Textos lidos na atividade “Expressões com História”

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Semana da leitura – “ Expressões com história” Articulação BE/Grupo de História (5/3- 2ª feira)

Quem tem boca, vai a Roma O Afonso fez anos e convidou-me para a festa. A mãe dele falou com a minha e explicou muito bem onde é que era a rua, e como se ia lá dar. Mas a verdade é que, depois de termos virado não sei quantas vezes à esquerda e não sei quantas vezes à direita, da casa do Afonso nem rasto. - Se o teu pai já tivesse posto GPS no carro, nada disto acontecia… - resmungou a minha mãe. - Não te enerves – disse a avó Sara, que nos tinha ido visitar e aproveitava agora a boleia até à estação. – Quem tem boca, vai a Roma! Encosta aí o carro e vai ali ao café perguntar. Mas a verdade é que eu não queria saber onde ficava Roma. Eu só queria saber onde ficava a casa do Afonso. A minha avó riu-se do meu ar espantado e, enquanto a minha mãe se enfiava pelo café dentro, ela começou a explicar: - Isto quer dizer que basta perguntar, para ficarmos a saber o que queremos. E logo a seguir: - Lembras-te daquela estrada com uma ponte, na minha aldeia? - A estrada romana? - Exatamente! Em muitas aldeias ainda temos estradas romanas e pontes romanas. - Do tempo em que os Romanos viveram cá… - digo eu, para mostrar que sei muitas coisas. - Muito bem! O teu avô ia ficar contente de te ouvir! - Ele fala disso tantas vezes, que eu acabo por decorar… - E os romanos – continuaram a Avó Sara – eram conhecidos por terem uma rede magnífica de estradas em todo o império que, evidentemente, iam todas dar à capital. Daí que bastava perguntar a qualquer pessoa o caminho de Roma, e toda a gente sabia indicar, até porque, com tanta estrada, todos os caminhos iam dar a Roma… que é outra expressão que ainda hoje se usa! Nessa altura, entrou a minha mãe: - Pronto, já sei onde é. Mas tive de perguntar a umas cinco ou seis pessoas! Pois. Quem tem boca, vai a Roma. O pior é quando as bocas estão fechadas! Expressões com História, de Alice Vieira

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Semana da leitura –“ Expressões com história” ArticulaçãoBE/Grupo de História (6/3- 3ª feira)

O meu avô não é lá grande adepto das novas tecnologias. Diz que, para ele, nada se compara a uma carta escrita à mão, com papel e caneta, e que a comida sabe sempre melhor cozinhada no fogão do que no micro-ondas. - E vá lá, vá lá, que já aceitas fogões elétricos em vez do fogão a lenha da casa dos teus pais… - diz a avó Helena, para o arreliar. Mas o meu avô não se deixa vencer por tão pouco e continua a dizer que não entende que se leiam livros a não ser de papel. E música tem de ser no gira-discos. - Ah, pensei que ainda estavas no tempo do gramofone… - resmungou a minha avó, antes de o informar que estava na hora de sair para a reunião do Clube do Livro a que pertencia. - Palavra que não sei por que te esforças tanto. Está-se mesmo a ver que essas pessoas nunca hão de gostar a sério de ler, vão uma vez, vão outra e depois desistem. É sempre assim… - O pai desculpe – disse então a minha mãe -, mas sempre me saiu cá um velho do Restelo… O meu avô ficou muito indignado, e eu tentei saber que senhor seria esse que, pelos vistos, vivia no Restelo e que tanto o ofendia. A minha mãe riu e explicou-me que aquela expressão vinha… (não, não podia ser do tempo dos Romanos, que de certeza nunca tinham vindo ao Restelo nem em dia de futebol…) - D’Os Lusíadas! - Do Camões – disse eu, para mostrar sabedoria. - Quando Camões descreve a partida de Vasco da Gama… - …para a Índia! – disse eu logo. O dia estava a correr-me bem… - Isso! Fala de um velho que, entre a multidão na praia do Restelo, donde as caravelas partiam, estava contra tudo aquilo, dizendo que partir à aventura era uma loucura, um disparate, e que o melhor era ficar em Portugal a tratar da terra e dos assuntos da pátria. Por isso, quando alguém fala contra o progresso, contra as ideias mais avançadas ou projetos inovadores, diz-se que é… - …um velho do Restelo, já percebi – disse eu. - Vou à rua beber um café – disse o meu avô, para acabar com a conversa. - Olha – disse a minha avó -, não te esqueças de pedir para to fazerem na cafeteira e com umas brasas lá dentro… - Em casa da minha mãe era assim! (Aqui para nós, ainda hei de ir aos Lusíadas ver se o Camões também não inventou uma expressão para «chata» (…) Expressões com História, de Alice Vieira


