Pintura a tempera

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Bel Besse

Edição Especial

Rio de Janeiro

2008 1


Copyright© 2008 por Maria Izabel Besse

Título Original: Pintura a têmpera Editor-chefe: Tomaz Adour Revisão: Sonia Camara Editoração Eletrônica: Bernardo Franco Capa: Fernanda Novaes

Conselho Editorial: Henrique Volpi Tatiana Berlim Tomaz Adour Barbara Cassará Mariana Volpi

Editora T+8 Ltda. Rua Visconde de Pirajá, 142 sala 903 Ipanema – 22.410.003 – Rio de Janeiro – RJ Tel: (21) 3298-9570 / Fax: 3298-9573

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SUMÁRIO

Prefácio ............................................................................ 5 Resumo ............................................................................ 8 Sobre a autora ................................................................. 9 Sobre a técnica .............................................................. 11 Vantagens e desvantagens da têmpera ....................... 13 Limitações ..................................................................... 16 Limitações imaginárias ............................................... 18 Superfície no método tradicional .............................. 19 Preparação das tábuas ................................................. 20 Encolamento ................................................................. 22 Entelamento .................................................................. 24 Capa de gesso ............................................................... 25 Método moderno: tela texturizada ............................ 27 Desenho – a base da pintura a têmpera .................... 30 O desenho no método tradicional ............................. 31 Modelando no método tradicional ............................ 33 O desenho no método moderno ................................ 33 Modelando no método moderno ............................... 36 Preparo da tinta ............................................................ 36 Temperando ................................................................. 37 Para pintar .................................................................... 39 Testando ........................................................................ 40 Pintando ........................................................................ 41 Pintando no método tradicional ................................ 43 Pintando mo método moderno .................................. 46 Aguada inicial .............................................................. 47 Fundação, sub-pintura ................................................ 47 Pintura ........................................................................... 48 3


Transparência, veladura ............................................. Opacidade ..................................................................... Matizando ..................................................................... Pintando céu ................................................................. Pintando nuvens .......................................................... Drapeados e outros objetos ........................................ Pintando texturas ......................................................... Chapiscar ...................................................................... Gotejar ........................................................................... Pontilhar ........................................................................ Esponjar ......................................................................... Borrar ............................................................................. Borrifar com escova de dente ..................................... Pincel seco ..................................................................... Raspar ............................................................................ Batidas ........................................................................... Pinceladas de seixo ...................................................... Espatular ....................................................................... Esfregar ......................................................................... Sulcar ............................................................................. Miscelânea .................................................................... Máscaras ........................................................................ Refinando texturas ....................................................... Correções ...................................................................... Cuidados com a pintura .............................................. Conclusão ...................................................................... Referências .................................................................... Fornecedor .................................................................... ######

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49 50 51 52 53 54 54 55 57 57 58 59 59 60 60 61 62 62 62 63 63 63 64 64 65 66 67 69


PREFÁCIO

Este livro foi planejado com o objetivo de divulgar no Brasil a antiga técnica de pintura que utiliza a gema do ovo como aglutinante, preenchendo uma lacuna com a qual se deparam os estudantes de artes, uma vez que não dispomos de literatura a respeito do assunto em nosso idioma. Embora seja um livro didático, requer alguns conhecimentos sobre pintura, perspectiva, volume, profundidade e outros conceitos básicos que não são aqui ensinados: apenas explicamos como produzir tais efeitos na têmpera. Esta edição especial destina-se principalmente a ser distribuída, sob a forma de doação, aos departamentos de artes das seguintes universidades e faculdades: – Faculdade de Belas Artes de São Paulo – Faculdade Paulista de Artes – São Paulo – Fundação Armando Álvares Penteado – São Paulo – Universidade de Brasília – Universidade Federal da Bahia – Salvador – Universidade do Estado da Bahia – Universidade Federal do Espírito Santo – Vitória – Universidade Federal de Juiz de Fora – Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte – Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – Escola de Música e Belas Artes do Paraná – Curitiba – Universidade Federal do Rio de Janeiro

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– Escola de Artes Visuais do Rio de Janeiro – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre – Universidade do Estado de Santa Catarina – Florianópolis – Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio – Itu – Faculdade Santa Marcelina – São Paulo – Universidade Braz Cubas – Mogi das Cruzes – Universidade Estadual Paulista – São Paulo – Universidade de Franca – Universidade Tiradentes – Aracaju – Universidade Campinas – Pontifícia Universidade Católica de Campinas – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Faculdade Santa Cecília dos Bandeirantes – Universidade Estadual Paulista – UNESP Bauru – Universidade do Anhembi – São Paulo – Universidade Mackenzie – São Paulo – Faculdade Cásper Líbero – São Paulo – Faculdade de Artes Visuais UFG – Goiânia

Ao por este material à disposição dos professores e estudantes universitários que se preparam para atuar no campo da pintura, a intenção da autora é a de resgatar a memória e difundir conhecimentos que se encontram esquecidos entre nós, ao mesmo tempo, introduzir materiais e métodos modernos, que tornam a técnica mais atraente e compatível com os dias atuais. Acompanha cada exemplar um CD com fotos ilustrativas dos materiais e métodos utilizados na técnica, e de trabalhos realizados pela autora e por outros artistas plásticos temperistas que disponibilizaram seus trabalhos na internet, sendo que o leitor disporá da indica-

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ção do site, sempre que for utilizada foto do trabalho de outros artistas. Este trabalho é fruto de vários anos de pesquisa da autora e de outros temperistas, e não poderia ter sido realizado sem a colaboração de vários amigos que patrocinaram financeiramente esta edição especial, e a quem somos profundamente agradecidas e honradas pela confiança que nos depositaram. Agradeço especialmente a minha irmã, Maria Iara Besse Vicente Coelho, e meu cunhado, Nélson Vicente Coelho, pelo apoio que sempre me prestaram, neste e em outros momentos.

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Resumo: Eu amo trabalhar com a têmpera de ovo e gostaria de ver esse antigo médium usado pelos artistas brasileiros da atualidade. A têmpera de ovo não é um médium conhecido no Brasil, e não dispomos de literatura sobre ela em nosso idioma. Este trabalho tem como objetivo auxiliar aqueles que estiverem interessados em aprender a técnica, tanto o modo clássico como o moderno. Cada artista aborda a têmpera de modo diferente em seu trabalho, pois cada um tem seu toque único, senso de cor e idéia sobre forma e composição. Este trabalho é um guia, não uma fórmula, e espero que ele possa encorajá-los a iniciar sua própria jornada na pintura a têmpera. Abstract: I Love using egg tempera, and would like to see this ancient medium use among today’s Brazilian artists. Egg tempera is unknown in Brazil, and we haven’t any book about it in our language. This work is intended to help those interested in this lesserknown medium, in the classical and modern method. Everyone has a different approach to their painting, each with a unique touch, color sense, and idea of form. This work is intended as a guide, not a formula, and I hope that it will encourage you to start on your own journey with egg tempera painting. Palavras chave: arte; pintura; médium de pintura; tempera de ovo; técnicas; materiais; métodos. Key words: art; painting; painting mediums; egg tempera; techniques; materials; methods. 8


Sobre a autora

Maria Izabel Besse, nome artístico Bel Besse, natural de Espírito Santo do Pinhal, estado de São Paulo. De formação acadêmica em Pedagogia e com mestrado em Segurança Pública, policial militar por profissão, iniciei o aprendizado na pintura em um curso oferecido pelo SENAI-Pinhal, no ano de 2000, onde aprendi as noções básicas da pintura em tinta acrílica. Posteriormente, tomei contato com a pintura a têmpera por intermédio de uma amiga, que me ensinou as noções básicas da escrita de ícones bizantinos, técnica que aprimorei estudando à distância, pela internet, com os padres do Atelier Saint-André, na Suíça, discípulos do padre Egon Sandler. A partir de então, me tornei autodidata, pesquisando na literatura estrangeira (não existe literatura sobre têmpera em nosso idioma, em nosso país) e trocando correspondência com vários artistas temperistas, como são denominados aqueles que se dedicam à técnica. De espírito pesquisador e inconformada com as dificuldades técnicas e materiais da têmpera, que desestimulavam os artistas que me procuravam para aprender a técnica, empreendi seis anos pesquisando formas alternativas para a pintura a têmpera, utilizando materiais economicamente mais viáveis e modernos, e métodos mais simples e mais fáceis de serem aplicados, reuni extenso material. Este livro é um resumo do material coletado, testado e adaptado por mim, e foi 9


elaborado para auxiliar os artistas que se interessam em conhecer a técnica, e para divulgá-la, popularizá-la em nosso país.

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Sobre a técnica

A têmpera de ovo (egg tempera), ou simplesmente têmpera1, é um médium antigo, que remonta ao tempo dos egípcios e dos gregos, pouco usado atualmente, depois do advento da pintura a óleo, e pouco conhecido no Brasil2 mas com muitos seguidores na Europa, Canadá e Estados Unidos. É feita com gema de ovo, água destilada e pigmentos puros (em pó). É apresentada, geralmente, como sendo de difícil execução, limitada por rígidas regras que, segundo alguns acadêmicos, se não forem estritamente observadas, a técnica estará descaracterizada. A têmpera é o médium usado para a pintura de ícones bizantinos que, contudo, seguem outra técnica, baseada na teologia da Igreja Católica Ortodoxa. Neste trabalho temos a intenção de explicar o mais detalhadamente possível a técnica da pintura a têmpera, mas sabemos que nenhum livro pode ensinar, sozinho, qualquer método de pintura: é necessária alguma prática para se obter sucesso com estes escritos, sobretudo uma prática orientada por um bom instrutor. Os ensinamentos aqui registrados resultam do grande conhecimento e da exaustiva prática de diversas pessoas dedicadas a esta arte, tendo sido colhidos 1. Existem outros tipos de têmpera, como a acrílica, a vinil, a caseína, o guache, a de clara de ovo etc. 2. Tivemos um renomado temperista, Volpi, na segunda fase de sua carreira, e também Jorge Mori, que posteriormente trocou a têmpera pelo óleo.

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da bibliografia que consta ao final do trabalho, e longamente testados, incorporados, absorvidos e adaptados pela autora, bem como de inovações inseridas pela mesma, testadas pelo período de quatro anos até a presente data (2008). Não abordamos a técnica da têmpera no contexto da história da arte, concentrando-nos apenas nos materiais e métodos, na sua prática e aplicação, sendo explicadas tanto a técnica tradicional como a moderna. São princípios básicos da pintura a têmpera: deve ser aplicada em camadas finas, ou seja, com tinta rala e com pouca tinta no pincel, para evitar que se formem charcos que, após secarem, formarão manchas impossíveis de serem corrigidas; quando aplicada no método tradicional, tem uma aparência linear, achatada, porém, no método moderno, o efeito tridimensional é conseguido alternando-se camadas transparentes (glazes, veladuras) com camadas opacas (scumble), cores quentes com cores frias; transparência se refere à aplicação de cor escura sobre cor clara, resultando em um efeito vitrificado; opacidade se refere à aplicação de cor clara (cor com adição de branco) sobre cor escura, resultando em um efeito de opalescência3; quando a tinta é aplicada sobre uma camada de mesmo valor tonal, o resultado será de opacidade; qualquer cor terá a aparência de opacidade se for colocada em repetidas 3. Interessante para pintar fumaça, chuva, cenas noturnas, névoa, neblina, nuvem. Também é útil para atenuar cores de objetos colocados ao fundo, no terceiro plano, criando o efeito de profundidade.

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camadas; qualquer cor terá a aparência de opacidade se for usado excesso de pigmento, o resultado será a aparência da tinta guache; para corrigir o efeito opaco basta esperar a camada secar bem (por uma hora) e aplicar sobre ela uma veladura em cor mais escura; as cores devem ser obtidas por mistura ótica (sobreposição na tela) e não por mistura física (misturadas na paleta), pois o resultado da mistura física será uma cor “encardida”; deve ser aplicada sobre superfície rígida, ou rachará ao secar quimicamente; seca rapidamente ao toque, permitindo a aplicação de várias camadas em um mesmo dia, mas demora seis meses para a secagem química (em locais de clima quente); a opacidade e transparência dos pigmentos é relativa, está condicionada aos valores tonais (acréscimo de branco ou preto) com os quais a mistura é aplicada.

Vantagens e desvantagens da têmpera

A têmpera é um médium com muitas vantagens: é seguro, não tóxico e permanente. Ao contrário da pintura a óleo, não amarelece, não muda a cor e não se torna transparente com o tempo, pois os pigmentos são puros e permanecem em seu estado natural depois que a água evapora. Ao contrário do acrílico, passou no teste do tempo. Mostra a beleza dos pigmentos puros com grande vantagem sobre as outras técnicas. As cores são claras, brilhantes e puras. Ao fazer sua própria tinta, o artista sabe tudo o que há nela, não 13


haverá nenhuma receita ou ingrediente secreto que comprometerá sua arte. Se aplicada corretamente, produz um efeito maravilhoso de transparência e luminosidade que não se obtém com nenhum outro médium. Permite interessantes efeitos de texturas, difíceis de fazer no óleo e impossíveis na tinta acrílica. Trata-se de uma textura ótica, não física. Nenhum outro médium oferece a luminosidade da têmpera, que é obtida pelas repetidas camadas de cor transparente. Se alguma área da pintura secar sem a luminosidade, basta aplicar mais veladuras no local, pois não existe um limite de tempo ou de aplicação de veladuras, antes que a pintura seque quimicamente. Luminosidade incandescente e texturas sutis são a essência da têmpera, um médium ótimo para realçar a beleza e isto é o que esta autora acredita ser o significado da arte. No entanto, tem alguns inconvenientes e não é para todos. Deve ser pintada em superfície rígida. Tradicionalmente não pode ser aplicada em papel ou tela, pois, embora ao secar forme uma película resistente, também é frágil, e se lascará em superfície flexível, razão pela qual é tradicionalmente aplicada sobre painéis de madeira revestidos com gesso crê. A superfície de gesso pode se quebrar se sofrer pancadas ou quedas. Dá muito trabalho preparar a superfície, usa-se gesso crê, de secagem rápida, especial para produzir uma superfície lisa, branca e absorvente, que o gesso acrílico comum não propicia. Não se pode pintar espesso (impasto), pois a pintura rachará. Também não permite ###### 14


a aplicação da técnica “molhado sobre molhado”4, como no óleo, temos que esperar a primeira camada de tinta secar antes de aplicar a segunda (caso contrário a primeira será eliminada pelas pinceladas da segunda)5. Deve-se pintar em várias camadas finas, na técnica da veladura, o que dificulta a sua execução ao ar livre. Impastos, espatulados, pinceladas pesadas e texturas devem ser deixados para outros médiuns. Como em toda a pintura de secagem rápida, é melhor trabalhar com misturas ópticas e efeitos lisos. Outra limitação da têmpera é a dimensão dos quadros, pois a técnica não se adapta a painéis de grande dimensão (meus painéis maiores são os de 50X70 cm). Além das já mencionadas, a têmpera também é limitada no que se refere a cores: não é possível fazer as sombras muito escuras (os pigmentos são usados bem líquidos, diluídos) ou usar cores muito quentes, pois, para obtermos o efeito de transparência e luminosidade (que são a sua característica), é necessário fazer a veladura com a cor mais escura ao final, o que tira a intensidade das cores quentes. Se a intenção for pintar quadros grandes, escuros ou com cores ricas e quentes, 4. Porém, se usarmos a técnica do chapiscado ou do borrifo (explicadas posteriormente), será possível aplicar a técnica do molhado sobre molhado, e as cores se matizarão juntas. Para mim, a secagem rápida da têmpera é qualidade e não defeito, pois me permite aplicar várias camadas de tinta em um mesmo dia. 5. É possível aplicar a técnica do “molhado-sobre-molhado” para fazer texturas de rochas, por exemplo, usando uma escova de dentes como pincel, técnica que será explicada mais adiante. No entanto, os “puristas” não aceitam essa técnica, uma vez que a forma tradicional de se pintar a têmpera é com pinceladas hachuradas.

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o pintor deverá procurar outro médium, pois não lhe será possível trabalhar com a têmpera, embora muito dos rigores dos pintores mais tradicionalistas tenham sido atenuados pelos modernos pintores à têmpera. Superadas as limitações (e por causa delas afirmamos que a pintura à têmpera não é para todos), a técnica agradará aos pintores que apreciam o processo artístico com muita disciplina. Depois de terminada a obra, pode-se envernizá-la ou encerá-la, com o objetivo de ressaltar as cores e proteger a pintura da atmosfera, luz e umidade. Usar cera de abelha dissolvida em terebintina e, depois de seca, escovar de tempos em tempos para tirar o pó e dar brilho. Usar uma parte de cera de abelha pura e uma parte de essência de terebintina, dissolver em banhomaria até estar bem misturado e passar ainda líquido sobre a pintura, delicadamente e com pinceladas ligeiras, usando um pincel macio e largo.6

Limitações

Impastos: a têmpera tem que ser aplicada em camadas finas, senão rachará e sairá do painel em poucas semanas. Portanto, não se pode usar a técnica do impasto. A pintura tem que ser elaborada em muitas camadas

6. Pessoalmente, prefiro não envernizar, pois a principal característica da têmpera é a luminosidade e transparência, que se perde com o verniz.

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finas.7 Isto impede que o artista pinte ao ar livre (plena ir), a têmpera é uma técnica de atelier. Misturas de tintas: não se trabalha com mistura física na têmpera, mas com misturas ópticas. Matizar: é difícil matizar os tons na têmpera, pela mesma razão que não é possível trabalhar com misturas físicas. A têmpera seca muito rapidamente e, por outro lado, passar o pincel no mesmo local e com a tinta úmida, faz com que as camadas inferiores saiam, aparecendo o gesso. Para pintar o céu, usar mais escuro no alto e ir clareando gradualmente até o horizonte, e é necessário fazer faixas irregulares primeiramente. É uma habilidade que se desenvolve com a prática. Cores brilhantes: as sombras não são tão escuras na têmpera, não é possível fazer sombras profundas.8 Linearidade: a têmpera seca com uma aparência achatada, um tom mate. Isto nem sempre é considerado uma limitação, segundo SULTAN (1999), trata-se de uma qualidade.

7. No mínimo 10 camadas na base (underpainting), e de 10 a 15 camadas na pintura (overpainting). 8. Não gosto de sombras profundas, então, para mim, isto é qualidade e não limitação.

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Limitações imaginárias

Nossa experiência com a têmpera, bem como a de outros artistas, revela que algumas limitações, ensinadas em aulas de arte e em alguns livros, são imaginárias. Por exemplo: Rigidez na aplicação da técnica: não é obrigatório fazer um desenho detalhado e segui-lo fielmente até o final, é possível pintar a partir de um esboço, como em qualquer outra técnica, e é possível fazer correções durante o trabalho, ao contrário do que afirma THOMPSON JR (1973), um dos mais tenazes defensores da técnica tradicional, que foi trazida por ele aos nossos tempos, tendo traduzido e adaptado aos nossos dias o Tratado de Pintura, de Cennini, onde a técnica é descrita pela primeira vez. Escala pequena: é um equívoco pensar que a têmpera não permite pintar em grandes superfícies. É possível usar grandes superfícies quando se toma cuidados para que ela não empene e quando se usa outras técnicas além das pinceladas hachuradas (difíceis de serem aplicadas em grade escala)9. O MDF não empena. Se for usado papel de aquarela em substituição ao painel de gesso, resolve-se o problema de aplicar gesso em larga escala – tarefa difícil mas não impossível: 9. No entanto, a maioria dos temperistas trabalha com pequenas superfícies (geralmente painéis de 40X50cm), sendo que, para grandes dimensões, é preferível usar a técnica do afresco.

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deve ser feita rapidamente, antes que o gesso seque e forme divisões. Também é possível usar tela texturizada, técnica criada por esta autora e que será explicada posteriormente. Qualidade bidimensional: algumas autoridades em têmpera consideram que o médium não é adequado para pintura naturalista. Isto era correto nos primórdios da têmpera, quando se pintava apenas com a cor local e sem perspectiva. O artista que usar a técnica da veladura e opacidade não terá problemas para criar efeitos tridimensionais. Assim, a única regra verdadeira é a imposição química (que não permite impastos), porém, todos os médiuns possuem limitações. VICKREY (1973) afirma que é possível, sim, improvisar na pintura a têmpera. Na têmpera, é possível usar outras técnicas além das hachuras, possível pintar diretamente no painel (sem a repetição tediosa do desenho no papel e no painel), é possível abandonar as regras medievais e tornar a têmpera relevante para nossa época.

Superfície no método tradicional

A tinta é feita com a mistura de pigmentos em pó, a gema do ovo como aglutinante e água desmineralizada que lhe serve de veículo. Muitos elementos contribuem para o grau de facilidade com que se pode 19


manipular ou controlar uma tinta e um deles é a natureza da superfície ou fundo onde é aplicada. Segundo MAYER (2002), nenhuma boa tinta é feita simplesmente misturando-se veículo e pigmento: é essencial a moagem com pressão forte. No entanto, nossa experiência (e a de outros temperistas) comprova que, com a tecnologia atual, os pigmentos são moídos tão finamente que não necessitam a moagem recomendada por Mayer em seu “Manual do Artista”: podem ser simplesmente misturados com a emulsão, usando-se o pincel. As tintas podem ser retiradas do pincel pelas irregularidades do fundo e também pela absorção, como alternativa para a rugosidade; em fundos muito lisos a absorção da superfície funciona como alternativa para a aspereza, apanhando a tinta do pincel e espalhando-a. A pintura à têmpera necessita de um grau elevado de absorvência para seu funcionamento adequado, e a superfícies não precisam ser rugosas. As superfícies adequadas para a pintura à têmpera na técnica tradicional são os painéis de gesso. Na técnica moderna, a têmpera pode ser pintada sobre papel de aquarela de boa qualidade (acima de 300 gramatura), sobre painel de gesso em MDF, ou sobre tela texturizada (técnica desenvolvida por esta autora).

Preparação das tábuas

Tradicionalmente, se ensina que a pintura a tempera não pode ser feita sobre tela, pois esta tem muita fle20


xibilidade e movimento, o que a têmpera não suporta. Não adianta colocar gesso sobre a tela, pois esta não pode oferecer proteção contra umidade, que penetra pelo verso. Desvantagens dos painéis de madeira: sua tendência a emitir vapores ácidos (out-gassing, emanação de gases), prejudica as películas de tinta. Desde os tempos mais antigos, eram usadas tábuas de madeira, em geral, álamo, olmo, castanheiro e tília. Não se usam tábuas resinosas. Os italianos usavam álamo, os nórdicos carvalho e mogno. Os italianos usavam painéis espessos, os demais painéis mais delgados. Para pintar ícones uso painéis grossos de madeiras duras como a imbuia, a sucupira, ou o cedro10. Uso madeiras certificadas, de manejo ecológico e sustentável. Alternativamente, se usa MDF ou madeira compensada para o ensino e a prática, tendo em vista o alto custo da madeira de lei. A madeira deve ser rígida, livre de nós, seca e estacionada (há três anos), ter de 2,0 a 2,5cm de espessura, a face deve estar livre de imperfeições (nós, rachaduras, buracos etc.), do tipo “boa de um lado”, cortada com serra de fita (para não partir nas bordas). Devido à existência de grande variedade de cupins que atacam a madeira, é preciso protegê-la, por exemplo, submergindo-a em vinagre, por 24 horas. Secar em superfície lisa e com um peso em cima, para não empenar. A cola animal (pele de coelho) e o gesso crê usados na preparação da madeira 10. Madeiras de lei são mais resistentes à umidade.

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formam uma barreira contra os vapores emanados da mesma, mas devem ser aplicados corretamente, observando todos os passos da técnica. Não usar madeira empenada, que é incompatível com a técnica.11 Se formos utilizar uma madeira de grande dimensão, devemos colocar traves na parte detrás, para não empenar. A madeira deve ser riscada em quadriculados, para melhor absorver a cola.

Encolamento

A cola não é um revestimento; é um líquido (gelatinoso leve) empregado para preencher os poros da madeira, para isolar camadas ou tornar superfícies adequadas para receber revestimentos. Não aplicar camada de cola muito espessa na madeira, pois a cola tem pouca estabilidade, provocando a descamação da pintura. Lixar bem as arestas. Fazer cortes diagonais sobre toda a superfície, formando quadriculado, para melhorar a aderência da cola. Preparar várias tábuas ao mesmo tempo, para aproveitar a cola, embora esta possa ser conservada por várias semanas sob refrigeração; a cola deve ser usada quente, mas se deve evitar excessivos reaquecimentos, que farão com que a cola perca a força.

11. Depois de seco, o gesso trinca, quebra. O gesso acrílico é quimicamente incompatível com a têmpera.

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Usar cola de pele de coelho12 (vendida em placas, grãos ou escamas), que deve permanecer de molho em água fria durante 12 horas,13 o que fará a cola dobrar de volume e se dissolver mais facilmente, não formando grumos. Derreter a cola em banho-maria, sem deixar ferver (a fervura fará a cola perder suas propriedades), batendo bem com um batedor (de cozinha), para evitar eventuais grumos. Passar a camada de cola sobre toda a tábua, em um único sentido e sem fazer movimento de vai-e-vem, usando pincel macio e largo. Evitar deixar diferentes espessuras. Encole todos os lados da tábua, para protegê-la. Lave o pincel e o batedor em água quente. Deixar secar por 24 horas. No dia seguinte, passar mais uma camada de cola na madeira, repetindo o processo, em seguida fazer o entelamento. Receita da cola: • 1 medida de pele de coelho • 7 medidas de água. Deixar de molho por 12 horas, para expandir o volume. • 4 gotas de óleo de cravo14. Usar vasilhame de vidro. Dissolver em banho-maria, não deixar ferver (a cola perderá se poder aglutinante). Passar sempre em um só sentido. Manter a espessura uniforme. Deixar secar por 24 horas. 12. Alternativamente se usa cola de peixe ou cola de osso, mais baratas, ou ainda, gelatina sem sabor: 21g dissolvida em 250cc água. A cola de pele de coelho é melhor, pois é mais elástica. 13. Fazer à noite, para usar no dia seguinte. 14. Óleo de cravo é fungicida.

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Entelamento

O entelamento consiste em colar um tecido de algodão sobre a face da tábua, com o objetivo de evitar que eventuais rachaduras na madeira atinjam o gesso, bem como para manter a base de gesso unida, uma vez que a madeira nunca cessa de movimentar-se15. Após a primeira camada de cola seca, passar mais uma camada, fixar o tecido de algodão. Evite usar tecido muito grosso, que reage com a umidade e pode formar gretas. Prepare um pedaço de tecido um pouco maior que a tábua, para facilitar cortar após estar seca a preparação. Cubra a tábua com a tela, do centro para fora (para evitar bolhas de ar), alise bem com os dedos. Deixar secar por 12 horas. Depois de seca, examine a tábua com cuidado, esfregando-a fortemente com os dedos; se as fibras do tecido se moverem com a pressão, significa que há bolhas de ar. Faça um corte em cruz sobre as bolhas, levante a tela naquele local e encole a tábua novamente. Passar uma camada de cola sobre o tecido já colado, alisando do centro para fora. Passar sempre no mesmo sentido. Deixar secar por 12 horas. Depois de seco o encolamento, corte a tela excedente com gilete. Proteja os lados da tábua com uma fita adesiva, para evitar que se manche com o gesso ou com a tinta. 15. Se for usada MDF não é necessário o entelamento, pois essa madeira é estável. Proteger com seladora.

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Capa de gesso

A têmpera necessita de superfície rígida e absorvente, devido a relativamente fraca propriedade aglutinante do ovo. É aplicada sobre uma base de gesso16, em três camadas, com intervalos de 24 horas para secar, sendo as camadas progressivamente mais finas, para aliviar a tensão – gesso grosso, gesso médio e gesso fino, obedecendo ao princípio do “gordo sobre magro”, uma vez que quanto mais finas as camadas, há menos gesso e mais cola (gordura). Primeira camada (gesso grosso): 1 medida cola pele de coelho, 12 medidas de água, 4 gotas de óleo de cravo – repetir o processo de elaboração da cola anteriormente descrito. Uma medida da cola acima, 2 e 1/2 medidas de gesso crê, 4 gotas de óleo de cravo. Incorpore o gesso devagar, preferencialmente despejando a cola sobre o gesso, espere penetrar na cola antes de mexer. Não deixar ferver. Mexer bem para dissolver grumos, mas devagar, para não formar bolhas de ar (que produzirão os pinholes). Passar sobre a madeira entelada, usando pincel largo e macio, sempre no mesmo sentido e não fazer movimento de vaivém com o pincel. Esperar secar, passar outra camada (uma no sentido 16. Usar o gesso crê, que demora mais para endurecer. O gesso acrílico não é tão absorvente nem quimicamente compatível com a têmpera, que não adere sobre sua superfície.

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vertical, outra no sentido horizontal). Passar 4 camadas e deixar secar por 24 horas. O gesso seca muito rápido e é necessário passá-lo quente, para que não se espesse. As camadas devem ser finas, para evitar a formação de gretas. Se esfriar, deve ser aquecido e revolvido bem, para que a cola, que é mais pesada que o gesso, não fique no fundo do recipiente. Se formar bolinhas de ar, passar o dedo molhado na água morna, eliminando os furinhos formados (pinholes). Evita-se a formação de pinholes tomando cuidado na primeira camada. Caso contrário, lavar a tábua com água e sabão e retirar tudo, começando novamente, pois os pinholes não são cobertos por novas camadas de gesso, nem pela tinta. Outra forma de reduzir os pinholes é adicionar Liquitex Flow Aid no gesso grosso (primeira camada, onde geralmente ocorrem os pinholes), ou deixar a mistura na geladeira por uma noite, para dispersar as bolhas de ar. Segunda camada (gesso médio): 1 medida de cola, 2 medidas de gesso crê, 4 gotas de óleo de cravo. Repetir o processo de aplicação da primeira camada. Deixar secar por 24 horas, com lixa grossa (220). Lixe com a ajuda de um pedaço de madeira coberta com o papel abrasivo, para reduzir as irregularidades. Faça movimentos circulares e regulares.17 Terceira camada (gesso fino): 1 medida de cola, 1 medida de gesso crê, 4 gotas de óleo. Aplicar como nas 17. Usar máscara protetora ao lixar. Não tocar o painel de gesso com as mãos, a oleosidade estragará o painel.

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camadas anteriores. Deixar secar por 3 dias, lixar com lixa fina (lixa d’água, lixa 600). Fazer o polimento com uma “boneca” de tecido ligeiramente umedecida sobre a superfície, em movimentos circulares, para deixá-la completamente lisa, sem nenhuma estria. Fazer movimentos firmes, mas sem apertar muito, para não tirar a última camada de gesso.18 Aguardar duas semanas antes de pintar: se não aparecerem defeitos nesse período, é seguro que não aparecerão mais. Se aparecerem trincas e gretas durante a aplicação, é necessário limpar a tábua e começar novamente, pois camadas suplementares não cobrirão os defeitos. Fazer a cola à medida que for usar, pois, se for aquecida muitas vezes, perderá o poder de aglutinação.

Método moderno: tela texturizada

Em nossa experiência com a têmpera, percebemos que o método tradicional era muito difícil de aplicar, caro e demorado, o que contribuía para o desinteresse dos artistas pela técnica: alguns nos procuraram para aprendê-la e desistiram diante das dificuldades. Mesmo sabendo que esta era uma das razões pelas quais se diz que a têmpera não é para todos, resolvemos pesquisar formas que tornassem a têmpera mais atraente para os artistas, e mais popular no Brasil.

18. Se quiser um efeito rústico, não lixar.

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Durante dois anos (2004 e 2005) trabalhamos na têmpera sobre papel de aquarela, usando o Fabriano 400 gramatura, e obtivemos bons resultados, tecnicamente falando. Entretanto, ainda não era a solução ideal, por várias razões: o brasileiro não valoriza trabalhos em papel (sei que a questão é polêmica, mas estou apenas relatando a minha experiência com o assunto); as pessoas que manipulam os trabalhos de arte nos salões de artes visuais não têm o devido cuidado que se deve ter com obras de arte, e os painéis feitos com papel podem ser danificados, rasgados, fato que já ocorreu com esta autora várias vezes; se a colagem do papel sobre o painel de madeira não for feita de forma adequada, podem surgir bolhas de ar posteriormente, quando o quadro já está iniciado, e todo o trabalho será perdido. Para os que escolherem esta técnica, apesar dos aspectos negativos, a instrução é a colagem de papel para aquarela de boa qualidade e de gramatura acima de 300, sobre painel de MDF, obtendo-se, dessa forma, a superfície rígida que a têmpera requer. Nos climas tropicais, a umidade contida na atmosfera, combinada com a luz e o calor, provocam a decadência do papel, pelo seu escurecimento e pelo desenvolvimento de fungos. Para quem pretende trabalhar com papel para aquarela, é importante o tratamento preventivo do papel, contra fungos e insetos. Consiste em passar no papel uma solução de pentaclorofenol a 2%, dissolvido em água, antes de iniciar o trabalho, deixando secar por completo. Contra o escurecimento, deve-se evitar a sua exposição à luminosidade natural direta. De qualquer modo, o papel é uma boa solução para os 28


iniciantes testarem a técnica e descobrirem se irão adotá-la ou não, pois é de baixo custo. Ao se pintar sobre papel, é necessário aplicar a primeira camada em veladura, por questões de absorvência. Quanto à tela texturizada, esta foi a melhor solução encontrada pela autora, e é a única superfície que utilizamos atualmente, com exceção da pintura de ícones que, por ser uma tradição da igreja católica ortodoxa, continuamos pintando sobre madeira e sem introduzir nenhuma inovação. Podem ser usadas telas comercializadas prontas, ou telas feitas pelo próprio artista. Aplicar quatro camadas de massa acrílica na superfície da tela, e na parte de trás, alternadamente, para ajustar a tensão da mesma. Preparar a massa acrílica na proporção 80% de massa acrílica e 20% de verniz acrílico brilhante19, misturando bem. Aplicar com pincel largo e macio, e deixar secar por 1 hora aproximadamente. Não usar gesso acrílico, pois é muito fluído, não oferece a rigidez necessária para a têmpera. Se desejar trabalhar uma textura, aplicar a massa acrílica com espátula. Nós usamos a massa acrílica da marca Suvinil. Tendo em vista que a têmpera é incompatível quimicamente com o acrílico e não adere a essa superfície, 19. BARCELOS (disponível em www.joaobarcelos.com.br, p.3) alerta que não é aconselhável diluir o gesso acrílico com água, que poderá enfraquecer a função da resina acrílica do gesso, recomendando o uso do verniz acrílico brilhante, que é uma mistura da resina acrílica com água.

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aplicar sobre a tela já seca, duas ou mais camadas (dependendo do resultado) de gesso crê fino, conforme a receita da terceira camada do método tradicional. Deixar secar por 24 horas, e a tela estará pronta para receber a pintura. Cuidar para que o gesso crê cubra bem a massa acrílica. Como se pode observar, nosso método acelera o processo do preparo da superfície para apenas um dia, reduz os gastos (uma vez que a cola de coelho é cara, mas aqui é usada apenas na última camada, a de gesso fino), facilita o trabalho, torna a obra mais atraente para o público brasileiro (que aprecia trabalhos em tela) e permite ao artista usar com propriedade os materiais que a moderna tecnologia colocou à nossa disposição.20

Desenho – a base da pintura a têmpera

Historicamente afirma-se que, pelas características da têmpera, não se pode pintar ao ar livre, ou “alla prima”, porém, os artistas que apreciarem esse modo de trabalho, podem fazer a marcação inicial na tela, usando lápis aquarelável (ou mesmo aquarela), e terminar o trabalho no atelier, como nos mostrou a experiência. O desenho é um dos elementos da pintura, seja qual for o médium escolhido pelo pintor. O desenho é 20. Nosso método pode ser usado por qualquer pessoa, desde que citada a fonte.

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essencial para a pintura a têmpera, por causa de sua natureza linear. A forma de matizar limites e contornos, usada na pintura a óleo, não é possível de ser aplicada na têmpera, no entanto, não é necessário fazer esboços detalhados no papel e depois transferilos para o painel, o desenho pode ser feito diretamente no painel.

O desenho no método tradicional

Segundo o método tradicional, descrito por Cennini em seu Tratado de Pintura (traduzido por THOMPSON JR, op. cit.) devido as suas características, a têmpera não pode ser feita de modo espontâneo, requer muito planejamento (claro/escuro, perspectiva etc.), portanto, sua base é um bom desenho. 21 No método tradicional, recomenda-se que o desenho seja feito detalhadamente no papel22 e depois seja transferido para o painel com nanquim e que todas as marcações de claro/escuro sejam feitas com nanquim, geralmente em duas camadas para que o desenho fique bem reforçado — esta será a base sobre a qual será feita a pintura. Na pintura, os traços do desenho não serão reforçados, mas servirão para separar cada 21. No entanto, os pintores modernos atestam que é possível pintar sem tanto planejamento e com espontaneidade, desde que se tenha uma idéia bem clara do que vai ser pintado. 22. Não se trata de esboço, mas de desenho detalhado, com marcações claro/escuro, forma e perspectiva.

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área que será trabalhada separadamente, o que facilita o trabalho dos pintores iniciantes, uma vez que, nesta técnica, é mais fácil trabalhar em pequenas áreas.23 Quando se pretende ter esse controle sobre a pintura, evitando a espontaneidade, é aconselhável dividir o desenho em áreas de igual tamanho, para não enfatizar alguma que não seja do interesse do pintor: as áreas de interesse, naturalmente, serão enfatizadas por tamanhos maiores ou menores do que essas áreas gerais. 24 Etapas do método clássico, de Cennini (THOMPSON JR. op. cit.): Passo 1 – desenho em papel; marcação de luz, meiotom e sombra usando tinta preta, branca e suas gradações (escala tonal), com pinceladas hachuradas25. Quando o desenho estiver pronto, estará terminado o processo criativo, que não poderá sofrer alterações. É usada tinta nanquim. Passo 2 – transferir o desenho para o painel de gesso, usando papel carbono. 23. Os pincéis pequenos, as pinceladas curtas, e a própria característica do médium dificultam cobrir áreas extensas de uma vez. 24. Esta técnica é interessante para os pintores iniciantes, mesmo aqueles que escolheram pintar no método moderno, pois evita que o pintor “se perca” quando estiver distribuindo os claro/escuro/meio-tom, uma vez que, por ser pintada em camadas finas, demora um pouco para que os diferentes tons sejam percebidos. 25. Pinceladas hachuradas: linhas finas, paralelas, próximas uma das outras. Também podem ser cruzadas. Em desenho, servem para modelar a forma e proporcionar volume.

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Passo 3 – refinar o desenho meticulosamente, repetindo as pinceladas hachuradas e modelando detalhadamente a forma.

Modelando no método tradicional

Considerando que “modelar” é dar a forma tridimensional, esta é obtida por meio de hachuras, ou seja, linhas paralelas e cruzadas, que acompanham o traçado do objeto desenhado. No painel, o desenho deve estar bem detalhado, com as áreas de sombra/luz/ meio-tom bem definidas. Esta será a base, sobre a qual será feita a pintura no método tradicional. Sobre o desenho detalhado será aplicada a têmpera.

O desenho no método moderno

Os pintores medievais criavam usando a cor local. Cor local é a cor do objeto sem a influência dos outros que o rodeiam (sem a cor refletida). Por exemplo, flores azuis vistas num ambiente branco, sob luz branca, se mostrarão completamente azuis. Naturalmente, é muito difícil observar-se um objeto em situação tão controlada, sem a influência do ambiente nas flores. Os pintores medievais produziam formas bi-dimensionais (comprimento e altura, sem profundidade), não se preocupavam com perspectiva e volume, usa33


vam as hachuras apenas para indicar luz e sombra. Atualmente, os temperistas trabalham com perspectiva e uma das formas de obtê-la é alternar opacidade e transparência, alternando cores quentes e cores frias – a repetição do processo faz com que as diferentes cores pareçam se mover através da pintura, dando a ilusão tridimensional. Ao alternar as camadas, é necessário esperar a anterior secar.26 Segundo VICKREY (op. cit.), as regras impostas por Cennini podem ser quebradas e é possível ser temperista com outras técnicas além das hachuras e da cor local, usando volume, perspectiva e profundidade, sem descaracterizar a técnica. É possível aplicar-se todas as técnicas da pintura a óleo, exceto o impasto, e todas as da aquarela. O desenho pode ser feito diretamente no painel, usando lápis levemente, e recoberto com ocre-médio com pincel fino. Não é necessário usar nanquim, a marcação de luzes e sombras pode ser feita diretamente com a têmpera. Não usar fixativo, pois não será coberto pela têmpera. A modelagem da forma é desenvolvida gradualmente, usando-se três tons da cor (claro, cor local, escuro), ou mesmo os cinco tons sugeridos por Cennini (a preferência é do artista), um em cada camada, por meio de pinceladas hachuradas, o que dará a ilusão de uma gama de tons.

26. Os temperistas clássicos rejeitam o processo de opacidade/transparência e consideram que volume e perspectiva não devem ser usados na têmpera, que deve ter uma aparência “chapada”. São fundamentalistas.

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Na pincelada hachurada, o pincel é usado como um lápis (pincel filete, de ponta fina). Mergulhar o pincel na tinta e tirar o excesso com papel toalha. Dar pinceladas com o pincel quase seco, na direção que se pretende dar ao objeto retratado. Também se pode pintar em aguadas, sem usar as pinceladas hachuradas. Fazer as primeiras camadas em tom claro, estabelecendo as formas a serem desenvolvidas — o que permitirá a correção de erros sem deixar marcas e facilitará a transição tonal. Dar pinceladas hachuradas em diferentes direções, mais densas (mais próximas uma da outra) nas regiões das sombras. Depois de estabelecidas as formas, fazer as sombras fracas usando as mesmas pinceladas e aumentado os valores tonais para as sombras.27 Terminado o desenho, estará pronta a base: esperar secar antes de iniciar a pintura com as diferentes cores. Esta fase requer dez ou mais camadas para estar pronta: ela termina quando o pintor se considerar satisfeito. A pintura final requer vinte ou vinte e cinco camadas em veladuras, e é isto que dá luminosidade e transparência à têmpera. Outros tipos de pinceladas poderão ser usadas, conforme explicamos adiante. Esta autora trabalha com a técnica moderna, eventualmente misturando a moderna e a clássica.

27. Na base iniciar do claro para o escuro, para evitar que o trabalho fique muito escuro, pois, nesta técnica, até as sombras devem ser luminosas.

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Modelando no método moderno

Depois do esboço monocromático em cinza, que define os padrões de luz, meio-tom e sombra, aplicar a sombra com a cor complementar (por exemplo, sombra verde para a maçã vermelha, sombra azul para a laranja); modelar com cor quente e cor fria, usar a quente nos pontos em que a forma é abaulada e por isto está mais exposta à luz, e a cor fria nos pontos mais recuados e na sombra; observar que a luz nem sempre é branca, pois incorpora as cores que cercam o ambiente (por exemplo, em dia ensolarado a luz é branco azulado, refletindo o azul do céu e a luz artificial é branco amarelado).

Preparo da tinta

A tinta é preparada com pigmentos puros (em pó), gema de ovo (sem a pele), água destilada, vinagre (conservante natural do ovo) e quatro gotas de óleo de cravo (fungicida e para encobrir o cheiro da gema).28 A própria gema do ovo, por sua característica, é uma emulsão, a água é apenas o veículo, que logo se evapora, permanecendo apenas o aglutinante (a gema) e o 28. A tinta se conserva por muito tempo sem a emulsão de ovo. Depois de colocada a emulsão, pode ser conservada em geladeira por alguns dias, desde que não seque: não adianta colocar mais água depois que secou, pois o ovo terá perdido seu poder aglutinante.

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pigmento. VICKREY (op. cit.) não usa água destilada, pois usa água sem flúor; ele também não usa vinagre para conservar o ovo, prefere descartar o que sobrou de cada sessão de pintura, justifica, alegando que alguns pigmentos não reagem bem com o vinagre (eu percebo isso com o azul ultramar). Eu faço minha emulsão com 1 gema, 1 colher de vinagre de maçã29 e 1 colher de água destilada. A gema deve ser separada da clara, e ter a pele que a envolve retirada, o que é possível fazer-se segurando a gema pela pele, delicadamente, e furando sua parte inferior para que o conteúdo escape para uma vasilha. Acrescenta-se o vinagre e a água destilada, mistura-se bem e armazena-se em um vidro com conta-gotas, conservando a emulsão em geladeira. Para experimentar se a têmpera é o médium ideal antes de adquirir os pigmentos em pó, o principiante pode usar tinta para aquarela em tubo, de boa qualidade, ou adquirir a própria tinta para têmpera em tubo, contudo, este produto não é produzido no Brasil e é disponibilizado em poucas cores (paleta restrita).

Temperando

A maioria dos pintores mói seus pigmentos com antecedência, fazendo uma pasta que é guardada em vasi29. Gosto do vinagre de maçã por ser mais claro, mas é apenas uma questão de gosto pessoal.

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lhas tampadas (sem colocar o ovo, dura indefinidamente), sendo misturadas pequenas porções à emulsão na hora de pintar. Eu prefiro moer pequenas quantidades no momento em que vou usar, e guardar os pigmentos em pó. Alguns pigmentos (por exemplo, o azul da prússia e o carmim alizarim) não se dissolvem bem na água (são hidrófilos, conforme MAYER, op. cit.), então, devem ser moídos com álcool, depois se coloca a água – o álcool logo se evapora, permanecendo a pasta. Os pigmentos modernos são finamente moídos pelos fabricantes, e podem ser apenas misturados com água em um frasco bem tampado, e depois sacudido energicamente. Depois de colocada a emulsão, a tinta assim formada não deve ser armazenada, uma vez que, tão logo o ovo seque, ele perde seu poder aglutinante se for molhado novamente. De início, por não saber disto, eu guardava as tintas em geladeira, pensando que assim conservava o ovo: quando a tinta secava, eu acrescentava mais água e continuava usando. Quando o quadro ficou seco, depois de seis meses, a tinta se soltou e eu perdi o trabalho. A pintura a têmpera, quando quimicamente seca30 é relativamente resistente à água (mas não é à prova d’água). Durante seus trabalhos, se você errar, consegue apagar e corrigir com uma esponja umedecida em água. 30. No Brasil, em razão do nosso clima quente, percebi que a pintura fica quimicamente seca no período de 5 a 6 meses; nos países de clima mais frio, a secagem demora no mínimo 1 ano.

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Para pintar

Coloque uma pequena quantidade de pasta de pigmento em uma paleta. Se for usar o pigmento em pó, coloque uma pequena quantidade de pigmento (1/2 colherinha plástica de café) e quatro gotas da emulsão. Se a tinta ficar muito encorpada, acrescente água aos poucos.

Adicione igual volume de ovo e mexa bem, certificando-se que não ficaram grumos de pigmento. Alguns pigmentos pedem mais ovo, você aprenderá na prática. A consistência deve ser igual à maionese rala. A proporção deve ser 1 ovo/1 pigmento.

Adicione água para dar liquidez e o pincel deslizar. A quantidade de água não importa, pois a água se 39


evapora – o que importa é a quantidade de ovo. Para resolver a questão da falta ou excesso de ovo, desenvolvi uma fórmula: faço a emulsão com 1 gema/ 1 colher vinagre/1 colher água destilada e uso 4 gotas da emulsão para uma pontinha da colherinha de plástico para café.

Testando

Se a pintura demorar a secar e estiver muito brilhante, há excesso de ovo, devemos juntar mais pasta. Se ficar embotada e com aparência de cal (ou de guache), falta emulsão. É melhor mais emulsão do que faltar, pois, nesse caso, a pintura esfarela quando seca, por falta de aglutinante. Ao pintar, molhar o pincel em água, para aplicar camadas finas. Segundo BERGT (1995, p.15-21), embora geralmente todos os pigmentos em pó possam ser usados na pintura a têmpera, os que funcionam melhor nesta técnica são: todos os pigmentos terra, branco de titânio, branco zinco, negro de marte, amarelo cádmio, vermelho cádmio, verde óxido cromo, verde cobalto, 40


viridian, azul ultramar e azul manganês. Alguns pigmentos são tóxicos e todos requerem cuidados na manipulação, razão pela qual recomendamos a leitura atenta de MAYER (op. cit.) antes da aquisição dos pigmentos. A diferença entre têmpera, guache e aquarela é a transparência: a têmpera fica entre a transparência da aquarela e a opacidade do guache, e tem a flexibilidade do óleo, que as outras duas não têm, e a secagem rápida da acrílica. A têmpera não é para ser pensada como um tipo de material, mas como uma técnica que exige muita disciplina. É possível pintar com pigmento, muito ovo e nenhum branco: teremos o efeito guache. O segredo da têmpera é: temperar corretamente, manter a cor líquida e usar pincel com pouca tinta.

Pintando

A técnica consiste em um processo de pintura em camadas (não permite a pintura alla prima). A secagem rápida31 impede o trabalho em grandes superfícies. As camadas devem ser finas (tinta rala). Para pintar grandes espaços, esperar secar, borrifar água e passar a veladura. Deixar a camada de tinta secar completamente antes de passar outra camada. Não usar o pin31. Alguns artistas usam glicerina para retardar a secagem da têmpera, o que é um desastre: é melhor pintar a óleo.

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cel seco diretamente na tinta, primeiro molhe-o em água e tire o excesso. Separe um pincel para cada cor, para evitar manchas. Os efeitos luminosos da pintura a têmpera são produzidos pela técnica. Com exceção do branco, que é sempre completamente opaco, os demais pigmentos variam de semi-transparente a semi-opaco. Mesmo com a adição de branco, as cores não se tornam totalmente opacas. Quando se aplica uma capa translúcida (semitransparente) sobre uma capa seca de cor semi-opaca, a primeira cor aparecerá através da segunda, criando uma cor diferente das duas primeiras. Ou seja: as cores das duas camadas se misturam opticamente, não fisicamente, pois cada camada é aplicada sobre a anterior já seca. O resultado é uma pintura vibrante. Há pintores a têmpera que se esforçam para obter um tom geral que unifique a pintura, por isso suas paletas são limitadas e há o predomínio de uma cor. O efeito da mistura óptica é obtido com a aplicação de uma aguada inicial, depois é feita a base e, finalmente, a pintura. Os dois primeiros passos usam cores contrastantes, para montar uma harmonia global de tom. O terceiro passo equilibra e enriquece as camadas inferiores.

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Pintando no método tradicional

A técnica clássica se inicia com um desenho detalhado, com nanquim ou com têmpera, onde são feitas as marcações tonais. Tanto a base como a pintura são feitas apenas com as pinceladas hachuradas, camadas de pinceladas horizontais alternadas com camadas de pinceladas verticais, diagonais etc. O controle das formas é feito estabelecendo as regiões de sombra, meiotom e luz, o que se consegue usando três vasilhas: primeira com branco, a terceira com preto e a segunda com uma mistura das outras duas. Alguns temperistas não gostam de trabalhar com nanquim, pois é difícil de cobrir com tinta posteriormente, nesse caso, se pode usar pigmento preto e branco e sua mistura. Alguns temperistas preferem usar cinco gradações tonais, nesse caso, a proporção será de 5/1, o princípio é o mesmo. A modelagem, na técnica clássica (tradicional), será sempre feita em preto/branco. Trata-se do desenho monocromático, cuja função é facilitar o efeito opalescente quando da aplicação posterior da cor. O efeito opalescente é o “scumble” (glaze e scumble são efeitos, não pinceladas). A base pede, no mínimo, 10 camadas de tinta, quando feita com pigmentos. Se for usado o nanquim, geralmente duas camadas são suficientes, depende do traço de cada um. Seqüência da pintura: primeiro o desenho monocromático, em grisaille (cinza), marcando as áreas de luz, sombra, meio-tom (se houverem figuras humanas, as 43


peles devem ficar por último). Preparar cinco tons de cada cor a ser usada. Por exemplo, o azul: misture o pigmento azul com a emulsão nas cinco vasilhas. Acrescente preto na vasilha à esquerda da vasilha do meio, e duas vezes preto na última vasilha à esquerda, formando os tons escuros. Acrescente branco na vasilha à direita da vasilha do meio, e duas vezes branco na última vasilha à direita, formando os tons claros. A vasilha do meio, contendo apenas o pigmento azul, será o meio-tom. Começar pelo terceiro plano. Fazer os limites entre os planos com o lado do pincel, não com a ponta (que proporciona nitidez, o que não se deseja nesse caso). Pintar o céu. Modelar as formas. Respeitar a marcação luz/sombra em todas as camadas. Modelar as formas: neste estágio, as formas estão incompletas, os meio-tons estão definidos, mas as luzes e as sombras ainda não de forma suficiente. Para definir as sombras, aplicar sobre elas uma camada da cor pura, bem diluída e com pincel quase seco. Tomar cuidado com a transição para o tom mais baixo, para ir modelando as formas cuidadosamente. Modelar na ordem: meio-tom, sombra e luz, pois esta seqüência permite maior controle sobre as transições. A modelagem do meio-tom para a sombra está completa, falta modelar as luzes, o que é feito acrescentando mais branco. Em determinados locais (luzes altas), colocar branco puro. As luzes podem ser cobertas com cor transparente e depois refeitas, várias vezes (iluminando águas, por exemplo). Nesse estágio da pintura, preparar 5 (ou 3, se preferir) gradações tonais das 44


cores que pretende usar, pois cada objeto do quadro deve ser pintado com a gradação das cores, seguindo os padrões de luz e sombra da base (o desenho em nanquim), completando a modelagem das formas. Ao fazer a modelagem, lembrar-se que, na têmpera, os efeitos externos (por exemplo, pregas na roupa) são feitos depois que as formas principais foram modeladas: primeiro o pescoço depois o colar, primeiro o céu depois as nuvens, primeiro o tecido depois as pregas, primeiro a cabeça depois o véu que a cobre etc. Os reflexos (luzes altas) são colocados no final. O método clássico usa somente a cor local dos objetos, não trabalha com luz refletida ou com efeitos de temperatura das cores. A perspectiva e o volume são trabalhados com as gradações tonais, por isso, os temperistas que seguem a técnica clássica são tonalistas. A têmpera clássica tem um efeito “chapado”, bi-dimensional, preocupada apenas com os efeitos de luz e sombra. Na pintura de pele (pele branca) Cennini usa o verdaccio, composto por cinco tons de verde: primeiramente cobrir toda a superfície da pele com o meio-tom de verde (geralmente é usado o pigmento terra verde); depois, modelar as luzes e as sombras com os demais tons do verde. Após a modelagem, aplicar o tom de pele, uma mistura de amarelo ocre, vermelho de cádmio claro e branco, usando a mistura mais escura (com mais vermelho) para as sombras, e a mais clara para as áreas iluminadas. As luzes altas (testa, nariz e boche45


chas) são feitas com branco puro. Para dar um brilho especial à pintura, aplicar veladuras de verde frio (viridian, por exemplo). Aplicar mais viridian nas sombras. Também pode ser usado o azul ultramar.

Pintando no método moderno

A técnica moderna também se inicia com um desenho detalhado, porém, diretamente no painel, onde são feitas as marcações tonais, não necessariamente usando pigmento preto e branco, podendo ser usada a cor local (para o meio-tom), a cor local mais branco (para as luzes) e a cor local mais preto (para as sombras). Quanto às pinceladas, além das hachuras, utiliza-se também outros tipos: aguadas, esponjamento, batidinhas, gotejamento, borrifos, veladuras, esfregamento etc. Embora utilize a mistura física das cores (principalmente com o branco), a técnica mais usada é a mistura ótica. A perspectiva é obtida trabalhando os efeitos de opacidade e transparência, o que se consegue alternando camadas de tinta opaca e de tinta transparente, uma camada de cor quente, outra de cor fria. Assim se obtém vários efeitos para criar volume, profundidade, perspectiva, tridimensionalidade. Os temperistas tradicionais não aceitam a técnica da opacidade/transparência.

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Aguada inicial

Uma camada inicial de aguada transparente (sem branco) fixa o desenho e sela o painel de gesso. Misture a cor escolhida (geralmente, ocre) com a emulsão, adicione mais água e passe no painel usando um pincel largo, com pinceladas amplas, horizontais e sobrepostas. Se ficar alguma falha, não tente consertar, isto será coberto pelas múltiplas camadas de pintura.

Fundação, sub-pintura, base

O propósito desta fase é construir uma base de cores “sólidas” para sustentar a pintura. Isto significa cores mais próximas do opaco (na verdade, semi-opaco), então, as cores devem ser misturadas com um pouco de branco. Depois de aplicar a aguada ocre e esperar secar, passe uma camada de cinza frio (azul ultramar e siena queimada, com predomínio do azul). O cinza deve estar no mesmo tom do ocre. Passe com pinceladas não conectadas, para que o ocre apareça através do cinza: deverá surgir o efeito de brilho faiscante criado por duas cores que são quase opostas. Coloque alguma cor quente sobre as camadas já feitas, usando quente sobre frio e vice-versa, para um efeito mais excitante do que se forem usadas cores com a mesma temperatura. Uma boa combinação é ocre, 47


verde, sombra queimada e vermelho. Ao final desta camada, esfregue (use o pincel em movimento de esfregar) uma camada de cinza brilhante (tinta brilhante sobre cor escura), para o efeito translúcido. Para esfregar, use um pincel macio e espere a camada inferior estar seca, ou a pintura se quebrará e terá que ser removida do painel. Aplique somente camadas finas; se perceber muita tinta, retire o excesso com papel-toalha. Forme a base com 10 camadas de tinta fina. Uma boa base para rochas é feita com ocre, cobalto, alizarim e verde.

Pintura

Veladuras e esfregamentos com cor opaca completam os efeitos ópticos da base. A base deve estar bem seca (5 dias). Usar emulsão suficiente (4 gotas para cada colherinha de café, de pigmento). Teste em uma pequena área: se não estiver bom, limpe antes que seque. Em grandes áreas, borrife suavemente a área com água, evitando que a veladura seque antes de terminada. Com a superfície levemente úmida, use um pincel chato grande e carregue-o com bastante tinta transparente (sem branco). Passe da esquerda para a direita (pessoas destras), de cima para baixo, passando o pincel de uma só vez por toda a área, rapidamente. Não deixe espaço entre as pinceladas. Use papel-toalha na outra mão, para apagar (apertando, não esfregando) 48


qualquer erro (gotas de tinta escorrendo, por exemplo). Não deixe a tinta escorrer. Trabalhe rápido, sem interrupções, pois seca rápido (secagem ao toque; a secagem química demora um ano). Deixe secar antes de aplicar mais tinta (em dias chuvosos pode levar ½ hora). Não faça veladuras em luz artificial, pois é difícil de ver. A separação base/pintura é apenas didática, pois, na têmpera, se pode usar veladura e opacidade nas diferentes camadas, uma vez que todas as cores aparecerão em algum grau, então, é melhor falar em camadas transparentes e camadas opacas de tinta. É necessário praticar muito para encontrar o ponto certo. Faça teste em painéis usados para esse fim.

Transparência, veladura

Se consegue usando a tinta mais escura sobre a mais clara, em camadas muito finas (afina-se acrescentando mais água), e o pincel com pouca tinta. Se houver muita tinta no pincel, ao passá-lo, sairá um pouco da tinta da camada inferior, o que pode ser usado de forma intencional, como técnica. Observar a combinação quente/frio, pois, se for aplicada uma luz quente sobre uma sombra também quente, não haverá nenhum efeito, já que são similares. É preciso usar a sombra um tom mais escuro do que a luz que a cobrirá. Não use branco e use tinta bem diluída (com mais 49


água). Use um pincel chato (não use pincel filete, de ponta), do tamanho adequado à área em que se está trabalhando. Pincele rapidamente, para secagem rápida. Faça as veladuras um tom mais escuro do que a cor a ser coberta. Por exemplo, se a camada inferior é um meio-tom de azul cobalto e vai ser aplicada uma veladura com ocre, usar um pouco mais de sombra no meio tom do ocre. Na opacidade usa-se o mesmo princípio, ou seja, acrescentar um pouco mais de luz do que o meio-tom da camada inferior. Usa-se o pincel chato, com movimento em uma única direção. A veladura é útil para corrigir um primeiro plano que esteja muito “apagado” em relação ao fundo.

Opacidade

A opacidade e a transparência dos pigmentos é relativa, está condicionada aos valores tonais com os quais a mistura é aplicada, pois usa-se o pigmento branco para diferenciar os valores tonais, e o branco é o pigmento mais opaco (exceto o branco zinco, que é semiopaco). Ao se usar o branco, também ocorre o fenômeno do “esfriamento” da cor, por isso, quando quero dar opacidade ou gradação tonal a um pigmento sem esfriar a cor, costumo adicionar um pigmento mais claro da mesma família de cor, ou usar o amarelo de nápoles substituto (não trabalho com o verdadeiro, é composto por chumbo e altamente tóxico). Quando a tinta for plicada sobre uma camada de igual valor 50


tonal, a superfície não refletirá a luz e o efeito produzido será de opacidade. Qualquer cor terá a aparência de opacidade se for colocada em repetidas camadas. A cor colocada sobre outra mais escura não refletirá a luz e a cor terá uma aparência escura, um efeito de nuvem, de fumaça, qualidade que se denomina “opalescência”, útil para nuvens, fumaça, noturnos, nevoeiro etc. A opacidade pode ser feita tanto na base como na pintura, mas, geralmente, é feita na base e veladura na pintura, para a obtenção do efeito vitrificado. Use cor, acrescente branco, emulsão e pouca água e faça movimentos circulares, como se estivesse “ensaboando”. Use pincel bem carregado e não use pincel bom, pois o movimento de esfregar estraga o pincel. Geralmente usa-se o pincel com o movimento de “esfregar” para trabalhar a opacidade. A opacidade serve para clarear um fundo que ficou muito destacado, dando a ilusão da profundidade.

Matizando

Não usar aguadas ou tentar esmaecer a tinta com o pincel, como se faz em outras técnicas; cubra toda a área a ser coberta com pinceladas rápidas e leves, como marcações com pincel; cubra a mesma área com uma segunda camada, aplicada do mesmo modo, com as pinceladas em ângulo diferente, de acordo com a forma a ser dada (seguindo o desenho); continue assim até obter o desenho que deseja, usando o pincel 51


como lápis; se a tinta estiver grossa, o pincel não funcionará como lápis, então, devemos acrescentar água; se o pincel estiver muito carregado de tinta a cor ficará irregular (o que é impossível de se corrigir); tirar o excesso de tinta do pincel na borda da paleta e em um pedaço de pano ou de papel; modelar o desenho primeiro (sombras e formas), depois aplicar a cor local; o efeito de transparência é obtido com a superposição de camadas claras sobre escuras (ou vice-versa). Claro sobre escuro produz opalescência, técnica boa para pintar céu, neblina, fumaça etc.

Pintando céu

O zênite mais escuro, o horizonte mais claro. Fazer a marcação do preto para o branco (base). Usando azul cobalto: 3 azul/1 branco na primeira vasilha, 3 branco/1 azul na terceira vasilha, e uma mistura das duas na vasilha do meio. Cada vasilha deve ter o seu pincel (ou o pincel deve ser lavado cada vez que se for usá-lo). Aplicar primeiro o azul mais forte, desde o topo até o horizonte: ao cobrir a sombra do desenho, ficará opalescente; ao cobrir o meio-tom ficará opaco e ao cobrir o branco ficará transparente. Aplicar 3 ou 4 camadas finas, ou até cobrir o desenho. Aplicar o azul meio-tom da mesma forma, porém, começando do limite do azul mais escuro e descendo até o horizonte. Aplicar o azul claro (luz) da mesma forma, começando dos limites do meio-tom até o horizonte. Aplicar 52


branco puro (luz alta) nos limites do horizonte. Fazer a transparência, para dar luminosidade característica da têmpera: aplicar azul puro (ou com um traço de branco, porém, mais escuro do que o já aplicado), com bastante água, mas com o pincel quase seco, na parte escura do céu, em camada bem fina, transparente. Repetir o processo com o meio-tom. Se a modelagem não ficar perfeita, os tons devem ser aplicados novamente, na mesma ordem. O segredo é manter o meiotom opaco. Para dar profundidade ao céu, fazê-lo em uma estrutura de cúpula, com nuvens menores mais próximas entre si, menos nítidas e mais pálidas conforme mais perto do horizonte, e nuvens maiores e mais escuras no alto do papel.

Pintando nuvens

Primeiro deve ser pintado o céu. Para fazer nuvens brancas, sobrepor camadas de cores quentes e frias, começando pelas cores claras, usando azul ultramar, cerúleo, rosa, amarelo ocre e branco. Para nuvens escuras, usar azul ultramar, siena queimada, cerúleo, amarelo ocre, negro e vermelho claro. Colocar as cores escuras com pincel, em veladura, e as cores claras com esponja, para criar o efeito de maciez. Nuvens ao pôr-do-sol são feitas com amarelo escuro, rosa, laranja, vermelho, cerúleo e ultramar. Para criar o efeito de raios de luz que atravessam as nuvens, passar uma borracha, como se fosse apagar a tinta. Finalizar 53


com uma veladura para harmonizar as cores e dar transparência.

Drapeado e outros objetos

Usar o mesmo princípio: desenho com marcação da gradação tonal (a nanquim ou com a própria tinta); preparar três valores tonais (sombra, meio-tom, luz) usando a cor local mais branco; deve haver branco mesmo nas sombras mais escuras, tanto para obter o efeito opalescente como para depois poder aplicar a transparência, com a cor pura (sem o branco); para matizar, avançar os limites entre claro/escuro quando for fazer a transparência.

Pintando texturas

Não é possível representar de modo tátil, tridimensional, texturas ásperas com têmpera. As texturas devem permanecer bi-dimensionais, apenas criando-se a ilusão da textura. A pintura pode ser aplicada de modo diferente do clássico (pinceladas hachuradas), fazendo com que superfícies lisas pareçam escavadas, esfiapadas ou esburacadas, com os métodos descritos a seguir.

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Chapiscado

Foram mostrados vários modos para se fazer a base: uma camada de cor forte, uma camada de branco opaco, uma camada da cor oposta à da camada inicial. Cada uma dessas camadas pode ser feita usando-se o chapiscado, mas, bases feitas somente com chapiscos (ou com qualquer outro artifício) serão sem substância e monótonas. Uma ou mais aplicações são boas para pintar paredes, pavimentos ou rochas. As superfícies chapiscadas aparentam ser ásperas ou mais esburacadas do que quando se pinta com pinceladas regulares. Coloque o painel no chão, já protegido com papéis (chapiscar provoca muita desordem), para evitar que a tinta escorra. Cubra o painel (usar máscara para aquarela, que é fácil de remover depois de feito o chapisco), deixando descobertas apenas as partes a serem chapiscadas. Misture um pouco de cor com emulsão e bastante água. Com um grande pincel na mão direita, chapisque o local pretendido, batendo-o na sua mão esquerda, em cima e um pouco acima do local. As gotas do chapisco devem estar “finas”, não podem escorrer nem “ficar em pé” na superfície, pois assim craquelarão. Se aplicadas corretamente, não devem ficar perceptíveis ao tato. Não chapiscar toda a superfície com a mesma quantidade de tinta, isso deixa o trabalho monótono: faça áreas com mais e outras com menos textura. Se a intenção for um chapiscado indistinto, use primeiro as 55


cores claras e depois as escuras, enquanto ambas ainda estiverem úmidas, o que fará com que as cores se matizem. Se for repetir este passo, varie um pouco as cores para produzir contraste. Um chapiscado pode ser “apagado” com gaze enquanto ainda estiver úmido. Deixe o painel no chão até secar, para que a tinta não escorra. Mais tarde, o chapiscado pode ser trabalhado, se necessário: se as gotas estiverem muito escuras, colocar um pouco de luz no contorno, dando a ilusão de luz caindo na borda de uma pequena fenda ou buraco. Se o chapiscado ficar muito claro, colocar sombra sobre ele, para dar a ilusão de seixos ou pedras. Quanto às cores, é possível fazer uma mistura ousada (vermelho, azul, verde) e uma mistura mais opaca em seguida, ou vice-versa. Não há regras estritas sobre as cores a serem usadas no chapisco, porém, deve-se evitar chapiscar tons muito mais escuros ou muito mais claros do que as sombras da base — esse princípio vale para todas as outras técnicas, pois a justaposição de cada diferente cor tênue ajuda a dar à pintura a têmpera uma total qualidade de incandescência. Mas esta regra não é inquebrável. Técnica boa para pintar pedras, paredes, texturas no solo. Usando pincel grande, é bom para fazer estrelas no céu.

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Gotejamento

Chapiscado e gotejamento apresentam resultados similares: a única diferença é que o gotejamento cai diretamente no painel para formar círculos redondos e o chapisco forma ovais. É preferível chapiscar do que gotejar, para dar a ilusão de perspectiva: chapiscos têm uma direção, gotejo não; chapisco produz movimento e qualidade tridimensional,e gotejamento tem qualidade bidimensional, chapada. Gotejamento pode ser eventualmente usado para superfícies como paredes. Mas para superfícies vistas como um ângulo, o chapiscado é melhor. O procedimento para gotejamento é basicamente o mesmo do chapisco, exceto pela posição das mãos: no gotejamento, o pincel deve estar voltado para baixo, verticalmente (para pingar, e não esborrifar, como no chapisco). Bata na mão com pouca força, para não caírem gotas grossas.

Pontilhado

O pontilhamento pode ser usado com cor semi-opaca ou transparente, na base ou na pintura. Pinceladas convencionais não podem produzir o efeito de textura, mas o pontilhamento pode, pois permite que a base apareça mais. A técnica é a seguinte: misture um pouco de cor (um tom mais escuro ou mais claro do que a base) com médium e bastante água. Use um pin57


cel de pintar parede: cada fio deixará uma gota de cor no painel, então escolha um pincel que distribuirá a pintura uniformemente. Os pincéis de cerda de nylon são melhores para pontilhar. Se a área a ser pontilhada for pequena, cubra o resto com máscara para aquarela. Pontilhe com movimentos curtos, verticais, para cima e para baixo, com o pincel perpendicular ao painel. Quanto mais pontilhar, mais as gotas de cor parecerão unidas na superfície, dando o aspecto macio. Se a intenção for a textura de uma aparência áspera, não use o pontilhamento, que é útil para texturas macias (tecido de roupão, por exemplo, pontilhe a área várias vezes com tinta nítida e úmida). Pontilhe toda a área de uma vez, o que dará a aparência macia, mais do que fazer uma parte e depois outra (a junção ou a sobreposição dos pontos quando a parte velha encontrar a parte nova, ficará perceptível). A técnica é boa para retratar objetos móveis como ondulação da água, de folhagens, de tufos de capim.

Esponjamento

Uma esponja grossa é uma boa ferramenta. O esponjamento (batidinhas ou compressão com esponja) funciona melhor quando se coloca cor clara sobre sombra (nuvem no céu, por exemplo). Uma camada de esponja escura sobre a base funciona bem para criar asperezas, como texturas em rochas, mas o esponjamento é excelente para nuvens e cores claras. Molhe 58


a esponja com água, aperte para tirar o excesso, mergulhe na tinta e dê batidas ou a comprima levemente no painel. É uma técnica boa para fazer nuvens, objetos macios.

Borrões

Não importa a técnica usada (chapisco, esponja etc.), os resultados podem ser modificados com borrões feitos com gaze, em pequenas pancadas. A gaze não absorve toda a tinta e a redistribui um pouco, dando um efeito borrado.

Borrifos com escova de dente

A escova de dente é ótima para produzir salpicos. Mergulhe a escova de dente na tinta e passe o polegar sobre ela, acima do painel, produzindo os salpicos. Regule a intensidade por meio da velocidade com que passa o dedo e o ângulo sobre o painel. Borrifar é uma técnica boa para fazer folhagens: pintar esboçadamente o tronco das árvores e alguns ramos de arbustos; esboçar o solo com siena natural e sombra queimada; borrifar a folhagem com escova de dentes e com pincéis de diferentes tamanhos, usando amarelos, carmim alizarim e azul da Prússia. A técnica também pode ser usada para criar o efeito de neve caindo, bor59


rifando branco sobre os objetos já pintados e secos; fazer borrifos maiores no alto, no céu, e harmonizar os borrifos em baixo, no solo, para uniformizar a neve no primeiro plano.

Pincel seco

É a técnica mais usada pelos pintores à têmpera. Carregue o pincel com bastante tinta, depois tire o excesso em um pano, deixando apenas o suficiente para ficar um pouco sobre o painel quando o pincel deslizar sobre ele. A pincelada será falha e irregular, por causa da pouca tinta. É uma técnica para texturas de madeiras e pedras. Pode ser feita com cor escura, raspada com gilete e refeita com cor clara e depois vitrificada (veladura). O resultado será um efeito de madeira brilhante. É uma técnica boa para obter misturas: uma sombra pequena sob o olho ou a narina, e os limites devem ser esfumados com pincel seco. Bom para pintar madeiras, tábuas.

Raspado

Giletes podem criar efeitos de textura. Usando a ponta da gilete, a pintura pode ser raspada para criar texturas de madeira, cachos de cabelo ou lâminas de grama. O painel deve estar com a base completamente seca, 60


por semanas, se possível, caso contrário a raspagem tirará a pintura, expondo o gesso. Após a raspagem, cubra com uma camada de cor diferente. Ex: para definir cabelos loiros, raspe a cor escura de baixo e cubra coma cor clara. Bom para fazer gramas, cabelos, gretas na madeira e em tronco de árvores, iluminar pequenas áreas. É uma técnica boa para representar gotas de chuva caindo: com a tinta seca, faça riscos com a ponta de um estilete para raspá-la e mostrar o branco do gesso, imitando a chuva; faça movimentos vivazes, em uma só direção, sem pressionar demais para não formar sulco no gesso. A técnica também é útil para fazer luzes, galhos e capins delicados, teias de aranha, reflexos do sol sobre a água etc. Em alguns casos, é interessante harmonizar o raspado aplicando-se sobre todo o objeto todo uma camada de veladura.

Batidas

Usada para fazer texturas ásperas. Carregue o pincel com cor clara (a ser batida sobre o escuro), retire o excesso (como no pincel seco). Não use um bom pincel, de ponta, prefira um pincel chato, e dê batidinhas rápidas no painel, com o lado do pincel (pincel deitado, não na vertical como no pontilhamento). Bom para fazer solo arenoso, casca grossa de árvore, folhas no chão (com a ponta do pincel redondo grande); poças de água, chão molhado, telhados, folhagens (com o lado do pincel). 61


Pinceladas de seixo

Para preservar texturas obtidas por métodos não convencionais, pintar sobre elas com pinceladas soltas e muito finas, fazendo com que a textura apareça entre elas. As pinceladas lembram seixos sobre a superfície. São feitas da direita para a esquerda, produzindo pinceladas irregulares.

Espatulado

O uso da espátula dá calafrios nos estudantes do método clássico da pintura a têmpera. Os pintores a óleo usam a espátula para impasto, que é proibido na têmpera. Mas, com a prática, é possível espatular camadas finas e fazer texturas maravilhosas, principalmente para aplicar luzes no céu. Passe como se fosse manteiga no pão. Se ficar muito grossa, retire o excesso com a espátula antes de a tinta secar.

Esfregado

Aplicar cor opaca em movimentos circulares, com pincel macio. Usar pincel velho, para não estragar os novos. Como essa técnica é usada para obter o efeito de opacidade, alguns autores confundem a técnica da 62


opacidade (scumbling, colocar cor opaca sobre veladuras escuras), com a pincelada em movimento circular, de esfregar (scrubing), no entanto, são coisas diferentes: a primeira se refere a um efeito, a segunda a um tipo de pincelada.

Sulcos

Movimento de rolar o pincel de lado, criando um efeito de sulcos.

Miscelânea

Há duas técnicas difíceis de controlar: tirar o excesso de tinta com papel toalha, ou aplicar tinta com uma almofada. Só se sabe se vai ficar bom ou não depois de aplicada.

Máscaras

Máscara de aquarela, usada sobre uma área que não se pretende pintar (para protegê-la), evitando acidentes.

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Refinando texturas

É necessário refinar a pintura para matizar, com veladura e opacidade. Nesta fase, usar bons pincéis para fazer os detalhes. É um processo demorado, mas necessário: trata-se do acabamento.

Correções

Quando se percebe claramente um defeito na composição, fica difícil corrigi-lo se tiver usado nanquim. Não usando nanquim, o erro pode ser lavado ou raspado e corrigido, sem perder toda a pintura. Correção com água: molhe suavemente o local com pincel macio e aperte com papel toalha para tirar a água. Repita quantas vezes forem necessárias para retirar o erro. Correção com raspagem: cubra as áreas boas com uma máscara de proteção. Raspe o local com gilete até retirar o erro. Correção com lixa: depois de raspar com gilete, passe uma lixa fina para tirar as marcas. Repintando: depois de lavar, raspar ou lixar o erro, faça a pintura novamente. 64


Cuidados com a pintura

Pinturas a têmpera podem ser mais duráveis do que pinturas à óleo, mas requerem alguns cuidados. Se as camadas de tinta forem grossas, a pintura craquelará em poucas semanas. Se for usada tinta que já tinha secado32, depois de algum tempo a pintura irá esfarelar. É necessário tomar cuidado com a pintura até que seque quimicamente (por 1 ano), pois só após esse período estará mais segura de não craquelar. Alguns pintores envernizam seus trabalhos a têmpera, outros são contrários a esse procedimento, alegando que o mesmo dá um aspecto de “óculos grossos” à pintura, eliminando sua luminosidade. O verniz enfatiza as sombras e não modifica as luzes, ressaltando muito o contraste. Alguns pintores enceram suas pinturas, outros não, pelos mesmos motivos. Mofo: alguns pigmentos (amarelo cádmio, por exemplo) tendem a mofar. Lugares úmidos também provocam mofo na pintura, mas o mofo não é regra, é exceção, e pode ser retirado com vinagre.

32. Depois que se adiciona a emulsão de ovo, não se deve deixar a tinta secar; não adianta colocar mais água, o ovo já terá perdido seu poder aglutinante.

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Polimento: depois de pronta, a pintura pode ser polida com uma “boneca” de pano limpo: passar firme, sem apertar demais (para não tirar a tinta). Pinturas novas, que ainda não secaram quimicamente, são sensíveis a riscaduras, batidas e outros acidentes, principalmente quando expostas. Para prevenir, usar molduras que se sobressaiam ao painel, protegendo-o. Alguns revestem a pintura com vidro, mas o reflexo que eles causam tira o belo efeito da têmpera. No caso de usá-lo, não deixe que toque o painel, provocando riscos. O painel deve ser constantemente espanado com um pincel macio, para tirar o pó. É possível usar um pano umedecido, com cuidado. Painéis grandes necessitam escoras para não empenar. Para seguirem pelo correio, as pinturas devem estar bem embaladas em plásticobolha, protegidas ao toque e arranhões.

Conclusão

A pintura a têmpera não é uma técnica fácil para iniciantes, mas não é tão complicada que impeça a sua prática. Requer algum estudo e disciplina, mas pode ser dominada mais facilmente pelos artistas que adotarem a técnica moderna, que elimina muitas das dificuldades apresentadas pelo modo clássico de pintar a têmpera. 66


REFERÊNCIAS

BARCELOS, João. Preparo de telas. Disponível em www.joaobarcelos.com.br BERGT, Michael. A guide to egg tempera painting. 1955.Available from the author. GOTTSEGEN, Mark David. The painter’s handbook. New York: Watson-Guptill Publications, 1993. MAYER, Ralph. Manual do artista. São Paulo: Martins Fontes, 2002. MILLER, Kirk. Egg tempera painting. California: Walter Foster, 1995. SCHADLER, Koo. Egg tempera painting. N.H: Koo Schadler, 1998. SMITH, Ray. Manual prático do artista. Lisboa: Dorling Kindersley, 2004. SULTAN, Altoon. The luminous brush. New York: Watson-Guptill Publications, 1999.

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THOMPSON JR. Daniel V. The practice of tempera painting. New York : Dover, 1962. VICKREY, Robert. New techniques in egg tempera. New York: Watson-Guptill Publications, 1973.

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FORNECEDOR

Os materiais para uso na têmpera, como pigmentos, cola de pele de coelho, folha de ouro, folha de prata, brunidores, e pincéis de marta kollinsky podem ser encontrados na Casa do Artista, em dois endereços em São Paulo (Capital): Loja Centro Rua Major Sertório, 447 Tel: (11) 3258.6711

Loja Jardins Al. Itu, 1012 Tel: (11) 3088.4191

Os materiais também podem ser adquiridos na loja virtual, que funciona como uma loja normal: logo na entrada, você vê na vitrine os produtos em destaque, os lançamentos e as promoções. Você passeia pela loja para conhecer melhor as linhas de produtos que estão organizadas por áreas e ordem alfabética, bastando clicar nas imagens e/ou nomes dos produtos para conhecê-los com maiores detalhes. O endereço virtual é http://www.acasadoartista.com.br/ EVisitex/info.jsp#1 Com sólida tradição e pioneirismo no mercado, onde se firmou como a maior loja de materiais artísticos do país, a Casa do Artista importa 50 das mais importantes marcas do planeta. Sua relação com empresas e marcas como Fabriano (Itália), Fimo (Alemanha), Winsor&Newton (Inglaterra), Lefranc&Bourgeois (França), Talens (Holanda), e Caran D'Ache 69


(Suíça), todas com longa tradição na fabricação de materiais de artes plásticas e gráficas, é assentada em bases sólidas e de mútua confiança, construída ao longo de mais de quatro décadas. Mas a Casa do Artista não dispõe apenas de materiais importados. Nas lojas de São Paulo e agora também na internet, os estudantes e profissionais das artes encontram as mais importantes marcas nacionais disponibilizando assim o melhor que existe no mundo em materiais artísticos.

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Se desejar adquirir uma cópia desse livro, entre em contato com: Editora T+8 Ltda. Endereço: Rua Visconde de Pirajá, 142 sala 903 Ipanema – 22.410.003 – Rio de Janeiro – RJ Tel: (21) 3298-9570 / Fax: 3298-9573 www.tmaisoito.com.br

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