publicação da Biblioteca Alphonsus de Guimaraens Ano 1, nº 3, junho de 2013
Acesso aberto Lançamentos de livros
Eventos e mais...
EDUFOP
ISSN 2317-756X
Uni/Versos
expediente
Universidade Federal de Ouro Preto UFOP
Reitor - Marcone Jamilson Freitas Souza Vice-Reitora - Célia Maria Fernandes Nunes
Uni/Versos Coordenação Geral Michelle Karina Assunção Costa Editores
Sistema de Bibliotecas e Informação SISBIN Coordenadoria Executiva - Celina Brasil Luiz Coordenadoria Técnica - Luciana Matias Felicio Soares Chefia do Núcleo Administrativo - Sione Galvão Rodrigues Instituto de Ciências Humanas e Sociais ICHS Diretor - William Augusto Menezes Vice-Diretora - Glícia Salviano Gripp Biblioteca Alphonsus de Guimaraens (Biblioteca do ICHS) Bibliotecária - Luciana de Oliveira (CRB/6-2630) Bibliotecária - Michelle Karina Assunção Costa (CRB/6-2164)
Uni/Versos de Biblioteca Alphonsus de Guimaraens / UFOP é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada. Permissões além do escopo dessa licença podem estar disponível em http://www.sisbin.ufop.br/bibichs/index.php/fale-conosco.
Marcos Eduardo de Sousa Michelle Karina Assunção Costa Editora Assistente Luciana de Oliveira Projeto gráfico e editoração eletrônica Marcos Eduardo de Sousa Colaboradores desse número (em ordem alfabética) Gracilene Mª de Carvalho Maurílio Assis Figueiredo Michelle Karina Assunção Costa Nárllen Dayane Advíncula-Miguel Nívea Carolina Guimarães Paulo Henrique Franco Cavalheiro Thalles Simplício de Faria Thiago Paschoal Perpétuo Virginia Buarque A publicação Uni/Versos recebe textos para publicação, os conteúdos, opiniões e ideias desses textos (devidademente assinados) não necessariamente refletem a opinião dos Editores da resvista, sendo responsabilidade de seus respectivos autores.
----------
Uni/Versos é uma publicação mensal da Biblioteca Alphonsus de Guimaraens. Contatos: Telefones: (31) 3557-9414 / (31) 3557-9415 Site: www.sisbin.ufop.br/bibichs/ Email: bibichs@sisbin.ufop.br universos.bibichs@gmail.com EDUFOP
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
ISSN 2317-756X
editorial É com grande satisfação que anunciamos a terceira edição da revista digital Uni/Versos. Com a missão de dar continuidade na disseminação da informação, conhecimento, cultura e entretenimento, apresentamos nesta edição diversos textos que abordam desde novidades no lançamento de livros, projetos e estudos da UFOP até contos, preâmbulos de livros entre outros.
Ainda nesta edição temos também o texto “À minha mãe, em mãos” que nos proporciona a oportunidade de ter acesso à intimidade dos pensamentos expressos em carta pessoal por um dos personagens da História da política do Brasil chamado Visconde de Ouro Preto. Desejamos a todos uma ótima leitura dos textos aqui escritos pelos nossos parceiros.
Ressaltamos que o interesse dos leitores na participação e construção desta publicação é muito bem vinda. A temática da disseminação da informação encontra lugar neste número no artigo intitulado “Movimento de Acesso Livre a Informação Cientifica: repositório Institucional UFOP” que discute o contexto do surgimento da criação do repositório institucional cuja iniciativa do SISBIN muito tem contribuído para o acesso livre a informação dentro da UFOP. No texto “Sangrias na Roma antiga” somos levados a um mergulho na história antiga para compreensão do desenvolvimento e do atual estágio dos tratamentos médicos da nossa sociedade mais especificamente sobre a Sangria.
