pas. sa.gem ARQUITETURA COMO INSTRUMENTO DE REINSERÇÃO SOCIAL DE IMIGRANTES E REFUGIADOS
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO
SÃO PAULO | AGOSTO 2020
ESCRITO POR: BIANCA FORASTIERO BRANCATELLI ORIENTADOR DE MONOGRAFIA: PROF. MS. ANTÔNIO FABIANO JUNIOR ORIENTADOR DE PROJETO: PROF. DR. LUCAS FEHR 2
ARQUITETURA COMO INSTRUMENTO DE REINSERÇÃO SOCIAL DE IMIGRANTES E REFUGIADOS
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“As histórias importam. Muitas histórias importam. As histórias foram usadas para espoliar e caluniar, mas também podem ser usadas para emponderar e humanizar. Elas podem despedaçar a dignidade de um povo, mas também podem reparar essa dignidade despedaçada.” Chimamanda Ngozi Adichie 05
SUMÁRIO 00_ introdução | 09 01_ territórios e fronteiras do mundo | 12 01. princípios da imigração| 13 02. o contexto pós segunda guerra mundial e a consolidação do direito internacional de refugiados | 15 03. o refúgio mundial relativo à contemporaniedade| 17 04. asilo e refúgio | 20
02_ brasil: travessias e pouso | 22 01. panorama brasileiro na imigração e refúgio | 24 02. legislação brasileira | 27 03. integração dos refugiados: aspectos da imigração | 29 04. infraestrutura pública para refugiados e imigrantes na cidade de são paulo | 32
03_ pluralismo cultural, memórias de são paulo | 34 01. são paulo, centro econômico e multicultural | 36 02. alteridade do território | 38 03. brás, a casa dos imigrantes | 39
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04_ o projeto | 42 01. primeiras aproximações | 44 02. poros e frestas da metrópole, o espaço | 46 03. o programa | 52 04. projeto sistêmico, constelação | 54 05. arquitetura | 57
05_ considerações finais | 78 06_ agradecimentos| 81 07_ anexo | 82 08_ bibliografia | 84
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“Este trabalho é uma construção de dois pontos dicotômicos: a paragem e o movimento, ou a construção de raízes e a possibilidade das folhas que voam com o vento. Entender essas frestas de luz na busca por novas terras (que podem ser inventadas, pegando lajes, garagens, corredores, cortando quarteirões e propondo novas ruas) construídas pela raíz da memória do fazer, como ação humana.” Antonio Fabiano Junior 08
00_introdução
A língua pode gerar experiências de habitabilidade e promover uma outra relação, de distanciamento e/ ou aproximação, entre as pessoas e a terra que as recebe. Essa é a hipótese (ou aposta) do trabalho, que percorre as duas linguagens - a falada e a construída – usando-as como novos inícios para aquilo que não tem lugar. Em ambos os espaços temos ausências: a de gente sem lugar e a de lugar sem o insumo coletivo social feito por gente. É com essa invisibilidade da ausência (e só se sente uma ausência quando sabemos que algo existe, mas não está lá) que o projeto gostaria de dialogar. Para tanto, tenta se inserir entre a utopia - espaço onde nascem sempre as importantes e necessárias questões - e o lugar nenhum – encontrado na resolução de alternativas capazes de pensar em espaços que buscam a existência de importantes significados para todos e para cada um ao mesmo tempo, como uma outra linha que responda aos anseios do entendimento da existência da história pretérita, para a construção de novas histórias futuras, como ato presente. Para propor uma metodologia de estudo e construir uma estrutura do trabalho, foi necessário compreender, no primeiro capítulo, as dinâmicas da imigração e do refúgio dentro do território, através de levantamentos, pesquisas e análises. Este é um trabalho cujo processo de desenvolvimento tem como base a investigação dos processos migratórios desde sua hipótese de origem, o período em que esse deslocamento forçado se intensifica, com a eclosão de diferentes conflitos mundiais, até seu panorama relativo à contemporaneidade.
No segundo capítulo, a abordagem se baseia nos aspectos da imigração e do refúgio em território brasileiro, e como a legislação e a infraestrutura estatal funcionam como importantes instrumentos no processo de inserção social e emancipação dessa população. O terceiro capítulo é dedicado às análises da cidade de São Paulo e a alteridade do território, como as barreiras impostas pelo meio cultural e social influenciam nas trajetórias e histórias de imigrantes e refugiados. A síntese de toda investigação é compreendida em uma hipótese de trabalho por meio de ensaio arquitetônico sobre o tema, assim, o quarto capítulo é dedicado ao projeto, apresentando uma das inúmeras possibilidades de arquitetura como instrumento de reinserção social dentro da escala da cidade de São Paulo. A construção do programa e a forma do projeto refletem a busca pela emancipação e visibilidade dessa população e a importância de uma organização sistêmica que dê voz e identidade àqueles que por tempos foram invisíveis e incompreendidos aos olhos da sociedade, de um sistema falho e descartável. Começamos pela fala, com um dicionário dos elementos-conceitos recorrentes à pesquisa. Ele é feito de diversas origens (dicionários de significados, dicionários etimológicos e leis), mas todas elas tentando criar fronteiras formais capazes de entendermos às questões tão importantes para todos nós.
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Apátridas: Indivíduos que não tem sua nacionalidade reconhecida por nenhum país, podendo ocorrer por diversos fatores, como discriminação contra minorias na legislação nacional, conflito de leis entre países ou falha em reconhecer todos os cidadãos residentes do país quando este país se torna independente (secessão de Estados). Deslocados ambientais: Indivíduos que, por razões de desastres ambientais naturais ou causados pelo homem, são obrigados a deixar sua residência, migrando para locais onde sua segurança e integridades possam ser asseguradas. Deslocamento: Sm. 1. Ação de deslocar(-se); deslocação. 2. Movimento de um lugar para outro. 3. Transferência de pessoas de um posto para outro (MICHAELIS, 2015) Imigrantes econômicos: Imigrantes que deixam seu país de origem ou residência na busca de melhores condições de vida, visando maiores oportunidades de emprego e melhores condições socioeconômica. Imigrantes humanitários: Imigrantes que mesmo não se enquadrando em outras categorias de proteção (como refugiados), tiveram seus direitos humanos violados (como vítimas de tráfico de pessoas). Imigrantes indocumentados: Imigrantes em situação irregular, em desacordo com as leis do Brasil e que permanecem em território sem autorização.
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Migrantes em fluxos mistos: Imigrantes que chegam ao Brasil por meio de movimentos migratórios complexos, nos quais várias categorias de migração encontram-se presentes (refugiados, solicitantes de refúgio, deslocados ambientais, imigrantes econômicos, entre outros). Majoritariamente em situação de irregularidade migratória (longas viagens com meios inseguros e na presença de “coiotes”). A definição também abrange os imigrantes que podem ser enquadrados em mais de uma das referidas categorias migratórias. A Organização internacional para a migração, classificou como: “movimentos de população complexos, que incluem refugiados, solicitantes de asilo, migrantes econômicos e outros migrantes. Além disso, ela ainda salienta que esse tipo de fluxo está relacionado com movimentos irregulares, nos quais há, com frequência, migração de trânsito, com pessoas que realizam o movimento sem a documentação necessária, atravessam fronteiras e chegam ao seu destino sem autorização (OIM, 2009, p. 1)”. Refugiado: A legislação brasileira reconhece como refugiado não somente pelo conceito estabelecido na Convenção de 1951, mas todas as pessoas que buscam segurança diante situações de grave violação de direitos humanos, seja por motivos de violência, perseguição de cunho político, nacionalidade, raça ou religião. Além disso, através da Lei de Migração n° 13.445/2017 que trata o deslocamento migratório como direito humano e garante ao migrante, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade. Institui o visto temporário para acolhida humanitária possibilitando o reconhecimento futuro da condição de refugiado segundo a Lei n° 9.474/1997.
Refugiar-se: [der. de refúgio+ar, como fr réfugier] v. pronominal retirar-se para um lugar considerado seguro: abrigar-se, resguardar-se (MICHAELIS, 2015) Solicitante de refúgio: Todo imigrante que já tenha requerido seu status de refugiado no Brasil e aguarda decisão das entidades superiores (CONARE, Ministério da Justiça e Polícia Federal).
Fotografia de © Victor Moriyama [1]
Território: [et. lat territorium] Sm. Porção da superfície terrestre pertencente a um país, estado, município, distrito etc. 2. Região sob jurisdição de uma autoridade (MICHAELIS, 2015).
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01_territórios e fronteiras do mundo 12
“É assim que se cria uma história única: mostre o povo como uma coisa, uma coisa só, sem parar, é isso que o povo se torna.” Chimamanda Ngozi Adichie
01_01. princípios da migração
A conceituação de território, em sua origem, se referia à ideia de conquistas e poder de terra; hoje podemos destacar que a luta pelo controle deste poder se mantém, mas se expandiu para questões simbólicas e culturais. Ou seja, a própria ideia do que é território ganhou outras camadas, com elementos formadores de territorialidades, mesmo não perdendo a sua base primeira: a territorial-espacial. Para Haesbaert (2005, p.2) é possível considerar a dimensão da cultura na ideia da constituição dos territórios, o que significa admitir que o território, nessa concepção, vai além da dominação político-econômica “concreta” e ganha elementos de apropriação mais subjetiva e cultural em sua formação. Antes da conhecida expansão europeia (princípio do século XV) que resultou no nosso “descobrimento”, a migração e deslocamento dos povos em seus territórios eram regras que resultaram na formação de sociedades culturalmente e etnicamente mistas (HALL, 2003). A própria ideia de andar como ato cognitivo humano já foi amplamente escrita no livro “Walkscapes: o caminhar como prática estética” de Fracesco Careri, que discute o ato deste movimento não somente como uma importante ferramenta de configuração da paisagem, mas como uma forma de intervenção humana no território (CARERI, 2013). O que nos parece importante entender são os motivos de tais deslocamentos. Temos, ao longo da história da humanidade, diversos fatores que provocaram migrações territoriais, a diferença na complexidade de definições está no motivo deste trânsito. Quando o movimento passa a ser em decorrência da violação dos diretos humanos denomina-se migração-forçada, muitas vezes causadas
por conflitos e perseguições em um determinado espaço-território (SILVA, 2017). Na Antiguidade, por exemplo, durante o final das Guerras Púnicas (264 a.C. – 146 a.C.) entre Cartago e Roma, o movimento de fuga do povo cartagineses para regiões da África do Norte constituiu um dos exemplos de migração forçada (WARMINGTON, 2010). O final do século XIX e começo do século XX foram marcados pelos intensos fluxos migratórios e, apesar da prerrogativa necessária para regular tais deslocamentos, os Estados, em acordos internacionais, não o fizeram, mostrando como a migração era politicamente colocada em segundo plano ou como a própria política dos deslocamentos não interessavam economicamente para os países hegemônicos. Como ressaltam Liliana Jubilut e Silvia Apolinário (2010, pg. 278), a ideia de poder, vinda de contextos do imperialismo e colonialismo, mostra para que lado as forças tendem e focam, quando pensamos no bem-estar das pessoas que se movimentam. a metade do século XIX marca o começo da maior migração de povos na História. Seus detalhes exatos mal podem ser medidos, pois as estatísticas oficiais, tais como eram feitas então, não conseguiam capturar todos os movimentos de homens e mulheres dentro dos países ou entre Estados: o êxodo rural em direção às cidades, a migração entre regiões e de cidade para cidade, o cruzamento de oceanos e a penetração em zonas de fronteiras, todo esse fluxo de homens e mulheres movendo-se em todas as direções torna difícil uma especificação. Entretanto uma forma dramática dessa migração pode ser aproximadamente documentada. Entre 1846 e 1875,
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uma quantidade bem superior a 9 milhões de pessoas deixou a Europa, e a grande maioria seguiu para os Estados Unidos. Isso equivalia a mais de quatro vezes a população de Londres em 1851. No meio do século precedente, tal movimentação não deve ter sido superior a 1,5 milhão de pessoas no todo. (HOBSBAWM 2002, p. 272-3)
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Fotografia de © Rorger Arnold para ACNUR
O fim dos conflitos da primeira metade do século XX - a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Guerra Civil Russa (1917-1922) e a queda do Império Otomano (1923) - foram responsáveis pelo aumento significativo de refugiados na Europa, na restrição à liberdade de residência entre os direitos nacionais e estrangeiros, contribuindo assim para o surgimento deste debates e para a criação de uma definição jurídica, resultando no primeiro instrumento internacional pela Liga das Nações em 1921 (JUBILUT e APOLINÁRIO 2010 p.278 apud FISCHEL DE ANDRADE, 1996).
