A paula vicente pára para ler

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A Paula Vicente pára para ler 7 de março, 10h05m/10h15m 3º Ciclo

UM POUCO DE SILÊNCIO

N

esta trepidante cultura nossa, da agitação e do barulho, gostar de sossego é uma excentricidade.

Sob a pressão do ter de parecer, ter de participar, ter de adquirir, ter de qualquer coisa, assumimos uma infinidade de obrigações. Muitas desnecessárias, outras impossíveis, algumas que não combinam connosco nem nos interessam. Não há perdão nem amnistia para os que ficam de fora da ciranda: os que não se submetem mas questionam, os que pagam o preço da sua relativa autonomia, os que não se deixam escravizar, pelo menos sem alguma resistência. O normal é ser actualizado , produtivo e bem informado. É indispensável circular, ser bem-relacionado. Quem não corre com a manada, praticamente nem existe, se não tomar cuidado, põem-no numa jaula: um animal estranho. Pressionados pelo relógio, pelos compromissos, pela opinião alheia, disparamos sem rumo – ou por trilhos determinados – como hamsters que se alimentam da sua própria agitação. Ficar sossegado é perigoso: pode parecer doença. Recolher-se em casa ou dentro de si mesmo ameaça quem apanha um susto de cada vez que examina a sua alma. Estar sozinho é considerado humilhante, sinal de que não «se arranjou» ninguém – como se a amizade ou o amor se «arranjasse» numa loja.


Além do desgosto pela solidão, temos horror à quietude. Pensamos logo em depressão: quem sabe terapia e antidepressivos? Uma criança que não brinca ou salta ou participa de actividades frenéticas está com algum problema. O silêncio assusta-nos por retumbar no vazio dentro de nós. Quando nada se move nem faz barulho, notamos as frestas pelas quais nos espiam coisas incómodas e mal-resolvidas, ou se observa outro ângulo de nós mesmos. Damonos conta de que não somos apenas figurinhas atarantadas correndo entre a casa, o trabalho e o bar, a praia ou o campo. Existe em nós, geralmente nem percebido e nada valorizado, algo para além desse que paga contas, faz amor, ganha dinheiro, e come, envelhece, e um dia (mas isso é só para os outros!) vai morrer. Quem é esse que afinal sou eu? Quais os seus desejos e medos, os seus projetos e sonhos? No susto que essa ideia provoca, queremos ruído, ruídos. Chegamos a casa e ligamos a televisão antes de largarmos a carteira ou a pasta. Não é para assistirmos a um programa: é pela distração. O silêncio faz pensar, remexe águas paradas, trazendo à tona sabe Deus que desconcerto nosso. Com medo de vermos quem – ou o que – somos, adiamos o confronto com a nossa alma sem máscaras. Mas, se aprendermos a gostar um pouco de sossego, descobrimos – em nós e no outro – regiões nem imaginadas, questões fascinantes e não necessariamente negativas. Nunca esqueci a experiência de quando alguém me pôs a mão no ombro de criança e disse: — Fica quietinha um momento só, escuta a chuva a chegar. E ela chegou: intensa e lenta, tornando tudo singularmente novo. A quietude pode ser como essa chuva: nela nos refazemos para voltarmos mais inteiros ao convívio, às tantas frases, às tarefas, aos amores. Então, por favor, dêem-me isso: um pouco de silêncio bom, para que eu escute o vento nas folhas, a chuva nas lajes, e tudo o que fala muito para além das palavras de todos os textos e da música de todos os sentimentos. Lya Luft, Pensar transgredir Texto adaptado


A Paula Vicente pára para ler 7 de março, 10h05m/10h15m 2º Ciclo Carta do índio Seattle Em 1854, o presidente dos Estados Unidos apresentou uma proposta ao chefe índio Seattle com o objetivo de lhe comprar terras e o compromisso de criar uma "reserva" destinada a preservar a segurança e a integridade cultural do povo Suquamisch. O chefe Seattle respondeu numa longa e notável carta cujo conteúdo continua atual. "O grande chefe de Washington mandou dizer que desejava comprar a nossa terra, o grande chefe assegurou-nos também a sua amizade e benevolência. Isto é gentil da sua parte, pois sabemos que ele não precisa da nossa amizade. Vamos, porém, pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. (…) Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa ideia parece-nos estranha. Se não possuímos a frescura do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los? Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, na floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência do meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho. Os mortos do homem branco esquecem a sua terra de origem, quando vão caminhar entre as estrelas. Os nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia, são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos húmidos nas planícies, o calor do corpo do potro e o homem – todos pertencem à mesma família. Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossa a terra, pede-nos demasiado. O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. (…) Mas isso não será fácil. Esta terra é sagrada para nós. Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar às vossas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz dos meus antepassados.


Os rios são nossos irmãos, saciam a nossa sede. Os rios carregam as nossas canoas e alimentam as nossas crianças. Se lhes vendermos esta terra, vocês devem lembrar-se e ensinar aos vossos filhos que os rios são nossos irmãos e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão. Sabemos que o homem branco não compreende os nossos costumes. Uma porção da terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita (…) e não se importa. A sepultura do seu pai e os direitos dos seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas que possam ser compradas, saqueadas(…). O seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto. Eu não sei, os nossos costumes são diferentes dos vossos. A visão das vossas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não compreenda. Não há um lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreendo. (…) E o que resta da vida se um homem não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite? (…) O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro – o animal, a árvore.(…). Parece que o homem branco não sente o ar que respira.(...) Mas, se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar-se de que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha o seu espírito com toda a vida que mantém. O vento que deu ao nosso avô o seu primeiro inspirar também recebe seu último suspiro. Se lhes vendermos esta terra, vocês devem mantê-la intacta e sagrada(…). Portanto, vamos meditar sobre a sua oferta de comprar a nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo qualquer outra forma de agir. Vi um milhar de búfalos apodrecendo na planície, abandonados pelo homem branco, que os alvejou de um combóio em andamento. Eu sou um selvagem e não compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos somente para permanecermos vivos. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais desaparecessem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que acontece aos animais, em breve acontecerá ao homem. Tudo está ligado. Vocês devem ensinar às vossas crianças que o solo aos seus pés é a cinza dos nossos avós. Para que respeitem a terra, digam aos seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas do nosso povo. Ensinem às vossas crianças o que ensinamos às nossas: que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos. Isto sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra. (…)


O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. (…) Contaminem as vossas camas e uma noite serão sufocados pelos próprios dejetos. Porém, ao perecerem, vós outros caminhais para a vossa destruição rodeados de glória, inspirados pela força de Deus que vos trouxe a esta terra e que, por algum especial desígnio, vos deu o domínio sobre ela e sobre o pele-vermelha. Esse desígnio é para nós um mistério, pois não entendemos por que exterminam os búfalos, domam os cavalos selvagens, enchem os locais recônditos das florestas com a respiração de tantos homens, e mancham a paisagem exuberante das colinas com fios falantes. Onde está o arvoredo? Destruído. Onde está a água? A desaparecer. Restará dizer adeus às andorinhas e aos animais da floresta. Este é o fim da vida e o começo da luta pela sobrevivência.”

Chefe Seattle



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