Entre escalas: coletivos ativistas na cidade de belo horizonte mg

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ENTRE ESCALAS:

Coletivos ativistas na cidade de Belo Horizonte MG

Bianca de Castro Carvalho Escola de Arquitetura UFMG 2017



Bianca de Castro Carvalho

ENTRE ESCALAS: Coletivos ativistas na cidade de Belo Horizonte MG

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientador: Prof. Dr. Marcos Felipe Sudré Saidler

Belo Horizonte, MG Escola de Arquitetura UFMG 2017



RESUMO O trabalho discute o tema da mobilidade urbana tendo como recorte as ações promovidas pelos coletivos ativistas na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Para isso, propõe mapear, compreender e debater as ações desenvolvidas por esses grupos na busca de melhorias do espaço público a partir de três movimentos principais: (1) apresentação desses atores, caracterização de suas ações e mecanismos de diálogo com outros sujeitos, obtidos em mapeamento de dados secundários e entrevistas; (2) análise documental de textos extraídos da imprensa escrita e televisiva, com o intuito de perceber o comportamento transescalar das ações promovidas e (3) descrição das experiências coletivas produzidas e observadas em um evento específico promovido pelos grupos – a Semana da Mobilidade Urbana de 2017. As discussões indicam fragilidades e entraves enfrentados pelos coletivos em suas ações, mas evidenciam que a articulação entre escalas – da sociedade civil de forma mais ampla ao Estado – pode ser o elemento fundamental para conquistas efetivas. Para além dos instrumentos que procuram aprimorar e/ou garantir maior mobilidade no espaço urbano originados nos setores técnicos do poder público, a pesquisa pretende colocar em pauta o papel de outras escalas/esferas nesse campo de atuação. Palavras-chave: mobilidade urbana; coletivos ativistas; escalas; Belo Horizonte.



ABSTRACT The paper discusses the theme of urban mobility, taking as a cut the actions promoted by the collective activists in the city of Belo Horizonte, Minas Gerais. In order to do this, it proposes to map, understand and debate the actions developed by these groups in the search for improvements in the public space from three main movements: (1) presentation of these actors, characterization of their actions and mechanisms of dialogue with other subjects, mapping of secondary data and interviews; (2) documentary analysis of texts extracted from the written and television press, with the purpose of perceiving the transescalar behavior of the promoted actions and (3) description of the collective experiences produced and observed in a specific event promoted by the groups - the Urban Mobility Week 2017. The discussions indicate weaknesses and obstacles faced by collectives in their actions, but they show that the articulation between scales - from civil society to the State more broadly - can be the fundamental element for effective achievements. Besides the instruments that seek to improve and / or guarantee greater mobility in the urban space originated in the technical sectors of the public power, the research intends to put in charge the role of other scales / spheres in this field of performance Key-words: urban mobility; collective activists; scales; Belo Horizonte.



LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Urbanização planetária Figura 2 - Falanstério Figura 3 – Cidade moderna de Le Corbusier Figura 4 – Broadacre City Figura 5 – Expansão da mancha urbana em Belo Horizonte Figura 6 – Estudos de Appleyard Figura 7 – The world of tomorrow - Futurama Figura 8 – Coletivo A Batata Precisa de Você, São Paulo Figura 9 – Dissertação de mestrado - Recife Figura 10 – Coletivo Basurama – Intervenção em Saragoça Figura 11 – Coletivo Basurama – Intervenção em São Paulo Figura 12 – Coletivo A Batata Precisa de Você – Intervenção no Largo da Batata Figura 13 – Coletivo Praias do Capibaribe Figura 14 – Coletivo 100architects – Intervenção no metrô Belas Artes Figura 15 – Coletivo Benchscollective – Intervenção nas ruas de Amsterdam Figura 16 – Rua aberta - 1 Figura 17 – Rua aberta - 2 Figura 18 – Logo Tarifa Zero BH Figura 19 – André Veloso – Integrante do Tarifa Zero BH Figura 20 – Logo BH em Ciclo Figura 21 – Amanda Corradi – Integrante do BH em Ciclo Figura 22 – Logo GT Pedala BH Figura 23 – Eveline Trevisan – Integrante GT Pedala BH Figura 24 – Busão da comunidade Figura 25 – Faixa BH em Ciclo Figura 26 – Desafio intermodal Figura 27 – Cartografia dos eventos realizados pelos coletivos Figura 28 – Busona sem catraca Figura 29 – Logo semana da mobilidade BH Figura 30 – Programação semana da mobilidade BH - 1 Figura 31 - Programação semana da mobilidade BH - 2 Figura 32 - Programação semana da mobilidade BH - 3 Figura 33 - Programação semana da mobilidade BH - 4 Figura 34 – Página do jornal Metro

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Figura 35 – Proporção direcionada a cada assunto - 1 Figura 36 – Página do jornal O Tempo Figura 37 – Proporção direcionada a cada assunto - 2 Figura 38 – Reportagem do dia 18 MGTV Figura 39 – Evento da busona sem catraca Figura 40 – Dentro da busona Figura 41 – Panfleto distribuído na busona - 1 Figura 42 - Panfleto distribuído na busona - 2 Figura 43 – Aulona sobre a auditoria do busão - 1 Figura 44 - Aulona sobre a auditoria do busão - 2 Figura 45 – Rua apenas para trânsito local Figura 46 – Crianças na rua - 1 Figura 47 - Crianças na rua - 2 Figura 48 – Rua aberta a noite - 1 Figura 49 – Espaço de descanso entre os carros Figura 50 - Rua aberta a noite - 2 Figura 51 – Feira de bicicleta

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Gráfico 1 – Número de eventos realizados pelos coletivos Gráfico 2 – Articulação entre as ações

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Quadro 1 – Quadro relacionando reportagens e dias de publicação

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SUMÁRIO

1. Introdução

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2. Da completa urbanização à incompleta mobilidade?

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3. Coletivos ativistas: qual o poder das escalas insurgentes?

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3.1 Mapeando ações: coletivos ativistas pela mobilidade em Belo Horizonte

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3.2 Das ruas à mídia: alcançando outras escalas?

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4. Experiências ativas: a semana da mobilidade urbana em Belo Horizonte

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5. Considerações finais

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Referências

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1. INTRODUÇÃO

Este Trabalho de Conclusão de Curso parte da hipótese de que a reabilitação dos espaços públicos nas cidades e sua apropriação – sugerindo o efetivo direito à cidade anunciado por Henri Lefebvre (2008) – poderiam ser alcançadas ou potencializadas pela mobilidade urbana. Entende-se, assim, que a capacidade de se deslocar pelo espaço e alcançar equipamentos e áreas públicas é fundamental para a vitalidade urbana e o exercício de construção da cidadania e da cidade como obra coletiva, para além de produto acabado, comercializado e consumido apenas por alguns (LEFEBVRE, 1991) . O interesse pelo tema da mobilidade surgiu durante o período de estudos realizados na Hungria, a partir de programa de mobilidade acadêmica. Como estudante de Arquitetura e Urbanismo acostumada com as cidades brasileiras, foi inevitável a reação de choque em relação à diferença existente entre os espaços públicos do meu país e os espaços públicos europeus. Imagino que isso pode ter ocorrido com outras pessoas também!

É preciso, de antemão, explicitar que, o tema da mobilidade urbana está, muitas vezes associado à acessibilidade, embora haja distinção entre os conceitos. O termo mobilidade é compreendido pela capacidade de deslocamentos espaciais, “na visão tradicional, a mobilidade é tida simplesmente como a habilidade de movimentar-se, em decorrência de condições físicas e econômicas” (VASCONCELLOS, 1998, p. 30). Já a acessibilidade vem da capacidade de uma pessoa em alcançar determinado local, o que pode ser influenciado, por exemplo, pelo preço da passagem ou o número de ônibus necessários para completar a viagem. Assim, neste trabalho, entende-se mobilidade como a ação do deslocamento e acessibilidade como a oportunidade que o indivíduo possui de participar de uma atividade em determinado lugar (VASCONCELLOS, 1998). 1


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Boa parte do tempo vivendo fora do país, passei em parques, praças e ruas de pedestres. Toda essa experiência me levou a questionar o porquê disso, já que no Brasil tinha tão pouco contato com os espaços públicos. É fato que várias questões políticas e econômicas se entrelaçam a essa resposta – além da curiosidade de uma estudante em terra estranha –, mas uma hipótese parecia bastante clara em minhas formulações. Os espaços públicos das localidades por onde passei eram efetivamente usados e apropriados (por mim e tantos outros) porque eram facilmente acessados e a mobilidade urbana favorecia o deslocamento, colocando a cidade ao alcance de praticamente todos. Orientada por essa perspectiva, a pesquisa procura compreender o

quadro mais amplo no qual o tema da mobilidade urbana se insere no contexto brasileiro: o processo de urbanização na maioria das vezes não planejado e a ampliação do acesso ao veículo automotor. Na tentativa de levantar o modo como a mobilidade tem sido abordada pelo pensamento urbanístico, discute-se propostas originadas de setores oficiais, mas pretende-se pôr em destaque a emergência de novos sujeitos estruturados nessa questão e suas táticas. Tendo como recorte os coletivos ativistas que se organizam em favor da mobilidade urbana na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, o trabalho apresenta levantamento e discussões sobre esses sujeitos, seus mecanismos de ação, relações com demais esferas – sobretudo o Estado e a sociedade civil, de maneira geral – e potencialidades de articulação.