01_02. o contexto pós seguda guerra mundial e a consolidação do direito internacional de refugiados
O fim da Segunda Guerra Mundial, que perdurou de 1939 até 1945, refletiu em um importante marco nas relações internacionais, não somente pelo início da disputa ideológica, política e econômica entre Estados Unidos da América (EUA) e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), mas também pela nova concepção de direitos humanos que o mundo viria a ter. O que hoje conhecemos como Organização das Nações Unidas (ONU), teve suas origens na antiga e extinta Liga das Nações, uma instituição criada no fim da Primeira Guerra Mundial, em 1919, através do Tratado de Versalhes que visava, principalmente, estabelecer uma relação amistosa entre os países, mas o fracasso na eclosão da Segunda Guerra determinou seu fim. Foi somente no ano de 1945, com o fim dos conflitos, que as grandes potências vitoriosas organizaram diversas conferências de paz para reestabelecer a ordem mundial. Como resultado, em junho deste mesmo ano surge a ONU, com principal objetivo de assegurar a paz e a segurança internacional, além de promover a cooperação entre países no desenvolvimento socioeconômico e no marco de uma nova concepção dos direitos humanos (PIOVESAN, 2013a, p. 186-195). Em 1948, com a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembleia Geral da ONU, o espaço central das discussões internacionais passa a ser o indivíduo. Nesse contexto, “desenha-se o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea. Se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o pós-guerra deveria significar sua reconstrução.” (PIOVESAN, 2013, p. 192).
Tal guerra provocou um dos maiores deslocamentos humanos na história do mundo moderno, isso porque não havia apenas refugiados na Europa; outros conflitos, subprodutos da própria guerra, geraram uma migração em massa. A descolonização da Índia em 1947 criou 15 milhões de refugiados que cruzavam a fronteira entre o Paquistão, sem contabilizar mais de 2 milhões de mortos na guerra civil; a Guerra da Coréia (1950-1953) foi responsável por 5 milhões de coreanos deslocados, além do registro de mais de 1,3 milhões de palestinos na Agência de Socorro e Trabalho das Nações Unidas (UNRWA) após a consolidação do Estado de Israel. Hobsbawm afirma que esse movimento forçado foi certamente a maior catástrofe na história humana, e ainda conclui: “O aspecto não menos importante dessa catástrofe é que a humanidade aprendeu a viver num mundo em que a matança, a tortura e o exílio em massa se tornaram experiências do dia-a-dia que não mais notamos.”(HOBSBAWM, 1997, p. 58). Com a intensificação do processo de refúgio no mundo foi aprovado, em 1950, o Estatuto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), com trabalho apolítico, humanitário e social. Mais tarde, como forma de consolidar prévios instrumentos legais internacionais relativos aos refugiados, é realizada a Convenção das Nações Unidas ao Estatuto dos Refugiados de 1951, tratado o qual estabelece os direitos e deveres entre refugiados e os países que os acolhem. O termo “refugiado” foi definido no Artigo 1º e elaborado de forma a abranger um grande número de pessoas, com limitação de casos até 1951. Foi nos anos seguintes, em 1967, através de um protocolo relativo ao Estatuto do 15
Refugiado submetido à Assembleia Geral da ONU, a ratificação do termo que os Estados membros devessem assistir a todos refugiados enquadrados na definição da carta, mas sem limite de data ou espaço geográfico, sendo de competência do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) promover instrumentos internacionais de proteção e supervisionar sua aplicação, com a ratificação da Convenção e/ou Protocolo, os Estados membros aceitam a cooperação com o ACNUR no desenvolvimento de suas funções. Por fim “a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 são os meios através dos quais é assegurado que qualquer pessoa, em caso de necessidade, possa exercer o direito de procurar e receber refúgio em outro país.” (ACNUR, 2020, s/p.).
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01_03 o refúgio relativo à conteporaniedade
Segundo dados estatísticos da Organização das Nações Unidas compreendemos hoje que a temática dos refugiados vive seu maior desafio pós Segunda Guerra Mundial. Como relata Luiz Braga, o fluxo de deslocamento sempre foi um fenômeno mundial, mas o atual cenário político-econômico enfrentado por diversos países como a consolidação dos processos de globalização, a ascensão do nacionalismo e os conflitos étnicos tornaram-se um conjunto de artifícios responsáveis pela dissolução de suas sociedades e a intensificação no deslocamento de seus cidadãos (BRAGA, 2011, p.08).
A última década foi responsável pelo crescimento substancial do número de deslocados, batendo um recorde mundial de 70.8 milhões de pessoas forçadas a deixar suas casas em 2018 (dados do levantamento de Global Trends da ONU) principalmente entre os anos de 2012 e 2015 com os intensos conflitos na Síria, mas outras guerras também foram responsáveis pelo aumento perceptível nesse período, incluindo a crise no Oriente Médio como Iraque e Iêmen, o conflito civil na África Subsaariana como na República democrática do Congo e no Sudão do Sul (UNHCR, 2019 pg.04).
O panorama de deslocamento até meados da década de 1990 era marcado pelos intensos conflitos políticos e catástrofes naturais principalmente na África, como em Serra Leoa, Libéria e na região dos Grandes Lagos, mas novos desastres e divergências políticas resultaram numa explosão do contingente de refugiados no mundo; à esses conflitos somaram-se a questão dos afegãs no Paquistão e Irã, dos iranianos na Síria e Jordânia, por exemplo (ACNUR, 2018, p.08). O desastre ocorrido em 2010 no Haiti em decorrência de um forte terremoto de magnitude 7 na escala Richter, impactou no crescimento do número de deslocados mundiais, a catástrofe natural agravou a situação de miséria em um dos países mais pobres da América e desabrigou mais de um milhão e meio de pessoas (EXAME, 2020). Seguindo os conflitos no mundo contemporâneo, em fevereiro de 2011, uma onda de insatisfações com o totalitarismo dos governos árabes, países como Tunísia e Egito conduzem o início da Primavera Árabe que posteriormente ganharia força em outros Estados, principalmente na Líbia (ACNUR, 2018, p.08).
O contexto mostra que os desafios humanitários do mundo demandam respostas efetivas ao complexo fenômeno que uniu forças à crise financeira mundial nos países desenvolvidos. O ano de 2018 foi incisivo quanto aos números: na América do Sul, o autoritarismo da República Bolivariana da Venezuela fez 3.7 milhões de pessoas saírem do país e buscarem asilo em suas fronteiras; na África, a Etiópia seguiu com seus intensos conflitos e mais de um milhão de etíopes foram forçados a deixar suas casas, sendo 98 porcento dos deslocamentos ocorrido dentro de seu território (UNHCR, 2019 pg. 06). Do total de deslocados, 25.9 milhões são considerados refugiados sobre mandato do ACNUR e da UNRWA e mais da metade desse número vêm de apenas três países, Síria, Afeganistão e Sudão do Sul. Na maioria das vezes, os países que recebem esse contingente estão nas fronteiras dos conflitos, como é o caso da Turquia que já abrigou mais de 3.7 milhões de sírios. (ACNUR, 2019, s/p).
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73%
73% DOS REFUGIADOS ESTÃO EM PAÍSES VIZINHOS
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68% DOS REFUGIADOS SAÍRAM DE APENAS 5 PAÍSES
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As consequências das migrações de refugiados são sentidas dos dois lados: no território deixado, mas também no território que recebe. Geralmente, quando há um grande fluxo migratório para um mesmo local, ocorre o fenômeno que a geografia chama de “explosão demográfica” que afeta diretamente a economia e principalmente as relações sociais, pois acarreta uma cadeia de eventos como insuficiência de infraestrutura e equipamentos urbanos, inchamento dos índices de desemprego e desenvolvimento de geração de renda, por exemplo. Para as pessoas, sempre as maiores vítimas, sobram o apelo ao subemprego para a subsistência, a luta para se adaptar em uma cultura muito diferente da sua, o convívio com o crime de xenofobia e a esperança para criar uma nova história possível.
Dados: Global Trends 2018 - ACNUR
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01_04 asilo e refúgio
Asilo, do termo grego “ásilon” e do termo do latim “asylum”, significando lugar inviolável, templo, local de proteção e refúgio. Se o conceito de asilo na Antiguidade Grega e Romana tinha características religiosas, sendo associado à piedade divina e arrependimentos, no contexto pós revoluções liberais e na consolidação do Estado de Direito, ganha força como expressão política, ou seja, ao indivíduo que havia sofrido ataque injustificado do poder, torna-se um importante instrumento na proteção de direitos de expressão e participação política, uma vez que a solicitação de asilo é a garantia de defesa dos direitos humanos (RAMOS, 2018).
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O termo “asilo político” pode ser visto como pleonasmo, pois, por definição, o asilo é concedido para abrigar o estrangeiro sujeito à perseguição política. No Brasil, o conceito foi abordado no artigo 4º, X da Constituição de 1988 no qual consta que a “concessão de asilo político” é um dos princípios regentes das relações internacionais do país. Para a requisição do pedido de asilo político, o solicitante não pode ter cometido crime comum ou estar em aguardo de julgamento relacionado a um crime comum, além disso ele pode requerer em seu território de origem, através das Embaixadas ou Consulados, como também fazer o pedido em território nacional. A constituição também favorece o asilo ao dispor que não cabe extradição por crime político ou de opinião (artigo 5º, LII – não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião) e a decisão de aceitar ou não o pedido é de total responsabilidade do país que irá acolher, tendo assim um vínculo individual com esse Estado (RAMOS, 2018).
o asilo possui as seguintes características distintivas (que serão úteis na diferenciação, brasileira, do instituto do refúgio): 1) é um instituto voltado à acolhida do estrangeiro alvo de perseguição política atual; 2) é direito do Estado e não do indivíduo, sendo sua concessão discricionária, não sujeita à reclamação internacional de qualquer outro Estado ou ainda do próprio indivíduo solicitante; 3) sua natureza jurídica é constitutiva, ou seja, não há direito do estrangeiro: ele será asilado apenas após a concessão; 4) pode ser concedido inclusive fora do território, nas modalidades do asilo diplomático e do asilo militar; 5) no Brasil, não há órgão específico ou trâmite, há livre atuação da diplomacia na análise do caso concreto (RAMOS, 2018, p.24).
