MINGAU DOS ANJOS CONTO DA QUARENTENA
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INSÔNIA
Uma trovoada e o barulho forte da chuva acordou Aniger. Ela sentiu seu coração batendo forte e imaginou que seus vasos, com os chás e temperos que havia plantado no dia anterior, ficariam inundados, assim como o ninho de passarinho que avistara na árvore pela manhã. Lentamente e procurando não acordar seu marido e sua filha, que ainda dormiam, levantou-se e foi até a cozinha. Estava muito escuro na rua e o frio do começo do inverno da cidade onde morava congelou seus ossos por um instante. Olhou o relógio do micro-ondas e marcava 2h50min. Pensou que havia lido em algum lugar que as 3:00 da madrugada os anjos vêm à terra para atender pedidos dos humanos. Esse era um pensamento bom e que sempre a deixava alegre quando perdia o sono. Olhou para a mesa e nela havia quatro potes de sobremesa voltados para cima e dispostos dois a dois. Ficou imaginando: “Porque quatro, se somos apenas três pessoas que moram aqui em casa?”. Os potes ficaram ali porque foram lavados na noite anterior e não couberam no escorredor de louça. Isso seria algum tipo de sinal? Ela procurava estar atenta aos sinais. Lembrou-se, então, que sua mãe sempre lhe dizia que quando colocamos um prato a mais na mesa é porque vai chegar uma visita. “Será que é isso? Será que um anjo vem mesmo?”, imaginou. O frio em seu corpo diminuiu, pois, seu coração começou a pulsar com mais intensidade ao se alegrar com a possibilidade daquela visita. Pareceu-lhe que o som e o ritmo da chuva aumentaram e agora queriam penetrar seu corpo e sua Alma. Ouviu um pássaro cantar muito ao longe e preocupou-se novamente com ele e com os vasos que, a essa altura, deviam estar com a terra toda espalhada. “Não posso sair lá agora,” pensou. “não posso fazer nada e preciso pensar em um pedido para fazer ao Anjo.”, resignou-se. Sentada à mesa, olhando para os quatro potes de doce vazios e com a chuva cantando no ritmo de seu coração, tentava pensar no que deveria pedir. Seria para o passarinho conseguir se proteger e
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proteger seu ninho? Seria para acharem uma vacina para o vírus causador da pandemia e que estava trazendo tanto sofrimento para a humanidade? Seria para o seu sono voltar? Já estava quase na hora de sua visita chegar e se não formulasse seu pedido, rapidamente, talvez ele não pudesse esperar, afinal os Anjos estavam muito ocupados nos últimos tempos.
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OS TEMPOS
Os Últimos tempos? Aniger balançou a cabeça para os lados e imediatamente tratou de afastar esse pensamento e substituí-lo por uma estratégia de como fazer o Anjo demorar-se um pouco mais em sua casa para que ela conseguisse ter mais tempo para formular um pedido realmente significativo. Também essa seria a primeira vez que ela iria recebê-lo e queria aproveitar ao máximo sua companhia. Lembrou-se, então, que a cozinha de sua casa era o lugar preferido das visitas que recebe. Ali, enquanto preparam o alimento juntos, vão conversando e trocando suas experiências tanto culinárias, quanto de vida. Ela entendeu que ali seria o melhor lugar para recepcionar sua Nobre visita. Resolveu fazer uma sobremesa para colocar naqueles potes que a encaravam como pares de olhos gigantes e que estavam prontos para receberem alguma coisa muito boa. Ela é daquela geração de mulheres que saiu cedo de casa para trabalhar e por isso seus dotes culinários nunca foram muito explorados, mas os doces e os bolos eram as coisas que escolhera para não perder o contato com a cozinha. Quando está cozinhando sente uma espécie de poder que não sabe muito bem definir, mas é como se fosse uma Bruxa ou uma Alquimista que ao misturar ingredientes consegue transformá-los em algo novo. Nesses dias de quarentena tem conseguido praticar mais e até inventado ou testado novas receitas e compartilhado com suas amigas que, como ela, nunca tiveram tanto tempo para cozinharem. Aniger é uma mulher de 52 anos, morena, magra, cabelo liso com uma franja que a acompanha desde a infância. Sempre diz que se sente nua sem sua franja. Ela é bastante extrovertida, comunicativa e transparente, mas a franja está ali para esconder algum segredo que nem ela sabe qual é. Algumas vezes já pensou sobre isso e sobre eliminar a tal franja, principalmente quando aprendeu que na testa fica o seu “terceiro olho” - aquele que é capaz de enxergar as coisas que os olhos não enxergam porém nunca conseguiu ficar muito tempo sem ela. Decidiu, então, que aquela seria sua marca pessoal, sua rebeldia contra os modismos dos cortes de cabelo e principalmente sua conexão com a sua criança interior. Pronto! Essas seriam suas explicações, caso fosse questionada ou criticada. Não usaria seu precioso tempo para pensar mais sobre isso.