Semana da leitura – “Expressões com história” Articulação BE/Grupo de História (7/3- 4ª feira)

Para inglês ver - E já agora que ontem falámos em franceses e ingleses e Invasões Francesas- disse o Avô Filipe, que já se imaginava certamente de regresso à escola. - Nunca ouviste a expressão «para inglês ver»? Se tinha ouvido, não me lembrava. A minha mãe deu uma ajuda: - Aquelas coisas que se fazem mesmo para aldrabar as pessoas, para fingir que está tudo bem… - Por exemplo- disse a Avó Helena-, quando se pintam as paredes dos prédios e nós passamos na rua e achamos que está tudo lindo, e lá por dentro está tudo a cair aos bocados… (Isto é uma guerra antiga que a minha avó tem com o senhorio dela…) - Ou quando se manda alcatroar as ruas e não se tapam primeiro os buracos e às primeiras chuvadas volta tudo ao mesmo… - Pois essa expressão – disse o meu avô – também vem do tempo das Invasões Francesas. Mas aqui contam-se muitas histórias e não se sabe qual é a verdadeira. Ou se alguma é verdadeira… - Adoro histórias – digo eu. - Então lá vai uma: como tu, espero eu, hás de aprender, quando os generais de Napoleão invadiram Portugal, o rei D. João VI (com toda a corte) partiu para o Brasil. E assim que lá chegou, preparou um enorme banquete e uma festa de arromba para mostrar aos nossos aliados ingleses o grande apoio que tinham naquela colónia portuguesa. Uma festa… para inglês ver… - Ajudar…é como quem diz…- murmurou o meu avô. - Eu conheço outra – disse a minha mãe – e a minha tem muito mais graça. Conta-se então que nesse tempo, quando os generais ingleses nos vieram ajudar… - Pai, agora não complique, que o Pedro ainda não estudou essa parte da História. - Nem essa nem outra nenhuma…- resmungou a minha avó. Estava a sobrar para mim. - Acho que por hoje já basta…- digo eu. - Pronto, pronto, eu abrevio – disse a minha mãe. - Quando os generais ingleses se instalaram por cá, a nossa tropa recebia o pré… - O quê? - O ordenado, pronto. Recebia-o nos serviços de secretaria ingleses. Mas de repente começaram a desconfiar que havia soldados que o recebiam mais do que uma vez. Apresentavam-se, recebiam o dinheiro, quem lho dava nem olhava para as caras deles, eles davam umas voltas e, dali a algum tempo voltavam, como se fossem outros. Mas o general Wellington não gostou da graça e ordenou que os soldados portugueses só podiam receber o dinheiro na presença de um oficial inglês. Para inglês ver…


- E eu – disse a minha avó – ainda ouvi outra versão… - Mas hoje não se janta nesta casa? – perguntou o meu pai, a entrar nesse momento. O que se chama uma entrada triunfal. Expressões com História, de Alice Vieira


Semana da leitura –“ Expressões com história”Articulação BE/Grupo de História (8/3- 5ª feira)

