AS CIDADES SOBREPOSTAS ACADÊMICA: BIANCA GODOI DE CÓRDOVA ORIENTADOR: SAMUEL STEINER DOS SANTOS
Universidade Federal de Santa Catarina Departamento de Arquitetura e Urbanismo
AS CIDADES SOBREPOSTAS
Trabalho de Conclusรฃo de Curso Orientador: Samuel Steiner dos Santos
Florianรณpolis, 2017.
PARTE 1 // CONTEXTUALIZAÇÃO UMA NARRATIVA DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO E MEMÓRIA NO CENTRO DE LAGES/SC
1/ INTRO
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MOTIVAÇÃO
A vivência nos espaços da área central da ci-
dade de Lages foi uma constante na minha infância e adolescência. Quando criança costumava frequentar alguns dos espaços públicos abertos mais importantes do centro da cidade. A Praça João Costa, conhecida pelos lageanos como ‘calçadão’, adquiriu desde cedo um caráter bastante característico na construção da imagem da cidade que carrego na memória. Era, e ainda é, vista como o lugar do encontro, da conversa, da movimentação, da parada para o sorvete ou compra de figurinhas na banca de revistas. O Parque Jonas Ramos, por sua vez, representava o lugar da diversão, do convívio com as outras crianças, da brincadeira que se estendia beirando a exaustão, do escorregador ‘gigante’ do parquinho que despertava medo e tomou meses de encorajamento até a primeira tentativa. Era um espaço colorido e muito aberto que marcava o auge do fim de semana pelo qual havia esperado dias. Esta lembrança muito querida da cidade passou a reabitar meus pensamentos durante a busca pela temática com a qual trabalhar neste momento final da graduação em Arquitetura e Urbanismo, o qual considero uma oportunidade para voltar um olhar, agora carregado de uma bagagem de conhecimento de causa, para o lugar que por muito tempo chamei de lar. Fonte: acervo pessoal.
“
Acredito que o lugar histórico seja, para a cidade, como a fotografia antiga é, para as pessoas: o meio de acesso a uma memória que as conecta com quem elas já foram, identidade que construiu quem elas são. O que é visto pode ser lembrado. Assim como conheço um pouco de quem eu sou através da foto antiga, a cidade e sua sociedade conhece um pouco de quem é através de seus lugares históricos.
”
- Da autora.
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A identificação pessoal com a temática do espaço público e o que ele representa para uma sociedade motivou minha busca por uma frente de trabalho. Defendo a ideia de que o espaço público tem um potencial transformador por ser palco da vida em sociedade e, portanto, instrumento de mudança. Se o espaço é o meio no qual o ser se coloca e onde acontecem as relações e interações sociais, mudanças neste meio podem estimular mudanças sociais. Se o espaço público é onde se tem contato com o diferente, onde há algum tipo de interação entre pessoas de diferentes contextos; orientações, classes e etnias, através dele pode ser possível a construção de uma sociedade mais empática, tolerante e justa. O novo olhar sobre o espaço central da cidade de hoje me levou a perceber diversas situações que representam uma demanda. Assim, a fascinação e carinho que cultivo pelo antigo deu força ao ímpeto de estudar a temática do patrimônio histórico na minha cidade. Pensar sobre quanto já aconteceu em cada lugar histórico e quem já esteve ali é uma constante no meu imaginário nostálgico, e perceber as edificações esquecidas, engolidas pelo descaso e cada vez mais marcadas pelo tempo que as corrói, me motiva a buscar alternativas para reverter este processo. Reconhecer a importância de preservar o patrimônio histórico é essencial ao desenvolvimento saudável de uma cidade.
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JUSTIFICATIVA
A pertinência de problematizar a preservação do pat-
rimônio histórico de Lages se mostrou durante os estudos de percepção da área central e estudos sobre o processo de constituição do espaço urbano da cidade. O centro de Lages representa uma narrativa da produção de espaço urbano e de arquitetura durante cada um dos ciclos econômicos que definem o processo histórico da cidade. A inserção isolada e pontual das inúmeras edificações de interesse histórico e das praças – que desempenharam papel determinante na estruturação social, política e econômica da cidade – falha em transmitir uma totalidade de conjunto que elabore claramente esta narrativa histórica. A qualidade da relação espacial entre os diversos elementos da narrativa é essencial para a manutenção de uma memória coletiva capaz de contribuir para a construção da identidade de Lages e do povo lageano. O conflito atual entre a preservação de edificações históricas e o mercado imobiliário, que exerce pressão sobre a área central da cidade, reforça a pertinência da questão. Há alguns anos o Colégio Estadual Aristiliano Ramos, construído na década de 1930 na Praça João Costa, divide opiniões entre arcar com o alto custo de reforma para manutenção versus demolir. O mesmo conflito se dá em relação ao Edifício Dr. Accacio, primeiro edifício de quatro pavimentos de Lages, em estilo Art Déco, também localizado na Praça João Costa. Pauta de audiência pública em Dezembro de 2016, já se encontra descaracterizado por reforma iniciada pelo proprietário.
Em contrapartida, no mesmo ano foram tomadas iniciativas no sentido de preservar a riqueza histórica do centro da cidade: (1) a inauguração do Centro Cultural Vidal Ramos Júnior, novo uso da edificação construída em 1912 para abrigar o primeiro Grupo Escolar estadual em Lages. A edificação é tombada em âmbito estadual e foi restaurada e adaptada. E (2) a aquisição, pela Prefeitura Municipal de Lages, do Casarão Juca Antunes, cujo restauro foi colocado no termo de ajustamento de conduta estabelecido à hidrelétrica Rio Canoas. O casarão é um dos últimos exemplares de arquitetura neocolonial da região.
Edifício Dr. Accacio em reforma - embargada devido à descaracterização arquitetônica. Fonte: acervo pessoal, 2016.
Fonte: acervo pessoal, 2016.
Pode-se dizer, entretanto, que o poder público tem trabalhado no sentido de fortalecer este conflito através de uma legislação negligente. Além de não definir um perímetro de centro histórico nem um conjunto arquitetônico e urbano buscando garantir a preservação destes, o plano diretor de Lages intensifica a pressão exercida pelo mercado imobiliário ao sobrepor a área de maior verticalização da cidade no centro histórico. É necessário, portanto, rever o projeto de centro de cidade previsto para Lages no sentido de repensar os valores que se deseja imprimir na construção deste espaço. Preservação e desenvolvimento não são direcionamentos incompatíveis, e podem ser tomados paralelamente. O momento presente parece dar abertura a essa discussão, representando uma oportunidade para mostrar alternativas que rompam com o padrão histórico de remodelamento dos espaços públicos como projeto político e medida higienista, sempre marginalizando os ‘espoliados urbanos’ (Peixer, 2002). A possibilidade de reavaliar o serviço prestado pelo espaço público em Lages, na sua condição ideal essencialmente democrático, permeia a ideia deste trabalho. O fenômeno global de redescoberta do centro das cidades, que muitas vezes sugere remodelamentos e a tendência de desencadear processos de gentrificação, reforça a atualidade do tema. Os centros das cidades sofreram com o esvaziamento, esquecimento e degradação, produtos de um planejamento essencialmente modernista que condenou os espaços à monofuncionalidade. O centro de Lages ainda apresenta condições que o caracterizam positivamente, além de se destacar como potencial para ser um centro histórico de referência devido à bagagem cultural e tradicional da cidade e região. No contexto atual, a agenda urbana para o desenvolvimento das cidades em todo o mundo tende a valorizar as especificidades locais para se inserir na economia da cultura. Para este tipo de alternativa de desenvolvimento, faz-se necessária a implementação de políticas capazes de preservar o patrimônio e evidenciar a identidade do local. Esta abordagem representa uma alternativa para Lages, que busca uma nova vocação econômica desde a decadência do ciclo madeireiro na década de 1970. 9
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A cidade
Economia:
O
município de Lages se localiza no planalto do Estado de Santa Catarina, na Região Sul do Brasil. É a cidade polo da mesorregião (divisão política) e região (divisão geográfica) serrana do estado. Fundada em 22 de novembro de 1766, foi primeiramente batizada como Campos de Lajes, nome atribuído graças à abundância da pedra de arenito basáltico – pedra laje – na região. Lages é o maior município em extensão territorial no Estado de Santa Catarina. Está localizado na Bacia do Rio Canoas, do qual faz parte o Rio Carahá – principal curso d’água urbano. Uma das características geográficas de maior destaque do município é a altitude elevada, que varia de 850 a 1200 metros acima do nível do mar. Altitude média Altitude no centro da cidade Altitude máxima
A economia lageana é basicamente sustentada pela pecuária, agricultura (com destaque para a vinicultura), indústria madeireira (com destaque para a produção de papel e celulose) e turismo rural. O parque industrial de Lages consiste, em grande parte, de empreendimentos ligados à cadeia produtiva da madeira. Todavia, empresas ligadas ao setor metal-mecânico têm papel importante na geração de emprego e renda do município. Entre algumas das principais indústrias localizadas em Lages estão a Ambev, Vossko, Klabin, e recentemente a indústria têxtil vêm se instalando na cidade. O setor comercial desempenha um papel essencial no contexto econômico de Lages. A cidade é um centro regional de comércio, atraindo a população de muitos municípios vizinhos para compras e negócios. Ainda que o centro da cidade tenha se consolidado como polo de comércio e serviços, o Bairro Coral apresenta certa autonomia em relação a esta área, e também concentra fortemente a atividade comercial. Inaugurado em 2014, o Lages Garden Shopping altera e diversifica as opções de comércio na cidade, ainda que aparentemente priorize o público externo – já que se localiza na rodovia BR-282, saída do município em direção ao litoral de Santa Catarina.
884 m 916 m 1260 m
Geografia física:
APRESENTAÇÃO
Assim, o terreno do perímetro urbano de Lages é bastante acidentado, permitindo vistas bastante dinâmicas da cidade a partir de diferentes lugares. Os bairros localizados na região denominada “Cidade Alta” oferecem uma vista panorâmica de 360 graus da cidade.
Quanto à vegetação, o município está inserido no bioma Mata Atlântica, mais especificamente na formação de Mata de Araucárias. O clima é temperado subtropical, com temperatura média de 16 °C. Durante o inverno o clima é frio, ocasionando frequentemente fortes geadas e eventualmente queda de neve na região. No verão o clima varia de agradável a quente, podendo haver secas. Área total População total Densidade demográfica PIB per capita IDH
2.631,504 km² 158 620 habitantes 60,27 hab/km² 26.792,76 reais 0,77
Paisagem rural típica de Lages, valorizada através do turismo rural. Fonte: Página Bela Lages.
Turismo: Algumas características geográficas de Lages representam potencial direcionado para impulsionar a economia da cidade. O frio intenso durante os meses de inverno e a paisagem rural preenchida pela Mata de Araucárias se alia à gastronomia típica e cultura serrana para atrair turistas de todo o país. Neste período do ano, a atividade comercial de Lages é bastante fortalecida com o turismo rural e a Festa Nacional do Pinhão. O Turismo Rural em Lages nasceu em 1984, na Fazenda Pedras Brancas, pioneira do turismo rural do Brasil. Desde então, fazendas centenárias da região começaram a adaptar-se para receber visitantes e turistas que buscam conhecer a “lida de campo”, a vida simples do homem serrano – as ordenhas, plantações, gastronomia, e diversas manifestações culturais da região. Lages também é conhecida como Capital Nacional do Turismo Rural.
Macro área urbana no município de Lages
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A Festa Nacional do Pinhão é o segundo maior evento gastronômico do estado – reúne cerca de 300 mil visitantes e fica atrás somente da Oktoberfest, em Blumenau. O evento destaca a gastronomia típica mas conta também com exposições de arte, apresentações de dança típica, concursos, bailes, shows nacionais e feiras de produtos regionais. Paralelamente, ocorre a Sapecada da Canção Nativa, festival que consolida e revela talentos da música nativista. A herança cultural gauchesca do lageano se encontra fortemente presente na Festa Nacional do Pinhão.
A
A temática
relação entre patrimônio histórico e espaço púbico na constituição da cidade de Lages e da sociedade lageana.
Completando 250 anos em novembro de 2016, Lages é uma cidade que carrega uma bagagem histórica muito expressiva que se espacializa em seu território principalmente na área central. A vivência neste espaço da cidade e a experiência constante do exercício de percepção adquirida no curso de Arquitetura e Urbanismo possibilitou um olhar crítico sobre o lugar e indicou temáticas e abordagens com as quais iniciar uma discussão sobre o espaço urbano de Lages. Ainda que fisicamente presente, através de edificações de interesse histórico de diferentes épocas – oficialmente consideradas como patrimônio histórico material, ou não – a bagagem histórica de Lages se insere pontualmente e não parece fazer parte da construção da memória coletiva da cidade e seu povo. O espaço não é percebido como um conjunto, seja pelas pessoas que utilizam o lugar ou pelo poder público, que não apresenta reconhecimento oficial do conjunto patrimonial de Lages no plano diretor, mas sim edificações isoladas permeando um espaço que sugere a definição de um perímetro de centro histórico. Outra percepção inicial da área central de Lages se refere aos espaços públicos, reconhecidamente lugares chave no processo de construção da cidade, mas que hoje não parecem refletir sua importância. A ideia de que estes espaços, juntamente com as edificações históricas do centro da cidade – com as quais se relacionam, elaborando uma narrativa – poderiam ser percebidos pelas pessoas como um conjunto, possivelmente resgatando o entendimento sobre o potencial do espaço público que se defende aqui, impulsionaram essa temática. A partir destas temáticas iniciais levantadas – patrimônio histórico e espaço público – e da percepção do espaço do centro de Lages, se buscou desenvolver uma perspectiva de trabalho. Para intervir em um local tão expressivo da cidade é preciso fazer uma leitura sensível e comprometida do processo de constituição do espaço urbano, procurando compreendê-lo globalmente ao entender que é reflexo direto das relações sociais e econômicas ao longo de 250 anos de história. Assim, pretende-se perceber a cidade a fim de entender seu processo de formação, bem como desconstruir os conceitos formais das temáticas de abordagem, visando um entendimento mais sensível e possibilitando que o gesto de intervenção não se faça ingenuamente.
2/ ESTUDOS TEÓRICOS: DESCONSTRUINDO AS TEMÁTICAS DE TRABALHO
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Monumento pode ser entendido como tudo aquilo
que traz algo à lembrança. Sua essência está na função de relacionar o ser humano com o tempo vivido e a memória, mas seu valor passou por transformações acompanhando o desenvolvimento das sociedades. Originalmente o valor do monumento era arqueológico, servindo como instrumento de conhecimento do passado e memória. Posteriormente passou a adquirir valor estético com o Renascimento e a apreciação das artes, e logo, o valor de encantamento e espanto, reforçando o caráter de colossal e construindo o entendimento de que monumental é, necessariamente, grandioso. Por último, o valor afetivo pode ser atribuído ao monumento por sua qualidade arquitetônica produzir emoção estética e pela percepção da corrosão do tempo produzir sentimento de abandono (Choay, 1992). Estes processos de ressignificação do monumento foram determinantes na construção do entendimento do que seria considerado patrimônio.
A noção de patrimônio histórico não pode ser dissociada de um contexto e de uma visão de mundo. É possível dizer que impera uma visão elitista e limitada que se preocupa apenas com a proteção de bens isolados representantes dos modos de vida das elites de cada época. Não reconhece como patrimônio os elementos significativos aos grupos populares marginalizados da cidade oficial e, muitas vezes, desconsidera a totalidade de aspectos materiais e imateriais da vida social, cultural e ambiental que caracterizam um bem como patrimônio (Ishida et al, 2013). Embora uma das justificativas de se preservar elementos urbanos do passado resida na formação de uma identidade coletiva, comumente a escolha desses elementos revela uma identificação de pertencimento seletiva. É preciso questionar a representatividade do patrimônio histórico e, consequentemente, a autenticidade da formação de identidade que se pretende estimular no espaço das cidades.