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AS MUITAS POSSIBILIDADES
Agora ela já tinha decidido o que fazer com a sua visita da madrugada: iria convidar o Anjo para esperar pelo doce ou ajudá-la a preparar enquanto ia pensando no pedido que faria. Várias coisas vieram a sua mente quase que simultaneamente como a saúde de sua mãe; o futuro de sua filha; os índios na Amazônia; os doentes nos hospitais; os moradores de rua nos dias de frio que estavam chegando; as crianças do mundo; o futuro da humanidade... Tantas coisas precisavam de atenção! Tantas coisas para pedir! Levantou-se rapidamente para expulsar todos aqueles pensamentos e abriu a porta do armário onde estavam seus cadernos e livros de receita. O primeiro que pegou foi o livro “Receitas das Visitas”. Esse era um caderno que Aniger tinha inventado de fazer onde cada pessoa que visitava sua casa deveria preparar uma receita e anotá-la ali com sua própria letra. Já tinham muitas receitas e cada um escrevia do seu jeito. Uns escreviam em forma de poesia, outros em forma de carta, uns deixavam mensagens e desenhos e outros de uma forma bem tradicional. Nada disso importava naquele caderno, mas sim o registro da visita daquela pessoa na sua cozinha. Achou uma boa ideia pedir para o Anjo fazer a sua receita e também deixá-la registrada ali . Sorriu satisfeita com essa possibilidade, pois quem mais teria uma receita diretamente do céu? Pensou em fazer um bolo, assim, no dia seguinte, surpreenderia a família no café da manhã. Ela sempre gostou de fazer esse tipo de surpresa. Riuse ao lembrar que uma vez já tinha feito um bolo de aniversário com sua filha Anabibi, as 4 horas da madrugada, para surpreender seu marido. Isso havia ficado gravado para sempre na memória das duas e, apesar de isso já ter ocorrido há muitos anos, sempre que cozinham juntas, gostam de relembrar essa história. A filha era uma adolescente que certamente criticaria sua ideia de fazer doce às três da manhã para esperar um Anjo, mas Aniger já tinha se acostumado com esse tipo de crítica e entendido que era uma forma de intimidade, visto que só podemos dizer o que realmente pensamos para aqueles que
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amamos de verdade. Como quase todos de sua idade, Anabibi estava na fase de negação do mundo espiritual ou qualquer coisa ligada a religiosidade. Aniger, nessa idade, também se dizia ateia e por isso entende muito bem sua filha. Durante o tempo que essa pequena família estava em casa, puderam se conhecer mais, almoçar e jantar juntos todos os dias à mesa, ver filmes juntos, falar sobre livros e trabalhos escolares que Anabibi estava fazendo. Isso foi algo muito fantástico para os pais de Anabibi que puderam perceber o quanto ela estava madura com seus apenas 17 anos e a beleza de pessoa que estava se tornando. Anabibi é uma garota linda! Também é morena, mas seu cabelo é crespo, também é magra e já é mais alta que sua mãe. Geralmente trás um enorme coque no alto da cabeça que faz com que pareça mais alta ainda. Só usava franjas quando ainda era Aniger que cuidava de seu cabelo. Nesse ano ela vai concluir o último ano do ensino médio e fazer vestibular, mas, assim como a mãe estava indecisa quanto à receita que iria fazer, ela também estava incerta quanto a faculdade que pretende cursar. Aniger nunca se preocupou muito com isso, pois confia que cada pessoa descobre no tempo certo sua vocação. Diferentemente das outras mães, até sugeriu que ela fizesse um ano sabático, para poder ter mais liberdade para escolher. Pois não é que o tempo para pensar veio antes do previsto? Agora, todos estavam tendo um ano meio sabático, inclusive eles, os pais. Todos estavam reavaliando seu modo de viver e trabalhar. Aniger olhava com bons olhos e como uma boa oportunidade esse momento e apesar de difícil em alguns aspectos, poderia trazer bons resultados. Quanto ao pai de Anabibi, ele tem os olhos azuis, também não usa franja e o pouco cabelo que tem, já está ficando grisalho. É um homem forte e muito inteligente. Conheceu Aniger quando ela tinha a idade que Anabibi tem hoje. Eram jovens com muitos ideais em comum e demoraram para resolver ter um filho porque acreditavam que o mundo precisava de muito mais justiça social e humanidade para ser um lugar bom para se viver. Como ele desde criança teve que ajudar em casa, cuidando de seus irmãos mais novos para seus pais trabalharem, isso desenvolveu nele um enorme senso de responsabilidade e a habilidade de cozinhar. Para sorte de Aniger, ele assumiu a cozinha desde que percebeu que ela não se sentia muito à vontade por lá. Café, chocolate e cinema unem pai e filha de uma forma atemporal. São como irmãos conversando nesses momentos. Ele a ensinou a fazer café e o gosto pela culinária. Aniger não gosta de chocolate e nem de café, mas fica sempre por perto aproveitando as suas companhias e assistir filmes juntinhos é um dos momentos que mais lhe trás felicidade.