Ficar a ver navios Lá na escola tínhamos combinado fazer uma excursão no fim deste período. A ideia partiu da nossa professora de Português e todos ficamos contentes. Uma excursão ao Porto, para ver as caves e os barcos que dantes transportavam o vinho. Sair da escola é sempre uma alegria. O pior é que, uma semana antes, a nossa professora foi atropelada. Apesar de ir a atravessar a rua na passadeira, o condutor nem a viu, ia a uma velocidade maluca (com a sabedoria de frase que já tenho, poderia agora dizer que parecia que ia tirar o pai da forca…) e ela foi parar ao hospital. Nada de excursão, evidentemente. - Coitados… - disse a tia Júlia, quando me lastimei – Lá ficaram vocês todos a ver navios! - Navios? Mas quais navios! Navios era o que gente devia ver na excursão… A minha tia riu-se, disse que aquilo era uma forma de expressão, mas, pelo menos, não me chamou ignorante. - Já ouviste falar de D. Sebastião? - O avô já me contou umas coisas. Desapareceu numa batalha, não foi? A minha tia ficou contente com a minha sabedoria. - Desapareceu na Batalha de Alcácer Quibir, em África. Toda a gente tinha tentado fazê-lo desistir da ideia, mas ele lá foi. Era muito jovem, os mouros eram em muito maior número e, além disso, estava-se em agosto! Já imaginaste o calor que devia estar dentro das armaduras dos soldados, que eram de ferro e pesadíssimas? Muitos deles morreram queimados! Alguns voltaram, outros ficaram lá, mas o corpo do rei nunca foi encontrado. - Ah, já me lembro do que o avô contou: como o corpo não apareceu, as pessoas continuaram a acreditar que ele estava vivo! - Exatamente! E todos os dias se juntavam muitas mulheres no Alto de Santa Catarina, donde se vê o Tejo, à espera de verem chegar os barcos com D. Sebastião e os soldados sobreviventes… - Que nunca chegaram… - Claro… E daí ficou a expressão “ficar a ver navios», que às vezes também se diz «ficar a ver navios em Santa Catarina», que se usa quando não vem aquilo que se esperava que viesse… A minha tia já se preparava para sair, quando eu arrisquei: - Agora, para a lição ficar completa, sabes o que me apetecia? - Ela olhou para mim, intrigada. - Um passeio até ao alto de Santa Catarina… Está um dia tão bonito… E já que ficamos sem excursão…


A tia Júlia deu uma gargalhada. - Anda daí! Já íamos na escada quando a ouço murmurar: - Quem sabe se D. Sebastião não está à nossa espera…

Expressões com História, de Alice Vieira ANO: ____________ TURMA: _______________ PROFESSOR-LEITOR: ____________________________


Semana da leitura–“ Expressões com história” Articulação BE/ Grupo de História (9/3- 6ª feira)

Eureka! O avô Filipe, para lá de saber muita História, também é grande especialista de palavras cruzadas. De vez em quando lá está ele de roda do problema que vem no jornal, a tentar descobrir «porco com 2 letras» ou «rio da Suíça com 3»… Aqui há dias, andava ele de volta com um problema muito complicado, por mais que puxasse pela cabeça não ia lá, até que de repente deu um grito:

- Eureka! E acabou alegremente o problema. Eu nunca tinha ouvido aquela palavra, e até pensei que seria a tal resposta difícil de que ele andava à procura. Mas não era. - Ai rapaz, as coisas que vocês não sabem… No meu tempo… Mas a avó Helena tossiu de uma maneira estranha e ele parou e já não continuou a frase. A avó Helena não gosta nada dessa expressão porque diz que a pessoa é sempre do tempo em que vive e que, enquanto não morre, é do seu tempo e não doutro. - Bom… - disse então o avô Filipe - «eureka» é uma palavra grega, que significa «descobri», e se hoje todos a usamos é por causa de um filósofo grego, chamado Arquimedes, que estava um dia a tomar banho e de repente se sentiu empurrado para cima. - Por quem? - Por ninguém! Pelo próprio corpo! Já deves ter sentido isso também: estamos deitados na banheira e o nosso corpo vem ao de cima. Como no mar… Quando te pões a boiar, não é porque alguém te esteja a empurrar, pois não? Nunca tinha pensado nisso. Então o meu avô explicou-me que isso era a «impulsão» que os corpos sofriam na água, que o Arquimedes tinha sido o primeiro a descobri-la e que eu ia estudar essas coisas mais tarde na escola. - Por agora ficas a saber que «eureka» foi o que Arquimedes gritou quando percebeu a descoberta que tinha feito.


A minha mãe nunca me deixa tomar banho de imersão, porque diz que se gasta muita água. Se a mãe de Arquimedes fizesse o mesmo, ainda hoje ninguém sabia o que era a «impulsão»… Vou falar nisso a minha mãe. Pode ser que ela se comova.

Expressões com História, de Alice Vieira

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