PATRIMÔNIO HISTÓRICO
Patrimônio histórico se relaciona diretamente com a forma de organização e modo de vida das sociedades da época que representa: uma sociedade que foi comandada pelos grupos que detinham poder político e econômico – ocupando um espaço dominado por esses grupos, tende a valorizar e se identificar com elementos representativos exclusivamente deles, negando aquilo que representa a população pobre, escravizada, negra e excluída, por exemplo. É essencial destacar aqui a participação efetiva do negro no processo de constituição da cidade de Lages e a contradição expressa no uso do espaço e na história oficial. Trabalhar com a questão do patrimônio histórico e questionar para quem este patrimônio representa uma identidade exige rever a contribuição do trabalhador escravizado e da população pobre, marginalizados do espaço e da história. Segundo Santos, sabe-se que entre 1777 e 1808 a população negra era considerável, chegando a ultrapassar a população livre (Santos, 2015). A aristocracia rural lageana dependia de seus escravos para a manutenção do modelo econômico vigente e dos seus modos de vida, para o funcionamento da cidade e de suas moradias. O desenvolvimento da construção civil em Lages é reconhecidamente atribuído a Pai João, mestre pedreiro vindo da Angola, que participou inclusive da construção das antigas capelas Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora do Bom Parto, pertencentes à Irmandade dos Homens de Cor. Os Códigos de Postura, no entanto, regravam o comportamento dos escravos, restringindo sua vida urbana exclusivamente ao cumprimento de suas obrigações – como despejar dejetos, lavar roupas e transportar água até as residências – e impedindo o descanso e a atividade de lazer. Era proibida a 14
atuação no comércio, a permanência nas ruas e era rara a ida à cidade. Ainda assim, alguns espaços no centro histórico podem ser atribuídos à identidade destes grupos e representativos de sua participação na sociedade da época: (1) o Tanque Velho, onde as escravas lavavam as roupas dos senhores; (2) a cacimba, de onde proviam água para as moradias, (3) as capelas e, mais tarde, (4) os grêmios e o Centro Cívico Cruz e Souza, fundado em 1918 e existente ainda hoje junto à Igreja Santa Cruz. As edificações podem ser consideradas a categoria de patrimônio histórico que se relaciona mais diretamente com a vida de todos, e a arquitetura como um meio através do qual se pode acessar o passado constituinte de nossa identidade. Os monumentos arquitetônicos são, portanto, necessários à vida no presente como parte do cotidiano, e não como meros ornamentos da cidade (Choay, 1992). O entendimento da cidade enquanto construção social já pressupõe que o patrimônio histórico é essencial na constituição do espaço urbano: sendo o lugar suporte para as vivências e experiências que formam nossa identidade, acredita-se que a composição e ordenação espacial desse lugar são fatores que podem influenciar nesse processo. Semelhantemente, sendo o patrimônio histórico material o elemento compositivo de mais expressiva representação da construção social da cidade, sua presença se faz primordial no espaço urbano. Por fim, o lugar será percebido e entendido segundo as vivências e experiências de cada um, numa relação cíclica. Portanto, preservação e manutenção do patrimônio histórico são imprescindíveis para a construção da identidade de uma sociedade. Foi somente no século XIX, entretanto, que o espaço urbano passou a fazer parte dos estudos e considerações sobre patrimônio histórico. Camilo Sitte prezava pela coerência de qualidade estética da cidade que era contemporânea a ele, e colocava que o progresso técnico, ao modelar o espaço construído, confere a ele uma nova escala e lhe atribui novas funções, desprezando o prazer estético. O entendimento de que as disposições espaciais conferem beleza foi embasamento para a morfologia urbana e para o urbanismo como arte. Sitte entendia a ideia de conjunto e pensava a cidade, o centro ou bairro museal como uma totalidade singular (Choay, 1992). Esta perspectiva de espaço urbano enquanto conjunto uno e coeso, onde todos os elementos compositivos são essenciais para a compreensão da totalidade do lugar, contribui para a evolução do entendimento sobre a preservação do patrimônio. Questiona-se a eficiência de se proteger bens isolados, já que o entorno, a paisagem e o contexto também compõem a totalidade do conjunto. Assim, muito se discute sobre como preservar os conjuntos arquitetônicos e urbanos sem representar uma limitação ao desenvolvimento social e econômico. Os espaços não devem ser paralisados para servir a um ideal inflexível de conservação, devem manter sua dinâmica (Choay, 1992). Integrar os fragmentos urbanos antigos ao tecido urbano no plano diretor pode representar um primeiro passo no sentido de simbolizar um compromisso com a preservação. Porém as agendas urbanas têm se voltado a uma tendência muitas vezes perigosa: o desejo moderno de democratização do saber e da arte, aliado ao desenvolvimento da sociedade de lazer e do turismo cultural de massa, expandiu o público dos monumentos históricos. A cultura como indústria transformou o valor de uso em valor econômico e questiona o sentido da valorização do monumento – reconhecer os valores ou produzir mais-valia? Neste contexto globalizado, a banalização e estandardização das sociedades e seus meios toma lugar. A indústria patrimonial traz uma perspectiva de desenvolvimento através de turismo, que representa parte do orçamento das cidades e países. No entanto, efeitos perversos, como caracteriza Choay, podem resultar desta abordagem, como a tendência a excluir as populações locais e não privilegiadas, juntamente com seus modos de vida tradicionais e cotidianos, que enriquecem a vida urbana (Choay, 1992). O processo de gentrificação começou em bairros urbanos históricos e decadentes a partir do redescobrimento destes espaços por usuários não residentes, que atraídos pelo arcaísmo e beleza, ou autenticidade e design, passaram a frequentar e ocupar progressivamente estes espaços. Este fenômeno serviu de estímulo para que o poder público intervisse, resultando na expulsão dos grupos de baixa renda que residiam nesses lugares e entorno.
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PATRIMÔNIO HISTÓRICO épocas:
A nova destinação dos centros e bairros antigos em processo de conservação precisa ser compatível com a morfologia e dimensões dos mesmos, caso contrário, o impacto que esta conservação produziria poderia resultar na morte destes espaços. Por outro lado, este patrimônio urbano é compatível com o uso residencial e serviços de apoio de pequena escala a ele relacionados (Choay, 1992). As práticas de preservação conflitam, ainda, com o interesse de grupos que buscam o enriquecimento através de investimento imobiliário nas áreas centrais. Em nome do progresso e da melhoria das condições de vida, defendem a destruição construtiva e a modernização dessas áreas. Os proprietários reivindicam o direito de dispor livremente de seus bens para se beneficiarem deles como bem entenderem. Nesse sentido a limitação do uso do patrimônio histórico privado é considerada um atentado contra a liberdade dos cidadãos. Muitas vezes esta posição tende a desvalorizar as experiências históricas em detrimento dos interesses individuais, como citou a ex-proprietária do Casarão Juca Antunes – um dos últimos exemplares de arquitetura do século XVIII da região, localizado no coração do centro histórico de Lages: “Esta é uma esquina nobre da cidade, com uma construção precária, condenada e perigosa, que não tem mais valor algum. Eu não sou contra o tombamento, mas não com uma casa isolada, velha e caindo.” (Ex-proprietária do Casarão Juca Antunes, 2013). As recomendações e a legislação são instrumentos essenciais para a gestão de conflitos desta natureza, cabe aqui uma breve revisão do aparato disponível para garantir a preservação do patrimônio histórico nos diversos níveis de poder e diferentes
(1) Cartas patrimoniais: A Carta de Atenas (1930) foi o primeiro entendimento internacional sobre patrimônio e abordava, neste primeiro momento, a proteção dos grandes monumentos. A Carta de Veneza (1964) passa a considerar o sítio urbano e as “obras modestas” que tenham adquirido significado cultural; autenticidade é o princípio chave trazido por este documento. A Carta de Amsterdam (1975) aborda a temática do patrimônio histórico a níve de planejamento. (2) Federal: Em 1937 é instituído o instrumento legal de proteção, através da Lei de Tombamento e da criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, responsável pela definição de uma política de preservação do patrimônio histórico. Além disso, a Constituição de 1988 atribuiu aos municípios a autonomia para deliberar sobre este tema, ação que contribuiu para ampliar a participação da população nas definições do que preservar e como fazê-lo. Em 2001 o Governo Federal iniciou o processo de Tombamento, ainda em análise, do trecho do Caminho das Tropas que passa por Lages. É relevante citar também o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) por tornar possível um modelo de cidade que considere a preservação como estratégia de desenvolvimento. (3) Estadual: A Lei Estadual nº 5846, de 22 de dezembro de 1980 rege a proteção do patrimônio lageano em âmbito estadual e preserva através do tombamento diversas edificações (ver item 5.3 deste trabalho). (4) Municipal: A Lei Orgânica do município (1990) já protegia legalmente alguns bens considerados relevantes para o patrimônio do município (ver item 5.3 deste trabalho). A Lei Complementar nº 22, de 21 de setembro de 1995 – Lei do Tombamento – responsabiliza o poder público local pela preservação e tombamento de bens, e cria o Conselho Municipal de Patrimônio Cultural – COMPAC, ao qual atribui a função de julgamento dos processos de tombamento.
“
Esta é uma esquina nobre da cidade, com uma construção precária, condenada e perigosa, que não tem mais valor algum. Eu não sou contra o tombamento, mas não com uma casa isolada, velha e caindo.
”
- Ex-proprietária do Casarão Juca Antunes, 2013. 15
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O termo ‘espaço público’, no singular, designa o domí-
nio das políticas, das relações sociais e de poder. Na cidade, é o domínio da cidadania e expressão das forças sociais. No plural, ‘espaços públicos’ se refere a lugares urbanos que dão suporte à vida em sociedade. São lugares públicos imbuídos de significado que servem como palco da vida urbana. O entendimento da cidade enquanto construção social já assume que o espaço público tem uma dimensão simbólica e é instrumento essencial deste processo, já que é palco da vida pública – lugar do encontro, do coletivo, dos protestos, das manifestações e expressões, das festas, onde acontecem as relações que definem uma sociedade. Assim, espaço público pode ser entendido também como instrumento de mudança, pois a alteração da composição e ordenação deste espaço é capaz de produzir transformação nas relações humanas. Reconhecendo este potencial transformador do espaço público é possível refletir sobre seu uso.
Sendo o espaço urbano reflexo direto da sociedade, as transformações sociais acabam por ressignificar o espaço público. O surgimento do automóvel, por exemplo, foi extremamente impactante nesse sentido e redefiniu o desenho da malha urbana das cidades. Desde então, as ruas têm sido vistas meramente como vias de passagem, embora ocupem a maior parcela do espaço público. Semelhantemente, a globalização contribuiu para a revolução das formas de se relacionar, resultando em alternativas ao uso do espaço público. Da mesma forma, transformações políticas e econômicas produzem consequências na estruturação do espaço da cidade, como e desenvolvimento exponencial do setor imobiliário, a valorização do solo urbano e a massificação das cidades, reduzindo o espaço público aos espaços residuais.
ESPAÇO PÚBLICO
A falta de uso dos espaços públicos e a produção de espaços residuais são fenômenos que preocupam por representarem não apenas a violação da função essencial de espaço público, mas também por contribuir para o aumento de problemas sociais decorrentes da falta de segurança. O uso estratégico do espaço público pode não apenas contribuir para a qualidade de vida da população e para a construção de uma sociedade mais empática – já que é o lugar de convívio com o outro e com aquilo que é diferente, como também pode ser um fator de movimentação da economia e de fortalecimento da comunidade – quando se garante o envolvimento ativo da população local na produção do espaço público. O caráter essencialmente democrático do espaço público torna-o componente vital no processo de assegurar o direito à cidade. Através do uso efetivo do espaço público e da participação na construção da cidade, a população, diversa, se faz representada. Sendo a cidade lugar dos conflitos de interesse entre os diversos grupos, o direito à cidade para todos é constantemente ameaçado. Nesse sentido, possiblidade de uso do espaço público para desenvolvimento econômico representa um risco, sendo estritamente necessário um trabalho de gestão que garanta que um processo de gentrificação no entorno não será desencadeado. Questiona-se a supremacia da propriedade privada como direito absoluto, já que a propriedade nada mais é que um pedaço de cidade e, portanto, parte componente de uma totalidade que diz respeito a todos os cidadãos. Defende-se, portanto, a função social da propriedade e a importância de favorecer a criação de espaço público de qualidade. Neste contexto, é importante pensar o espaço público como uma das infraestruturas componentes da cidade que garantem seu pleno funcionamento. Desta forma, a possibilidade de pensar esta infraestrutura como um sistema integrado enriquece a experiência da cidade em diversos aspectos,
como melhorando a estética dos lugares, aumentando a legibilidade dos espaços e melhorando a qualidade de vida da população. Ao estudar o espaço urbano de Lages como reflexo de sua sociedade, Peixer percebe a “homogeneização das práticas e experiências dos grupos locais, o que conduz a uma perspectiva de invisibilidade dos grupos populares, de suas resistências e de suas percepções e formas de viver no urbano” (Peixer, 2002). É sob este olhar que procuro pensar o espaço central da cidade: considerando o centro como espaço democrático em que deve prevalecer o direito à cidade e admitindo que não tenha sido através desta perspectiva que o poder público vem intervindo no espaço urbano desde o fim do século XVIII até hoje. As medidas de controle do comportamento popular controlavam o direito ao uso do espaço público, definiam os espaços públicos como lugares reservados ao uso profissional e restringiam as atividades de divertimento e sociabilidade a espaços privados como clubes, cafés, teatros, igreja e residências (Peixer, 2002). Estas medidas construíram uma tradição de esvaziamento dos espaços públicos além de impedir os grupos populares de terem um espaço para lazer, já que não podiam participar nos espaços privados, reservados à elite. Pode-se dizer, portanto, que a herança de uso do espaço público em Lages está relacionada à espacialização dos conflitos sociais e políticos da cidade.
3/ ESTUDO HISTÓRICO CRÍTICO: PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM LAGES
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Fundação, ocupação inicial, traçado urbano e consolidação do centro histórico
MAPA 0 - Esquema dos principais caminhos das tropas do Sul do Brasil (séculos XVII, XVIII e XIX)
A
Vila de Nossa Senhora dos Prazeres do Sertão das Lages foi fundada em 1766 por Antônio Correia Pinto de Macedo sob ordem da coroa portuguesa com o intuito de assegurar suas terras coloniais em tempos de expansão e definição das fronteiras luso-brasileiras na região platina. Foi estrategicamente escolhido o local em altitude para a implantação da vila, além de ser um local de parada dos tropeiros que faziam o Caminho Viamão-Sorocaba (Estrada Geral das Tropas) desde 1730 para transportar animais e mercadorias. A proximidade do caminho das tropas e a qualidade das áreas de pastagem por entre os campos de altitude e florestas de araucárias levou à exploração da terra por meio da pecuária extensiva e latifúndio, apoiados na mão-de-obra do escravo negro. Desta forma foram se fixando as fazendas no entorno do que viria a ser a vila, e determinando assim a dinâmica da moradia concomitante – ora no campo, ora na cidade – que predominou durante o ciclo tropeiro e o ciclo da pecuária. Definido o local de fundação da vila – no alto da colina e ao sul do Rio Carahá, a primeira planta de Lages seguia o modelo colonial português, mas se adaptava levemente à topografia, resultando na malha urbana da planta de 1790. Uma solução curiosa é a criação de duas praças – atualmente praça João Ribeiro e praça João Costa – para abrigar os dois mais importantes prédios públicos separadamente – Intendência e Casa de Câmara e Cadeia, incomum em outras cidades colonizadas por Portugal. A Rua Direita (atual Nereu Ramos) foi assentada sobre o declive mais uniforme em direção ao Rio Carahá, esta escolha marca um eixo muito presente na memória da cidade, como observado durante pesquisa de imagens antigas em que era recorrente o registro da perspectiva desta rua em direção à Igreja Matriz. À leste da Rua Direita havia a nascente do chamado ‘Tanque Velho’ que teve um papel ambíguo determinando a ocupação urbana pois assegurava o abastecimento de água, mas inviabilizava o crescimento para leste por ser área de banhados.
Fonte: Santos, 2015.
CICLO DAS TROPAS
MAPA 1 - Planta esquemática de implantação (1790)
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Neste primeiro momento, o crescimento urbano fica estagnado devido à concentração de interesses econômicos no meio rural, e só volta a crescer por volta de 1850 com uma fase de prosperidade e elevação à categoria de cidade em 1860.
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Passagem dos tropeiros pela vila. Fonte: Página Bela Lages. 18
Igreja matriz de Nossa Senhora dos Prazeres; Casa de Câmara e Cadeia; Tanque (fonte); Casa de Antônio Correia Pinto.
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Sem escala Fonte: Santos, 2015.
Esta ocupação lenta reflete o período econômico da época. Mesmo com a ordem de 1776 obrigando todos os moradores a construírem casas na vila – medida que já evidencia a prática histórica de intervenção autoritária no espaço urbano pelo poder público, visando um ideal de cidade – os fazendeiros residiam durante a maior parte do ano em suas propriedades rurais, habitando o meio urbano somente nos meses de frio inten-
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MAPA 2 - Planta esquemática de implantação (1850)
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atualmente conhecida como Rua Nereu Ramos. A praça da igreja era o local das práticas e eventos religiosos. A praça municipal, onde ficava a Casa de Câmara e Cadeia, era o local do convício social; do encontro; das reuniões; comícios, teatro e comércio. Por fim a Praça do Mercado era o local das feiras, comércio e interação com o campo.
MAPA 3 - Planta esquemática de implantação (1880)
A
CICLO DAS TROPAS
so quando a escassez das pastagens mantinha o gado magro e impróprio para venda, e tornava improdutiva a estadia na fazenda. Ao mesmo tempo, ocorriam as tropeadas que passavam pela cidade e atraiam os fazendeiros a negócios. Assim, o meio urbano era tido como espaço de uso esporádico para eventos religiosos, trocas comerciais e vida política.
RU
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A planta de 1850 mostra a expansão do arruamento para oeste da Rua Direita seguindo o traçado ortogonal em direção ao Rio Carahá e originando a Praça do Mercado (atual Praça Vidal Ramos Sênior) na base da colina, que passa a ser incorporada no traçado urbano, mas já vinha sendo ocupada pelos tropeiros como ponto de parada e troca de mercadorias. Ampliou-se também o abastecimento de água com a construção da cacimba à oeste, chamada de ‘Tanque Novo’, de onde se tinha a perspectiva da capela Santa Cruz a partir da Rua da Boa Vista. Incorporando estes elementos ao traçado, criou-se uma costura entre a capela, a fonte e o caminho existente que resultou no formato irregular da malha urbana. Poucas mudanças nesta malha podem ser percebidas em mais de cem anos de ocupação. Com a planta de 1880 considera-se consolidado o espaço que se intitula centro histórico – as vias que se estenderam a partir da Praça do Mercado em direção à oeste devido à passagem dos tropeiros (atuais Manoel Thiago de Castro e Otacílio Vieira da Costa) se conectam às ruas da Matriz e das Parelhas através da Rua da Boa Vista (atual Hercílio Luz). Conclui-se que a primeira ocupação da vila obedeceu a um formato xadrez construído a partir de três praças centrais com funções e caráteres bastante definidos, conectadas pela principal rua do traçado – inicialmente Rua Direita, adquirindo o nome XV de Novembro e
Sem escala Fonte: Santos, 2015.
1 Igreja matriz de Nossa Senhora dos Prazeres
1 Igreja matriz de Nossa Senhora dos Prazeres; 2 Casa de Câmara e Cadeia; 3 Tanque (fonte);
(segunda igreja, inacabada); Casa de Câmara e Cadeia;
RIO
CARAHÁ
2 3 Igreja Matriz provisória; 4 Capela de Nossa Senhora do Rosário
5 6 7 8
Tanque velho (fonte); Tanque novo (cacimba da Santa Cruz); Cemitério; Capela da Santa Cruz.
dos Homens Pretos;
Sem escala Fonte: Santos, 2015. 19
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CICLO DA PECUÁRIA
Transformação do caráter da cidade e afirmação de poder no território
C
om o fim da escravidão em 1888 e crise da matriz econômica no sudeste do país, a demanda por animais para carga e tração diminuiu, resultando na decadência do ciclo tropeiro. A estrutura já consolidada e baseada no meio rural permitiu que a economia migrasse para a pecuária. Quando em 1889 foi proclamada a República os estados buscaram se reorganizar politicamente e o papel da cidade se fez essencial na demonstração da presença do poder público no território. Essas transformações econômicas e políticas influenciaram a produção do espaço urbano de Lages. Com uma sociedade patriarcal de economia agropastoril e poder baseado no patrimonialismo, a política foi comandada pelas oligarquias latifundiárias do fim do século XVIII a meados do século XX. Esta aristocracia pastoril – com destaque para a família Ramos, que se manteve no poder em grade parte deste período, mesmo que em alguns momentos influenciando indiretamente a política local ou enfrentando uma oposição com as mesmas características – se espelhava nos centros maiores e desejava incorporar seus modos de vida, importando também práticas urbanas e estilos arquitetônicos. Através das Posturas e regulamentações autoritárias eram impostas intervenções arquitetônicas e urbanas que correspondessem aos ideais de cidade. Além da renovação das fachadas com platibandas e ornamentos, quatro prédios urbanos marcaram a renovação do espaço em Lages no início no século XX.