Luciana de Oliveira Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
sum
6
“Movimento de Acesso Livre à Informação Cientifica Repositório Institucional UFOP Gracilene Mª de Carvalho Maurílio Assis Figueiredo
9
14
Sangrias na Roma antiga Thiago Paschoal Perpétuo
A “africanização” do estudo da escravidão brasileira: um panorama historiográfico Nívea Carolina Guimarães
20
A estereotipia punk nas mídias de informação
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
Paulo Henrique Franco Cavalheiro
mário Cobertura do III Seminário de Bibliotecas Setoriais da UFOP Michelle Karina Assunção Costa
42
a”
À minha mãe, em mãos! Nárllen Dayane Advíncula-Miguel
O sonho de Miguel Thalles Simplício de Faria
Lançamento de livro Virgínia Buarque
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
38
34
32
Destaque
“Movimento de Acesso Livre à Informação Cientifica” Repositório Institucional UFOP Inseridos no Movimento de Acesso Livre (Open Access) comunidades científicas e governos de várias partes do mundo discutem a questão do acesso livre à informação científica. De acordo com Perreira (2007, p.141) o movimento “busca fluxos de comunicação científicas mais eficientes, baratas e transparentes”. Um dos fatores que motivam o Movimento de Acesso Livre é a questão da tradicional publicação científica pelas editoras científicas comerciais e os altos custos com a assinatura de seus periódicos. Governos, Bibliotecas e pesquisadores começaram a encontrar dificuldades em manter as assinaturas de periódicos da área de seus interesses. Fato que contribuiu para que as comunidades científicas e governos repensassem a questão do acesso a informação científica. Kuramoto (2006, p. 92) ressalta que as “pesquisas científicas em sua maioria são financiadas com recursos públicos. Contudo, do ponto de vista ético, os resultados destas pesquisas deveriam ser de livre acesso”. O que leva ao seguinte questionamento. Por que o governo paga para ter acesso às pesquisas que ele mesmo financiou? O Movimento de Acesso Livre não declara guerra às editoras científicas comerciais, mas buscam maneiras de compar1 2
tilharem a informação cientifica. As novas tecnologias de comunicação e informação deram possibilidade para que o ideal do Movimento de Acesso Livre à informação científicas pudesse se desenvolver, possibilitando o surgimento do Movimento dos Arquivos Abertos em 1999. De acordo com Perreira (2007, 143) trata-se uma iniciativa para desenvolver e promover padrões e normas de interoperabilidade para facilitar a disseminação de conteúdo internet. Esta iniciativa proporcionou a criação de repositórios de acesso livre em todo mundo. No Brasil a construção de Repositórios de acesso livre já é realidade em muitas instituições de ensino e centros de pesquisa, de acordo com o site do IBICT1 são cerca de 66 repositórios. Estas Instituições tiveram a iniciativa de construir seus repositórios fundamentadas na importância do acesso livre à informação científica antes mesmo da obrigatoriedade que logo poderá se tornar realidade. Uma vez que o Projeto de Lei do Senado2, n° 387, de 2011 de autoria do Senador Rodrigo Rollemberg, está em trânsito no Senado. Projeto este que obriga as Instituições Públicas de Ensino e Centros de Pesquisas a construírem Repositórios Institucionais de acesso livre, assim como que seja de-
Repositórios brasileiros <http://dspace.ibict.br/index.php?option=com_content&task=view&id=28&Itemid=92>. PLS, n° 387, de 2011 <http://www.senado.gov.br/atividade/Materia/getPDF.asp?t=93151&tp=1>
6
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
“Movimento de Acesso Livre à Informação Cientifica” Repositório Institucional UFOP
positado, obrigatoriamente, a produção científica dos pesquisadores financiada com recursos públicos. De acordo o portal de notícias do Senado dia 28 de maio deste ano o projeto foi aprovado pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT), agora a PLS n° 387 que segue para a Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE). A Universidade Federal de Ouro Preto, por iniciativa do Sistema de Bibliotecas e Informação/SISBIN implantou seu Repositório Institucional que tem como propósito participar do movimento de acesso livre à informação científica reunindo, armazenando, divulgando e preservando a produção cientifica da Universidade em um único espaço virtual. O Repositório Institucional possibilita maior visibilidade das pesquisas, da instituição e do pesquisador. O Repositório Institucional está disponível através do site http://www.repositorio. ufop.br, onde documentos: teses, dissertações, artigos de periódicos, capítulos de livros e trabalhos apresentados em congressos, em texto completo podem ser acessados. O Repositório ainda está em construção, mesmo assim, através das estatísticas já é possível ver os vários acessos que ele já obteve no Brasil e em várias partes do mundo. Breve, será implementado o autoarquivamente dos documentos científicos, onde os próprios professores, pesquisadores,
