MAIOCLARO Revista de Artes Visuais / Fotografia da Escola Superior Artística do Porto --------------------------------------------~ Design S3BAST ~ Art, Design & Typo --------------------------------------------------~ Coordenação Ângela M. Ferreira -------------------------------------------------~ Informação organizacao@maioclaro.com -------------------------------------Rogamos a difusão desta revista, total ou parcialmente, citando a sua proveniência. O conteúdo pode ser copiado ou reproduzido por qualquer meio eléctrico, químico, mecânico, óptico, de gravação, por fotocópia ou qualquer outro ainda por inventar. O MAIOCLARO não está necessariamente de acordo com a opinião dos seus colaboradores, mas agradece de todo o coração o interesse mostrado neste projecto. -------------------------------------© das fotografias, dos textos e das traduções: os autores --------------------------------------------------~ Colaboração Francisco Jesus Rui Lourosa Roberto Merino António Alves Ângela M. Ferreira Inês D'Orey José Marafona Júlio de Matos Nelson D'Aires Paulo Duarte Paulo Pimenta Virgílio Ferreira Fernando Alvim Martin Parr Manuel Sendón Miguel Carvalho Fernando Veludo António Teixeira M.F. Costa e Silva Ivo Guimarães Paulo Fernandes Sílvia Pinto Rui Prata Alfredo Cunha Fernando Veludo José Miguel Gaspar Carlos Melo Ferreira Assunção Pestana Francisco Vidinha Maria do Carmo Serén César Taíbo Rui-riu-brabo João Pedro Peter Paxx António Pedro Ribeiro Raskatarsis Mana Calórica
INICIATIVA
APOIOS
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Escola Superior Artística do Porto Largo S.Domingos nº 80 4050-545 Porto // ESAP email avf@esap.pt www.esap.pt | www.maioclaro.com | issn 1647-1563
------------------------------I Semana da Fotografia da ESAP MAIOCLARO.COM 24 a 31 de Maio de 2008 ------------------------------Nasceu o MAIO CLARO! Nascido sob o signo da claridade de um Maio que rasga o pensamento, surge a I semana de Fotografia da ESAP. Se no início era realmente o verbo, então confirma-se agora - com ele vinha a imagem, attachmment imprescindível. Verbo e imagem ensinaramnos que a criatividade não se condiciona: liberta-se e aplica-se. Ensinaram-nos que a emoção não se limita: expandese e contagia. Ensinaram-nos que a reflexão não se receia: confronta-se e estimula-se. Durante o passado mês de Maio, vimos nascer o MAIOCLARO, refúgio dinâmico do pensar fotográfico, erguido para a unificação simbólica de um sentir em que as artes eternamente se confrontam. O projecto MAIOCLARO – I Semana de Fotografia da ESAP é uma iniciativa da ESAP / Direcção do Curso de Artes Visuais-Fotografia, organizado pelos Finalistas do Curso de Fotografia, que decorreu durante a última semana de Maio. Apresentou-se como uma reflexão em torno da Fotografia, da forma como ela se revela particular no seu meio através do seu discurso próprio e como se relaciona e estabelece com as diferentes áreas da criação artística. Apresentando-se a Área das Artes Visuais, como um vasto campo de cruzamento de saberes e competências diversas, pretendeu-se compreender e analisar o campo de acção da Fotografia e destacar a interacção relacional das várias disciplinas no modo de fazer e pensar a prática fotográfica.
Acontecendo nas instalações da ESAP e em vários espaços culturais do Porto, a Semana da Fotografia MAIOCLARO chegou com a proposta de aprofundar a realidade da fotografia contemporânea estabelecida dentro do universo das múltiplas Artes, contando com a presença de novos valores que são e serão criadores dessas novas linguagens de aplicação à Fotografia. As imagens dos finalistas nascidas no MAIOCLARO ciframse em projectos livres, de acordo com as mais variadas vontades. Deverá ser entendido que os seus trabalhos são apenas uma amostra e não podem, em bom rigor, representar a multiplicidade de preocupações perseguidas pelos jovens fotógrafos que escolherem estudar na Escola Superior Artística do Porto. Algo que os trabalhos aqui exibidos partilham é porventura um certo modo de experenciar a força persuasiva da Fotografia, tão ambivalente e multifacetada. Só assim, os vários projectos se detém na lisura do momento, contam uma história exacta, sobre a sensibilidade. Projectos livres, como devem ser. Cumprido quase um ano de trabalhos piloto, chegámos por fim à mostra do Projecto. Depois da inevitável experiência de campo - os próximos finalistas do Curso de Artes Visuais Fotografia, assumem a decisiva prova do valor global do conceito avançado pelo MAIOCLARO. Novos indicativos e a estreia de um novo conceito tornam o MAIO CLARO um planeta habitado por uma linguagem estética que brinda às ideias novas. O MAIOCLARO ganha terreno na ousadia e na garra dos marinheiros, aqueles que erguem o olhar para ver além do imediato. Agora sim, o MAIOCLARO é que é. ÂNGELA M. FERREIRA
------------------------------O Director Académico António Martins Teixeira ------------------------------A 1ª edição da Semana da Fotografia da ESAP, organizada pelo curso de Artes Visuais – Fotografia, em Maio de 2008, facilitou claramente o encontro de múltiplos e variados propósitos, a saber: 1º consolidar experiências, partilhando conhecimentos; 2º conquistar públicos, internos e externos, favorecendo a visibilidade; 3º construir perspectivas futuras de projecção; 4º balancear expectativas de exibição e espaço para o debate; 5º definir um formato. Esta publicação regista então e salvaguarda também, as imagens, os textos, os pensamentos e a participação, num conjunto rico e coerente, que, de outro modo, facilmente se perderiam. A Direcção Académica aproveita assim para louvar estas duas iniciativas, a organização do MAIOCLARO e esta publicação, reconhecendo igualmente que não teriam sido possíveis sem a colaboração de muitos: direcção do curso, professores, alunos e funcionários; os quais felicita no sentido de estimular as próximas organizações, desejando igualmente um futuro profícuo e bem sucedido. ---------------------------------
-----------------------------------PROJECTO XXL EXPOSIÇÃO DOS FINALISTAS DE FOTOGRAFIA | ESAP 07/08 -----------------------------------ANA PINHEIRO TORRES Sr. Cinzento ANDRÉ OLIVEIRA Tempo bem Futuro CARLOS BARROS Cinco Monstros da História da Arte ISABEL SARAIVA Psique JULIANA SEABRA Androginia parte I MÓNICA VALENTE Corpo na Natureza PAULO DOUTEL Encanto RENATA BARGE Mulher RICARDO MIRANDA (Mais)Um Duplo RICARDO MOUTINHO Lobo Mau
------------------------------TEMPO BEM FUTURO ------------------------------A fotografia é na generalidade conotada com o passado a partir da fracção de segundo após o disparo. Pode no entanto o seu conteúdo contribuir, por pouco que seja, para acrescentar algo útil para o futuro. Tempo bem futuro, será tempo “bem passado” no futuro para isso a Paz, num sentido abrangente, é uma das palavras que devemos agregar a cada uma destas imagens, para reflectirmos de forma mais profunda sobre o nosso futuro e o do próximo. Pensando bem, teremos a mesma consciência do “tempo” se no futuro adoptarmos outros valores e princípios?
RITA PINTO Anti-Reflexo RUI CORREIA Libertação da Alma SÓNIA MAGALHÃES O Lugar do Morto VICTOR BOURA XAVIER A minha Turma -----------------------------------Quando falamos de tendências, falamos de mudanças, de mudanças de estilo de aqui e dali, e dali e daqui novamente. As tendências são periféricas, e por tal podemo-nos perder se a nossa preocupação por elas é cega. Há outra coisa que é central nas mudanças e se tivermos que dar nome a esta centralidade, e creio que devemos. O nome é “espírito”. Minor White in Equivalência: tendência perpétua, 1963. -----------------------------------Em mostra estão presentes exercícios académicos de estudo da escala na impressão em preto e branco tradicional ou químico. Não aspiram a um corpus de trabalho coerente nem a um sentido de exposição colectiva. São estudos. Há no entanto em cada um destes trabalhos um reflectir duma vontade de expressão de cada aluno, havendo linhas de pensamento características de cada um deles e identificáveis por quem conhece algo do seu trabalho. Formas de ver o medium e maneiras de o trabalhar, espelhando dúvidas, caminhos e a lgumas certezas. Pontos-chave dum percurso para a vivência do fotográfico como fazedores de imagens. Isto transforma esta mostra numa óbvia dispersão de forma e conteúdo que poderá trazer ao espectador uma viagem por vários modos de fazer e pensar. Rui Lourosa
------------------------------PSIQUE ------------------------------Todas as pessoas têm alguns sintomas neuróticos, frequentemente manifestados nos mecanismos de defesa do ego, que as ajudam a lidar com a ansiedade. Mecanismos de defesa, que resultam em dificuldades para viver, são chamados “neuroses” e são tratados pela psicanálise, psicoterapia/aconselhamento, ou outras técnicas psiquiátricas. Simbolizando a nossa vida como uma corda, podemos representar essas vivências como “nós”, que se distinguem entre si consoante o seu grau de descodificação, ou seja, mediante a sua maior ou menor percepção para o ser humano. Um determinado “nó” pode originar um maior autoconhecimento do que outro. A fotografia simboliza a tentativa de desatar esses “nós”. É um começo e como tal apenas mostra um “nó” deslaçado, uma vez que os efeitos da psicoterapia estão no início. Em suma, esta fotografia projecta o início do itenerário que a pessoa terá que percorrer.
• Séries de 5 imagens impressas em papel de fibra e sais de prata
------------------------------5 MONSTROS DA HISTÓRIA DA ARTE ------------------------------Monstro, definem os dicionários: “pessoa cruel e desnaturada; assombro; ser disforme; horrendo…”. Num passado remoto, perto da época clássica Ésquilo num dos seus poemas anunciava: “A terra gera muitos flagelos de tremendos terrores: monstros imanes, inimigos dos mortais, enchem os seios do mar profundo. No alto, entre o céu e a terra, chamas sulcam o ar e todas as criaturas que voam ou que rastejam podem contar o ventoso furor das tempestades.” Todavia, na época medieval os monstros que se construíam nos capitéis das igrejas eram encarados como monstros atraentes, tal como nós achamos exóticos os animais do jardim zoológico. Prova disso é a ênfase com que um rigorista como São Bernardo na Apologia a Guilherme condena e aprecia as esculturas dos capitéis (…) – “O que faz nos claustros (…) aquela ridícula monstruosidade, aquela espécie de estranha formosura e disformidade formosa? O que estão a fazer os imundos macacos? Ou os ferozes leões? Ou os monstros centauros? Ou os semi-homens?... Podem-se ver muitos corpos debaixo de uma única cabeça e, vice-versa (…). Em suma, aparece por toda a parte uma tão grande e tão estranha variedade de formas heterogéneas, que se experimenta mais o gosto em ler as mármores do que os códices e em ocupar o dia inteiro a admirar estas imagens, uma a uma, do que meditar a lei de Deus” Estes relatos mostram como o interesse pelo horrendo, pelos monstros, criaturas desfiguradas sempre perfilaram no consciente ou memória humana, mais do que outros valores.
------------------------------ANDROGINIA PARTE I ------------------------------Enquanto autora deste projecto quis suscitar sentimentos de dúvida, incerteza, e uma certa tensão aos espectadores durante a leitura das imagens, como algo que é oferecido, mas de modo indirecto, como algo que provoca algum distúrbio, confusão, até mesmo uma certa perturbação. Este tema em que temos um personagem andrógino, para mim é a metáfora da incerteza, algo que não é revelado, algo que está escondido, a eterna dúvida de Ser ou não Ser, a metáfora da indecisão de dois sexos diferentes, de duas qualidades diferentes, de duas naturezas diferentes, isto é, o intermediário de duas polaridades opostas: o Homem e a Mulher.
------------------------------LIBERTAÇÃO DA ALMA ------------------------------Sinto que a minha alma pede descanso… Um esforço de evasão do corpo ao qual tem dedicado a sua existência. Este meu âmago pede descanso… A parte mais profunda do “ser” tem uma forma estranha de libertação e repouso. Para que tal aconteça é necessário um afastamento do pólo ao qual se tem dedicado exaustivamente. ------------------------------“A alma é aquilo que o corpo recusa.” - Auguste Chartier ------------------------------Este trabalho, parte do pensamento de que em momentos a nossa alma parte para um descanso temporário, instantes em que deixa o “ser” humano e os seus “compromissos” diários, e se afasta do coração, do íntimo, do corpo e parte para um estado de hibernação, deixando a sua “casa”, vazia de significado mas ao mesmo tempo em estado de carregamento de energia. Nas fotografias apresentadas tento recriar e captar este momento de abandono da alma, a parte incorpórea e imaterial do ser humano. É de uma forma pessoal que me ligo a este trabalho, a minha necessidade de constante libertação do comum e diário, levou-me à procura da forma íntegra de gerir esse sentimento. Os resultados foram várias séries de trabalhos relacionados com o tema, que se cruzam no caminho do irreal e da análise pessoal. A libertação da alma, não está ligada à morte, nem à sua separação do corpo de forma permanente, mas sim à perda provisória de índole, aquilo que nos caracteriza como pessoas e nos alimenta dia após dia.
------------------------------O LUGAR DO MORTO ------------------------------O projecto “O Lugar do Morto” baseia-se na associação da fotografia com a morte desenvolvida por Roland Barthes em “A Câmara Clara”. Barthes, não considera a fotografia como prova de uma existência, de um acontecimento, mas sim como prova da ausência, daquilo que deixou de existir: da morte. ------------------------------"Se quer realmente falar da fotografia a um nível sério é preciso pô-la em relação com a morte. É verdade que a fotografia é uma testemunha, mas é uma testemunha do que já não existe. Mesmo que o sujeito continue vivo, o que foi fotografado foi um momento do sujeito e esse momento já não existe. (...) Cada acto de leitura de uma fotografia, e há milhares todos os dias, cada acto de captura e leitura de uma fotografia é implicitamente, de uma forma recalcada, um contacto com o que já não existe, ou seja, com a morte." Roland Barthes - O Grão da Voz. Lisboa: Edições 70, 1982, página 346 ------------------------------No século XIX, a fotografia presumia-se verosímil e objectiva, sendo rapidamente considerada como prova factual de qualquer coisa. No entanto, surge a ideia do artista como criador, uma vez que este não se limita à representação literal da realidade, ele é um inovador. Esta “estética do novo” acaba por pôr em causa a noção de imagem fotográfica, uma vez que esta não acrescenta nada de novo à realidade, separando-se a noção de artista e de fotógrafo.
------------------------------CORPO NA NATUREZA ------------------------------Neste projecto do Corpo na Natureza pretendi, através das minhas imagens, criar e transmitir uma harmonia entre o Corpo Humano e a Natureza. Harmonia esta que era representada pelos antigos através de deuses, ninfas e faunos protectores da Natureza, e que nos tempos actuais se procura tanto de forma espiritual como de forma ecológica. Não pretendi invocar um lado erótico às minhas imagens. Fotografando partes do Corpo Humano inseridos na natureza quis apenas que ele se misturasse na Natureza quase como se fizesse parte desta, de uma forma teatral, contudo sem que o Corpo Humano perdesse a sua identidade.