Qual a potência das ações promovidas por coletivos ativistas na construção de um espaço mais justo e que permitiria a plena apropriação da cidade? Essa é a questão norteadora para a pesquisa, que por meio de um mapeamento sistematizado desses coletivos, espera contribuir para o debate sobre a mobilidade urbana e, principalmente, outras formas de alcançar transformações na cidade.


Introdução

Formam os coletivos ativistas analisados por este trabalho os grupos de indivíduos da sociedade civil organizados em função da temática da mobilidade urbana. Vale destacar a dificuldade de conceituação acerca desses coletivos, já que é característica desse universo “[...] uma semi-caótica e desordenada variedade de grupos com distintos modos de ação e divergentes perspectivas [...] (MAZETTI, 2010, p. 109). É praticamente impossível e pouco razoável, como argumenta Mazzeti, chegar a “definições monolíticas” sobre o fenômeno. Alguns partem para intervenções urbanas lúdicas e teatrais, outros se concentram em divulgação de cartilhas pela internet, enquanto ainda há os que desenvolvem um modo de ação mais próximo das esferas oficiais, articulando-se em assembleias, audiências e atividades similares. Para se aproximar do universo de análise, a fim de inferir a relação entre as múltiplas escalas de ação, foram adotados os seguintes procedimentos metodológicos: (1) coleta, organização e categorização de informações sobre os coletivos selecionados em sites oficiais, páginas do Facebook e blogs; (2) entrevistas e observações das ações promovidas pelos grupos na cidade; (3) análise documental de textos extraídos da mídia impressa e televisiva, no período da Semana da Mobilidade Urbana de 2017, quando um número significativo de ações foram produzidas de forma concentrada. O trabalho apresenta, além desta introdução, outros três capítulos, que le-

vam do debate teórico-conceitual sobre a mobilidade urbana aos coletivos ativistas que lutam por essa temática na cidade, terminando em apontamentos para pesquisas futuras. O segundo capítulo se inicia com a discussão sobre o processo de expansão do tecido citadino nas últimas décadas e a multiplicação dos problemas urbanos atrelados a isso. Partindo dessa constatação, destaca-se a ação do urbanismo e do planejamento, como ciências que buscam ordenar o espaço e tomam decisões organizadas a partir do Estado e interesses privados. É posto em destaque o papel da indústria automobilística nesse contexto e o aumento da frota de veículos no Brasil, fatos que estão em oposição aos dados apresentados pelos estudos que indicam as condições ideais de apropriação da cidade. No terceiro capítulo, os coletivos ativistas são apresentados como atores de destaque dentro do quadro atual de crítica ao ordenamento territorial conduzido exclusivamente pelas escalas superiores. Entende-se que, na busca por melhores espaços, alguns grupos começaram a promover intervenções, que até então eram limitadas ao poder público, trazendo uma nova forma de se relacionar com a cidade ou até mesmo de planejar e reabilitar áreas abandonadas. Diante desse quadro, os coletivos se vinculam ao que pode ser chamado de “urbanismo tático”, mostrando que é possível desenhar a cidade com as próprias mãos. São apresentados nessa seção alguns trabalhos promovidos por

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coletivos ativistas em outras partes do país, embora o recorte escolhido para a pesquisa seja a cidade de Belo Horizonte e três grupos específicos vinculados ao tema da mobilidade. Os coletivos Tarifa Zero BH e BH em Ciclo e o Grupo de Trabalho Pedala BH são os três selecionados para um estudo mais detalhado de suas ações, apresentadas também no capítulo três. Histórico de formação dos grupos, atividades desenvolvidas, relações estabelecidas entre si, com a sociedade e o Estado são os temas abordados nessa parte do trabalho, por meio de entrevistas concedidas pelas lideranças e mapeamentos. Na tentativa de apreender como as ações desses grupos atravessam outras escalas, também é realizado um estudo do conteúdo em veículos da imprensa local, no período da Semana da Mobilidade Urbana de 2017. O estudo procura perceber o grau de repercussão das intervenções realizadas pelos

coletivos na cidade, para além daqueles que presenciaram os fatos. O capítulo quatro apresenta a narrativa dessas experiências e vivências pela ótica da autora do trabalho e dos sujeitos encontrados pelas ruas de Belo Horizonte durante a Semana da Mobilidade Urbana de 2017. A partir de observações, relatos e entrevistas, procura-se oferecer uma perspectiva dos fatos não registrada pelos veículos de comunicação. De inspiração etnográfica, essa seção caminha rumo a uma aproximação da “descrição densa” de Geertz (1989), assumindo o valor do registro qualitativo e da primeira pessoa como organizadora da narração. O quinto e último capítulo traz as considerações finais da pesquisa, discutindo resultados encontrados, a abordagem metodológica utilizada e oferecendo apontamentos para possíveis pesquisas futuras.


Da completa urbanização à incompleta mobilidade?

2. DA COMPLETA URBANIZAÇÃO À INCOMPLETA MOBILIDADE?

O processo de expansão do tecido urbano ganhou fôlego extraordinário nas últimas décadas do século passado em praticamente todo o mundo, a ponto de alguns teóricos sugerirem a completa urbanização do globo, o que tem sido chamado de “urbanização extensiva” (MONTE-MÓR, 2006) ou “planetária” (BRENNER; SCHMID, 2001). Embora essa extensão do urbano seja caracterizada, principalmente, pela penetração virtual de relações sociais de produção e reprodução urbano-industriais em territórios não-citadinos, é fato que a difusão dos elementos constitutivos da vida cotidiana originada nas cidades carrega consigo formas urbanas concretas ou, pelo menos, são indutoras desse processo. Não por acaso, a discussão sobre a extensão de um urbano virtual para além das cidades – e, consequentemente, a urbanização completa da sociedade em suas relações – é contemporânea à transição urbana mundial, ou seja, ao período em que a maior parte da população do globo passou a viver em contextos não-rurais.

Figura 1: Urbanização planetária Fonte: BENSEN, Daphne Costa, 2014

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Em sua análise, Choay (1979) apresenta as relações entre o progressismo utópico da primeira metade do século XIX e as propostas urbanísticas dos técnicos ligados a correntes posteriores, como o Movimento Moderno. 3 Frank Lloyd Wright chega a afirmar que a sua cidade de um acre por habitante – modelo jamais construído mas que acabou influenciando a forma de ocupação com baixíssima densidade dos subúrbios norte-americanos – somente seria viável em uma sociedade que tomasse a escala do automóvel como padrão para o planejamento territorial. Para uma discussão mais verticalizada, ver Choay (1979). 2

Isso tudo teve início entre o final do século XVIII e início do século XIX, quando as indústrias começam a ganhar espaço por toda Europa, as migrações do campo para as zonas industriais crescem e o despreparo das cidades para receber essa população começa a ser notado (Benevolo, 1981). As condições insalubres em que a população era submetida despertou, no que Françoise Choay (1979) chama de pré-urbanistas – homens ligados à filantropia e, na maioria dos casos, ao socialismo utópico –, o desejo de melhorar as cidades. Com a procura por melhores condições de moradia e criticas fortemente atreladas à política liberal da época, os pré-urbanistas criam modelos de cidades – reduzidos à escala arquitetônica, como são os exemplos do Falanstério e do Familistério –, que, apesar de serem considerados utópicos, foram necessários para despertar o sentimento de mudança na população. Além disso, é a partir dessas propostas que se desenvolve a ciência urbanística, com algumas correntes bebendo diretamente nas fontes deixadas pelos utópicos da primeira metade do século XIX2. Como ciência, o urbanismo surge em paralelo ao desenvolvimento industrial, procurando dirimir os males trazidos pela inserção da indústria na cidade. Ao contrário do período anterior, o urbanismo que se consolida a partir de meados dos anos 1800 é formado por profissionais e técnicos, pretende-se despolitizado e possui caráter pragmático, ainda que tenha boa parte dos modelos construídos a partir de tipos ide-


Da completa urbanização à incompleta mobilidade?

Figura 2: Falanstério Fonte: DIAS-CUEVAS, Julio Cruz, 2016

ais e em condições apriorísticas (Choay, 1979). Articulada ao crescimento urbano, a indústria automobilística e o automóvel de forma mais explícita tornam-se peça-chave na formulação de propostas para a cidade desejada. A transformação da rua em via de trânsito e conexão entre os setores funcionalizados por Le Corbusier, a cidade-linear de Arturo Soria Y Mata e a Broadacre City de Frank Lloyd Wright são exemplos dessa relação umbilical entre o veículo automotor e a cidade que emerge da prancheta dos técnicos – engenheiros e arquitetos imbuídos da função de gerar novos espaços3.

Figura 3: Cidade moderna de Le Corbusier Fonte: MERIN, Gili, 2016

Figura 4: Broadacre City Fonte: KOGLEK, Nuno, 2013

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Figura 5: Expansão da mancha urbana em Belo Horizonte Fonte: Adaptado de SILVA, 2010

Atrelado a isso, os problemas urbanos se multiplicaram, colocando a agenda de discussão sobre o futuro das cidades entre as prioridades do poder público em seus diversos níveis de administração. No Brasil, a criação do Ministério das Cidades e a orientação de recursos para o planejamento metropolitano são exemplos de como as cidades têm sido pauta de debate para além do limite dos municípios, envolvendo também ações dos governos federal e estaduais. Dentre os problemas apresentados pelo esgarçamento do tecido urbano – em geral, pouco ou nada planejado – está a dificuldade de deslocamento nas cidades, geradora de barreiras ao desenvolvimento e limitadora de melhores condições de vida, na medida em que dificulta ou mesmo impede o acesso a determinadas porções do território. Reflexo disso é, por exemplo, a Política Nacional de Mobilidade Urbana, regulamentada em 2012, vem sendo considerada um dos eixos estruturantes das políticas públicas voltadas para as cidades brasileiras (BRASIL, 2015). Em contrapartida e em paralelo a essa agenda, a frota nacional de veículos automotores continua em ascensão. Segundo o Departamento Nacional de Transito, o crescimento da frota no período de 2000 a 2010 foi de 119%. Já nos últimos anos, o número de veículos no país saltou de 64,8 milhões em 2010 para 93,8 milhões em 2016 (DENATRAN, 2017). Todo esse vigor da indústria automobilística brasileira vai na contramão


Da completa urbanização à incompleta mobilidade?

daquilo que o urbanista britânico Donald Appleyard (2005), ainda nos anos 1960, constatou: a apropriação das ruas e as interações sociais que nelas ocorrem constituem uma variável que decresce à medida que aumenta o fluxo de veículos. Como aluno de Kevin Lynch, Appleyard dedicava-se aos estudos de percepção da paisagem a partir de mapas cognitivos e constatou, em estudos de três ruas de São Francisco, Califórnia, com características sócio-espaciais similares, mas fluxos de veículos distintos (pesado, moderado e leve) que o espaço considerado pelos moradores como “casa” diminuía à medida que aumentava a intensidade do tráfego.

Figura 6: Estudos de Appleyard Fonte: BRITTON, Eric, 2011

Os achados de Appleyard fazem parte de um conjunto de pesquisas que começaram a questionar, a partir da segunda metade do século XX, a centralidade do automóvel no planejamento das cidades e a defender a necessidade de priorizar o pedestre e sua escala (JACOBS, 2011; GEHL, 2015). Apesar desses questionamentos, a prática de planejamento organizada pelo Estado permaneceu corroborando as propostas de desenho urbano que evidenciassem a centralidade do veículo automotor, validando o caminho adotado pelas correntes que defendem o combate dos problemas

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Figura 7: The World of Tomorrow - Futurama Fonte: HECKER, Amy, DECKER, Howard, 2008

São exemplos dessa relação umbilical entre o veículo automotor e a cidade que emerge da prancheta dos técnicos a transformação das ruas em vias de trânsito e conexão entre os setores funcionalizados, como propôs Le Corbusier, a cidade-linear de Arturo Soria Y Mata e a Brodacre City, de Frank Lloyd Wright. Frank Lloyd Wright chega a afirmar que a sua cidade de um acre por habitante – modelo jamais construído, mas que acabou influenciando a forma de ocupação com baixíssima densidade dos subúrbios norte-americanos – somente seria viável em uma sociedade que tomasse a escala do automóvel como padrão para o planejamento territorial. Para uma discussão mais verticalizada, ver Choay (1979). 4

produzidos pela cidade industrial a partir da própria máquina4. A despeito da crítica, a indústria automobilística e o automóvel de forma mais explícita permaneceram como peça-chave na formulação de soluções para a cidade desejada, como foram outrora os pavilhões Futurama e Futurama II, da General Motors, construídos na Feira Mundial de Nova Iorque de 1939 e 1964, que apontavam a máquina como restauradora da ordem na cidade (SALVI, 2007). Assim, diante do tecido urbano em extensão, a cidade vive o paradoxo de reconhecer que o excesso de veículos, além de problemas ambientais relacionados à emissão de poluentes, levou à saturação das vias existentes e à necessidade de intervenções que, sem resolver o problema da mobilidade de forma efetiva, acabam produzindo rupturas, isolando áreas e eliminando dos espaços públicos os sujeitos que se deslocam a pé. A transição urbana global impõe, portanto, a necessidade de repensar as cidades, bem como o urbano que está fora delas, sob lentes que permitam construir formas e conteúdos capazes de colocar em pauta os dissensos entre a política urbana organizada pelo Estado, os interesses do capital e a prática cotidiana das ruas e demais espaços públicos.


Coletivos ativistas: qual o poder das escalas insurgentes?

3. COLETIVOS ATIVISTAS: QUAL O PODER DAS ESCALAS INSURGENTES?

A crítica ao urbanismo elaborada desde meados do século passado e a própria crise do planejamento a partir das esferas oficiais datada das últimas décadas prepararam a cena para o surgimento de sujeitos organizados em torno de pautas diversas – da reabilitação de áreas abandonadas às políticas de gênero – tendo a cidade como ambiente de luta. Almejando espaços mais adequados e diversos, esses grupos passaram a agir nas cidades e produzir intervenções até então limitadas ao poder público, configurando uma espécie de “microplanejamento” que, além de reposicionar os cidadãos em ações na/pela cidade, leva a uma reestruturação da própria atuação das atividades do urbanista ou planejador, como indica Rosa (2011). Ações que vêm sendo caracterizadas como um “urbanismo tático” – em especial, por se vincularem às táticas de ação de De Certeau (1989) e a modos de operação próprios ao bricoleur de Levi-Strauss (1998) – foram uma das principais formas que esses grupos encontraram para chamar a atenção da

Figura 8: Coletivo - A Batata precisa de você, São Paulo Fonte: Facebook a batata precisa de você, 2017

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Figura 9: Dissertação de mestrado - Recife Fonte: ALMEIDA, André Moraes, 2016

população e do poder público para as melhorias que poderiam ser feitas na cidade. Como na bricolagem de Levi-Strauss, a produção pelas próprias mãos e através de utensílios atípicos para tal exercício é o que marca esse microplanejamento, que não tem suas ações pautadas por estratégias programadas, mas por táticas reinventadas no cotidiano. Aquele que se utiliza da bricolagem, não se prende a materiais ou instrumentos próprios para um trabalho, tampouco a projetos convencionais. O sujeito dessa ação se descobre e se reinventa em busca do seu objetivo; ao contrário de um técnico, ele está sempre apto para várias e novas funções. Para o bricoleur, qualquer instrumento pode ser útil para aquilo que deseja, o que abre ainda mais suas possibilidades. Essas experiências de apropriação dos espaços, em boa parte das vezes espontâneas e não direcionadas por técnicos, somente são capazes de ganhar forma com o envolvimento da população. Produzindo o espaço com as próprias mãos, esses sujeitos criam suas próprias respostas ao processo de urbanização das cidades, que ao ser tradicionalmente organizado pelo Estado e o capital fabricam territórios residuais e pouco disponíveis à convivência. Assim, vê-se a emergência de um urbanismo, ou de uma outra ciência urbana, que talvez seja capaz de reinventar as cidades e a práxis política presente em seus limites. Esse novo pensamento e prática pode apontar ainda para o que Holston (2013, p. 62) definiu e defendeu como “cidadania insurgente”, aquela que, emergindo


Coletivos ativistas: qual o poder das escalas insurgentes?

de espaços entrincheirados, nasce como “[...] uma ação na contramão, uma contrapolítica, que desestabiliza o presente e o torna frágil, desfamiliarizando a coerência com que geralmente se apresenta”. Nesse contexto é que se inserem os coletivos ativistas discutidos por este trabalho. Transitando entre práticas que se reportam ao urbanismo tático e operando pela lógica de um microplanejamento, esses grupos aplicam o que Rosa (2011) chama de articulações bottom-up, ações criativas vindas de baixo para cima, da menor escala para o centro das discussões. Para Hehl (2011), essa articulação bottom-up seria a maior inovação ocorrida no planejamento urbano nos últimos tempos, contribuindo para uma cidade mais inclusiva e que permite a visibilização de sujeitos marginalizados. Foi assim que muitos grupos pintaram vias, criaram mobiliário, fizeram piqueniques em áreas esquecidas e acabaram evidenciando que a rua não é apenas um aparato técnico de passagem, mas um local de trocas e encontros. E que, desses encontros, podem nascer militâncias e resistências que vão se aproximar das demandas políticas da sociedade. Distantes do óbvio, do projetado e do planejado, as práticas realizadas dentro do microplanejamento, ou na escala do microator, independentes do nome ou da forma que ganham, são constituídas de espontaneidades e podem acabar por ganhar conhecimento e reconhecimento dos cidadãos de forma mais ampla.

Figura 10: Coletivo Basurama - Intervenção em Saragoça Fonte: Basurama, 2016

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O ativismo social promovido por alguns coletivos, traz à tona a necessidade de reconhecer o papel da sociedade como agente transformador da cidade.

O coletivo Basurama foi fundado em Madri, na Espanha, e trouxe para São Paulo a intervenção “A cidade para brincar”durante a virada cultural de 2013. O coletivo busca despertar novas formas de lazer na cidade. Além de atuar em Madri e São Paulo, o coletivo ainda desenvolve intervenções em diversas cidades do globo. Figura 11: Coletivo Basurama - Intervenção em São Paulo Fonte: Facebook basurama, 2013

O coletivo A Batata Precisa de Você busca novas formas de apropriação do Largo da Batata, em São Paulo. Os diversos grupos de trabalho organizados pelo coletivo criam espaços de interação, eventos, hortas comunitárias e atos em prol da melhoria do largo.

Figura 12: Coletivo A batata precisa de você - Intervenção no Largo da Batata Fonte: Facebook a batata precisa de você, 2015


Mapeando ações: coletivos ativistas pela mobilidade em Belo Horizonte

O coletivo Praias do Capibaribe realiza intervenções à beira do Rio Capibaribe, em Recife, Pernambuco, visando transformar os espaços da margem do curso d’água em lugares de convivência cidadã e chamar atenção para a poluição do rio e sua orla.

Figura 13: Coletivo Praias do Capibaribe Fonte: Facebook praias do capibaribe, 2017

O coletivo 100architects é um grupo de Santiago, no Chile, que realizou a intervenção “Huellas Artes” na praça do metrô Bellas Artes, que possui um baixo carater funcional. A ideia era revitalizar a praça como um catalizador de atividades relacionadas com o fluxo de pessoas e com a cultura do entorno.

Figura 14: Coletivo 100architects - Intervenção no metro Bellas Artes Fonte: Archidaily, 2015

O coletivo BenchesCollective - BankjesCollectief traz para a Holanda uma nova forma de se relacionar com a vizinhança. O grupo propõe a conexão entre as pessoas, o rico e o pobre, o imigrante e locais. As ações buscam conectar os cidadãos além de suas classes, horientações sexuais, credos e tenta nos mostrar como podem ser ricas as aproximações entre estranhos. Figura 15: Coletivo BenchsCollective - Intervenção nas ruas de Amsterdam Fonte: Bench Collective, 2016

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Figura 16: Rua aberta - 1 Fonte: Autoral, 2017


Mapeando ações: coletivos ativistas pela mobilidade em Belo Horizonte

Figura 17: Rua aberta - 2 Fonte: Autoral, 2017

3.1 Mapeando ações: coletivos ativistas pela mobilidade em Belo Horizonte A partir das discussões feitas até aqui, foram selecionados para análise dois coletivos e um Grupo de Trabalho que se desenvolveram através da pauta da mobilidade urbana e que estão presentes na cena de Belo Horizonte: o Tarifa Zero BH, o BH em Ciclo e o Grupo de Trabalho Pedala BH. Os dados foram coletados a partir dos sites de cada coletivo, reportagens, eventos organizados pelas páginas do Facebook – rede social bastante utilizada pelos organizadores das propostas –, entrevistas e observações durante as ações promovidas.

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ENTRE ESCALAS: Coletivos ativistas na cidade de Belo Horizonte MG

O Tarifa Zero BH nasceu em 2013, juntamente com as manifestações contra o aumento das tarifas das passagens de ônibus na capital. Durante a segunda Assembleia Popular Horizontal, os participantes foram separados em grupos de trabalho e um deles era sobre transporte. A partir de então, o coletivo que se tornou o Tarifa Zero BH, começou a se reunir semanalmente e, após a ocupação da câmara municipal de Belo Horizonte, levantaram, como seu primeiro ato, um projeto de lei de iniciativa popular de tarifa gratuita para o transporte coletivo da cidade. Assim, o projeto inicial parte de

Figura 18: Logo Tarifa Zero BH Fonte: Facebook tarifa zero bh, 2017

[...] uma proposta de mudança na forma de financiamento do transporte público. Ao invés de se cobrar no momento do uso, o transporte deve ser financiado como os outros serviços públicos: por toda a sociedade. Esta campanha promovida pela Assembléia Popular Horizontal de Belo Horizonte coleta assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular a ser entregue à Câmara de Vereadores (TARIFA ZERO, 2013).

Embora se defina inicialmente como uma campanha, atualmente, o Tarifa Zero BH congrega um conjunto de sujeitos organizados que têm tido um importante papel nas mediações entre sociedade civil e poder público, promovendo discussões e atos em favor do cidadão, aos moldes do que se considera como coletivo ativista neste trabalho.


Mapeando ações: coletivos ativistas pela mobilidade em Belo Horizonte

ANDRÉ VELOSO Tarifa Zero BH Organização - Já tem quatro anos que isso aconteceu (início do Tarifa Zero BH), então era muito grande pelo calor da hora, as pessoas iam pra lá achando que julho ia continuar e hoje tem gente, tem umas 15 pessoas, mas está mais estável .

Relações com outros coletivos - Desde o ano passado que os movimentos de mobilidade trabalham juntos em momentos específicos, ano passado fizemos a campanha De1Passo, junto com BH em Ciclo, Nossa BH e Bike Anjo e, geralmente, quando é necessário, a gente atua junto.

Articulação com o estado - Essa gestão está muito mais aberta ao dialogo, o que não significa que ela tem feito as coisas.

Gestão interna - Não existe liderança, existe acúmulo das pessoas.

- As pessoas pegam as responsabilidades que elas se sentem aptas em fazerem e como é um movimento social, um movimento voluntário, elas só se envolvem na medida que elas acham ser necessário, na medida que elas se sentem comprometidas. É muito difícil você atribuir uma tarefa fixa às pessoas, se não existe algo que vá compelir ela a fazer isso.

- Nós somos programáticos, nós temos um horizonte onde queremos chegar e a gente atua por esse horizonte, então a gente não cerceia, não recusa diálogo com ninguém, desde que esteja alinhado com o programa.

- Até a gestão passada a gente não tinha nenhum diálogo com a BHTrans, em termo das nossas demandas nós éramos totalmente recusados e com a câmara, de vez em quando a gente conversava com alguns vereadores de oposição, mas nossa estratégia não é usar o institucional, a gente usa também quando é necessário, mas não é se apoiar no que já esta estabelecido.

Figura 19: André Veloso - integrante do Tarifa Zero BH Fonte: Academia.edu, 2017

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Figura 20: Logo BH em Ciclo Fonte: Facebook bh em ciclo, 2017

Já o BH em Ciclo (Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte) foi criado em 2012 informalmente, passando a ser uma associação de ciclistas inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas em 2013. O grupo começou com o encontro de pessoas que pensavam de modo semelhante sobre o trânsito de bicicletas na cidade e que almejavam uma forma de melhorar a vida dos ciclistas. Como primeira ação, mapearam as ciclovias de Belo Horizonte e criaram um relatório com fotos e ilustrações direcionado aos setores públicos da cidade. Posteriormente, quando a BHTrans, a empresa de transportes da capital, surgiu criando ciclovias em Belo Horizonte sem uma consulta aos setores a quem eram direcionadas, passaram a convocaram audiências públicas e contataram jornais, até que em uma dessas audiências conseguiram a presença da empresa e a partir daquele momento foi assumido o compromisso de se encontrarem uma vez por mês para decidir sobre os projetos de ciclovias em Belo Horizonte. O BH em Ciclo, além disso, tem como missão, [...]promover a comunicação entre ciclista e poder público, fomentar a conscientização sobre o uso da bicicleta como meio de transporte (urbano), assim como incentivar o seu uso como modal capaz de mitigar os efeitos do uso excessivo do transporte motorizado privado na cidade de Belo Horizonte” (BH EM CICLO, 2012).

E ainda organiza ações e atos a fim de proximar o cidadão da bicileta.


Mapeando ações: coletivos ativistas pela mobilidade em Belo Horizonte

AMANDA CORRADI BH em Ciclo Articulações com o estado - E esse grupo (GT Pedala BH) também evoluiu, todo mundo aprendeu muito e viu que não eram só as ciclovias e ciclofaixas que importavam, e que infraestrutura é mais do que isso. Também é a questão de diminuir as velocidades, de fazer a zona 30... E foi ampliando também os temas. A gente discutiu o edital de bicicletas compartilhadas, discutiu campanhas educativas. Assim, a gente tem um bom diálogo com a prefeitura. A - Tem outras esferas institucionais em que hoje a gente é referencia nessa questão. É, por exemplo, a questão do conselho de mobilidade. A gente tem uma cadeira no conselho de mobilidade urbana, que inclusive está parada. A gente, não enquanto instituição, mas as pessoas, eu e o Guilherme (outra liderança do grupo), já fomos delegados na Conferencia de Política Urbana. Então a gente participou do eixo de mobilidade pensando nessa questão da bicicleta, da cidade. A gente também participa do Observatório da Mobilidade, que é um grupo que reuni uma vez a cada seis meses para a reunião ampliada e o grupo executivo [...]. É onde se discuti os indicadores e o monitoramento do plano de mobilidade. Relações com outros coletivos - No nosso dia a dia a gente sente falta de pessoas pra fazer o tanto que a gente gostaria. Então, tem a cicloformação, que foi um dos eventos que a gente fez, que a gente criou com o objetivo de engajar pessoas. E ai a gente dá a possibilidade dela conhecer não só a BH em Ciclo, mas as Bicimanas, Bike Anjo, tipo assim, o que esta rolando em BH. E se ela quiser participar de algum ela tem opção, assim conseguimos inclusive, conectar.

Gestão interna - Criou-se a necessidade de termos um estatuto, pra gente conseguir, por exemplo, financiamento, pra gente conseguir se manter. Pra isso precisávamos ter um estatuto e um estatuto exige uma diretoria. Só que na prática, essa diretoria não tem essa função. Tudo que é deliberado é deliberado nas reuniões, ninguém tem uma voz maior que a outra.

Organização - No inicio do ano a gente fez uma reunião de planejamento. A gente fez uma dinâmica super legal, com post its e divimos ao longo do ano... Nada do que a gente queria fazer foi feito. Porque outras coisas surgiram e o que a gente planejou ficou pro segundo plano. O que a gente não previu virou prioridade. E como são sempre as mesmas poucas pessoas que estão ali, elas tem que deixar de fazer um pra fazer o outro... E sempre acontecem imprevistos, coisas que não estão no nosso radar e acontecem.

Figura 21: Amanda Corradi - integrante do BH em Ciclo Fonte: Facebook Amanda Corradi, 2017

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ENTRE ESCALAS: Coletivos ativistas na cidade de Belo Horizonte MG

Foi desses encontros com a BHTrans que surgiu o Grupo de Trabalho Pedala BH, em 2013, “[...] um grupo de discussão aberto e sem líderes para o incentivo do uso de bicicleta em BH. Ele é um canal de comunicação entre ciclistas e poder público (BHTrans), no qual qualquer cidadão pode participar sem inscrição prévia” (GT PEDALA BH, 2014).

Figura 22: Logo GT Pedala BH Fonte: Facebook gt pedala bh, 2017

O Grupo de Trabalho nasceu após a implantação de um trecho cicloviário em Belo Horizonte, especificamente na Avenida Bernardo Monteiro, no bairro Funcionários, que aos olhos dos ciclistas, não era seguro para o uso. Assim, audiências públicas passaram a ser acionadas, onde os ciclistas começaram a defender seu ponto de vista junto à prefeitura e o resultado delas foi a criação de um grupo de discussão entre os ciclistas e a BHTrans para pensarem juntos os próximos projetos relacionados a bicicleta em Belo Horizonte. O Pedala BH é um exemplo de articulação entre a pequena escala dos coletivos ativistas e o poder público, demonstrando adaptações na esfera do Estado para lidar com esses sujeitos.


Mapeando ações: coletivos ativistas pela mobilidade em Belo Horizonte

EVELINE TREVISAN GT Pedala BH Organização - [...] Enfim, a gente imaginou que as pessoas iriam reclamar (da implantação da ciclovia na Avenida Bernardo Monteiro), como de fato acontece, continua acontecendo ate hoje e a gente já entendeu, isso é normal... Mas a gente não imaginava que a gente ia ter uma reação tao negativa dos ciclistas, que já usavam a bicicleta como meio de transporte. E ai eles começaram a nos acionar muito fortemente, ou pela imprensa ou através da câmara municipal, ou através da assembleia legislativa... Dinâmica das reuniões - No GT a gente discute sobre absolutamente tudo que tem a ver com o programa, e o programa vai muito além de infraestrutura, de ciclovia, ciclofaixa, de instalação de paraciclo e de bicicletário. Ele é um programa que é mais abrangente, ele pega toda parte de educação, de legislação, de possibilidades de financiamento, das bicicletas públicas. Então tudo que a gente precisa conversar sobre esse projeto a gente discute no grupo.

Relações com os coletivos - Procurei o Ramom de novo, que era o presidente da BHTrans na época, e falei: Ramom, só tem um jeito da gente fazer esse projeto dar certo [...] a gente tem que fazer com eles. E outra, a gente tem que assumir publicamente todos os erros que a gente cometeu. A gente tem que assumir um compromisso de voltar concertando tudo que a gente errou, e a partir de então a gente começa a fazer ouvindo eles. Balanço - Hoje eu digo que temos muito pouco de infraestrutura mesmo, de ciclovia na cidade. Mas a gente tem muito amadurecimento do ponto de vista dessa gestão, que é essa gestão compartilhada. Funciona muito bem! A gente criou essa parceria muito interessante e a experiência do GT Pedala é uma experiência que a gente reproduz em toda oportunidade que a gente tem. - Nós temos pouca experiência para trabalhar com bicicleta no Brasil.

- A pauta é sempre colaborativa. É um grupo que não é da BHTrans, ele não é da sociedade civil só, ele é de todo mundo junto. Então quem quiser participar, participa. Institucionalização - Houve até propostas, da própria BHTrans, para institucionalizar de fato, criar um decreto para oficializar o GT. Eu mesmo sou uma pessoa que sou resistente a isso. Ele funciona, de forma muito estabelecida a mais de quatro anos. Nunca deixou de se reunir. Eu acho que basta isso pra que a coisa aconteça.

Figura 23: Eveline Trevisan - integrante do GT Pedala BH Fonte: Facebook Eveline Trevisan, 2017

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Inicialmente, o mapeamento pretendia verificar, em toda cidade de Belo Horizonte, as ações promovidas pelos grupos, na tentativa de compreender os campos de atuação de cada coletivo e suas possíveis articulações. Foram mapeadas assembleias, atos, discussões, reuniões, festas, mesas de debate e outras ações organizadas pelos grupos. Após a investigação, notou-se que a maioria dos eventos organizados pelos grupos são reuniões semanais ou mensais entre os membros ou grupos de trabalhos e de discussão, com o objetivo de organização de atos, documentos e proposição de pautas de discussões com o poder público. Em relação à disposição geográfica, há predomínio de eventos na região Centro-Sul e Leste de Belo Horizonte, mais precisamente nos bairros Centro, Funcionários, Floresta e Santa Tereza. Mesmo aquelas ações realizadas fora dos limites desses bairros estavam, em geral, vinculadas à universidade, como debates no Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas e mobilizações nas ocupações urbanas atendidas pela Escola de Arquitetura e Direito, também da UFMG.

Figura 24: Busão da comunidade Fonte: Facebook Tarifa Zero BH, 2017

Figura 25: Faixa BH em Ciclo Fonte: Facebook BH em Ciclo, 2017

Figura 26: Desafio intermodal Fonte: Facebook BH em Ciclo, 2017


Mapeando ações: coletivos ativistas pela mobilidade em Belo Horizonte

Mapeando atos e eventos

BH em Ciclo GT Pedala BH Tarifa Zero BH

Localização das ações

Figura 27: Cartografia dos eventos realizados pelos coletivos Fonte: Pesquisa de campo, 2017

Câmara Municipal Rainha da Sucata Praça Floriano Peixoto Praça do ciclista (Arnaldo) Praça da estação Rua Visconde de Taunay, 197 Av. contorno, 2786 Rua Bueno Brandão 307 Bar estabelecimento Izabela Hendrix UFMG Sindicato dos jornalistas, rua Alvares Cabral, 400 Rua Itaituba, 12 - São Geraldo Clube mineiro da cachaça, rua Arcos, 750 Praça Modestino Soares Barbosa, 11 Rua Juiz da Costa Val, 345 Getulia Vargas, 1492 Parque municipal Rua Padre Marinho, 321 Escola de Arquitetura Rua da Bahia, 888 Oficina.cc, rua Tenente Anastácio Moura, 885 Atelier Bicicine, rua Leopoldo Gomes, 1607 Rua dos Guajajaras, 416 Una - Campus Aymores CentoeQuatro

Rua Camões, 240 Estação de Metro Santa Tereza Amadoria Av. Álvares Cabral, 593 Viaduto Santa Tereza Prefeitura de BH Praça da Estação Praça Sete de Setembro Praça Tiradentes Espaço comum Luiz Estrela Av. João Pinheiro, 100 Esquina da Alameda Ezequiel Dias Faculdade de Direito Praça Raul Soares Praça Afonso Arinos Coletivo Elástica, Edificio Maleta Teatro Espanca Rua dos Carijós Rua Rio de Janeiro TJMG - Afonso Pena, 1420 Brasil 41 Palácio das Artes Av. Franscisco Salles, 531 Museu Inimá de Paula UMEI – Capivari Benfeitoria

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Em entrevistas, a concentração de atividades é justificada pelos coletivos por esses locais serem uma espécie de espelho ou difusor de ideias para os demais bairros da capital, além de terem maior visibilidade para toda a população. Com seu modelo radioconcêntrico de desenho urbano, Belo Horizonte acaba obrigando boa parte da população a acessar a região Centro-Sul da cidade em algum horário do dia ou em determinados momentos da semana, o que permitiria que uma diversidade maior de pessoas moradoras de outros pontos da capital pudesse ter contato com as ideias dos grupos. A partir das entrevistas, observações e mapeamentos, pode-se notar que uma parcela reduzida da população é mobilizada pelas atividades, o que evidencia um dos principais gargalos para as ações dos grupos: a dificuldade em promover a participação popular. Além disso, muitas vezes, procedimentos burocráticos dificultam ou até mesmo impedem a organização de eventos, seja pela necessidade de autorizações para que os espaços sejam ocupados ou pela documentação exigida para a composição de instâncias de diálogo. Em alguns casos, os coletivos ainda revelam que precisam reorganizar suas agendas em função de demandas urgentes e que aparecem de forma inesperada. Não são raros os casos de cancelamento de ações programadas para sensibilizar e envolver a sociedade de forma mais ampla por conta da necessidade de reunir forças para se opor a determinações conduzidas pelo Estado, o que explica em parte o maior número de reuniões internas e com o poder público.


BH em Ciclo GT Pedala BH Tarifa Zero BH

Número de eventos

Mapeando ações: coletivos ativistas pela mobilidade em Belo Horizonte

Reuniões internas Ações Outros

Reuniões internas Ações Outros

Reuniões internas Ações Outros

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Gráfico 1: Número de eventos realizado pelos coletivos Fonte: Pesquisa de campo, 2017

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A criação e atuação do GT Pedala BH, como já mencionado, é outro fato de destaque no cenário da capital mineira, pois indica uma estratégia do poder público para se aproximar dos coletivos. Não por acaso, o GT surge a partir da necessidade de diálogo com os grupos que conduzem a pauta da mobilidade pelo recorte do modal cicloviário, o que permanece sendo feito até hoje, como pode-se notar durante a pesquisa pelas articulações mais evidentes entre o Pedala BH e o BH em Ciclo. Essas articulações entre os grupos podem ser observadas também com os demais coletivos da cidade, embora existam graus diferentes de compartilhamento das pautas, pois alguns acabaram por se especializar em determinadas campanhas, a exemplo da defesa da bicicleta como modal prioritário ou da gratuidade do transporte coletivo, como indicam os dois coletivos estudados. Apesar dessas especificidades, pode-se verificar que muitas vezes esses coletivos se aliam para determinados fins comuns. A campanha “De1Passo”, por exemplo, foi lançada pelos coletivos Tarifa Zero BH, BH em Ciclo, Bike anjo e Nossa BH, e um ano depois, eles voltaram a se articular para promoverem a Semana de Mobilidade Urbana de Belo Horizonte de 2017, tema de análise da próxima seção.

Conectando

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GT Pedala BH

Tarifa Zero BH

7

175 31

1 56 BH em Ciclo

Gráfico 2: Articulação estre as ações Fonte: Pesquisa de campo, 2017


Das ruas à mídia: alcançando outras escalas?

3.2 Das ruas à mídia: alcançando outras escalas?

Entre os dias 16 e 23 de setembro, a cidade de Belo Horizonte recebeu a Semana da Mobilidade Urbana, com atividades promovidas em conjunto por diversos coletivos da capital, como o Tarifa Zero BH e o BH em Ciclo. Aulas para aprender a andar de bicicleta, sensibilizações e vivências sobre as dificuldades enfrentadas por pessoas cegas no espaço urbano, bazares em locais públicos e piqueniques fizeram parte da programação. O Tarifa Zero BH, de modo específico, organizou a “Busona sem Catracas”, disponibilizando um circuito de transporte coletivo gratuito à população, a fim de conscientizar sobre o direito à mobilidade. O BH em Ciclo, por sua vez, lançou a pesquisa “#Descobrindo como BHPedala”, com o objetivo de produzir e sistematizar dados sobre o uso de bicicletas e o perfil dos ciclistas na cidade. A Semana foi organizada de forma a evidenciar as comemorações do Dia Mundial sem Carro, 22 de setembro, data em que se concentrou boa parte da programação. Durante todo o dia, o quarteirão da Rua Gonçalves Dias, entre as Ruas Paraíba e Rio Grande do Nor-

Figura 28: Busona sem catraca Fonte: Facebook Nossa BH, 2017

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te permaneceu fechado para o trânsito de veículos, permitindo apenas trânsito local para acesso às edificações. A concentração de coletivos, pessoas ligadas à pauta da mobilidade e à apropriação dos espaços públicos marcou a ocupação da pista de rolamento usualmente dominada pelos veículos automotores. Simulando áreas ajardinadas, o mobiliário disposto sobre o leito carroçável do logradouro público convidava os sujeitos a ir além das calçadas. Esse ambiente incomum fez surgir algumas cenas curiosas, como a da criança cuja mãe soltou as mãos e permitiu que avançasse sobre o asfalto para brincar. Permanecendo recolhido na área do passeio, o menino somente sentiu-se seguro para ocupar o espaço tradicionalmente usado pelos carros quando a mãe assegurou que naquele dia isso era permitido e não haveria perigo em brincar na rua como ela havia feito durante sua infância. Ante esse conjunto concentrado de ações promovido pelos coletivos – muitas delas em parcerias e redes entre os grupos –, a pesquisa procurou apreender, além da forma como os sujeitos se articulavam e a maneira como a população recebia as atividades, em que medida esses eventos eram disseminados e publicizados. Como os coletivos ativistas fazem uso das redes sociais para divulgar suas agendas, a pesquisa concentrou-se em observar veículos de comunicação da grande mídia, a fim de tentar perceber como essas escalas de ação comunicativa do grupo – Facebook, Instagram, blogs, etc. – articulavam-se à jornais impressos e televisio-

Figura 29: Logo Semana da mobilidade BH Fonte: Facebook Nossa BH, 2017


Das ruas à mídia: alcançando outras escalas?

Figura 30: Programação semana da mobilidade BH - 1 Fonte: Facebook Semana da mobilidade BH, 2017

Figura 31: Programação semana da mobilidade BH - 2 Fonte: Facebook Semana da mobilidade BH, 2017

Figura 32: Programação semana da mobilidade BH - 3 Fonte: Facebook Semana da mobilidade BH, 2017

Figura33: Programação semana da mobilidade BH - 4 Fonte: Facebook Semana da mobilidade BH, 2017

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nados. Ou seja, a intenção era perceber em que medida e de qual maneira, as ações dessa pequena escala alcançavam os veículos de comunicação de massa, que por sua vez poderiam ter uma penetração maior na sociedade e sujeitos que desconheciam até aquele momento o trabalho e a pauta desses coletivos. Foram escolhidos três veículos de comunicação para a observação durante os dias 16 e 23 de setembro: (1) o jornal impresso Metro, de distribuição gratuita em espaços públicos da cidade; (2) o jornal impresso O Tempo, comercializado em bancas e por assinaturas; (3) o jornal televisionado MGTV 1ª Edição, da TV Globo Minas. Das edições impressas analisadas, apenas as publicadas no dia 22 de setembro abor¬daram o assunto. Com matéria de uma página sobre o Dia Mundial sem Carro, o jornal Metro apresentou dados da BHTrans, como o aumento da frota em Belo Horizonte e a redução do uso do transporte coletivo na cidade. Às come¬morações do dia 22, foi reservada pe¬quena nota com ilustração alertando o leitor sobre as alterações no trânsito nas proximidades da Rua

Gonçalves Dias. Já no primeiro parágrafo da nota, o im¬presso informa que a BHTrans havia preparado “[...] uma programação es¬pecial para a população” (METRO, 2017, p. 3) naquela data, permitindo o fecha¬mento do quarteirão. Os coletivos e suas propostas são mencionados no terceiro e último parágrafo da nota, informado o fato de que no dia anterior havia ocor¬rido a “Busona sem Catracas” e que, na manhã seguinte, um piquenique de ci¬clistas estava programado para ocorrer no Parque Municipal. No mesmo dia, o jornal O Tempo também trouxe uma notícia de meia página sobre o Dia Mundial sem Carro, apresentando dados sobre o número de veículos que circulam na cidade de Belo Horizonte e índices sobre o trânsito, veloci¬dade média no horário de pico e núme¬ros de viagens. A matéria afirma que a data “[...] propõe reflexão” (O TEMPO, 2017, p. 31) e, com tom conscientizador, comenta a necessária substituição do veículo automotor particular por caminhadas a pé e ampliação do transporte coletivo. As ações promovidas pelos coletivos não são mencionadas, entretanto.


Das ruas à mídia: alcançando outras escalas?

A proporção dos fatos

Figura 34: Página do jornal O Metro Fonte: O Metro, 2017

Figura 35: Proporção direcionada a cada assunto - 1 Fonte: Autoral, 2017

Figura 36: Página do jornal O Tempo Fonte: O Tempo, 2017

Figura 37: Proporção direcionada a cada assunto - 2 Fonte: Autoral, 2017

Outros Mobilidade Coletivos ativistas

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Já no MGTV 1ª Edição, a pauta da mobilidade foi apresentada nos dias 18, 19 e 20 de setembro. Com viés institucional, o jornal enfatizou a campanha lançada pela emissora “Viva Melhor Todo Dia, Agora no Trânsito” e o seminário realizado em parceria com a BHTrans e a Câmara de Diretores Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH). Com o título “Semana de Trânsito conscientiza sobre riscos que deficientes correm no transporte público”, a reportagem do dia 18 de setembro trouxe um dos eventos realizados na semana de mobilidade urbana. Nele, alguns grupos envolvidos no evento realizaram uma ação de conscientização sobre as dificuldades dos deficientes físicos em acessar o transporte publico na capital mineira. No dia 19, a reportagem de três minutos apresentou os problemas enfrentados pelos pedestres no trânsito e as infrações cometidas por

motoristas, mostrando imagens da campanha: uma espécie de blitz realizada nos semáforos do hipercentro, com cartazes e distribuição de adesivos e balas. Foram entrevistados motoristas e pedestres em um formato conhecido no jargão jornalístico como “povo fala”, em que não há identificação de nome ou profissão de quem dá o depoimento. Em seguida, voltou-se para o seminário, com entrevistas do presidente da BHTrans, do coordenador setorial da CDL-BH, do diretor regional da TV Globo Minas, especialistas e técnicos. No dia 20, uma reportagem de 2 minutos apresentou as ações da mesma campanha na cidade de Betim, com imagens similares às captadas nas ruas de Belo Horizonte, enquetes do tipo “povo fala” e entrevista com a direção da TransBetim, empresa de trânsito local.


Das ruas à mídia: alcançando outras escalas?

Figura 38: Reportagem do dia 18 MGTV Fonte: Adaptado de MGTV 1a Edição, 2017

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ENTRE ESCALAS: Coletivos ativistas na cidade de Belo Horizonte MG

O Tempo

MGTV 1a Edição

17/set

16/set

Metro

19/set

“Betim recebe programação da Semana Nacional de Trânsito e de Mobilidade Urbana”. Título da reportagem.

22/set

21/set

“Semana do Trânsito pede prevenção a motoristas, ciclistas e pedestres”/“TV Globo Minas realiza seminário que discute melhorias para o trânsito de Belo Horizonte”. Título das reportagens.

20/set

18/set

“Semana de Trânsito conscientiza sobre riscos que deficientes correm no transporte público”. Título da reportagem.

“Menos pessoas nos onibus, mais carros nas ruas de BH”. Título da reportagem.

“Uma data que propõe reflexões”. Título da reportagem.

23/set

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Quadro 1: Tabela relacionando reportagens e dias de publicação Fonte: Pesquisa de campo , 2017


Das ruas à mídia: alcançando outras escalas?

Como é possível notar pelo estudo dos meios de comunicação, as ações promovidas pelos coletivos ativistas atingem de maneira bastante reduzida, pelo menos no período e nos veículos analisados, a imprensa. Há ainda filtros que permitem aos jornais enfatizarem um aspecto ou outro, priorizando atores e enfoques, pois a abordagem dada pela imprensa se difere de forma significativa da encontrada nas páginas e meios de divulgação dos coletivos. Diante disso, é necessário reconhecer a potência das microrredes comunicacionais articuladas pelos coletivos, mas também é preciso problematizar o fato de que os veículos de massa ainda exercem papel de destaque nesse processo de difusão de informações. Essas observações podem levar à hipótese já bastante discutida sobre o agenda-setting (TRAQUINA, 2000; WOF, 2001), a partir da qual os meios de comunicação têm grande importância na construção de pautas que incorporam ou não a esfera pública, revelando algumas temáticas e silenciando outras.