Intendência Municipal de Lages - atual Prefeitura Municipal de Lages - 1906. Fonte: Página Bela Lages.
Em 1901 foi construída a edificação que abrigaria a Intendência Municipal com refinamento artístico e importância simbólica do deslocamento do poder político local da Praça João Costa para a Praça João Ribeiro, ao lado do poder religioso e onde permanece até hoje como sede da Prefeitura Municipal. Em 1905 a sede do Clube 1º de Julho na Rua Correia Pinto rompeu a escala das fachadas modestas da rua com sua fachada imponente de ornamentos neoclássicos. A criação dos clubes literários em Lages representa a força política e a diferenciação dos espaços de lazer entre os grupos sociais. Em 1912 foi construído o Grupo Escolar Vidal Ramos, possivelmente o melhor exemplo deste período da afirmação da presença do poder público no território. 20
O discurso republicano defendia a criação de uma sociedade moderna e veiculada este ideal através da imprensa. Para isso algumas medidas como a reorganização do espaço urbano e uma nova educação foram colocadas como necessárias para a concretização deste projeto. A abrangência da educação e alfabetização se fez essencial para que as elites se mantivessem no poder quando o voto passou a ser universal. Em Lages a oligarquia da família Ramos se organizava politicamente para se manter no poder. Com Belizário José de Oliveira Ramos em nível municipal e seu irmão Vidal José de Oliveira Ramos Júnior no governo estadual, as articulações políticas entre estado e município possibilitaram a implementação do Grupo Escolar. Clube Literário 1o de Julho . Fonte: Página Bela Lages.
Os grupos escolares em Santa Catarina foram estrategicamente construídos em pontos de grande visibilidade social que os destacassem no cenário urbano. A edificação de dois pavimentos em estilo neoclássico do Grupo Escolar Vidal Ramos em Lages foi a maior escola pública do estado, construída em um vazio urbano central no espaço citadino. Representou a concretização do ideal de cidade e a manutenção política da oligarquia. Foi tombado em 1984 em âmbito estadual e revitalizado com novo uso em 2016, funcionando hoje como centro cultural.
Grupo Escolar Vidal Ramos - atual Centro Cultural Vidal Ramos. Fonte: Página Bela Lages.
A Catedral Diocesana também é um dos elementos significativos na construção do espaço urbano deste período. Foi construída em 1922 em estilo neorromânico no local já previamente definido quando da formação da vila para ser o lugar das práticas religiosas oficiais. No lugar de maior destaque no cenário urbano, marca a atuação da presença religiosa no processo de formação do espaço urbano e a relação de conflito com as manifestações religiosas populares. Fica evidente neste exemplo a seletividade do espaço urbano de Lages, considerando oficiais os lugares das elites e desprezando – ou intervindo como forma de repressão – os lugares dos grupos populares. A constituição do espaço urbano durante o ciclo da pecuária, sob o comando de uma elite rural patrimonialista, evidencia a ideia de intervenção arquitetônica como projeto político e de criação de uma imagem de cidade. Através do discurso de modernidade reproduzindo a manutenção das práticas colonialistas e clientelistas para esconder a pobreza, higienizar os espaços e controlar o modo de vida, reprimindo os mais pobres e expulsando-os da cidade oficial, da vida no centro da cidade.
Igreja Matriz - Catedral Diocesana de Lages. Fonte: Página Bela Lages.
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CICLO DA MADEIRA
Concentração populacional, migração e economia no espaço urbano
TABELA 1 - Demonstrativo do crescimento da população urbana de Lages (1940 a 2000)
A transição da matriz econômica para a atividade ma-
deireira em Lages estava alinhada com o contexto nacional, no qual Getúlio Vargas direcionava o país para a industrialização e urbanização, e liderava mudanças significativas quanto aos direitos trabalhistas. Paralelamente à situação precária das condições de vida e trabalho no campo, este conjunto de transformações econômicas e sociais da década de 1930 foi determinante para desencadear o processo de alteração do perfil urbano da cidade. O desenvolvimento econômico esteve associado ao surgimento de novos grupos de poder aquisitivo, que se instalaram em Lages buscando investir na emergente indústria madeireira. O enriquecimento da cidade e os ares de modernidade – atribuídos pela indústria, pelo carro, atividade comercial e fortalecimento da vida urbana – impulsionaram o ideal de cidade imaginado pela nova elite e pela oligarquia local, que passaram a disputar o poder político e marcar o espaço urbano como forma de legitimar sua participação. O remodelamento dos espaços públicos e disseminação do Art Déco como estilo arquitetônico capaz de traduzir o momento de progresso e modernidade representaram as transformações no espaço da cidade, que não resultaram de uma ruptura com os padrões tradicionais de modo de vida ou sistema político, mas da manutenção da oligarquia local no poder e rearticulação diante da nova conjuntura econômica e do surg-
imento de uma nova elite. As disputas políticas se traduziram no espaço urbano na formação do Bairro Coral, por exemplo, que na década de 1950 era conhecido como ‘bairro dos gringos’ e adquiriu certa autonomia em relação ao centro tradicional da cidade. Outros 25 bairros de Lages também foram formados neste período, marcado pela expansão urbana devido ao significativo aumento populacional, aumento das periferias e, consequentemente, dos problemas sociais. Pode-se destacar dois momentos importantes em relação à migração e concentração urbana em Lages: (1) o início do ciclo da madeira com deslocamento da mão-de-obra do campo para o trabalho nas serrarias, localizadas no interior do município, e (2) a decadência desta indústria e o período de crise econômica, que conduziu à concentração da população – grande parte desempregada e sem qualificação. É interessante perceber também que a localização escolhida por essa população tende a ser a área de acesso ao centro de Lages a partir do município de origem, ocupação que levou a uma expansão radial da mancha urbana. Os bairros periféricos foram se constituindo sem a infraestrutura básica e este fenômeno produziu bolsões de pobreza ao redor da cidade. A nova elite, movida pela atividade de exploração temporária da madeira, se dirigiu a outros locais após a escassez da matéria prima em Lages, enquanto permaneceu o grupo que se estabeleceu para trabalhar nas indústrias e setor terciário de suporte à atividade. A elite local, que havia lucrado durante o auge do ciclo madeireiro, era conservadora quanto ao tipo de investimento, e preferiu imobilizar o capital investindo no setor imobiliário. Ao adquirir pequenas propriedades na área central como alternativa de investimento no momento de crise, contribuiu para a dinâmica de especulação imobiliária mantendo, muitas vezes, os terrenos improdutivos. Ao mesmo tempo, os antigos moradores – movidos pelo desemprego, passaram a ocupar os bairros periféricos após venderem suas propriedades. Assim, foi-se constituindo um espaço de pobreza, marginalização, subemprego e outros problemas sociais (Peixer, 2002).
Ano 1940 1950 1970 1980 1991 2000
Rural
Urbana
Total
18.768 08.558 27.326 27.743 15.855 38.598 28.407 83.577 111.984 24.405 110.283 134.688 12.655 138.445 151.100 04.086 152.320 156.406
Instalação de madeireira no território da cidade. Fonte: Página Bela Lages.
Fonte: Peixer, 2002.
Imagem aérea do Bairro Petrópolis em Lages. Fonte: Página Bela Lages.
GRÁFICO 1 - Crescimento dos bairros em Lages (1770 a 1980) 25
20
15
10
5
0
1770
1914
1940
1960
1980
Nº de bairros constituídos na década
Fonte: Peixer, 2002. 21
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INTERVENÇÃO AUTORITÁRIA NO ESPAÇO URBANO
Tradição das tropas à madeira. Persiste?
muitas vezes essenciais à sua sobrevivência. O remodelamento frequente das principais praças centrais revelava o momento econômico favorável que a cidade vivenciava.Os três espaços fundamentais e determinantes na constituição urbana de Lages são conectados pela Rua Nereu Ramos e tiveram seu caráter e função bem definidos desde a ocupação inicial da cidade.
istoricamente o desenvolvimento de Lages é pautado por discursos de progresso e modernidade que se espacializam na cidade, porém não são reflexo de uma ruptura da estrutura social, mas sim da manutenção do poder pelas elites que aspiram e buscam de maneira autoritária esse ideal de cidade. Este processo aparece na constituição do espaço urbano, na arquitetura e na regulamentação e controle do modo de vida da população no meio urbano. A legislação teve um papel determinante tanto para afirmação de uma identidade arquitetônica quanto para construção de uma imagem da cidade que correspondesse ao ideal das elites de cada época. Os Códigos de Postura podem ser considerados os primeiros registros desse tipo de intervenção autoritária no espaço urbano pelo poder público. Eram conjuntos de leis que buscavam organizar e regulamentar as práticas urbanas, controlar a construção civil e, mais que isso, as condutas e costumes dos grupos populares. Através dos Códigos de Postura definiam-se os padrões de alinhamento das edificações, praças e largos, além de definir as obrigações dos proprietários quanto à manutenção do aspecto de suas residências e entorno.
A Praça João Ribeiro, antiga Praça da Matriz, foi definida na primeira planta de ocupação como o espaço da religiosidade, onde seria construída a Igreja Matriz, dentro do padrão português de ocupação do território. Ao redor desta praça se localizavam a Intendência Municipal, atual Prefeitura, e as residências mais abastadas de nomes importantes da sociedade lageana da época, que costumavam frequentar as festas religiosas realizadas na Praça. O espaço passou por remodelamentos diversos e foi cenário de homenagens a nomes representativos de certos grupos da sociedade. Esta prática deixa clara a definição deste lugar como espaço privilegiado tanto para uma camada da sociedade quanto para um modelo de religião, pois exaltava a Igreja Católica colocando-a na posição de maior destaque da Praça. A Praça João Costa era o local mais movimentado da cidade, ponto de encontro e passagem de todos os moradores, que discutiam acontecimentos da cidade e olhavam o movimento. Era também palco de acordos, discussões políticas e negócios por ser o espaço de reunião de políticos, comerciantes e fazendeiros da cidade. A concentração de cafés e bares ao redor da Praça reforçava a vitalidade do lugar, assim como a presença da mídia da época – o programa Voz da Cidade era irradiado na Praça por meio de autofalantes, transmitindo músicas, noticiários e comerciais. Essa relação da mídia com o espaço e a sociedade gerava sociabilidade e influenciava na formação da opinião pública, veiculando as ideologias em voga. Aos fins de tarde o espaço da Praça se preenchia de jovens e famílias que saíam para caminhar pelo lugar mais ilustre da cidade, prática conhecida por ‘footing’, incorporada no cotidiano urbano da Lages da década de 1940. Aparentemente produzindo um uso democrático do espaço, o footing causava um fenômeno de hierarquização natural, cada grupo ocupando um local definido (Peixer, 2002).
H
O primeiro Código de Posturas data de 1836 e trata dos arruamentos e traçado urbano que determinavam o alinhamento das edificações, sem fazer qualquer referência à construção das mesmas. O foco principal era a normatização de práticas e comportamentos urbanos visando a manutenção da higiene, da moral e dos bons costumes. O segundo Código já fazia algumas observações sobre a construção civil e asseio geral da vila, intervindo no uso que os proprietários faziam da própria residência. Em 1860 Lages foi elevada à categoria de cidade e visando um melhoramento geral da povoação, de forma a torna-la condizente com seu novo status, um novo Código foi editado tratando do aspecto e qualidade das edificações. O Código de 1895 foi o de maior vigência, empregado até aproximadamente a década de 1940, buscou afastar definitivamente a imagem de pequena vila de estilo colonial português, associada ao atraso, sempre através do discurso de progresso e modernidade e adoção de políticas higienistas. É importante perceber que essas normatizações das construções, formação do espaço urbano e comportamento são imposições oficiais das práticas da elite na constituição da cidade, criação e definição dos espaços de sociabilidade e regras de conduta, evidenciando a submissão dos grupos populares no espaço urbano, reflexo espacial da relação clientelística e paternalista entre estes e as elites. Este direcionamento fica claro em medidas como a obrigatoriedade de construir as fachadas principais em pedra ou tijolo, produzindo o afastamento dos mais pobres do núcleo urbano central. Também se pode perceber a importância que se dava à imagem da cidade, construindo as fachadas como um cenário que não correspondia, muitas vezes, com a realidade das residências. Os grupos populares, os indigentes e carentes eram tidos como ‘entraves ao progresso e à imagem da cidade’ pois davam visibilidade a uma cidade não oficial. Para esconder os problemas urbanos era preciso, portanto, disciplinar, ordenar e controlar os espaços públicos de que faziam uso. Este foi o direcionamento adotado historicamente pelo poder público de Lages, persistindo durante o auge econômico da cidade no século XX. Neste período, a atuação do poder público em relação ao espaço urbano pode ser agrupada em duas iniciativas: medidas sanitaristas e ordenadoras, e remodelamento dos espaços centrais. O controle e saneamento no núcleo urbano central eram feitos sob a defesa da saúde pública, mas as medidas tomadas funcionaram como instrumentos para inibir as práticas dos grupos populares, 22
O uso do espaço público como lugar de demonstração de poder também foi praticado pelo poder público, que pela intervenção na Praça buscava marcar seu domínio e legitimar a postura das elites da cidade. Além de ter sido palco de um conflito político declarado movido pela divergência quanto aos usos e atividades apropriados para a Praça, a construção do Colégio Aristiliano Ramos ilustra a impositiva presença do poder público no local. A Praça do Mercado era o espaço histórico das trocas comerciais e sociabilidade dos grupos populares. Antes mesmo da fundação da vila, os tropeiros já faziam uso do espaço como ponto de parada e troca de mercadorias. A partir da segunda metade do século XIX o espaço foi incorporado ao traçado urbano e em 1879 foi construída a edificação do antigo mercado na esquina entre a Praça e a Rua Direita, atual Nereu Ramos. O mercado era o principal ponto de comércio da cidade e reunia os que chegavam para vender, comprar ou oferecer serviço como carregador. Concentrava os comerciantes já estabelecidos ao longo da Rua Direita e os agricultores que vinham do meio rural para vender seus produtos. Era um espaço rico em vitalidade urbana e diversidade social. Além do antigo mercado, outros estabelecimentos comerciais e de serviços foram se estabelecendo no entorno da Praça, como pousadas, barbearias e a primeira rodoviária da cidade, consolidando o espaço também como ponto de chegada à Lages, outro caráter histórico construído desde o ciclo das tropas. O momento econômico favorável, atingido durante o ciclo da madeira, finalmente deu o respaldo necessário para a construção da ‘cidade ideal’, presente no imaginário das elites desde o início do século XIX. Assim, a Praça do Mercado foi um dos espaços públicos que sofreu mais transformações com as intervenções do poder público, já que o caráter popular do espaço e a visibilidade que dava aos problemas sociais não estavam de acordo com a imagem desejada para a porta de entrada da cidade. A primeira medida foi a transferência da atividade do mercado para uma área periférica – ação que culminou com a construção do novo Mercado Público em estilo Art Déco, modificando profundamente a dinâmica da Praça e aniquilando a vitalidade urbana do espaço. A justificativa oficial para o remodelamento do espaço era o embelezamento da cidade, mas apesar dos novos jardins desenhados e chafariz, na ausência do mercado a praça foi utilizada pelos moradores da área central durante os primeiros meses, logo se transformando em um local de passagem.
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O
esgotamento das reservas florestais naturais e a crise do setor madeireiro conduziu a matriz econômica de Lages a um processo de decadência que, diante da não diversificação da economia, resultou em um período de depressão econômica. As elites que haviam se estabelecido na cidade para se beneficiar da exploração temporária da madeira se dirigiram a outros locais com o fim da matéria-prima. A população que migrou para trabalhar nas serrarias e no setor terciário que dava suporte à atividade madeireira, permaneceu na cidade, muitas vezes desempregada e com baixa qualificação. A elite local havia lucrado durante o auge do ciclo econômico e investiu o capital no setor imobiliário após o declínio da indústria, impulsionando a especulação imobiliária e contribuindo para o aumento das periferias. O início da década de 1970 em Lages foi marcado por esse contexto de adensamento urbano, agravamento dos problemas sociais e busca por alternativas sócio-político-econômicas.
As experiências na gestão administrativa caracterizam este momento de alternativas para a cidade. É interessante verificar que os modelos de gestão adotados pelo poder público de Lages se contrapõem, muitas vezes, ao momento vivenciado no contexto nacional. Sob o comando de um poder público autoritário desde a época dos coronéis, Lages foi pioneira na experiência de participação popular quando o país vivia o período da ditadura militar. Com a máxima “Lages: a força do povo”, o governo de Dirceu Carneiro representou uma ruptura da hegemonia política tradicional e a chance dos grupos populares participarem efetivamente na produção do espaço urbano.
PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO PÓS-CICLO DA MADEIRA
Ainda como vice-prefeito da gestão anterior, desempenhou papel importante em duas medidas que já traduziam o caráter da gestão: a criação de uma área industrial para a cidade, visando responder ao problema do desemprego estrutural, e a pedestrianização da rua em frente à Praça João Costa, conhecido popularmente como ‘Calçadão’. Esta intervenção tem significado importante na criação de espaço público para Lages por democratizar um espaço em local tradicional e privilegiado da cidade, no qual até então se definia locais para a permanência de cada grupo. Entre 1977 e 1982, já ocupando o cargo de prefeito, centralizou sua gestão na periferia, buscando promover a organização das comunidades para a resolução de seus próprios problemas através da participação popular. São princípios da administração de Dirceu Carneiro: organização e participação popular; busca de alternativa econômica ao modelo industrial; valorização da agricultura, da educação e da memória, história e cultura popular. É evidente a mudança de visão quanto ao projeto de cidade, demonstrando avanço qualitativo na proposta de modernidade, agora mais inclusa. Esta perspectiva refletiu nos projetos urbanos e na elaboração de um novo plano diretor, multidisciplinar e, segundo o Projeto de Lei Municipal 016/82: “em defesa de uma cidade voltada aos interesses do povo em detrimento de minorias” e “buscando melhorar a vida da população carente” (apud Peixer, 2002). Como a expansão urbana acelerada de Lages produziu espaços diferenciados de moradia – valorizando as áreas centrais e negando as periferias, onde se formaram loteamentos sem infraestrutura para aportar a grande quantidade de operários que chegavam com suas famílias procurando trabalhar nas madeireiras, as iniciativas foram tomadas no sentido de compensar este efeito. O Programa Mutirão, por exemplo, criava 960 lotes com infraestrutura para a construção de casas populares a partir da força de trabalho dos próprios beneficiados.
Na elaboração do plano diretor, os eixos norteadores eram: a análise da estrutura urbana da cidade, o levantamento histórico e cultural, e a participação popular no processo. Este plano encontrou muitos obstáculos para sua aceitação, pois conflitava diretamente com os interesses do setor imobiliário, questionava a propriedade privada enquanto direito sagrado e ampliava o uso social do espaço. A proposta mostrava preocupação com o processo de verticalização no centro da cidade – área muito valorizada e alvo de especulação, e defendia uma ocupação que garantisse a qualidade de vida no centro. O zoneamento delimitava áreas de preservação, de interesse histórico-cultural e de urbanização especial, o que reduzia a área de atuação dos empresários da construção civil e o lucro dos proprietários que especulavam com seus terrenos. Apesar da iniciativa de IPTU progressivo para terrenos sem uso em área central, em 1997 ainda existiam 14 mil lotes vagos no centro de Lages (Peixer, 2002). Conclui-se que a participação efetiva da população em defesa do direito à cidade para todos abriu espaço para evidenciar os conflitos de interesses existentes quanto ao território da cidade, culminando na inviabilização do projeto de plano diretor durante a gestão de Dirceu Carneiro. A partir da década de 1980 houve a retomada das práticas políticas anteriores, atuando de maneira autoritária sobre a cidade embora forjando participação popular. O rumo das gestões seguintes se caracterizou pelas iniciativas liberais, fortalecimento do setor privado e política de assistencialismo em relação aos grupos populares. A proposta se voltou à criação de infraestrutura para desenvolvimento da indústria e delineamento de um novo modelo de cidade através do plano diretor de 1984. A experiência de participação popular anterior foi apropriada e ressignificada, e o poder de pressão dos grupos populares foi utilizado meramente como respaldo político e legitimidade à proposta já pronta oferecida pelo poder público. Neste esquema de funcionamento, os urbanistas reivindicaram a ciência da produção da cidade e se colocaram como autoridade do planejamento urbano por direito. O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – PDDU, com a máxima “Nova Lages”, liberava a altura dos prédios por pressão do setor imobiliário e a década de 1980 foi marcada pelo crescimento vertical da cidade sem necessariamente se preocupar com a criação de infraestrutura e analisar a qualidade de vida no centro. Paralelamente a esta política de incentivo à construção civil, nesta época criou-se a ideia de que morar em apartamento era símbolo de status. A criação de Conselhos Municipais, alegando oportunidade de abrir as decisões sobre a cidade para a participação da população, também marcou a década no âmbito político. A ocupação das vagas do Conselho Municipal do PDDU, entretanto, revela o real propósito da medida: das 15 vagas destinadas às entidades de classe e lideranças comunitárias, 5 eram entidades que tenderiam a manifestar interesse no desenvolvimento da construção civil e 5 eram indicações diretas do prefeito, restando apenas 5 vagas para as lideranças comunitárias do total de 21 vagas. No espaço do Conselho ficavam evidentes as divergências quanto ao uso e ocupação do território, como exemplificado pela discussão sobre os planos para a Avenida Carahá – anel viário em torno do centro: um conselheiro sugeriu a formação de loteamentos para a construção, outro sugeriu destinar a área para um cinturão verde de lazer e outra proposta cria corredores de comércio e serviços. Estes mesmos conflitos entre as diversas partes interessadas no uso do território urbano se repetem mais tarde no que diz respeito às deliberações sobre a preservação do patrimônio histórico e espaços da cidade. A partir da década de 1990 a Lei Orgânica do Município já abordava o tema e considerou como patrimônio histórico municipal alguns bens isolados. Com a criação do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural – COMPAC, pela Lei de Tombamento em 1995, surgiram as iniciativas de preservação de conjuntos e paisagens urbanas. O processo de tombamento do Parque Jonas Ramos – Tanque Velho – foi exemplar para a cidade por definir uma área de proteção envolvendo o imóvel tombado e por garantir a participação dos proprietários dessa área. Ao limite as alturas das construções em uma área residencial central extremamente valorizada, este tombamento gerou grande discussão na cidade e explicitou uma atitude de desvalorização da experiência histórica por parte daqueles que eram contrários à preservação. Neste contexto o papel do COMPAC e da Fundação Cultural – também criada em 1995 – foi significativo em defesa desse projeto de cidade, sensibilizando e engajando a população para a discussão sobre o patrimônio. 23
4/ PRODUÇÃO ARQUITETÔNICA: DIFERENTES ANÁLISES
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arquitetura rural e urbana produzida durante o ciclo das tropas e da pecuária até o final do século XIX era de tipologia tradicional luso-brasileira. Devido ao distanciamento da vila em relação ao litoral, onde atracavam os navios trazendo materiais, conhecimento construtivo e mão-de-obra, a construção civil em Lages foi inicialmente marcada pela substituição e adaptação dos recursos disponíveis para atender ao estilo neocolonial português. Este isolamento estimulou o uso de materiais locais abundantes na região, tendo como exemplo a casa de araucária – feita totalmente em madeira, mas adaptando-se ao padrão português – e os muros erguidos manualmente em taipa-de-pedra – alvenaria de pedra e junta seca – para interligação e cercamento. Muito tradicional na região e ainda presente na paisagem rural de Lages, a taipa-de-pedra foi a técnica utilizada na delimitação do Caminho das Tropas, trecho do antigo caminho Viamão-Sorocaba, em processo de tombamento pelo IPHAN.
A casa rural surgiu antes da casa urbana em Lages e seguia certo padrão quanto à configuração do conjunto arquitetônico, composto pela casa do proprietário – centro organizador do conjunto – e construções utilitárias de apoio à atividade agrícola – galpão; mangueiras; terreiro; roça, horta e pomar. A implantação do conjunto era geralmente em sítios altos, como estratégia de defesa, mas também carregada de sentido simbólico de dominação. Árvores demarcavam, de longe, o acesso e capão-de-mato, bosque nativo formado por araucárias, formava um plano de proteção atrás da edificação. Desde as primeiras edificações, a arquitetura representava a diferenciação social. Se no meio rural a implantação da casa era destacada e apresentava dimensões expressivas, no meio urbano essa distinção se deu assim que a técnica construtiva permitiu: com a possiblidade de construir a edificação sobre um porão alto ou edificar um segundo pavimento, as casas mais dos proprietários mais abastados começaram a se distanciar da rua em altura, se colocando acima do cenário urbano e exteriorizando a posição social de quem vivia ali.
CICLOS ECONÔMICOS, ARQUITETURA E ESPAÇO URBANO
Quando se fala na casa urbana, entretanto, o traçado das ruas e definição dos lotes é indissociável da arquitetura. Os lotes são bem definidos pelas paredes das edificações sobre os limites do terreno, conformando também o alinhamento da via pública e uniformizando o núcleo urbano. Era comum a concessão de lotes estreitos e com profundidade, muitas vezes atravessando a quadra e compondo duas frentes. Ainda é possível perceber também a ausência de recuos laterais nas ruas mais adensadas onde o comércio era mais presente, se contrapondo com a existência de recuos nas ruas menos adensadas e periféricas ao comércio central, mostrando a relação entre o espaço público e o privado, bem como a relação entre uso do espaço urbano e produção arquitetônica. Nos lotes que apresentavam recuos, as edificações poderiam apresentar aberturas para os cômodos que ficavam no centro da casa, posicionar a porta de entrada na lateral e reservar a fachada principal para as janelas. Os Códigos de Postura promoveram o melhoramento da construção e embelezamento do cenário urbano, padronizando dimensionamentos e exigindo certo nível de qualidade das obras. Até o início do século XX essas medidas autoritárias e higienistas acabaram forçando uma evolução das edificações, em especial quanto à salubridade e conforto, visando também a imagem que constituíam coletivamente para a cidade. Pode-se afirmar que as casas urbanas apenas adaptavam o modelo arquitetônico ao lote urbano, diferindo pouco em comparação com as casas rurais. Podiam variar, entretanto, quanto ao padrão da moradia, acompanhando a largura do lote e preenchendo toda a fachada. Nos lotes mais estreitos as chamadas ‘casas de porta e janela’ e ‘meia morada’ eram alugadas à população pobre, enquanto nos terrenos maiores eram construídos sobrados e casas térreas de fazendeiros abastados. 26
Existe ainda no centro de Lages um dos últimos exemplares de tipologia arquitetônica neocolonial deste período. O Casarão Juca Antunes, localizado na esquina da Rua Coronel Córdova com a Rua Benjamin Constant, é tombado como patrimônio histórico material em âmbitos estadual e municipal, foi adquirido pela Prefeitura Municipal de Lages em 2016 e faz parte do termo de ajustamento de conduta estabelecido à Hidrelétrica Rio Canoas, que tem a cessão da edificação para restaurá-la e devolvê-la à cidade. Quanto à configuração, as casas urbanas seguiam uma planta retangular com cozinha acrescida nos fundos do lote, presença de quintal com hortas e pomares, e telhados de duas a quatro águas. Até o início do século XIX o acesso se fazia diretamente pela sala da frente, mas posteriormente foi adotada a solução do corredor central que se estendia da entrada aos fundos, organizando os cômodos em torno de si e garantindo mais privacidade. Nas casas de porão alto, se distanciando do plano da rua e da vida urbana, o desnível era vencido por uma escada no interior da edificação. É interessante analisar os modos de viver das pessoas em suas residências a fim de entender como o espaço privado se relacionava com o espaço público através das arquiteturas. Nas moradias associadas à atividade comercial, a dinâmica urbana adentrava a arquitetura e a definia espacialmente, como é o caso de algumas edificações de esquina que passaram a chanfrar a parede e abrir uma porta com mais destaque para a loja, modificando a relação com a rua e eliminando o cunhal. O maior expoente desta tipologia em Lages é o Palacete Gamborgi, conhecido também como ‘Bazar Lageano’, construído em 1904, tombado em nível estadual e protegido em municipal. Neste exemplo já aparece também a platibanda e ornamentos neoclássicos, revelando o desejo de uma aristocracia que se inspirava nas cidades maiores e passava a se fixar no núcleo urbano. Com a decadência do ciclo tropeiro e o fim da escravidão em 1888, as mudanças sociais, políticas e econômicas refletiram esteticamente na ascensão do Ecletismo – que não apresentou grande expressão em Lages por coincidir com o período de recessão da economia local. A arquitetura urbana não resistiu às transformações estruturais que culminaram na expansão e adensamento da área urbana a partir do ciclo da madeira entre as décadas de 1940 e 1960. Além disso, novas tecnologias de construção como o concreto armado possibilitaram a verticalização e novas demandas exigiram outras funcionalidades dos edifícios. Mas talvez mais importante que isso, o ideal de progresso e modernidade defendido politicamente pelas elites ditou o novo estilo arquitetônico que representaria esta nova imagem da cidade: o Art Déco.
4// 2
A cidade deve ser entendida como uma trama multidimen-
2 Empresa de Correios e Telégrafos
sional onde o espaço não é apenas uma representação material, mas também significante de um modo de vida, concepção de mundo, relações políticas, sociais, culturais e educacionais que refletem uma identidade. Alteração urbana e linguagem arquitetônica não podem, portanto, ser entendidas isoladamente, é preciso relacionar com o contexto nacional e local (Ishida et al, 2013)). Com Getúlio Vargas e o Estado Novo, o Brasil passava por processos de industrialização, urbanização e modernização, e o Art Déco foi expressão destas mudanças. Considerado o ‘símbolo de uma nova era’, surgiu em Lages num contexto político e econômico favorável, com o destaque de Nereu Ramos na política nacional e o desenvolvimento do ciclo madeireiro, que trouxe riqueza e uma nova elite à cidade. Lages se configurava como polo econômico e político em Santa Catarina, e desejava ser reconhecida como importante centro urbano, destacando-se por meio do espaço qualificado. O Art Déco representava então a afirmação de uma modernidade de acordo com o ideal projetado no imaginário dos ‘novos ricos’, e não surgiu de uma ruptura drástica com a estrutura tradicional da cidade, mas como manutenção do poder das elites. Novamente a intervenção urbana é um projeto político em Lages.
O ESTILO DA MODERNIDADE E DO PROGRESSO
1 Mercado Público Municipal
Um considerável conjunto urbano na linguagem do Art Déco pode ser encontrado na cidade em bom estado de conservação. O livro Memórias, Ausências e Presenças do Art Déco em Lages traz um levantamento de 30 edificações nas principais ruas do centro da cidade, configurando um trajeto urbano.
Entre as décadas de 1940 e 1960 foram construídos diversos prédios de uso cultural e, devido à articulação política municipal, estadual e nacional, também de uso público. Datam deste período – marcado também pela verticalização e remodelamento das mais importantes praças da cidade – arquiteturas memoráveis pelo próprio destaque na cidade como (1) o Mercado Público Municipal, (2) o prédio da Empresa de Correios e Telégrafos e os Cine-Teatros (3) Marajoara e (4) Tamoio; ou pela relação que estabelece com o espaço público como (5) a Galeria Dr. Accacio, (6) o Edifício Dr. Accacio e os Cafés (7) Ouro e (8) Cruzeiro.
Edifício Dr. Accacio conformando a esquina da Praça João Costa com a Rua Coronel Córdova. Fonte: página Bela Lages.
Fonte: página Portal da Serra.
A importância histórica da atividade do mercado está estreitamente ligada à história da fundação de Lages. O antigo mercado – construído em 1879 – ocupava um local pleno de centralidade, urbanidade e diversidade na Praça do Mercado desde a ocupação inicial em 1766 quando o espaço era utilizado como ponto de trocas comerciais pelos tropeiros que ali paravam. Durante o ciclo da madeira, entretanto, intervenções urbanas de remodelamento dos espaços públicos forçaram a transferência da função do mercado para uma área considerada mais afastada do eixo central. Esta determinação do poder público modificou a rica dinâmica da Praça, a vida urbana do povo lageano e o desenvolvimento do mercado, que perdeu sua localização estratégica. O Mercado Público Municipal em estilo Art Déco revela um viés popular através da ornamentação geometrizada. Os pilares funcionam como frisos verticais que se contrapõem às cimalhas horizontais que emolduram as janelas, compondo um conjunto harmônico. O destaque volumétrico é dado pela torre de planta circular que ocupa a esquina da edificação. Na ala central se encontram as lojas dispostas lado a lado com bancadas fixas. A abertura de um processo de licitação foi autorizada no início de 2017 para revitalização da edificação, segundo projeto vencedor do concurso realizado em 2014 pela Prefeitura Municipal de Lages.
Fonte: página Portal da Serra.
Edificações em estilo Art Déco foram construídas para abrigar os Correios em todas as principais cidades brasileiras durante o período Varguista, representavam a ‘modernidade’ do Estado Novo. Enquanto estratégia de ocupação do território por parte do poder público, considera o papel importante das comunicações para difundir os ideais políticos da época. Em Lages, a linguagem Art Déco utilizada na edificação dos Correios é mais sóbria e demostra monumentalidade e rigor do equipamento urbano. Destaca-se a marcação da entrada, o jogo volumétrico da composição e a relação que estabelece com a esquina.
3 Edifício Dr. Accacio Localizado na esquina da Rua Coronel Córdova com a Praça João Costa, foi originalmente construído por Accacio Ramos – descendente da influente família Ramos – e foi o primeiro edifício de apartamentos de Lages, inaugurando uma nova maneira de morar no centro da cidade: coletivamente. A ornamentação do edifício faz a marcação da entrada e acesso aos pavimentos superiores por meio de frisos verticais que sobem até o coroamento pelas fachadas. A volumetria ornamental dos balcões e o desenho de esquina também destacam a arquitetura e o conjunto da obra demonstra preocupação não apenas com a qualidade da edificação executada, mas também com a mensagem de modernidade que ela transmite. A relação com o espaço público é, talvez, a característica mais importante desta edificação e a destaca no acervo Art Déco de Lages. 27
4// 2
O ESTILO DA MODERNIDADE E DO PROGRESSO
Especificidades das edificações em Art Déco lageanas revelam o uso de materiais locais se adaptando ao novo estilo, como o uso de madeira nas lajes e pedras de cantaria. Essas características revelam também uma contradição, pois apesar de representar a modernidade, as técnicas construtivas continuavam sendo tradicionais – as paredes ainda eram portantes, por exemplo. As decorações angulosas, linhas retas, traços leves e sóbrios geometrizados, esquinas e cantos arredondados caracterizam o Art Déco. Em Lages pode-se destacar três características fortemente presentes nos exemplares deste estilo: (1) a simetria das edificações na disposição dos espaços em planta e dos ornamentos nas fachadas; (2) o uso da platibanda, elemento distintivo entre o passado e o presente; e (3) a relação das arquiteturas com o espaço público. Os lugares onde há maior ocorrência do acervo Art Déco em Lages são os pontos de maior vitalidade urbana. A arquitetura Déco de Lages se moldava respeitosamente ao espaço urbano, contribuindo para marcar e preservar praças e ruas, conformando um espaço de transição, que preenche os vazios nas testadas dos lotes, mas oferece parte da arquitetura para o espaço de relação entre o público e o privado. O Edifício Dr. Accacio, por exemplo, inserido numa das esquinas mais significativas da cidade, marca e preserva a paisagem urbana através de sua composição volumétrica e estética, contribuindo para consolidar o cenário da Praça. O uso comercial no térreo fortalece essa relação e dialoga com a dinâmica urbana da Praça e do entorno.
O fenômeno de esvaziamento dessas edificações devido à deterioração dos centros históricos e à especulação imobiliária promove a falta de vitalidade interna à edificação e produz um efeito sobre o espaço público no entorno. Hoje os diversos exemplares em Art Déco em Lages compõem a paisagem urbana da cidade e formam um acervo arquitetônico que merece ser pensado como parte importante da vida urbana e cotidiana dos habitantes. Segundo Bornhausen, Varela e Peixer, programas de reabilitação urbana e revitalização de estabelecimentos de corredores culturais podem gerar alternativas para a economia local e regional, assim como aumento da qualidade de vida no centro da cidade (Ishida et al, 2013).
4
Cine-Teatro Tamoio. Fonte: página Portal da Serra. 28
5
Cine-Teatro Marajoara. Fonte: página Bela Lages.
Os Cine-Teatros
6 Galeria Dr. Accacio
O Art Déco teve estreita relação com o cinema, que veiculava a ‘nova era’ – da modernização, indústria, automóvel e ares cosmopolitas. Não por acaso, as edificações onde funcionavam os cinemas da época eram projetadas em estilo Déco, transmitindo este ideal de modernidade. O Cine-Teatro Marajoara e o Cine-Teatro Tamoio foram símbolos da modernização de Lages e suas arquiteturas transparecem essa intenção através da volumetria e recursos compositivos. No Cine-Teatro Marajoara a imponência da edificação se faz na fachada voltada para a Rua Nereu Ramos, que passa a ser o elemento mais importante da composição, já que a edificação ocupa um meio de quadra. A torre lateral projetada na fachada marca o cenário e faz do Marajoara um ícone urbano, que compete com a Igreja Matriz na perspectiva da mesma rua. Os elementos compositivos do Déco, empregados habilidosamente na fachada, convidam o pedestre a adentrar a arquitetura, assim como as grandes portas de acesso e a marquise que cria um ambiente de transição entre público e privado. A presença do exótico e a marca nacional se dão através dos motivos tropicais e marajoara aplicados externa e internamente. A edificação do antigo Cine-Teatro Tamoio se encontra na Rua Marechal Deodoro, no eixo da Praça João Costa em direção ao Calçadão Túlio Fiúza de Carvalho. Com proporções também monumentais para a Lages da década de 1940, a volumetria é destacada ainda pela marquise, que também funciona como elemento de proteção do público e de transição para o espaço interno. A composição da fachada evidencia a simetria característica do Déco de Lages. O descaso contemporâneo diante destes símbolos arquitetônicos da cidade afetam as edificações interna e externamente. As edificações vizinhas ao Marajoara agridem a composição de sua forma e relevância histórica para a cidade, assim como as modificações de cunho funcional e estético desrespeitam a harmonia do conjunto da obra original. O espaço do Tamoio serve atualmente ao uso de culto religioso e salas comerciais, e se encontra coberto de placas que ignoram por completo a qualidade estética almejada pelo Déco.
Fonte: Ishida et al., 2013.
A galeria urbana se destaca enquanto arquitetura pela relação que estabelece com o espaço público, conformando um espaço arquitetônico que funciona como via de passagem. O livre acesso à arquitetura, a livre circulação e o espaço de transição entre público e privado enriquecem a dinâmica do espaço urbano, além de proporcionar um respiro e uma interligação na malha urbana de quadras extensas. Primeira galeria construída em Lages, a Galeria Dr. Accacio conecta as ruas Nereu Ramos e Coronel Córdova – principais ruas do centro histórico de Lages – através de estabelecimentos comerciais e um espaço aberto central que funciona como jardim. Assim, dinamiza a experiência do caminhar pelo centro da cidade ao introduzir uma tipologia de rua diferente e um local de permanência. Os pavimentos superiores, de uso residencial, atribuem multifuncionalidade à edificação. Embora a edificação seja volumetricamente assimétrica – com dois pavimentos na Rua Nereu Ramos e quatro na Rua Coronel Córdova – o plano das fachadas evidencia a simetria presente na composição, de ornamentação bastante sóbria.
4// 2
Os Cafés da Praça
8
O café de esquina era o lugar do encontro e sociabilidade, espaço das discussões políticas, conversas e negociações, elemento criador de dinâmica e vitalidade urbana. Na centralidade mais significativa de Lages ainda se encontram as edificações onde se encontravam o Café Ouro e o Café Cruzeiro, que representavam lugares de efetiva participação na constituição da cidade e da sociedade lageana. O Café Ouro se encontrava na diagonal oposta ao Edifício Dr. Accacio, em um dos cruzamentos mais relevantes da cidade, enquanto o Café Cruzeiro ficava na esquina oposta ao Edifício Dr. Accacio, na quadra que faz face para a Praça João Costa. A concentração dessas arquiteturas compõe um conjunto e um cenário urbano, que identifica a cidade e representa a marca de um momento histórico importante.
O ESTILO DA MODERNIDADE E DO PROGRESSO
A edificação de dois pavimentos do Café Ouro foi projetada para o caráter multifuncional, com salas comerciais no térreo e escritórios no pavimento superior. A composição volumétrica e estética reforça a horizontalidade – com os ornamentos indicando o traçado das ruas – mas marca as entradas e a esquina por meio de frisos verticais. A tendência compositiva do Art Déco costumava reforçar o desenho urbano, em especial fortalecendo a esquina e reservando este espaço da fachada para a entrada de acesso aos cafés. Esta característica é encontrada em ambas as edificações, mas evidenciada no Café Cruzeiro pela presença da marquise. Edificação que abrigava o Café Cruzeiro (ao centro da imagem/data desconhecida). Fonte: página Portal da Serra.
7
Outras edificações Art Déco destaque na área central de Lages (ver mapa 12, na página 44): 9 10 11 12 13 14 15 16 17
Edifício Rua Correia Pinto Conjunto edificações Rua Correia Pinto Edifício Praça Vidal Ramos Sênior Edifício Rua Nereu Ramos, 264 Edifício Rua Coronel Córdova, Edifício Rua Hercílio Luz Conjunto edificações Rua Hercílio Luz Edifício Rua Coronel Córdova Edifício Rua Nereu Ramos *Numeração utilizada no mapa 12 Edificações Art Déco de destaque.
Café Ouro na década de 1990. Fonte: página Portal da Serra. 29
5/ ESTUDOS URBANOS E PERCEPÇÃO DO ESPAÇO DE TRABALHO
32
Fonte: Plano Diretor de Desenvolvimento Territorial - PDDT - Lages
Permite Térreo Análise 6,0 1,5 Térreo
2,0 >= 2 pavimentos
4,0 60% 70% OBS.: Garagens no pavimento térreo não serão computadas na taxa de Ocupação.
3,6 (-) AII - AEII
Análise
>2
Não H/ 9
Análise
Até 2
0,8 (-) MAEI - 2
1,2
50%
50%
10,0
6,0
>2
Não H/ 8
Análise
Até 2
4,0 10,0 50% 50% 1,0 (-) MAEI - 1
1,4
>3
1 Divisa no térreo H/ 7
H/ 6
Até 2
2,0 4,0 50% 50% 2,0 (-) ZRU - ZREU
4,0
>3
Não H/ 6
H/ 5
Até 2
2,0 4,0 (-) 60% 1,0 (-) AIC - ZOIC
1,4
H/ 5 >5
Não H/ 6 Até 4
0,2 (-) ZAIA - AEAA
0,4
30%
30%
10,0
3,0
>3
Não H/ 6
H/ 5
Até 2
4,0 10,0 (-) 10% 0,2 (-) AEIA
0,4
H/ 6 >3 2,0 >= 3
2 Divisas em 2 pav H/ 7 Até 2 1,5 Até 2 pavimentos
1,2 (-) ZRP 2
2,0
60%
60%
4,0
H/ 6 >5 2,0 >= 3
2 Divisas em 2 pav H/ 7 Até 4 1,5 Até 2 pavimentos
3,6 (-) ZRP 1
4,8
60%
60%
4,0
>5
1 Divisa no térreo H/ 7
H/ 6
Até 4 1,5 Térreo
2,0 >= 2 pavimentos
4,0 50% 60% 2,4 (-) ZRE 3
4,8
1 Divisa no térreo (-) Máximo 2 2,0 >= 2 pavimentos
4,0 50% 50% 1,0 (-) ZRE 2
1,0
H/ 5 >8 2,0 Torre
1,5 Térreo
1 Divisa no térreo H/ 6 Até 7 2,0 Se 2 pavimentos 4,0 50% 50% 4,5 (-) ZRE 1
7,5
H/ 5 >5 2,0 Torre
1,5 Térreo
2 Divisas em 2 pav H/ 6 Até 4 2,0 Se 2 pavimentos 4,0 50% 60% 2,4 0,2 EDD - 2
4,8
H/ 5 >8 2,0 Torre
1,5 Térreo
2 Divisas em 2 pav H/ 6 Até 7 2,0 Se 2 pavimentos 4,0 50% 60% 4,5 0,2
7,5
em 3 pav
EDD - 1
1,5 Térreo
> 13
H/ 7
Até 12 1,5 Residencial
50% 60% 7,2 0,2 ZOCC
9,0
TO torre TO base CA básico
CA máx.
0,0
2,0 Comercial/Multiuso
H/ 9
Uso divisas Afastamento mín. (m)
ANEXO V
Cálculo de afastamento Limite de pavimentos Recuo ajardin (m) CA mín.
Questiona-se ainda a necessidade de um equipamento desta proporção e de expressivo impacto na paisagem e dinâmica do local, estar inserido no centro histórico da cidade, no ponto final de um eixo de referência e ocupando um espaço público historicamente determinante na formação da cidade. Ainda assim, a falta de estacionamento para veículos particulares no centro é pauta constante entre os moradores.
UNIDADE TERRITORIAL
A decadência da antiga Praça do Mercado – atualmente Praça Vidal Ramos Sênior – enquanto lugar tradicional das trocas comerciais, rico em diversidade e vitalidade urbana, reforça o destaque ao eixo da Rua Nereu Ramos. Também justificam o enfoque ao eixo: (1) a relação com o Rio Carahá e Avenida Belizário Ramos, que envolve o centro da cidade formando um anel viário, e (2) a decadência estética do eixo, causada pela descaracterização das edificações e confusão visual dos estabelecimentos comerciais, mas especialmente pela obstrução da perspectiva da Catedral, devido à presença do Terminal Urbano de ônibus localizado na Praça Vidal Ramos Sênior.
LEI 306 DE 21 DE DEZEMBRO DE 2007
As edificações ao longo da rua, nos estilos arquitetônicos que representaram cada ciclo econômico, contam a história da cidade através das fachadas, e mostram a trama das várias cidades que a cidade já foi. Atravessando o centro histórico, a partir da Igreja Catedral em direção ao Rio Carahá, o eixo costura os três espaços públicos chave na construção espacial, social e política da cidade: a Praça João Ribeiro, a Praça João Costa e a Praça Vidal Ramos Sênior.
CLASSIFICAÇÃO DAS ATIVIDADES
Ao analisar a área verifica-se uma concentração não apenas de edificações de interesse histórico e das praças de grande importância na constituição do espaço urbano, mas de equipamentos e espaços públicos de referência ou de potencial cultural. Por ser ainda a zona de mais expressiva atividade comercial, é também o local de grande concentração de pessoas, principalmente durante o horário comercial nos dias de semana e aos sábados. A riqueza de possibilidades que a área central da cidade oferece parece sugerir uma estruturação espacial que se alinha com a proposta deste trabalho. Inserido no centro deste recorte se encontra o eixo historicamente presente na memória coletiva do lageano, conforme constatado em análise de desenhos e fotografias antigas da cidade em diferentes épocas. A Rua Nereu Ramos – originalmente Rua Direita, primeira rua traçada no território que seria a vila – compõe uma narrativa histórica do processo de constituição do espaço urbano de Lages.
PDDT- Lages
RECORTE DE TRABALHO E O EIXO DA RUA DIREITA
PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL DE LAGES - PDDT
A malha urbana e o conjunto de edificações de importância histórica nela inserido sugerem um perímetro de centro histórico que não é reconhecido pela legislação vigente. O plano diretor de Lages classifica como Área Especial de Preservação e Revitalização do Ambiente Cultural – AEPRAM – espaços pontuais dentro deste perímetro, que é definido como Zona de Ocupação Comercial Consolidada – ZOCC – e admite a construção de até 12 pavimentos (ver página 37 - Mapa de Zoneamento - Uso e Ocupação do Solo/ Lei 306 21/12/2007). A sobreposição da zona de maior densificação e verticalização da cidade no centro histórico revela uma posição do poder público na relação já conflituosa entre preservação do patrimônio e mercado imobiliário.
2 Divisas
S
egundo Santos, a área que hoje se entende como casco histórico central de Lages foi consolidada entre 1870 e 1900, compreendendo o traçado urbano (ver MAPA 3 – Planta esquemática de implantação 1880) com feição aproximada ao tabuleiro xadrez, com ruas e praças assentadas ortogonalmente (Santos, 2015).
ANEXO V
5// 1
ANEXO IV - B
MAPA DE ZONEAMENTO - USO E OCUPAÇÃO DO SOLO
LEI 306 21/12/2007
LEGENDA MACRO ÁREA DE MORADIA - MAM ZONA DE OCUPAÇÃO COMERCIAL CONSOLIDADA - ZOCC ZONA RESIDENCIAL EXCLUSIVA 1 - ZRE - 1 ZONA RESIDENCIAL EXCLUSIVA 2 - ZRE - 2 ZONA RESIDENCIAL EXCLUSIVA 3 - ZRE - 3 ZONA RESIDENCIAL PREDOMINANTE 1 - ZRP - 1 ZONA RESIDENCIAL PREDOMINANTE 2 - ZRP - 2 EIXOS DE DESCENTRALIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO 1 - EDD - 1 EIXOS DE DESCENTRALIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO 2 - EDD - 2 ZONA DE OCUPAÇÃO INDUSTRIAL CONSOLIDADA - ZOIC ÁREA DE USO INSTITUCIONAL CONSOLIDADA - AUIC MACRO ÁREA DE EXPANSÃO URBANA FUTURA - MEUF MACRO ÁREA DE EXPANSÃO INDUSTRIAL 1 - MAEI - 1 MACRO ÁREA DE EXPANSÃO INDUSTRIAL 2 - MAEI - 2 ZONA DE REQUALIFICAÇÃO E EXPANSÃO URBANA 1 - ZREU - 1 ZONA DE REQUALIFICAÇÃO E EXPANSÃO URBANA 2 - ZREU 2 ZONA DE REQUALIFICAÇÃO E EXPANSÃO URBANA 3 - ZREU 3 EIXO VIÁRIO FUTURO - EVF FAIXA DE RECUO VIÁRIO - RV (ALARGAMENTO DE VIA) MACRO ÁREA DE ESPECIAL INTERESSE - MAEI ÁREA ESPECIAL DE INTERESSE AMBIENTAL - AEIA
O Plano Diretor de Desenvolvimento Territorial de Lages (PDDT) se refere à Macro-Área de Planejamento Urbano do município - disposta no ponto de convergência entre as demais Macro-Áreas e ocupando uma área menor em comparação a estas. A legislação data do ano de 2007 e se encontra vigente sem grandes alterações.
Destaca-se no Mapa de Uso e Ocupação do Solo: (1) a definição de Zonas Residenciais Exclusivas (ZRE - 1, 2 e 3), considerada retrógada e negativa no sentido de não contribuir para a dinamização do espaço da cidade e produzir uma sobrecarga no sistema viário para viabilizar o acesso à área central. (2) A autonomia do Bairro Coral - segundo verificado no estudo histórico crítico - em relação ao Bairro Centro, dispondo-se no entorno de avenidas que são eixos de ZOCC. (3) O Eixo de Descentralização do Desenvlvimento - 1 (EDD - 1) revelam uma intenção de direcionar o desenvolvimento ao longo de avenidas estruturantes próximas à área central - especialmente a Avenida Belizário Ramos, anel viário central que acompanha o Rio Carahá - prevendo um gabarito de até 7 pavimentos, fazendo a transição entre a ZOCC (até 12) e as zonas residenciais (ZPR e ZRE) de gabaritos mais baixos.
ÁREA ESPECIAL DE AMORTECIMENTO AMBIENTAL - AEAA ZONA ESPECIAL DE PROTEÇÃO DO AEROPORTO - ZEPA ÁREA ESPECIAL DE INTERESSE INSTITUCIONAL - AEII ZONA ESPECIAL DE INTERESSE SOCIAL - ZEIS ÁREA ESPECIAL DE PRESERVAÇÃO E REVITALIZAÇÃO DO AMBIENTE CULTURAL - AEPRAM ÁREA SUJEITA À ENCHENTES - ASE MACRO ÁREA DE EXPANSÃO INDUSTRIAL - ÍNDIOS - MAEI - ÍNDIOS ZONA DE OCUPAÇÃO INDUSTRIAL DO AEROPORTO
SEM ESCALA FONTE: PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL - PDDT - LAGES
33
5// 1
ANEXO IV - B
MAPA DE ZONEAMENTO - USO E OCUPAÇÃO DO SOLO
LEI 306 21/12/2007
RECORTE ANEL VIÁRIO CENTRAL
LEGENDA MACRO ÁREA DE MORADIA - MAM ZONA DE OCUPAÇÃO COMERCIAL CONSOLIDADA - ZOCC
RECORTE DE TRABALHO E O EIXO DA RUA DIREITA
ZONA RESIDENCIAL EXCLUSIVA 1 - ZRE - 1 ZONA RESIDENCIAL EXCLUSIVA 2 - ZRE - 2 ZONA RESIDENCIAL EXCLUSIVA 3 - ZRE - 3 ZONA RESIDENCIAL PREDOMINANTE 1 - ZRP - 1 ZONA RESIDENCIAL PREDOMINANTE 2 - ZRP - 2 EIXOS DE DESCENTRALIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO 1 - EDD - 1 EIXOS DE DESCENTRALIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO 2 - EDD - 2 ÁREA DE USO INSTITUCIONAL CONSOLIDADA - AUIC MACRO ÁREA DE ESPECIAL INTERESSE - MAEI ÁREA ESPECIAL DE PRESERVAÇÃO E REVITALIZAÇÃODO AMBIENTE CULTURAL - AEPRAM SEM ESCALA FONTE: PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL - PDDT - LAGES
Destaca-se no recorte de aproximação do anel viário central(1) A área central é quase que totalmente caracterizada como Zona de Ocupação Comercial Consolidada (ZOCC), com exceção de pontos isolados definidos como Área Especial de Preservação e Revitalização do Ambiente Culural (AEPRAM) e Área de Uso Institucional Consolidada (AUIC). Esta definição do uso e ocupação do território sobrepõe a zona de maior verticalização e densificação da cidade na malha histórica consolidada, além de falhar quanto a definição de um conjunto urbano e arquitetônico que transmita a totalidade da área. (2) O gabarito mais alto permitido pelo PDDT coincide com a área de topografia mais elevada dentro do anel viário central, abrindo espaço para que a verticalização marque ainda mais a paisagem.
34
5// 1
MAPA 4 - PONTOS DE INTERESSE NO ANEL VIÁRIO CENTRAL
RECORTE DE TRABALHO E O EIXO DA RUA DIREITA
ANEL VIÁRIO AVENIDA BELIZÁRIO RAMOS / RIO CARAHÁ PERÍMETRO MALHA URBANA HISTÓRICA CONSOLIDADA segundo planta de 1880 (ver mapa 1.3 ) ÁREA DO RECORTE DE TRABALHO PONTOS DE INTERESSE - espaços públicos estruturantes - edificações Art Déco de destaque (ver item 4.2) - interesse histórico - equipamentos ESCALA 1 : 10.000 35
5// 1
O EIXO DA RUA DIREITA
RECORTE DE TRABALHO E O EIXO DA RUA DIREITA 1900
1930
1945
1920
*Imagens com datas aproximadas (segundo edificações). 36
1940
*Imagem feita a partir da Igreja Matriz/sentido contrário.
1965 1960
MAPA 5 - PONTOS DE INTERESSE NO EIXO DA RUA DIREITA
5// 1
PERÍMETRO DO RECORTE DE TRABALHO
RECORTE DE TRABALHO E O EIXO DA RUA DIREITA
PERÍMETRO MALHA URBANA HISTÓRICA CONSOLIDADA segundo planta de 1880 (ver mapa 1.3 ) EIXO DA RUA DIREITA / RUA PRESIDENTE NEREU RAMOS
*Imagem feita a partir da Igreja Matriz/sentido contrário.
ANEL VIÁRIO AVENIDA BELIZÁRIO RAMOS / RIO CARAHÁ ESPAÇOS PÚBLICOS ESTRUTURANTES PONTOS DE INTERESSE
2016
SEM ESCALA
1990
Imagem aérea da área central de Lages, aproximadamente década de 1960. Fonte: página Bela Lages. *Editada com repreentação do eixo e espaços estruturantes. 37
5// 2
MAPA 6 - USO E OCUPAÇÃO DO SOLO
ANÁLISES URBANAS
A área central de Lages se consolidou, historicamente, como área característica de comércio e serviços. O mapa de uso e ocupação do solo do recorte de trabalho revela, entretanto, uma concentração expressiva de edificações de uso misto sobre o traçado da malha histórica. Existe, ainda, um número considerável de edificações de uso residencial – de diversos padrões, localizadas no entorno desta malha e expandindo-se radialmente a partir da área comercial mais intensa. A presença de moradores na área central de Lages é considerada uma característica positiva e uma potencialidade a ser cultivada e explorada pelo trabalho.
38
PERÍMETRO DO RECORTE DE TRABALHO RESIDENCIAL
INSTITUCIONAL
COMERCIAL
SERVIÇOS
MISTO
SEM OCUPAÇÃO
ESCALA 1 : 5.000
MAPA 7 - GABARITOS
5// 2
ANÁLISES URBANAS
Ainda que hoje predominem as edificações de até 4 pavimentos dentro do recorte de trabalho, o plano diretor de Lages permite a construção de edificações de até 12 pavimentos na área central – é possível perceber a presença de edificações acima de 10 pavimentos de forma dispersa e por vezes abrupta, podendo resultar no rompimento da paisagem, obstrução de perspectivas interessantes e comprometimento do entendimento global da área central, prejudicando o senso de localização. Destaque para as edificações com mais de 10 pavimentos de uso misto ou residencial.
PERÍMETRO DO RECORTE DE TRABALHO ATÉ 2 PAVIMENTOS
10 PAVIMENTOS
4 PAVIMENTOS
12 PAVIMENTOS
6 PAVIMENTOS
ACIMA DE 12 PAVIMENTOS
8 PAVIMENTOS ESCALA 1 : 5.000
39
5// 2
MAPA 8 - CHEIOS E VAZIOS
ANÁLISES URBANAS
O mapa de cheios e vazios confirma uma densidade de área construída consolidada no centro. Nas quadras que correspondem ao traçado da malha histórica, fica evidente a manutenção de uma ocupação que preenche a testada dos lotes. Nota-se uma ocupação mais permeável à medida que a distância em relação ao centro aumenta radialmente. Os espaços públicos bem definidos são uma característica marcante da área central que confirma a relevância destes espaços na cidade, fortalecem o desenho da malha histórica original e indicam eixos de conexão.
40
PERÍMETRO DO RECORTE DE TRABALHO ESCALA 1 : 5.000
MAPA 9 - ESPAÇOS PÚBLICOS
5// 2 PRAÇA DO MERCADO Parque Vidal Ramos Sênior
PRAÇA CORREIA PINTO
ANÁLISES URBANAS
TANQUE VELHO Parque Jonas Ramos
PRAÇA JOCA NEVES CALÇADÃO Praça João Costa
PRAÇA DA SANTA CRUZ Praça Siqueira Campos
Os espaços públicos mais significativos da área central correspondem aos espaços estruturantes da constituição urbana de Lages, consolidados historicamente na área central.
CALÇADÃO Calçadão Túlio Fiúza de Carvalho PRAÇA DA CATEDRAL Praça João Ribeiro
PERÍMETRO DO RECORTE DE TRABALHO ESPAÇOS PÚBLICOS ESTRUTURANTES ESCALA 1 : 5.000
41
MAPA 10 - EQUIPAMENTOS
5// 2 TERMINAL URBANO
AMURES
BIBLIOTECA PÚBLICA
ANÁLISES URBANAS
MUSEU MALINVERNI FILHO COLÉGIO ESTADUAL ARISTILIANO RAMOS
CORREIOS CENTRO CULTURAL VIDAL RAMOS MUSEU THIAGO DE CASTRO FUNDAÇÃO CULTURAL DE LAGES
A presença de equipamentos de grande porte - como o Terminal Urbano e o Hospital Nossa Senhora dos Prazeres - e de menor porte - como os Correios e a Biblioteca Pública - reforçam a definição do recorte de trabalho. Sob a perspectiva de qualificar a área central, desempenham papeis distintos em cada caso: (1) questiona-se, por um lado, a localização do Terminal Urbano de Lages - que ocupa área significativa de um espaço público estruturante produzindo efeitos negativos, e (2) considera-se como potencialidade a localização do antigo Colégio Estadual Aristiliano Ramos (entre os demais equipamentos da área central) por produzir uma dinâmica positiva na área central. Pauta de diversas discussões na cidade e polarização quanto ao destino da edificação (manter e arcar com os custos x demolir), atualmente o Aristiliano Ramos aguarda pela demolição.
42
HOSPITAL NOSSA SENHORA DOS PRAZERES
PERÍMETRO DO RECORTE DE TRABALHO EQUIPAMENTOS PÚBLICOS ESCALA 1 : 5.000 DELEGACIA DE POLÍCIA REGIONAL DE LAGES
MAPA 11 - INTERESSE HISTÓRICO
5// 2 17 19 25
24
21
18
ANÁLISES URBANAS
15 5 23
16
22 20
24 14
13
4 3
12
2
11 Percebe-se que a quantidade de edificações de interesse histórico de destaque que não estão asseguradas sob alguma instância de proteção é equivalente a quantidade de bens tombados, revelando uma lacuna quanto a proteção dos lugares de memória em Lages.
10
1
9 PERÍMETRO DO RECORTE DE TRABALHO
6
*Numeração utilizada nas fichas de bens de interesse histórico catalogados. Os pontos de interesse não numerados correspondem às edificações Art Déco de destaque de 1 a 8.
8
7
PROTEGIDOS POR LEI EM UMA OU MAIS INSTÂNCIAS PONTOS DE INTERESSE HISTÓRICO SEM PROTEÇÃO (DESTAQUE) ESCALA 1 : 5.000
43
MAPA 12 - EDIFICAÇÕES ART DÉCO DE DESTAQUE
5// 2
12
11 1
6 14
13
9
ANÁLISES URBANAS
10 8 3 4
5 7 15
As edificações em estilo Art Déco destacadas no mapa (e melhor exploradas no item 4.2 deste trabalho) correspondem aos exemplares destacados pelo acervo Memórias, Ausências e Presenças do Art Déco em Lages – bibliografia estudada (ver Referências Bibliográficas). As edificações consideradas se concentram na malha histórica, com exceção do Mercado Público Municipal que, como estudado, foi construído num local escolhido, na época, por estar mais distante do centro.
17
2 16
PERÍMETRO DO RECORTE DE TRABALHO EDIFICAÇÕES ART DÉCO DE DESTAQUE (ver item 4.2) ESCALA 1 : 5.000
44
BR 11 6
BR 282
MAPA 13 - SISTEMA VIÁRIO
A TARIN A CA T N SA AV.
AV. PRESI DENTE VA RGAS
RUA FREI FLO RIA NO
A localização da macro área urbana da cidade de Lages próxima ao cruzamento da BR 116 com a BR 282 evidencia seu papel enquanto polo regional da Região Serrana do estado. Na mesma escala se destaca a via urbana que também faz a conexão entre as BR margeando o centro da cidade, bem como a Avenida Belizário Ramos, que conforma um anel viário em torno da área central ao acompanhar o trajeto do Rio Carahá. As vias classificadas como COLETORAS BAIRRO-CENTRO 1 fazem a conexão do centro de Lages com as BR de forma radial e atravessando os bairros. Destaque para a via férrea que chega à BR 282 – trecho do Tronco Principal Sul que foi construído na cidade pelo 2° Batalhão Ferroviário em 1965 e iniciou a ocupação do entorno, hoje Bairro Ferrovia.
S O M A R
JOÃO XXIII
AV . MA REC HAL
AV. PA PA
RIO IZÁ L E .B AV
AV. LUÍS DE CAMÕES
AV .D UQ UE DE CA XIA S
Regional
GA BR IEL AV. MARECHAL CASTELO BRANCO
AV. D OM PEDR O II
REGIONAL ARTERIAL COLETORA BAIRRO-CENTRO 1 FERROVIA ESCALA 1 : 20.000
Anel viário central
S O M RA
AV. PRESI DENTE VA RGAS
RU A
CO RR EIA
PIN TO
. AV
RIO IZÁ L BE
AV .D UQ UE DE CA XIA S
5// 2
MAPA 14 - SISTEMA VIÁRIO
A RU
RUA CAS TRO ALVE S
RUA
E OD IAG H T EL NO MA
O STR CA
A RU
L. MA A U R
RO DO O E D
RUA FREI GAB RIEL
AV .M ARE CH AL FLO RIA NO
VA RDO . CÓ CEL RUA
ANT RUA BENJAMIN CONST
Internamente ao anel viário central destaca-se as vias COLETORAS BAIRRO-CENTRO 2, que chegam à área central – ou a atravessam – passando por dentro dos bairros da cidade, porém com um caráter diferente das demais coletoras por não conectarem o anel viário central às vias regionais (BR 116 e BR 282). Ao cruzar o mapa de sistema viário regional com a escala do anel viário conclui-se que as conexões e acessos criados pela hierarquia viária preservam a área central, já que nunca atravessam o centro sem serem interrompidas ou sem reduzir a escala. Destaque para a Rua Coronel Córdova, que conecta o anel viário no sentido sudeste-noroeste atravessando o coração da área central.
ARTERIAL COLETORA BAIRRO-CENTRO 1 COLETORA BAIRRO-CENTRO 2 ESTRUTURAL CENTRAL FLUXO CENTRAL ESCALA 1 : 10.000
46
ER ULL M RO LAU
RU A
CA ETA NO
ANÁLISES URBANAS
IO ÉR G O R EI FR
VIE IRA
DA
CO STA
MAPA 15 - SISTEMA VIÁRIO
5// 2
Recorte de trabalho
AV. BELIZÁRIO RAMOS
S XIA A C DE UE UQ .D V A AV. PRESIDENTE V ARG AS
A UZ SO
RUA
STA DA CO VIEIRA IO ÍL TAC RUA O
DE STO FAU RUA
A DE MOUR SERAFIM RUA CEL.
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IO GÉR EI RO R F RUA T STAN CON IN M A BENJ RUA
ER MULL URO A L RUA
RIEL GAB FREI RUA
Destaca-se a proximidade da área central com vias de maior escala – Av. Belizário Ramos (arterial), Avenidas Duque de Caxias e Presidente Vargas, e Rua Frei Gabriel (coletoras bairro-centro 1). Diferencia-se as vias de caráter estrutural da área central e, ao analisar o sistema de binários segundo o qual funciona o sistema viário central, percebe-se que as vias que completam os binários não são simplesmente vias locais, mas essenciais ao fluxo viário no centro da cidade.
EL. RUA C
O ODOR AL. DE M A U R
IO LUZ ERCÍL RUA H
ANÁLISES URBANAS
A RU
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OS M A R
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STRO DE CA IAGO H T L E ANO RUA M
TO PIN
ARTERIAL COLETORA BAIRRO-CENTRO 1 COLETORA BAIRRO-CENTRO 2 ESTRUTURAL CENTRAL FLUXO CENTRAL ESCALA 1 : 5.000
47
5// 3
MAPA 19 - GRÁFICO DE PERCEPÇÕES DO ESPAÇO
ESTUDO DE PERCEPÇÕES
O
estudo das minhas próprias percepções do espaço de trabalho foi o primeiro instrumento que possibilitou apreender e compreender melhor a área - perce-ber deficiências, potencialidades, qualidades e a maneira como as pessoas se apropriam deste espaço. Nesta análise incial descompromissada me propus a observar mais atentamente a paisagem urbana e a relação das pessoas com os lugares. As percepções possiblitaram criar uma legenda para os principais critérios obser-vados. Na página seguinte, um relato tão descompromissado quanto a análise.
48
PERÍMETRO DO RECORTE DE TRABALHO APROPRIAÇÃO
CONDIÇÕES ESPACIAIS POSITIVAS
FLUXO
CONDIÇÕES ESPACIAIS NEGATIVAS
DESCARACTERIZAÇÃO / CONFLITO VISUAL
PERSPECTIVA INTERESSANTE
ESCALA 1 : 5.000
Centro aos sábados
Chegando pela Rua Correia Pinto, não há onde descansar. As lojas as calçadas as pessoas as crianças as sacolas as vitrines os carros. O ritmo das edificações também não descansa. Esta é a relação das pessoas com a Rua: só o térreo parece existir, sendo as fachadas meros portais de acesso ao consumo. Em todo o centro as pessoas caminham rápido, com um propósito. Mas a Praça do Meio é ponto de parada. Encontro o conhecido, converso, cumprimento. Aqui se apropriam com mais tempo e permanecem. Espio por dentro das galerias e posso ver o outro lado. Em alguns lugares quis ver o outro lado mas foi engano: era um depósito para carros. Eles estão em todo lugar. O primeiro trecho da Rua Nereu Ramos já foi a rua mais pomposa da cidade, onde a estadia dos fazendeiros movimentava a vida urbana. Hoje, o Cine-Teatro Marajoara parece ser uma das poucas arquiteturas deste trecho que enriquecem Rua, pena que é por trás de suas grades quase sempre fechadas. Distante da vida urbana. A Catedral brinca de esconde-esconde com os grandes vizinhos. Sentando na Praça a gente vê a paisagem descuidada. Apesar do zelo com o espaço, as pessoas aqui mais transitam do que se apropriam. Na Praça do Mercado as pessoas passam. Chegam e passam. Os olhos da rua são os dos vendedores ambulantes que conquistaram seu espaço. O eixo chega no Rio mas não o toca, têm medo de ser atropelado. Vi a Rua da Boa Vista mas por pouco não entendi o que a vista tem de bom. Caminhei caminhei caminhei caminhei. As esquinas são tão longe. Olhe! Uma boa vista! A cacimba contornada pelos carros leva o olhar até a Santa Cruz, lutando para aparecer por entre os blocos de concreto. Na esquina as edificações se viram para se encararem, ficam todas se olhando. Olham as pessoas pra lá e pra cá no Calçadão. As edificações de hoje são bastante egoístas. É tudo delas. As de ontem são mais amigáveis, deixam as pessoas usarem um pedaço do espaço delas. Em todo o centro as edificações do ontem estão murchas sem esperança, talvez cobiçando o ar dos vizinhos, tão cheios de si. Triste vê-las tão mais belas mas tão sem vida.
PARTE 2 // PROPOSTAS UMA ALTERNATIVA PARA O CENTRO DE LAGES/SC
“...uma coisa é o lugar físico, outra coisa é o lugar para o projeto. E o lugar não é nenhum ponto de partida, mas é um ponto de chegada. Perceber o que é o lugar é já fazer o projeto.” - Álvaro Siza.
“O que nos leva a uma escolha e decisão conceitual é, precisamente, a natureza do lugar. É sua compreensão enquanto espaço resultante de fatores sócio-políticos ao longo de muitos anos - ou séculos - de formação da cidade. Compreender o lugar não somente como objeto físico, como diz Siza, mas como espaço de tensão, de conflitos de interesses, de subutilização ou mesmo abandono, tudo importa.”
6/ DETERMINANDO DIRETRIZES
6// 1
DEFINIÇÃO DA PROBLEMÁTICA E OBJETIVOS ESPAÇO PÚBLICO PATRIMÔNIO HISTÓRICO
O
processo de constituição do espaço urbano do centro de Lages revela os conflitos sobre o território e a seletividade de apropriação e participação na construção do espaço. Através de intervenções autoritárias buscando um ideal de cidade que correspondesse às aspirações das elites tradicionais, os grupos populares foram sempre marginalizados da ‘cidade oficial’, pouco participando da construção do espaço urbano na área central. A narrativa histórica espacializada nesta área expõe as marcas da repressão dos ‘espoliados urbanos’, que pouco se veem representados no patrimônio material. O planejamento urbano de Lages se posiciona diante destas questões reafirmando as práticas excludentes e estimulando um projeto de centro de cidade pouco sensível e bastante questionável em relação à realidade do lugar, à paisagem urbana, à valoração do espaço urbano e valorização da construção social e histórica do mesmo. Entendendo o centro da cidade como o lugar essencialmente democrático e a identidade como coletivamente construída através da memória, pretende-se possibilitar acesso e apropriação democrática do espaço urbano na área central buscando a participação dos grupos marginalizados na construção do espaço e da memória coletiva. Paralelamente, pretende-se rever e questionar o projeto de centro de cidade previsto para Lages e apontar uma perspectiva diferente de intervenção na área central – inclusiva e integradora quanto ao espaço urbano, e de visibilidade e valorização quanto ao patrimônio coletivo.
ESPAÇOS PÚBLICOS COMO LUGARES DE MEMÓRIA
OBJETIVO ESPECÍFICO 01 ESCALA ANEL VIÁRIO CENTRAL
Evidenciar os conflitos de interesse sobre o território da área central e propor diretrizes alternativas de planejamento urbano em resposta às dinâmicas existentes.
Desenvolver diretrizes alternativas para o planejamento de uso e ocupação do solo que contribuam para aliviar a pressão exercida pelo setor imobiliário na área central. Propor uma estratégia alternativa de mobilidade urbana focada na redução de impacto na área central priorizando o transporte público coletivo.
OBJETIVO ESPECÍFICO 02
ESCALA RECORTE ÁREA CENTRAL
Repensar o espaço urbano da área central de Lages dentro de uma lógica de rede de espaços públicos conectados e integrados que possibilite o acesso ao centro, a percepção de conjunto e a visibilidade do patrimônio material.
Exemplificar conexões espaciais estratégicas que contribuam para a percepção do espaço enquanto conjunto de elementos de interesse – espaços públicos, equipamentos e edificações de interesse para preservação.
Desenvolver o Eixo da Rua Direita enquanto costura urbana da área central, resgatando sua importância histórica e relevância espacial estruturante.
Propor diretrizes gerais de desenho que trabalhem os elementos necessários para a compreensão clara do espaço da rua enquanto costura e Eixo, reavaliando a condição atual dos três espaços públicos estruturantes da área central. Trabalhar a espacialidade do Eixo da Rua Direita fortalecendo a via enquanto traçado de coesão da área central e a resgatando enquanto elemento presente na construção da memória coletiva.
PERCEPÇÃO DO ESPAÇO
Sugerir atribuição de usos cotidianos e de caráter popular que contribuam para reinserir e integrar o conjunto patrimonial Art Déco na dinâmica urbana contemporânea da área central.
PROBLEMÁTICA GERAL A qualidade da relação entre os elementos de interesse da área central falha em transmitir a totalidade do conjunto e a riqueza do lugar. Consequentemente, a população não identifica, reconhece e valoriza os lugares de memória coletiva, e o poder público desconsidera as singularidades do espaço através de um projeto de centro de cidade pouco sensível com as potencialidades do lugar, favorecendo a apropriação e produção do espaço do centro segundo uma visão mercadológica e excludente.
OBJETIVO GERAL Oferecer uma alternativa de projeto de centro de cidade para Lages a partir da valorização dos lugares de memória coletiva e espaços públicos percebidos como um conjunto articulado, favorecendo a urbanidade e inserção ativa destes elementos na dinâmica urbana da área central através de novas possibilidades de apropriação por usos cotidianos, contemporâneos e de caráter popular.
54
OBJETIVO ESPECÍFICO 03 ESCALA EIXO
6// 2
POTENCIALIDADES DA ÁREA Proximidade com o Rio Carahá: O Rio Carahá é um elemento fortemente presente na paisagem urbana de Lages, porém pouco explorado enquanto potencialidade, subutilizando sua relação com a população, que o vê como inimigo em situações de enchentes. Anel viário central: A Avenida Belizário Ramos, via que acompanha o curso do Rio Carahá formando um anel viário em torno da área central da cidade, pode ser considerado um elemento em potencial para a organização do sistema viário.
POTENCIALIDADES DA ÁREA E PRINCÍPIOS DE TRABALHO
Usos residencial e misto: O centro de Lages ainda conta com a presença bastante significativa de moradias de diversos padroões. Esta característica é tida como potencialidade por promover constância de uso da área central e diversidade de público que utiliza a área, favorecendo a urbanidade. Esta característica deve ser explorada e estimulada a fim de consolidar o ca´rater positivo do centro de Lages. Via gastronômica: Ainda que reconhecida pela população, o caráter desta via ainda não se diferencia em muito das demais vias da área central. O uso que se busca estimular para o local não se exterioriza para o espaço urbano e falha em constituir o espaço desejado. Além disso, a conexão da via com o coração da área central é pouco explorada, apesar da proximidade.
Força dos espaços públicos: Ainda justificando a escolha da temática e objeto de trabalho, a força dos espaços públicos, tanto na definição do espaço urbano do centro, quanto no uso pela população, é entendida como potencialidade para trabalhar a área central. Conjunto patrimonial Art Déco: Ainda que marcadamente presente na área central da cidade, muitas vezes conformando espaços estruturantes, as edificações no estio Art Déco não são reconhecidas pela população como elementos de interesse para preservação, diferentemente de outras edificações de interesse histórico de outras épocas. O patrimônio material precisa ser reconhecido como representativo de um momento da cidade e da história da sociedade que ali reside, Como tentativa de atribuir maior visibilidade diante da população e singularizar a paisagem do centro de Lages, valorizando os lugares de memória existentes, as edificações Art Déco são tratadas como um conjunto patrimonial e potencialidade na área de trabalho.
truturas da cidade. Topografia dinâmica: Devido a escolha de local para ocupação inicial do território da cidade, a topografia da área central pode ser considerada uma potencialidade por funcionar como animadora do espaço urbano, possibilitando perspectivas interessantes quanto à qualidade estética e visibilidade das arquiteturas de interesse, mas também quanto à legibilidade espacial da área. A ocupação mais recente e pouco sensível permitida pelo plano diretor desconsidera, muitas vezes, este fator, promovendo a obstrução da paisagem. Malha viária: A configuração espacial do sistema viário da área central pode ser considerada positiva, pois preserva o centro, de certa forma, como área de escala mais humana ao interromper praticamente todas as vias que chegam ao centro a partir de pontos bastante periféricos, impedido que se tornem grandes vias de acesso cortando o coração da área central. Demandas existentes: Aliada a ideia de conectividade dos elementos de interesse da área central, a ativação destes espaços precisa ser estimulada através de usos. O estudo da cidade e do centro da cidade possiblitou a identificação de diversas demandas por usos e pela ocupação do espaço da rua.
PRINCÍPIOS DE TRABALHO CENTRO ENQUANTO ESPAÇO ESSENCIALMENTE DEMOCRÁTICO
VITALIDADE URBANA: ESPAÇO URBANO ATIVO
ARQUITETURA URBANA: RELAÇÃO DE CONVERGÊNCIA ENTRE EDIFICAÇÕES E ESPAÇO URBANO
COSTURA URBANA: CONEXÕES ESPACIAIS
FACHADAS ATIVAS
PRIORIZAÇÃO DO PEDESTRE E TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO
Galerias urbanas, passagens urbanas, vazios urbanos e miolos de quadra: Estes elementos podem ser considerados potencialidades para a proposta por representarem possibilidade de conexão da área central através de ocupaão estratégica de seus espaços. Atualmente, diversos miolos de quadra e terrenos vazios são utilizados como estacionamento. A presença de três galerias na área enriquece a experiência do pedestre no espaço urbano e encurta a distância percorrida nas quadras longas, oferecendo novas possiblidades de percurso e conectividade. Cultura de permanência no espaço público no centro: O caráter de uso desejado para o centro, como a “sala de estar” da cidade, pode ser favorecido pela cultura existente de uso e permanência neste espaço. Historicamente, o espaço público do centro de Lages sempre desempenhou um papel importante enquanto lugar de urbanidade, acontecimento e definição das es55
7/ UMA ALTERNATIVA PARA O CENTRO DE LAGES
7// 1
DIRETRIZES ALTERNATIVAS PARA O PLANEJAMENTO URBANO A proposta de diretrizes alternativas para guiar o planejamento de uso e ocupação do solo se dá na escala do anel viário. Descentralizar o desenvolvimento seria uma resposta aos conflitos sobre o território da área central, além de se contrapor a definição atual de Zonas Residenciais Exclusivas por incentivar maior autonomia de outras áreas da cidade e reduzir a necessidade de deslocamento até o centro. A descentralização poderia ser incentivada reorientando o potencial construtivo utilizando o anel viário central e Rio Carahá como potencialidade no planejamento urbano, o percurso do rio como um parque linear funcionaria como um atrativo ao setor imobiliário e seria uma oportunidade de rever a relação da cidade com o Rio Carahá, fortemente presente no espaço urbano.
Definir conjuntos urbanos e arquitetônicos de interesse de preservação em favor do reconhecimento e identificação dos lugares de memória representativos da história da cidade. A perspectiva de preservação seria articulada com a dinâmica existente e a paisagem: tendo em vista a paisagem já bastante heterogênea do centro de Lages, a ideia é definir conjuntos arquitetônicos aliados à conformação do espaço urbano que se diferenciem pelo destaque na paisagem e dialoguem positivamente com a densidade permitida no entorno, utilizando-a a favor da preservação pelo uso da área central como a “sala de estar” da cidade. Pensando na adequação do planejamento ao crescimento real da cidade, as vias estruturais definidas como Eixos de Descentralização do Desenvolvimento (EDD - rever PDDT na página 36) poderiam continuar representando centralidades lineares através do uso, sem permitir verticalização. Esta diretriz poderia ficar aberta para revisão futura do plano diretor caso o crescimento da cidade acelere e o potencial construtivo consiga acompanhar uma melhor definição da paisagem.
OBJETIVO ESPECÍFICO 01
ESCALA ANEL VIÁRIO CENTRAL
0
200
Visando a redução de impacto na área central, a descentralização do sistema de transporte coletivo eliminaria a necessidade de um equipamento de grande porte na Praça do Mercado. A locação de pequenas estações integradas no entroncamento das vias coletoras bairro-centro 1 com o anel viário central otimizaria a lógica de funcionamento do transporte público coletivo, visto que o passageiro que deseja fazer um percurso de comunicação entre bairros não precisaria mais fazer baldeação no centro. Linhas de ônibus bairro-centro poderiam coletar os passageiros nos bairros, acessar o anel viário central pelas vias coletoras bairro-centro 1 e circular o anel viário, fazendo paradas nas estações integradas antes de retornar para o bairro de origem. O acesso ao centro ficaria determinado por vias estruturais centrais de porte mais adequado e boa conectividade, permitindo o desembarque de passageiros nas duas extremidades da Rua Nereu Ramos, com distância de 650 metros entre as paradas de linhas circulares, evitando veículos ociosos e liberando o terreno em frente ao Terminal Urbano existente, utilizado como estacionamento. O privilégio do veículo particular – que acaba definindo a o uso do espaço no centro e limitando a apropriação pelo pedestre além de desqualificar a experiência de percursos a pé – precisa ser revisto. Nesse sentido, algumas restrições ao acesso e circulação do carro foram determinadas de forma a liberar a extensão da Rua Nereu Ramos. Estas restrições já são praticadas pela administração da cidade todos os anos no período do natal, mostrando que é possível um bom funcionamento do sistema viário sem a necessidade de transitar pelo eixo de interesse.
400 m
GRADAÇÃO VERTICALIZAÇÃO/DENSIDADE PARQUE LINEAR / CORREDOR VIERDE RIO CARAHÁ PERÍMETRO MALHA ORIGINAL CONSOLIDADA CONJUNTO URBANO/ARQUITETÔNICO
58
7// 2
COSTURAS URBANAS NA ÁREA CENTRAL de via, contando com poucos estabelecimentos com uso compatível, que não se exteriorizam para o espaço da rua.
PERÍMETRO MALHA ORIGINAL CONSOLIDADA PERÍMETRO DO RECORTE DE TRABALHO ESPAÇOS PÚBLICOS ELEMENTOS DE INTERESSE VAZIOS URBANOS PASSAGENS URBANAS GALERIAS EXISTENTES
OBJETIVO ESPECÍFICO 02
ESCALA RECORTE DE TRABALHO
VIAS DE INTERESSE 0
100
200 m
Esta etapa de intervenção se baseia no entendimento de que a percepção do espaço e sua visibilidade como um conjunto possibilitaria maior compreensão e consciência do lugar, estimulando o senso de pertencimento em relação a ele e, consequentemente, a apropriação, essencial para garantir a participação das pessoas na construção coletiva do espaço e da memória. Estimular o reconhecimento do lugar através do conhecimento do espaço. A proposta é conectar e integrar os pontos de interesse da área central – elementos que enriquecem o lugar, como as edificações de interesse histórico (inclui-se o conjunto patrimonial Art Déco), espaços públicos e equipamentos – de forma a indicar que pertencem a um conjunto espacial interessante e importante no centro, capaz de representar a cidade e contar sua narrativa. A intenção é mostrar, através do espaço urbano, que costura os lugares, a riqueza da área central. Algumas potencialidades percebidas no recorte de trabalho funcionam como elementos de costura para a intervenção. A Galeria Dr. Accacio – uma das edificações Art Déco de destaque do recorte – pode ser considerada um exemplo arquitetônico a ser seguido na área central: possibilitar novas formas de percurso urbano, enriquecendo a experiência de usufruto do centro da cidade e costurando a relação entre espaço público e privado, fechado e aberto, além de reduzir a extensão das quadras longas. Semelhantemente, a Galeria Augusta faz a conexão entre a Rua Hercílio Luz e a fachada do Cine Marrocos. Algumas passagens abertas existentes também oferecem a possibilidade de diferenciação dos percursos urbanos, mas têm seu espaço desqualificado e potencial subaproveitado. Da mesma forma, alguns vazios urbanos existentes na área central apresentam posição ideal na malha urbana indicando possibilidade de costura e alternativas interessantes para o pedestre. As possíveis perspectivas que favorecem a percepção da riqueza do lugar, além da legibilidade e orientação espacial, também foram consideradas dentro dessa lógica. A proximidade da área central com o Rio Carahá também é considerada uma potencialidade, que atualmente não é explorada, ignorando a presença deste elemento que caracteriza fortemente a paisagem do centro da cidade. Da mesma forma, a Via Gastronômica existente não estabelece relação forte com o entorno e falha em conformar um espaço característico deste tipo
Edificações abandonadas ou desocupadas percebidas na área central foram destacadas para receber novos usos com potencial de dinamização do centro da cidade, favorecendo a vitalidade urbana e a democratização do espaço, além de atender demandas existentes. Na tentativa de resgatar a percepção da Praça do Mercado enquanto espaço público, e ainda enquanto lugar de trocas sociais e caráter popular, o Mercado Velho, edificação adjacente, funcionaria como um restaurante popular. Atualmente a única cozinha comunitária da cidade fica localizada no Bairro Guarujá (próximo à BR 282) e apresenta alta demanda. A edificação do antigo Moinho Vacaria, hoje vazia e oferecida para aluguel, funcionaria como uma casa de ofícios aliada a uma escola de ensino técnico, inserindo este uso no centro da cidade e resgatando os saberes que representam parte do patrimônio imaterial da região (como o graxaim lageano, dança típica que está em processo de desparecimento da identidade cultural, a confecção do laço e o método construtivo da taipa-de-pedra, além da gastronomia local, como o entrevero de pinhão, paçoca de pinhão e a carne de charque). Seria interessante trazer estes usos para o centro da cidade no sentido de facilitar o acesso aos equipamentos populares. O Casarão Juca Antunes receberia, ao fim do restauro e revitalização, o arquivo público municipal da cidade, que hoje funciona no subsolo do Estádio Vidal Ramos Júnior. Ainda visando a democratização e dinamização do espaço do centro, as edificações em estilo Art Déco receberiam novos usos de caráter contemporâneo e cotidiano, com a intenção de reinserir este conjunto patrimonial nas dinâmicas urbanas atuais da cidade. A proposta considera o tratamento das edificações como um conjunto, prevendo incentivos para se torne interessante que usos compatíveis com a visão para o lugar se fixem nessas edificações. Destaca-se o Hostel ocupando um terreno atualmente usado como estacionamento, localizado no coração da área central. Esta proposta se contrapõe também ao alto custo praticado pelos locais de hospedagem tradicionais especializados no turismo regional, como os hotéis fazenda, que tendem a concentrar as atividades no meio rural e não estimular a descoberta do centro da cidade. Destaca-se ainda a definição de vazios urbanos e edificações abandonadas como terrenos para uso residencial como forma de fortalecer esta característica ainda presente no centro da cidade, garantindo espaço e habitação para os grupos populares em uma área bem servida de equipamentos públicos e de conteúdo cultural.