No plano jurídico, o termo “refúgio” esteve atrelado à Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, considerando somente aqueles que, em consequência dos eventos ocorridos antes de Janeiro de 1951, em virtude de perseguição ou fundado temor de perseguição baseada em sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou pertença a certo grupo social, não pudesse retornar ao país de sua residência (RAMOS, 2018). No Brasil os refugiados estão amparados pela Lei 9.474/1997 e, diferentemente da solicitação de asilo, o requerimento de refúgio deve ser solicitado em território nacional. No que se refere a diferenciação entre refúgio e asilo, um dos principais pontos é que para o refugiado, além do teor de perseguição política outros fatores se aplicam, como também por razões étnicas, religiosa, por sua nacionalidade, grupo social, guerra ou conflitos internos, muitas vezes atrelados à violação dos direitos humanos.
“A história única cria esteriótipos, e o problema com os esteriótipos não é que sejam mentiras, mas que são incompletos” Chimamanda Ngozi Adichie 21
02_brasil, travessias e pouso 22
O Viajante De repente um barulho ensurdecedor feito trovão, ecoa em meus ouvidos… É uma bomba! Oh, vida, estou perto da morte Mas não, porque lá dentro bem nas profundezas da minha alma, uma voz silenciosa sussurra em meus ouvidos dizendo: __ Não, você não pode morrer Prepara-te, levante e ande És um sonhador Você tem um sonho! Com a minha mala na mão, Eu sou o viajante, preparado estou para chegar ao meu destino! De repente, um grito ecoa em meus ouvidos Oh vida, é um tiro que vidas levou, deixando em desespero famílias chorando pelos seus entes queridos que a guerra levou ao nada! Com a minha mala na mão, sou um imigrante em marcha Percorrendo o mundo em busca do meu destino! Nesta mala, Carrego nela muitas coisas
Vou vagueando de terra em terra à busca da paz, Liberdade, Justiça, Abrigo, e finalmente um recomeço para viver a vida! Sou imigrante Feito uma andorinha, em busca da melhor estação! Como quem apenas quer viver De braços abertos estou para um trabalho para sobreviver! Como um ser humano, Estou pronto para contribuir para o crescimento do país acolhedor! Com a minha mala na mão vou percorrendo o mundo na conquista do meu destino, Eu sou um Sonhador! Sou imigrante a busca da sobrevivência… Sou imigrante a busca de um recomeço! Sou humano a busca da paz Sou humano a busca de um abrigo Enfim… no final, querendo apenas viver e chegar ao meu destino! Com a minha mala na mão, Trago nela a determinação Trago nela o amor Trago nela a irmandade E a força para um recomeço e Finalmente chegar com ela ao meu destino! Moisés António, imigrante angolano.
Fotografia de Š Victor Moriyama [2]
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02_01 panorama brasileiro na imigração e refúgio 24
O histórico de imigração tem um longo contexto na formação do Brasil, um país sustentado na colonização europeia, no movimento migratório forçado para escravização dos povos africanos que perdurou por três séculos, até 1850, e marcou o país como uma sociedade escravocrata com reflexos até os dias de hoje. País resultado de processos historicamente desiguais, regidos pelo poder público e pela ação de agentes privados onde a propriedade da terra e seu caráter patrimonialista tiveram papel fundamental para instaurar a desigualdade social (SCHWARCZ, 2019). Estamos aqui falando de duas matrizes de um mesmo problema: terra e poder, fatores que sempre alargaram a disparidade de desigualdade na população e hoje instauram o acirramento dos inimigos urbanos através da busca da criminalização das lutas sociais, como grupos a favor dos imigrantes/refugiados.
quente e refletiu em diversos aspectos sociais, como na obrigatoriedade no ensino da língua portuguesa e o fechamento de escolas de comunidades estrangeiras, implementação aclamado por políticos liberais da época (PETARRA; FERNANDES, 2011).
No contexto pós Segunda Guerra Mundial (19391945) enfrentado em todo território europeu, a crise financeira e fome generalizada somados as destruições das cidades e a baixa perspectiva de vida foram razões para a população buscar novos caminhos fora do continente. É nesse aspecto que o Brasil se torna um dos países atrativos para um novo ciclo migratório. Conhecido pelo seu aspecto multicultural e pelo histórico slogan de povo acolhedor (mesmo sabendo que esse acolhimento é regido pela opressão e manutenção da desigualdade social), o Brasil foi o país pioneiro na América do Sul na liderança de proteção internacional de imigrantes e refugiados, Voltando ao nosso início, a abolição da escravidão sendo o primeiro a assinar o Estatuto dos Refugiados trouxe um novo cenário ao país. A expansão da pro- de 1951, no ano de 1960 (ACNUR, 2020). dução cafeeira na região Sudeste do país fez o Brasil abrir suas fronteiras para a imigração; esse pano- Como relatado por Marcelo Haydu em entrevista ao rama ocorreu entre os anos de 1870 e 1930, com a canal Ponto de Equilíbrio, o país começou a receber eclosão da Primeira Guerra Mundial essa contextu- os primeiros fluxos notórios de refugiados no começo alização ganha força e o país se torna atrativo aos da década de 1990, foram cerca de 1.300 angolanos europeus que fogem dos conflitos em busca de se- que vieram se refugiar devido aos intensos conflitos gurança e melhores perspectivas de vida (PETARRA; internos. Anos mais tarde, o governo publica a lei nº FERNANDES, 2011). 9.474 de 1997 com o objetivo de reconhecer e tomar decisões sobre as condições de refugiados, garanNos anos seguintes, com a grande depressão de 29, tindo seus direitos e deveres em território brasileiro, e somados à eclosão da Segunda Guerra Mundial, o promover a integração local dessa população. Além então presidente Getúlio Vargas inicia um processo disso instaura, junto ao governo, a sociedade civil e de restrição na entrada de novos imigrantes no país a ONU, por meio do ACNUR, o CONARE, Comitê Nae às limitações na população que aqui já residia. O cional para os Refugiados, que tem como principal contexto de nacionalização era cada vez mais fre- ação revisar e decidir todas as solicitações de refú-
gio no Brasil, sendo também a autoridade responsável por definir a política brasileira de refúgio. Com esse reconhecimento, Brasil torna-se um país com a lei de refugiados mais avançadas da América e ainda é considerado modelo por diversas nacionalidades. Dados mais recentes (2018) do CONARE em conjunto à Polícia Federal, contabilizam 11.231 refugiados reconhecidos no Brasil e 161.057 de solicitações em trâmite, sendo mais da metade do número de reconhecidos em território brasileiro vindos da Síria. Os dados são expressivos quando comparamos o número de solicitantes de refúgio em 2018. Com a crise humanitária na Venezuela, o Brasil recebeu uma parte desse contingente que se dispersou na América (UNHCR, 2019 p. 25): foram cerca de 61 mil pedidos num total de 80.057 solicitações em 2018. Por razões de fronteira, o estado que recebeu a maior quantidade de venezuelanos foi Roraima, concentrando 63% do total, seguidos do estado do Amazonas e São Paulo. Mapa: De um universo de 80.057 solicitações, somente em 2018, 92 porcento desses requerimentos estavam concentrados nesses 5 estados, Roraima, Amazonas, São Paulo, Paraná e Santa Catarina.
Solicitantes de refúgio por estado em 2018. Dados: Relatório Conare 2018
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Fotografia de © Vicent Tremeau para ACNUR
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02_02 legislação brasileira
Como citado, o Brasil é considerado um país exemplo no reconhecimento de refugiados na América, com leis modernas e amplas, que permite a segurança de quem busca refúgio em nosso território e reconhece como refugiado todas as pessoas que buscam segurança diante de situações de grave e generalizada violação de direitos humanos. Desde os conceitos estabelecidos na Convenção de 1951, que definiu o que é um refugiado e estabeleceu os direitos dos indivíduos aos quais é concedido o direito de asilo bem como as responsabilidades das nações concedentes, o Brasil se mostrou adepto às questões internacionais (ACNUR, 2020, s/p.). Hoje há duas leis que protegem e asseguram os direitos dos refugiados. A Lei nº 9.474 de 22 de julho de 1997, sendo a primeira lei do ordenamento jurídico brasileiro a implementar um Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, que cria mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados das Nações Unidas (Convenção de 1951) que, junto com o Protocolo de 1967 (que amplia os conceitos estabelecidos na Convenção de 1951), estabelece o procedimento para determinação do estado de refúgio, os direitos e deveres dos solicitantes e as soluções a longo prazo dessas condições, além da criação do Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) órgão de deliberação coletiva, no âmbito do Ministério da Justiça.
nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II - Não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III - Devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país (BRASIL, LEI Nº 9.474, 1997). Outra lei que amplia a responsabilidade, proteção e integração de imigrantes e refugiados no Brasil é a Lei nº 13.445 de 24 de maio de 2017, que visa o movimento migratório como um direito humano e garante ao migrante, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, assegurando o acesso igualitário e livre dos imigrantes a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos além de assistência jurídica integral e pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social (artigo 3º, XI).
Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - Devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de 27
No geral, o solicitante de refúgio deve estar em território nacional para fazer a requisição da concessão de refugiado, que pode ser realizada a qualquer momento a partir de sua chegada ao Brasil, devendo procurar a Polícia Federal ou entidades migratórias na fronteira. Não há nenhuma penalização pela entrada irregular em território e com isso, não podem ser deportados, devolvidos ou expulsos para o país em que o solicitante teve sua vida e integridade física violada. Nesse primeiro contato é direito do refugiado receber uma documentação provisória, sendo uma identidade (protocolo provisório, válido por 180 dias renováveis) e carteira de trabalho, que permite ao trabalhador os mesmos direitos inerentes a qualquer brasileiro. Com isso o pedido fica em análise até que seja autorizado ou negado, em caso de solicitação não autorizada, o solicitante pode recorrer, mas fica submetido à lei de estrangeiros vigente até nova resposta (ACNUR, 2015).
