suas obras um registro de seu tempo e sociedade. Filha de Durval de Azevedo Fagundes, um homem meio desligado e sonhador, promotor público, delegado e juiz em algumas cidadezinhas do interior, herdou o gosto pela advocacia. Casou-se duas vezes. Um filho, Goffredo Telles Neto. É presidente da Cinemateca Brasileira por influência de seu atual marido e exerce ainda a função de procuradora do Instituto de Previdência de Estado de São Paulo. Conhecida na literatura por atravessar desde os períodos mais revolucionários da luta feminista até seu amadurecimento atual e por buscar lidar essencialmente com o universo feminino em sua obra. Uma das autoras contemporâneas mais importantes para a literatura brasileira, ocupou seu espaço ainda adolescente em 1938, com a publicação de Porões e Sobrados, livro de contos cuja edição foi paga por seu pai. Antigamente, impunha-se que o destino da mulher era tornar-se esposa e mãe. Toda sociedade se mobilizava em função dessa perspectiva. No sentido oposto, no entanto, as mulheres cada vez mais conscientes se mantinham na luta pela busca da ampliação de um espaço seu no mundo exterior, ou seja, fora dos domínios do lar. É essa a mulher sobre a qual Lygia se debruça, até porque é essa sua experiência como mulher. É a partir desse perfil moderno que as personagens femininas nas obras da escritora são construídas e retratadas, a começar pela estrutura familiar que rompe com o moralismo social ao estabelecer a mulher não só como personagem principal, o que já era corrente, mas como chefe de família. Aos personagens masculinos, a indefinição. Aparecem como signos designativos de função social ou de papel; são fantasmas que se movimentam em uma dimensão paralela à das personagens feminas, categoria determinante nos romances de Lygia. Essa indefinição é apenas uma afirmação do posicionamento da autora em delimitar os temas e conflitos ao universo feminino.


22 •

nu

de

O ambiente nas obras de Telles é sempre de interior, sempre um local da casa que seja mais intimista para a personagem, local onde se encontram segredos, revelações. O espaço privado serve para esclarecer, em muitos romances, que aquele momento na vida de seus personagens é de revolução íntima, e que é preciso primeiro a tomada de consciência pessoal para que, a partir daí, se lute para modificar o mundo. Por isso, sair do espaço em que se encontra a estrutura familiar é fragmentar-se. Percebe-se também diversas citações de referência de leituras da autora em seus textos. Essas citações revelam a experiência de Lygia como leitora e as possibilidades de interpretação que é permitida aos leitores por suas personagens serem recheadas de referências (adaptadas ao seu tempo). As personagens de Lygia tem sempre uma opinião a emitir, não importa sua condição social. São mulheres de uma evidente superioridade intelectual que não tem medo de dizer ou viver o que pensam e pagam caro por seus atos. Porém, pagam não por punição ao que a autora acredita ser o certo como padrão social, mas porque estão em processo e buscam sem saber exatamente o quê. Caminham sem saber qual será o fim. E assim que é a intenção formatadora da mulher na escrita de Lygia: a busca de uma tradição feminina que construa a história e a identidade da mulher.“

“Antes a mulher era explicada pelo homem, disse a jovem personagem do meu romance ‘As Meninas’. Agora é a própria mulher que se desembrulha, se explica.” Lygia Fagundes Telles

Lygia Fagundes Telles


sobre a literatura brasileira

1.4

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obras escolhidas

As três obras escolhidas para a realização das análises das personagens deste projeto foram os romances de Lygia Fagundes Telles: As Horas Nuas, As Meninas e Ciranda de Pedra. Antes da análise emocional das personagens é necessário compreendermos do que cada livro trata, em qual período foi escrito e seu contexto social.

1.4.1

as horas nuas Escrito por Lygia Fagundes Telles, editado pela ROCCO em 1999, As Horas Nuas é um romance pertencente ao modernismo brasileiro que busca evidenciar a multiplicidade de narradores para retratar, por meio de uma visão plural, a percepção sensível da autora sobre as condições humanas. Nesta obra a autora expõe suas preocupações com a loucura, a afetividade e a morte. Além disso, ela retrata cruamente a condição maníaco-depressiva de sua protagonista. As alternâncias das inúmeras vozes do romance alteram o foco narrativo proporcionando ao leitor o reconhecimento de contraposições de pontos de vista entre essência e aparência e é essa fragmentação narrativa a característica principal da obra, pois não há uma linearidade da história. A centralização das questões pontuais demonstra a superficialidade do mundo moderno que, sem referências para se pautar, caminha para o caos, para a desordem. Trata-se de uma ficção do cotidiano dramático que aborda a problematização da condição humana diante do amor, do sexo, da solidão, da insegurança, da rotina, do dinheiro, do trabalho, ou seja, o mascaramento da essência humana sendo mostrado pela ótica dos respectivos papéis que cada personagem assume durante a história. Contudo, a vida intensa não acontece no exterior, apenas no interior, pois a essência só se torna evidente por meio do monólogo interior da personagem, isto é, no momento em que ela está nua, sem máscaras, tomando consciência daquilo que realmente é: um ser com medos, anseios, invejas, enfim, um nada.


24 •

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de

1.4.2

as meninas Este romance foi publicado em 1963 por Lygia Fagundes Telles, durante a Ditadura Militar. O panorama apresentado nesta obra envolve não só os aspectos políticos sociais, mas principalmente os aspectos morais que regem a sociedade. Os fatores sócio-políticos afetam ainda mais evidentemente a vida das três personagens principais: Ana Clara, Lorena e Lia. Ambas encaram momentos difíceis de sua vida pessoal e da história social de seu país. A obra também deixa entrever as questões familiares que envolvem cada uma das meninas. O ambiente comum entre as três personagens é o pensionato. As personagens se apresentam desestruturadas, mas o pensionato serve de ligação, proximidade não com a família, mas entre si.

Lygia Fagundes Telles As Horas Nuas, 1999

Lygia Fagundes Telles As Meninas, 1963


sobre a literatura brasileira

1.4.3

Lygia Fagundes Telles Ciranda de Pedra, 1954

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ciranda de pedra O romance Ciranda de Pedra, publicado pela primeira vez em 1954, de Lygia Fagundes Telles, é uma obra literária brasileira que busca explorar as condições da errância e da orfandade. A pesquisadora concentra-se na encenação de conflitos familiares e na delimitação do espaço físico da casa como metáfora da memória e da transgressão. A errância de Virginia, personagem principal, se inicia na infância, período no qual a protagonista é apresentada no auge do seu desajuste. As interferências vão desde a figura de duplo à da família como lócus de segredos e transgressões, o que a leva a história de ficção, a incorporar os terrores ligados à hereditariedade da loucura, à dissolução da família, à educação da criança, à exploração da sexualidade da mulher e à desintegração do indivíduo. Virgínia passa boa parte da história transitando entre duas casas: a que reside e a casa de suas irmãs. A menina vive no limiar do espaço privado, errando entre os vivos e os mortos, lutando por autorreconhecimento e por aceitação. Ao descobrirse órfã,Virgínia parte para o internado. A experiência de negação identitária que começa a ser subvertida no espaço do internato surge concomitantemente ao despertar sexual da personagem. A protagonista mostra-se como uma personagem emblemática na condição de mulher, devido à época em que o livro foi escrito, pois vivencia um caso homossexual ao descobrir sua sexualidade. Contudo, sua liberdade sexual aos poucos delimita, para si, o papel de louca, ecoando a história de sua mãe, Laura, que enlouquecera em função da adultério e da internação forçada em um manicômio. Paradoxalmente, ao projetar sua sexualidade nos desejos e ansiedades fantasmagóricos que a assombram desde criança, assume e recusa os papéis de louca e de prostitutas reservados à sua mãe no passado. Incapaz de efetivamente adentrar a ciranda de pedra e por não conseguir estabelecer nenhuma referência para si, ela opta por permanecer na errância e partir em uma viagem sem volta. Ciranda de Pedra eleva o medo a intensidades poucas vezes alcançadas nas páginas de nossa literatura: o medo da loucura, o medo da solidão, o medo de monstros imaginários, o medo de se perder e não mais se achar, o medo de não ser ninguém. Para alcançar tanta proeza, Telles flerta com a fantasia, com o mistério e com o sublime, de forma a encorajar a busca por outros autores brasileiros que se alinhem a essa identidade narrativa e artística.