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AS MELHORES ESCOLHAS
Na pressa de escolher o doce a fazer, não conseguiu pensar em outro que não fosse um mingau. Esse era o doce de quando não tinha outro doce. Era a sobremesa que Aniger improvisava sempre que lhe faltava tempo ou uma ideia melhor. Pensou em trocar o nome para “manjar”, nesse momento, para poder tornar mais nobre esse encontro com o Anjo, mas soube na mesma hora que não conseguiria enganá-lo. Os Anjos sabem de tudo, veem tudo e principalmente sentem tudo, então seria melhor ser honesta com esse que viria a sua casa hoje. Pegou a panela, pegou o leite e uma xícara para medir os ingredientes. Sim ! ela precisava de medidas. Não ousaria errar. Olhou para o relógio . Será que ele vem mesmo? Achou-se meio louca. Seriam esses 52 dias de confinamento sem sair de casa? Deu-se conta que o tempo passara depressa e que estava gostando de fazer tantas coisas que nunca tivera tempo para fazer com sua família. Saber que não precisa sair para lugar algum e que não chegaria ninguém em sua casa estava sendo uma experiência única e totalmente nova que estava vivendo. Aniger gostava da casa cheia, de chamar todo mundo, o tempo todo. Tudo era motivo para ela estar com gente, receber, comer, viajar e trabalhar rodeada de pessoas lhe fazia sentir viva, feliz e energizada. Agora ter que receber as pessoas no portão e não convidar para entrar era como se ela fosse outra pessoa, uma pessoa ainda desconhecida. Já Anabibi e seu pai eram mais acostumados com seus livros e filmes e sua quietude. Aniger era o “Grilo Falante”, era a que inventava onde ir e quem chamar. E agora? Às 3:00 da manhã esperava pelas visitas invisíveis . “Sim!” concluiu “Estou ficando louca! Isso vai ser divertido!” e riu-se, novamente. Ao menos eles poderia convidar para entrar e nem precisaria usar máscara. Abriu a gaveta dos mantimentos e alegrou-se em ver que estava cheia. O esposo, Aurelio se encarregava das idas ao supermercado e agora também abastecia a dispensa de sua sogra para evitar as saídas da senhora, já que ela era idosa e fazia parte do grupo de risco. Aniger ficava muito grata por ele fazer isso por sua mãe. A mãe chamava-se Amélia e, diferentemente de Aniger, nunca trabalhou fora de casa, mas sempre ajudou na economia familiar fazendo trabalhos de costureira ou lavadeira de roupas num tempo que não havia máquinas de lavar nas residências. Foi com esses trabalhos que ela conseguiu pagar os estudos de Aniger e seu irmão Rafael, que tinha nome de anjo.
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O garoto chegou quando ela já tinha 7 anos. Sua mãe sempre a lembra que foi a seu pedido que chegou o irmãozinho, certamente porque queria mais gente em casa. Já Anabibi nunca pediu um irmão, provavelmente porque prefere a paz que é ser filha única, sem disputa de espaço e atenção.
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OS INGREDIENTES
Aniger pegou o pacote de Maizena (amido de milho) e o açúcar e sentiu-se culpada por ainda consumir tanto açúcar branco e dar para sua família mesmo sabendo que ele é considerado um veneno. Agora ela iria dar “veneno” para o Anjo? Será que isso não o espantaria? Quase desistiu, mas pensou assim: “ele vai me perdoar, afinal sabe que eu sou só uma humana e imperfeita”. Lembrou-se que fora sua mãe que ensinou a sempre comer uma sobremesa após as refeições, então não deveria ser errado ou pecado. As mães sempre querem o melhor para seus filhos. Aniger não entendia muito bem essa frase até se tornar uma delas com a chegada de Anabibi. Abriu a gaveta dos talheres e pegou uma colher para medir o açúcar e a maizena. Pensou ter bem mais do que o necessário, afinal eles eram apenas três pessoas naquela casa, mas em seguida lembrou-se que, quando fazia almoços ou jantares para aquelas pessoas queridas que estavam sempre sendo chamadas para estarem junto com ela e sua família, muitas vezes faltavam facas ou garfos. Então falou para os talheres: “aguardem só mais um pouquinho. Em breve vocês vão sair daí para servirem, misturarem-se e interagirem uns com os outros”. Deu um “tchauzinho” para eles e um sorriso. Pensou que estava piorando sua loucura, fechou a gaveta, olhou para o relógio e não reparou a hora porque já não importava. Agora tinha que fazer o que tinha se proposto e se o Anjo não viesse não teria problema, ela mesma iria comer porque a colher queria ser usada. Mediu duas colheres de Maizena, duas colheres de açúcar , misturou no leite que já estava na panela e começou a mexer ainda com o fogo apagado. Sabia que tinha que ser assim. Se o leite estivesse quente antes da Maizena estar bem desmanchada, criaria bolas e o Anjo não iria admirar sua “arte”. Cozinhar é uma arte? Pareceu-lhe que sim, agora. Já tinha ouvido falar isso. Seu esposo decorava os pratos antes de colocar à mesa e sempre dizia: “ O alimento deve ser comido com os olhos, primeiramente.” Ela concordava com isso, mas não se importava de comer no pote de plástico desde que isso fosse mais rápido para ela poder voltar para suas atividades, fossem elas quais fossem. É certo que , quando ela fazia seus doces e bolos, também se preocupava em deixá-los bonitos e agora cuidava da aparência do mingau para seu convidado Anjo. Acendeu o fogo e o acendedor automático fez barulho. Pensou que Anabibi e Aurélio poderiam acordar e ela teria que explicar o que estava fazendo àquela hora na cozinha. Pensou numa desculpa: poderia dizer que estava com fome, mas desistiu de pensar nisso. Olhou para a rua e viu que a chuva diminuíra, agora.
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Ouvia o barulho do fogo. Nossa! O fogo cantava. Surpreendeu-se e entreteve-se enquanto mexia a panela. Abaixou-se um pouco para olhar para o fogo azulado do fogão. Mas o fogo não era para ser alaranjado? O da fogueira é laranja, aliás, cor de fogo. Essa cor não está nem na paleta e nem nos lápis de cor que sua filha usa para pintar suas aquarelas secretas. Sim, Anabibi desenha lindamente! Também faz origamis e toca ukulelê, mas nada ultrapassa a porta de seu quarto. Aniger fica toda orgulhosa desses dons artísticos de sua filha e reconhece que nunca teve paciência e disciplina para aprender essas atividades. Resolveu diminuir o fogo e olhar o leite ainda líquido circulando, circulando...o calor subiu pela colher e aquecia seus dedos. Pensou em pegar uma colher maior, uma colher de pau, quem sabe? Desistiu e resolveu acreditar naquela que havia escolhido. Ela daria conta, com certeza! Afinal era uma boa colher! A fumaça entrou pelas suas narinas e aqueceu todo o seu corpo. Lembrou que estava de pijama e que se respingasse, teria que colocá-lo para lavar. Não ! isso não seria um problema. Gostava de lavar roupas bem mais do que cozinhar. Deveria ter herdado da mãe esse gosto. Pensou que seria bem melhor ter herdado o talento culinário, mas entendeu que algumas coisas não cabem a nós escolhermos. Assim como a colher, ela era boa no que escolheu se tornar e dava conta de seu trabalho! Agora o mingau começou a espessar. Como pode isso? Seria um tipo de magia? Será que é o calor do fogo que dita a hora em que o líquido vira sólido? Ou seria o tempo? Deveria ter olhado quantos minutos demorou. Mas para que? A quem interessaria isso? Cada um faz o “seu” mingau e com sorte ele ficará pronto no tempo certo. Uns ficarão mais duros, uns mais doces que outros, enfim...os resultados irão depender do tempo e da atenção dedicados a ele. Absorta nesses pensamentos, considerou que tudo na vida precisa desses dois ingredientes: tempo e atenção. Quando ia pensar sobre como estava o “mingau dos relacionamentos familiares” e onde havia errado com seu irmão, o anjo que ela mesma convidou para sua vida, levou um susto enorme com uma batida forte no vidro da janela.