Principais nacionalidades das solicitações de refúgio em 2018 Dados: Polícia Federal - Relatório Conare 2018
Principais nacionalidades reconhecidas no Brasil entre 2011 e 2018 Dados: Coordenação-Geral do Comitê Nacional para Refugiados - Relatório Conare 2018
Colômbia 4%
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02_03 integração dos refugiados: aspectos da imigração
Através de entrevistas, a fim de entender o processo de integração social no país de acolhida e estabelecer soluções para a população de refugiados e imigrantes, o ACNUR junto ao Instituto ADUS, contatou as condições desses grupos na ressocialização em diferentes aspectos, sendo eles: culturais, sociais, religiosos e políticos, além de abranger discussões acerca das questões de trabalho e moradia. No que compreende “integração local” entende-se ao processo que têm início quando o refugiado passa a interagir com a comunidade que o acolheu, o que não significa o abandono de suas características culturais ou adoção de uma nova cultura local, mas um processo de via dupla, no qual nacionais e estrangeiros compartilham aspectos de seus comportamentos e atitudes. “Nas situações em que se mostra impossível a repatriação, ou seja, o retorno ao país de origem, independentemente do motivo, integrar-se na comunidade do país de refúgio pode se mostrar como uma solução duradoura” (ADUS, 2016, p.14).
cultural pelos nacionais, o que faz com o que o estrangeiro seja percebido como uma ameaça à cultura existente (ALAMINOS, LÓPEZ, SANTACREU, 2010). No aspecto social, um dos primeiros desafios a ser ultrapassado para a integração é o aprendizado do português. A antropóloga Manuela Cunha define a língua como um sistema simbólico que organiza a percepção do mundo e, ainda, como um diferenciador do outro (CUNHA, 2009). Porém há diversos fatores que impossibilitam o acesso ou ao contínuo curso da língua, tendo os principais motivos para o abandono das classes a falta de alimentação, preço do transporte, constante busca de emprego e necessidade de uma pessoa para cuidar das crianças no período das aulas. “As dificuldades enfrentadas para a frequência nas aulas parecem mais urgentes, com a consciência do fato de que não conseguir se comunicar em português torna mais difícil obter um trabalho e/ ou emprego” (ADUS, 2016, p.18). Um fator que pode suprir parte dessas necessidades iniciais é a existência de uma comunidade nacional já estabelecida no Brasil, como é o caso da comunidade síria, que ajuda na integração de seus membros, enquanto suaviza as saudades da terra de origem, já que muitas preservam práticas culturais. De acordo com Paulo Amânico, Coordenador do Centro de Referência e Acolhida para Imigrantes (CRAI) de São Paulo “as dificuldades sociais de refugiados de diferentes nacionalidades, como a busca por emprego, moradia e aprendizado do idioma, são semelhantes, mas o processo de adaptação se torna mais fácil quando já há nacionais no país.” (ADUS, 2016, p.17).
Quando retratados os aspectos culturais, a diretora social do Oasis Solidário, Silmara Schardong, afirma a existência de um grande estranhamento dos sírios, principalmente, em relação aos hábitos culturais brasileiros, além disso ainda há um preconceito em relação aos hábitos de mulheres de religião islâmica, o uso do hijab pode se tornar uma barreira na busca de emprego e integração. “Percebemos que há um choque cultural muito grande assim que eles chegam. Esse é um processo recíproco, de entendimento e aceitação dos brasileiros, da cultura deles e da nossa” (ADUS, 2016, p.17). Outro fator levantado pelas entrevistas da ADUS, cita a xenofobia como um elemento que dificulta o estabelecimento das relações: Retratado por imigrantes e refugiados no Brasil, o aso principal temor é pela perda da homogeneidade pecto religioso é o mais favorável no país, eles se sen29
tem confortáveis para vivenciar as próprias crenças, têm direito à prática livre de seus cultos, ou mesmo aqueles que não tem religião. Na cidade de São Paulo, muitos abrigos e instituições que apoiam esse grupo são de origem católica, apesar disso, mantêm um espaço de acolhimento livre, locais em que refugiados e imigrantes encontram respeito para suas práticas religiosas (ADUS, 2016). Assim, isso nos permite concluir que apesar dos preconceitos e suas possíveis consequências contra pessoas associadas a uma religião, nota-se que a não interferência, isto é, a liberdade do culto permite também, de alguma maneira, aproximar-se de sua cultura, de seus conterrâneos e, mais importante, mostra-se como um facilitador à integração local, obtenção de moradia e trabalho, adaptação à cultura do país receptor e de doações diversas (ADUS, 2016, p.23).
Assim, as religiões fazem parte de um importante elemento na conexão desses grupos, entre o passado da terra de natal e o presente na terra de acolhida, espaços sociais de identidade e, ao mesmo tempo, de encontro com a alteridade (ADUS, 2016). Em questões políticas, no Brasil, o artigo 14, § 2° da Constituição Federal, determina que “não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros” a menos que o estrangeiro tenha naturalização brasileira. Com isso, a escolha de representantes no poder Legislativo e Executivo é vetada por qualquer cidadão com status de refugiado. Apesar de não ser a principal reivindicação e preocupação dos imigrantes e refugiados, a luta pelo voto existe e em 2013 foi anexado o pedido para alterar o artigo 14 da Constituição Federal, a PEC 347/2013, ainda em transito e que estabelece a seguinte premissa: “permitirá que os estrangeiros residentes em território brasileiro por mais de quatro anos e legalmente regularizados alistem se como eleitores” (ADUS, 2016, p.24). Para Paulo Amânico, o não direito 30
ao voto segrega e inviabiliza os imigrantes que estão no país; há pessoas que gostariam de ter uma participação maior, encontrar mais espaço e às vezes têm mais dificuldade para se manifestar, colocar a opinião e dizer o que desejam (ADUS, 2016). Em termos de moradia, a cidade de São Paulo conta com 4 abrigos públicos direcionados especificadamente à população imigrantes com um total de 540 vagas, além de outras instituições conveniadas que somam juntas aproximadamente 700 vagas, detalhadas no item 03 do capítulo 02 desta monografia. Essa estrutura pública começou a ser instaurada em 2014 e ainda é insuficiente para suprir a demanda. Segundo Maria do Céu, assistente social da Caritás Arquidiocesana, a instituição recebe semanalmente entre 20 e 25 pedidos de refúgio na capital (ADUS, 2016). Em uma pesquisa sobre as condições de moradia de refugiados no Brasil, 37% dos refugiados entrevistados foram morar na rua, 29,7% em hotel ou pensão, 28,8% em casa de amigos e 15,5% em casa de parentes. Esses dados se conectam com o fato que 49,2% não conheciam ninguém antes de chegar ao país, enquanto 25,1% tinham algum familiar e 23,3% algum amigo, o que demonstra a existência de algum tipo de rede social (BAENINGER; MOREIRA, 2013). Quando o número de solicitações supera o número de vagas disponíveis, os refugiados são encaminhados para os centros de acolhidas, conhecidos como albergues, mas pela falta de apoio específico, pelas regras de utilização e o tempo pré-determinado de permanência, muitos acabam desistindo desse tipo de ajuda temporária. Outra barreira para a fixação na cidade está no aluguel, não somente pelo preço das moradias, mas por toda burocracia necessária. Com esse panorama muitos acabam procurando aluguéis informais, localizados principalmente nas periferias da cidade, em ocupações
e cortiços centrais ou mesmo nos movimentos de luta por moradia, como é o exemplo da ocupação Leila Khaled, na Liberdade. Os dados da Rede Brasil Atual mostram que do total de famílias sem-teto do movimento Terra Livre, 60% delas são refugiados sírios (FERNANDES, 2015). A solução estabelecida para garantir melhor acesso dessa população aos serviços públicos de moradia foi o cadastramento dos refugiados no Cadastro Único (CadÚnico), porta de entrada para os programas sociais do governo federal, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida (ADUS, 2016). De acordo com o relatório Georreferenciamento de pessoas em situação de refúgio atendidas pela Caritás Arquidiocesana de São Paulo em 2018, a maioria dos refugiados na cidade estão em idade laboral (CARITÁS, 2018). A dificuldade de inserção no mercado formal de emprego, principalmente, no mesmo setor de atuação em seus países de origem, retrata o panorama de trabalho existente no território, resultando muitas vezes em trabalhos de baixa qualificação, independente do grau de escolaridade dessas pessoas que aqui chegaram (ADUS, 2016). A maior dificuldade encontrada no âmbito de trabalho, está na validação do diploma, um processo com elevado custo e difícil acesso, já que o solicitante deve ter em mãos o diploma válido no país de origem, histórico escolar e tantos outros documentos, o que muitas vezes é impossível uma vez que muitos dos refugiados chegam fugidos de seus países. No ano de 2015, o Ministério da Educação, permitiu que esse trâmite citado fosse substituído por uma prova de conhecimentos nos casos em que o estrangeiro não tenha seus documentos, como forma de avaliação e revalidação de diploma (ADUS, 2016). A dificuldade de acesso adequado ao treinamento técnico, à educação e ao desgaste físico e emocional dos estrangeiros reduz as possibilidades de participação no mercado formal (MARINUCCI, 2013). 31
02_04 infraestrutura pública para imigrantes e refugiados na cidade de são paulo 32
O serviço público abrange toda e qualquer prestação estatal, direta ou indiretamente, direcionados a suprir a necessidade da população, incluindo desde as atividades essenciais do Estado, como a jurisdição e segurança pública, até atividades econômicas em que haja atividade estatal (Cf. MARQUES NETO, 2002, p. 18). Diversas iniciativas foram criadas no Brasil visando melhorar acessos à direitos a serviços públicos como acolhida, proteção e assistência a uma melhor inserção socioeconômica e integração por meio da disponibilização de abrigos públicos (IPEA, 2015). Estas iniciativas governamentais são importantes, mas ainda persistem situações de violação de direitos além de obstáculos de acesso a estes serviços, resultando trabalho escravo, trabalho precário e outras formas de violação de direitos trabalhistas, xenofobia e agressões. Em pesquisa nacional realizada pelo IPEA, constatou-se que os principais obstáculos para acesso a direitos e serviços públicos, foram relacionados “aos serviços de saúde e a realidade das limitações de recursos. Constatou-se, igualmente, que a pobreza e a discriminação podem impedir o acesso dos migrantes aos serviços de base” (IPEA, 2015, p.24). Retratando o Estado de São Paulo, foi identificado principalmente que o preconceito e tratamento inadequado quanto aos refugiados por desinformação da sociedade por sua condição é uma barreira no que se refere ao acesso à moradia, além da falta de preparo de servidores públicos no âmbito de lidar com as diferenças culturais, a comunicação em ou-
tros idiomas, ausência de ajuda econômica e de orientação sobre os meios para reconstruir suas vidas, revelando a fragilidade da integração social de imigrantes e refugiados (IPEA, 2015). Com base nas políticas públicas de acolhimento e integração estabelecidas pelo estado e cidade de São Paulo, é possível traçar as estruturas de apoio à essa população, sendo: •CRAI (CENTRO DE REFERÊNCIA E ACOLHIDA PARA IMIGRANTES) Governo Municipal – Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania Serviços: - Moradia (540 vagas divididas entre centro de acolhidas na Bela Vista, Bom Retiro, Pari e Penha) - Atendimento Socioassistencial - Cursos e Oficinas Contato: Rua Major Diogo, 834, Bela Vista. Tel: +55 11 2361-3780 Email: recepcao.crai@sefras.org.br •CASA DE PASSAGEM TERRA NOVA Governo Estadual Serviços: - Moradia (50 vagas divididos em 10 quartos, com uma média de permanecia entre 90 e 180 dias) - Orientação Profissional - Oficinas de Idioma - Apoio Jurídico - Apoio Psicológico Contato: Rua Abolição, 145 – Bela Vista Tel: +55 11 3107-9426 E-mail: terranova.cp@gmail.com