------------------------------MULHER ------------------------------"Nascer mulher é vir ao mundo dentro de um espaço definido e confinado, à guarda do homem. A aparência social das mulheres evoluiu como resultado do seu talento para viver, sob essa tutela em espaço tão limitado, mas isto só foi possível dividindo em dois o ser individual da mulher. Uma mulher tem de tomar conta de si própria permanentemente. Está quase sempre acompanhada pela imagem que tem de si. Quando atravessa uma sala ou chora a morte de alguém, dificilmente pode evitar ver-se a si própria atravessando ou chorando. Desde a mais tenra infância, foi educada e persuadida a “ver o que faz”. A relação desigual está de tal forma inserida na nossa cultura que ainda é estruturante da consciência de muitas mulheres. Fazem a si próprias o que os homens lhes fazem. Tal como os homens, vigiam a sua própria feminilidade." John Berger, Modos de Ver -------------------------------
------------------------------LOBO MAU ------------------------------Este trabalho tenta recriar uma das histórias mais significativas do nosso imaginário infantil, uma história que ao longo dos tempos diversificou o seu conteúdo infantil e passou mesmo em muitos casos a história para adultos. Fonte inesgotável de questionamentos literários, o conto Capuchinho Vermelho, vai da psicanálise da paródia e da paráfrase, ao mundo das histórias aos quadradinhos.
------------------------------ENCANTO ------------------------------A imagem é constituída por um fundo negro onde se apresenta um televisor, este por sua vez ostenta a representação de uma cena erótica a preto e branco num fundo repleto de ruído televisivo. O televisor é um ecrã, uma superfície na qual se projectam, reproduzem ou formam imagens, uma selecção de raios luminosos que formam no seu conjunto uma imagem, mas é também uma janela que se constitui como uma porta com que se fecha ou tapa à abertura informativa, um filtro que por vezes deixa transparecer a lucidez em momentos de escuridão/confusão. As cenas eróticas encontramse envolvidas num fundo de ruído televisivo, próprio da “dessintonização”, um elemento que simboliza o descarrilamento do pensamento incutido e a percepção do controlo exercido por uma elite. Uma sequência que se dirige para um clímax que não chega a acontecer, do mesmo modo que na publicidade, que ao transmitir uma promessa pretende manter o interessado sempre nesse estado, assim existe um desenvolvimento gradual e ascendente mas inacabado, ou seja, uma decisão/conclusão que é sempre adiada. As imagens pretendem despertar o observador para a questão do controle regulado por uma minoria/elite através da ignorância ou falta de percepção dos observadores, levar o espectador ao despertar de uma consciência reflectiva constitui o objectivo da obra, isto é, realizar uma revisão do que lhe é apresentado e reflectir sobre o que lhe é incutido.
------------------------------ANTI-REFLEXO ------------------------------O espelho é um objecto estranho. Por reflectir a realidade, e sobre ela, mas não ser a própria realidade, abre infinitas possibilidades de distorção. Não para distorcer a realidade, mas para construir outras representações dela. Os espelhos têm ainda outra característica, que não escapa a todos que se debruçam sobre eles: a profundidade. Se nos aproximarmos, parece que podemos cair para o outro lado. Diante da água que reflecte a imagem, Narciso sente que sua beleza continua, que ela não está concluída, que é preciso conclui-la”.É, pois, diante da fonte especular que Narciso tem a revelação de sua identidade e de sua dualidade, fazendo das águas, este espelho aberto às profundidades do eu. ------------------------------Às vezes o espelho aumenta o valor das coisas, às vezes anula. Nem tudo o que parece valer acima do espelho resiste a si próprio refletido no espelho. Não podemos conhecer nada de exterior a nós próprios que nos supere (...) o universo é o espelho em que podemos contemplar apenas o que aprendemos a conhecer em nós. ------------------------------Italo Calvino Cidades Invisíveis ------------------------------Nesta perspectiva, surge a concepção do meu projecto fotográfico. No jogo de fronteiras, de sensações, fragmentações e sobreposições. Constituído por cinco imagens, figura a procura de uma possível identidade ou reconhecimento.
------------------------------A MINHA TURMA ------------------------------Estamos preparados para acolher a diferença? Temos de ser capazes de conversar com a sua alma e o seu corpo, suspendendo preconceitos e estando aberto ao outro ser humano, mesmo que não tenha qualquer diferença visível ou até manifestando alguma necessidade especial. A forma de relacionamento e diálogo é um grande desafio. Mas será que o nosso sistema educacional está preparado para acolher a diferença? Será que pôr os alunos com necessidades especiais numa sala especial é inclusão? Tem de haver um equilíbrio, permitindo que o aluno com necessidades especiais possa interagir com os colegas e vice-versa, para que ambos aprendam a lidar com a diferença. É necessário mudar a atitude perante a diferença, aceitando-a, mesmo que não seja visível. Este trabalho fotográfico foi realizado em duas escolas, onde a inclusão é uma realidade. Estas imagens confirmam o óbvio. A fotografia não sabe dizer o que dá a ver. Temos de conseguir ver o que ficou para lá do enquadramento.
------------------------------(MAIS) UM DUPLO ------------------------------Entendo que faz parte da vida a produção de duplos que reforçam a identidade e o conhecimento, sendo o espelho um instrumento de capacidade ilimitada nesta busca, permitindo uma viagem ou um retorno á identidade, como se o permanente voltar a mim constituísse a única certeza acessível num mundo a entrar numa diversidade pouco controlável. Na busca por uma imagem de um duplo, por uma representação exterior do eu, constato que a vida destes reflexos/representações e também reflexo/representação da vida na necessidade de encontrar um tempo estável na própria superfície do tempo que nega esse esforço de vontade. A imagem quase adequada do tempo e do movimento de manifestação do ser encontra-se na imagem/ reflexo e representação do duplo produzida no espelho! O duplo está originalmente ligado á ideia de alma, enquanto que esta é vista como essência descarnada, imaterial, que assegura a continuidade do eu para além do corpo, fazendo assim a ponte referida pelo poeta. “eu não sou eu nem sou o outro, sou qualquer coisa de intermédio, pilar da ponte de tédio que vai de mim para o outro.” - Mário de Sá Carneiro A imagem apresentada (mais)“um duplo” faz parte de um trabalho que procura uma imagem que deixa de ser um documento de registo do eu, passando a ser uma visualização das estruturas instintivas e comportamentais do inconsciente, a comando da realização do eu consciente, criando um estado da procura do próprio eu, questionando e libertando o duplo, inconsciente.
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------SR. CINZENTO ------------------------------“Há um grande segredo, que apesar de tudo é diário. Todas as pessoas participam dele, todos os conhecem, mas só poucos reflectem sobre ele. A maior parte limita-se a aceita-lo sem o questionar. Esse segredo é o tempo. (…) E isto sabiam-no melhor que ninguém os senhores cinzentos. (…) E claro que viviam dele como uma sanguessuga vive do sangue, agindo em consonância com ele. Tinham os seus planos para as pessoas. (…) O mais importante era que ninguém desse pela sua actividade. (…) Ninguém parecia notar que enquanto se poupava tempo, se poupava na realidade algo muito diferente. Ninguém queria acreditar que a vida se tornava dia a dia mais uniforme, fria e pobre. (…) E quanto mais as pessoas o poupavam menos tempo tinham.” Michael ENDE, MOMO
-----------------------------------------EXPOSIÇÃO DOS FINALISTAS DE ARTES VISUAIS - FOTOGRAFIA ESAP 07/08 -----------------------------------------ADRIANA SANTOS Auto-Retrato ADRIANO RAMOS Auto-Retrato ANA VIANA Auto-Retrato DIANA ABREU Auto-Retrato MIGUEL PUGA Auto-Retrato RENATO Auto-Retrato ---------------------A Narciso, Caravaggio 1594-1596 A fotografia como espelho do eu “A partir de ce moment, la société immonde se rua, comme un seul Narcisse, pour contempler sa triviale image sur le métal. Une folie, un fanatisme extraordinaire s’empara de tous ces nouveaux adorateurs du soleil.” CHARLES BAUDELAIRE ---------------------------------------------------------------Pelo menos desde o século XV que os artistas se representam a si próprios nas suas obras. Qualquer que seja a razão que está por trás da auto-representação, quase todos os artistas ensaiaram esta forma de exploração do eu. O advento da fotografia veio tornar mais fácil esta difícil tarefa tão só possível, para o retrato fidedigno, através do uso de espelhos. Baudelaire, crítico acérrimo da folia sentida no século XIX com a invenção do daguerreótipo, não tardou em comparar esta adoração pela contemplação da imagem de si com o mito de narciso. Desde as suas origens que sobre a fotografia se estabeleceram relações com o espelho, com a capacidade de dar do mundo uma imagem semelhante. E se o retrato, quiçá o género fotográfico mais amplamente desenvolvido, é quase sempre um espelho, o autoretrato é, desde o primeiro olhar humano para o seu reflexo na água, um espelho do eu, mas também um olhar para lá da imagem no espelho. O auto-retrato não surgiu logo como um género autónomo do retrato, tendo começado por se introduzir como assinatura em obras maiores, nas quais um pormenor, uma pequena marca, revela a presença do artista. Considera-se dürer como tendo sido o primeiro artista a criar consistentemente auto-retratos, e rembrandt como o primeiro a estudar intensivamente o eu através da pintura. A representação do eu faz-se, ora procurando os traços característicos do rosto, e a verdadeira semelhança, ora procurando transmitir o eu que está por trás da aparência. O rosto do artista foi a imagem central da pintura, e foi também parte de uma grande composição na qual é representado simbólica ou metaforicamente. Mas qualquer que seja a forma que os artistas tenham escolhido para construir as suas imagens, e qualquer que tenha sido a razão pela qual o fizeram, eles viramse obrigados a explorar as suas personas, tanto física como emocionalmente. No âmbito da disciplina de retrato foi dada a oportunidade aos alunos de conhecer algumas das tipologias da auto-representação na pintura e a partir daí realizar um autoretrato fotográfico. O que é eu procuro quando olho o espelho? O que é que me é característico? Quem é que eu gostava de ser? Quem é que eu sou? O que é que eu quero dar de mim aos outros? Estas, entre outras questões subjacentes ao exercício do autoretrato, terão estado por trás da realização das imagens realizadas pelos finalistas do curso de Fotografia, ora a cópia da cópia do eu, entre o eu real e o eu simbólico, ora “um espaço vazio deixado pela ausência do corpo do autor”, como na fotografia de Miguel Puga. CATARINA MIRANDA -----------------
------------------------------ADRIANA SANTOS ------------------------------No âmbito da disciplina de projecto laboratorial II, foi-me proposto realizar um auto-retrato. Quando comecei a trabalhar neste projecto, o primeiro tema que me surgiu foi o duplo. Pela primeira vez este tema surgiu para mim, e senti uma enorme vontade de o trabalhar. Senti um desmedido desejo de me “sentir” ou uma vontade de queres ver a minha imagem perpetuada, ou então, deixar de me sentir dividida, com medo de começar um processo de autoconhecimentos. O duplo é, em primeiro lugar, a representação do semelhante, da cópia. E o século XIX, é o século da invenção da máquina prodigiosa de cópia, a máquina fotográfica. Mas, antes da fotografia, é o século do doppelgänger (segundo as lendas germânicas de onde provem, o monstro doppelgänger é um ser fantástico que tem o dom de representar uma cópia idêntica de uma pessoa que ele escolhe ou que passa a acompanhar. Ele imita em tudo a pessoa copiada, até mesmo sua características internas mais profundas. O nome doppelgänger surgiu da fusão das palavras alemãs doppel, significa duplo ou duplicata e gänger, andante, ambulante ou que vaga), da criatura dividida, dos gémeos siameses. O século XIX vive povoado de duplos. O duplo representa o destino do próprio, a sua forma de autoconhecimento e o seu medo. A figura do duplo surge, sob a forma de uma personagem dividida, mas também sob a forma de uma personagem que se vê perante a ameaça da divisão, ou, em última instância, é o agente de divisão em outros. A repetição deste fascínio vai soar por diversas formas e por diversos processos. Na literatura os exemplos são inúmeros, o conto Dostoievski O Duplo, que conta a história de Golyadkin, perseguido pelo seu semelhante, também ele, Golyadkin, que lhe rouba a vida e a existência, até ele já não ser ele-mesmo. Ou o conhecido conto de Edgar Allan Poe William Wilson, neste conto a personagem que lhe dá título é perseguida por um duplo, que possui o mesmo nome e, ao longo das breves páginas do conto, se vai transformando numa cópia perfeita do primeiro, com uma única diferença, a sua voz é um sussurro.
O melhor momento da obra para descrever o momento do duplo e o medo que sente pela morte da sua imagem é, “Venceste e eu sucumbo. Mas, doravante também estás morto, morto para o mundo, para o céu e para a esperança! Em mim existias; e, agora, olha para a minha morte, vê nesta imagem, que é a tua, como te assassinaste a ti próprio”. O mecanismo que utilizei para construir esta duplicidade foi o espelho. O espelho é a máquina da duplicidade, é o primeiro sistema de reprodução artificial. Já os surrealistas se tinham apercebido muito bem desta serialidade da dualidade. A fotografia como o espelho é um lugar minimal. Rejeita o lirismo, a subjectividade e os interesses sociológicos exteriores, volta-se sobre si mesmo e sobre a sua própria análise. Procurei com este trabalho conhecer-me a mim, reflectir sobre mim, sobre os meus medos, temores. Conhecerme mais do que exteriormente, mas sim, interiormente. Conhecer-me a mim mas com medo de me dar a conhecer. Para desenvolver este trabalho fundei-me em contos e lendas que já tinha conhecimento como o caso da lenda de doppelgänger, o conto de Dostoievski, O Duplo e o conto de Edgar Allan Poe, William Wilson. Assim como, em alguns fotógrafos, como é o caso de: Claude Cahun, Jane Evelyn Atwood, Roger Ballen e Jorge Molder.
• Séries de 5 imagens impressas em papel de fibra e sais de prata
------------------------------ADRIANO RAMOS ------------------------------A ideia para a concepção deste projecto ocorreu-me numa ocasião em que após ter impresso um auto-retrato para a disciplina de Laboratório, achei que poderia funcionar como ponto de partida para uma imagem mais elaborada. Desta forma fiz-me representar, não através da minha presença física na imagem, mas através duma outra representação já existente como imagem fotográfica. Coloquei a imagem sobre uma cadeira de palha numa posição frontal em relação à objectiva da máquina; atrás da cadeira coloquei uma fonte de luz de forma a criar um certo recorte à volta da cadeira, e também de uma leve transparência na fotografia. Desta forma criei uma realidade fictícia em que me faço representar através duma fotografia da minha face, com um olhar estático, directo e profundo criando uma relação de intimidade com quem o observa. A frontalidade e a simetria dos objectos dispostos na imagem reforçam uma tensão existente entre a dimensão da fotografia e a dimensão real. A imagem parece que nos suga para ela, que nos faz olhar olhos nos olhos do retratado, e ao mesmo tempo nos faz sentir observados. A minha intenção é gerar a oportunidade ao observador de me olhar olhos nos olhos, de me analisar, identificar, de apreender o meu eu mais autêntico; de me olhar da mesma forma que eu olho para mim. Descrição técnica: Esta imagem foi fotografada em suporte digital e posteriormente impressa em papel semi-mate com as proporções de 31x24 cm. A imagem foi depois colada num suporte de cartão preto.