59
5// 7// 2
COSTURAS URBANAS NA ÁREA CENTRAL
OBJETIVO ANÁLISES ESPECÍFICO URBANAS 02
ESCALA RECORTE DE TRABALHO
PERÍMETRO DO RECORTE DE TRABALHO PERÍMETRO MALHA ORIGINAL CONSOLIDADA ELEMENTOS DE INTERESSE CONEXÃO 01 CONEXÃO 02 CONEXÃO 03 EIXO DA RUA DIREITA / ESPAÇOS PÚBLICOS ESTRUTURANTES ESCALA 1 : 5.000
60
7// 2
COSTURAS URBANAS NA ÁREA CENTRAL CONEXÃO 01 - NOVOS USOS E EQUIPAMENTOS
1 2
1
SUGESTÃO DE USO
EDIFICAÇÃO INDUSTRIAL DESOCUPADA MERCADO VELHO
PERMEABILIDADE DE FACHADA ELEMENTOS DE INTERESSE
EXTERIORIZAR ATIVIDADES
VAZIOS URBANOS PASSAGEM URBANA VISTA ESQUEMA VOLUMÉTRICO PRAÇA DO MERCADO
ARQUITETURA URBANA
ESCALA 1 : 2.500
ESPAÇO APROPRIÁVEL
2
OBJETIVO ESPECÍFICO 02
A OFICINA CASA DE OFÍCIOS E ESCOLA TÉCNICA
1
1
ESCALA RECORTE DE TRABALHO
2 2
RESTAURANTE POPULAR MERCADO VELHO
SEM ESCALA
61
5// 7// 2
COSTURAS URBANAS NA ÁREA CENTRAL
CONEXÃO 02 - TÉRREO PERMEÁVEL E MORADIA NO CENTRO SUGESTÃO DE USO
PERMEABILIDADE DE FACHADA EXTERIORIZAR ATIVIDADES
1 2
ARQUITETURA URBANA MERCADO PÚBLICO MUNICOPAL REVITALIZADO VOLUME ANEXO AO MERCADO PÚBLICO / SEGUNDO PROJETO
ESPAÇO APROPRIÁVEL
ELEMENTOS DE INTERESSE
2
VAZIOS URBANOS
MIOLO DE QUADRA
PASSAGEM URBANA VISTA ESQUEMA VOLUMÉTRICO
1
ESCALA 1 : 2.500
OBJETIVO ANÁLISES ESPECÍFICO URBANAS 02
USO MISTO: GALERIA COMERCIAL NO TÉRREO E APARTAMENTOS MÁXIMO 80m2 USO MISTO: GALERIA COMERCIAL NO TÉRREO E APARTAMENTOS MÁXIMO 80m2
ESCALA RECORTE DE TRABALHO
MERCADO PÚBLICO REVITALIZADO (Imagem do projeto vencedor do concurso).
VOLUME ANEXO AO MERCADO PÚBLICO (Imagem do projeto vencedor do concurso).
1
2
PÁTIO INTERNO DE USO PÚBLICO SEM ESC
1 2 ALA
62
SUGESTÃO DE USO
7// 2
COSTURAS URBANAS NA ÁREA CENTRAL
CONEXÃO 03 - VITALIDADE URBANA E O ART DÉCO VIVO
PERMEABILIDADE DE FACHADA
Um nova volumetria para o prédio da SEPLAN (Secretaria de Planejamento).
EXTERIORIZAR ATIVIDADES
ARQUITETURA URBANA
ESPAÇO APROPRIÁVEL
1
Repensando a via gastronômica: exteriorizar usos para configurar o caráter da via.
4
COLÉGIO ARISTILIANO RAMOS: importância da manutenção do equipamento público no coração da área central e do plano de fundo da praça.
3
10
5 7 SEM
11
OBJETIVO ESPECÍFICO 02
USO NOTURNO: vitalidade urbana no centro em todos os períodos.
HOSTEL: moradia provisória no centro, vitalidade urbana e alternativa ao turismo.
VIA GASTRONÔMICA
10 ESCALA RECORTE DE TRABALHO
11 8
4
5
LA
ESCA
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
CINE-TEATRO MARAJOARA EDIFICAÇÃO ART DÉCO COLÉGIO ESTADUAL ARISTILIANO RAMOS CAFÉ CRUZEIRO EDIFÍCIO DR. ACCACIO EDIFICAÇÃO ART DÉCO CAFÉ OURO CINE-TEATRO TAMOIO CINE MARROCOS GALERIA DR. ACCACIO EDIFICAÇÃO ART DÉCO DE DESTAQUE
ELEMENTOS DE INTERESSE VIAS DE INTERESSE
CALÇADÃO EXISTENTE
VAZIO URBANO
PRAÇA DO CALÇADÃO
7
EDIFICAÇÕES USO INSTITUCIONAL GALERIAS EXISTENTES
3
CONXÕES URBANAS VISTA ESQUEMA VOLUMÉTRICO
1
6
ESCALA 1 : 2.500
2 9
63
7// 2
COSTURAS URBANAS NA ÁREA CENTRAL
CONEXÃO 02 - TÉRREO PERMEÁVEL E MORADIA NO CENTRO A primeira costura urbana que se destaca foi pensada como um conjunto a partir da valorização de elementos de interesse existentes e de algumas características espaciais e de uso. A relação do espaço urbano com alguns dos ícones Art Déco da área central também pode ser fortalecida, resgatando ainda a memória de uso do espaço do centro como forma de lazer descompromissado. A proposta busca otimizar a conexão da Via Gastronômica existente ao apropriar-se das edificações de uso institucional para uma nova volumetria que compartilhe o espaço urbano e possibilite a conexão direta com o Eixo da Rua Direita e o Colégio Aristiliano Ramos - criando um espaço de estar na parte de trás do Colégio. A prática de footing das décadas de 1930 e 1940 é relembrada pelo caminho entre o Cine-Teatro Marajoara e o Cine-Teatro Tamoio, passando pelo interior da Praça do Calçadão – cuja conformação espacial se dá pelos antigos Café Ouro e Café Cruzeiro, Edifício Dr. Accacio e Colégio Aristiliano Ramos como pano de fundo – e se estendendo até o Cine Marrocos, cinema de rua ainda em funcionamento. As edificações de interesse deste itinerário precisam ser percebidas, conhecidas e reconhecidas como patrimônio material de valor para a cidade e sociedade, evidenciando a autoria arquitetônica como forma de elucidar a importância dos exemplares e questionar a vigente substituição por uma arquitetura despersonalizada que em nada contribui para o espaço urbano. O Cine-Teatro Marajoara e o Edifício Dr. Accacio são projetos de Ludovico Rau, enquanto o Cine Marrocos, da década de 1960, de Rubens Meister. O percurso evidenciado pela conexão 03 apresenta grande potencial de uso noturno, trazendo maior vitalidade urbana para área central neste período. Tendo em vista que o patrimônio material não se preserva sem uso, a proposta é incentivar que as edificações de interesse do conjunto Art Déco recebam usos contemporâneos e cotidianos, reinserindo as edificações na dinâmica urbana atual.
OBJETIVO ESPECÍFICO 02
A segunda costura urbana de destaque na escala do recorte se refere à Rua Nereu Ramos, chamada aqui de Eixo da Rua Direita, que faz a costura dos três espaços públicos estruturantes da área central, além do contato com o Rio Carahá. Propõe-se uma releitura deste espaço de forma a favorecer a caminhabilidade, entendendo o pedestre como chave para a transformação do lugar por ser através dele que se dá a possibilidade de percepção do espaço e tomada de consciência dos lugares de memória.
1 2 3 4 5 6 7 8 9
10 11 12 13 14
IGREJA CATEDRAL DIOCESANA DE LAGES PREFEITURA MUNICIPAL DE LAGES
CONJUNTO EDIFICAÇÕES ESTILO COLONIAL
ANTIGA CÚRIA DIOCESANA / ESCOLA MUNICIPAL DE ARTES COLÉGIO ESTADUAL ARISTILIANO RAMOS EDIFÍCIO DR. ACCACIO CAFÉ CRUZEIRO GALERIA DR. ACCACIO RESTAURANTE POPULAR MERCADO VELHO EDIFICAÇÃO ART DÉCO USO MISTO EDIFICAÇÃO TOMBADA USO MISTO CINE-TEATRO MARAJOARA
ELEMENTOS DE INTERESSE VAZIO URBANO CONXÕES URBANAS GALERIAS EXISTENTES ESCALA 1 : 2.500
ESCALA RECORTE DE TRABALHO
8 6
7
2 PRAÇA DA CATEDRAL
1
5
3 4 64
14
PRAÇA DO CALÇADÃO
9
10
13 PRAÇA DO MERCADO
12
11
7// 3
ENTENDENDO AS INTERFACES
PERMEABILIDADES E USOS DO TÉRREO
OBJETIVO ESPECÍFICO 03
ESCALA EIXO
RESIDENCIAL
INSTITUCIONAL
COMERCIAL
SERVIÇOS
MISTO
SEM OCUPAÇÃO
ESCALA 1 : 2500
65
7
O EIXO DA RUA DIREITA IMPLANTAÇÃO
CONEXÃO 03 / COSTURA URBANA E USOS CONTEMPORÂNEOS
6
10
8
4 5
2
4
2
3 1
A 1
3
CONEXÃO 03 / COSTURA VIA GASTRONÔMICA E COLÉGIO ARISTILIANO 66
O desenho do Eixo procura reafirmar a perspectiva da rua e estimular o senso de conectividade entre esta e as Praças que costura, explorando o espaço da rua pensando na caminhabilidade e oferecendo o espaço urbano para as atividades do entorno, exteriorizando usos com potencial para enriquecer a área central de forma a atender a demanda por ocupar a Rua. Com o espaço liberado devido às restrições ao acesso do carro propostas na estratégia de mobilidade, a rua pode ser pensada como uma via para o pedestre e o desenho procura, portanto, desconstruir a ideia de caixa da rua, otimizar a relação com os térreos e marcar pontos para receber atividades culturais, educacionais e artísticas. As áreas de estar tomam mais do espaço da rua e oferecem parada em locais onde se pode contemplar as fachadas das edificações de interesse. A proposta é diferenciar – através da estética do desenho, ambiências e usos – o Eixo das demais vias para resgatar sua importância cenográfica e mostrar sua importância espacial. Destaca-se o espaço da Rua em frente ao Cine-Teatro Marajoara como exemplo da função do desenho urbano nesta via. Com a intenção de reafirmar o lugar de memória pela percepção na escala do pedestre e atender à demanda de exteriorizar a atividade do teatro para a Rua, o desenho projeta os traços arquitetônicos mais marcantes da edificação, que conforma ora espaços de estar, ora o local do palco. Na época de sua construção, o Marajoara representava um novo ícone no cenário urbano da Rua, marcando a paisagem de forma a competir com a Igreja Catedral. Devido ao processo de verticalização do entorno, atualmente este destaque não se faz perceptível.
CONEXÃO 02 / MERCADO PÚBLICO MUNICIPAL E MORADIA NO CENTRO
0
A 9
CONEXÃO 01 / ACESSO CASA DE OFÍCIOS E ESCOLA TÉCNICA
15
30 m
USOS CONTEMPORÂNEOS / COTIDIANOS / DE CARÁTER POPULAR 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
CINE-TEATRO MARAJOARA COLÉGIO ESTADUAL ARISTILIANO RAMOS CAFÉ E LOTÉRICA CRUZEIRO GALERIA DR. ACCACIO / PASSAGEM URBANA EDIFÍCIO DR. ACCACIO / EDIFICAÇÃO DE USO MISTO CAFÉ OURO CINE-TEATRO TAMOIO HOSTEL / ALBERGUE RESTAURANTE POPULAR MERCADO VELHO CASARÃO JUCA ANTUNES / ARQUIVO MUNICIPAL
DEMAIS EDIFICAÇÕES ART DÉCO / USOS COTIDIANOS DEMAIS EDIFICAÇÕES DE INTERESSE HISTÓRICO INDICAÇÃO DAS PERSPECTIVAS APRESENTADAS 67
O EIXO DA RUA DIREITA CORTE AA
A topografia dinâmica da área central, considerada uma das potencialidades para as propostas, atua como animadora do espaço, papel evidente na percepção do Eixo.
68
0
20
40 m 69
2
1
INTERVENÇÕES COMPLEMENTIARES
SUGESTÕES PARA COMPLEMENTAR A VISÃO PARA O CENTRO DE LAGES Pensando em viabilizar e otimizar as intervenções, este trabalho aponta algumas intervenções complementares: Para possibilitar melhor compreensão do espaço, sugere-se a padronização da comunicação visual dos estabelecimentos do centro aliada à definição de uma paleta de cores que permita reconhecer as edificações de interesse histórico.
3
4
Pensando na vitalidade urbana gerada no período noturno pelos novos usos exteriorizados para o espaço urbano, sugere-se iluminação estratégica dos elementos arquitetônicos marcantes de cada edificação do conjunto patrimonial Art Déco. A proposta se baseia na ideia da mise-en-scène, apresentando o patrimônio histórico como espetáculo (Choay, 1992). Em oposição ao histórico de valorização de personalidades, muitas vezes representativas apenas dos grupos dominantes, sugere-se retomar os nomes originais das praças e das ruas, que contribuem mais para a orientação na área central e identificação com os lugares. Para agir no sentido de tornar mais viável para os proprietários a manutenção e restauro das edificações de interesse histórico, sugere-se o uso de instrumentos de gestão, como a transferência do direito de construir, que daria a possiblidade de vender o potencial construtivo para ser aplicado em outras áreas da cidade onde a verticalização seja permitida. Acredita-se que a própria transformação do espaço urbano teria potencial de mostrar que a política de desenvolvimento não é incompatível com a política de preservação, podendo muitas vezes tornarem-se aliadas dentro de uma lógica de desenvolvimento mais sustentável e que ainda contribuísse para singularizar a paisagem de Lages. Estimular usos que contribuam para a geração de vitalidade urbana no centro da cidade – como cafés, bares, restaurantes, usos cotidianos para as edificações Déco e usos culturais e educacionais – através de incentivos fiscais e legislação específica para a área central, contribuiria para concretizar esta visão de centro de cidade construída para Lages por meio deste trabalho de conclusão de curso. Iniciativas do poder público articulado com entidades organizadas da cidade e até mesmo o setor privado, seriam capazes de viabilizar a proposta do restaurante popular e da casa de ofícios, área de interesse da Fundação Cultural de Lages.
// REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
/ LITERATURA
//
ATAÍDE, Sebastião. O negro no planalto lageano. Lages: Prefeitura Municipal de Lages, 1988. CAMPOS FILHO, Candido Malta. Reinvente seu bairro: Caminhos para você participar do planejamento de sua cidade. São Paulo: Editora 34, 2003. 224 p. CASTELLS, Alicia Norma González de; NARDI, Letícia (Org.). Patrimônio cultural e cidade contemporânea. Florianópolis: Editora da Ufsc, 2012. (Urbanismo). CHAUI, Marilena. Capítulo 1: A cultura. In: CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000. Cap. 8. p. 366-378. Disponível em: <http://docente.ifrn.edu.br/edneysilva/convite-a-filosofia/at_download/file>. Acesso em: 13 set. 2016. CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. 3. ed. São Paulo: Estação Liberdade: Unesp, 2006, 1992. Tradução de Luciano Vieira Machado. COSTA, Licurgo Ramos da. Clube 14 de junho: oito décadas de uma vida gloriosa. Florianópolis: Udesc, 2002. 392 p.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GEHL, Jan. Cidades Para Pessoas. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2013. 262 p. Tradução Anita Di Marco. ISHIDA, Americo et al. Memórias, ausências e presenças do art déco em Lages. Florianópolis: Editora da Ufsc, 2013. 214 p.
PEIXER, Zilma Isabel. A cidade e seus tempos: O processo de constituição do espaço urbano em Lages. Lages: Uniplac, 2002. 296 p. PIMENTA, Margareth de Castro Afeche; FIGUEIREDO, Lauro César (Org.). Lugares:: patrimônio, memória e paisagens. Florianópolis: Editora da Ufsc, 2014. 337 p. SABOYA, Renato T. de. Condições para a Vitalidade Urbana: Características da relação edificação x espaço público. 2013. Disponível em: <http://urbanidades.arq.br/2013/03/condicoes-para-a-vitalidade-urbana-3-caracteristicas-da-relacao-ed>. Acesso em: 24 maio 2017. SABOYA, Renato T. de. Condições para a Vitalidade Urbana: Permeabilidade visual. 2013. Disponível em: <http://urbanidades.arq.br/2013/06/condicoes-para-a-vitalidade-urbana-4-permeabilidade-visual/>. Acesso em: 24 maio 2017. SABOYA, Renato T. de. Fatores morfológicos da vitalidade urbana: Densidade de usos e pessoas. 2016. Disponível em: <http://www.archdaily.com.br/br/798436/fatores-morfologicos-da-vitalidade-urbana-nil-parte-1-densidad>. Acesso em: 24 maio 2017. SANTOS, Fabiano Teixeira dos. A Casa do Planalto Catarinense: Arquitetura rural e urbana nos campos de Lages, séculos XVIII e XIX. Lages (sc): Super Nova, 2015. 220 p. / CONTEÚDO VIRTUAL BRASIL. IBGE. (Org.). Lages: Cidades. 2010. Disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/ v3/cidades/municipio/4209300>. Acesso em: 12 dez. 2016. BRASIL. Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Iphan (Org.). BENS TOMBADOS E PROCESSOS DE TOMBAMENTO EM ANDAMENTO. 2016. Disponível em: <http://portal.iphan.gov. br/uploads/ckfinder/arquivos/2016-11-25_Lista_Bens_Tombados.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2016.
CORDOVA, Tania. O NOVO COMPÕE COM O VELHO: O LUGAR DO GRUPO ESCOLAR NO CENÁRIO DO ENSINO PÚBLICO PRIMÁRIO NA CIDADE DE LAGES, NO ESTADO DE SANTA CATARINA (1904-1928). 2008. Disponível em: <http://www.ppge.ufpr.br/teses/M08_cordova.pdf>. Acesso em: 3 nov. 2016. FUNDAÇÃO CULTURAL DE LAGES (Lages). Prefeitura Municipal de Lages (Ed.). Patrimônio Cultural. Disponível em: <http://cultura.lages.sc.gov.br/home>. Acesso em: 25 ago. 2016.
FCC - Fundação Catarinense de Cultura
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
LAGES. Secretaria de Planejamento e Obras. Prefeitura Municipal de Lages. LEI COMPLEMENTAR Nº 306, De 21 de dezembro de 2007: PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL DE LAGES - PDDT-LAGES. 2007. Disponível em: <https://leismunicipais.com.br/a1/plano-diretor-lages-sc>. Acesso em: 18 set. 2016. SANTA CATARINA. Fundação Catarinense de Cultura. Fcc (Org.). Patrimônio Cultural do Estado de Santa Catarina: Lages. Disponível em: <http://www.fcc.sc.gov.br/patrimoniocultural/pagina/4365/lages>. Acesso em: 20 ago. 2016. / IMAGENS
Página Portal da Serra
VASCO, Julio (Comp.). Bela Lages por Julio Vasco. Disponível em: <https://www.facebook.com/belalages/?hc_ref=SEARCH>. Acesso em: 5 set. 2016.