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AS BOAS COMPANHIAS
Seu coração descompassou e todo seu corpo começou a pulsar junto “É ELE! Chegou! Será que precisava me assustar desse jeito?” indignou-se. Olhou para a janela no impulso e, com a velocidade de quem acorda num sobressalto no meio de um sonho ruim, “caiu em si”. Essa é uma a expressão que se usa quando a pessoa acorda repentinamente e a Alma, que está viajando, volta para o corpo. Aniger estava acostumada com isso, mas agora ela estava acordada e isso foi novo e estranho para ela. Era ELE ! O quarto membro da família, o gato quase preto, o Frajola, que se equilibrava entre o vidro, a grade e os vasinhos de chás e temperos que Aniger tinha na janela. Já fazia algum tempo que ele não subia ali porque agora, com a família em casa por tantos dias, as portas estavam sempre abertas para ele circular livremente. Frajola era um gato grande e peludo que apareceu na casa da outra avó de Anabibi, a mãe do seu pai, que se chamava Rominha. Ele tinha as patas e o peito brancos, muito brancos , como se fossem lavados com frequência, mas na verdade, ele só havia tomado um banho no pet shop e teve que ser anestesiado para isso. Aniger achou aquilo muito violento contra a sua natureza e não o levou mais. Ele é muito selvagem, tem uma cara de bravo e costuma ficar sentado no portão da casa como um guardião. Quando passa algum cachorro conduzido pela coleira, ele estica o pescoço e olha tão fixamente que o cão baixa sua cabeça e segue sem latir. Aniger costuma brincar com quem passa dizendo :”Cuidado que meu gato é bravo e ele pode atacar seu cachorro”. Ela gosta de quebrar alguns paradigmas, de dizer coisas fora do senso comum, surpreendendo e desafiando as pessoas a verem o mundo por outros ângulos. Percebeu que não tinha pensado que ele poderia espantar o Anjo ou até mesmo comê-lo porque às vezes ele comia alguma pomba que se atrevia a visitar o pátio. Já os bem-te-vis ele deixava até comer sua ração e fingia que não estava vendo. Virava a cara devagar e fechava os olhos preguiçosamente. O pai de Anabibi tentava encontrar alguma explicação lógica para aquele
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comportamento, enquanto Aniger só se divertia com a situação e Anabibi, não resistindo a tamanha fofura, tratava de ir pegá-lo no colo e apertá-lo, dizendo: “Ele é muito bonzinho!” Frajola chegou ainda pequenino e foi crescendo com Anabibi. Já vieram outros gatos morar na casa, mas só ele quis ficar. Ele tem liberdade de ir e vir, pode sair pela grade, subir nos telhados dos vizinhos, pular muros e atravessar a rua. Aniger nunca gostou de ver os animais presos e prefere os gatos por eles serem mais independentes.
Ele olhava para Aniger como a perguntar o que ela estava fazendo ali na cozinha a uma hora daquelas. Ela, depois de xingá-lo pelo susto que lhe dera, decidiu não dar muita explicação e só disse : “Estou fazendo um mingau.¨ Ele deu duas piscadas longas, mexeu os longos bigodes, farejou que se tratava de algo com açúcar branco e que não lhe interessava. Limitou-se a responder: “-Miau!” Como quem diz “ -OK” e não julgou se a hora era ou não apropriada para fazer um doce ou nem mesmo qual a finalidade. Aniger sentiu-se apoiada por ele e piscou o olho com a cumplicidade que só velhos amigos têm. Pensou em pedir para que ele não espantasse a visita quando ela chegasse, mas confiou que o Anjo seria esperto o bastante para vir disfarçado de bem-te-vi.
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O NOVO MUNDO
Mingau pronto! Agora era só colocar nas tigelas que ainda estavam ali em cima da mesa esperando pacientemente. Aniger pensou que se a visita demorasse muito, o doce iria esfriar e mingau quentinho fica bem mais gostoso! Olhou para o relógio e já tinha passado das três horas, na verdade eram 3:33. Nossa! Que sorte! Isso deve ser um sinal! Aniger estudava numerologia e o número 3 é carregado de simbolismos, os três reis Magos, as três pirâmides do Egito, a Santíssima Trindade, a perfeição do triângulo e sua família de três humanos. Também acreditava nos portais e na sincronicidade. Sempre que olhava para o relógio e os números eram repetidos, parava o que estava fazendo, abria as mãos para o céu e dizia palavras positivas: “Saúde, beleza, riqueza, boa sorte, alegria, amor...” e seguia falando e vibrando nessa energia até trocar o minuto. Ultimamente, em casa, podia ver mais esses horários e percebeu que fazia muito mais vezes ao dia essa entrada nos portais. No começo, as pessoas estranhavam e criticavam essas “loucuras” de Aniger , mas com o tempo foram se acostumando e aqueles que não tinham coragem de fazer também, passaram a avisá-la para que ela fizesse. Ela sabia que, na verdade eles estavam fazendo através dela e ficava feliz por isso. Sentia-se apoiada, mais ou menos como o gato fizera na janela. Essas pequenas coisas faziam Aniger sentir-se amada e cada vez mais feliz para seguir na vida e em seus propósitos. Acreditava que tudo que o mundo estava vivendo nesse momento, era em função do portal do Ano 2020 e que esse tempo de isolamento social que estavam tendo era necessário para atravessarem o Portal do Novo Mundo. Era preciso limpar velhas crenças, limpar a casa, arrumar gavetas e relacionamentos. Somente com tempo e atenção poderíamos fazer isso. Só mesmo uma pandemia poderia ser capaz de fazer todos largarem seus trabalhos, estudos, festas e viagens para cuidar de sua saúde física e mental. Através de algo invisível aos olhos - um vírus - entender que a vida é o nosso bem mais precioso. Aniger não tinha certeza de que sua lógica fazia sentido e muito menos esperava que a maioria das pessoas a sua volta conseguiriam entender e aceitar essa teoria, porém estava certa de que, com o sofrimento pelas perdas materiais e até de entes queridos, muitos seriam obrigadas a crescer. Ao menos com ela foi isso que aconteceu: crescera muito nos momentos mais duros de sua vida. Percebia a sua volta que os que mais tinham condições materiais de ficar em casa, eram os que estavam se sentindo mais prejudicados e queriam que suas vidas voltassem logo “ao normal”. Não estavam dispostos a pensar sobre o momento e nem sobre como aproveitar esse tempo, queriam apenas
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seguir em frente e agarrar-se somente as coisas do mundo exterior. Será que mesmo depois dessa experiência a humanidade não iria rever sua forma de viver nesse planeta? Perguntava-se com frequência: Como seria esse Novo Mundo onde Anabibi viveria? Como seriam as pessoas que estariam no mundo com ela? Aniger conhecia vários dos seus amiguinhos porque sempre os chamava para sua casa, juntamente com seus pais. Sempre acreditou na força dos grupos e que, quanto mais pessoas estiverem bem e felizes , maior e mais abrangente é a energia boa emanada, a energia do Amor. Acreditava que eles estavam preparados para atravessar o portal com muito mais desenvoltura do que a sua geração e que para isso precisavam apenas de liberdade e confiança. Aniger deseja muito viver essa Nova Era ao lado de sua filha e espera que ela aceite sua companhia. A geração de Anabibi é bastante preocupada com o planeta, são empáticos, justos e responsáveis. Eles cobram o uso de máscaras e, apesar de contrariados, respeitam o isolamento social por entenderam essa necessidade momentânea. Cada família está passando por esse momento de uma forma diferente e de acordo com suas crenças pode estar sendo mais fácil ou difícil. Para cada indivíduo está sendo uma experiência única e uma possibilidade de crescimento imensa! Aniger tenta mostrar esse lado para sua filha, mas é claro que Anabibi pensa que todos esses assuntos sobre energia, inconsciente coletivo e portais não fazem nenhum sentido e que são muito chatos, mas Aniger tem a certeza que na hora certa , ela vai ter esses ensinamentos guardados em algum cantinho de seu coração e usá-lo como ingrediente na sua vida ou, ao menos, como um tempero. De uma coisa tinha certeza: seria um mundo melhor e com mais pessoas dispostas a construir e cuidar de si mesmas e de tudo ao seu redor. Um mundo com mais pessoas solidárias e com menos egoísmo. As sementes estão sendo plantadas agora e é só ter um pouco de paciência para colher.
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A COBERTURA
Como o Anjo ainda não havia chegado, resolveu fazer uma cobertura para o mingau. Ela poderia simplesmente colocar uma canela em pó, ou poderia ser uma calda de açúcar queimado, ou goiabada derretida ou ainda calda de ameixas. Ela tinha todas essas opções e então deu-se conta que ter excesso de opções pode virar um problema, na medida em que fica mais difícil fazer as escolhas. Pensou no que o Anjo gostaria, pensou no que daria menos trabalho, no que sujaria menos panelas, no que faria menos barulho e no que ficaria melhor por mais tempo, caso ele demorasse e que precisasse comer só no café da manhã com Anabibi e Aurélio . O que sua família gostava mais? Por que se preocupava tanto com os outros? Seria por causa do tal Amor? Lembrou-se de sua mãe e viu que fazia igual. Sim, com certeza era o amor. Querer agradar e cuidar de alguém é a forma que os humanos inventaram de dizer “Eu te amo” sem usar as palavras. “Talvez as palavras não sejam tão confiáveis,” pensou. Será que o Anjo viria conversar? Será que os pedidos teriam que ser em palavras? Talvez não! Essa possibilidade retirou um peso dos ombros de Aniger e ela até soltou um suspiro profundo. Relaxou e decidiu fazer a cobertura com a goiabada. As melhores decisões parecem que são tomadas quando estamos mais tranquilos. A inspiração vem quando deixamos a mente e o coração abertos. Decidiu abrir uma fresta na janela para esperar sua visita, pois assim como o Frajola só entra no quarto de Anabibi quando a porta está aberta, talvez o Anjo também gostasse dessa facilidade. Aniger colocou a goiabada num potinho fundo e levou ao micro-ondas por 30 segundos . Seria o suficiente? Talvez não, mas poderia colocar mais tempo se precisasse. Pensou que a maioria das coisas da vida é assim: sempre temos a chance de refazer ou recomeçar. Seria esse o momento de a humanidade recomeçar? O apito do micro-ondas poderia ser ouvido lá dos quartos, então resolveu fechar a porta da cozinha cuidadosamente para reduzir o barulho. Olhou a goiabada e ela nem havia aquecido ainda, recolocou-a no micro-ondas e foi segurando a porta para fazer o mínimo de barulho possível. Agora colocou 3 vezes 30 segundos e quando retirou ele já estava derretido e quente. Esmagou com uma colher que pegara “no automático” da gaveta. Quantas coisas fazemos no automático? Quando julgamos saber muito bem alguma coisa, já não prestamos atenção nos nossos movimentos. “Antes desse momento estávamos todos no automático,” pensou. Passou a mexer a goiabada mais vagarosamente e encantou-se com a cor vermelha intensa e as pequenas sementinhas amarelas clarinhas no fundo do pote branco de louça.