------------------------------ANA VIANA ------------------------------A temática abordada neste trabalho será o autoretrato como fantasia. Este tema foi desenvolvido por vários artistas, tais como: Rembrandt, Van Gogh, e Gustave Courbet, este último destacouse pela grande quantidade de auto-retratos fantasia, embelezando os mesmos. Estes artistas destacaram-se não só por pintarem a sua própria semelhança mas foram mais longe para encenar uma cena, adicionaram artefactos ou pessoas para simbolizar o seu estatuto social ou estado mental. Desta forma, o rosto do artista não era mais a imagem central, mas parte duma envolvência que nos diz algo sobre o autor. Exemplo disso é o Auto-retrato de Courbet “Interior of My Studio, A Real Allegory Summing Up Seven Years Of My as an Artist, de 18541855, apresentado a baixo. Para a realização do meu trabalho baseei-me não só nas encenações de Courbet, mas essencialmente nas cores vibrantes de Frida Kahlo, e na sua historia de vida, uma mulher que pinta os seus auto-retratos numa tentativa da projecção do seu eu e, como me identifico com ela, tentei no meu projecto, desenvolver um projecto fotográfico que englobasse, não tanto o sofrimento por que passei durante a minha vida tal como ela o faz nas suas pinturas, pintando-se e retratando-se muitas vezes com marcas do seu sofrimento e das varias cirurgias e complicações por que passou na vida. O que eu pretendia destacar no meu trabalho era sim a minha ligação com as minha raízes e com a minha terra natal, e acabando também por fazer uma homenagem a minha mãe que tanto me ajudou uma altura difícil da minha vida. Servime do traje típico do rancho da minha terra com umas cores vibrantes a maneira de kahlo. Utilizei este traje também para fantasiar e sustentar o meu trabalho, pois há em todos as fotografias, estão carregadas de uma fantasia criada por mim, no cenário de minha casa, onde sempre vivi, onde recuperei, e onde sempre tive o apoio que sempre precisei. E há também uma história fantasiada naquelas vestimentas, segundo o que investiguei, diz-se que as mulheres que frequentavam o rancho de Aver-o-Mar e que tinham os maridos no mar (dedicavam-se a pesca), utilizavam as cores mais garridas e vibrantes, e utilizavam a dança como forma de fugir a sua angustia e a falta dos maridos, tendo o seu momento de desprendimento da lida da casa e do campo que era muito pesada, acabando também por terem um momento de destaque, e de mostrarem felizes e belas, diz-se também que estas eram muitas vezes, descriminadas e acusadas de não respeitarem os maridos.
------------------------------MIGUEL PUGA ------------------------------Entendo por auto-retrato metafórico, uma espécie de substituição por referência aquilo a que pertence. Mas não uma substituição qualquer, ela terá que respeitar o seu referente, só a ele o servirá. É qualquer coisa que tem o poder de conseguir significar aquilo que não está lá explicitamente, mas por associação mental que deverá ser inequívoca e se possível imediata, consoante a complexidade do tipo de discurso metafórico pretendido. No caso concreto do trabalho apresentado, não se trata de uma substituição no sentido absoluto da palavra. Na verdade, não se substituiu mas sim retirou-se, tal como um processo de escultura. Fica então um espaço vazio deixado pela ausência do corpo do autor, entendido também como uma metáfora à condição de recém-artista, se assim se pode qualificar aquele que termina o seu processo académico e que vê com alguma expectativa a aceitação das suas ideias. Desprovido ainda de absoluta segurança sobre os seus intentos artísticos, particularmente neste tema, na forma de se auto-retratar, parece assistir-se nesta projecção pessoal a uma salvaguarda da essência humana, a uma defesa pessoal do autor, em não se dar a conhecer integralmente e explicitamente. Com este trabalho pretendese reanimar ou pelo menos reforçar, a velha relação entre objectividade e ambiguidade que acompanha a fotografia há já muito tempo, sendo amplamente explorada e problematizada no pós-modernismo, quando os artistas plásticos optam pela hibridação dos vários campos da arte. Essa relação é aqui traduzida numa outra, na da presença e ausência do retratado.
----------------------------------------------------------------
Seguramente que com esta fotografia ocorre a ideia de representação humana, pode-se até descrever um estilo e uma classe social, mas não passa disso, não nos é permitido concluir qualquer juízo sobre a real identidade da pessoa que pela fotografia se faz representar, ela não nos diz se é de pele clara ou escura, se é bonita ou feia, se está alegre ou angustiada. Apenas faz uso do seu vestuário, como um código e uma forma de expressão, para se revelar, para que possa salvaguardar a sua real imagem e não democratiza-la gratuitamente nesse mundo em que tudo é partilhado, tal como a imagem do nosso corpo e com ela parte da nossa identidade. Se antes, nos primórdios da fotografia o retrato era um luxo só para alguns, agora com a vulgaridade dos actos fotográficos, muitas pessoas adoptam atitudes de recusa perante a câmara, como se de alguma forma não autorizassem a levar um bocado de si. É em parte esta postura do autor que está por detrás do seu trabalho, uma crítica exagerada à forma como por vezes não admitimos ser fotografados por não nos revermos em imagens, ou por simplesmente desconfiarmos sobre a finalidade delas.
O corpo é uma espécie de porto seguro, uma casa onde sabemos tudo aquilo que lá acontece, ou mais ainda, um cofre que constitui realmente a nossa única propriedade privada. É no seu interior que estão guardados as coisas mais valiosas do indivíduo, a memória, os princípios e valores, as qualidades psicológicas, intelectuais e emocionais. Antes que a fotografia “roube a alma” do fotografado, este já se acautelou e protege-a atrás da máquina de grande formato na altura do disparo. A alma fica com o autor, só a materialidade é partilhada. A imobilidade desta peça confere à fotografia uma espécie de escultura suspensa sem peso e sem conteúdo. É também um retrato que pode definir uma época através dos seus adereços aqui personificados, mas o que mais importa é a descrição subjectiva, aquela em que a personagem é descrita de acordo com a sensibilidade do observador, isto é, da maneira como este a vê e sente. Um auto-retrato que ambiciona despertar interesse não apenas estético, como também psicológico e sociológico. Mais do que apenas uma simulação humana, este trabalho prende-se com a ausência da essência, dos valores e tudo mais que verdadeiramente caracteriza a maneira de ser do indivíduo. Pretende-se assim colocar em confronto a relação entre materialidade e espiritualidade, o ter em detrimento do ser, e toda essa inversão de valores. O corpo dotado com a sua ímpar personalidade tem por vezes necessidade de se ausentar para reflectir sobre a sua importância pessoal e qual o seu lugar na sociedade enquanto membro útil à mesma. Questionase o significado que cada um tem para os demais, na sua condição mais crua, mais despida de materialismos.
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------DIANA ABREU ------------------------------Neste auto retrato a caracterização não se confunde com a mera identificação de uma dada personagem na história a ser narrada, embora possa contribuir para tal. A caracterização age sobretudo para determinar o perfil físico ou psicológico das personagens enquanto partes vivas de uma história. Com a caracterização parcialmente parecida ao que seria um mimo, vestuário preto e branco, riscas, cara pintada de branco, boina, olhos escuros demarcados com risco preto, realizei o auto-retrato. No Auto-retrato Narrativo, o “Eu” actua como personagem e tem pouco de semelhante com a sua aparência fisica real. É um tipo de retrato que de certa forma narra um acontecimento. A caracterização da personagem pode advir de duas fontes: do próprio criador da personagem ou do observador, que correspondem a duas diferentes perspectivas não necessariamente exclusivas. À primeira chamamos de caracterização autoral e à segunda de caracterização crítica. Chamase autocaracterização ao processo de descrição realizado pela própria personagem, que se apresenta especularmente segundo o seu ponto de vista único, como num discurso autobiográfico fantasioso/ irreal.
---------------------------------------------------------------RENATO SILVA ----------------------------------------------------------------
MARTIN PARR
------------------------------Centro de Língua Portuguesa / Instituto Camões - Praga Joaquim Coelho Ramos ------------------------------A fotografia surge, normalmente, associada a uma ideia de imagem parada, por oposição ao cinema; na verdade, ela representa um momento - um “presente no passado” - e permanece só, numa vivência egoísta, sem se importar com ocorrências anteriores ou com o devir. Na exposição trazida pelos Finalistas do Curso de Fotografia da ESAP a Praga, os agora profissionais desta imagem estática apresentaram várias perspectivas sobre a realidade:
imagens “puras” e trabalhadas com recurso às tecnologias contemporâneas - que alteram a simples impressão deixada pela luz na película, aproximandoa da intenção do artista - vão alargando os horizontes da fotografia, estendendo as fronteiras até ao limite da imaginação do autor. Desta forma, acolhese a metafísica dos sentimentos e das emoções num campo outrora limitado ao objecto e, por extensão, ao objectivo.
A subjectividade de interpretação quase monopolizada pelo observador - aquele que vê a fotografia - emancipou-se, evoluindo para uma prerrogativa paralela do autor/fotógrafo. As imagens que os finalistas da ESAP trouxeram à República Checa - data vénia à escola e aos seus incentivadores, nomeadamente às professoras Ângela Ferreira (PT) e Eva Melo (CZ), numa cooperação com o Instituto Camões – Praga, mostram, no fim de contas, que fazer fotografia
é, em si, uma viagem; uma arte de todos e para todos, independentemente da sua origem ou estatuto face à imagem captada. Visto isto, alguém terá ainda coragem para lhe chamar imagem parada?!...
------------------------------O BANQUETE PERMANENTE António Pedro Ribeiro ------------------------------E é a Nietzsche e a Morrison que volto sempre. É o rugido do leão: “Eu quero!” que me empurra para a vida. “Queremos o mundo e exigimo-lo AGORA!” É este mundo que nós queremos, não o mundo do além das religiões. Queremos o céu na Terra, como dizia Henry Miller. Aqui e agora! Não podemos esperar pelo amanhã. É a pulsão vital que nos chama aqui e agora. Não vamos esperar mais mil anos, não vamos esperar pelo amanhã que canta. Queremos a revolução, aqui e agora! Que se foda o futuro! Não somos seguidores dos economistas nem do ministro das Finanças. Estamos fartos de promessas. Somos Artistas. Não podemos cair nas suas patranhas de profetas da morte.
“Estamos fartos de esperar, cansados de tantos rodeios”, cantou o Jim Morrison. Não seguimos ninguém mas também não queremos conduzir nem governar ninguém. Não precisamos de governos nem de Estados. Seguimos o caminho que conduz a nós mesmos, gostamos de vadiar, de andar sem direcção definida, de criar sem disciplina. Somos Poetas. Detestamos o rebanho, os que seguem um chefe, um Estado, uma lei, um mercado. Procuramos o super-homem, o menino, o bailarino, o deus que dança. Nada temos a ver com o quotidiano mesquinho e castrador do deus-dinheiro.
Somos poetas, criadores, “caminheiros dos céus”. Celebramos a vida, queremos fazer da vida um banquete permanente. Celebramos a mulher, a sensualidade, a volúpia, desconfiamos dos castradores, dos moralistas. Não somos moderados como os filósofos de Platão, não fomos feitos para governar nem para dirigir. Com William Blake, acreditamos que “a estrada do excesso conduz ao palácio da sabedoria”. Pregamos o amor mas também a raiva. Subimos ao palco como subimos à montanha. Comunicamos com os deuses e com os espíritos, somos xamãs, mas é este mundo que nós queremos. ------------------------------ilustração João PedrO
------------------------------Fotografia de Agência, às vezes ESAP, Porto, 28 de Maio de 2008 paulo duarte ------------------------------In the 21st century, that news is transmitted in more ways than ever before – in print, on the air and on the Web, with words, images, graphics, sounds and video. But always and in all media, we insist on the highest standards of integrity and ethical behavior when we gather and deliver the news. That means we abhor inaccuracies, carelessness, bias or distortions. It means we will not knowingly introduce false information into material intended for publication or broadcast; nor will we alter photo or image content. in, “The Associated Press Statement of News Values and Principles”,1
Stringer: correspondente, colaborador, alguém que regularmente contribui com fotografias ou reportagens mas é pago individualmente por cada peça, um tipo de jornalismo freelance. Não recebe um salário regular, mas mantém uma relação com uma ou mais organizações noticiosas, fornecendo-lhe conteúdos sobre determinados assuntos ou em locais específicos.2
------------------------------Moda: não somos um país com muitos estilistas de renome internacional ou de grandes semanas de moda mas são as imagens do social, de moda e divertimento que actualmente se publicam mais. Aqui, a questão dos valores éticos, da moral e do pudor é importante pois são fotos distribuídas em todo o mundo, em países com costumes e valores muito diferentes.
------------------------------Assim, numa agência um pouco mais conservadora que a concorrência francesa AFP (Agence France Press) ou inglesa REUTERS, a questão da nudez é importante, não pode ser gratuita. Por vezes, as fotos podem ser distribuídas com máscaras nalguma partes do corpo ou com avisos de nudez explícita para alertar os editores [8B]. 116/2/2006, http://www.ap.org/ newsvalues/index.html 2in, http://en.wikipedia.org/ wiki/Stringer_(journalism)
Portugal: terra de notícias onde pouco acontece. The Asssociated Press, empresa americana, na Europa, fora de Lisboa, na periferia de quase tudo. Acidentes, cheias, incêndios: tragédias com números gordos,
fumos e nevoeiros. A queda da ponte de Entre-os-Rios arrastou um autocarro, várias carros, mas também um ministro e um primeiro ministro [1A]. Último trabalho em formato analógico, negativo cor, com riscos, fixador e marcas de secagem à pressa. A água e o fogo, os verões a arder, as semanas negras, as personagens de combate [2A e 2B]. Política: mesmo na periferia, a política é notícia. Cimeiras, visitas de Estado, eleições legislativas ou presidenciais, referendos sobre o aborto como coisa rara e polémica na Europa e no mundo, fotografias de estadistas mais vezes usadas como arquivo futuro que no próprio dia, figuras polémicas ou fortes. As Legislativas de 2005 [3B] e as Presidenciais de 2006, como quase sempre, são mais eleições de figuras e homens do que de ideias ou ideais.
Funerais: religiosos ou não, são sempre momentos de catarse. Nas notícias, o Santuário de Fátima, quase sempre, com Papa ou sem Papa, com peregrinações ou sem. No funeral da Irmã Lúcia [4B], toda a carga religiosa, as aparições e Fátima. No funeral de Álvaro Cunhal, funeral de Estado, líder comunista mas popular, ruas a rebentar pelas costuras, choram-se e cantam-se hinos operários. Futebol: o desporto em Portugal é futebol e é das poucas notícias nacionais que interessam aos jornais estrangeiros. O ideal seria apenas tentar capturar a essência da felicidade do vencedor ou os momentos solitários e o desespero dos vencidos, mas o dia-a-dia é feito não apenas de jogos e finais, mas de conferências e de treinos [5A e 5B]. De algo, à partida óbvio e aborrecido, tentar mostrar o não óbvio e divertido. Num jogo as acções e sempre que possível, os golos ou os não-golos [6B], nem sempre “grandes” fotos mas por vezes as únicas fotos a serem usadas. Num jogo, as festas e as decepções, a alegria ou o desespero. Tecnicamente, a utilização de máquinas fotográficas de controlo remoto [7B] permite mais ângulos de fotografar, em locais onde é impossível permanecer durante os eventos.
1A
1A Entre-Os-Rios, 5 Marรงo 2001 | 2A Arganil, 22 Julho 2005 | 2B Serra da Estrela, 22 Julho 2005 | 3B Braga, 11 Fevereiro 2005 | 4B Coimbra, 15 Fevereiro 2005 | 5A Marienfeld, 23 Junho 2006 | 5B Porto, 16 Outubro 2006 | 6B Porto, 5 Marรงo 2008 | 7B Frankfurt, 17 Junho | 8B Porto, 25 Marรงo 2006
3B
8B
4B
5A
2A
6B
5B
2B 7B
PAULO DUARTE / AP
--------------------------------------------• SÓNIA MAGALHÃES •
--------------------------------------------• RUI CORREIA •
--------------------------------------------• VÍTOR BOURA XAVIER •
--------------------------------------------• RENATA BARGE •
--------------------------------------------• ANDRÉ OLIVEIRA •
--------------------------------------------• ISABEL SARAIVA •
--------------------------------------------• CARLOS BARROS •
--------------------------------------------• JULIANA SEABRA •
--------------------------------------------• RITA PINTO •
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------PAGE MISSING - ERROR: undefined resource - OFFENDING COMMAND: find resource STACK: X_Standard HTD -1 1 ORG_MAIOCLARO
------------------------------Fotojornalismo em Portugal miguel carvalho ------------------------------Boa tempestade de ideias na Fundação da Juventude. A Semana da Fotografia da Escola Superior Artística do Porto (boa, Ângela!) foi pretexto para uma conversa sobre o fotojornalismo em Portugal. Juntaramse amigos e conhecidos: os fotojornalistas Paulo Duarte (freelancer, colaborador da AFP), Paulo Pimenta (do Público), Fernando Veludo (da agência de jornalismo NFactos) e eu, o “alien” da coisa. A audiência, em parte constituída por estudantes da ESAP, não deixou que pusessemos pé em ramo verde: questionou anseios, práticas, e quis respostas concretas. Gostei especialmente da intervenção do Veludo, fotojornalista de referência e da minha preferência. Algumas regras básicas para o exercício da profissão, segundo ele: disponibilidade total, não interferir na realidade, procurar outros pontos de vista, evitar o sensacionalismo, tentar estar próximo das pessoas e dos assuntos que lhes dizem respeito. Não considerar a ética dispensável em caso algum. Ah! E nunca esquecer a câmara. Levei a minha intervenção escrita (quem não sabe mais, organizase antes). Juntei reflexões e questionamentos, testei a minha opinião junto de amigos próximos e distantes (obrigado Zaclis!). Deixo aqui o que disse. Não porque considere especialmente brilhante ou certeiro. Faço-o por honestidade e lealdade ao que penso. E para não me esquecer nunca do que defendo.
Em Julho e Agosto de 1936, o jornalista James Agee e o repórter-fotográfico Walker Evans conviveram com três famílias de camponeses dos campos de algodão do Sul dos Estados Unidos. A ideia era relatar as condições de vida – absolutamente miseráveis – desses trabalhadores do campo no tempo da Grande Depressão. O texto e as fotografias foram depois recusados pela revista que pediu a reportagem, a Fortune. Não houve artigo, mas nasceu um livro: «Elogiemos agora os homens famosos». A reportagem foi considerada um dos trabalhos mais importantes e influentes do século XX, frequentemente citado como um dos expoentes do jornalismo, praticado em nome de uma consciência social. O livro honra, logo nas primeiras páginas, o fotojornalismo. Antes de qualquer prólogo, é de fotografias que se ocupam as mais de trinta páginas iniciais do livro. Sem legendas porque a verdade está lá toda. James Agee chama a esta reportagem, a esta obra, «documento fotográfico e verbal». Segundo ele, os instrumentos imediatos do documento são dois: «a câmara fixa e a palavra impressa». O instrumento predominante é a consciência humana individual e antiautoritária. E esclarece: «As fotografias não são ilustrativas. Elas e o texto são iguais entre si, mutuamente independentes e totalmente colaborantes». Em nome da história e do futuro da fotografia, atesta Agee, assumir esse risco era uma atitude ética e necessária. Até porque esta reportagem, escreveu, é um «esforço de actualidade humana em que o leitor não está menos implicado que os autores e aqueles sobre quem eles falam». Texto escrito e imagem têm toda uma história de vida em comum, com altos e baixos é certo, mas em comum. Também em Portugal, a união de facto, com respeito pela independência de cada área criativa, foi funcionando. Pode dizer-se que o “casal” presenciou, com profundidade e visão panorâmica, ao longo de décadas, várias das feridas e alegrias do mundo, tendo sobre elas um olhar e uma expressão própria, única. A relação entre narrativa e discurso visual teve dias épicos, respeitando um jornalismo íntegro, digno, que honra quem o fez e não desmerece quem o partilhou. Mas houve também amuos, desconcertos, muitas faltas de cumplicidade nesta relação. Em diversos momentos da história do jornalismo, sobretudo mais recentes, parece que texto e imagem caminharam alegre e inconscientemente para uma separação, numa atitude umbiguista das partes, pressionada e incentivada por várias causas internas e externas às redacções. E contra mim falo, porque todos, uma vez ou outra, fomos e somos cúmplices das opções do caminho.
------------------------------O futuro é já hoje. Mas que futuro? ------------------------------Na verdade, o colete-de -forças do tempo, do espaço, do mercado e desse eufemismo que dá pelo nome de “sinergias de grupo”, condicionaram sem piedade a expressão da palavra e de um olhar, atirando-o demasiadas vezes para os braços da ligeireza, da moda, da pose, da produção, da superficialidade e desse fenómeno típico da actualidade sempre apressada e ligeira: o “giro”. Hoje, tudo se pretende ser “giro”. Mesmo a mais ignóbil das situações humanas, tem de ser retratada a partir de um ângulo “giro”. Instalou-se a confusão entre emoção e informação. A concentração dos “media” e as preocupações imediatistas atropelam valores profissionais e impedem, muitas vezes, que o olhar dos jornalistas, escritor e fotógrafo, contraste situações, reflicta pontos de vista únicos, pessoais, íntegros, capazes de produzir uma narrativa original e fazer frente ao McJornalismo e aos “media” de conteúdos requentados. Hoje, pede-se que saibamos tudo sobre digitalização de imagens e sons, câmaras fotográficas e vídeo, podcast e coisas que tais. Só assim, dizem alguns, teremos os jornalistas tecnicamente preparados para enfrentar os novos tempos. Ninguém de bom senso ousará questionar as vantagens dessa evolução tecnológica. É necessária e, ainda que não fosse, é inevitável. Mas não será certamente por ingenuidade ou inocência que alguns pretendem, cada vez com mais insistência, redefinir as características e responsabilidades da nossa profissão, dando-lhe um nome adequado aos novos tempos, cada vez mais preocupados com a rapidez informativa - e de lucro, já agora. Começam a chamar-nos então «produtores de conteúdos». Neste cenário, convém não lavar as mãos nem atirar a carga apenas para os jovens, muitas vezes vivendo situações precárias e de grande violência psicológica. Se assim sucede é também porque alguns de nós serviram de exemplo. Mau exemplo. E porque fomos os primeiros a usar o cargo e as funções em benefício, apenas, da nossa estabilidade e segurança. Esquecendo, pois, um ensinamento básico: quanto maior o cargo, maior a responsabilidade. Perante os outros, bem entendido.
Vivemos um tempo em que é promovido o imediatismo, em todas as suas vertentes. E esse imediatismo, como facilmente se percebe, é contrário à reflexão, assimilação e profundidade. Não confundir com a necessidade de captar o instante que, por vezes, define uma história. Muitos disseram e escreveram que a luta das ideologias chegou ao fim. Anda aí, triunfante, a ideologia que promove o escândalo, o folhetim, a lamechice, a opinião indignada, bem pensante, politicamente correcta e sentimentalona. E que incita o cidadão a tornar-se, ele próprio, jornalista, só porque munido de telemóvel, câmara e carradas de protagonismo e insensatez. O trabalho está orientado para a exibição. Tal como a religião e a política, nas palavras de Jose Luis Cebrian, fundador do jornal El Pais. A informação é puramente consumo. Ora, consumo de informação não é o mesmo que entender a informação como alimento básico da nossa formação cívica. Podemos consumir hambúrgueres e pizzas todos os dias sem que isso signifique exactamente estarmos bem alimentados. Escrever e fotografar sempre o mesmo, ainda que com muitas páginas ao dispor, não produz melhor conhecimento. Não é sequer a Internet, a evolução tecnológica, a manipulação cobarde das imagens que representa uma ameaça ao jornalismo e aos jornalistas. Quero crer que nenhuma técnica, nenhum acelerar da tecnologia, substitui as condições essenciais para se ser bom jornalista: vocação, talento, capacidade de relacionamento com o outro, responsabilidade social, criatividade, memória, bons livros, bons arquivos, cheiro da rua, carácter e humanidade. Coisas que não se ensinam nas escolas nem se aprendem nas faculdades hoje ditas de Ciências da Comunicação. E que sobrevivem à evolução tecnológica. Ou melhor, são o melhor trunfo para andar de mão dada com ela. Discutir o presente e o futuro do fotojornalismo em Portugal é discutir o futuro do jornalismo, mas não quero proclamar aqui sentenças ou conclusões apressadas. Permitam-me, porém, que deixe alguns questionamentos, em jeito de provocação:
Está ou não o fotojornalismo a ceder ao primado da técnica em detrimento do domínio da linguagem fotográfica e jornalística? ------------------------------O facto da geração do digital não ter mantido uma relação de cumplicidade com o laboratório e o papel prejudica a elaboração de um discurso ou de uma narrativa visual? ------------------------------Quantos profissionais portugueses são hoje testemunhas de acontecimentos históricos ou enviados a conflitos internacionais? Perderam-se as narrativas do mundo com um olhar português? ------------------------------Estamos a fazer a cobertura do mundo ou da nossa rua ou a informar sobre os «nossos» interesses políticos e empresariais no mundo? ------------------------------O fotojornalismo - o jornalismo, no fundo - é hoje sinónimo de acomodação e medo de sair às ruas? ------------------------------O jornalismo é um meio ou um fim? Estamos aqui para relatar e retratar as costuras da vida ou tratar da vidinha? ------------------------------Com a junção dos jornais e revistas em grupos, com uma visão cada vez mais estreita dos acontecimentos e menos investimento nas narrativas de grande fôlego, que espaço resta para as histórias cruciais? ------------------------------- Como contrariar a linguagem burocrática dos jornais, de muitas notícias e temas, mas muito poucos pontos de vista? ------------------------------Que futuro terão os fotojornalistas, intelectuais no sentido clássico, de saberes diferenciados, capazes de, como dizia Kundera, travar a cada dia e em cada página a luta da memória contra o esquecimento? -------------------------------
Há dias, um repórter-fotográfico habituado a zonas de conflito dizia: «As histórias que cobrimos são maiores do que nós, do que as nossas revistas e editores. É importante tratá-las com respeito e integridade pelo tema. O futuro do jornalismo está nas vossas mãos. Sigam os vossos corações, mesmo que estes se partam. Não desistam». Nem tudo está perdido. A cada dia, surgem novos talentos, gente da geração digital aferrada a valores que não têm época porque são de sempre. Gente que não se transfigura, que não se prostitui e está disposta, mesmo na mais absoluta precariedade, a motivar os mais acomodados através de fartas transfusões de sonho, criatividade, empenho e dedicação. Gente que faz do jornalismo e do fotojornalismo causa. Vicki Goldberg, repórterfotográfica, disse: «Tudo o que o fotojornalismo capta faz parte das nossas vidas e não tem necessariamente de ser arte. Basta que seja verdade». Edward Murrow, o histórico jornalista da CBS que enfrentou o McCarthismo e foi retratado no filme de George Clooney, Good Night and Good Luck, dizia que «para progredir, é preciso olhar para atrás». Volto, por isso, ao sul dos Estados Unidos, ao ano de 1936, e às palavras de James Agee: «A câmara parece-me, depois da consciência sem ajuda e sem armas, o instrumento central do nosso tempo; por isso sinto tanta cólera ante o seu mau uso, que estendeu uma corrupção da vista tão universal que só conheço umas 12 pessoas vivas em cujos olhos possa confiar tanto como os das crianças». Da recuperação da confiança num olhar assim não depende apenas o futuro do jornalismo e do fotojornalismo. Disso depende também a sobrevivência da integridade que devemos aos nossos leitores como seres humanos. Se não cuidarmos do que lemos e vemos, também como leitores exigentes, estaremos a contribuir para que se cumpra, sem recurso, uma velha sentença do escritor Mário de Carvalho: «O jornalismo cão há-de merecer um mundo-cão».
------------------------------O autor ameaçado? Maria do Carmo Serén ------------------------------O criticismo pós-moderno considerou como sua a morte do autor. Com o tempo, dado o vazio criado na memória da criatividade patenteada em tempo real, (recepção) anexou-lhe um outro sentido do “processo” de criação, fazendo residir nele mesmo a intervenção. Na realidade, o processo criativo, desenvolvendo os vários estádios conceptuais e materiais do projecto surgia como exclusivo do autor, que assim, de forma indirecta, marcava na consciência do espectador o dinamismo imaginativo do seu criador. O autor nunca estava ausente e a obra, que era subsidiária de um processo reflexivo, podia ser mesmo omitida. Isto fez deslocar para o processo simbolicamente apresentado aquela característica que se pretendia criticar e que era, afinal, subjacente a qualquer obra da sociedade da imagem e da comunicação, a espectacularidade.
A teoria da recepção é o fundamento da morte do autor. Não surgiu como uma asserção definitiva mas foi-se considerando a partir de diversas abordagens teóricas da relação leitor-autor, desde o início dos anos de 1960. Umberto Eco iria alargar a abordagem para todas as artes. A ideia geral era que o funcionamento de um texto é explicado não apenas por ele mesmo através do momento generativo, mas também pelo papel desempenhado pelo destinatário. Era nesse intercâmbio, que se definia a compreensão, que é sempre uma interpretação e uma actualização; partia-se do modo como no texto de previa essa participação. Entre as diversas teorias tornou-se clássica a desenvolvida na obra de Wayne Booth, The rethoric of fiction, (1961), mas, em paralelo, desenvolvia-se uma linha da semiótica estrutural e uma linha hermenêutica. Era de facto o tempo do entusiasmo pelo estruturalismo, que emigrava da Linguística, (nomeadamente com Kristeva,) para a Antropologia Cultural, (Marcel Mauss ou Levi-Strauss) para a Filosofia, (Deleuze) ou para a Estética do Estruturalismo de Praga, já desde Mukarousky. A perspectiva hermenêutica distinguia o processo como as obras se iam enriquecendo ao longo do tempo com as interpretações que dela se iam fazendo. Mas é também dessa década a reacção a diversos processos teórico-práticos, (rigidez das metodologias estruturalistas, considerando possível investigar objectivamente elementos de base linguística ou de certas semânticas formais anglo-saxónicas e, ainda, o empirismo de certos contributos sociológicos, nomeadamente na formação do público). É desta reacção que nascem as teorias de recepção.
Em 1962 Umberto Eco procura desencadear com a sua Obra Aberta o debate generalizado sobre a interpretação e a recepção. Não reduzia tudo à interpretação do leitor, reservando um papel importante para o que chamava “a fidelidade à obra”, ao seu sentido. Falava em intenção da obra e intenção do receptor. Mas coloca na base do funcionamento da arte, (fala de literatura, cinema, pintura, televisão em directo…) a relação com o intérprete, - uma relação que a obra instituía autoritariamente como livre e imprevisível, tentando definir um autor ideal. O que quer dizer que a obra prevê um sistema de expectativas psicológicas, culturais, históricas e estéticas da parte do receptor: um horizonte de esperanças. O que implica já que a obra determina o processo de recepção, cedendo sentidos, mas pode acabar perdendo-o. Sendo o texto (ou a obra) um universo aberto, cabe ao autor determinar uma infinidade de sentidos. Trinta anos depois, em Os limites da Interpretação, Eco revê a sua posição e aposta muito mais da capacidade do autor manter na obra as rédeas da interpretação. A sua reanálise chega precisamente quando o pósmodernismo vingava no mundo artístico e a sociedade, mercê dos efeitos fraccionantes da comunicação, era notoriamente pós-moderna. Mas, como se torna banal na sociedade actual, é precisamente na sua máxima representatividade que as teorias e as práticas se destroem. Em breve o sentido do pós-modernismo é criticado nos seus fundamentos e na sua operacionalidade.