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4. EXPERIÊNCIAS ATIVAS: A SEMANA DA MOBILIDADE URBANA EM BELO HORIZONTE

Depois de alguns meses mapeando e acompanhando alguns grupos, a pesquisa caminhava para a compreensão de que as ações e intervenções realizadas pelos coletivos não passavam de poucos e esparsos eventos, organizados por número reduzido de pessoas e com abrangência e difusão limitada em relação à sociedade. Era isso o que indicava a aproximação com os sujeitos estudados. E a análise da mídia corroborava essa ideia. Havia, inclusive, certo desapontamento em relação à real capacidade de os coletivos ativistas atuarem como catalizadores para mudanças expressivas no modo de viver na cidade contemporânea e planejar seu ordenamento. Entretanto, a oportunidade de experimentar de perto a Semana da Mobilidade Urbana de 2017 permitiu que a pesquisa alcançasse um ponto de inflexão. A experiência dos sujeitos – e a minha própria, como autora do trabalho – trouxe um novo olhar para os fatos.

Mas o que haveria de tão especial na Semana que pudesse produzir tal ruptura, se os eventos continuavam concentrados na região Centro-sul da cidade?


Experiências ativas: a Semana de Mobilidade Urbana em Belo Horizonte

Além disso, os meios de comunicação pouco se apropriavam das performances. E, após os acontecimentos, a cidade voltava à sua vida normal, com ruas dedicadas à veículos e pouco espaço para práticas não motorizadas.

O que havia de diferente, se tudo parecia o mesmo?

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ENTRE ESCALAS: Coletivos ativistas na cidade de Belo Horizonte MG

Como já mencionado, a Semana realizada entre os dias 16 e 23 de setembro contou com programação intensa e concentrada: atividades lúdicas, reuniões e intervenções distintas. Ainda que esses eventos continuassem a acontecer na região Centro-Sul, isso não me proporcionava mais tamanho desconforto, como acontecera antes. Aprendi com minhas entrevistas que essa região é um espelho para cidade e, por Belo Horizonte manter um traçado radioconcêntrico, é por onde passa a maioria da população no seu caminho de casa para o trabalho ou do trabalho para a casa. Ou seja, era um fator estratégico. Mas se o problema da concentração geográfica já havia sido superado nas minhas interpretações, foi outro tipo de concentração que indicava o ponto de ruptura. A concentração das atividades no tempo foi o que permitiu apreciar as potencialidades do ativismo desses coletivos por meio das reações, também concentradas, dos sujeitos que as experimentavam: uma gama de pessoas que foram tocadas pelos projetos, de diversas camadas sociais e muitas idades.

Residia aí, na continuidade dessas experiências, o que tornava possível considerar potente a ação dos coletivos e, talvez, também pudesse se encontrar nesse processo a indicação para a transformação concreta do espaço urbano.


Experiências ativas: a Semana de Mobilidade Urbana em Belo Horizonte

Durante a Semana, pude participar de forma mais intensa de cinco dos eventos, os quais passo a descrever a partir deste momento. Meu primeiro contato com a Semana foi a partir da Busona sem Catraca, que aconteceu na quarta-feira, das 17 às 19 horas. Era um ônibus gratuito que rodou por Belo Horizonte fazendo o mesmo trajeto do ônibus pago 104, que sobe a Avenida Afonso Pena, da Estação Lagoinha até a Praça Milton Campos. Hoje a passagem custa R$ 2,85, um valor bem abaixo dos R$ 4,05 da maioria dos ônibus coletivos, por fazer um trajeto menor. Embarquei já na segunda viagem do ônibus e, quando entrei, ele já estava cheio. O convite era feito nos pontos de ônibus, onde um integrante do grupo Tarifa Zero BH descia do coletivo munido de megafone anunciando a gratuidade do trajeto:

outro membro do coletivo explicava também para todos do ônibus as intenções do projeto e a necessidade de realização de uma auditoria do transporte público na cidade.

É o busão de graça, é uma ação da Semana da Mobilidade Urbana de BH, do movimento Tarifa Zero e do Nossa BH. Ele sobe a Afonso Pena até a Praça da Bandeira, o mesmo trajeto do 104. É o busão de graça passando pelo seu ponto. É de graça, é busão, mas é de graça. Inicialmente, as pessoas estranhavam; ficavam ressabiadas. Mas, aos poucos, uns se rendiam ao apelo, e acabavam levando o restante para dentro do ônibus. Já dentro do coletivo, eram distribuídos panfletos que defendiam a causa do Tarifa Zero e explicavam um pouco sobre o que era aquela ação do ônibus gratuito. Algumas vezes um ou

Figura 39: Evento da busona sem catraca Fonte: Facebook Tarifa Zero BH, 2017

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ENTRE ESCALAS: Coletivos ativistas na cidade de Belo Horizonte MG

A partir das explicações e dos próprios panfletos, as expressões começaram a mudar. A indignação de uma senhora em relação à auditoria foi evidente: “Esse trem vai dar pano pra manga, claro que tem trem errado aqui no meio. Alguém tinha que fazer alguma coisa.” E não só os mais velhos se expressavam. Duas adolescentes, de um time de vôlei, também se mostraram chateadas com a situação e sugeriram que aquela ação continuasse acontecendo para que mais pessoas pudessem se conscientizar. Notei diversas idades, várias classes sociais, todos se conscientizando e passando a ideia para frente. Foi um ato que realmente tocou a população presente, que aos poucos, tomavam a proposta de andar de ônibus de graça como algo viável para a cidade. Nesse momento, o megafone foi dispensado e só ouvíamos as vozes unidas, ponto a ponto, convidando as pessoas a entrar e conhecer o movimento: “Vem! É de graça. Vem ver o que esses meninos têm pra nos contar”, anunciavam de dentro do ônibus. Segundo os organizadores, foram atendidas cerca de trezentas pessoas com as três voltas que a Busona fez pela Avenida Afonso Pena. As reações mostravam que a ação promovida era capaz de transformar e despertar o sentimento de mudança nas pessoas, mas também indicavam a necessidade de se manterem no tempo, a fim de multiplicar o que havia ocorrido.


Experiências ativas: a Semana de Mobilidade Urbana em Belo Horizonte

Figura 40: Dentro da busona Fonte: Facebook Tarifa Zero BH, 2017

Figura 41: Panfleto distribuído na busona - 1 Fonte: Tarifa Zero BH, 2017

Figura 42: Panfleto distribuído na busona - 2 Fonte: Tarifa Zero BH, 2017

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ENTRE ESCALAS: Coletivos ativistas na cidade de Belo Horizonte MG

Partindo da Busona, subi até o Instituto Metodista Izabela Hendrix para uma “aulona” sobre a “auditoria do busão”. O Tarifa Zero BH foi o grupo responsável por esse evento, concentrado na rua, bem na entrada da faculdade. Porém, apenas 14 pessoas estavam presentes na aula. Dessas pessoas, apenas eu não era integrante do Tarifa Zero BH ou tinha colaborado para a organização do evento de alguma forma. Vários estudantes passavam pela entrada, pessoas passavam na rua, mas realmente foi uma ação que não chamava tanta atenção ou despertava tanta curiosidade nos demais. Mesmo sendo um evento da Semana, a participação não foi tão intensa. A aula pretendia ensinar um pouco mais sobre o trabalho do coletivo, seus debates e reinvindicações, além de elucidar fatos sobre a política pública voltada para a mobilidade e, em especial, o caso de Belo Horizonte. Era uma aula simples, que explicava com muita didática todos aqueles pormenores que

nunca conseguimos acompanhar em relação a auditorias e cálculos tarifários. Mostrava como são feitas as compras e vendas de ônibus, como se relacionam as concessionárias com o Estado e como são feitos os cálculos dos preços das passagens. Por fim, foi apresentado o que é uma auditoria e sua importância para a cidade. O grupo apontava alguns itens que deveriam estar presentes na auditoria, mas que não foram apresentados pela Prefeitura de Belo Horizonte. Entre eles estão, os balanços contábeis completos das empresas de ônibus e as folhas de pagamento dos funcionários, acesso às notas fiscais de combustível, pneus, compra de veículos, manutenção, comprovantes de recolhimento de INSS. Como o contrato das empresas estabelece que o preço da tarifa depende de todos esses gastos, desde o início de concessão, é importante para a população ter acesso a esses dados.


ExperiĂŞncias ativas: a Semana de Mobilidade Urbana em Belo Horizonte

Figura 43: Aulona sobre a auditoria do busĂŁo -1 Fonte: Autoral, 2017

Figura 44: Aulona sobre a auditoria do busĂŁo -2 Fonte: Autoral, 2017

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Continuando minha jornada pela Semana da Mobilidade, pude participar da Rua Aberta, que aconteceu na Rua Gonçalves Dias, em frente à Escola de Arquitetura da UFMG, condensando diversos eventos do dia. Com a Rua Aberta, o trecho entre as ruas Paraíba e Rio Grande do Norte permaneceu aberto apenas para a circulação não motorizada, excetuando tráfego local. Pela rua, foram distribuídas cadeiras de praia, vasos de plantas, pallets, mesas de pingue pongue e diversas bolas e materiais para atividades de crianças. Cheguei pela manhã e a rua já estava cheia de gente. Vários coletivos estavam participando das atividades. O Bike Anjo e o BH em Ciclo se destacavam, mas também estavam presentes outros coletivos e a própria BHTrans, que montou um stand de conscientização no trânsito e distribuiu guardas nas esquinas para ajudar no controle dos carros. Professores da Escola de Arquitetura também assumiram a rua como sala de aula e alunos discutiam seus projetos ou faziam maquetes em meio a ciclistas pedalando e crianças brincando.