•CENTRO DE INTEGRAÇÃO E CIDADANIA (CIC DO IMIGRANTE) Governo Estadual e Federal Serviços: - Regularização Migratória e Poupatempo - Plantão da Defensoria Pública da União - Cursos de idiomas e profissionalizantes - Posto de atendimento ao trabalhador - Agendamento de Carteira de Trabalho - Apoio social Contato: Rua Barra Funda, 1.020 – Barra Funda Tel: +55 11 3115 2048
Missão Paz – Missionários Scalabrianos Serviços: - Moradia (25 vagas femininas e 85 vagas masculinas) - Alimentação - Assistência Social e Psicológica - Auxilio para cursos profissionalizantes - Curso de português Contato: Rua do Glicério, 225 – Liberdade Tel: +55 11 3340 6950 •ADUS ONG – Organização Não Governamental Serviços: - Projetos Culturais - Assistência Social e Psicológica - Curso de Idiomas - Intermediação para trabalhos - Assistência Jurídica Contato: Av. São João, 313 11º andar - Centro Tel: +55 11 3225 0439
Projeto CIC do Imigrante | Arquitetura Escola da Cidade + B Arquitetos Fotografia de © Pedro Vanucchi
•CASA DO MIGRANTE
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03_pluralismo cultural, memórias de são paulo 34
“O poder é a habilidade de não só contar a história de uma outra pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa” Chimamanda Ngozi Adichie
Fotografia de Š Victor Moriyama [3]
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03_01 são paulo, centro econômico e multicultural 36
Os fluxos migratórios para a cidade de São Paulo ganham força entre o fim do século XIX e começo do século XX; diversos fatores contribuíram com essa dinâmica no país: a produção cafeeira foi responsável pelos olhares no Estado de São Paulo, somado ao fim da escravidão em 1888 que provocou a entrada de diversos imigrantes para trabalharem nas fazendas de café. Estudos apontam que mais de 2,3 milhões de imigrantes entraram no Estado entre 1882 e 1934, além disso, muitas campanhas para incentivar a vinda desses trabalhadores foram feitas principalmente pelo governo brasileiro. A trajetória no país começava no Porto de Santos, entrada dos imigrantes, com a construção da São Paulo Railway entre 1862 e 1867, o caminho da Serra do Mar era percorrido pelas locomotivas a vapor até o interior do Estado, passando pela conhecida Hospedaria do Imigrante, inaugurada em 1887 em São Paulo (BASSANEZI, 1995). Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial em território europeu, muitos viram o Brasil como a oportunidade de um novo recomeço, tendo italianos, espanhóis e japoneses como maioria na cidade de São Paulo. O contexto histórico de imigração na cidade marca as raízes do território, não somente nos aspectos sociais como também na culinária, arquitetura e economia. Com a mudança na dinâmica econômica e o protagonismo no contexto nacional, o trabalho desses imigrantes era muitas vezes dedicado à indústria e comércio na cidade, que ganha força nos bairros da Mooca, Brás e Pari, mudando a paisagem arquitetônica com suas numerosas vilas operárias. Muitos estrangeiros fizeram parte da construção urbana da cidade, a metropolização, em 1933 mais de 45% das fábricas eram
de imigrantes europeus, como é o caso da Família Matarazzo que construiu um império fabril em São Paulo (DALL’OLIO, 2019). A Segunda Guerra Mundial também contribui para os fluxos migratório do século XX, muitos italianos fugidos de um regime fascista, que havia destruído todo território e nação, buscaram oportunidades na nova metrópole, trazendo seus ofícios e saberes contribuindo, assim, para a pluralidade no território (BASSANEZI, 1995). O retrato da realidade paulistana está muito além do seu caráter econômico, em meio aos trajetos pendulares de casa e trabalho, da correria diária e do sistema caótico. A pluralidade cultural se faz presente e os espaços públicos são configurados de diferentes cores, etnias e línguas; o pluralismo cultural e a diversidade revelam na memória da cidade a formação de um território feito por estrangeiros. A cidade que abrigou um dos maiores deslocamentos migratórios no passado recebe hoje um novo fluxo de pessoas que buscam melhores oportunidades junto aos paulistanos que, com sua gama plural, atraí nacionalidades até então pouco conhecidas nas suas ruas e avenidas. Se um dia tivemos a força dos africanos e posteriormente dos italianos trazidos pela política agrícola capitaneada pelo café, hoje vemos peruanos se estabelecendo nos bairros do Brás, Bom Retiro e Santa Efigênia; colombianos na região da República e Liberdade e os haitianos no coração do Glicério. Dos mais de 6.500 refugiados vulneráveis atendidos em São Paulo em 2018, mais da metade vieram de três países: Angola (20%), Venezuela (19,8%) e República Democrática do Congo (13,6%), de um total de 84 nações listadas. Os dados são do relatório
“Georreferenciamento de Pessoas em Situação de Refúgio Atendidas pela Caritas Arquidiocese de São Paulo em 2018”, que também mostrou que 55% desses refugiados moram na Zona Leste da capital paulista; 26% no Centro; e 9,5% na Zona Sul. O estudo não diz respeito ao total de refugiados na cidade, mas aos atendidos pela Caritas – principal organização a lidar com a população no município (ACNUR e CARITAS, 2019). Uma das conclusões do estudo é que os refugiados se concentram no centro da cidade assim que chegam a São Paulo e se deslocam para a Zona Leste à medida em que se estabelecem na capital. Esta dinâmica na distribuição interna acompanha a lógica de acesso à moradia na metrópole; são regiões que convergem valor de aluguel e infraestrutura de serviços especializados mais acessíveis à população refugiada, que procuram fixar residência próximos as estações à Linha 3-Vermelha do metrô, via conhecidas pelas oportunidades no comércio formal e informal. Os dez bairros que concentram os maiores números de refugiados são: Sé, República, Pari, São Mateus, Itaquera, Brás, Belém, Mooca, Artur Alvim e Santana, representando uma maior incidência nos bairros próximos ao centro de São Paulo como no extremo leste da cidade, revelando uma taxa de 55% do total de refugiados fixados na Zona Leste (ACNUR e CARITAS, 2019).
Mapa: De um espaço amostral de 5.643 atendidas pelo centro Cáritas na região de São Paulo em 2018, 55% encontram-se na região leste da capital e 26% na região central. Distribuição geográfica de imigrantes e refugiados atendidos em 2018. Dados: Relatório 2018 - ACNUR e Caritas Arquidiocesana de São Paulo
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03_02 alteridade do território
São Paulo é a capital da pluralidade de diferentes grupos étnicos. As relações sociais e a inserção na metrópole revelam ao mesmo tempo seu potencial de afastamento com seu caráter segregador nas aglomerações urbanas. A construção da urbanização e industrialização da cidade se deu principalmente aos moldes dos movimentos imigratórios do século passado e permeia até hoje na cultura do território.
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Para Milton Santos (2006), definir o território é uma tarefa árdua já que envolve diversas variantes; dessa maneira, podemos considerar o território um espaço como totalidade em suas relações e formas históricas em uma composição de funções do passado como do presente. O território, assim, pode ser delimitado como uma forma construída e descontruída pelas relações que envolvem os atores que territorializam suas ações com o passar do tempo e se alteram conforme as interações sociais presentes. Temos uma construção intensa do território em São Paulo através da situação relacional entre pessoas, países e regiões. Nesse fluxo populacional a marca do território está na identidade de seus habitantes e nas suas histórias, é “o espaço da memória”, tomado de cultura, de diferentes relações de comunicação e de pertinência (VERÁS, 2017 e SANTOS, 2006) Nesse aspecto, quando tratamos o espaço para imigrantes e refugiados, a ocupação territorial é um importante instrumento para a transposição de fronteiras, ao mesmo tempo que se revela um obstáculo da segregação social. A vivência desses deslocamentos impõe ao migrante atuar o presente na persistência da memória entre o antes e o depois e a viver entre ao menos duas culturas. Essa ampla
construção de identidade, ora individual ora coletiva, gera novos processos pessoais e territoriais (VERÁS, 2017). O imigrante e refugiado tende a buscar uma resistência da memória individual num contexto de novas dinâmicas sociais em que o “antes” é existência de um passado em um outro território para construir um “agora” nesse novo território, na busca pela constituição de um novo lugar. Com isso entendemos a busca de laços locais na permanência no e do espaço. A fixação no território é moradia e o que representa uma rede de apoio na busca da estabilidade, como a existência de bairros estabelecendo a relação de “ponte” entre o passado e presente e a procura dessas pessoas em estar com seus conterrâneos, muitas vezes reflete também na segregação de espaços. Quando entendemos o passado como um “outro lugar” ou “num outro lugar” em que ele não está, percebemos que a criação de um novo espaço através de novas memórias é a transposição das fronteiras da segregação (SANTOS, 2006). [os migrantes] precisam criar uma terceira via de entendimento da cidade. Suas experiências vividas ficaram para trás e nova residência obriga a novas experiências. Trata -se de um embate entre o tempo da ação e o tempo da memória.” (SANTOS, 2006, p. 223)
03_03 brás, a casa do migrante
Os trilhos que hoje dividem o Brás, foram também responsáveis pela construção de uma forte identidade para o bairro, resultando um desenho de mudança de paisagem, com a chegada de indústrias. É uma transformação cadenciada: trilho, indústria, Hospedaria, chegada dos imigrantes, constituição de vilas e cortiços operários. Dos paralelepípedos às greves, essa alteração econômica da cidade também trouxe novas culturas em períodos subsequentes, como os nordestinos fugindo da seca que ressignificaram os ofícios do território, o comércio popular e a produção têxtil com os novos imigrantes. É assim que conhecemos e reconhecemos o Brás: das velhas histórias aos novos sotaques. O primeiro trem a cruzar o bairro foi da companhia inglesa São Paulo Railway, em 1865, cuja finalidade era transportar o café das fazendas no interior de São Paulo para o Porto de Santos; com a abolição da escravidão o trabalho cafeeiro passou a ser incentivado pelo governo brasileiro atraindo imigrantes vindos principalmente da Europa. A porta de destino de muitos desses imigrantes e suas famílias, que chegavam dos grandes navios à vapor, era a Hospedaria do Brás, fundada em 1887 na gestão de Antônio de Queiroz Telles como presidente da província. O espaço não era apenas um alojamento para imigrantes, mas contava também com uma infraestrutura de farmácia, laboratório, hospital, correios, lavanderia, cozinha e setores de assistência médica e odontológica. Em sua grande maioria, abrigou italianos, que trabalhavam para atender as necessidades urbanas em expansão. É desta história de luta que se constrói a identidade e a paisagem do Brás no início do século XX,“o mais italiano bairro dos paulistanos” (ANDRADE, 1991) com sua culinária, sotaques e as tradições das quermesses.
É na perspectiva dos imigrantes que a urbanização estabelece traçados importantes na consolidação do bairro, que cresce junto à cidade de São Paulo, com a instalação de indústrias com seus enormes galpões, estruturas metálicas vencendo grandes vãos e estabelecendo ventilação e insolação através das extensas coberturas em shed, tijolos cerâmicos, chaminés, sirenes, casas, vilas operárias e os cortiços. Muito da influência dos imigrantes é retratada no modo de construir da época, como os cortiços com características formais específicas e agregadoras, inspiradas na arquitetura vernacular italiana com corredores estreitos e compridos com entrada para um pátio onde havia o convívio coletivo (RIBEIRO, 1994). Esses imigrantes constroem um novo espaço, síntese dessas adaptações, que modifica não só as relações com a dinâmica da cidade, mas também aquelas diferenças existentes na sua chegada ao Brasil. Nos anos 20, observa-se que, além das inúmeros rivalidades e particularidades e tudo mais que estabelecia a diferença entre os imigrantes italianos, passa a existir, inegavelmente, uma consciência do que ser imigrante, isto, prevalece a consciência de uma unidade étnica e linguística e, sobretudo, a existência de uma identidade com a civilização italiana (RIBEIRO, 1994, p.8).