alunos de pós-graduação, servidores da UFOP poderão armazenar cópias digitais de seus trabalhos científicos. Para isso, deverão se cadastrar no repositório e solicitar autorização ao grupo gestor para submeter o documento científico. A discussão a cerca do acesso livre a informação científica continua. A comunidade cientifica da UFOP e o Sistema de Biblioteca e Informação/SISBIN estão acompanhando o Movimento de Acesso Livre à informação científica no mundo, e principalmente a PLS, n° 387, de 2011 do Senador Rodrigo Rollemberg. Outro fator importante a discutir é como as agências de fomento e Instituições de Ensino irão lidar com a situação das publicações em acesso livre no que diz respeito à avaliação de desempenho científico do pesquisador. Considerando, que os autores ao publicarem seus trabalhos científicos em revistas de grande impacto gera-lhes notório reconhecimento por parte das agências de fomento na hora de conceder auxílios a pesquisa. Além disso, os processos seletivos para professores em instituições públicas e avaliações dos programas de pós-graduação possuem pontos baseados no número de publicações e no Qualis do periódico que a publicação foi realizada. Ao participar das discussões é importante levar em consideração que o acesso informação científica é primordial para o desenvolvimento cientifico e tecnológico
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
7
“Movimento de Acesso Livre à Informação Cientifica” Repositório Institucional UFOP
de um país.
Referências PERREIRA, Sueli Mara. Fontes de informação em tempos de acesso aberto.In. GIANNASI-KAIMEN, Maria Júlia; CARELI, Ana Esmeralda (orgs.). Recursos informacionais para compartilhamento da informação: redesenhando acesso, disponibilidade e uso. Rio de Janeiro: E-papers. 2007. KURAMOTO, Hélio. Informação científica: proposta de um novo modelo para o Brasil. CI. Inf. Brasília, v.35. n. 2 p. 91-102. maio/ ago. 2006. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/ci/v35n2/a10v35n2.pdf>. Acesso em: 23 mai. 2013. SENADO FEDERAL. Comissão aprova disseminação de produção científica e tecnológica pela internet. Portal de notícias do senado. Brasília. 2013. Disponível em < http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/05/28/comissao-aprova-disseminacao-de-producao-cientifica-e-tecnologicapela-internet>. Acesso em: 01 jun. 2013.
Gracilene Mª de Carvalho Graduada em Biblioteconomia pela UFMG Bibliotecária do Repositório Insitucional da UFOP Coloboração de Maurílio Assis Figueiredo
8
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
Questões referentes à saúde do corpo têm sua própria historicidade, como, por exemplo, os meios pelos quais os indivíduos de determinada sociedade encaram as doença e tentam tratá-las. O papel do historiador, seja nesta ou em qualquer temática de pesquisa, será sempre o de investigar com seriedade os vestígios, que nos chegam, não raro, em forma de migalhas dispersas. Utilizando-se das fontes escritas ou materiais, a narrativa histórica tenta trazer ao presente um passado que não existe mais. Ao invés de tomarmos o passado por si mesmo, talvez seja mais profícuo compará-lo às questões que nos incomodam no presente. Foram tais reflexões que nos levaram a estudar os processos de saúde e doença na Antiguidade. Será que um hábito contemporâneo tido como saudável também era assim considerado na Antiguidade ? Quais técnicas cirúrgicas eram utilizadas pelos médicos greco-romanos? Admitimos que seria necessário uma vasta pesquisa para responder tais questões e, eventualmente, nos depararíamos com a impossibilidade de obter resultados satisfatórios. Em vista disso, resolvemos tratar neste breve artigo acerca de uma terapêutica interessante e comum entre os médicos na Roma antiga: a sangria.