Mas a imagem da obra aberta ficou. Hoje não se argumenta contra os acrescentamentos que fruidores e comentários críticos anexam à avaliação da obra. Nestes tempos de transição sobre o papel fundador ou fruidor da arte há um regresso um pouco anárquico e mesmo sincrético sobre os factores que cabem no prazer e compreensão da obra. Aquele factor que tanto contribuiu para a crítica militante pósmoderna e que Foucault tão pertinentemente analisou em O que é um autor?, a arbitrária atribuição do valor artístico à obra pelos diversos poderes comerciais de mostra e circulação, mantém-se como problema agravado pela feliz recepção das obras pós-modernas nas instituições artísticas. De certo modo oculto, regressam elementos de recepção de fundamento metafísico, valorizando sentimentos estéticos de belo contra o papel da reflexão sobre temas e condicionalismos do meio. O tempo é de uma mentalidade que multiplica e diversifica os sentires. O irresistível individualismo actual, que vivifica na padronização consciente ou inconsciente da marca e da moda, abre espaço para a individualização do sentir. A obra tem de “dizer” qualquer coisa ao maior número possível de pessoas. Tem de o dizer imediatamente, a obra tende a ser efémera, já pouco se espera do seu valor eterno. É nesta noção de nãoeternidade, bem mergulhada nas expectativas do tempo presente que se condiciona a eficácia da teoria da recepção. Claro que a obra permanece argumentativa, não carrega restos sem sentido, mas deve expressar, ainda, aquela individualidade irredutível que gostamos de partilhar. E é aí que entra o rastro metafísico: a sua iconicidade, o estar muito perto, ser abarcável, mas estar tão longe de nós, tão inexplicável, como a ideia que fazíamos de divindade. A alteridade regressou para ficar, neste mundo computorizado. A fotografia, por si mesma, vive entre o ser e o não ser, entre o objectivo e o subjectivo, anulando decididamente o “terceiro excluído” da lógica clássica. Por ser cinza de um real e não ser o real tem sido a ponta de lança das teorizações contemporâneas sobre a noção de arte. Sempre teve alteridade. E sempre quis dizer mais do que mostra. A questão da autoria tende a colocar-se no uso que fazemos da fotografia.
------------------------------Fotografias de Fátima: um mundo, dois olhares FRANCISCO JESUS -------------------------------
------------------------------Uma fotografia estereotipada para uma função social determinada -------------------------------
Quando olhamos para a fotografia anónima de um menino em Fátima, em 1980, não podemos deixar de pensar no livro Un art moyen. Essai sur les usages sociaux de la photographie, dado à estampa em 1965 e resultado de um intenso trabalho de investigação de uma equipa de sociólogos franceses dirigida por Pierre Bourdieu (19302002). O livro versa sobre os usos sociais da fotografia naquela época, que eram bastante diferentes dos de hoje. O turismo de massas, que é um dos grandes responsáveis pelo colossal aumento do número de fotografias tiradas actualmente à escala mundial, encontrava-se no seu início; a fotografia, actualmente muito presente no mundo da arte contemporânea, tinha dificuldades em ser reconhecida como forma de expressão artística legítima, em pé de igualdade com as outras artes; a evolução técnica estava longe de alcançar o nível que hoje lhe conhecemos1. No âmbito da reflexão teórica, importantíssima para a legitimação artística e para o conhecimento das dimensões sociais e culturais da fotografia, existiam os contributos de Walter Benjamin e de Gisèle Freund, muito anteriores e centrados nos problemas da arte e da técnica. Dois livros fundamentais de reflexão como os de Susan Sontag e Roland Barthes só serão publicados dez ou quinze anos depois2. Insistindo na «definição social da fotografia» – título de um dos dois marcantes capítulos da primeira parte, escritos pelo próprio Bourdieu –, isto é, na noção da fotografia como símbolo «de uma época, de uma classe ou de um grupo artístico»3, os ensaios publicados neste volume vêm colmatar uma lacuna nos debates sobre a experiência fotográfica e introduzir, definitivamente, a fotografia na sociologia, facto pelo qual continuam a merecer ainda nos nossos dias uma leitura atenta. Não é nosso objectivo fazer aqui um recenseamento crítico desta obra, mas tão-só mencionar a evidente influência deste livro para a reflexão que propomos nas páginas seguintes sobre dois tipos de fotografias feitas em Fátima, as do fotógrafo ocasional, anónimo, e as de autor, como modo de pensar a prática fotográfica na sua relação com a sociedade em geral.
Esta fotografia a preto e branco, que figurou numa das telas aquando da semana do Maio Claro, a par de outras dos anos 80 que também encontramos por aí publicadas, mostranos um menino no Santuário de Fátima, em frente à Basílica. Nela observamos certas características que nos permitem integrá-la no género das fotografias de álbum de família que todos temos em casa. Em primeiro lugar, temos a presença do pequeno de pé e de frente no centro da imagem, num atitude firme e digna e a uma distância respeitosa. O plano de fundo da imagem é preenchido pela presença vertical da basílica mariana de Fátima, que nos permite identificar o lugar. Algumas figuras religiosas e outros visitantes aparecem discretos por detrás do menino. A fotografia obedece desta forma a esquemas que se encontram ligados a valores culturais profundos socialmente estabelecidos, como a pose – Bourdieu diz-nos que «posar é mostrar-se numa postura que se supõe que não é “natural”»4 –, que inscreve o indivíduo num sistema simbólico de condutas, normas e formas convenientes de relação com os outros, ou a lei da frontalidade, relacionada com o sentimento da honra, da dignidade e da respeitabilidade do ser humano em sociedade. A pose exagerada e rígida, não-natural, de frente e com a cabeça erguida mostra que a personagem realiza para o espectador um acto de respeito, de cortesia, e que por isso também dele espera respeito, pois estes são valores convencionalmente regulados5. Neste tipo de fotografias populares, o fotografado aparece sozinho, como neste caso, ou em grupo, e só inadvertidamente aparecem outras figuras. Estas fotografias reportam-se a momentos importantes da vida das famílias, como o nascimento de um bebé, uma festa de anos, um casamento, as férias, etc. As viagens turísticas são um dos momentos altos para as famílias fazerem fotografias e se fazerem fotografar. Por isso, as suas fotos devem ter um significado importante. Elas não são um meio de expressão, mas um fim em si – «querer fazer uma boa fotografia não é razão suficiente para fotografar»6. Estas fotos evocam momentos, passagens, relações, estágios de uma vida, etc. O estudo de Pierre Bourdieu e da equipa que o acompanhou mostra-nos que são as famílias com filhos aquelas que mais investem em fotografia, então como agora. A prática de fotografar crianças introduziuse no ritual das grandes cerimónias familiares segundo a importância social destas7. Na história social do seu uso, as fotografias da primeira comunhão aparecem por volta de 1930, e só mais tarde as do baptismo. O baptismo é uma festa familiar e nunca dá lugar a uma grande cerimónia, logo, a fotografia é rara.
1Vide Antoní Estradé, «Prólogo» à edição espanhola do livro de Pierre Bourdieu, Un arte medio. Ensayo sobre los usos sociales de la fotografia, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p. 17. 2Ibidem. 3Un arte medio, p. 44. Esta e todas as citações em português extraídas deste livro são tradução livre.
A presença de fotógrafos na festa da primeira comunhão dá às mães a oportunidade de fazer fotografar os seus filhos para depois expor na sala principal da sua casa, a par de outras que chegam como resultado de uma viagem ou de outros acontecimentos. O hábito de fotografar as crianças só se enraíza após a Segunda Guerra Mundial, acompanhando um aumento da atenção que lhes é prestada. Até então era costume fotografarem-se só os adultos. Em algumas fotografias de grupo mais antigas reuniam-se pais e filhos, e as crianças raramente apareciam sozinhas. Hoje em dia essa situação inverteuse. Fotografar as crianças é agora uma função social, a de manter as relações com amigos ou familiares que vivem longe. O mesmo se passa com o envio de imagens de um bebé recémnascido, que dessa forma é apresentado socialmente para que seja reconhecido como parte integrante do grupo. As férias são dias de actividade fotográfica intensa, sobretudo quando são passadas em ambiente familiar e existem crianças. Mas neste caso, a fotografia de férias continua a ser fotografia familiar8. Já as fotos tiradas na atitude de turista mostram a separação do vínculo familiar9. Fazer turismo é fugir à rotina do mundo quotidiano, é surpreender-se a cada momento com uma paisagem ou um monumento que se vê pela primeira vez; é sentir os perfumes e as vivências de um lugar novo; é deixar-se levar pelo guia turístico, manual de percepção orientada para leigos. Como nos chama a atenção Pierre Bourdieu, «a fotografia não é só o que se fez durante as férias, mas as próprias férias»10. Na foto em apreço, que se pode inscrever neste grupo, ou numa simples visita diária, temos um menino no Santuário de Fátima. A fotografia fixou esse momento para ele, para a sua família e para nós! A Basílica de Fátima aparece como símbolo desse «encontro único […] entre um indivíduo e um lugar famoso, entre um momento excepcional da existência e um sítio importante pelo seu alto conteúdo simbólico»11. Bourdieu diz-nos que «a ocasião da viagem […] celebra os lugares por onde se passa e os mais célebres entre eles tornam por sua vez essa ocasião célebre»12. Reportando-se a fotografias analisadas no seu trabalho, o sociólogo francês diz-nos que «os objectos destinados a celebrarem-se um ao outro estão colocados em pleno centro da fotografia; centralidade e frontalidade são os meios mais decisivos para conferir valor ao objecto fixado»13. Ora, por aqui podemos concluir como este género de fotografias populares obedece geralmente aos mesmos esquemas.
Isso permite-nos aceitar o recurso ao modelo de Bourdieu, porquanto ele nos apresenta uma chave para a interpretação desta imagem: «Uma vez que está sempre orientada para o cumprimento de funções sociais e socialmente definidas, a prática comum da fotografia é necessariamente ritual e cerimonial, portanto estereotipada, tanto na eleição dos objectos como nas suas técnicas de expressão»14. Sobre as técnicas fotográficas, naquela época, os anos 60, a preferência ia sobremaneira para o preto e branco; sendo a fotografia a cores mais cara, o seu uso era mais restrito15. Depois, a situação inverteuse e, nos anos 80, a fotografia a cores – que entretanto obrigara o fotógrafo Henri Cartier-Bresson, um mestre do negro, a reflectir sobre ela, em 1985 –16, tornouse mais comum e rapidamente passou a ser a mais utilizada. Por último, a vulgarização das câmaras digitais tornou possível o acesso massificado à fotografia, e embora elas permitam uma grande variedade de opções a fotografia a cores continua a ser a preferida dos utilizadores, confirmando o enraizamento social desta prática desde os anos 80. A imagem em apreço, do início dessa década, situa-se, assim, no momento de transição do negro à cor na prática fotográfica generalizada, obedecendo, porém, ao modelo típico dos anos 60, tanto ao nível sintáctico (i.e., da disposição do menino), como ao lexical (da pose e atitude) e à técnica utilizada. Enfim, uma fotografia estereotipada para cumprir de modo efectivo a função familiar de integração social. 4Ibidem, pp. 142-143. 5Ibidem, pp. 144-145. 6Ibidem, p. 156. 7Ibidem, p. 59. 8Ibidem, p. 74. 9Ibidem, p. 75. 10Ibidem. 11Ibidem, p. 76. 12Ibidem. 13Ibidem. 14Ibidem, p. 79. 15Ibidem, p. 105. 16O imaginário segundo a natureza, Barcelona, Gustavo Gili, 2004, p. 31.
------------------------------O olhar fotográfico ------------------------------Debruçámo-nos até aqui sobre a prática comum da fotografia. Centremo-nos agora na análise de um trabalho feito por um fotógrafo autor em Fátima. Valter Vinagre, membro do colectivo Kameraphoto que se iniciara no mundo da fotografia em princípios da década de 80, passou um dia no Santuário de Fátima a fotografar fiéis que ali se deslocam diariamente em cumprimento de promessas ou em oração à Virgem. Não são imagens de um dia especial de celebração, daqueles definidos no calendário de Maio e Outubro que reúnem milhares de peregrinos no recinto do Santuário, mas fotos de um dia comum em Fátima17. Valter Vinagre também não é um turista de passagem pelo Santuário, mas um fotógrafo que observa a realidade à sua volta para dela nos dar um olhar distanciado. Parafraseando uma célebre passagem de Pierre Bourdieu no livro citado, na qual ele dizia que o sociólogo «pode ocuparse da imagem sem se converter num visionário», e respondia àqueles que procuram visões na sociologia com uma frase célebre de Max Weber – «que vão ao cinema!»18 –, podemos dizer que Valter Vinagre também não é um visionário. Tal como o sociólogo de Pierre Bourdieu, ele procura decifrar com a câmara fotográfica o sentido comum das coisas; mas fá-lo matizando a realidade material que é objecto da sua câmara com uma inusitada visão de sensações líricas nas quais somos chamados a participar. Todo o seu trabalho, ao mesmo tempo distanciado e envolvido, é concebido com base numa reflexão filosófica prévia que o leva a acercar-se de um dado tema. Neste caso, o fenómeno é o da religiosidade popular, tema a que o autor já se dedicara em Cá na Terra19 e em Espírito nas Ilhas, trabalhos que mostram aspectos de uma religiosidade constantemente situada nos limites do sagrado e do profano como só antes Malhoa, o mestre da pintura naturalista, soubera captar20. Agora, Valter Vinagre procura registar as formas que o sentimento religioso de um povo pode assumir em Fátima.
Numa fotografia – há uma série de imagens deste conjunto publicadas na Internet21 –, é a cruz, símbolo da Paixão, que se destaca erguida na Procissão das Velas; noutras: um peregrino mostrando uma cruz negra entre os braços; várias pessoas ajoelhadas percorrendo o recinto do Santuário em cumprimento de promessas ou orando nas capelinhas periféricas; as velas da altura de pessoas, acesas em cumprimento de promessas, no tocheiro; a imagem da Nossa Senhora de Fátima rodeada de ex-votos em cera, entre os quais várias cabeças de criança e bebés, assim como diversos membros humanos; um homem a ler no Museu perante um Crucifixo e ao lado a imagem do Santo Papa. Noutra, não publicada on-line, há uma mulher jovem que faz uma prece, de pé, na Capelinha das Aparições, com as mãos juntas pressionando o ventre; noutra ainda, a que aqui publicamos, uma presumível avó percorre o recinto sagrado de joelhos em oração com o seu neto, ainda bebé. Se passarmos à análise sintáctica destas imagens, verificamos a utilização de diferentes disposições de pessoas e objectos. Em primeiro lugar, salvo na fotografia da procissão nocturna e na das velas a arderem, as pessoas são o centro da atenção do autor e aparecem a cumprir o seu ritual religioso. Apenas nos são dados pequenos pormenores do lugar, de forma a podermos referenciar-nos espacialmente, e as personagens são fotografadas de modo a dar uma visão real da sua acção; já não há, como no retrato que vimos anteriormente, nem uma dominância do enquadramento axial, nem da lei da frontalidade, e as figuras já não têm de aparecer de corpo inteiro; nem sequer de frente. A composição das fotografias resulta da inteligente articulação das linhas diagonais com as verticais e as horizontais, de modo a conferir dinâmicas internas e a acentuar o percurso, o gesto ou a acção das figuras – como se vê, particularmente, da sétima à décima imagens. A luz, esse elemento mágico da fotografia, e também o mais difícil de trabalhar, assume um papel preponderante neste conjunto de fotos: seja na alta cruz iluminada, que, desmaterializada, mais parece uma cruz de luz suspensa, embora sendo transportada por alguém, seja nas fotos de interiores ou de exteriores nocturnos onde o tenebrismo acentua ainda mais a religiosidade vivida.