ExperiĂŞncias ativas: a Semana de Mobilidade Urbana em Belo Horizonte

Figura 45: Rua apenas para trânsito local Fonte: Autoral, 2017

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Enquanto os eventos aconteciam, conversava com uma aluna do curso de Arquitetura e Urbanismo, que também estava ali colhendo informações para um trabalho acadêmico. O envolvimento direto que ela tinha com os grupos que eu estava estudando e seu tema de trabalho – que também era sobre a mobilidade na cidade – despertaram minha curiosidade sobre como ela percebia a ação das pequenas escalas. Assim como eu, ela havia feito intercâmbio na Europa, e também voltou desejando mudanças na forma de se apropriar dos espaços da cidade. Como ela utilizava a bicicleta como meio de locomoção, buscava formas de trazê-la novamente para seu dia a dia no Brasil. Depois de ter usado esse veículo para se locomover pelos lugares por onde passou durante os estudos fora do país, gostaria de ter uma cidade onde a bicicleta tivesse espaço. Assim que voltou ao Brasil, ela sentiu a necessidade de se vincular a um grupo de ciclistas e conheceu o BH em Ciclo. Começou a participar das reuniões e, durante os eventos organizados pelo coletivo, entrou em contato com novos grupos, como o Pedala BH. Os eventos, chamados de Cicloformação, foram criados com o objetivo de engajar novas pessoas e possibilitar a conexão entre os coletivos vinculados à pauta da bicicleta. A proposta de apresentar ao público interessado o conjunto de grupos existente em Belo Horizonte tem como meta, além de estreitar laços, permitir que cada indivíduo consiga encontrar o coletivo que mais se adequa às suas necessidades.


Experiências ativas: a Semana de Mobilidade Urbana em Belo Horizonte

Ao longo de nossa conversa, discutimos um pouco sobre as ações realizadas pelos coletivos e sobre os números delas e uma fala que foi muito importante para minha percepção dos coletivos foi que uma coisa que poderia melhorar são as ações para atingir pessoas fora da bolha. Só que isso eu nem levo como crítica porque isso é uma coisa muito difícil em qualquer movimento social. Você precisar ter pessoas... e pessoas engajadas não é só o número. Você precisa de pessoas que vão e fazem, e o que acontece é que elas são sempre as mesmas... É difícil crescer o número dessas pessoas engajadas. Ouvir de mais uma pessoa “de dentro” dos movimentos que colocar ações em prática é uma tarefa realmente difícil, trouxe ainda maior sensibilização em relação aos entraves enfrentados pelos coletivos. As ações criativas, lúdicas e que chamam a atenção da sociedade não são, de fato, a única maneira de mudar a cidade. Elas são apenas a parte visível de um processo contínuo de luta, que ocorre por detrás das cortinas e que muitas vezes tende a ser sufocado pelas dificuldades postas, entre tantas coisas, pela escassez dos recursos, burocracia, contingências e pela pouca mobilização encontrada em uma sociedade não acostumada com a participação e descrente de seu poder de luta em função dos aspectos viciosos da vida política.

Há, contudo, mudanças perceptíveis em relação a esse estado de baixa conscientização popular para a urgência de participação nas decisões sobre a cidade, como sugere a fala da estudante: todas essas vertentes, tanto do transporte público, quanto da bicicleta, estão sendo muito mais conversadas hoje em dia. Eu acho também que o cenário político do país favorece para que as pessoas conversem sobre as coisas... Então, eu acho que quando você vê um movimento desses, você vê que tem um movimento, que tem um nome, que tem uma cara, uma cor, você começa a conversar sobre o assunto, você começa a trocar ideia com as pessoas, começa a se interessar e com bicicleta eu acho que é mais fácil ainda de você ser ativo, porque estar de bicicleta na rua, já é uma forma de militância pela causa.

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Figura 46: Crianรงas na rua - 1 Fonte: Autoral, 2017


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Figura 47: Crianças na rua - 2 Fonte: Autoral, 2017

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Nesse mesmo dia, na Rua Gonçalves Dias, aconteceram algumas exposições de dados e discussões realizadas pelo BH em Ciclo e outros grupos que estavam presentes no evento. Por estarmos em um ambiente descontraído as reuniões acabaram se transformando em uma grande mesa aberta, realizada com a ajuda de projeções nas costas de uma banca de revista e uma caixa de som improvisada. Com música ao fundo e num ambiente aberto, muitas perguntas, conversas informais e opiniões surgiram, como se o espaço levasse os presentes a se sentirem mais confortáveis para participar. Muitas pessoas, que passavam por ali com outros objetivos começaram a somar com opiniões e a diversidade delas fez com que toda a conversa se enriquecesse mais. Alunos da Escola de Arquitetura, professores, moradores próximos e comerciantes se reuniram para discutir não só bicicleta, mas toda a questão de mobilidade na cidade de Belo Horizonte.


ExperiĂŞncias ativas: a Semana de Mobilidade Urbana em Belo Horizonte

Figura 48 Rua aberta a noite - 1 Fonte: Autoral, 2017

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Figura 49: Espaรงo de descanso entre os carros Fonte: Autoral, 2017


ExperiĂŞncias ativas: a Semana de Mobilidade Urbana em Belo Horizonte

Figura 50:Rua aberta a noite - 2 Fonte: Autoral, 2017

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Por fim, no domingo, dia 24 de setembro, estive no Ciclobazar, que aconteceu na Praça dos Ciclistas, no cruzamento das avenidas Brasil com Bernardo Monteiro. O evento reuniu amantes de bicicletas antigas, chamadas pelos participantes de old school e vintage. Além da comercialização de peças, havia também exposição de bicicletas de décadas passadas. Não consegui identificar nenhum dos grupos que vinha estudando, e também não reconheci nenhum rosto de outros eventos. Pude observar algumas crianças com os pais e pessoas mais velhas, todas com as atenções voltadas para as bicicletas antigas. O bazar tinha um tipo de público mais específico, geralmente pessoas que compram e vendem peças, sem um sentido ativista. Mas com ele, pude perceber outras camadas da sociedade sendo atingidas pela temática da mobilidade em Belo Horizonte, ainda que pelo viés do consumo.


ExperiĂŞncias ativas: a Semana de Mobilidade Urbana em Belo Horizonte

Figura 51: Feira de bicicleta Fonte: Autoral, 2017

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na tentativa de mapear e pôr em relevo as relações entre os coletivos ativistas pela mobilidade urbana e os demais segmentos da sociedade, o trabalho apresentou algumas das articulações internas e externas aos grupos estudados na cidade de Belo Horizonte. Para isso, três movimentos principais foram realizados: (1) uma apresentação desses coletivos, caracterizando suas ações e diálogos com outros sujeitos, originada sobretudo de mapeamentos de dados secundários e entrevistas; (2) análise documental de textos extraídos da imprensa escrita e televisiva, a fim de perceber o comportamento transescalar das ações por eles promovidas durante a Semana da Mobilidade Urbana de 2017, recorte temporal escolhido para esta seção, e (3) descrição da tentativa de imersão nas experiências coletivas produzidas e observadas nesse evento. Nesses três movimentos, é possível destacar algumas observações que merecem aprofundamento maior em pesquisas futuras. Destaca-se, dentre esses dados, que:

as atividades desenvolvidas pelos coletivos na cidade, são, em sua maioria, internas aos grupos e restritas a alguns espaços da cidade; a dificuldade de mobilização popular enfrentada pelos sujeitos promotores dos eventos e alguns entraves já reconhecidos por eles, como as burocracias enfrentadas para estabelecer diálogo com escalas superiores.


Considerações finais

Em Belo Horizonte, a criação de um grupo de trabalho específico para facilitar a relação entre os atores, como é o caso do GT Pedala BH, é um fato que merece evidência e investigações posteriores, a fim de perceber a real potencialidade desse instrumento como mecanismo de gestão participativa.

Nas páginas da imprensa, a baixa ocorrência das ações promovidas pelos coletivos é simultaneamente evidência de filtros de representações – a partir dos quais enfoques distintos podem ser dados aos fatos –, mas também fator que precisa ser debatido, uma vez que os próprios meios de comunicação também podem ser percebidos como filtros para as pautas que compõem a esfera pública. Corroborando com essa ideia,

a experiência imersiva na Semana da Mobilidade oferece relatos que estão ausentes nas páginas dos jornais e que indicam a potencialidade de transformação nas ações promovidas pelos coletivos, mas também o silenciamento de narrativas que permanecem restritas àqueles que puderam vivenciar os acontecimentos.

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As discussões e mapeamentos evidenciam, desse modo, que

o ativismo social promovido por alguns coletivos traz à tona a necessidade de reconhecer o papel da sociedade como agente transformador da cidade,

evidenciando que a construção de agendas políticas não é exclusividade dos setores técnicos e de profissionais especializados, como as propostas de planejamento urbano e urbanismo feitos com as próprias mãos sugerem. As pautas que compõem o debate público podem, assim, emergir das microescalas ou nanoterritórios descritos por Marcelo Lopes de Souza (2015) e ser conduzidas por indivíduos organizados para além do Estado, mas em rede de articulações multiescalares.


Consideraçþes finais

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Belo Horizonte, MG Escola de Arquitetura UFMG 2017


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