1 2
Artigo
Sangrias na Roma antiga Nosso estudo - desenvolvido na área de história antiga -, orientado pelo professor Dr. Fábio Duarte Joly, do LEIR-UFOP1, pretende investigar aspectos sociais e específicos da medicina dos romanos, especificamente à época do Imperador Tibério, que reinou de 14 ao 37 da era cristã. Nossa fonte principal é o autor Aulo Cornélio Celso, um erudito – se é que podemos chamá-lo assim – que escrevera sobre diversas esferas de interesse da elite letrada em seu tempo: agricultura, retórica, artes militares e medicina, sendo que, somente os livros desta última disciplina nos chegaram. Há uma dificuldade em definir Celso, mesmo porque não havia diferenciação dos ramos de estudo, tampouco definição clara do que significava ciência médica tal qual se firmou, posteriormente, com a chamada Revolução Científica. Com isso, nosso empenho tem sido o de encarar este autor como praticante de uma arte (ars, em latim) que objetivava devolver a saúde para as pessoas. Celso definia, na introdução (proemium) de seu trabalho, a medicina: “Assim como a agricultura promete alimento para os corpos dos indivíduos saudáveis, da mesma forma, a medicina promete saúde aos doentes” (Celsus, De Med., Proêmio, 1)2.
Pesquisa realizada com auxílio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). As traduções do De Medicina, grifos e contrações são de nossa responsabilidade.
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
9
Sangrias na Roma antiga
A tradição médica na Antiguidade foi profundamente influenciada pelo grego Hipócrates de Cós (460 – 370 a. C) – quem nunca ouviu falar do “juramento” de Hipócrates? – cujas obras versam sobre dietas; sinais e sintomas das doenças; cirurgias; lugares mais propícios a adquirir enfermidades, dentre outros. Embora a historiografia reconheça que muitos dos escritos deste corpus hipocrático sejam tardios, isto é, foram-lhe sendo atribuídos posteriormente, sua influência encontra eco nos escritos médicos até o início da Idade Moderna. Tornando-se a autoridade (auctoritās) do pensamento médico ocidental, encontramos muito da forma de analisar as doenças propostas por ele na obra de Celso. Por exemplo, um dos principais meios - embora não fosse o excepcional -, para se deduzir uma enfermidade era através da teoria dos humores. O corpo humano seria constituído por quatro humores básicos: o sangue; a linfa ou fleuma; a bile negra e a bile amarela. Assim, cada um deles, se estivessem em desarmonia, eram capazes de provocar variadas doenças e, consequentemente, familiarizar-se-iam diretamente com o clima da cidade, a forma do indivíduo se alimentar ou com os elementos básicos da natureza: terra, água, fogo ou ar. Em outras palavras, a disparidade ou excesso destes acarretaria o processo de doença. E se, porventura, ocorresse um inchaço ou mesmo uma hemorragia no indivíduo, um médico em Roma, na época de Celso, provavelmente encontraria a explicação apropriada e pos-
10
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
terior terapêutica com base na teoria humoral hipocrática; pois a saída mais usual nestes casos – encaradas como excesso de sangue circulante ou residual -, era a sangria (sanguinis detractio). Em sua obra, intitulada De Medicina, ou “Sobre a Medicina”, encontramos referências diretas sobre o uso deste procedimento. As sangrias eram úteis em diversos casos e, segundo Celso “não eram novidade” (Celsus, De Med., II,10,1). Sabemos que hoje em dia a sangria é utilizada em procedimentos médicos específicos, porém, com finalidade terapêutica diversa daquela de Celso “pois dores de cabeça, acompanhadas de perturbações visuais e vermelhidão dos olhos, seguida de coceira na fronte, podem ser aliviadas por uma hemorragia fortuita ou provocada” (Celsus, De Med., II, 2, 8. 14-18). Na tentativa de expulsar os excessos de sangue ou qualquer outro humor, cortar a pele para dar-lhes vazão parecia, aos olhos dos médicos hipocráticos, a saída mais lógica. Conquanto necessária, Celso assegura que deve ser levado em consideração o “vigor físico do paciente” (Celsus, De Med., II,10. 2-3), e não sua idade ou sexo. A descrição do procedimento é marcante: “A veia deve ser cortada pelo meio e, enquanto o sangue flui, convém observar sua coloração e suas características” (Celsus, De Med., II,10 16-17). Com isso, esperava-se que o sangue fluísse intermitentemente e limpasse o organismo dos excessos humorais, “quando o sangue estiver