Em duas destas imagens, pelo menos, percebe-se a presença hipotética ou real da criança: designadamente na fotografia da mulher jovem que pressiona o ventre com as mãos, perante Nossa Senhora, e na foto aqui publicada, onde uma provável avó cumpre uma promessa de joelhos com o seu pequeno neto. Pressente-se a força da crença que encontramos nos milhares de peregrinos que todos os anos por altura das grandes peregrinações percorrem os caminhos em direcção a Fátima em silêncio ou rezando durante toda a viagem, alimentandose apenas de pão e água, em procissão com a imagem de Nossa Senhora de Fátima no andor ou carregando cruzes, etc., em cumprimento de promessas feitas por si ou pelos seus entes queridos. São imagens de momentos dedicados de orações feitas por homens e mulheres para que a Virgem interceda por eles numa situação particular da sua vida ou imagens de agradecimentos posteriores. Muitos dos visados são crianças: os mais novos e os mais frágeis são aqueles que precisam de mais graças de Deus para se libertarem do mal e crescerem saudáveis; outras vezes, as orações são para que Deus lhes conceda a bênção de conceber filhos – o hábito de pedir aos deuses protecção para os mais pequenos ou uma graça para a geração de filhos remonta à Antiguidade22. Na nossa sociedade, onde as crianças ocupam um lugar central, como já vimos na primeira parte, é natural que este tipo de pedidos seja frequente em Fátima. Deste modo, algumas das fotografias de Valter Vinagre, particularmente a que ilustra este pequeno texto, reflectem esta atenção da sociedade contemporânea para com a criança, que a foto de autor anónimo que serviu de pretexto a esta análise já testemunhava em 1980, inscrevendo-se na evolução que se verificara sobretudo desde a Segunda Guerra Mundial. Por outro lado, elas dão-nos uma outra visão (i.e., um modo de olhar, de ver) da criança em Fátima, não como turista, mas como móbil de uma acção de fé. O olhar fotográfico distanciado, ao contrário da fotografia popular, apresenta-nos assim imagens decorrentes das pessoas e temas fotografados e não um estereótipo fotográfico resultante de um modelo socialmente legitimado. A fotógrafa norte-americana Nan Goldin também fotografou em Fátima muito recentemente, mas a sua imagem das velas a arder no Santuário (Fatima Candles, 199823) remete para a sua experiência pessoal, como acontece, aliás, com grande parte do seu trabalho, pois ela é muito conhecida pelas fotografias que documentam exaustivamente a sua vida e a dos seus amigos nos anos 80. Diz a autora numa entrevista a Daniel Blaufuks, para o Expresso, que costumava acender uma vela por cada um dos seus amigos vítimas da SIDA, pensando que assim os poderia manter vivos durante mais tempo, e por isso esta imagem se reveste de um significado muito grande para ela24.
Em suma, os dois fotógrafos brindam-nos assim com trabalhos que evidenciam um maior ou menor distanciamento, um maior ou menor envolvimento pessoal, mas, no seu conjunto, as suas fotografias pertencem ao mesmo mundo social, o dos grandes fotógrafos autores, aqueles que de um tema comum fazem uma boa fotografia, maravilhando-nos com a sua visão. Não são fotografias feitas com intencionalidade artística, sempre difícil nesta disciplina, como dissera Pierre Bourdieu25, mas são fotos de uma enorme clareza e capazes de exercer em nós um grande fascínio, um fascínio que é do domínio do maravilhoso, do deleite, e, ao mesmo tempo, do mundo da fé, da crença, da entrega total, mesmo que não se professe nenhum credo. Não será isto, ou algo parecido, o que afinal se espera de uma obra de arte? Enfim, fotos que tanto podem ser muito mais do que um documento pessoal de uma vida, como muito mais do que um documento social de um mundo. 17A realização destas imagens obedeceu a uma encomenda do Vaticano integrada num grande projecto intitulado Um dia na vida da Igreja Católica no mundo e contemplava outros lugares religiosos captados pela objectiva de vários fotógrafos mundiais. O dia escolhido foi o 12 de Abril de 2005 e o vasto trabalho deu posteriormente origem a uma publicação e a uma exposição em Berlim. 18Ibidem, p. 47. 19Cá Na Terra, com texto de Manuel Hermínio Monteiro, Lisboa, Assírio & Alvim, 1998; Espírito nas Ilhas, com textos de Álamo Oliveira e Hermínio Monteiro, Lisboa, Instituto Camões, 2001. 20Vide, por exemplo, A Procissão (1903) ou As Promessas (1933). 21Kameraphoto: http://www. kameraphoto.com/portfolio/vv/ 22Vide, por exemplo, a Medeia, de Eurípides, de 431 a. C., 665-670 e 915. 23Vide: http://www.artnet.com/ artwork/425129641/424734330/ nan-goldin-fatima-candlesportugal.html 24Vide: http://www. danielblaufuks.com/webmac/ EXPRESSO.pdf 25Un arte medio, p. 113.
Valter Vinagre, Fรกtima, 12Abril2005. 16h05m
------------------------------Teatro e Fotografia Roberto Merino ------------------------------Devo confessar que sou daqueles que guarda poucos retratos, que guarda poucas fotografias dos espectáculos realizados. Associada à ideia, talvez da efemeridade do Teatro e daquilo que muitos de nós consideramos como essencial no Teatro; que quando desligadas as últimas luzes, a representação acaba para sempre ou pára e se existe mais uma récita, para renascer no próximo dia. Mas devo confessar que me delicio quando abro os livros que nos falam da história do Teatro e do espectáculo e encontramos as imagens daqueles actores e intérpretes que colmaram a nossa imaginação. A fotografia é um instante, e como desejaríamos que esse instante rápido de segundos nos trouxesse aos dias de hoje, a imagem fiel de Molière interpretando Sganarell ou outras das suas figuras imortais, e se podessemos recuar no tempo como apreciaríamos ou valoraríamos a fotografia ou daguerreótipo mostrando-nos um actor intérprete de uma tragédia grega. Devo confessar-vos que as fotografias afixadas nos cinemas e nos teatros da minha cidade, na minha infância, já eram o espectáculo e lamento que hoje os teatros tenham tão poucos material fotográfico que nos revele a essência do espectáculo, a sua gestação ou os seus intérpretes. O trabalho do fotógrafo António Alves não me é desconhecido na sua vertente teatral, a sua preocupação que durante um longo período, talvez uma década ou mais na qual soube levar o palco para a fotografia, e não apenas de grupos ou companhias profissionais, como o TEP/ Teatro Experimental do Porto ou Seiva Trupe e os espectáculos do FITEI, senão também trabalhos de grupos teatrais amadores que lhe mereceram a atenção pela qualidade e empenhamento dos seus criadores. Até o papel, António Alves com um olhar único, soube plasmar imagens de cena, reunindo a função da fotografia e a intenção de fotografar um contexto, procurando inserirse no mesmo, esta atitude assim colocada torna-se decisiva para o seu trabalho e para a produção final, pois cria a oportunidade de desenvolver uma pesquisa, com olhar de artista mas também de estudante de fotografia e/ou teatro, apaixonadamente numa função também fundamental para produzir um documento.
------------------------------FOTOGRAFAR O TEATRO ANTÓNIO ALVES ------------------------------“Se compreende mal geralmente quando se fala do papel da fotografia de Teatro. O que naturalmente nos mostram são fotografias de grupo que ao ser fotografado, se posiciona em frente à câmara com uma formalidade que por vezes prejudica a própria transmissão da mensagem que se quer passar. São praticamente registros dos figurinos da peça. Ou seja, os actores por não estarem em cena, acabam não mostrando a personagem na fotografia” … é certo que esta não é uma tarefa fácil, e reconhecemos que o trabalho fotográfico de António Alves supera uma espécie de “distanciação” relativa ao espectáculo imprimindo um olhar particular que nos envia ou reenvia para o palco. Devo confessar-vos que me sinto privilegiado pelas várias vezes que ele plasmou alguns dos meus espectáculos, sobretudo daqueles que eu também lembro com singular carinho As Bacantes de Eurípides, O Médico à Força de Molière ou Leôncio e Lena de Buchner, apenas para citar três autores que muito tem marcado a minha vida como encenador. Também como espectador de fotografia devo lembrar a esta plateia que não conhece as fotografias admiráveis e, repito ADMIRÁVEIS que António Alves realizou com o desaparecido actor Mário Viegas a partir dos espectáculos de Beckett que Viegas realizou nesta cidade (A última Gravação e outros) e quando digo admiráveis, penso que ele soube captar precisamente aqueles dois mundo que se fussionavam diariamente, ou nocturnamente no palco, dois mundos trágico-cómicos admiráveis, o desse actor selvagem e o do autor mais contemporâneo que nos falou com uma voz renovada, novamente do homem e a sua existência.
Existem milhares de fotografia e teatro, a nossa memória está cheia delas. Se interrogarmos aqueles que as fizeram, eles dizem-se insatisfeitos, incertos quanto ao seu futuro e descontentes com o seu estatuto. Se interrogarmos o público, este não conhece bem os nomes dos fotógrafos e concebe a fotografia como recordação de uma face célebre, um puro suplemento de memória, uma ocasião que permite verificar a passagem do tempo. Os professores dos conservatórios ou de estudos teatrais procuram-nos quando necessitam de documentos preciosos e nada mais. Que se passa então com a fotografia de teatro? O ballet, a dança, suscitam vocações de fotógrafos e numerosas publicações em revistas; o teatro não. A fotografia de teatro é múltipla e multiforme: do retrato do actor ao documento cenográfico, da fotografia de maqueta ao cartaz. No entanto, a fotografia de teatro continua uma actividade mal conhecida e mal reconhecida, onde não se aceita que ela faça parte da actividade teatral da arte teatral. A Instituição Teatral repugna-a: o seu estatuto permanece secundário. Nunca solicitada para participar enquanto criadora de formas, na criação das formas teatrais. Os actores e encenadores, principais artesões do acto teatral, revela uma concepção muito limitada e bastante instrumental da fotografia. Poucos encenadores recorreram à fotografia e poucos actores lhe pedem outra coisa que não seja retratos que os elevem. São raros os contratos entre um teatro, um encenador e um fotógrafo. É verdade que o teatro é uma arte do efémero, mas a representação teatral é o resultado de uma construção espalhada no tempo; ela tem uma história que podemos agarrar e as suas formas são susceptíveis de repetição. Não é de admirar que exijamos de um fotógrafo de teatro a disponibilidade imediata de um fotógrafo de rua. Em compensação parece evidente que saibamos utilizar a sua capacidade de apresentar uma série de reflexos sucessivos de um espectáculo que se está a fazer, e que o resultado final esteja fundado numa reflexão contínua e progressiva.
Também não podemos esperar que as suas fotografias sejam puros testemunhos sem um ponto de vista, nem partido tomado. A sua actividade não pode ser a de um puro registador mecânico. O olhar da câmara pode ser frio mas o do operador não é. É conhecer mal a natureza da fotografia, exigindo dela a neutralidade. Se, ao contrario, lhe reconhecemos a legitima pretensão de criar formas autónomas específicas, é preciso admitir que a sua participação no acto teatral é a de um actor de corpo inteiro. Mas é certo que ela supõe toda uma série de revisões por vezes difíceis: que comecemos a ver no acto de fotografar uma reflexão em acto sobre o espaço, o tempo, o tema, o gosto, a memoria, que o actor e encenador estejam prontos a receber uma imagem de eles próprios e que não está no seu poder controlar. Resta ainda obter do espectador um outro olhar sobre os fotógrafos de teatro, que ele reconheça que a sua aproximação e aprendizagem do teatro, possam também passar pela aprendizagem da fotografia (de teatro). No entanto, se o teatro é um dos maiores lugares sociais, onde o lugar da fotografia é secundário e não essencial. Tal tem que ver com o que esperamos normalmente da fotografia. Trata-se na fotografia de teatro de captar o efémero, e mobilizar o real em movimento. Conferirmos-lhe mais geralmente o cuidado de construir o real em cena, de fazer figurar o gesto como postura, o sujeito como actor, a vida como drama. Tal coisa é, porém já feita no teatro. A fotografia corre o risco de ser percebida como pura redundância, um redobramento inútil da cena teatral que, por isso a torna insignificante. O perigo será o de que, através da fotografia, o imaginário recaia em imagens, o contínuo em fragmentos e que o suspenso do movimento, faça sobressair a ênfase e o gratuito das acções, que ela contribua para dissipar a magia que torna possível o teatro. Tal não é duvidoso: há na actividade fotográfica qualquer coisa que soa a toque de finados das ilusões, uma vitória inelutável do principio da realidade, sobre o principio do prazer. Para o teatro pode a fotografia constituir um arquivo, um reportório histórico de formas, uma gramática de gestos, uma etnografia do acto teatral e dos seus percursos históricos. É preciso alimentar este grandioso projecto, na arte e nas Instituições.
-
-------------------------------------------------------------------------------------------------O teu OUTRO olhar, numa tarde de S. Domingos | Ção Pestana ] texto e fotografia [ -------------------------------------------------------------------------------------------------No impulso de um olhar que se esbarra entre o gesto e a matéria, a imagem afirma-se pelos matizes sombrios e os reflexos difusos. Hoje moves teu rosto lentamente pela cálida cúpula que te resguarda, estás entre o gesto e pensamento branco e negro. Contornas as cem mil linhas sinuosas, intangíveis, com olhares rápidos, fixas-te nas abóbadas sombreadas e repousas esse olhar, já cansado de tanto ver, numa forma circundante que te estimula pelo contraste e brilho. Fazes um esforço por concentrar-te num ponto, a visão vai-se apoderando lentamente das tuas imagens mentais que te circundam o teu pensamento. Colorar essas formas disponíveis e visíveis na reflexão da tua retina, refaz essa tua visão de outro momento passado, de há pouco ou de longe. Lentamente constróis uma narrativa visual dessa história através das texturas e representação visual, matéria constituída pelos diferentes significados parcelares de memórias presentes e passadas sobre esse espaço, de um tempo construído de legendas e factos. A desmaterialização dos reflexos leva-te à ampliação de um enquadramento, embora aleatório é dinâmico pelo teu desejo de ver essa verosimilitude de uma forma positiva, ou o natural de uma forma negativa.
Essa imagem de espelho, onde o vazio negro, ou a cor da cal (re)contextualiza em sistema de imagens em movimento, contrapondo-se ao argumento de referência cultural, enquanto matéria redonda, desnuda, circular, imprevisível que constitui o teu pensamento visual que teimas em teorizar. Fecho os olhos, repouso nas manchas cinzentas impressas momentaneamente na retina, abro-os novamente devagar, passo a mão pela cara, levantome e desço as escadas em ziguezague, que me levam à porta e digo: boa noite, aqui está chave da sala e o livro de sumários, até a semana que vem.
--------------------------------
JOSÉ MARAFONA GRUPO IF (IDEIA E FORMA) ------------------------------Esteve na fundação do primeiro colectivo de fotografia que nasce nos anos 80 no Porto e que expôs recentemente no Museu Soares dos Reis -------------------------------
-------------------------------
----------------------------------------------------------------
------------------------------DIGAM QUEIJO! FERNANDO ALVIM ------------------------------Pensar nesta foto e no exacto instante em que terá sido tirada. Pensar no que terá dito o detentor da objectiva antes daquele click que nem sempre é audível. Eu sou do tempo em que se ouviam os clicks e que o mundo fazia barulho. Em que havia flashes e alguém dizia ironicamente “Digam Queijo!”. Eu sou desse tempo, dos antigos ouviram? Em que as fotos extraordinárias que havíamos tirado nas férias do verão, afinal eram miseráveis – agora as vemos - porque teriam sido corroídas por uma luz interior que se nos havia escapado. Eu sou do tempo. Do tempo dos meus avós que se abraçavam a mim com mais força do que com os seus filhos – também os meus pais - e que na altura das fotos, não se importavam que eles não aparecessem, porque sabiam que nós representávamos os seus filhos e já agora se não se importam, os meus pais. Eu sou do tempo. Do tempo em que todos éramos filhos e quase não havia pais quando se avizinhavam os avós. Sim, sou desse tempo - como está? muito prazer! - em que não sabíamos se teríamos ficado bem na fotografia e em que, precisamente por isso, nunca apagávamos nada, mesmo quando ficávamos mal na foto . Mas agora, neste tempo, todos ficamos bem. E se ficarmos mal,
------------------------------tudo se apaga num segundo, tudo se subtrai como se nunca tivesse existido. Esta foto é de outro tempo, em que as coisas não se apagavam com tamanha facilidade. Em que as coisas más resistiam , mas as coisas boas também, tal qual os carros da Volkswagen. O meu pai dizia sempre que os carros da volkswagen resistiam a tudo porque não-sei-quê da segunda guerra mundial, e eu, aqui dentro, queria que o meu pai fosse um carro da Volkswagen. Para que nunca desse problemas, para nunca me acabasse.