2


2.

sobre a fotografia contemporânea Parece comum definir a fotografia como um tipo de arte, assim como trata o Dicionário Michaelis ao usar a palavra arte em primeiro lugar no seu significado “Arte ou processo de produzir, pela ação da luz, ou qualquer espécie de energia radiante, sobre uma superfície sensibilizada, imagens obtidas mediante uma câmara escura”, mas nem sempre foi assim. Nos ambientes das artes tradicionais do século XIX, a fotografia enfrentou grandes dificuldades para ser reconhecida e com isso gerou duas reações opostas “ora a fotografia tentou absorver forçosamente efeitos superficiais da pintura, ora ela buscou se fechar nos limites de sua técnica para não se confundir com outras formas de expressão […]”, segundo explica Ronaldo Entler em seu texto Um lugar chamado fotografia, uma postura chamada contemporânea, em 2009, texto para o catálogo da Exposição A invenção do mundo realizada no Itaú Cultural. Felizmente a experiência moderna apresentou uma vocação para a expansão dos limites nas linguagens artísticas ao mesmo tempo em que refletia sobre suas especificidades e, com isso, a questão que passou a vigorar era a seguinte: até onde se pode ir na experiência com a fotografia? A resposta para essa pergunta foi explorada com efervescência nos anos 60, quando muitos artistas deixaram de se perguntar sobre qual tipo de arte produziam para transitar indistintamente entre diversas linguagens e técnicas. Foi nesse momento em que a questão anterior deixou de fazer sentido, pois ninguém estava mais preocupado em definir se uma obra era ou não fotográfica ou pictórica e, sim, em experimentar de tudo. Segundo Entler, “o foco das discussões foi gradualmente se deslocando das especificidades da fotografia para as possibilidades de trânsito e reconfiguração de seu estatuto”, e é a partir da

liberdade no uso das linguagens e o subsequente esgotamento das pesquisas ontológicas, a consolidação de um olhar mais crítico sobre os discursos históricos da fotografia, o sepultamento do problema de ser ou não uma arte legítima, o reconhecimento dos códigos culturais que forjam os usos e a credibilidade da imagem técnica e, claro, a percepção de um novo momento de revolução tecnológica (ENTLER, 2009)


28 •

nu

de

que se começa a constituir e nascer a fotografia contemporânea, essa que é construída, híbrida e contaminada, que vai da desmaterialização radical até uma nova aproximação com a tradição documental.

Auguste Beloc Nude - 1855

2.1

fotografia expandida

Para compreender a produção fotográfica contemporânea, assim como seus processos de criação e pós-produção, é interessante pensar no conceito de fotografia expandida, termo criado por Rubens Fernandes Junior que tem como base teórica os textos de Rosalind Krauss e Gene Youngblood. Segundo cita o autor em seu texto Processos de Criação na Fotografia, a fotografia expandida é uma nova fotografia e, por isso, contemporânea, que tem como diferencial o comprometimento com o fazer fotográfico, com ênfase nos processos e procedimentos de trabalho, cuja finalidade é a produção de imagens que transmitam as mais variadas experiências perceptivas, inquietando o observador


sobre a fotografia contemporânea

e estimulando-o a refletir sobre aquilo que vê (FERNANDES JUNIOR, 2006). Trata-se de compreender a fotografia a partir de uma reflexão mais geral sobre as relações entre o inteligível e o sensível, encontradas nas suas dimensões estéticas. A fotografia expandida questiona os padrões impostos pelos sistemas de produção fotográficos, não se preocupando em flagrar necessariamente um instante no tempo, pois pretende dotar as imagens de densidade emocional e densidade poética, através dos procedimentos específicos de um fazer artesanal. O diferencial da produção contemporânea se encontra na saudável crise que, de um lado, vemos um esgotamento das artes plásticas tradicionais, e, de outro, temos um novo momento tecnológico em termos de produção imagética, no qual predomina a imagem digital (FERNANDES JÚNIOR, 2006). O projeto estético contemporâneo – e aqui se inclui a fotografia expandida – é exatamente a busca

• 29

pela diversidade sem limites e pela multiplicidade dos procedimentos, é a busca pelo entendimento de que o mundo é uma trama complexa, extraordinária e instável de novas formas de conhecimento. A fotografia contemporânea é hoje um suporte para várias manifestações imagéticas que exigem do espectador uma capacidade de leitura diferenciada. O futuro aponta para um entrelaçamento dos procedimentos, para uma permanente contaminação visual e para um hibridismo de linguagens. Essa nova produção imagética deixa de ter relações diretas com o mundo visível, pois não pertence mais à ordem das aparências, mas sugere diferentes possibilidades de suscitar o estranhamento em nossos sentidos. É essa abdicação da busca pelo momento decisivo que faz com que a fotografia expandida seja uma possibilidade de expressão que foge da homogeneidade visual, libertandose da repetição e da obviedade.

Duane Michals Violent Women - 1982


30 •

nu

de

2.2

fotógrafo: fator ativo

As imagens contemporâneas de base fotográfica cada vez mais se distanciam da autenticidade do mundo “real” para se aproximarem do mundo da “ficção” (FERNANDES JÚNIOR, 2006). Isso se deve à grande capacidade de intervenção que o fotógrafo possui ao manusear a câmera. Vilém Flusser, autor do clássico Filosofia da Caixa Preta – elementos para uma futura filosofia da fotografia, chama a máquina que produz a fotografia de “caixa preta” e afirma que essa contém um programa que é limitador pela sua própria natureza construtiva e técnica. Flusser chama o usuário desse aparelho, no caso o fotógrafo, de “funcionário”, pois esse apenas obedece rigidamente o programa imposto, tendo como produto final fotos que reproduzem o real. Ou seja, esse fotógrafo funcionário é aquele que trabalha dentro das técnicas pré-estabelecidas pelo programa da câmera sem intervenção subjetiva, tendo como resultado visual o previsível (FLUSSER, 2002). O autor critica esse uso exagerado e exaustivo dos padrões da máquina e defende que o fotógrafo criador é aquele que penetra no interior da “caixa preta” e subverte as regras préestabelecidas, saindo do padrão e buscando através da experimentação

Henri Cartier-Bresson

Henri Cartier-Bresson


sobre a fotografia contemporânea

resultados mais subjetivos e criativos. Esse fotógrafo criador é produtor da fotografia expandida, explicada anteriormente, o qual não é ignorante em relação à linguagem fotográfica, pois conhece com profundidade a bula dos fabricantes da máquina, do filme, dos químicos, dos softwares, etc. Para Flusser, o verdadeiro fotógrafo é aquele que procura inserir na imagem uma informação não prevista pelo aparelho fotográfico.

Olga Wlassics Studio Manassés - 1951

• 31


32 •

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de

2.3

intervenção na produção e na pós-produção

Essa nova fotografia tem grande vínculo com outras manifestações das artes visuais e muitos artistas começam a experimentar essas alternativas de produção de imagem a fim de superar as limitações impostas pelo aparelho e a fim de conseguir resultados que ultrapassem as barreiras que lhe são inerentes. Andreas Muller-Pohle, no ensaio Information Strategies, publicado na revista European Photography, propõe algumas possibilidades para a produção de imagens fotográficas que, associadas aos inúmeros procedimentos técnicos sugeridos, resultará na fotografia expandida.

Man Ray Ingre’s Violin - 1924


sobre a fotografia contemporânea

• 33

Atualmente, com o avanço da tecnologia em manipulação de imagens, consegue-se realizar qualquer tipo de intervenção na imagens em qualquer momento de seus diferentes estágios de produção. As estratégias propostas por Muller-Pohle oferecem três níveis de intervenção:

1. O artista e o objeto: intervenção na construção, no arranjo e na organização física do assunto a ser fotografado. E são inúmeras as maneiras para a construção dessa imagem de modo a ampliar a órbita conceitual da linguagem fotográfica. Alguns exemplos que o autor destaca são: cutpaper; produção de imagens por apropriação de outras; encenação do auto-retrato; natureza morta; construção de miniaturas; direção de cenas; instalações e esculturas; entre outros.

Cindy Sherman

Cindy Sherman


34 •

nu

de

2. O artista e o aparelho: usar o aparelho (máquina fotográfica) contrariamente a sua função preestabelecida, intervindo e manipulando o aparelho de maneira não convencional e não esperada. Reinventando as possibilidades do aparelho e ultrapassando seus limites impostos de fábrica. O autor entende essa interferência no aparelho como, por exemplo, a movimentação da câmera durante o registro, horizontal, vertical ou circularmente, gerando uma imagem intencionalmente trêmula. Outros exemplos são: a superposição de imagens, o desfoque como estratégia de representação, o uso de câmeras artesanais, etc.