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As cores...fortes e fracas...lembrou-se novamente das aquarelas da Anabibi...todas tão delicadas como ela! Nada comparado com aquele vermelho da goiabada. Ficou feliz em poder enxergar as cores e formas. Lembrou-se que quando Anabibi era pequena, gostava de mostrar-lhe o pôr-do-sol e dizer que Deus estava pintando de laranja, rosa, violeta e esverdeado o céu que normalmente era azul com nuvens brancas. Aniger dizia a ela que aquela era a hora em que Deus trocava as tintas e os pincéis e mais tarde ele ia pintando tudo de preto e pintava as estrelinhas de cor de prata no céu. Era uma forma de dizer para Anabibi que não precisava ter medo da noite, pois tudo que nela existia, eram as mesmas coisas que havia no dia, porém pintado de preto. Isso fez com que sua filha nunca tivesse medo do escuro. Assim ficavam horas observando a natureza da varanda da casa no sítio. Naquela época a tecnologia do celular e wi-fi, ainda não eram tão avançadas. Era um tempo em que os livros e os dvd’s com filmes infantis enchiam as malas e viajavam para lá e para cá todo final de semana. Aniger viajou nessa lembrança e deliciou-se lembrando de seus pais que quase sempre estavam presentes nesses momentos. Era o sítio onde a mãe de Aniger nascera e onde passou toda sua infância e juventude. Agora sua neta podia ver o mesmo pôr-do-sol, riachos e estrelas. Uma lágrima de saudade rolou e o cheiro da goiabada veio consolá-la e dizer que a dor da falta também é boa, pois ela nos ensina a dar valor à presença e ao momento presente. Aniger sabe que viveu e vive intensamente as companhias, as vidas que estão a sua volta e todos que passaram por ela e que já partiram fisicamente ou não. Há muito tempo já havia entendido que as melhores coisas da vida não são “coisas” e sim as pessoas e suas companhias. Concluiu, então, que as pessoas são a cobertura da sua vida, pode até viver sem, mas fica mais delicioso e bonito com elas.
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A HORA DO SIM
Nesse momento ouviu o badalar do sino e deu-se conta que havia tempo que não o escutava. Sua casa ficava em frente a uma grande igreja de tijolos à vista e que, apesar de várias campanhas na comunidade para rebocá-la, a verba nunca fora suficiente. Aniger preferia que ela continuasse assim porque gostava da cor do barro dos tijolos que avistava quando abria sua janela da sala. Aquele tom alaranjado, misturado com o verde das folhagens era alegre, era vívido e era acima de tudo muito natural. Era muita sorte morar em frente a uma igreja, pois podia ouvir os cantos das missas e ver os casamentos e batizados de sua janela como num grande telão da vida. Todos os grandes eventos da vida de Aniger foram registrados e abençoados nessa igreja cujo padroeiro era São Judas Tadeu, o primo de Jesus, que é o Santo das causas impossíveis. Havia uma novena para ele em outubro e o único período em que se incomodou com os sinos, os ônibus de excursão dos peregrinos e os foguetes ao longo do dia, foi no ano do nascimento de Anabibi, pois isso não deixava o bebê recém nascido dormir em paz. Foram nove dias difíceis em que ela teve que entender que o coletivo era mais importante do que o particular, mesmo que o particular fosse a coisa mais importante da sua vida: sua filha! O badalar do sino despertou-a para essa consciência e ela sentiu que estava fazendo a coisa certa ao ficar em casa para evitar o risco de contágio e disseminação do vírus na sua cidade. Quando Aniger era criança, queria muito saber quem tocava o sino a noite toda e sua madrinha, que era muito ativa na comunidade e frequentava a igreja, lhe dissera que eram “os anjinhos”. Que eles ficavam acordados a noite cuidando de tudo e de todos enquanto nós dormimos e que não podiam ver um sino que iam até ele para brincar. Aquilo ficou no imaginário de Aniger por muitos anos. Aqueles anjinhos rindo-se e voando nas torres das igrejas com suas batas brancas esvoaçantes e fazendo a maior folia! Queria muito poder vêlos algum dia quando eles se distraíssem.