Na década de 1950, o fluxo de migrantes nordestinos, fugindo da seca e incentivados pelo Estado, migram para a região Sudeste, novamente para a região do Brás, e se instalam na mesma estrutura que fora abrigo para muitas famílias estrangeiras: a Hospedaria dos Imigrantes, além de ocuparem cortiços e pensões. É na perspectiva espacial e social que os migrantes nordestinos aparecem no contex39
to urbano: no plano do visível e do invisível, ocupam os poros da metrópole, se apropriando das frestas por eles conquistadas. Eles não estão somente nos espaços de aglutinação e concentração, mas aparecem na formação da metrópole e na reorganização do Brás. A urbanização crescente de São Paulo vai transformando o bairro em área central, servida por várias vias de circulação como a avenida Celso Garcia e a ferrovia, a Radial Leste e o Metrô e, com as transformações, a terceirização vai dominando o bairro, principalmente, com artigos têxteis (GOMES, 2006). Os paradigmas do Brás se transformaram e, se antes o sotaque italiano era sua marca registrada, hoje as ruas ganham um novo formato, mesmo com traçados ainda tão historicamente definidos. Os usos mudaram e, com eles, novos ofícios como o comércio de especiarias e as indústrias de retalhos e resíduos começam a ressignificar novamente a cidade. A Rua Doutor Almeida Lima é a concretização mais clara na formação do território do Nordeste da cidade, e o modo de (sobre)viver, à revelia das leis e constituições apresentadas anteriormente que busca uma forma oficial para a vivência coletiva, ganha outros contornos e meios, exemplificados pela rodoviária informal da área, com viagens diárias para o Nordeste, além de lojas de produtos nordestinos que trazem temperos, roupas, sapatos, cores, músicas (GOMES, 2006) e uma certa esperança de criar, ou recriar novas terras olhando para a terra antiga
Fotografia de autor desconhecido - acervo Museu da Imigração Dormitório masculino na hospedaria do Brás entre 1910 - 1919entral.
Fotografia de autor desconhecido - acervo Museu da Imigração Salão de matrícula, onde eram feitos o registro dos imigrantes que chegavam à Hospedaria, fotografia entre os anos de 1930 - 1939.
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Fotografia de autor desconhecido - acervo Museu da Imigração 41 Imigrantes portugueses em frente ao prédio principal da Hospedaria do Brás - 1938
04_o projeto 42
“O mundo, e as relações humanas, transbordam as linhas territoriais pela construção do afeto, e este trabalho é a busca do outro lado da margem. Ou mostrar que o outro lado também é lado. Por isso tantas ligações, por isso tanto movimento, por isso tanta explosão em micro territórios de resistência humana.” Antonio Fabiano Junior
Fotografia de Š Victor Moriyama [4]
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04_01 primeiras aproximações
As análises e investigações dos capítulos anteriores foram essenciais para determinar as características da população refugiada e imigrante no território de São Paulo e, assim, questionar qual o papel da arquitetura na reinserção social em um contexto urbano e consolidado. Durante o processo de pesquisa, diversos aspectos na forma em que essas pessoas buscam a integração se tornaram relevantes, principalmente na questão da permanência da memória e na luta por novas oportunidades e novos espaços.
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Depois de entender os aspectos da imigração no Brasil, o segundo passo para a elaboração de uma proposta arquitetônica foi entender qual era a infraestrutura já existente na cidade de São Paulo, quais seus principais pontos de atuação, onde estão localizadas e se ela atende, de fato, as necessidades dos imigrantes e refugiados em situação de vulnerabilidade. Com isso, foram mapeados os bairros com maior influência e residência dessa população, baseados no relatório do Conare de 2018, para posteriormente traçar as diretrizes de um projeto que buscasse a convergência às ações existentes, não só trabalhando como apoio a elas, mas como uma ponte de diálogo e conectividade. O processo de entendimento e concepção do projeto entende a complexidade acerca do assunto, portanto, a intenção foi criar um hipótese de trabalho pautada na percepção histórica e na persistência da memória em um novo território e em um novo contexto, criando perspectivas de apropriação do espaço, rompendo as barreiras da integração e construindo passarelas futuras para estabelecer as conexões entre o passado e o presente.
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04_02 poros e frestas da metrópole
As análises do território se estruturam conforme o movimento de ocupação por refugiados e imigrantes na cidade de São Paulo, que acompanha a lógica de acesso à moradia, trabalho informal e infraestrutura economicamente acessível, como exemplificado no mapa da pag. 37 (ACNUR e CARITAS, 2019). É nessa perspectiva em que o projeto ganha força: na busca de um território que siga as linhas dessas projeções de ocupação.
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O bairro do Brás é um dos mais tradicionais bairros da capital paulista, com a permanência de um vínculo histórico com a memória por meio de traços e influências das imigrações desde o século XIX, como detalhado no item 03 do capítulo 03 desta monografia. Sabemos que a questão dos imigrantes/refugiados perpassa os limites de bairros ou de cidades: é uma questão global, mas que ganha novas possíveis camadas de interpretação, reconhecimento e proposição, quando vista sob a ótica de um território cuja história dos movimentos de pessoas permeia sua constituição. A decisão de intervenção do projeto foi baseada nas características físicas e históricas dos espaços construídos, buscando locais que fossem resquícios da construção de uma malha urbana no Brás, no reconhecimento de poros e frestas muitas vezes renegados da metrópole, na forma de pequenos lotes subutilizados, degradados e com grande potencial. É nesse contexto, entre as ruas Uruguaiana e Paulo Afonso que o projeto foi desenhado, em um espaço composto por 7 lotes, próximo à Estação Brás da CPTM, do Largo da Concórdia e a poucas quadras do Museu do Imigrante, a antiga Hospedaria.
A área em que o projeto está inserido é composto por uma intensa pluralidade cultural vinda principalmente das tradições nordestinas. É na Rua Dr. Almeida Lima em que o comércio de artigos ganha visibilidade, tanto nas lojas como também no comércio ambulante, e quanto mais próximo à Praça Agente Cícero, que pelos sotaques, pelas gírias e pelo cheiro dos temperos você sente que está em um pedaço do Nordeste em plena capital paulista. É nessa região também em que a rodoviária informal se expande, à vista, os ônibus de viagens se espalham por todas as ruas e travessas, esperando o horário da próxima partida.
Rua Doutor Almeida Lima, conhecida por seu comércio fixo e ambulante de artigos nordestinos.
Na rua Doutor Almeida Lima, os muros abandonados que dividem a linha da CPTM se tornam ponto de depósito de materiais e parada para alguns carregadores. É nesse rua, mais próximo ao trem, que o comércio se intensifica.
Na esquina da rua Cavalheiro e a rua Doutor Almeida lima, o comércio ambulante se faz presente, do outro lado da rua, nos muros da CPTM, alguns carregadores descansam enquantos outros tentam vender seus produtos.
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Na rua Paulo Afonso mais alguns ônibus tomam conta das ruas, quase todos com destino à região norte e nordeste do Brasil.
Rua Uruguaiana, o antigo e desativado posto de gasolida se torna a ro- Fotos do estacionamento na rua Paulo Afonso, um dos lotes de intervenção do projeto, que inspirou o uso da cobertura tipo shed como permanência e doviária informal entres os caminhos do Brás. memória no território.
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rua uruguaiana
rua paulo afonso
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04_03 o programa
O desenvolvimento do programa começou com discussões sobre as principais fronteiras dentro de um território, não somente físicas, mas que representam barreiras no caminho da adaptação, integração social e possíveis formas de permanência no espaço. É assim que se estabelece uma tríade na concepção do programa de necessidades, que reverbera em espaços coletivos visando não somente o apoio, mas também a desejada busca da emancipação de imigrantes e refugiados.
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A coexistência do passado atrelado à um antigo território e o presente ligado à uma nova história, mostra a importância dos laços e da cultura de cada indivíduo; suas raízes existem e persistem, não podem ser apagadas e nem esquecidas, é assim que a primeira definição da tríade se constrói. Produzir é a busca da ressignificação sobre pertencimento, ancorada através da (i) Biblioteca Internacional, com incentivo à produção e publicação literária de refugiados e imigrantes, (ii) Ateliês de Ofícios, espaços para desenvolver os “ofícios esquecidos” que ficaram na memória de um antigo lugar, (iii) Cozinha coletiva, com aulas de gastronomia, além do (iv) Coworking, espaço do trabalho livre, que funciona como uma “caixa de luz” ou um farol na criação e desenvolvimento de novas ideias. O farol orienta, ilumina. Cada pequena construção desenhada para compor o novo espaço tem os mesmos preceitos de um farol. Um espaço que, subjetivamente, tem o objetivo de despertar em cada um que passe por ele a sensação de esperança e acolhimento. É um norte de luz. Ali, ele pode ser ouvido, respeitado e reconhecido no outro para, quem sabe, se tornar, ele próprio, um pequeno farol para os que o cercam. Foi essencial compreender que a língua, como ins-
trumento de comunicação, é a antítese do refúgio, ao mesmo tempo que é responsável pela sua segregação. Quando rompida, articula o maior ponto de conexão entre o indivíduo e os outros grupos sociais no território. Em uma conversa com a psicóloga Giovana Abreu, responsável pelo departamento de recursos humanos de uma grande empresa de medicina diagnóstica no Brasil, apesar de existir um programa interno para o incentivo na contratação de refugiados e inserção no mercado de trabalho, a maior dificuldade de aderência das vagas é em relação ao domínio da língua portuguesa, muitas das oportunidades são de atendimento ao cliente, em que a comunicação é a principal função exercida, desse contexto temos a segunda definição da tríade: Trocar. Não somente como forma de busca de emancipação, mas principalmente como integração, a criação de (i) ateliês para curso de idiomas, tanto da língua portuguesa como também as línguas imigrantes, árabe, espanhol, inglês e francês. Outro princípio para estabelecer essa troca é a proposta de (ii) espaços amplos e dinâmicos para palestras e debates coletivos, sobre cultura, arte, linguagem e diversos eventos com incentivo à integração social e ao diálogo entre culturas. No último relatório do CRAI divulgado pela prefeitura da cidade de São Paulo em 2015, os dados revelaram que o centro de referência da Bela Vista recebeu entre o período de novembro de 2014 a novembro de 2015, 2.231 refugiados e imigrantes de 73 diferentes nacionalidades para atendimento de serviços públicos, sendo que 478 pessoas foram acolhidas e passavam em média 81 dias hospedados na casa, com capacidade para 110 pessoas no período noturno e 80 no diurno. Ao todo, na ca-
pital paulista há 540 vagas disponíveis para acolhimento na rede pública e que estão distribuídas em diversos pontos de atendimento, detalhado no item 03 do capítulo 02 desta monografia. Ainda que existente, esse número não é suficiente para suprir a necessidade de acolhimento, com a ausência de vagas, muitos são direcionados à albergues da prefeitura que nem sempre conseguem suprir com as necessidades desses refugiados e imigrantes, principalmente pela questão de infraestrutura (ADUS, 2016). Baseado nessas questões, o terceiro ponto de conexão dessa tríade é o Acolher. Ainda que pautado pela insuficiência no acolhimento, o último elemento da tríade visa também apoiar em questões jurídicas e sociais através de (i) atendimento psicológico, além de estabelecer o vínculo de comunicação entre as empresas privadas que buscam integrar em sua rede de funcionários, refugiados e imigrantes. Sendo a principal questão, oferecer (ii) um ponto de assistência por meio de habitações até que sua emancipação seja efetiva, através das ferramentas estabelecidas no programa de necessidades. Há que se enfatizar que esta estrutura tripartida, em todo momento, relaciona-se e se ajuda, em um movimento contínuo e complementar entre as ações de produção, troca e acolhimento, entendendo e valorizando o trânsito entre a capacitação de novos saberes e a carga histórica de saberes individuais.