Sangrias na Roma antiga
espesso e negro, está contaminado e, portanto, é vantajoso vazá-lo; se estiver vermelho e translúcido, está sadio e a sangria, longe de ser benéfica, se torna prejudicial” […] (Celsus, De Med., II,10 17-18). Após o corte, o médico deveria ocluir o corte com uma bandagem qualquer e uma esponja embebida em água, pois, segundo Celso, os procedimentos devem ser realizados em dois dias e “o sangue deve ser retirado […] somente dos braços, têmporas e próximo aos tornozelos” (Celsus, De Med., II,10 12-13). Uma das questões que se pode levantar é: Quais meios dispunham esses médicos para saber se a doença era proveniente de excessos ou deficiência de humores? Bem, por meio de nossa pesquisa, temos notado que havia – pelo menos no De Medicina -, um tipo de “anamnese” prévia, especulativa, no qual o doente era submetido. Igualmente com base nos tratados hipocráticos (Prognósticos), o praticante da arte médica relacionaria os sinais e sintomas específicos de cada enfermidade conhecida às possibilidades terapêuticas em voga, sejam elas com purgantes; exercícios físicos; vomitórios ou, como estamos tratando aqui, de sangrias.
dade se olharmos os costumes romanos mais de perto. Em outras palavras, há um diálogo constante entre as formas de tratamento e diagnósticos médicos com a sociedade na qual ela se insere, ainda que as bases de sustentação teóricas sejam gregas. Isto nos permite um exercício comparativo importante, pois, ao tomarmos conta da singularidade do pensamento médico na Antiguidade, neste caso, o de Celso, poderemos compreender melhor as doenças e os tratamentos, bem como a relação direta com a sociedade que a forjou, desmistificando, assim, opiniões generalizadas: um trabalho típico do historiador.
Estudar este tratado médico tem se mostrado, por outro lado, de grande importância no que se refere ao âmbito social. A terapêutica da sangria só ressalta um pequeno aspecto de toda uma tradição anterior que ganha especifici-
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
11
Sangrias na Roma antiga Sobre a bibliografia A obra de Aulo Cornélio Celso utilizada está disponível em sua versão bilíngue na biblioteca do ICHS e fazem parte da coleção Loeb, da Harvard University Press. Em nossa pesquisa, fazemos uso do De Medicina como fonte primária e as obras atribuídas a Hipócrates como suporte. Os textos hipocráticos também estão presentes em nossa biblioteca. Sobre a utilização da sangria pela medicina atual, há um artigo do professor Ivan L. Angulo disponível na base de dados da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto tratando do assunto de forma clara. Conferir em: http:// revista.fmrp.usp.br/1999/vol32n3/sangria_terapeutica.pdf Como suporte para tradução das frases em latim, utilizei o dicionário Latino-Português, de Francisco Torrinha e o Oxford Classical Dictionary, em especial o verbete “medicine”. As referências ao corpus hipocrático foram debatidas no livro Ancient Medicine, de Vivian Nutton (2004), especificamente no capítulo quatro, intitulado “Hippocrates, the Hippocratic corpus and the defining of medicine”.
Thiago Paschoal Perpétuo Graduando do 6º período de História na UFOP 12
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
Serviços
Sumário eletrônico de periódicos No intuito de disseminar ainda mais a informação presente na Biblioteca, como também aumentar a velocidade que esta informação chega aos seus usuários, foi criado o Sumário Eletrônico de Periódicos. Todo mês disponibilizamos no site http://goo.gl/knmdR os novos exemplares de periódicos recebidos pela biblioteca. Este serviço foi iniciado em janeiro de 2013, e com ele, a recuperação e o acesso à informação ficam mais ágeis, se ganha tempo na realização das pesquisas de artigos, onde através do acesso remoto permite ao usuário ter em mãos os dados exatos da revista que ele precisa e ir direto ao acervo de periódicos da biblioteca.
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
13
Artigo
A “africanização” do estudo da escravidão brasileira: um panorama historiográfico
Este artigo tem por objetivo fazer um breve panorama historiográfico sobre os estudos que tratam a herança cultural africana como elemento central de suas análises acerca da escravidão no Brasil. O título deste trabalho foi em parte extraído da obra de Stuart Schwartz, Escravos, roceiros e rebeldes, especificamente, do capítulo 1, “A historiografia recente da escravidão brasileira”. Este mesmo capítulo servirá de base para a primeira parte do balanço historiográfico, na qual alguns trabalhos das últimas décadas do século XX serão expostos. Já a segunda parte do panorama será dedicada aos trabalhos mais recentes e os debates que eles envolvem a respeito da temática em foco. O livro Escravos, Roceiros e Rebeldes (1992) engloba textos de Stuart Schwartz produzidos em momentos diferentes, em seu Prefácio o autor expõe que tais textos foram reformulados e ampliados à luz de temas que se tornaram importantes nos estudos sobre a escravidão, tais como trabalho e economia, resistência e família. Diante da renovação dos estudos sobre a escravidão, especialmente em relação ao foco dado à cultura africana, Schwartz defende que pensar tais aspectos e ignorar a dimensão do trabalho, induz a equívocos. Para entender a
14
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
escravidão é imprescindível estar atento ao status servil dos sujeitos escravizados. De acordo com o autor, os escravos não eram agentes independentes de seus senhores, mas os senhores, por vezes, se encontravam diante de situações limitadoras de suas ações e impostas pelos próprios escravos. O tema central de seu trabalho é a relação complexa entre senhores, escravos e outros grupos, na sociedade escravista, sendo esse o elemento unificador de seus textos. O capítulo que inicia o livro de Schwartz se detém em uma análise historiográfica que identifica os principais debates e tendências dos estudos sobre a escravidão. O autor elege o centenário da abolição da escravatura como eixo temporal do seu balanço historiográfico. O centenário gerou reações diferentes, especialmente no ambiente político e acadêmico e não somente no Brasil. Houve abrangente cobertura da imprensa e ao mesmo tempo em que ocorria uma mobilização pela consciência negra em torno das comemorações, alguns líderes não a apoiavam devido à situação de desvantagem do negro que ainda persiste no Brasil. No ambiente acadêmico, questões como o papel dos descendentes africanos na nação brasileira foram colocadas em discussão. Simpósios, congressos, núme-
A “africanização” do estudo da escravidão brasileira: um panorama historiográfico
ros especiais de periódicos e diversas publicações acadêmicas se dedicaram à questão da escravidão. Segundo Schwartz, houve um surto de publicações e durante pelo menos um ano o tema foi o grande foco de intelectuais brasileiros e também estrangeiros. A cultura africana e os estudos sobre a escravidão no Brasil: dos anos 1970 aos 1990 Schwartz apresenta algumas publicações das décadas anteriores ao centenário e escreve a respeito do crescimento das publicações sobre a resistência escrava, principalmente nos estudos locais, nesse sentido, cita os trabalhos de Waldemar de Almeida Barbosa sobre Minas: Negros e quilombos em Minas Gerais (1972) e o de Lana Lage Gama Lima: Rebeldia negra e abolicionismo (1980). Tais estudos contribuíram para aprofundar as informações sobre a resistência escrava. O trabalho de Gama Lima tem uma abordagem econômica e social mais ampla. Contudo, Schwartz aponta que, de forma geral, os estudos sobre a resistência escrava nesse período não mostram o escravo como um ser consciente das tendências sociais e políticas e capaz de utilizá-las a seu favor. Nesse sentido, uma observação importante do autor é que esses trabalhos não focam situações de longo prazo, específicas da população negra, como as etnias africanas. Já na década de oitenta do século XX o papel da cultura africana passa a ser um
elemento importante para a compreensão das rebeliões de escravos. Dentre as obras que caminham nesse sentido, destaca-se a de João José Reis sobre a rebelião Malê de 1835: Rebelião escrava no Brasil. A história do levante dos Malês (1986). Ao utilizar fontes policiais e forenses contribui no sentido de demonstrar a existência de uma comunidade e cultura africana e sua influência na resistência. Reis destacou a forte presença africana a influenciar o movimento e não trouxe tal dado como uma característica “exótica”, mas como elemento integrante do processo histórico. Apesar dos avanços nas análises sobre a resistência escrava, o papel da cultura africana como campo de estudo privilegiado não alcançou o mesmo patamar, segundo Schwartz. O tema da cultura africana nas décadas precedentes à comemoração do centenário da Abolição, em geral não estava inserido nas análises sobre a escravidão no Brasil e era colocado à margem do contexto histórico, principalmente, entre aqueles dedicados a abordagens econômicas. Nesse sentido, tratava-se tal tema como sendo de natureza folclórica. Muitos dos trabalhos que se dedicaram à cultura africana não tiveram grande repercussão na pesquisa histórica, mas se constituíram clássicos dentro de um ambiente, àquela altura, ainda pouco aberto ao tema, dentre eles o autor ressalta a obra de Raymundo Nina Rodrigues: Os africanos no Brasil (1974) e de Artur Ramos: As culturas negras no Novo Mundo (1979).