------------------------------Esta foto nunca se deixou corroer por essa espécie de maresia corrosiva em que todos habitamos. Agora, as fotos modernas parecem que vivem junto ao mar, que se deixam esvair na água como se fosse tinta débil, nesse sal que sabemos ser corrosivo. Esta foto resistiu a tudo e a todos, tal qual um carro da Volkswagen. Quando a tiramos, nenhum de nós dissemos se podíamos olhar na objectiva a ver se estava bem, porque nós estávamos bem e era isso que mais importava. Hoje em dia, há pessoas que estão bem pior do que na foto. Naquela altura, nesta foto, todos éramos mais resistentes do que um qualquer carro da Volkswagen. E o melhor, é que ainda somos. Fotografia / Fernando Cardoso Alvim pai de Fernando Alvim, 1976
-MULTIPLOS-MÚLTIPLOS-MÚLTIPLOS-MÚLTIPLOS-MÚLTIPLOS-MÚLTIPLOS-MÚLTIPLOS-MÚLTIPLOS-MÚLTIPLOS-MÚLTIPLOS-MÚLTIPLOS-MÚLTUPLOS-MÚLTIPLOS-MÚLTIPLOS-MÚLTIPLOS-
------------------------------Isto não é uma fotografia Carlos Melo Ferreira ------------------------------Esta é a cara de Charles Chaplin na capa do catálogo da exposição internacional “Chaplin in Pictures”, que esteve em Lisboa no quadro do Lisbon Village Festival e não me passou despercebida. Para os que conhecem os filmes dele, o seu ”Charlot” é uma das primeiras e mais importantes figuras da História do Cinema e do século XX. O significado que ele teve excedeu largamente os limites do cinema, passando para as outras artes, incluindo a fotografia. A referida exposição dá a ver fotografias inéditas ou hoje pouco conhecidas de Chaplin, outras imagens que
ele suscitou e também alguns dos seus filmes - mostra o “making of” possível de todos eles. Ora a figura que ele criou é indissociável do riso mas também das lágrimas – do riso até às lágrimas -, de que foi uma das primeiras e mais importantes manifestações no cinema. De facto, ela atravessa a Grande Guerra de 1914/1918, os eufóricos anos 20 do novecentos (com a excepção de um filme, que ele apenas dirige), resiste ao advento do sonoro, atravessa os anos 30 e a II Guerra Mundial já do lado mais melodramátco, embora sem abandonar a alusão às suas origens, que se pro-
longa com variações nos poucos filmes que ainda faz até aos anos sessenta. Pensar-se-á, por este resumo, que Chaplin foi um clássico do cinema e, no entanto, ele foi o primeiro dos modernos dele. Na verdade, o seu “Charlot” foi e continua a ser a própria evidência do que de melhor o cinema pode ser em mímica, gestualidade, coreografia dos movimentos, tudo isso criado num tempo em que o cinema era mudo e, por isso, sem o auxílio de outros materiais expressivos. A pura imagem, a imagem dos puros movimentos dele e dos seus actores, foi e continua a
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ser fonte de inspiração para muitos. Por isso, não sendo o som essencial para a sua arte, resistiu tanto – à semelhança de alguns outros nomes maiores do cinema – ao sonoro, e é quando ele surge que a sua figura passa do burlesco para o melodrama, sempre impuro porque ainda reminiscente. Por si mesmos, os pequenos desacertos que caracterizaram a rebeldia de “Charlot” (contra os objectos, que se revoltavam contra ele, contra os outros, que tentavam aproveitar-se dele), se nos retratam ainda hoje como retrataram os espectadores originais dos seus
filmes, remetem também para uma distância maior de sentido. Se a excentricidade do personagem leva a que ele funcione como alguém que origina a separação entre aparência e realidade nos outros, no meio, como um revelador, a construção serial dos filmes do cineasta/actor pensa e pensa o espectador com o burlesco, a acção, as situações. Isto é tanto mais notável quanto o trabalho de Chaplin com as imagens foi simples e directo, baseado na regulação do ponto de vista e da distância a que eram filmados mímicas, gestos, expressões, movimentos, que assim ganhavam a sua
-------------------------------------------------------------------------------------------------
dinâmica e significado próprios, só possíveis daquela maneira no cinema. E não assinalará o único filme não-burlesco dele nos anos vinte (em que o melodrama vai ganhando progressivamente espaço nos seus filmes), “Opinião Pública”/”A Woman of Paris” (1923), a grande distância para que os filmes cómicos dele remetem: o puro melodrama? Portanto, em Maio, ver os filmes de Chaplin, chorar a rir e… pensar. Pensar a imagem e partir da imagem em que ele se imaginou e nos imaginou, definida em vestuário (chapéu e bigode, bengala e sapatos), gestos, expressões, movimentos, ora breves ora largos, impregnados de afecto mesmo se maliciosos, quando não está em causa defender-se ou, desastradamente, atacar. No discurso final de “O Ditador/”The Great Dictator” (1940), na voz, então já audível, do próprio Chaplin, são um personagem e toda uma obra que se elevam a uma outra dimensão e falam. -------------------------------
------------------------------Martin Parr [ À ESQUERDA ] por José M. Nascimento [ EM CIMA ] por Júlio de Matos -
------------------------------homens-guelra césar taíbo ------------------------------A transmutação do objecto é o elemento da sua gênese. E o coração-guelra o reino da afectação da obra. Rui-Riu-Brabo
------------------------------Nelson D'Aires ------------------------------A fotografia pode ser capaz de condensar numa imagem tudo o que está para além dela. O que me preocupa é a realidade e a responsabilidade da sua representação futura. Atrás de uma fotografia está sempre uma vida inteira interrompida. Quando fotografo uma história uso ao seu serviço uma estética que não sobrevive isolada do contexto social e humano dos sujeitos. A minha fotografia nasce do desejo de comunicação profunda. ------------------------------foto 1: Contra-fogo Carreira do Mato. Abrantes, 2005 1 de 10 Prova Ultrasmoth Fine Arte Paper impressa com tintas de base de pigmento UltraChrome Epson. ------------------------------foto 2: Contra-fogo Pampilhosa da Serra, 2005 Militar do exército com dores nos olhos devido a reacção ao contacto prolongado com o fumo. 1 de 10 Prova Ultrasmoth Fine Arte Paper impressa com tintas de base de pigmento UltraChrome Epson. ------------------------------foto 3: Contra-fogo Sobral Valado, Pampilhosa da Serra, 2005 Bombeiros deitados no chão a descansar o corpo exausto depois de terem passado toda a noite a combater o fogo. 1 de 10 Prova Ultrasmoth Fine Arte Paper impressa com tintas de base de pigmento UltraChrome Epson. ------------------------------foto 4: Contra-fogo Vale Grande, concelho de Pampilhosa da Serra, 2005 Ao casal Antunes nada foi poupado. O fogo levou todas as árvores de fruto, animais, ferramentas e pequenas máquinas agrícolas. Aos 80 anos, disseram-me que já não tinham forças para olhar toda a destruição de que foram vítimas. 1 de 10 Prova Ultrasmoth Fine Arte Paper impressa com tintas de base de pigmento UltraChrome Epson. -
------------------------------Habaneras Virgílio Ferreira ------------------------------Havana é linda de morrer. Sabe-o quem a conhece, sabe-o Virgílio Ferreira que trouxe estas imagens de cor e Sol e estas outras, perturbadas, de luz e sombra. Sabe-se tudo isto com um aperto no coração, porque Havana é também uma ideia de felicidade e de futuro e, em cada dia que passa, muito do que foi cidade morre em Havana e apenas fica, no rosto dos homens e das mulheres, essa memória do que poderia ter sido e ser, ainda, a cidade de muitas esperanças e muitas realidades.ramentas e pequenas máquinas agrícolas. Aos 80 anos, disseram-me que já não tinham forças para olhar toda a destruição de que foram vítimas.
Havana sobe a partir do porto. A Avenida que vai contornando o mar e a faz parecer mais ilha, o Malecon, acorda sempre tarde, porque se deita fora de horas. Os cafés, que invadem todo o passeio e obrigam a descer ao asfalto, separam-se pela música que insistentemente os esclarecem, pelos cheiros e pela decoração; há de tudo, estruturas ricas e pobres, velhas e muito novas, com anúncio luminoso ou uma tabuleta mínima onde se sacodem palmeiras mal desenhadas. Em todos eles o mesmo tipo de habaneros, negros e morenos, muito brancos ou muito negros, um idêntico ar de família nos gestos dançarinos e no sorriso hábil. No Malecon desaguam as inúmeras ruas que mostram a cidade laboriosa ou política, a Havana dos cartazes turísticos cortada em fatias de permanente estratificação, os largos do regime ou da população, os mercados e os restauros, irmanados na função de postal de Cuba. Mas o Malecon continua imbatível no seu papel de igualização do povo, sujo ou diferente, correndo na ladainha das casas coloniais degradadas, abrigando famílias ou lixeiras, onde uma ninfa qualquer evoca, protegida pelo nome de Fidel, uma Vitória de Samotrácia oscilante , mas não absurda; quando a cidade sobe até ao alto onde os monumentos e os ministérios se rodeiam do difícil verde dos trópicos, em canteiros e rampas bem comportadas, molemente patrulhadas, não
há a cumplicidade das gentes, que desiste de sair à rua, porque o Sol é muito e não se sente a brisa do mar, porque os caminhos morreram com os bairros de habitação em ruina, porque os inúteis canteiros de cimento a rodearem edifícios que nem vagabundos abrigam são desesperanças que não consolam. Subindo do Malecon atravessamse ruas esventradas, onde a água fica estagnada à espera do impossível conserto dos canos, as velhas se sentam nos degraus das portas e, aqui e ali, temos de parar para admirar o recorte de uma varanda colonial, casas que foram burguesas e de trabalhadores, um interior caótico de intenção; e, de destruição em destruição, por entre cabos eléctricos, entrançados à toa, que descem dos andares dos prédios, alimentados por motores abandonados nos muitos conflitos alheios, entende-se que em Havana, o espaço é de refúgio e a rua o acontecer. São as mesmas pessoas que encontramos no Passeo que sobe da Praça Martí, encostadas nos bancos de azulejo, pastoreando crianças muito pequenas, os mesmos velhos que vendem o boletim do partido, assegurando, pelo uso de óculos bem actuais, que a saúde pública é ainda generalista, as mesmas raparigas e mulheres que atravessam as ruas como uma rajada de luz e podemos encontrar em locais menos convenientes e mais dolorosos, enquanto pequenos conjuntos musicais nos obrigam a ouvir a selecção que vai valer um dólar ou uma recusa. É isto que o fotógrafo nos mostra, ou que inventa para nós: existe aquele casal de fogo, com o menino,
aquele olhar duradouro, aquela certeza incerta? Sobre esta cidade esgotada que mantém abertas a sua catedral e as suas igrejas, onde na rua Obispo, o maior “picadeiro” da capital se pode encontrar quase tudo, e os corpos resplandecem, criados para as fotografias que apenas Virgílio Ferreira faz assim, a riqueza maior são as pessoas, com a sua beleza dominadora, as cores da diversidade cubana, a gentileza da sua atenção e desplante. As portas torneadas, as colunatas decadentes, o amarecelecer das tintas, os canos rebentados ou os bonitos lagos secos dos jardins, compoem dezenas de cenários de ópera, atravessados por uma azáfama que se pretende pontual, por um coro de música que persegue a memória das coisas. Maria do Carmo Serén
------------------------------A consciência da História no olhar de Júlio de Matos filipa marques ------------------------------As salas escuras de revelação e as obras, nada obscuras, mas ingratamente esquecidas nos recônditos da História, são o habitat natural de Júlio de Matos. Fotógrafo de formação, mas sobretudo por uma paixão despertada ainda na infância, Júlio de Matos encontra na fotografia «uma forma extraordinária de ver o mundo» e de dar a conhecer outras realidades. Prova disso são os inúmeros projectos e exposições que já realizou, o último dos quais “Fading Hutongs”: a captação pela objectiva das pessoas, casas e ritmos de vida da velha Pequim, que está a ser velozmente demolida pelo progresso. Depois de marcar presença no Centro Português de Fotografia, no Centro Científico e Cultural de Macau e no Centro Cultural Vila Flor, a exposição, também retratada em livro, encontra-se actualmente na Galeria Wolk da Escola de Arquitectura do MIT e depois deverá viajar pelos EUA, o país que «lhe alargou os horizontes da fotografia» aquando da sua estadia no Rochester Institute of Technology no final dos anos 70. «Em 2009, gostaria de levála até Pequim», confidencia o fotógrafo, como que buscando, depois de ter passado do Velho Continente ao Novo Mundo, deixá-la no lugar ao qual pertence.
Filho de Portugal, habitante do Porto e cidadão do Mundo, Júlio de Matos encontra todavia no continente asiático a sua segunda casa, à qual regressa sempre que pode. «A Ásia era o desconhecido, a zona do globo sobre a qual tínhamos menos informação. E acabou por ser o ponto de partida para uma nova geração de projectos», confia, levando-nos em seguida por uma viagem no tempo e no espaço – duas grandezas físicas intrínsecas ao seu universo. São já 20 anos a calcorrear os caminhos mais improváveis da Ásia, descobrindo através da objectiva da sua máquina fotográfica novas formas de pensar, diferentes modos de viver, retratados em imagens estáticas plenas de vida. Indonésia, Sri Lanka, Birmânia, Cambodja, Vietname, Tibete, Nepal ou Índia são alguns dos locais “revelados” pelo fotógrafo, que resultaram em projectos como “Manikarnika Ghat – Porta do Paraíso”, publicado em 2003, ou “Ta Prahom – A Memória do Mundo”, realizado em 2001. No entanto, “Casas de Brasileiro”, o novo projecto que o move centra-se no seu país de origem e retrata a construção brasileira em Portugal, no final do século XIX e inícios do século XX. «Os portugueses que imigraram para o Brasil e regressaram depois a Portugal trouxeram consigo um tipo de construção que, embora sem um estilo unificador, possui uma presença muito forte, reflexo da nova riqueza dos seus proprietários», afirma. «Tratase de um retrato afectivo sobre um outro tempo e um regresso à infância, na medida em que algumas das casas retratadas são casas míticas que povoam as minhas recordações de criança».
A primeira mostra fotográfica sucede em 29 de Outubro, no Museu de Arte da Bahia, em Salvador, inaugurando também em Brasília, no Museu Nacional, projectado por Niemeyer em 12 de Novembro e no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro em 25 de Novembro. Ao longo da carreira de Júlio de Matos, a fotografia tem coabitado transversalmente com a arquitectura. Uma aliança perfeita entre duas expressões artísticas que muito o influenciam e continuam a inspirá-lo. «A formação em Arquitectura dá-me uma sensibilidade acrescida», explica, não deixando de sublinhar a importância que teve a sua passagem pela Escola Superior de Belas Artes do Porto. Mas considera o seu período «mais heróico» aquele que passou na Cooperativa Árvore, onde fundou o Curso Superior de Fotografia e do qual foi director até 1986. «Como não havia quaisquer facilidades, foi necessário um grande envolvimento não só profissional como pessoal», enfatiza. «Todos os meus outros projectos foram relegados para segundo plano». Para compreender Júlio de Matos e a complexidade dos personagens que coexistem no seu interior e transparecem na sua obra: o fotógrafoarquitecto, o realistasonhador, o sedentário-nómada… nada melhor do que mergulhar nas profundezas das suas fotografias.
