Educação Física e Escola

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Universidade Aberta do Brasil Universidade Federal do Espírito Santo

Educação Física

Licenciatura


N

este texto abordamos a relação entre a Educação Física e a Escola tendo como chave de leitura, o discurso que essa disciplina vem construindo para justificar sua presença no currículo escolar. Entendemos essa discussão como de grande importância, uma vez que é fundamental para a prática pedagógica de todo professor, possuir clareza em relação à contribuição que os saberes sob sua responsabilidade têm para que a escola cumpra sua função social. Apresentamos o discurso legitimador da Educação Física a partir de três grandes eixos: a) Educação Física, trabalho e lazer; b) Educação Física, corpo e saúde e, c) Educação Física e esporte. Essas relações são discutidas numa perspectiva histórica, como também, problematizadas, culminando com a apresentação de uma alternativa para fazer frente aos desafios da sociedade contemporânea.


UNIVERSIDAD E F EDER AL D O ES P Í R ITO S A NTO Núcleo de E d uca ç ã o A b e r t a e a D ist ân ci a

Educação Física e Escola

Va l t e r B r a c ht COLABORADORES:

Cláudia Emília Aguiar Moraes, Felipe Quintão de Almeida e Ueberson Ribeiro Almeida

Vitória 2009


Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva

Pró-Reitor de Extensão Aparecido José Cirillo

Ministro da Educação Fernando Haddad

Diretora Administrativa do Ne@ad e Coordenadora UAB Maria José Campos Rodrigues

Universidade Aberta do Brasil Celso Costa Universidade Federal do Espírito Santo Reitor Rubens Sergio Rasseli

Diretor Pedagógico Valter Bracht

LDI - Laboratório de Design Instrucional Ne@ad Av.Fernando Ferrari, n.514 CEP 29075-910, Goiabeiras Vitória - ES (27) 4009 2208

Diretor do Centro de Educação Física e Desportos Valter Bracht

Vice-Reitor e Diretor Presidente do Ne@ad Reinaldo Centoducatte

Coordenação do Curso de Educação Física EAD/UFES Fernanda Simone Lopes de Paiva

Pró-Reitora de Graduação Isabel Cristina Novaes

Revisora de Conteúdo Silvana Venturim

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Francisco Guilherme Emmerich

Revisora de Linguagens Alina Bonella

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil) _____________________________________________________________ B796e

Bracht, Valter, 1957Educação física e escola / Valter Bracht. - Vitória, ES : Universidade Federal do Espírito Santo, Núcleo de Educação Aberta e à Distância, 2009. 70 p. : il. ISBN: 1. Educação física. 2. Currículos. I. Título. CDU: 796

LDI Coordenação Heliana Pacheco, Hugo Cristo e José Otavio Lobo Name Gerência Verônica Salvador Vieira Designer Instrucional Luis Emanuel Valadão Diagramação Bianca Trancoso

Ilustração Vitor Bergami Victor Composição da Capa Bianca Trancoso e Luis Emanuel Valadão Obra da Capa Bruegel, Pieter. Kinderspelen, 1560 Editora


APRES E NTA Ç Ã O

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1 INTRODUÇÃO

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2 A DISCIPLINARIZAÇÃO DOS SABERES E PRÁTICAS ESCOLARES

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3 A CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA COMO COMPONENTE CURRICULAR E SEU DISCURSO LEGITIMADOR

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3.1 AS RELAÇÕES ENTRE TRABALHO, LAZER, APTIDÃO FÍSICA E EDUCAÇÃO FÍSICA 3.1.1 A relação histórica entre a Educação Física e aptidão para o trabalho 3.1.2 O trabalho contemporâneo prescinde da aptidão física? 3.1.3 Trabalho, lazer e Educação Física 3.1.4 A constituição do lazer no mundo ocidental e suas repercussões no Brasil 3.1.5 O debate atual da relação lazer e trabalho 3.1.5.1 Ascensão e queda do trabalho como dever 3.1.5.2 Educação para o lazer: nova tarefa da escola e da Educação Física?