Andreas Muller-Pohle

Andreas Muller-Pohle


sobre a fotografia contemporânea

• 35

3. O artista e a imagem: interferir na própria fotografia, seja analógica ou digital. O que é chamado de pós-produção é essa etapa do processo que implica na integração da fotografia como “organismo visual” mais complexo. O autor exemplifica essas experiências visuais citando a solarização, o fotograma, as fotomontagens e superposições, a alteração nos processos químicos, entre muitos outros, que com a digitalização das imagens fica ainda mais extensa a gama de modificações possíveis a fazer através dos mais atualizados softwares de tratamento de imagem.

Man Ray fotograma


3


3.

sobre o livro O design editorial engloba livros, revistas e jornais, tanto físicos como digitais. Para esse trabalho, o editorial utilizado será o livro, no caso, de fotografias. É necessário compreender o conceito de livro, sua história, tipos e processos, tanto de criação quanto de produção, para explicar devidamente a importância de cada escolha e sua contribuição para a efetivação do projeto. O livro é a mais antiga forma de documentação, é através dele que as informações de texto e imagem são registradas. Segundo Andrew Haslam, o livro se define por “um suporte portátil que consiste de uma série de páginas impressas e encadernadas que preserva, anuncia, expõe e transmite conhecimento ao público, ao longo do tempo e do espaço.” (Halsan, Andrew. O livro e o designer II, 2ª ed., 2010, p9).

Livro - Chicks on speed


38 •

nu

de

José Medeiros Candomblé - 1957

3.1

contexto histórico

Por um breve panorama histórico, pode-se afirmar que a origem do livro se estende há mais de quatro mil anos e, no decorrer de sua trajetória, percebe-se não apenas mudanças no seu processo de criação e produção, como também em seus termos, o que permite uma nova perspectiva e um aprofundamento referente à sua definição e compreensão na história. Pode-se dizer que os primeiros designers de livros foram os escribas egípcios, que já redigiam seus textos fazendo uso de ilustrações em folhas de papiros enroladas. Às antigas práticas gregas e romanas temos o pergaminho, que diferente das folhas de papiro, era feito em tamanho maior e aceitava ser dobrado sem se danificar. Termos mais antigos como “códex”, por exemplo, eram usados para se referir aos livros ancestrais, como manuscritos bíblicos. O códex marcou o fim da tradição do rolo de papiro, agora, as folhas eram dobradas e empilhadas, ligadas borda com borda para, posteriormente, serem atadas por uma das margens. Foi dobrando as folhas de pergaminho que se estabeleceu o conceito de página e as medidas de folha. Em 1455, Johannes Gutemberg, considerado não oficialmente como “pai da impressão”, nascido em Mogúncia, cidade da Alemanha, produziu a primeira edição impressa da Bíblia, usando tipos móveis. A bíblia se tornou o trabalho mais publicado da história. Os primeiro tipógrafos eram considerados artesãos, pois tinham que escrever o alfabeto ocidental de 22 letras manualmente, responsáveis pela reprodução do texto. Também faziam o papel de designer criando o layout da página. Após esses acontecimentos, deu-se início à produção industrial e os livros passaram a ser cada vez mais publicados.


sobre o livro

3.2

• 39

as funções na indústria editorial

Horacio Fernández Fotolivros latino-americanos - 2011

A criação de um livro exige o trabalho de uma equipe composta de diversos profissionais. Para este projeto, é suficiente entender qual o papel do designer e do fotógrafo e como a ligação entre as duas áreas, quando vinculadas, pode contribuir para o projeto editorial. No design editorial “o designer é responsável pelo projeto da natureza física do livro, seu visual e sua forma de apresentação, além de cuidar do posicionamento de todos os elementos na página.” (Halsan, Andrew. O LIVRO E O DESIGNER II, 2ª ed., 2010, p16). Durante o processo de criação de um editorial, o designer entra em contato com editores, para decidir formatos e acabamentos; com pesquisadores de imagens, para a obtenção do direito de uso de imagem; com ilustradores, para a criação de imagens utilizadas em determinada publicação e com fotógrafos, para a criação, preparação e tratamento de imagens. O fotógrafo é o especialista responsável pela criação e tratamento das imagens utilizadas no livro. Em alguns livros, as imagens são os elementos mais importantes e seu criador o responsável pelo projeto. Em alguns casos, o próprio designer pode fazer a direção de arte do trabalho de um fotógrafo. Para esse tipo de publicação é crucial a proximidade entre designer e fotógrafo para que na publicação a intenção e visão do fotógrafo sejam transmitidas. Dimensões de imagem, formato de fotos e do livro, posicionamento de imagem, composição, recortes, expansões, margens, legendas e tipografias devem estabelecer coerência para que a publicação mantenha e/ou reforce a informação e transmita a mensagem da linguagem fotográfica da forma mais adequada possível ao leitor. O fotolivro é “um meio de comunicação, apresentação e leitura de conjuntos fotográficos” (p.13) ou também, “(...)livros nos quais um autor tenha organizado um conjunto de fotografias como uma continuidade de imagens, com o objetivo de produzir um trabalho visual legível. Devem ser textos em imagens capazes de conter as leituras abertas que caracterizam os textos em palavras”. Para esse tipo de editorial, a narração é a linguagem fotográfica onde a imagem diz mais que o próprio texto, mas não o exclui. Por esse meio a intenção é unir a poesia visual à ação, através da imagem e sua pós-produção, trabalhando os aspectos sensoriais que, tanto a fotografia quanto o editorial, podem transmitir. Devido à essas questões, a intervenção do fotógrafo na edição é imprescindível pois, é necessário o uso das técnicas fotográficas e gráficas para que a mensagem emocional apresente a singularidade que o projeto necessita. Para essa abordagem, é necessário conhecer essas técnicas e explorá-las através da experimentação.


4


4.

sobre as referências 4.1

referências fotográficas

As referências fotográficas a seguir estão organizadas por sessões dos renomados fotógrafos selecionados para este projeto que, em algum momento de sua carreira, retrataram o nu feminino.

4.1.1

andré kertesz

André Kertész Série “Distorção” - 1933


42 •

nu

de

André Kertész Série “Distorção” - 1933

André Kertész Série “Distorção” - 1933


sobre as referências

• 43

André Kertész Série “Distorção” - 1933


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nu

de

4.1.2

edward weston

Edward Weston Nude - 1927 (ref. à página ao lado) Edward Weston Nude - c.1930

Edward Weston Nude - c.1930 Edward Weston Nude - c.1930



46 •

nu

de

4.1.3

francesca woodman

Francesca Woodman Untitled - 1976


sobre as referências

• 47

Francesca Woodman Untitled - 1976

Francesca Woodman Untitled - 1980

Francesca Woodman Untitled - 1977/78

Francesca Woodman Untitled - 1976


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nu

de

4.1.4

harry callahan

Harry Callahan Eleanor - c.1952 Harry Callahan Eleanor - c.1952


sobre as referĂŞncias

Harry Callahan Eleanor - c.1954 Harry Callahan Eleanor - c.1958 Harry Callahan Eleanor - c.1960

• 49


50 •

nu

de

4.1.5

manuel alvarez bravo

(ref. à página ao lado) Manuel Alvarez Bravo Uki- 1986 Manuel Alvarez Bravo Venus - 1979 Manuel Alvarez Bravo Venus - 1979

Manuel Alvarez Bravo Temptations in the House of Antonio - 1970 Manuel Alvarez Bravo Forbidden fruit - 1977


sobre as referĂŞncias

• 51


52 •

nu

de

4.2

referências projetuais

As referências de fotolivro a seguir foram extraídas do livro Fotolivros latino-americanos, de Horacio Fernandez, o qual nos serviu como fonte de pesquisa durante todo o trabalho.