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04_04 projeto sistêmico, constelação
A intenção de projeto, não é suprir toda complexidade da questão do refúgio em um único terreno, mas criar um instrumento que seja capaz de proporcionar uma rede de apoio por toda cidade, espalhando a infraestrutura da tríade e funcionando, assim, de forma sistêmica pelo território.
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Para que esse sistema seja possível, foi desenvolvido um módulo básico de construção, com dimensões mínimas que pudesse abrigar diversos programas, desde um ateliê de uso livre, uma cozinha comunitária e até mesmo um dormitório coletivo, chegando assim em uma estrutura de 4,80m x 4,80m. O intuito do módulo visa compreender que não é necessário um terreno grande para estruturar o projeto, e nem é preciso ter as três divisões do programa em um único espaço, mas é compreender que ao espalhar a tríade em pequenas frestas urbanas, ocupando os poros da cidade, o projeto funciona de forma sistêmica, costurando os pontos desse território e proporcionando o acesso cada vez maior para a população. A busca da dignidade humana é vital para a construção de uma sociedade democrática porque a luta para o bem do outro é uma luta coletiva. Neste sentido, acredita-se que a construção de resistência pulverizada e acessível vai de encontro à criação de uma mudança de imaginário. Em uma sociedade capitalista, neoliberal, conservadora, patriarcal, com passado escravista e desigual como o Brasil, uma grande parcela da população é marginalizada por não ter acesso privado à terra, que significa não ter direito a usar, vender, desfrutar ou reivindicar um pedaço de chão. Ou seja, vivemos em uma cidade movida por uma roda destruidora, onde a disputa pelo espaço é histórica e quem explora o
território é quem tem recursos, levando 33% da população que não tem moradia a ocupar espaços sem papel de habitação. Os imigrantes e refugiados se veem nesta condição de desamparo completo. O projeto busca, como eixo norteador, incentivar a empatia e a capacidade de sentir o que sente o outro indivíduo, na compreensão de sentimentos e emoções ao próximo, criando uma terra de oportunidade pública onde todos possam usar, desfrutar, reivindicar a (ou uma) terra e todos os seus espaços, respeitando o diferente e compreendendo que todos também somos iguais.
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módulo básico de construção
04_05 arquitetura
O desenho do projeto se molda no espaço, e sua implantação é determinada pela criação de duas ruas para pedestres, fazendo ligação entre as ruas Uruguaiana e Paulo Afonso que só se comunicavam depois de longos trechos percorridos. É nesse primeiro contato com o projeto que o programa começa a estabelecer as relações de conexões e uso, com a implantação de um centro de acolhimento e integração pautado pelo uso auto-gestionável, uma ampla cozinha experimental para aulas práticas, que serve também como refeitório coletivo, os ateliês com divisórias móveis permitem a mudança de layout conforme necessidade e a brinquedoteca - um espaço de apoio principalmente para as mães solos imigrantes e refugiadas que não têm com quem deixar seus filhos durantes suas aulas de língua portuguesa - desenhada entre os desníveis das escadarias configuram cheios permeados por vazios estabelecidos por calçadas, pracetas e um grande pátio central para convívio social. Assim, o projeto proporciona variados espaços, porém com o mesmo objetivo em comum: fortalecer o indivíduo, suas relações e a comunidade. Os programas são a princípio espaços facilitadores de encontros, onde as pessoas possam se estabelecer e restabelecer vínculos afetivos e sociais por meio da análise e compreensão de suas relações e conflitos. Arquitetura se apresenta não como um fim em si, mas como um mediador de vidas. 57
reconheço os resíduos e frestas do território;
diagrama de implantação
entendo como potencialidade para intervenção, o terreno;
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faço o desenho dos volumes das edificações;
e assim, qualifico os vazios através da vegetação, arquibancada e conconcretizando como vertente do projeto, as passagens;
estabeleço as conexões entre as ruas uruguaiana e paulo afonso;
através da circulação vertical crio os pontos nodais do projeto;
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a partir disso, estruturo os próximos pavimentos;
destaco a continuidade dessas passagens, que não estão somente no desenho do térreo, mas em toda edificação;
ressignifico a cobertura tipo shed como permanência do território, elemento presente em um dos lotes de intervenção;
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inserção do projeto no contexto urbano.
O projeto, portanto, busca a potencialização das relações e trocas entre pessoas se articulando como uma extensão da rua, com diversos espaços - públicos como praças, íntimos como pátios ancorados nos eixos de circulação. Não se trata de uma alegoria de rua e sim um resultado de uma arquitetura que busca a dinâmica urbana como base. 61
Os elementos que estruturam o desenho do Centro de Acolhimento e dão permeabilidade visual ao projeto são as passarelas. Elas cruzam o vazio central e conectam os blocos em todos os pavimentos, sendo estruturas de passagem, mas também de permanência, podendo ser usada como a extensão de um coworking ou apenas um lugar de observação. A intenção de seu desenho retoma a influência da arquitetura italiana no bairro, como é descrito por Barreto (1994, p.91), em que os cortiços eram marcados pelos corredores estreitos e compridos com entrada para um pátio onde havia o convívio coletivo. Em termos técnicos, para vencer o vão de 16 metros entre os dois blocos, as passarelas do eixo central da arquibancada foram estruturadas a fim de evitar qualquer interferência de pilares, com isso, a solução foi o uso da viga vagão, estrutura que reduz os esforços de flexão e deformação e dessa forma conseguem vencer maiores vãos, mantendo a menor seção possível e o perfil esbelto da peça (PEREIRA, 2018). As passarelas não marcam apenas o desenho do projeto, mas revelam as passagens, trajetórias e as histórias dos refugiados e imigrantes, conectam ao pátio central, que funciona como núcleo diagramático de todo um sistema, é o ponto nodal que garante a equidade entre refugiados e imigrantes e estabelece um espaço democrático de encontros e diálogos. No térreo, as passagens estabelecem uma relação de convívio urbano e social, representam uma extensão das ruas Paulo Afonso e Uruguaiana dentro do projeto, é nesses dois eixos de conexão que estão localizados alguns dos elementos da tríade (produzir, trocar e acolher).
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Na passagem mais estreita, estão dispostos as transposições verticais, a biblioteca internacional e os ateliês, com um layout flexível, permitindo o uso conforme a necessidade das atividades. No eixo paralelo, na fachada da rua Paulo Afonso, está o restaurante de uso coletivo e a cozinha experimental, que pode funcionar como uma grande sala de aula de gastronomia. Na fachada da rua Uruguaiana está a brinquedoteca, programa essencial para apoiar mães ou pais solos, que durante as atividades não têm com quem deixar seus filhos. As escadas nesse eixo formam um pequeno pátio no nível -0,72m do projeto, que permite diferentes formas de apropriação, tanto como espaços para palestras e conversas, quanto uma extensão da brinquedoteca para as crianças. No vazio central do projeto, a arquibancada estrutura o espaço e estabelece relações de convívio, ao seu redor estão algumas salas de ateliês e a recepção, onde ocorre o primeiro contato de apoio e encaminhamento para a população.
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Isométrica do térreo: conexões, transposições e materialidade.
Entender a lógica e a pluralidade da imigração é compreender a existência de diferentes módulos familiares e solos, assim, as unidades de acolhimento são desenhadas de forma variada, com dormitórios para 2, 4 a até 16 pessoas que se adaptam às necessidades do cotidiano, além de espaços de convívio coletivo e apoio, como salas e copas pelos andares do projeto. Esses módulos são estruturados com elementos metálicos (pilar, viga e laje em steel deck), que permite uma maior versatilidade arquitetônica, a organização da construção e rapidez na execução. Além disso, as vedações foram projetadas para serem facilmente adaptadas conforme o uso de cada módulo, 64
as dimensões padrões com variação nas alturas da caixilharia permite uma otimização dos custos e da edificação do projeto. No segundo pavimento, o programa começa a se desenvolver e estabelece uma dinâmica do espaço, com o intuito de permitir um fluxo contínuo entre os andares, a distribuição do programa ocorre de maneira estratégica. Há algumas unidades de acolhimento com diferentes tipos de layout, compreendendo a pluralidade de ocupação, o coworking que se extende às passarelas do projetoas salas e ateliês coletivos que diversificam o convívio social.
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Passarela do primeiro pavimento, um espaço não somente de passagem mas de permanência. O guarda-corpo em concreto é , na verdade, um balcão que permite a extensão do coworking e conecta espaços de convívio coletivo.
O segundo pavimento é marcado pelos ateliês maiores, com espaço para atividades como a dança, além de algumas unidades de acolhimento. As passarelas estruturam o desenho e conectam à um terraço jardim, espaço de integração e respiro. 66
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Vista do terraço jardim no segundo pavimento. Espaço de convĂvio coletivo que permite um panorama do vazio central do projeto e das passarelas que cruzam e conectam os blocos.
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É na cobertura em que a memória do território marca sua permanência, a decisão do uso da cobertura metálica tipo shed foi estabelecida pela pré-existência em um dos lotes utilizados na intervenção, um terreno usado como estacionamento ainda mantinha resquícios de uma estrutura metálica, degradada e esquecida. A cobertura tipo shed abriga o terceiro pavimento e o mazanino, espaços amplos e dinâmicos que permitem diferentes formas de uso e apropriação. Além disso, a decisão da materialidade e método construtivo do projeto é explicada nos detalhes, a estrutura metálica que garante uma racionalização da construção, garantindo uma flexibilidade nos ambientes com vãos maiores e perfis esbeltos em um curto espaço de tempo, como é o caso da montagem da laje steel deck. Outra decisão de projeto foi o desenho da caixilharia em madeira com medidas modulares padrão variando no fechamento e na altura conforme cada ambiente. O guarda-corpo metálico vedado com placas de policarbonato alveolar marcam todo o percurso das passarelas do projeto, ao tempo que evitam toda a transparência ainda assim permitem a passagem da luz. Por fim, o uso dos tijolos e cobogós cerâmicos na fachada retomam a memória industrial do Brás no século XIX e XX, durante a intensa influência italiana nas fábricas da região. Os cobogós como elementos vazados permitem a ventilação e iluminação natural, auxiliando no conforto térmico dos ambientes. O projeto, como sistema arquitetônico, é o questionamento de espaços de convívio urbano mais democrático, é o entendimento das barreiras socioculturais e a proposta de rompe-las ou ao menos questioná-la. Com tantos lugares e realidades distintas no mundo, o vazio no acolhimento para essas pessoas, de fato, serem além de refugiados e imigrantes invisíveis é a constatação de uma sociedade falida e incapaz. É na premissa de dar visibilidade e identidade que o projeto ganha forma, cor e vida. 72
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Fachada da rua uruguaiana, evidenciando a estrutura metĂĄlica, o cobogĂł como elemento vazado e arquitetĂ´nico e a caixilharia em mandeira.
