8 minute read

NATUREZA COMO DESCRIÇÃO

Natureza como descricao Natureza como descricao Natureza como descricão

É difícil definir natureza por meio de um conceito, vemos como natureza algo que é externo a nós, como algo em que observamos e interagimos, somos espectadores e a natureza objeto, como algo além separado de nós, a natureza se torna objeto a nossos olhos. A própria palavra natureza nos aponta duas direções, a primeira como significação de algo natural, criado sem interferência humana, algo que acontece por si- mesma a segunda como natureza das coisas, sua matéria e essência criadora, uma que engloba as duas anteriores, natureza como extensão do mundo de sua diversidade, plantas, animais, minerais... talvez seja por este seu aspecto de pureza nata, que o ambiente natural é qualificado como obra divina, e sua representação ganha significação iconológica, em imagens produzidas até o início século XV Já ao final deste século e inicio do XVI, com crescente curiosidade e apresso dos estudos, o mundo deixa de ser explicado por mitos e crenças, a ciência prolifera, gera frutos. Mas há outra maneira de se pensar a natureza, nossa interação com ela, esta fi losofia da natureza é apresentada por Schelling, como algo mais grandioso, uma unifi cação da existência pela junção das partes, formando uma completude e multiplicidades que engloba não só a percepção humana, como nos apresenta Schopenhauer, na formação de um real, mas uma reflexão mais complexa da existência, em que a natureza é espirito, e como tal, sua presença de vida é sentida e reconhecida por nós, nos uni como uma só energia, como organismo, em que a vontade e ideia tomam forma na matéria, estudamos sua manifestação como fenômeno, movimento. Gostaria de refletir sobre estes aspectos abrangentes da filosofia de Schelling nas imagens de duas artistas e suas obras, como tal, não me restringirei as barreiras do

Advertisement

tempo, espaço ou estilo, nem mesmo técnicas artísticas, será uma busca mais ampla, visando aproximação temática em torno da imagem da natureza, escolhi não separá-las por uma temática mais especifica como, paisagem, natureza-morta, ou desenho científico, pois os trabalhos apresentados englobam estás separações, mas também são mais que um único gênero pictórico. Como uma imagem com forte evidência da descrição e cuidado exploratório científico, a primeira artista que gostaria de apresentar é Maria Sybila Merian, uma artista alemã, que viveu entre 1647-1717, viajou para Suriname, e Holanda, onde seus desenhos, pinturas, gravuras, ganhou renome entre botânicos e colecionadores. Suas obras compõem em uma única imagem, o ciclo de vida do animal e planta da qual se alimenta, em qual põe os ovos. Desenvolvia seus trabalhos com base na coleta e observação, mas acima de tudo o seu fascínio pela natureza é evidente pelo cuidado ao representar, embora apresente a composição voltada ao estudo científico, com fundo branco, foco em características físicas para identificação do animal, há uma preocupação com a beleza das imagem, mas não como algo superficial, mas uma essencialidade na centelha de vida e sua plena curiosidade diante destes seres, vejo uma busca fervorosa pelo conhecimento, tanto sua presença física, seu comportamento e ambiente. É uma imagem que questiona e busca compreender os mecanismos de vida, com a mesma atenção aos detalhes. A outra artista, Rachel Ruysch, de origem Holandesa, que viveu entre 1664-1750, apresenta uma natureza morta, mas que não poderia estar mais viva, em seus elaborados arranjos de fl ores, pequenos animais se escondem e se revelam, um vento que move as folhagens parece jamais cessar, apesar da beleza aparente, o olhar científico e curioso, expresso nos detalhes que compõem animais e plantas, ao ponto que a identificação de espécies, se torna possível.

Este requinte aos detalhes que vemos nos trabalhos destas duas artistas, apontam para o acesso ao conhecimento cientifico, que podemos afirmar que tiveram acesso, quando olhamos a configuração familiar e ao círculo social em que cresceram, a configuração familiar composta por artistas, médicos, botânicos, pessoas que possuíam conhecimento especifico proporcionando uma fundação para o crescimento delas como artistas. Rachel Ruysch e a Maria Sybila Merien, são dois destes presentes casos, em que o contexto familiar foi essencial para a formação artística delas. O pai de Rachel Ryusch, Frederik Ryusch era médico, botânico, e anatomista, fazia “Diorama” 6 em museus e se especializou na preparação e conservação de espécimes. Ela ajudava com a disposição de exemplares junto ao pai, exemplares de coleção, de esqueletos, animais e fl ores, que serviram de objetos de desenho para ela na infância, e sua irmã Anna Elizabeth, também artista. O pai, possuindo grande conhecimento de botânica e anatomia, parece ter passado para as fi lhas a atenção ao detalhe e paixão pela natureza, o que se vê expresso na obra. Apesar das dificuldades, sendo mulher casada, e com 10 fi lhos, alcançou fama e reconhecimento, tendo uma carreira de mais de 60 décadas. Maria Sibila Merian, tem história semelhante, vêm de uma família de artistas. Seu pai, o gravurista Matheus Merien, morreu quando ela tinta 3 anos, seu padrasto Jacob Marell, pintor de natureza morta a ensinou a pintar. Adorava jardins e coletava animais e plantas, desenhava sempre pela observação, pela atenção aos detalhes e pela fi delidade, apresentados nas cores e formas dos espécimes observados, seus trabalhos eram reconhecidos no meio científico, quando se casou com o pintor Johann Andreas Graff, e teve sua filha, Helena, que também pintava junto a mãe e a acompanhou em uma viagem ao Suriname onde realizou vários desenhos, fazendo um livro sobre os espécimes estudados. Estas são apenas duas artistas; que expressão uma visão cuidadosa e exploratória