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
15
A “africanização” do estudo da escravidão brasileira: um panorama historiográfico
Na década de oitenta verifica-se uma mudança na forma como a cultura africana passa a ser inserida nos debates sobre a escravidão, tendência que posteriormente será acentuada. Trata-se de trabalhar tal tema dentro do contexto histórico, como elemento constituinte da abordagem. Nesse viés escreveu Luiz Mott em 1986, “Acontundá: raízes setecentistas do sincretismo religioso afro-brasileiro”, ao evidenciar formas religiosas sincréticas entre os escravos de Minas Gerais no século XVIII, através de registros da Inquisição em Portugal. Também desse período é o trabalho de Laura de Mello e Souza, O diabo e a terra de Santa Cruz – Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial (1986). Dentro de seu vasto e cuidadoso trabalho, ressalta-se aqui o tópico a respeito dos Calundus, em que a autora expõe algumas de suas colocações sobre os cultos africanos e o sincretismo religioso. Os avanços na década de oitenta dos trabalhos sobre a cultura africana na escravidão se intensificaram nas décadas seguintes. Mesmo com um declínio no número das publicações nos anos imediatamente após 1988, o tema da escravidão se tornou fortemente presente na historiografia brasileira. Desse modo, a perspectiva a prevalecer nos estudos sobre a escravidão é a do escravo como agente. O trabalho com as fontes é outro aspecto a ser destacado nessa linha de pesquisa. Os registros judiciais foram utilizados por Sidney Chaloub na obra, Visões da Liberdade. Uma história das
16
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
últimas décadas da escravidão na corte (1990), a fim de demonstrar que os escravos também podiam levantar processos judiciais contra os abusos de seus senhores. Outros autores passam a adotar novas perspectivas de análise na tentativa de compreender algumas das instituições formadas por escravos. Robert W. Slenes no trabalho, Na senzala, uma flor. Esperanças e recordações na formação da família escrava (1999), analisa a relação dos escravos com a família também através de suas ligações com a cultura centro-africana. Stuart Schwartz, portanto, observa nos estudos pós 1988 o que ele denominou de uma “africanização” da escravidão brasileira, segundo Schwartz, tais trabalhos: “tratam de maneira mais pormenorizada do tráfico de escravos e fazem da compreensão do relacionamento entre Brasil e África característica principal da análise histórica.” (SCHWARTZ, p.54, 2001). A cultura africana nos estudos sobre a escravidão no Brasil Em seu balanço historiográfico Schwartz aponta algumas questões e debates, como o significado do termo nação e se a denominações colocadas nos registros se referem mesmo aos locais de origem dos escravos africanos ou se a referência à nação pertence ao regime escravista. Essas questões foram ampliadas e propiciaram novos estudos sobre a identidade africana e suas reelaborações.
