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PARTE III – CONSIDERAÇÕES FINAIS
from Mírian Aparecida Rolim - BREVES INSTANTES: OS TAPETES PROCESSIONAIS E A IDENTIDADE MINEIRA NA...
by Biblio Belas
PARTE III – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante toda a história do Brasil, pode-se notar a presença da religiosidade, desde a 'Descoberta', quando aqui foi realizada a primeira missa com a presença dos índios até a atualidade nas festas religiosas espalhadas pelo território. O melhor exemplo é o Carnaval, a principal festa do país e que tem origem religiosa. As festas são as manifestações da religiosidade que hoje ainda atraem crentes e não crentes embora o motivo principal da fé se perca muitas vezes perante os apelos do mercado do turismo, do lazer e da mídia.
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Em Minas Gerais, no período do Ouro, o grande mecenato artístico foi promovido pelas Ordens Terceiras e irmandades leigas. A competição religiosa e estética entre as irmandades fez com que surgisse nas vilas construções magistrais. O Barroco em Minas se desenvolveu em todo seu esplendor. Aqui, porém, foram feitas algumas adaptações que originaram uma nova vertente deste estilo artístico, o Barroco Mineiro. Essas adaptações ocorreram principalmente com relação aos materiais como, por exemplo, a utilização da pedra sabão em lugar da madeira. O uso da serragem colorida é também uma adaptação perante a utilização de pétalas de flores da Infiorata.
Mesmo sendo o catolicismo a religião oficial, outras crenças estavam presentes no Brasil desde o século XVI. Nas celebrações religiosas do período barroco, já podia-se observar a presença de negros e índios acompanhando as procissões, tocando seus instrumentos e cantando, ou entoando suas orações, misturando-se com a música erudita (ÁVILA, 1967). Ainda hoje, erudito e popular convivem num mesmo espaço. O sincretismo também é presente em todos os campos, inclusive o cultural.
É recorrente a busca de inspiração na cultura popular enraizada em determinada região para o desenvolvimento de trabalhos de expressão artística. A busca de uma identidade e a emergência de um estilo de vida global gera uma contra corrente de reafirmação cultural. A identidade cultural sempre desperta o reconhecimento de pertencimento. Ariano Suassuna citou em que “entre nós [brasileiros], só a arte e a literatura populares – ou a arte e a literatura a elas ligadas – são verdadeiramente brasileiras pelo caráter, pelos temas e pela forma”
(PONTES, 2010). Várias ciências surgidas nas últimas décadas com o prefixo etno- em seu nome, são exemplos desta busca. Os Tapetes e toda a ação que envolve sua construção podem ser objeto de estudo da Etnocenologia1 .
Os Tapetes Processionais fazem parte do imaginário nacional. Minas, porém, se destaca por ser aqui sua origem e pela beleza visual dos desenhos aliada à arquitetura colonial preservada como é o caso de Ouro Preto, Mariana e Diamantina.
Não só o contexto histórico e cultural são importantes na construção de um filme de animação. O material animado também é um fator a ser considerado. No filme de animação, as escolhas estéticas são fundamentais, incluídas a opção do suporte e das substâncias empregadas que também participam da construção das significações. Os materiais despertam em nós emoções, seja por sua cor, forma ou função, seja por relações criadas em nossa memória ou pelo que representam dentro de nossa cultura.
Os Tapetes Processionais são construídos para uma breve existência. Sua constituição são partículas independentes e sobrepostas que podem ser espalhadas pela ação natural ou pela passagem da procissão. Os desenhos tão cuidadosa e demoradamente construídos podem ter a duração de apenas um curto espaço de tempo. Assim como o conjunto de partículas de madeira formam a massa de serragem, cada desenho pensado e desenvolvido e cada pessoa é uma parte do cenário do cortejo. O cinema também participa dessa lógica: cada imagem é um instante descontínuo que em sequência, cria o tempo, dita o ritmo, assume uma existência na composição do todo. Affonso Ávila ao analisar o documento do Triunfo Eucarístico afirma que o registro verbal apresentado à corte portuguesa “seria uma tentativa de fixação do 'espetáculo que passa'” (AVILA, 1967. p.: 90). Esta é também a intenção do curta Breves Instantes.
1 Armindo Bião é o principal responsável pela difusão da Etnocenologia no Brasil. Este conceito foi desenvolvido na França na década de 70 do século XX e destina-se ao estudo das manifestações espetaculares humanas em seu contexto sociocultural, elementar e cognitivo. Os Tapetes seriam portanto, objeto de estudo da Etnocenologia já que as festas são classificadas como ritos espetaculares nos quais os participantes e os espectadores participam ativamente da produção do evento. Seria este outro campo aberto para o estudo artístico das manifestações populares.
Breves Instantes partiu da idéia da animação dos Tapetes Processionais. Todo o contexto histórico e cultural veio agregado, já que se trata de um traço do patrimônio mineiro. O limite da expressão, estava também determinado pelos conceitos que o Tapete Processional traz: a religiosidade, as características barrocas de sua origem e que permanecem ainda preservadas, a relação entre o erudito e o popular, a presença da festa de cunho religioso que se soma a ações pagãs e, por fim (ou como principio) a mineiridade.
O Brasil é um país de grande extensão territorial, de população com influências e características diversas e de ricas e fartas manifestações populares. Existe um imenso repertório de possibilidades artísticas tanto para ser desenvolvido, quanto para ser preservado e uma inesgotável fonte de inspiração para a criação e apropriação em outras linguagens como o cinema, principalmente de animação. Breves Instantes é só um exemplo de apresentação do vasto repertório cultural mineiro.
Um lugar, um visual, um personagem, uma história, um material, um conceito. Tudo pode ser possível como inspiração ou como objeto para a criação no cinema de animação lugar onde até o impossível se manifesta. Vale observar o cotidiano, as coisas e as pessoas que nos rodeiam. Diante de inúmeras possibilidades a única certeza é que a melhor forma de expressão artística é a verdade. A verdade aqui referida é a sinceridade, é falar do que se conhece a fundo, do que está perto, ao alcance da mão. Não precisa que seja uma verdade universal, mas que seja a verdade de quem cria. O 'eu' e o 'mundo', a expressão e a identidade, sempre estarão presentes nas construções em poética., nem sempre de forma plena e consciente, mas de modo intenso.