6 Diorama - Nome dado ao cenário pintado e organizado em museus para exposição de animais, reproduzindo seu ambiente natural.

sobre a natureza, vejo em suas obras muito mais que beleza, em suas forma reais, temos a oportunidade de ver um pouca da realidade delas quanto, ser observador, questionador, elas colocam a sua própria visão, em busca de ir além do que é visto, penso que elas buscavam a coisa-em-si, a alma não vista, mas que estava lá diante delas, a pintura e o desenho, são a maneira para tentar alcançá-la. Elas veem a natureza, são vistas por ela e acabam por verem a si mesmas, na composição, na mistura das cores, na suavidade das pinceladas. O processo de ver e retratar e complexo. Pensando sobre esta relação do individuo, artista, com a obra, schelling aponta:...A imagem da natureza como um artista que produz sua própria obra, não a partir do nada , mas a partir de si mesmo, ou seja, a partir da matéria absoluta, que é a própria natureza, autoformando-se, portando, transformando-se nessa obra (de arte).Shelling, 2010.p.29. Este pensamento é unificador, pois o criador e a obra, não são mais coisas separadas, mas peças em um sistema maior, provenientes de uma fonte em comum a natureza.

Penso ser uma pena que ambas as artistas não tenham deixado autobiografia, (há relatos escritos por Maria Sybila Merien sobre suas observações, mas aos quais ainda não tive oportunidade de encontrar); adoraria saber sua corrente de pensamento ao realizarem tais obras, não posso deixar de pensar do ponto de vista criativo, no sentido de execução da imagem, o que estas imagens devem ter signifi cado para elas? Suas observações no dia a dia, o que as chamava atenção, as cores, as formas, o comportamento? Ou há algo além do que vemos, uma busca além do que é visto. Uma unidade, que se constitui, ao fazer, ao pintar, o olhar como uma atividade do espírito, conhecimento como atividade da razão, o fazer como constituição da existência matérica, o próprio processo artístico é uma passagem pelo ciclo de constituição de um organismo, se observamos as imagens apresentadas anteriormente, vemos esta concepção de mundo, de microcosmo, que se expande a um macrocosmo, quando o observador se inclui no ciclo de vida orgânica apresentado, o movimento que vemos por exemplo na imagem de Rachel Ruysck, em que as plantas e animais se movimentam diante de nossos olhos, esta centelha de vida expressa pelo movimento representado, só foi possível, pelo olhar da artista que ao observar o delegou a realidade, ao descrevê-lo ofereceu a possibilidade de reafirmar a existência de ambos, a consciência da existência de algo é um grau de liberdade do espírito, é formação de uma unificação entre nós e o que é observado, a linha que separa o sujeito do objeto desaparece, uma unificação se instaura. O que me lembra uma frase do filme “Vida e arte de Georgia O’Keffe” em que ao final, esta artista do modernismo, nos mostra um fragmento do pensamento que possuía ao criar, ou as razões pela qual fazia;

“A tanta coisa para fazer! Tanta coisa para pintar! Mas quando tenho ideia para um quadro, eu penso, que coisa mais comum; porque pintar uma montanha velha, um pedaço de osso, ou uma fl or, então saio para caminhar e encontro a resposta, para outras pessoas estas coisas podem não ser algo comum, então eu pinto, da melhor maneira que puder.”

O’keffe Georgia fi lme, vida e arte de Georgia O’keffe 7

Esta inclinação ou necessidade de ver, sentir, questionar o ambiente, a existência humana e das coisas, a busca pelo real, a coisa-em-si, está em cada pincelada, cada cor aplicada sobre a tela, este “Grau de realidade” da imagem, também é um grau de percepção do olhar, que ao olhar o mundo em busca de respostas, acaba por ver reflexões de si mesmo. “Logo, o que temos aqui é um completo e absoluto realismo, na medida em que a existência das coisas corresponde exatamente à sua representação em nós, visto que ambos são o mesmo.” 7 Este pensamento apresentado por Schopenhauer, demonstra a natureza mais profunda destas imagens, como afirmação de existência das coisas mediante a nossa consciência e conhecimento que adquirimos delas, Schelling vai mais longe e nos diz que “A liberdade da consciência humana, o último estágio do espírito, é também, a natureza tomando consciência de si mesma.” 8 A abrangência da vida é apresentada em várias áreas de conhecimento como filosofia, biologia, psicologia, artes e literatura. Estes conhecimentos são apontados nestes trabalhos artísticos, são expressos em uma metafisica de fenômenos, um agrupamento de realidade, conhecimento e imaginação.

7 Ibdem,Esboço de uma doutrina do ideal e do real p.5 8 Frase que engloba o pensamento de schelling de forma concisa.

This article is from: