GUIÃO DE ORIENTAÇÃO PARA PAIS, MÃES E FAMILIARES DE HOMOSSEXUAIS
CARO PAI, CARA MÃE Este guião foi elaborado para orientar todas as pessoas que tenham em sua convivência filhos ou familiares homossexuais. Nele encontram-se explicações em forma de conceitos básicos, perguntas e respostas que podem ajudá-lo na busca de compreensão sobre a homossexualidade do seu filho ou educando. A nossa expectativa com este guião é que se promova a
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aproximação entre as pessoas, guiados pelos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948, pela Assembleia Geral da ONU, cujo Artigo I anuncia que “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.
Que conceitos ou expressões são comuns neste guião? A seguir explicam-se algumas expressões usadas ao longo deste guião: Bissexuais – pessoas cujos sentimentos sexuais e afectivos estão dirigidos a pessoas de ambos os sexos. Ou seja, a pessoa sente-se atraída tanto por homens como por mulheres. Gay – designa homens que têm desejo sexual e afectividade por outros homens. Também designa especificamente aqueles homens que assumem uma identidade pessoal/social específica relativa à sua sexualidade e que se auto-identificam como gays ou homossexuais. Heterossexual – indivíduos cujos sentimentos sexuais e afectivos estão dirigidos a pessoas do sexo oposto. Homoafectividade – é o mesmo que homossexualidade. É uma palavra usada para retirar a conotação meramente sexual e que permite dar às relações interpessoais uma dimensão mais humanizada. Homofobia – palavra usada para referir-se à incompreensão, ignorância e medo, que a socie-
dade expressa em relação aos homossexuais. Homossexual – é o mesmo que gay ou lésbica e refere-se a pessoas cujos sentimentos sexuais e afectivos estão dirigidos a pessoas do mesmo sexo (isto é: homem/homem ou mulher/ mulher). Lésbica – designa mulher que se sente atraída sexualmente, emocionalmente e espiritualmente por outras mulheres. LGBT – sigla para referir pessoas, grupos ou associações de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Orientação sexual – refere-se à atracção física, emocional e espiritual a pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto, incluindo, portanto, a homossexualidade, a heterossexualidade e a bissexualidade. Sair do armário – expressão usada para referir-se ao acto de revelação da homossexualidade para si mesmo ou para sociedade.
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A homossexualidade é uma opção pessoal ou uma orientação sexual independente da vontade da pessoa? A homossexualidade não é uma opção. É falso dizer que as pessoas são gays por opção! Optar significa escolher em ser ou não ser gay. Se o heterossexual não escolhe em ser ou não ser heterossexual, o mesmo acontece com o homossexual. Logo, trata-se de uma orientação independente da vontade da pessoa, portanto não é uma opção.
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Porquê o meu filho é homossexual? Esta costuma ser uma das primeiras perguntas dos pais, na tentativa de saírem do choque
que lhes provoca a notícia. Já se deparou perguntando-se porquê é heterossexual?
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A pergunta “porquê o meu filho é homossexual?” pode ser uma forma de procura de alguma forma de alívio na busca das possíveis “causas” para a homossexualidade do seu filho. Esta busca de alívio pode ser orientada para a sua própria culpabilização “o que eu fiz de mal?” ou de outras pessoas “é coisa da família do pai, não da minha família”. Doutro lado, tem sido frequente os pais pensarem que os seus filhos foram levados para a homossexualidade por outras pessoas, já que é do senso comum pensar-se que os homossexuais desorientam as outras pessoas. Na verdade, o seu filho pode estar a enfrentar o fim de toda
uma etapa em que se tenha sentido “diferente”, isto é, de auto-descoberta, onde ninguém o converteu à homossexualidade. Trata-se de algo que vem da própria história de vida do seu filho. Assim, seria importante que o pai, após o seu filho confiar-lhe esta verdade, orientasse os seus sentimentos e pensamentos no sentido de dar significado a esta forma de reforço de confiança e amor que ele ou ela deposita em si, ao revelar-lhe ser gay ou lésbica. Com o tempo, isto levá-lo-á a ajudar aos outros pais a compreenderem que não faz diferença saber porque o seu filho é gay para lhe prestar apoio e amor. “o que eu fiz de mal?” ou de outras pessoas “é coisa da família do pai, não da minha família”.
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A homossexualidade é uma doença? A homossexualidade é uma forma de orientação ou condição sexual, isto é, não é uma doença. Desde 1973 que os cientistas têm retirado a homossexualidade dos seus manuais de diagnóstico, após reverem estudos científicos que revelavam que a homossexualidade não se enquadra nos critérios
utilizados na categorização de doenças mentais. Em 1991, a Organização Mundial da Saúde (OMS) também retirou a homossexualidade da sua lista de doenças. Portanto, torna-se evidente que a homossexualidade não é doença e nem sequer é uma posse demoníaca.
Existe algum tipo de “cura” para a homossexualidade? Não há provas científicas que demonstrem que as terapias de reversão ou de “cura” são eficazes na modificação da orientação sexual de uma pessoa. Há, contudo, provas de que este tipo de terapia pode ter resultados destrutivos. Quem escreveu esta frase foi o Dr. Rodrigo Munoz, Presidente da APA (Associação Americana de
Psiquiatria). Em 1999, foi publicada uma resolução do Conselho Federal de Psicologia do Brasil que normatiza a conduta dos psicólogos frente a esta questão: "os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades".
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Que consequências psicológicas afectam o homossexual que se submete à “cura”?
Muitos pais perguntam-se o que podem fazer para contrariar “isso”. E em atitude de desespero e de negociação unilateral, levam os seus filhos para as mais diversas situações de tratamento, contudo até agora ainda não foi provado o sucesso real vaticinado por alguns grupos religiosos que indicam a “cura” da homossexualidade. A Associação Americana de Psicologia, a Associação Americana de Assistentes Sociais e a Associação Americana de Pediatras alertam que esta prática não é
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científica e nem ética, mas, sim, põe em risco a saúde mental da pessoa, podendo causar danos irreparáveis. Caso a pessoa que se submeta à “cura” tenha alguma predisposição genética, tentativas de “cura” podem favorecer o desenvolvimento de certos tipos de distúrbios mentais como a depressão, ansiedade, problemas de baixa autoestima, tentativas de suicídio e comportamentos autodestrutivos, tais como o uso de drogas e a prática de sexo desprevenido.
Porquê o meu filho não me revelou antes? Com frequência os pais interpretam o facto de o filho não ter revelado antes a sua homossexualidade como sinal de falta de confiança; de falta de amor. É por isso que se torna doloroso
perceber que, embora seja pai ou mãe, não conhece o seu filho tão bem como era de esperar. Isso é verdade não só para este caso, mas para as relações entre pais e filhos no geral, quer 9
sejam eles heterossexuais ou homossexuais. Ao tornaremse crescidos, observa-se uma separação natural entre filhos e pais, fazendo com que eles exercitem o seu crescimento em forma de decisões pessoais que sinalizam formas cada vez maiores de autonomia. Lembre-se que em muitos casos este facto também pode ter sido tão inesperado para o seu filho e, por isso, tenha levado o seu filho a esconder-se, dada a necessidade de entender ele próprio, isto é, o que estava a acontecer com ele, que o levava a sentir-se diferente dos demais jovens da sua idade, ao ponto de nem sequer poder dar sentido em palavras ao sentimento que lhe afecta.
Lembre-se que o seu filho também pertence a esta mesma sociedade em que se enaltece a heterossexualidade. Ele também precisa de descobrir-se e perceber a sua própria sexualidade, para deixar de auto-desprezar-se e ultrapassar a sua insegurança. Como pode notar, trata-se de um caminho difícil e longo, no qual ele próprio percorre até ganhar a certeza e a coragem necessária para aproximar-se do pai, mãe ou outro familiar da sua escolha, para conversar sem ferir as suas formas de percepção. Após essa conversa, torna-se importante perceber que o seu filho ou filha convida-o para um relacionamento verdadeiro, em que o seu apoio é primordial.
Porquê me incomodo tanto com a homossexualidade do meu filho? O desconforto sentido não só pelos pais, mas pela maioria das pessoas, com frequência, é sustentado pelo sentimento de homofobia que ainda existe na nossa sociedade e inspira as 10
atitudes de rejeição dessas pessoas. Enquanto houver homofobia na nossa sociedade, o homossexual, o pai ou a mãe de um gay ou de uma lésbica continuarão a sentir algum medo,
incerteza e preocupações alidade do seu filho, tendem a bastante legítimos e reais. culpabilizar-se, preferindo optar pela sua rejeição. Assim, tornaA homofobia e outras atitudes se mais cómodo para esses pais negativas da nossa actualidade não aceitarem o filho, como forsócio-cultural fazem com que, ma de evitar a rejeição e incommesmo as pessoas que no seu preensão social, preferindo, dia-a-dia lidam com homossex- portanto, levar uma existência uais, por exemplo, colegas do “dentro do armário”, isto é, da serviço, pessoas da vizinhança, não revelação. ou espectadores que vêem-nos na televisão, fiquem amedrontadas e, consequentemente, reAjude o seu filho conjeitem a homossexualidade. frontando com ele as O mesmo acontece com os pais que ao estarem influenciados pelas ideias pré-concebidas do meio social em que vivem, perante a homossexu-
suas preocupações reais, dando, assim, resposta ao que ele espera de si neste momento. Concentre a sua atenção na procura de informação e ajuda proveitosas que possibilitem o reforço do seu conhecimento e acção.
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Levo ou não o meu filho a consultar o curandeiro, o psiquiatra ou o psicólogo? Não operaria resultados favorecedores levar o seu filho a consultar um curandeiro, psiquiatra, psicólogo ou qualquer outro terapeuta na esperança de mudar a orientação sexual de seu filho. A homossexualidade não é uma doença para ser “curada”. Para contrariar as arbitrariedades e violações dos direitos humanos da pessoa homossexual até então praticadas, em 1973 a Associação Americana de Psiquiatria retirou a homossexualidade da lista de doenças. Esta medida teve em conta, dentre outras causas, o facto de que a homossexualidade é uma forma natural de ser. Como a homossexualidade não é “escolhida”, um pai não pode fazer o seu filho “mudar de ideia”. A Associação Americana de Psicologia e a Associação Médica Americana definiram como
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antiética a tentativa de mudar a orientação sexual de um homossexual. Contudo, existem situações em que possa ser útil consultar um terapeuta, como, por exemplo, em situações em que tanto o filho como o pai queiram conversar com estes profissionais sobre os seus próprios sentimentos e sobre como manejálos, para não prejudicar a sua saúde mental e a socialização. Igualmente, a ajuda terapêutica pode ser necessária para aconselhamento ou para intermediar a comunicação pai-filho. Devido à rejeição, pode ser que o seu filho esteja infeliz e precise de ajuda para alcançar a autoaceitação e propiciar a sua autoestima, porque como dissemos acima, os gays, por vezes, passam por dificuldades para se aceitarem a si próprios e à sua identidade sexual. Nestes casos, o papel do terapeuta deve orientar-se para a promoção de uma sintonia interna e externa das pessoas num ambiente de respeito, congruência e confidencialidade, adaptado às características de cada indivíduo e sua família.
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Se, por acaso, o meu filho decidir “sair do armário” não será vítima de discriminação, barreiras no emprego, agressões físicas ou ter problemas com a lei?
Uma resposta realista e reflectida coloca-nos a ideia de que, dependendo do tipo de ambiente social e laboral que o rodear, infelizmente existe a possibilidade de o seu filho e até os seus pais ainda viverem 14
experiências negativas. Porém, manifestações perante homossexualidade já começam a mudar, ainda que com relativa lentidão, numa característica que tende a definir o próprio processo de mudanças sociais.
Falta para tal um envolvimento mais amplo da sociedade civil, para o aumento do número de pessoas e organizações que trabalhem pela advocacia e defesa dos direitos dos homossexuais. Trata-se de uma luta contra a homofobia que deve continuar a ser travada de forma corajosa pelo seu filho, por si, em suma, por todos nós envolvidos numa rede cada vez complexa, que forneça os recursos necessários para uma melhor convivência social. Em Moçambique, ao contrário de alguns países, não é crime ser homossexual, isto é, por lei não se pode condenar uma cidadã ou um cidadão moçambicano por serem lésbica ou gay. Ainda que este facto não o pareça, ele é, por si, tão robusto, porque alicerça qualquer exercício de actividades de advocacia em prol da igualdade de oportunidades para as minorias em Moçambique.
Como devo posicionar-me perante a minha religião? Actualmente ainda é frequente a manifestação de pontos de vista contrários à homossexualidade por parte da maioria das religiões. Isto tem contribuído para intimidar os pais de homossexuais e para abafar o parecer favorável de alguns líderes religiosos que têm apelado para o respeito à dignidade e direitos dos seres humanos e a uma melhor interpretação das escrituras religiosas, no que respeita à homossexualidade. Estes factos cobrem os pais de incertezas em relação à revelação da sua posição em favor da homossexualidade dos seus filhos perante a sua comunidade religiosa. Assim, torna-se importante saber que na mesma Bíblia, donde se extraem situações de condenação da homossexualidade, também é possível retirar provas de que as escrituras não condenam os gays, mas tendem a 15
promover o desenvolvimento harmonioso das relações interpessoais e a igualdade de oportunidades de qualquer pessoa que seja. Só para elucidar atitudes encorajadoras, citamos, a seguir, algumas religiões, como exemplos: a Igreja Metodista criou uma rede de congregações que aceitam homossexuais. Na Igreja Unida de Cristo a orientação sexual não constitui uma barreira para a ordenação dos seus membros, desde 1991. Na Igreja Episcopal declarou-se por lei que os homossexuais têm direitos iguais aos dos outros membros desta congregação. Em 1994 os bispos Episcopais dos Estados Unidos escreveram de seguinte modo num documento sobre as suas novas directrizes pastorais
"Assim como para os heterossexuais, a experiência de um amor inabalável pode ser também para os homossexuais, uma experiência de Deus".
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Será que o meu filho vai constituir uma família? Ainda não existe o reconhecimento do casamento gay no código civil de Moçambique. Este facto torna vulnerável qualquer outro tipo de relacionamento afectivo entre pessoas que tenham outro laço afectivo diferente da relação heterossexual. Contudo, isto não impede a possibilidade de o seu filho ou filha estabelecer e manter uma relação afectiva sólida com uma parceira ou com um parceiro do mesmo sexo, através de rituais e cerimónias que podem possuir o cunho e o peso social dentro de um compromisso assumido e partilhado por amigos e familiares. O estado actual do universo familiar tende a fugir do conceito original de família. Hoje em dia as formas de família têm sofrido mudanças que suscitam uma necessidade acrescida imposta à sociedade, isto é, que ela olhe também o casal gay ou lésbico como sendo uma nova configuração familiar passível das
cido em Moçambique, tornase importante sublinhar que outros direitos adquiridos pelo casal heterossexual como o da herança, maternidade, paternidade ou adopção podem sujeitar-se à discussão passível de trazer alguns obstáculos judiciais. Mas este desafio real e actual não deveria ser um impedimento para que se use do recurso ao conhecimento de recursos humanos capazes de oferecer apoio especializado na Sendo que, por lei, o casamen- defesa do exercício dos direitos to gay ainda não é reconhe- de cada cidadão. mesmas virtudes e fraquezas que se observam numa relação heterossexual, poligâmica, ou de qualquer outra natureza, partindo do princípio de que toda a relação humana é edificada numa base de atributos de congruência que, por vezes, pode ser afectada pelo conflito necessário e dinâmico para que haja o compromisso em direcção ao ponto de convergência entre as pessoas.
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Como dizer à família, aos amigos e aos vizinhos que o nosso filho é homossexual?
Devido à força inibidora das práticas sociais homofóbicas ou anti-gay, de certeza que poucos pais não imaginam a possibilidade do impacto positivo da sua postura em favor do seu filho homossexual, caso decidam “sair do armário”. Cada um de nós pode ser o ponto de vi18
ragem nesta luta, de tal forma que, ao invés de afastar, poderia aproximar posições, através de um diálogo informador e reformador de atitudes estabelecido entre si e o resto da sua família e comunidade. Perguntas como “quando é que a sua filha vai se casar e
ter filhos?” podem acometer de medo e atrasar a decisão de alguns pais e continuarem a esconder dos outros a homossexualidade dessa filha. Esta é uma das razões pelas quais o nosso conselho é: antes de tudo procure informar-se, ler, prepararse, reflectindo sobre que palavras e atitudes tomar diante dos demais. Procure entender o seu próprio filho e conversar com outros pais que já passaram pela mesma experiência.
Em Moçambique já se dispõe dos serviços prestados por organizações e grupos de defesa dos direitos humanos dos homossexuais. Estes grupos oferecem serviços multidisciplinares, comportando activistas e profissionais de diversas áreas de actividade, preparados para oferecer-lhe a ajuda de que necessita.
O alcance deste apoio é decisivo, porque o empodera no desempenho cada vez melhor Lembre-se que as pessoas hão- do seu papel, para superar as de querer ouvi-lo falar sobre a suas dificuldades relacionadas homossexualidade, inspirada com a orientação sexual do seu na desconfiança e hostilidade, filho gay ou da sua filha lésbica podendo até chegarem a usar e junto da sua comunidade. discursos indelicados, palavras que magoam. Portanto, como Entre em contacto com Lambpai ou mãe deverá estar pre- da ou outros grupos de defparado para expor o seu ponto esa dos direitos humanos dos de vista, com a possibilidade homossexuais da sua cidade, até de modificar atitudes. onde pode obter insumos, informações, publicações, apoio jurídico e psicológico, além de Que recursos existem participar em palestras e oficinas; tudo isto pensado e elaboactualmente em Mo- rado com materiais específicos çambique para o apoio para lhe ajudar a compreender aos homossexuais? e a apoiar o seu filho.
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UMA PUBLICAÇÃO
EM MAPUTO O NOSSO CONTACTO É: Lambda - Associação Moçambicana para Defesa das Minorias Sexuais Avenida Vladimir Lenine no 1323, Maputo - Moçambique Telefone: 21 30 48 16 Website: HYPERLINK "http://www.lambdamoz.org" www.lambdamoz.org Facebook: https://www.facebook.com/pages/LambdaMozi/156940471
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