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3.2 AS RELAÇÕES ENTRE CORPO, SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA 3.2.1 O corpo-máquina 3.2.2 Exercício físico e saúde 3.2.3 A saúde da população como dever do Estado

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3.3 AS RELAÇÕES ENTRE ESPORTE E EDUCAÇÃO FÍSICA 3.3.1 Educação Física escolar: entre a ginástica e o esporte 3.3.2 A pseudovalorização da Educação Física: entre o sistema esportivo e a instituição escolar

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4 ALTERNATIVAS PARA A REVISÃO DO SENTIDO DA INSERÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO CURRÍCULO ESCOLAR

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4.1 A EDUCAÇÃO FÍSICA COMO MEDIADORA DA CULTURA CORPORAL DE MOVIMENTO

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5 REFERÊNCIAS

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APR ES E N TAÇÃO

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ostaríamos, antes de apresentar a disciplina de Educação Física e Escola e seus objetivos, dizer do sentimento de alegria por poder fazer contato

A elaboração do fascículo que orienta esta disciplina foi feita a oito mãos: Valter Bracht, Cláudia Moraes, Felipe Quintão de Almeida e Ueberson Ribeiro Almeida. Valter, dos três, é aquele que está há mais tempo

momento, buscam sua formação, como também o sentimento da grande responsabilidade que compartilhamos ao nos integrarmos a este trabalho e ao grupo de professores do curso. Muitos colegas que nos antemenção ao fato de que muitos de nós somos inexperientes na modalidade Educação a Distância (EAD). Não somos exceção! Isso, a nosso ver, só reforça a necessidade do estabelecimento de um ambiente (não virtual!) de cooperação e compromisso mútuo, para que o nosso (e o seu) trabalho tenha bons resultados.

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e concluiu seu Curso de Licenciatura em Educação Física na Universidade Federal do Paraná (na cidade de Curitiba), em 1979. Durante esse tempo, teve no SESC, mas também em escolas, academias que estavam começando a aparecer com mais intensidade, em clubes, etc. Mas, já durante o curso de graduação, havia decidido, estimulado pelo seu professor de atletismo, a seguir carreira acadêmica. Assim, já nos anos de 1980 e 1981, fez seu primeiro curso de pós-graduação: Especialização em Treinamento Desportivo. No mesmo ano de 1981, prestou concurso na Universidade Estadual de Maringá onde permaneceu como docente até 1993, ano em que fez concurso na Universidade Federal de Santa Maria (RS), de onde, então, em 1995, transferiu-se para a Universidade Federal do Espírito Santo. No tempo em que esteve atuando em Maringá, teve a oportunidade de realizar os cursos de mestrado (na UFSM) e de doutorado (em Oldenburg/Alemanha) e, entre os anos de 1991 e 1995, foi presidente do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE). Embora tenha escrito (“cometido” alguns livros) sobre temas muito diversos na área da Educação Física (Sociologia do Esporte e Epistemologia, por exemplo), seu foco central, a partir do curso de mestrado, sempre foi a Educação Física escolar. Daí


Cláudia, Felipe e Ueberson concluíram o curso de Educação Física na UFES. Como alunos desse curso, tiveram experiências de estudo e pesquisa com o professor Valter Bracht e, em tempos e caminhos diferentes, cursaram pós-graduação, tiveram experiências como professores de Educação Física escolar e como professores universitários.

Desejamos a todos nós um bom trabalho! Valter, Cláudia, Felipe e Ueberson

Nossa disciplina tem o título Educação Física e Escola e discute, portanto, as relações entre a instituição escolar e um componente curricular ou, em outros termos, discute a inserção da Educação Física no currículo escolar, o que vale dizer, na vida da escola. Os objetivos da disciplina são:

minaram com a presença da Educação Física nos currículos escolares; b) possibilitar a compreensão sença da Educação Física no currículo escolar, que vêm constituindo seu universo simbólico de legiti-

cação Física como componente curricular.

a di sciplinariza ção do s sa ber es e práti cas escolare s 5


O Q U E É IMP O RTA N T E S A BER AT É A Q UI  A d i sci p li nari z a ção d o s sab e re s e prát ic as e s c ola re s é u m a d as f o r m as p o s sív e i s, d e n t re o u t ra s , util iz a d a p a ra organ i zar o c ur rícu l o e s c ola r.  Um elemento importante para se considerar no deba te da legitimidade e especificidade da Educação Física, como componente curricular, é que a Educação Física não apresenta todos os aspectos que caracterizam a maioria das disciplinas escolares. Ao longo da sua his tória, ela trouxe uma compreensão de que se tratava de uma “atividade” que tinha como seu principal objetivo e referência o desenvolvimento da aptidão física.  A Educação Física, enquanto componente curricular, construiu seu universo simbólico de legitimação princi palmente a partir dos elementos: saúde, aptidão física, trabalho, lazer, corpo e esporte.