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Já fazia muitos anos que ela não lembrava dessa história...desde que seu irmão com nome de anjo nasceu, talvez? Tentou lembrar, mas não conseguiu. Será que era por isso que ela gostava de colecionar sinos? Tinha um sempre na cabeceira de sua cama e quando acordava, tocava-o em volta de seu corpo para acordar seu “corpo áurico” e seus chakras. Riu-se e balançou a cabeça pensando que aquilo não era mais uma de suas ‘maluquices” como todos pensavam. Aquilo era um conhecimento adquirido quando ela também era pura e inocente como um deles, como um anjo! Deu-se conta também que quando acordava na madrugada e o sono não vinha, era o sino da igreja que lhe fazia companhia. Ficava esperando para ver se estaria acordada no próximo badalar ...as vezes sim, as vezes não... sabia que mesmo que ela não o escutasse, ele tocaria para quem quisesse ou pudesse ouvi-lo. Quantas coisas acontecem independente de nós? Os sinos, as ondas do mar, os rios, as outras pessoas... não conseguimos saber tudo e muito menos controlar todas as coisas do mundo. “Como somos pequenos!” pensou Aniger. Nosso poder de ação é bastante limitado, quase irrisório. Apenas conformou-se com isso, torcendo a boca para o lado, erguendo suas sobrancelhas e voltando para a atividade que estava a seu alcance. Além dos sinos , a quarentena tem lhe proporcionado ouvir a “Hora do Angelus” ou Hora da Ave-Maria. Aniger sempre para o que está fazendo, vai para a janela e fica olhando para a igreja com as mãos voltadas para o céu escutando a linda música em latim e sabe que é a hora do “sim”. A hora em que a virgem Maria aceita o chamado do Anjo Gabriel para ser a mãe de Jesus. A hora em que uma mulher, humana como Aniger, fez contato com um ser de luz. Quando pensou nisso, arregalou os olhos e sentiu um pouco de medo desse contato. E se, ao invés dela fazer o pedido, fosse o anjo que pedisse algo? Claro que não seria nada comparado com o pedido feito à Maria, mesmo assim essa ideia fez com que ela sentisse um calafrio. A fé e a humildade perante os pedidos do Senhor que Maria demonstrou eram demais para Aniger. Ela era muito imperfeita e não estava pronta para atender o pedido de um Anjo, talvez nem para recebê-lo em sua casa. E agora? Desistir de esperar por ele? Voltar bem quietinha para cama e fingir que nada tinha acontecido? Acreditou que o portal já havia aberto há vários dias e o “sim” já tinha sido ouvido pelo “Angelus”. Era tarde demais para desistir, fingir ou mesmo fugir. Respirou fundo, ficou séria e sentiu um peso de responsabilidade sem entender pelo quê. Seu coração bateu forte. Prosseguiu na sua atividade sem pensar mais nisso. “Quando chegar a hora eu resolvo o que fazer” , decidiu.
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Começou a pensar no papel das mulheres no mundo. Pensou nas mães, na sua mãe nas suas avós e na sua filha. Quantos “sim” foram ditos até chegarem nessa geração? Essa força interna que as mulheres têm de gerar a vida, é a mesma força que as faz lutar por ela. “Queremos viver, queremos alimentar, queremos amar e ser saudáveis e, quando nos unimos, fica mais fácil dizer sim a tudo que o mundo nos oferece, tanto os desafios como as oportunidades.” Ultimamente estava sentindo uma necessidade de criar grupos de mulheres para estudos e trocas de experiências e saberes durante esses dias de isolamento. Estava conhecendo mulheres incríveis: poetisas, escritoras, terapeutas, artistas plásticas e cantoras que começaram a compartilhar seus dons. Sentia como se todas as mulheres estivessem dizendo ”Sim” para a construção do novo mundo e compartilhando seus talentos e forças para superarmos esse momento. Ficou grata e feliz por ter uma filha mulher ao seu lado e seu coração bateu macio.
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O SILÊNCIO
Olhou para o relógio, olhou para a rua, ouviu um silêncio profundo. A chuva havia parado, o mingau e a cobertura estavam prontos, o Anjo não veio, ninguém acordou, não sentia mais frio, já não tinha mais nada para pensar, lembrar ou planejar. Era um total silêncio dentro e fora de Aniger. Já não importava se o Anjo viria, se o mingau iria esfriar, se os vasos tinham transbordado, nem mesmo se sua família iria acordar. Que quietude! Que quietude! Nem riso, nem choro! Então era isso? Os anjos estavam ali o tempo todo, estavam dentro de Aniger e eram eles que tocavam seu coração no ritmo da vida? Estava sentindo uma plenitude que nunca havia sentido antes. Fechou os olhos por um instante, sorriu e suspirou profundamente. Seu coração batia silencioso. Abriu os olhos e voltou silenciosamente para seu quarto. Eram 5:55 da manhã e o primeiro raio de sol entrou pela janela enquanto o bem-te-vi cantava, mas isso Aniger não viu pois já tinha fechado a porta de seu quarto.
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