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Fachada da rua uruguaiana.
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05_considerações finais 78
Minha inquietação quanto ao tema de refúgio ganha força depois da minha experiência na cidade de Paris. Estudei um semestre na École de Architecture Paris Val de Seine e como passageira dessa cidade, pude vivenciar um pouco dos problemas sociais existentes quanto à imigração. No meu olhar automático dentro de metrópole de São Paulo, já não me questionava mais sobre as pessoas que viviam nela, a mudança de cidade e de rotina me fez reparar no que antes era invisível aos olhos. No mesmo percurso da habitação estudantil até faculdade, encontrava-se sentada no chão dos túneis da estação Liberté uma família de origem árabe, sem onde viver, carregando consigo colchões e alguns pertences. Foi então que percebi que esse retrato já não era um caso particular, era uma regra que domava e dominava a cidade. Não é como se eu conseguisse passar por essas pessoas sem perguntar ou conversar, eu só não sabia o que falar. Nessa rotina incansável, comecei a carregar na bolsa algumas barras de cereais que levei do Brasil e distribuía para as crianças refugiadas que ficavam correndo pelas estações. Nem sempre era bem recebida, mas muitas vezes ganhava um sorriso de volta. Toda essa situação me fez olhar para a realidade com os pés no chão e compreender existências além daquelas que assistem em filmes ou lemos em jornais. Paris não é somente o glamour da torre Eiffel, ou a beleza inebriante de suas luzes, Paris é também uma cidade cheia de conflitos e contradições em que mais de 3000 refugiados e imigrantes vivem nas ruas ou em acampamentos irregulares, segundo os dados da ONG France Terre d’Asile (FRANCE INTER, 2019).
Nesse contexto de inquietudes que começo a pensar, em um panorama dentro da minha realidade, dos problemas acerca da imigração e refúgio na cidade de São Paulo. Não somente como a arquitetura exerce um potencial papel na reinserção social, mas como este processo reflete nas transformações das cidades, nas rupturas do passado e na criação de novos começos. O compromisso do Estado em promover a cidadania com essa população é fundamental no processo de pertencimento; as diretrizes constitucionais e políticas públicas dentro do território atuam de forma expressiva no acolhimento. Compreendi a necessária existência de diretrizes governamentais, mesmo que insuficientes dentro do contingente existente e, dessa forma, me ponho no dever de propor uma extensão dos projetos e uma maior participação da sociedade civil no acolhimento e na reinserção social de refugiados e imigrantes, por meio deste ensaio arquitetônico.
enxergando o projeto como uma estratégia de luta por uma vida digna e possível para todos. Não há um encerramento do trabalho, ele ainda irá permear como base para outros projetos, novas discussões e percepções. É uma experimentação e um exercício que reflete na potencialidade e nas possibilidades do desenho arquitetônico em torno do refúgio e imigração. Há diversos caminhos, cada um com sua complexidade, mas um objetivo: garantir uma reflexão para transpor barreiras e fronteiras dessas trajetórias, permitindo o encontro entre vozes perdidas e incompreendidas.
Em todo desenvolvimento dessa monografia, entendi a extensão do assunto e a importância da atuação de diversas esferas sociais, com isso, a intenção foi criar um projeto que complementasse a estrutura já existente, como resposta a toda a pesquisa realizada, permitindo diferentes desdobramentos e garantindo acesso aos serviços públicos, ao acolhimento e ao protagonismo dessa população permitindo então, sua necessária e desejada emancipação. O trabalho coloca o campo da arquitetura como prática de sonho e construção capaz de dar subsídios às necessidades dos imigrantes/refugiados, suprindo a falta de direitos mínimos de vivência urbana como ferramenta para barrar a barbárie social, na busca por um lugar de construção coletiva, 79
o pátio central do projeto, lugar que conecta e estabelece vínculos de convívio coletivo e traz a vontande de criar um novo chão e uma nova história de possibilidades para esses imigranes e refugiados.
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06_agradecimentos
Agradeço à minha família, pelas fronteiras ultrapassadas na busca de uma vida melhor. Ao meu bisavô materno, Nicola, por sua coragem em fugir da guerra na Itália, com seus 7 irmãos menores e encontrar aqui no Brás a possibilidade de um novo destino. Ao meu avô paterno, Francesco, por desenhar um novo destino e uma nova história, aqui em São Paulo. Lembrarei de vocês em cada sotaque que escutar, suas trajetórias como imigrantes jamais serão esquecidas. Agradeço à minha mãe, ao meu pai, aos meus irmãos e aos meus tios Nino e Tuniko, pelo intenso apoio em toda minha caminhada, por acreditarem nos meus objetivos, por me permitirem crescer e viver tantas experiências nessa formação acadêmica, a força que vocês me proporcionaram foram responsáveis pelo desenvolvimento desse trabalho.
Agradeço ao meu orientador de projeto, Lucas Fehr, por todo apoio na criação e desenvolvimento do projeto, por acreditar no meu trabalho e por todo incentivo ao longo desses meses. Lucas, sua persistência e seus questionamentos me fizeram ir além, me fizeram descobrir e redescobrir a arquitetura, me permitiu criar um projeto em que eu acredito e me orgulho. Às minhas amigas e amigos que me acompanharam nessa formação acadêmica, agradeço todo incentivo e, principalmente, ao apoio emocional que foi essencial para vencer todos os obstáculos e concluir com orgulho e gratidão esse trabalho.
Agradeço aos meus avós, Ana Lúcia, Antônio e Wilma, por todo incentivo e pelas palavras de apoio nessa trajetória de conhecimento, por me contarem suas histórias, as vezes tão particulares, e me permitirem crescer com elas. Ao meu orientador de monografia, Antônio Fabiano, por abraçar esse projeto junto comigo e mostrar a importância e a visibilidade de cada luta, por não me deixar hesitar em expor minhas ideias e de construir possibilidades. Antônio, sua dedicação e sua orientação foram fundamentais na criação desse trabalho, sua personalidade e seus questionamentos me fizeram transpor barreiras e, principalmente, me deram forças para chegar até aqui. Sua fala e sua coragem me inspiram.
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As fotografias de Victor Moriyama fazem parte do projeto Vidas Refugiadas, junto da advogada Gabriela Cunha Ferraz e em parceria com o Alto Comissaiado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e Organização Internacional do Trabalho, o projeto conscientiza e da voz às mulheres refugiadas. Lançado no ano de 2016, em São Paulo, na véspera do dia Internacional da Mulher, os retratos apresentam os olhares de oito mulheres refugiadas, que buscam contar suas histórias, com textos e vídeos narrados em primeira pessoa.
06_anexo
Segundo a advogada Gabriela Cunha, o trabalho de conscientização se torna ainda mais essencial num contexto em que várias políticas em relação a mecanismos de apoio e acolhimento aos refugiados estão estagnados. Nesse mesmo panorama, para as mulheres, as barreiras são ainda maiores, o acesso à documentação, trabalho e moradia são entraves que permanecem.
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“Há o desafio no acesso ao mercado de trabalho qualificado e que seja compatível com a formação dessa mulher, porque ainda recebemos relatos sobre a inserção de mulheres em serviços de limpeza, mão de obra básica, mesmo para aquelas que já tem nível superior e exerciam suas profissões no país de origem. O outro grande desafio é a documentação. Nesse ano conseguimos reconhecer dois processos de refugiadas que integram o projeto, a Jonathan e da Jeannete, reconhecidas refugiadas ao longo do ano, mas a Vilma, de Angola, e a Maria, de Cuba, aguardam há três anos uma resposta do governo federal. Sem dúvida, esse é um desafio, porque trata do di-
reito mais básico, o de se identificar com um documento. Não podemos falar de integração sem isso”(CUNHA, 2016).
Em busca de um futuro mais próspero e ainda com as marcas de seus passados, essas mulheres buscam o emponderamento, a empatia e a desmistificação. A propagação desse projeto é a base para que elas não só sigam em frente, mas tenham condições de vida melhores, inclusive com auxílio das políticas públicas e aceitação social. Ao longo desta monografia, diversas imagens do fotográfo Victor Moriyama forma expostas, este anexo visa principlamente, dar visibilidade ao projeto Vidas Refugiadas, mostrar a identidade e as histórias de alguma dessas oito mulheres retratadas no projeto. Todos os relatos e histórias estão disponíveis no canal do Youtube, Vidas Refugiadas (https://www.youtube.com/channel/UCq7xpuFFtnUZZjvxO_vHCOw/featured)
“as mulheres refugiadas devem ter direito à voz própria. Ser sujeito e não objeto. Ter acesso ao emprego para ganhar a vida com dignidade” Maria
[01] Maria
[02] Nkeichinyere Jonathan
Antropóloga e jornalista, nascida em Cuba. Solicitante de refúgio no Brasil em 2014, ela vê incompreensão na sociedade sobre o que é ser refugiados e uma visão preconceituosa sobre as mulheres que estão nessa situação. Ela compreende o tamanho do desafio em conseguir emprego para ter acesso a uma vida digna e ter direito à voz aqui no Brasil.
Professora, nascida da Nigéria, solicitante de refúgio no Brasil em 2014. Jonathan enfrentou uma crise política e também religiosa em seu país, por ser uma professora e por persistir na atuação de sua profissão, se tornou alvo do Boko Haram, grupo extremista da Nigéria. Como mulher, negra e imigrante, ela já se deparou com o racismo no país. “Definitivamente, nós encontramos mais discriminação, mas às vezes não de forma direta. O racismo faz com que você não seja tratada como uma pessoa igual a qualquer outra”
[03] Silvye
[03] Jeannete
De origem africana, Sylvie nasceu na República Democrática do Congo. Advogada com formação em pedagogia, ela relata que as maiores dificuldades enfrentadas no Brasil foram ao acesso à moradia e trabalho, mesmo com sua formação de ensino superior, Silvye não conseguiu um emprego na sua área de atuação.
Temendo repressões, Jeannete optou em não expor sua nacionalidade. A busca por refúgio decorreu de seu casamento com um homem cristão, religião não aceita em seu país de origem. Após sofrer um ataque de extremistas em sua própria casa e ter seu marido arrancado de seus braços, Jeannete precisou fugir. Até hoje, leva consigo cicatrizes no rosto que marcaram suas trajetórias. Ela deixou seus quatro filhos com familiares, enquanto buscava salvar sua vida e recomeçar aqui no Brasil.
“Os brasileiros não sabem o que é refugiado, não conhecem o povo africano.”
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