A construção da educação física como componente curricular e seu discurso legitimador

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o livro Educação Física e aprendizagem social, Bracht (1992) chamava a atenção para o fato de as bases de sustentação da Educação Física na escola estarem se tornando cada vez mais frágeis, a ponto de sua presença nos currículos escolares ser questionada. O autor entendia, à época, que o movimento renovador2 da Educação Física, no afã de criticar o papel que ela cumpria naquelas circunstâncias, acabou necessidade ou pertinência no âmbito escolar. O debate em torno da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), promulgada em

Em função de certa pressão (que não cabe analisar na LDBEN, como componente curricular. Ficaram consenso mínimo, um reconhecimento público de sua importância educacional ou, então, se ela, a Educação Física, efetivamente possui um lugar em um projeto de educação para o Brasil. O que mostraram os segmentos mais envolvidos com presença na escola. Como mostraram algumas pesquisas (CAPARROZ et al., 1999), os argumentos arrolados pelos professores de Educação Física normalmente são de caráter genérico, às vezes contraditórios e inconsistentes.

2 Ficou conhecido como Movimento Renovador da década de 80 do século XX, um conjunto de críticas e ações que questionavam o papel que a Educação Física vinha cumprindo no sistema educacional brasileiro até então. Alvo da crítica eram a visão mecânica e biológica de corpo e movimento e a restrição dos objetivos ao desenvolvimento da aptidão física. Para uma melhor visão desse movimento, remetemos aos estudos de Caparroz ( 2005).

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O professor D´Albuquerque concorda ao escrever que [...] o Brasil só será verdadeiramente forte quando dispuser de uma população forte. O robustecimento do nosso povo é o grande problema brasileiro. Crianças débeis, anêmicas não poderão estudar convenientemente. Homens raquíticos, fracos, não poderão contribuir com eficiência para o aproveitamento de nossa riqueza. Imprescindível é atrair brasileiros para as praças de esporte, fazer-lhes compreender a necessidade da cultura física (D´ALBURQUERQUE, 1939, p. 13, grifo nosso).

O QU E É I M P O RTA N T E S A B E R AT É A Q UI  A relação entre Educação Física e aptidão física para o mundo do trabalho esteve fortemente condicionada a um determinado tipo e papel do trabalho na nossa sociedade vinculada à visão de progresso.  Saúd e , m o ral e trab a lh o f o ra m a s p e c t o s i m p o r t a n tes d o d is cu rs o e d uc a cio na l b ras i l e iro e i nc o rp o ra d o s pel a Ed u ca ção Fís ica .

3.1.2 O trabalho contemporâneo prescinde da aptidão física? Se acompanharmos o desenvolvimento dos processos protambém permanências. Dizer que o “trabalho superado, pode estar certo, mas trabalhos/ empregos que exigem força física continuam a existir. O que interessa saber é como as mudanças no trabalho provocaram reordenacomo promotora de aptidão física. Vamos acompanhar o que dois autores da nossa área e estudiosos desse tema registram sobre isso: Gariglio (2001) e Nozaki (2005).

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S uge stão d e leitura GARIGLIO, J. A. Proposta de ensino de educação física para uma escola profissionalizante: uma experiência no CEFET-MG. In: Francis co Educardo Caparroz (Org.). Educação física escolar: política, investigação e intervenção. Vitória: PROTEORIA, 2001. v. 1, p. 39-66. NOZAKI, H. T. Mundo do trabalho, formação de professores e conselhos profissionais. In: FIGUEIREDO, Zenólia Christina Campos (Org.). Formação profissional em educação física e mundo do trabalho. Vitória: Gráfica da Faculdade Salesiana, 2005. p. 11-30.