Eduardo Terrazas e Arnaldo Coen Sin saber que existías u sin poderte explicar (capa e quarta capa)- 1975


sobre as referências

Luiz Alphonsus Bares Cariocas - 1980

• 53


54 •

nu

de

Paolo Gasparini Retromundo - 1986


sobre as referĂŞncias

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56 โ ข

nu

de

Boris Kossoy Viagem pelo fantรกstico - 1971


sobre as referências

• 57

Cassio Vasconcellos Noturnos Sao Paulo - 2002

Agustín Jiménez Molino Verde - 1932


5


5.

sobre o projeto Os assuntos abordados neste capítulo são única e exclusivamente sobre o projeto. Nele, iremos abordar quais são as justificativas conceituais e metodológicas, os objetivos específicos dos trabalhos, os primeiros testes fotográficos e as definições finais até o projeto físico.

Marcações de página nos três livros lidos para o projeto, As Horas Nuas, As Meninas e Ciranda de Pedra


60 •

nu

de

5.1

porque a lygia

Além dos fatores históricos e políticos compatíveis ao projeto, foram principalmente dois motivos cruciais que nos levaram a escolher a autora Lygia Fagundes Telles para embasar nosso conceito. O primeiro, é por falarmos de uma das autoras contemporâneas mais importantes para a literatura brasileira, a qual ocupou seu espaço no meio literário ainda adolescente e desde então contribui muito, tanto para a literatura quanto para a evolução do papel da mulher na sociedade. O segundo, é pela intensa abordagem e profunda descrição das identidades femininas em muitas de suas obras.

Foto extraida do livro Personagens femininos de Vania Toledo Bruna Lombardi - Saindo do banho


sobre o projeto

5.2

• 61

porque a fotografia

A linguagem fotográfica foi escolhida por ser um tipo de arte passível de muitas intervenções, tanto durante a produção como na pósprodução. Tomamos como base o conceito de Fotografia Expandida, criado por Rubens Fernandes Junior, que explica que essa tem como diferencial o comprometimento com o fazer fotográfico. Esse novo conceito questiona os padrões impostos pelos sistemas de produção fotográficos, pois tem como finalidade uma produção de imagens com densidade emocional e densidade poética, fruto do olhar subjetivo de cada fotógrafo. A ênfase é dada aos processo de trabalho e à intervenção do fotógrafo em todas as fases de produção, sem se preocupar em apenas flagrar um instante no tempo.

Foto extraida do livro Personagens femininos de Vania Toledo Debora Bloch - Narciso

5.3

porque o nu

A escolha do nu se concretizou quando concluímos que nosso desafio era separar a visão física já existente das personagens escolhidas, ressaltando, em essência, os aspectos psicológicos fundamentais que as caracterizam. Por isso a nudez, já que consideramos que é necessário “despir” a mulher de seus estereótipos sociais, temporais e espaciais para resgatar os verdadeiros aspectos que as de fato representam.


62 •

nu

de

5.4

porque o livro

O livro foi escolhido, pois, como suporte para a apresentação das fotos, causa em cada pessoa uma experiência diferente, atingindo assim, um vínculo afetivo com quem o possui. É um objeto de grande influência quando pensamos em um meio de unificar a identidade de todos os ensaios fotográficos, os quais variam muito em composição, conforme cada tipo feminino escolhido. Através dele podemos transmitir tanto a pluralidade quanto a singularidade do projeto, explorando tipografias, cores, layout, acabamento, diagramação, entre outros.

5.4.1

o título O título NU DE surgiu a partir da ideia de condensar diferentes significâncias em uma palavra curta. Dentre elas, a de remeter à uma cor, referenciar a nudez, e formar uma palavra que quando tem suas sílabas separadas sugere a leitura do nu como pertencente a algo ou alguém, como por exemplo “nu de estereótipo” ou “nu de mulher”.

5.4.2

o formato Por trabalharmos com uma tiragem muito pequena, nosso livro só pode ser produzido em uma gráfica digital. Devido ao maior tamanho da folha da gráfica escolhida (HSA Real Digital) ser de um super A3 (33 x 48cm), nós calculamos o formato do nosso livro pensando no maior aproveitamento de papel possível. No caso, escolhemos o formato 31,5 x 23cm pois ocupa com página dupla, um super A3, atingindo o maior tamanho possível dentro dessa medida. Inicialmente, pensamos em trabalhar com o formato quadrado por ser o formato ideal para compor fotos horizontais e verticais, porém se trabalhássemos com esse formato desperdiçaríamos muito papel e aumentaríamos a manufatura.


sobre o projeto

5.4.3

a tipografia As famílias tipográficas escolhidas são a Gill Sans e a Joanna, ambas projetadas por Eric Gill. A Gill Sans é uma fonte sem serifa que foi desenhada em 1928 e possui características humanistas importantes, pois na história da tipografia as formas modeladas sobre as formas da caligrafia refletem uma tensão contínua entre mão e máquina, o orgânico e o geométrico, o corpo humano e o sistema abstrato. A Joanna foi lançada em 1937 e desenhada com as mesmas proporções que a Gill Sans, por isso, apesar de ser serifada e transicional, podem facilmente ser combinadas. As fontes transicionais possuem serifas mais afiadas e um eixo mais vertical do que as letras humanistas, são mais abstratas e menos orgânicas.

Gill Sans ABCDEFGHIJKLM NOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklm nopqrstuvwxyz 1234567890

Joanna ABCDEFGHIJKLM NOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklm nopqrstuvwxyz 1234567890

5.4.4

o acabamento O livro será de capa dura com lombada quadrada costurada e colada, enquanto o memorial será um livro de brochura (capa mole) também com lombada quadrada costurada e colada. O fato de trabalharmos com tipos de capa diferentes são para darmos aos editoriais hierarquias correspondentes ao seu significado, considerando que o livro é o projeto final e o memorial a documentação de todo o percurso projetual. Para ambos os editoriais, utilizaremos o papel couché fosco 150g. Os dois livros serão envolvidos juntos por uma mesma luva. Acabamentos mais refinados como faca especial, verniz e etc não foram possíveis devido à tiragem muito baixa.

5.4.5 C:4%

C:100%

M:13%

M:81%

Y: 21%

Y: 0%

K: 0%

K: 75%

a cor A gráfica digital também não nos permitiu trabalhar com uma escala Pantone por isso utilizaremos a escala CMYK (impressão). Tanto no layout do livro quanto no layout do memorial, trabalharemos com um tom pastel rosado, para referenciar o tom nude, e um tom de azul, para referenciar a cor tão citada nas histórias de Lygia.

• 63


64 •

nu

de

5.5

primeiros estudos fotográfico

Nesta parte do capítulo apresentamos as primeiras técnicas fotográficas e projetuais testadas durante o início do projeto e quais foram os fatores experimentais que percebemos como contribuintes à intenção do projeto.

5.5.1

teste 1: flash e lightpainting

Para testar a técnica de light painting com flash, as fotografias a seguir foram produzidas em estúdio. Com a câmera já posicionada no tripé, ergueu-se um fundo infinito preto com 2 metros de altura que se localizava atrás da pessoa a ser fotografada. Por se tratar de autorretratos, o flash foi posicionado ao lado do local onde a modelo (no caso, a própria fotógrafa) deveria se posicionar. A câmera foi configurada no timer para disparar o flash após 10 segundos (tempo necessário para que a fotógrafa se deslocasse e se posicionasse como modelo em frente à câmera) e registrar a fotografia durante 30 segundos, utilizando a longa exposição. As poses retratadas nas fotos são as imagens captadas pelo flash, após este instante, a fotógrafa/modelo se deslocava do local em que estava posicionada e, com o auxílio de lanternas, iluminava o fundo preto para formar manchas esbranquiçadas nas imagens ou apontava as lanternas para a câmera para formar riscos de luz nas imagens. A intenção deste primeiro teste era experimentar a junção dessas ferramentas e perceber o efeito visual que elas poderiam gerar como fator contribuinte ao projeto.



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nu

de


sobre o projeto

• 67


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de

5.5.2

teste 2: textura e cor

O segundo teste fotográfico foi experimentar as propriedades de textura e cor utilizando o box de um banheiro convencional como cenário para o autoretrato. Com a câmera fixada no tripé foi estabelecida a seguinte configuração: velocidade de captação de imagem de aproximadamente 2 segundos, ISO 100 e abertura de diafragma de 4.5. Abriu-se o chuveiro para que a temperatura quente da água gerasse vapor suficiente para embaçar o vidro e foram espirradas algumas gotas no vidro do box para utilizar a água como elemento de textura à imagem. A intenção dessa experimentação era testar como os elementos básicos de um cenário comum podem dar força à imagem captada através da textura e da cor que se apropria.



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de

5.5.3

teste 3: silhueta

Para retratar a silhueta, neste terceiro teste optou-se por utilizar um quarto escuro como cenário das imagens. As fotos foram produzidas à luz do dia para que os feixes de luz que transpassavam a persiana pudessem contrastar com a escuridão do cenário, propondo o contraste de formas à silhueta. Com a câmera fixada no tripé e posicionada em frente à janela produziu-se o contraste suficiente para obter a silhueta do corpo.


sobre o projeto

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de

5.5.4

teste 4: sombra sobre corpo

Ao observar que a sombra de algumas plantas do jardim da casa em que a fotógrafa reside se projetava diretamente na parede, teve-se a ideia de produzir fotografias utilizando a projeção das sombras sobre o corpo. Para este teste, a câmera foi posicionada no jardim com a intenção de registrar essa projeção apropriando-se dos fatores naturais que contribuíam para a construção da imagem. O diferencial deste teste foi perceber como a sombra pode assumir diferentes interpretações quando projetado sobre o corpo. Nessa experimentação também se utilizou o autorretrato.


sobre o projeto

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sobre o projeto

5.5.5

teste 5: personagem rosa

Após já termos experimentado as propriedades de textura e cor utilizando o box de um banheiro, fizemos um quinto teste nesse mesmo contexto e condições, em que o foco no momento era transmitir a sensação da personagem Rosa e não mais somente a técnica.

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nu

de

5.6

os roughts

A seguir, algumas imagens dos roughs, testes e estudos que deram início a conceitos e decisões projetuais.



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nu

de

5.7

o processo

Ao longo de todo o ano, estudamos muito todos os mínimos detalhes dos livros da Lygia e dos aspectos formatadores de sua escrita. Para revelarmos ao público a identidade de cada personagem, foi necessário compreendermos antes toda narrativa que a envolvia. Os estudos foram diários até darmos origem ao nosso conceito. As fotos que seguem apresentam um breve recorte de como essa trajetória foi desenvolvida.


sobre o projeto

• 79

A partir dos três livros foi extraído um total de sete personagens femininas com perfis bem diferentes. Para darmos vivacidade ao nosso conceito, trabalharemos com sete modelos representando duas personagens cada uma. Deste modo, cada personagem será representada duas vezes por duas mulheres distintas. Abaixo se tem um panorama geral que resume em palavras-chave o que caracteriza cada personagem. personagens escolhidas

palavras- chave

ananta

misteriosa

reservada

pacata

rosa

decadente

egocêntrica

alcoólatra

lia

feminista

revolucionária

segura

lorena

curiosa

asseada

virgem

laura

alucinada

maternal

injustiçada

otávia

contraditória

sedutora

indiferente

virgínia

deslocada

dramática

carente

as horas nuas

as meninas

ciranda de pedra

Após a escolha de cada personagem nós agendamos os 14 ensaios e produzimos uma média de 500 fotos por modelo e, de cada uma delas, selecionamos um máximo de 10 fotos. Relacionamos cada personagem com um elemento para auxiliar na reprodução artística das identidades interpretadas. Abaixo, a imagem da seqüência de personagens que irão desenvolver o editorial já com a foto que iniciará cada personagem.

ananta

lorena

otávia

virgínia

lia

rosa

laura


80 •

nu

de

5.8

os ensaios

Nesta parte do capítulo apresentaremos todos os catorze ensaios fotográficos produzidos para cada uma das sete personagens, explicando a história de cada personagem e sua relação com o elemento que compõe a foto. Porém, no livro final nós não contaremos a história das obras de Lygia Fagundes Telles que foram analisadas, o perfil de cada personagem será sugerido a partir de alguns trechos extraídos de seu romance correspondente. Esses fragmentos ajudarão a compor as fotos e dar um direcionamento ao leitor sobre as características de cada personagem, as quais representamos em cada ensaio pelas escolhas feitas durante a produção e a pós-produção. Optamos por não contextualizar e descrever inteiramente cada história, considerando que nosso projeto visa uma experiência de identificação e não de esclarecimento.

5.8.1

personagem ananta Ananta Medrado é uma jovem analista, extremamente perfeccionista com seu trabalho, e muito organizada com sua casa e consultório. Por conta de sua profissão e personalidade, a vida de Ananta é um tanto quanto regrada e desinteressante, e são essas características que ilustram o cenário de uma vida pacata e simples, sem grandes emoções. Dormia cedo, acordava cedo. Nenhum vício. Tudo indica que era uma moça comportadíssima, daquele tipo de intelectual que tem dinheiro, mas se veste com simplicidade. Bom apartamento e bom carro, mas usava pouco o carro, preferia andar, gostava muito de andar. Feminista, a personagem participava de reuniões e auxiliava uma Delegacia de Defesa da Mulher. Recebia seus pacientes na sua própria casa e não tinha uma vida social ativa, o que fazia com que fosse muito solitária, porém não infeliz. Tinha um bom relacionamento com todos a sua volta (pacientes e vizinhos), todos falavam bem dela, mas nunca teve relacionamentos amorosos. Durante a narrativa, sua vida aparenta-se sempre linear e muito reservada, a única extravagância acontece quando começa a imaginar e ter pensamentos eróticos todas as noites com um vizinho que aparentemente não existia. Curiosamente, seu grande momento de notoriedade é quando misteriosamente desaparece sem deixar pistas e nem explicações.


sobre o projeto

a planta

os trechos

Relacionamos a personagem Ananta com uma planta. No caso, a comparação se dá pelo fato de que ambas, ao mesmo tempo que extremamente comuns, são muito complexas.

Abaixo, os trechos retirados do livro “As Horas Nuas” referentes à personagem Ananta.

a composição Devido à misteriosidade da personagem, a modelo nunca esta inteira nas fotos, pois sua identidade, assim como a de Ananta, não nos é revelada. A coloração da foto é opaca e os pretos foram substituídos pelo tom azulado para referenciar a obra de Lygia.

• 81

“Eu então disfarçava, não criticava Ananta, uma moça tão boazinha mas não tinha cabimento me apoiar numa analista assim jovem. Inexperiente, mais muda do que um peixe, hem?!” (TELLES, 1989, p. 49) “O consultório de Ananta Medrado era de uma profissional sem vaidade. Disciplinada. Refletindo (como num espelho) o seu despojamento[...]” (TELLES, 1989, p. 61) “O encanto estava em circular com naturalidade sem levantar suspeita, o prazer (maior) estava nisso, em se expor se escondendo. [...] A paciência em esperar pela hora propícia amadurecida no escuro. Ousar (com coragem) a alegria proibida. Proibida? [...] Opacidade. Quietude. Por que proibida?” (TELLES, 1989, p. 63) “[...] lhe fizera um bem enorme a caminhada (quase 2 horas) pelo parque. Com o momento mágico em que abraçou apertadamente o tronco de uma árvore, sentindo na pele o áspero das gretas. Recorro assim às minhas reservas florestais, escreveu e grifou.” (TELLES, 1989, p. 66) “Mas essa analista já se entusiasmou com alguma coisa?” (TELLES, 1989, p. 119)

“[...] uma moça que a gente olha e esquece [...]”. (TELLES, 1989, p. 119)

“Nenhum vício.Tudo indica que era uma moça comportadíssima, daquele tipo de intelectual que tem dinheiro mas se veste com simplicidade. [...] Não tem inimigos aparentemente, todos falam bem dela.” (TELLES, 1989, p. 165)


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“Aí é que está o mistério. [...] Ananta era uma pessoa muito solitária, não tinha nenhum homem. E se calhar, há de ver que era virgem.Tinha alguns amigos e parecia dedicadíssima ao seu trabalho de analista mas quanto ao sexo, nenhum sinal.”(TELLES, 1989, p. 166) “Ananta ainda sumida, nem carta, nem bilhete ou qualquer palavra que pudesse explicar esse sumiço. [...] Às vezes as pessoas muito quietas têm esses impulsos, não dão satisfações, fazem planos secretos.”(TELLES, 1989, p. 167) “Não, não era lésbica. Não tinha homens mas também não tinha mulheres, andei sondando os amigos, a empregada, eu teria sentido qualquer coisa no ar, acho que não é por aí. Não existe gente neutra?” (TELLES, 1989, p. 169)


sobre o projeto

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5.8.2

personagem lorena

Lorena Vaz Leme é uma jovem universitária estudante de Direito, delicada e muito feminina que mora num pensionato de freiras. É uma menina muito responsável e obcecada por organização e higiene. Ás vezes se desliga do mundo real e fica sozinha fantasiando em sua imaginação. Tem um amor frustrado por Marcus Nemésius, seu ginecologista casado e cheio de filhos. Lorena passa boa parte da história esperando uma ligação de M.N., iludindose quanto à relação que eles poderiam ter e desejando a perda de sua virgindade (desejo enfático; sempre ansiosa e curiosa em relação aos assuntos sexuais). Filha de uma família rica, órfã de pai e com uma mãe completamente desmiolada, a jovem é a fonte de segurança de todos a sua volta, tanto financeiramente quanto emocionalmente. Ela é quem coloca ordem, ampara e resolve os problemas de todos. É cristã, amante de poesia e da boa música. Exigente, se cobra muito e é em sua solidão que se liberta. Muito culta, estudiosa e solidária, tem como principal característica o seu espírito infantil que beira a ingenuidade. Por conta do seu amor não correspondido e idealizado, Lorena não consegue se entregar a outro homem mesmo sendo muito cobiçada.

o tule Utilizamos o tule como elemento compositivo nas fotos da Lorena pelos seguintes motivos: por apresentar leveza, delicadeza e por remeter ao véu de noiva, sugerindo uma “mulher para casar”, visto o período em que o livro foi escrito.

a composição Nas fotos da Lorena, a modelo está sempre à espera de algo (amor não correspondido) ou com uma mão próxima a virilha, sugerindo a masturbação e o seu desejo pela perda da virgindade. As fotos não expressam vulgaridade, mas sim a pureza da personagem. A coloração esbranquiçada da foto, construída com a sobreposição do véu no corpo e com fundo infinito branco atrás, serve para representar a organização, higiene e ingenuidade, características marcantes da personagem.


sobre o projeto

• 91

“O jorro quente caiu no meu peito com tamanha violência que escorreguei e ofereci a barriga. Da barriga já pisoteada o jato passou para o ventre e quando abri as pernas e ele me acertou em cheio senti num susto a antiga exaltação artística [...]” (TELLES, 1998, p. 21) “Perdão pela ordem, pela limpeza, perdão pelo requinte e pelo supérfluo mas aqui reside uma cidadã civilizada da mais civilizada cidade do Brasil.” (TELLES, 1998, p. 60) “O que aprendi com ela: não bebo e posso escrever uma tese sobre alcoolismo e drogas. Nunca tive nenhum homem e sei com pormenores a arte e a desarte de amar.” (TELLES, 1998, p. 62) “Esfregou os cabelos até fechá-los num espesso capacete de espuma, Olhou-se no espelho. Com as pontas dos dedos foi alargando a espuma branca até a altura dos olhos.”(TELLES, 1998, p. 62)

os trechos Abaixo, os trechos retirados do livro “As Meninas” referentes à personagem Lorena. “[...] a melhor coisa mesmo é ficar imaginando o que M.N. vai dizer e fazer quando cair meu último véu.” (TELLES, 1998, p. 09) “Nas horas nobres deitava no chão, cruzava as mãos debaixo da cabeça e ficava olhando as nuvens [...]” (TELLES, 1998, p. 09) “Os olhos nus. Em verdade vos digo que chegará o dia em que a nudez dos olhos será mais excitante do que a do sexo. Pura convenção achar o sexo obsceno. E a boca? Inquietante a boca mordendo, mastigando, mordendo.”(TELLES, 1998, p. 10) “[...] tudo que se faz antes e depois do amor deve ser harmonioso. É antiestético masturbar-se? Não propriamente antiestético, mas triste.” (TELLES, 1998, p. 19)

“Será que o sexo ia lhe dar tanto prazer como o sol? Fico tomando sol porque não posso tomar o homem que amo.” (TELLES, 1998, p. 63) “Estou esperando um telefonema minha Irmã. Ninguém me telefonou?” (TELLES, 1998, p. 66) “Adoraria me casar com M.N., não existe uma ideia mais joia, queria me casar com ele, sou frágil, insegura. Preciso de um homem em tempo integral.” (TELLES, 1998, p. 70) “Se M.N. não me amar urgente, viro um livro!” (TELLES, 1998, p. 109) “[...] esse drama da minha virgindade. Confesso que de vez em quando preciso falar nisso, provoco o assunto, alimento as reações, me exponho a todas as consequências numa necessidade tão aguda de ficar centro-de-mesa. Mas de repente me vem um pudor (não sei se será exatamente pudor) e não suporto a menor referência, problema meu, friso e levanto a cerca de arame, proibida a entrada de pessoas estranhas.(TELLES, 1998, p. 114)


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5.8.3

personagem otávia

Otávia era filha de Laura com Natércio e meia-irmã de Virgínia. Mora com o pai, e é muito mimada por ele e pela governanta da casa. Apesar de ser péssima aluna, tem muito talento para música e pintura. É muito delicada e dedicada às artes, mas fala pouco, está sempre desatenta e enfastiada. Tem uma relação superficial com todos, sempre é indiferente aos outros e egoísta em seus pensamentos e atos. Embora Otávia seja o exemplo físico da perfeição angelical, tem uma personalidade fria e distante. Sua sensualidade é luminosa, por isso tem muitos amantes e foi amante de muitos. Depois de adulta, sua vida girava em torno de sua arte e de momentos boêmios sem responsabilidade. Sua característica mais marcante é a contradição, como ela mesma diz: “Por que isso da gente ser só uma coisa ou outra? Fica monótono e complicado. Bom é a gente não querer ser nem anjo nem diabo, é ir sendo o que na hora calhar...”.

a moldura Pela contradição e a arte serem as características principais da personagem Otávia, usamos uma moldura de características barrocas como elemento compositivo da foto. Referenciando o período barroco por seus detalhes ornamentais no gesso e, também, a presença da arte na vida da personagem.

a composição A moldura que escolhemos para compor a foto tem características barrocas, por isso, dialoga diretamente com a pintura desse período, a qual comumente apresenta uma alternância de luz e sombra, claros e escuros, conversando também com a maior característica da personagem, a contradição. Por esses motivos, o tratamento realizado para este ensaio foi a dessaturação das cores até chegar ao P&B, o qual facilita a percepção dos diferentes tons de cinza entre o preto e o branco. O que também representa a enfática


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personalidade contraditória da personagem é a relação da moldura com a modelo, onde, de um lado, temos a representação da beleza angelical de Otávia, presente nas expressões e no corpo modelado. Do outro, temos o nu como à representação do pecado, da vida boêmia e da sensualidade. Essa dualidade entre Anjo x Demônio pode ser vista, quando percebemos que a modelo dificilmente está emoldurada por inteiro, considerando que a representação do belo, justamente por ser uma representação por si só, não é perfeita. No caso, é a sua indiferença e egoísmo que a fazem sair de enquadramento. A moldura também acaba por referenciar a presença da arte na vida da personagem e sua paixão pela pintura.

os trechos Abaixo, os trechos retirados do livro “Ciranda de Pedra” referentes à personagem Otávia. Otávia é completamente diferente de vocês duas.Tão delicada, parece porcelana.” (TELLES, 1998, p. 13) “[...] embora Otávia falasse pouco, desatenta e enfastiada, era sempre uma pessoa a mais na mesa.” (TELLES, 1998, p. 70)

“[...] irmã luminosa, os seios mal-encobertos sob o tecido transparente, as pernas nuas. Não teria exagerado aparecendo assim no pesado uniforme do colégio? Com o intuito de não chamar a atenção sobre si, não estaria por isso mesmo chamando - e de que forma! - a atenção de todos?” (TELLES, 1998, p. 108) “[...] esta menina será um anjo ou um demônio!” (TELLES, 1998, p. 108) “Por que isso da gente ser só uma coisa ou outra? Fica monótono e complicado. Bom é a gente não querer ser nem anjo nem diabo, é ir sendo o que na hora calhar..” (TELLES, 1998, p. 109) “Quando vi Otávia pensei que nada mais pudesse encontrar de tão sedutor.”(TELLES, 1998, p. 152) “Não me peçam nunca fidelidade. Por que fidelidade se todos mudam tanto e tão rapidamente? Mas se nem a mim mesma consigo ser fiel. Seria bem divertido fazer uma pilha dessas Otávias todas que já fui, contraditórias e tão desiguais, que não me reconheço em nenhuma delas.”(TELLES, 1998, p. 163)

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personagem virgínia

Virgínia, no início da narrativa ainda é uma criança, por isso sua visão sobre os acontecimentos é sempre pura e ingênua. Mora inicialmente com a mãe Laura e o pai biológico, Daniel, porém não sabe que ele é seu pai.Virgínia é fruto de uma relação de amor extraconjugal, por isso todos a mantém preservada dos fatos reais, fazendo-a acreditar que seu verdadeiro pai é Natércio. Por não morar com Natércio, ela sente a carência de não ter um pai presente e busca sempre chamar sua atenção que nunca é muito atendida, tampouco retribuída. Apesar de sua inocência, seu sentimento de não pertencimento e de rejeição, faz com que sua personalidade oscile entre a tranquilidade e a conturbação, sendo às vezes amorosa e às vezes dramática e descontrolada. Com a doença da mãe e a péssima condição financeira de Daniel, que considerava seu tio, passou a morar com Natércio e suas irmãs, na casa que sempre idealizou como lar, mesmo sentindo falta da mãe. Fazia visitas à mãe doente sempre que a permitiam, o que não era freqüente, pois agora vivia com a amargura e rigidez de Natércio.Virgínia sempre se sentiu muito deslocada dentre as irmãs mais velhas e seus amigos, os quais não a incluíam nunca em suas programações. Durante toda a sua infância,Virgínia busca inutilmente um espaço dentro da ciranda de pedra construída ao seu redor. Após a morte de sua mãe, o suicídio de Daniel e a revelação de que ele era seu verdadeiro pai, a menina encontra-se completamente alheia ao casarão, a Natércio, suas irmãs e amigos. Como fuga, pede a Natércio para estudar em tempo integral em um internato, onde se forma e amadurece. Quando volta a casa de Natércio,Virgínia já não se apresenta mais como a menina excluída e sim como uma mulher culta e muito bonita. A surpresa com o retorno de suas lembranças e traumas de infância denuncia sua preocupação, ainda presente, com a opinião de todos, principalmente com a de Conrado, seu amor de infância. Porém, na sua fase adulta começa a observar novamente todos os componentes da ciranda e enxergálos, agora, com um olhar mais malicioso, o qual a ajuda a descobrir a verdadeira identidade de todos.Virgínia torna-se uma mulher notada e cobiçada. Carente de anos de atenção não correspondidos, a jovem decide experimentar a sensação de pertencer, como peça importante, na vida de cada personagem. A curiosa e observadora criança retorna no corpo de uma mulher que sabe muito bem o que quer. Entrando na partida, a jovem passa a jogar com todos a sua volta, envolvendo-se amorosamente até mesmo com Letícia, irmã de seu amor platônico. Virgínia consegue por fim fazer parte da ciranda de pedra, mas está tarde. Jamais acertará o passo.


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a rede

os trechos

O elemento utilizado nas fotos da personagem Virgínia foi uma rede de pesca. A rede foi escolhida, pois reflete muito bem a dramaticidade em que a personagem está envolvida e sua representação como algo frágil e concomitantemente agressivo.

Abaixo, os trechos retirados do livro “Ciranda de Pedra” referentes à personagem Virgínia.

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“Cansara-se de lutar, queria se fazer agora uma coisa pequenina, uma coisa miserável que inspirasse piedade.” (TELLES, 1998, p. 13)

a composição Assim como em seus monólogos internos, a personagem Virgínia aparece sempre envolvida pela rede e por uma situação angustiante. Nas fotos, apresentamos a dramaticidade da personagem e seu desejo de se tornar livre daquilo que a envolve. A errância de Virgínia ocorre em todas as fases de sua vida, desde a infância até a vida adulta. A personagem está sempre querendo sair de sua situação atual para adentrar a Ciranda de Pedra, mas sua fragilidade e ingenuidade, representadas na espessura dos fios da rede, fazem com que todos os seus esforços sejam em vão. O contraste reforçado e a ausência de cor (fotografia P&B), foram escolhidos para tornar mais intensa a dramatização e angústia da cena.

“Por que não foi com eles? - estranhou. “Porque eles não me quiseram”, disse simplesmente.” (TELLES, 1998, p. 63) “Era assim, todos eram assim, às vezes pareciam amigos e de uma hora para outra, sem se saber por quê, mudava tudo, “Não sei lidar com eles, não sei!” (TELLES, 1998, p. 85)

“Minha Virgínia, você é muito dramática, sem querer exagera, culpa da sua imaginação! As coisas não são bem assim como você diz.” (TELLES, 1998, p. 96)

“No começo, odiei o tempo todo, poderia ter lhe respondido. Odiei as professoras, a comida, as paredes, as imagens, o ar, até o ar eu odiei com aquele cheiro característico, mistura de flores murchas e incenso. Depois, fiquei indiferente. Fiquei apática. E, se estudei tanto, não foi por virtude, mas por pura agressão: minhas irmãs eram alunas medíocres.” (TELLES, 1998, p. 98) “A dança era antiga e exaustiva, exaustiva justamente porque ficara de fora, desejando participar e sendo rejeitada. E rejeitando-a por sua vez para logo em seguida esforçar-se por entrar. Admitiram-na, finalmente. Mas era tarde, jamais acertaria o passo.”(TELLES, 1998, p. 163)


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5.8.5

personagem lia

Lia de Melo Schultz era uma jovem universitária baiana que trancou seu curso de Ciências Sociais após perder o ano por faltas. Mora num pensionato de freiras e se engajou na luta pelos direitos das mulheres. O feminismo e a liberdade são suas metas e não mede esforços para alcançá-las. Apóia-se muito em Lorena Vaz Leme, sua amiga e colega de pensionato, a qual sempre pede dinheiro e carro emprestados. Pertence a vários grupos políticos de esquerda e vive se escondendo da polícia por medo de ser presa ou torturada. Ao longo da narrativa demonstra-se sempre muito desapegada com as questões materiais, e muito culta. Sempre pronta para debates, passa boa parte da história tentando esclarecer e defender suas questões pessoais. Completamente desorganizada, adora beber e fuma muito. Gosta de sentar no chão e ficar horas profetizando suas teorias políticas. Segura, questionadora e auto-suficiente, sempre tem um posicionamento firme quanto a suas escolhas gerais. Para ela, o sexo é um ato de libertação e as pessoas devem ser mais desprendidas e menos preconceituosas. Sua postura é sempre a de uma mulher imponente e bem resolvida.

a projeção de jornal Utilizamos a projeção de jornais da época da ditadura, período no qual o livro foi escrito, na representação da personagem Lia. O jornal foi escolhido porque a personagem é muito engajada na luta política, é feminista e gosta muito de ler. Os jornais selecionados apresentam manchetes políticas e falam sobre o confronto entre polícia e estudantes.

a composição A composição da projeção do jornal no corpo da modelo serve como elemento de unificação. O jornal mostra a identidade da personagem. Lia é a estudante, a feminista, a revolucionária, a foragida, a intelectual e a amedrontada. Nas fotos, a modelo aparece sempre em posições desleixadas (por conta da sua


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não feminilidade), ou amedrontadas (pelo seu medo de ser pega pela polícia fascista da ditadura) ou impositivas (por conta de seu intelecto e seu engajamento na luta política pelos direitos das mulheres). Em algumas fotos percebem-se a presença da fumaça (confrontos e manifestos políticos) e do cigarro, elementos muito presentes na vida de Lia.

Abaixo, os trechos retirados do livro “As Meninas” referentes à personagem Lia. “[...] cigarro aceso no meu peito, dói sim, mas se soubesse que você está livre, dormindo na estrada ou debaixo da ponte. [...] O seu sofrimento, Miguel. O meu aguentaria bem, sou dura. Mas se penso em você fico uma droga, quero chorar.”(TELLES, 1998, p. 15) “[...] está sombria como um náufrago [...]” (TELLES, 1998, p. 23) “Há tanta fome e tanto sangue na tela de lençol. Tão terrível ver tanta morte, putz. [...] Revolta e náusea.”(TELLES, 1998, p. 28) “Contei que rasguei meu livro e foi como se dissesse que rasguei o jornal. Não gosta do que eu escrevo. Ninguém gosta, deve ser uma bela merda. Mas as pessoas sabem o que é bom? O que é ruim? Quem é que sabe?” (TELLES, 1998, p. 29) “[...] vai saindo com ar de quem carrega nos ombros o peso do mundo.” (TELLES, 1998, p. 30) “Imagine se lesse jornais como Lião, ela lê milhares de jornais por dia, recorta artigos.” (TELLES, 1998, p. 56) “[...] tinha o vigor germânico, andejo capaz de fome, inverno e tortura [...]” (TELLES, 1998, p. 59) “[...] se Lião não falasse noite e dia em revolução.” (TELLES, 1998, p. 113) “Sentou-se no tapete e apanhou um cigarro. Rodou-o entre os dedos. “Meus amigos estão todos presos, eu mesma posso ser presa saindo daqui.””(TELLES, 1998, p. 117)


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5.8.6

personagem rosa

Rosa Ambrósio é uma atriz em decadência, completamente inconformada com a velhice no auge de seus 50 anos de idade. Atormentada com suas perdas, encontra na bebida seu refúgio. Passou por inúmeros abandonos, seja por morte ou por afastamento, o que fez com que se tornasse uma pessoa amarga e deprimida. O drama já fazia parte de sua vida por conta da atuação, mas se intensificou com seu vício e sua trajetória. Burguesa e machista, era submissa ao amante, seu jovem secretário, o qual mantinha com dinheiro. Não gostava de se relacionar com mulheres e tinha uma relação difícil até mesmo com sua própria filha, a qual criticava muito por ter relacionamentos sexuais com homens muito mais velhos. Hipócrita, incoerente e reacionária. Mas também egocêntrica e narcisista, pois se preocupava muito com sua imagem e com a opinião dos outros, representava até mesmo quando estava fora de cena, só demonstrava sua verdadeira identidade em seus momentos de alcoolismo, que eram cada vez mais frequentes.

a água A utilização da água como elemento compositivo da foto foi devido à personagem ser alcoólatra, pois queríamos que as fotos remetessem ao líquido. Apropriando-se desse elemento, relacionamos o escorrido e o embaçado da água à decadência da personagem.

a composição O diálogo entre a água e a modelo se faz quando temos o corpo e o elemento escorrendo diante do vidro do box. A modelo está com a maquiagem borrada e o cabelo emaranhado para demonstrar sua decadência, porém, sua postura sempre indica certo egocentrismo. Utilizamos nessas fotos uma fonte de luz focal, obtida por três lanternas, para remeter à luz de palco, considerando que a personagem era atriz. O tratamento da foto é hiper saturado e contrastado para, justamente, chamar atenção e mostrar nitidamente todas as interferências que a textura da água faz na imagem.


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“Ah! que lúcida eu fico quando bebo, encho a boca, encho o peito e digo que a confusão vem de longe, [...]” (TELLES, 1989, p. 13) “A glória. Amo a glória, sou um poço de vaidade mas digo que estou me lixando com essas futilidades, poso de artista solitária, me deixa em paz!” (TELLES, 1989, p. 15) “Apalpo a trouxa de roupa, quero uma peça de algodão porque detesto enxugar a cara com seda e estou chorando feito uma vaca.Velharias.” (TELLES, 1989, p. 17) “Gregório, meu amor, me perdoa, sou uma bêbada podre num mundo podre, você sabe, o mundo apodreceu completamente.” (TELLES, 1989, p. 18) “Sou uma atriz decadente, logo, estou no auge. Não me mato porque sou covarde mas se calhar ainda me matam. Cinquenta anos presumíveis, [...]” (TELLES, 1989, p. 19)

os trechos A seguir, os trechos retirados do livro “As Horas Nuas” referentes à personagem Rosa. “Entro no quarto escuro, não acendo a luz, quero o escuro.” (TELLES, 1989, p. 09) “Dizia que eu era uma burguesa alienada. Poderia ter dito, uma burguesa assumida porque nunca neguei minha condição.Tantos espelhos. Mas só agora me vejo, uma frágil mulher cheia de carências e aparências, dobrando o Cabo da Boa Esperança, já nem sei que Cabo é esse, era a mamãe que falava nisso mas deve ter alguma relação com a velhice, ô! meu Pai, que palavra ignóbil.” (TELLES, 1989, p. 11)

“- Rosa, Rosae. Essa sua vaidade é inacreditável. Se você conseguisse pensar menos em si mesma [...] De que vale a beleza, a sabedoria, a riqueza se tudo é vaidade e desejo vão!”(TELLES, 1989, p. 27) “Viver infeliz na realidade e depois viver felicíssima na memória não seria a solução?” (TELLES, 1989, p. 73) “- Atriz medíocre, mãe egoísta, amante infiel e dona-de-casa descuidada, ela disse hoje para o espelho com expressão de desafio.” (TELLES, 1989, p. 92) “Impregnou-se tanto dos papéis que representou que facilmente passa de um papel para outro - fragmentos que vai juntando e emendando nas raízes, dependendo da conveniência.”(TELLES, 1989, p. 92)


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personagem laura

Laura era casada com um advogado muito rico e machista, com o qual teve duas filhas, Otávia e Bruna. Sua terceira filha, Virgínia, é fruto de um relacionamento amoroso extraconjugal. Ao expor a situação ao marido e dizer que estava apaixonada por outro homem, foi internada a força em um sanatório, nessa época Virgínia tinha acabado de nascer. Daniel, seu amante, era médico e se instalou perto ao sanatório para tentar tirá-la de lá o mais rápido possível, enquanto isso fazia visitas diárias em seu quarto. Traumatizada com a crueldade do tratamento forçado que recebia, Laura passou a ter alucinações, medos e inseguranças. Mesmo depois de libertada, quando passou a morar com Daniel e Virgínia, Laura ainda guardava péssimas memórias da época de internação, o que fez com que ficasse cada vez mais doente. A cada dia que passava tinha mais devaneios, sonhava acordada com raízes que a prendiam e besouros tentando se infiltrar em seus aposentos. Apesar da doença, tinha uma ótima relação com Virgínia e era muito maternal quando estava lúcida, mas sempre escondeu dela a verdade sobre seu pai. Morreu depois de Virgínia mudar-se para a casa do “pai”, Natércio, o qual tinha mais condições financeiras de cuidá-la.

a sombra dos galhos Utilizamos a projeção de galhos nas fotos da personagem Laura a fim de retratar as freqüentes alucinações com raízes que a personagem tem.

a composição Para a personagem Laura, utilizamos a sombra dos galhos retorcidos sobre o corpo da modelo. Os galhos, quando projetados, triplicam de tamanho e dão um ar agressivo para a foto. Na composição dos galhos com o corpo, nossa intenção era expressar a loucura e o sofrimento de Laura, dando a ideia de sufocamento e de aprisionamento, assim como quando a personagem alucinava no manicômio, assombrada por raízes tomando seu corpo.


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os trechos A seguir, os trechos retirados do livro “Ciranda de Pedra” referentes à personagem Laura. O rosto parecia tranqüilo em meio à cabeleira em desordem, de um louro sem brilho.” (TELLES, 1998, p. 16) “Olheiras fundas cavavam-se em torno dos olhos brilhantes.” (TELLES, 1998, p. 27) “[...] você tinha acabado de nascer e mamãe já estava meio esquisita, com umas manias, papai teve que interná-la no sanatório. [...] Quando ela melhorou, está claro que nosso pai não podia mais aceitá-la, imagine um escândalo desses. [...] Apaixonada como estava por outro homem, todo mundo comentando o escândalo.(TELLES, 1998, p. 37) “Vagou o olhar pela escuridão do céu. Lá no fundo da terra devia ser assim escuro e a mãe gostava de ficar no escuro. Mas tinha as raízes e os besouros tentando se infiltrar pelas frestas do caixão.”(TELLES, 1998, p. 76)

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bibliografia livros TELLES, Lygia Fagundes. As meninas. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. TELLES, Lygia Fagundes. As Horas Nuas. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. TELLES, Lygia Fagundes. Ciranda de Pedra. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. FAWCETT-TANG, Roger; FOGES, Chris. Experimental Formats: Books, Brochures and Catalogues. Editora Pro-Graphics, 2003. FLUSSER,Vilém. Filosofia da caixa preta. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas (SP): Papirus, 1994. SONTAG, Susan. Sobre fotografia. Editora Companhia das Letras, 2004. TOWNSEND, Chris. Francesca Woodman. Edição 1. Estados Unidos: Phaidon Press, 2006. FERNÁNDEZ, Horacio. Fotolivros latinoamericanos. 1ª Edição. São Paulo: Cosac Naify, 2011.

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