------------------------------XINJIANG FOREST -------------------------------
------------------------XINJIANG PORTRAITS -------------------------
------------------------------FADING HUTONGS -------------------------------
------------------------------TRÍPTICO INÊS D'OREY ------------------------------Nos últimos anos, tenho desenvolvido o meu trabalho em diversos projectos onde defino temáticas pré-definidas, que exploro mais ou menos até à exaustão. Este tríptico foge à regra. Para expôr na Fábrica Social, a convite do Curso de Artes Visuais Fotografia da Escola Superior Artística do Porto, avancei com outra experiência: um ensaio fotográfico no domínio do formal, apresentado como uma instalação temporária que se desintegra com a desmontagem da exposição. As 3 fotografias que formam este conjunto foram realizadas em 3 anos consecutivos, de 2006 a 2008, sem que tivesse havido qualquer intenção a priori de as corelacionar. A representação óbvia de um ser humano, um ser natural e um ser artificial sustenta as características próprias de cada um, mas o impacto da visualização das 3 lado a lado, poderá potenciar interpretações alternativas, possibilitando a transposição do observador para uma eventual análise no domínio do conceptual.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------
A reutilização e a recontextualização de fotografias é um processo que tenho vindo a utilizar no meu trabalho. A intenção é explorar novos significados através da interacção de uma imagem, seja com outra imagem, com um som ou com um texto, potenciando assim, a capacidade da fotografia de transformar qualquer objecto (fotografado). A complexificação do campo de leitura, poderá assim induzir a uma observação mais demorada e capaz de chegar, subjectivamente, a outros lugares. [ 49,2 x 61,8cm impressão lambda a cores ]
------------------------------As grandes divas paulo pimenta ------------------------------Eu não sou escritor, mas sim fotógrafo. Portanto, esta é a parte mais difícil do trabalho, escrever um texto sobre o projecto para o qual fui convi dado. Amo aquilo que faço que é fotografia, e é através dela que consigo escrever aquilo que senti sobre alguma coisa que fiz. Eu sei que os tempos mudaram, mas eu ainda continuo a acreditar que uma imagem vale o que vale pela sua mensagem, é uma forma de expressão e de co municação. São os momentos, as angústias, as magias, o clímax que a fotografia dá e é através dela que eu tento ao máximo partilhar o meu mundo com os outros.
CHAVELA VARGAS
Quando surgiu o convite pela Luísa Pinto, em outubro, para fazer um trabalho fotográfico sobre mulheres que marcaram o séc.XX, não tive desde logo a consciência do desafio que me estava a ser proposto. Mas aceitei na hora: nos últimos dez anos, Luísa Pinto encenou peças de teatro em que entravam personagens como Greta Garbo, Marlene Dietrich, Florbela Espanca, Sarah Bernhard, entre outras. Foram essas personagens que luísa pinto me propôs fotografar, mas agora com actrizes muito especiais: seriam reclusas do estabelecimento prisional de santa cruz do bispo quem iriam encarnar essas mulheres que marcaram, das mais variadas formas, o século XX. Com os figurinos desenhados por luísa pinto, essas verdadeiras divas foram fotografadas num ambiente de época.
------------------------------“- O que é que queres dizer? Tudo é contável. Basta começar, uma palavra a seguir à outra. - Uma coisa que já não se deve contar. Uma coisa cujo tempo passou, cada tempo tem os seus próprios relatos, e se se deixa passar a ocasião, então é melhor calar para sempre, às vezes. As coisas prescrevem e tornamse inoportunas. - Eu não acho que haja alguma coisa para que o tempo passe, tudo existe, à espera de que o façam voltar. Além disse, toda a gente gosta de contar a sua história, inclusivamente os que não têm nenhuma. Se os relatos são diferentes, o significado é o mesmo.” Javier marías Coração tão branco
------------------------------«Temos um provérbio que diz: “isto é o céu e isto é a terra” para indicar dois pontos opostos. Aqui em cima estão próximos.» "Claro, don rafaniè, aqui no cimo de montedidio basta um salto para estar no céu. Vão ser preciso muitos, e muito balanço. Quando sonhas em voar não tens peso, não tens de convencer a força a manter-te no ar. Mas quando chegam as asas e o corpo tem de se aprontar a sair pelos ares, então é preciso violência para te erguer da terra, um salto como uma faca que te deve arrancar ao chão como um corte." Montedidio Erri de luca
EDITH PIAF
FRIDA KAHLO
COCO CHANEL
------------------------------paisaxes interiores manuel sendón ------------------------------Quando no ano de 1989 me convidaram a participar numa exposição colectiva sobre a Paisagem, dei-me conta que em vez de realizar uma série de fotografias directas era mais interessante reflectir sobre o uso que delas se fazia. Chamou-me especialmente atenção o facto de que as imagens da “realidade” acabam por ser elementos fundamentais no momento de configurar uma nova “realidade”, com tudo o que isso implica.
As paisagens que aparecem naqueles interiores, não estão ali por mero acaso, mas foram cuidadosamente escolhidas para serem expostas nas montras dos estabelecimentos que as vendem a metro, resultando em alguns casos vistas da cidade de New York, frequentemente iluminada para lograr uma maior idealização, e noutros casos, cataratas, lagos, rios, ou bosques nos quais aparece uma acção distorcida do homem. Constata-se, assim que à medida que os nossos espaços naturais se vão destruindo numa velocidade vertiginosa, aparecem imagens de naturezas idílicas decorando os nossos interiores.
Por outro lado, podemos advertir também para situações em que as imagens representam cenários familiares aos usuários dos locais onde estão situadas, convertendo-se a fotografia num elemento reforçador das suas prórias características de identidade. Na realidade, “Paisaxes” é uma visão irónica da coexistência de dois mundos o “nós” e os “outros” (como defende Marcial Gondar), em que se aproveitam as possibilidades de confusão da fotografia.
A série “Paisaxes” foi realizada entre 1989 e 1991, ano em que o Centro de Estudos Fotográficos de Vigo a editou em forma de livro con textos de Michael Gibbs e Marcial Gondar. -------------------------------
------------------------------CURSO SUPERIOR DE ARTES VISUAIS - FOTOGRAFIA ------------------------------Grau de LICENCIATURA 6 semestres / 180 créditos ECTS Área Científica predominante do curso: Fotografia ------------------------------Curso do 1º ciclo de estudos do ensino superior, de cariz universitário, conferente do grau de licenciado, adequado ao Processo de Bolonha com o registo R/B-AD-519/2007, constante no Despacho nº 6038/2007, de 23 de Fevereiro, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 59, de 23 de Março de 2007. ------------------------------Objectivos ------------------------------A licenciatura em Artes Visuais - Fotografia apresenta-se como um processo formativo aberto que contempla a abordagem da História e Estética da Fotografia no quadro da Arte Contemporânea, a aprendizagem e experimentação de técnicas, materiais e meios de expressão fotográficos. Sendo desenvolvida a utilização de processos convencionais, alternativos digitais, procurase ainda explorar a inserção do dispositivo fotográfico em práticas artísticas interdisciplinares. ------------------------------Saídas Profissionais ------------------------------Com este Curso pretendese a formação qualificada de profissionais na área da Fotografia, com o objectivo de intervir nos vários domínios das Artes Visuais, nas suas dimensões artística, técnica, pedagógica e científica. • Fotógrafo, Artista Visual e Editor de Imagem (estúdios de fotografia, gabinetes de design, arquitectura e publicidade; jornais e revistas; agências de comunicação, departamentos de imagem e galerias de arte); • Director de Fotografia e Fotógrafo de Cena (cinema e artes do espectáculo); • Docente, Investigador, Crítico ou Curador (instituições públicas e/ ou privadas na área das artes visuais e fotografia)
------------------------------PLANO DE ESTUDOS UNIDADES CURRICULARES ------------------------------1º SEMESTRE / 1º ANO ------------------------------História da Arte I Fotografia I Química e Física da Fotografia Teoria e Análise da Imagem Fotografia e Artes Visuais Práticas Laboratoriais I Psicologia da Arte ------------------------------2º SEMESTRE / 1º ANO ------------------------------História da Arte II Fotografia II Sociologia da Arte Práticas Laboratoriais II História da Fotografia Imagem Digital Opção ------------------------------3º SEMESTRE / 2º ANO ------------------------------História da Arte III Arte Digital Fotografia Contemporânea Projecto I História da Fotog. Portuguesa Estúdio I Opção ------------------------------4º SEMESTRE / 2º ANO ------------------------------Textos de Artistas Edição e Design Gráfico Imagem Multimédia Projecto II Estúdio II Produção Opção ------------------------------5º SEMESTRE / 3º ANO ------------------------------Estética Projecto III Fotografia Aplicada Projecto Laboratorial I Opção I Opção II ------------------------------6º SEMESTRE / 3º ANO ------------------------------Estética da Fotografia Projecto IV Projecto Laboratorial II Estágio Opção I Opção II ------------------------------OPÇÕES ------------------------------Teoria e Prática da Cor Retrato Processos Fotográficos Alternativos Fotografia de Arquitectura Fotografia Urbana Cenografia Animação 3D Fotografia de Reportagem Conservação e Arquivo Teoria e Crítica da Arte Arte Portuguesa Contemporânea Conceito e Processo na Criação Artística Antropologia da Performance Metodologias da Investigação Direito da Comunicação Cultura Contemporânea e Práticas Artísticas
------------------------
------------------------
ÁREA CIENTÍFICA -----------------------1º SEMESTRE / 1º ANO -----------------------HA FOT FOT TCA FOT IMP CS -----------------------2º SEMESTRE / 1º ANO -----------------------HA FOT CS IMP HA FOT
-----------------------OPÇÕES -----------------------FOT FOT FOT
TIPO -----------------------1º SEMESTRE / 1º ANO -----------------------S S S S S S S -----------------------2º SEMESTRE / 1º ANO -----------------------S S S S S S S -----------------------3º SEMESTRE / 2º ANO -----------------------S S S S S S S -----------------------4º SEMESTRE / 2º ANO -----------------------S S S S S S S -----------------------5º SEMESTRE / 3º ANO -----------------------S S S S 133 133 -----------------------6º SEMESTRE / 3º ANO -----------------------S S S S S S -----------------------OPÇÕES -----------------------S S S
FOT FOT TEA MM FOT FOT TCA HA TCA
S S S S S S S S S
133 133 133 133 106 106 106 106 106
CS CS CS TCA
S S S S
106 106 106 106
-----------------------3º SEMESTRE / 2º ANO -----------------------HA FOT HA FOT HA FOT -----------------------4º SEMESTRE / 2º ANO -----------------------TCA FOT FOT FOT FOT FOT -----------------------5º SEMESTRE / 3º ANO -----------------------TCA FOT FOT IMP
-----------------------6º SEMESTRE / 3º ANO -----------------------HA FOT IMP FOT
-----------------------T. DE TRABALHO [HORAS] TOTAL -----------------------1º SEMESTRE / 1º ANO -----------------------80 160 106 106 133 133 80 -----------------------2º SEMESTRE / 1º ANO -----------------------80 160 80 133 106 133 133 -----------------------3º SEMESTRE / 2º ANO -----------------------80 133 106 160 80 133 133 -----------------------4º SEMESTRE / 2º ANO -----------------------80 80 133 160 133 106 106 -----------------------5º SEMESTRE / 3º ANO -----------------------80 186 133 133 266 -----------------------6º SEMESTRE / 3º ANO -----------------------80 186 133 133 133 133 -----------------------OPÇÕES -----------------------133 133 133
ESCOLA SUPERIOR ARTÍSTICA DO PORTO ESCOLA SUPERIOR ARTÍSTICA DO PORTO ESCOLA SUPERIOR ARTÍSTICA DO PORTO ESCOLA SUPERIOR ARTÍSTICA DO PORTO ESCOLA SUPERIOR ARTÍ
-----------------------T. DE CONTACTO [HORAS] CONTACTO -----------------------1º SEMESTRE / 1º ANO -----------------------OT:15 • T:30 OT:30 • TP:45 TP:45 OT:15 • T:30 OT:15 • TP:45 PL:60 OT:15 • T:30 -----------------------2º SEMESTRE / 1º ANO -----------------------OT:15 • T:30 OT:30 • TP:45 OT:15 • T:30 OT:15 • PL:45 OT:15 • T:30 OT:15 • TP:45
------------------------
-----------------------OPÇÕES -----------------------OT:15 • TP:45 OT:15 • TP:45 OT:15 • TP:45
CRÉDITOS -----------------------1º SEMESTRE / 1º ANO -----------------------3 6 4 4 5 5 3 -----------------------2º SEMESTRE / 1º ANO -----------------------3 6 3 5 3 5 5 -----------------------3º SEMESTRE / 2º ANO -----------------------3 5 4 6 3 5 4 -----------------------4º SEMESTRE / 2º ANO -----------------------3 3 5 6 5 4 4 -----------------------5º SEMESTRE / 3º ANO -----------------------3 7 5 5 5 5 -----------------------6º SEMESTRE / 3º ANO -----------------------3 7 5 5 5 5 -----------------------OPÇÕES -----------------------5 5 5
OT:15 OT:15 OT:15 TP:60 OT:15 OT:15 OT:15 OT:15 OT:15
• TP:45 • TP:45 • TP:45 • • • • •
TP:30 TP:30 TP:30 TP:30 TP:30
5 5 5 5 4 4 4 4 4
OT:15 OT:15 OT:15 T:15
• • • •
TP:30 TP:30 TP:30 TC:30
4 4 4 4
-----------------------3º SEMESTRE / 2º ANO -----------------------OT:15 • T:30 OT:15 • TP:45 OT:15 • T:30 OT:20 • TP:45 OT:15 • T:30 OT:15 • P:45 -----------------------4º SEMESTRE / 2º ANO -----------------------OT:15 • T:30 OT:15 • TP:30 OT:15 • TP:45 OT:30 • TP:45 OT:15 • P:45 T:15 • P:30 -----------------------5º SEMESTRE / 3º ANO -----------------------T:30 • OT: 15 OT:30 • TP:60 OT:15 • TP:45 OT:15 • PL:45
-----------------------6º SEMESTRE / 3º ANO -----------------------T:30 • OT: 15 OT:30 • TP:60 OT:15 • PL:45 OT:15 • E:45
-------------------------------
------------------------------LEGENDA: ------------------------------E – Estágio OT - Orientação Tutorial P – Prático PL – Prático e Laboratorial S - Semestral T – Teórico TC - Trabalho de Campo TP - Teórico-Prático ECTS – Sistema Europeu de Créditos Curriculares (European Credit Transfer and Accumulation System) Observação: A oferta das unidades curriculares optativas constantes no quadro das opções poderá ser enriquecida de novas unidades curriculares e o funcionamento de cada unidade curricular dependerá do número mínimo de inscrições a definir pela Escola.
------------------------ESTRUTURA CURRICULAR ÁREA CIENTÍFICA ------------------------FOTOGRAFIA CIÊNCIAS SOCIAIS HISTÓRIA DA ARTE IMPRESSÃO TEORIA E CRÍTICA DE ARTE LIVRE
SIGLA -----FOT CS HA IMP TCA
CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS ------------89 6 22 20 10
TOTAL
147
CRÉDITOS (ECTS) OPTATIVOS ---------------
33 33 ECTS
------------------------Ângela Mendes Ferreira Direcção do Curso de Artes Visuais - Fotografia Escola Superior Artística do Porto ESAP Largo S.Domingos nº 80, 4050-545 Porto ------------------------email angelamferreira@esap.pt T. 22 339 21 30 F. 22 339 21 39 www.esap.pt www.maioclaro.com -------------------------------------------------
ÍSTICA DO PORTO ESCOLA SUPERIOR ARTÍSTICA DO PORTO ESCOLA SUPERIOR ARTÍSTICA DO PORTO ESCOLA SUPERIOR ARTÍSTICA DO PORTO ESCOLA SUPERIOR ARTÍSTICA DO PORTO
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
YOU RESHAPE THE SPACE ALL AROUND YOU, NEW FIGURES APPEAR, NEW CONNECTIONS ARE MADE, A NEW WORLD ARISES OUT OF THE OLD | WWW.MAIOCLARO.COM | ESCOLA SUPERIOR ARTÍSTICA DO PORTO