Os textos tratam de temáticas semelhantes, mas os autores interpretam a relação da Educação Física escolar com a aptidão física para o trabalho de maneira bem diversa. Ambos compartilham um diagnóstico comum, ou seja, as transformações no mundo do trabalho têm implicações no papel que, em tese, deveria ser exercido pela Educação Física. No caso de Nozaki (2005), conforme a perspectiva teórica marxista que defende, as transformações no processo produtivo relativizaram a importância da Educação Física no projeto educacional hoje em voga em nossa sociedade. Ao lado da desvalorização da Educação Física escolar, ele destaca a proliferação de inúmeras modalidades ou práticas corporais fora do ambiente escolar e que, na leitura que realiza, seriam importantes na formação de mentalidades mais afeitas ao novo processo produtivo da sociedade capitalista. Tece alguns comentários sobre como o Conselho Federal da Educação Física tomaria parte neste processo de precarização da formação em Educação Física. Vale lembrar que Nozaki (2005) é um autor que em Educação Física trabalha com os pressupostos do marxismo. Como sabemos, para o marxismo, o trabalho é uma categoria antropológica central para a constituição do humano. Na medida em que ele se precariza, o que entra em crise é a própria qualidade da existência humana. No caso de Gariglio (2001), que é professor de Educação Física reconhecimento de que as transformações no mundo do trabalho afetam essa prática. No entanto, ao contrário de Hajime (2005), ele pensa que ainda assim a Educação Física poderia contribuir para a formação do novo trabalhador. No CEFET-MG, além de contribuir diretamente com o mundo do trabalho, a Educação Física também é importante em função de duas outras características: sua relação com o lazer e sua importância no desenvolvimento da saúde dos escolares.

a const ruç ã o d a educação fí sica co mo componente curri cular e seu di scurso l egitimador 27


Diante desse quadro, o que aconteceria com aquelas disciplinas do currículo que não preparam para o mundo do trabalho? Como vimos, Hajime (2005) e Gariglio (2001) fazem diagnósticos semelhantes sobre as transformações do mundo do trabalho, mas divergem em relação às implicações disso para a Educação Física. Para um, portanto, essas transformações fazem da permanência da Educação Física no interior da escola algo altamente questionável; para o outro, contudo, as transformações no mundo do trabalho não aprofundam a crise de legitimidade da Educação Física. Em função das novas características exigidas ao trabalhador por esse mundo do trabalho em constante mutação, o trabalho teria transitado do universo da ordem em direção ao reino do jogo. Portanto, em direção ao reino da imprevisibilidade. Isso quer dizer que, diante

Não pode mais oferecer o eixo seguro em torno do qual envolver e fixar autodefinições, identidades e projetos de vida. Nem pode ser concebido com facilidade como fundamento ético da sociedade, ou como eixo ético da vida individual (BAUMAN, 2001, p. 160). cado de trabalho, que, quando traduzida na experiência indivitima coisa que se aprende a associar ao trabalho que se realiza (BAUMAN, 2001, p.175). ‘O moral e a motivação dos trabalhadores diminuiu marcadamente depois de sucessivas rodadas de redução de tamanho. Os trabalhadores sobreviventes esperavam pelo novo golpe da foice em vez de exultar com a vitória competitiva sobre os demitidos’(SENNET, apud BAUMAN, 2001, p. 175).

Isso coloca a possibilidade de pensarmos a escola não apenas a partir do mundo do trabalho, mas, como quer Gariglio (2001), tendo o próprio lazer também como seu eixo norteador.

seguinte: se o trabalho perdeu a centralidade que se lhe atribuía nos valores dominantes da modernidade (tese que é muito polêmica!), ele adquiriu, ao invés disso, tisfatório por si mesmo e em si mesmo, e não mais medido pelos efeitos genuínos ou possíveis que traz aos nossos semelhantes na humanidade ou ao poder da nação e do país, e menos ainda à 28


Valter Bracht Nasceu em Toledo, Estado do Paraná, no ano de 1957. Obteve o título de Licenciado em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná em 1980 e, um ano depois, o título de Especialista em Treinamento Desportivo pela mesma universidade. Complementou sua formação acadêmica com o Mestrado em Educação Física (1982 – UFSM) e o Doutorado na Universidade de Oldenburg (Alemanha – 1990). Após experiências profissionais diversas em escolas, academias e no SESC, passou a atuar no ensino superior, tendo sido docente da Universidade Estadual de Maringá (PR), da Universidade Federal de Santa Maria (RS) e, desde 1995, da Universidade Federal do Espírito Santo. Seus campos de estudo são, principalmente, a Educação Física escolar e a Epistemologia da Educação Física. Foi presidente do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (1991-1995) e publicou vários artigos e livros, entre os quais: Educação Física e Aprendizagem Social (1992) e Educação Física & Ciência: cenas de um casamento (in)feliz (1999).


www.neaad.ufes.br (27) 4009 2208


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