A “africanização” do estudo da escravidão brasileira: um panorama historiográfico
Na apresentação do livro Reis Negros no Brasil Escravista. História da Festa de Coroação de Rei Congo (2001), Ronaldo Vainfas menciona o caráter renovador da obra de Marina de Mello e Souza. Para ele, tratar da diáspora africana e das africanidades no contexto da escravidão é algo novo entre os historiadores brasileiros. A autora estuda a festa de coroação de reis negros no Brasil dos séculos XVI ao XIX. Entretanto, de acordo com Vainfas, o trabalho de Marina de Mello e Souza se insere em uma discussão ainda mais ampla e que se refere à reelaboração de identidades no Brasil e das discussões a respeito das fontes que indicam a nação do escravo. Para abordar a respeito do conceito de etnia e da construção de uma identidade construída pelos escravos africanos, Mello e Souza coloca em evidência as contribuições de Mariza de Carvalho Soares, com destaque para o trabalho Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII (2000). Segundo Soares, o termo nação poderia não corresponder a um mesmo grupo étnico. Pessoas de etnias diferentes poderiam ser embarcadas no mesmo porto sem levar em conta a sua etnia de origem. Para Soares, mesmo sendo uma identificação atribuída pelo colonizador, os membros do grupo a internalizava e que dessa forma servia como ponto de referência “tanto para o reforço de antigas fronteiras étnicas e territoriais, como para
o estabelecimento de novas configurações identitárias, sejam elas étnicas, ou não.” (SOARES, p. 308, 2004). Trata-se, portanto, de um processo de reorganização cultural e social do africano dentro da sociedade escravista. Nesse sentido, Soares propõe a utilização de “grupo de procedência”, mais condizente com as novas condições sociais e culturais dos escravos africanos. Destaca-se no interior das discussões a respeito das relações entre os grupos étnicos e das heranças culturais africanas, o trabalho de Sheila de Castro Faria, “Identidade e comunidade escrava: um ensaio (2006). Neste trabalho, a autora apresenta e analisa o debate em torno da formação ou não de laços de solidariedade entre os diferentes grupos africanos e entre esses e os crioulos, na colônia portuguesa da América. Stuart Schwartz apontou uma “africanização” dos estudos da escravidão no Brasil ao demarcar os avanços nos trabalhos que se dedicavam a compreender a relação entre a África e Brasil e não mais a tratar elementos culturais do escravo africano à margem do estudo, mas sim como parte estruturante da análise histórica. É possível observar a confirmação da constatação de Schwartz através de trabalhos publicados posteriormente a sua análise da historiografia da escravidão. Novas questões foram colocadas em pauta e os debates se aprofundaram. Esse sucinto panorama historiográfico engloba uma pequena parte das discussões. Os autores aqui destacados demonstram
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
17
A “africanização” do estudo da escravidão brasileira: um panorama historiográfico
a importância e como é imprescindível pensar a cultura africana para a ampla compreensão da história da escravidão no Brasil.
Referências FARIA, Sheila de Castro. Identidade e comunidade escrava: um ensaio. Tempo, UFF, vol. 11, pp.122-148, núm 22, 2006. SOARES, Mariza de Carvalho. A “nação” que se tem e a “terra” de onde se vem: categorias de inserção social de africanos no Império português, século XVIII. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, v. 2, p. 303330, 2004. SCHWARTZ, Stuart. Escravos, roceiros e rebeldes. São Paulo: EDUSC, 2001. SOUZA, Laura de Mello e Souza. O diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. SOUZA, Marina de Mello e Souza. Reis negros no Brasil escravista. História da festa de coroação de Rei Congo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
18
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
Nívea Carolina Guimarães é natural de Ouro Preto e estudante do 8º período do curso de História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais – UFOP
Memórias
José Saramago (1922-2010)
No dia 16 de novembro de 1922 nascia José Saramago, na aldeia de Azinhaga, província do Ribatejo (Portugal), mas consta-se que no registro oficial mencione como data de nascimento o dia 18. O seu primeiro emprego foi como serralheiro mecânico, mas exerceu as profissões de desenhador, funcionário da saúde e da previdência social, tradutor, editor, jornalista. Seu primeiro livro publicado foi um romance, chamado Terra do Pecado, em 1947. Trabalhou durante doze anos em uma editora, onde exerceu funções de direção literária e de produção. Colaborou como crítico literário na revista Seara Nova, em 1972 e 1973 fez parte da redação do jornal Diário de Lisboa, onde foi comentador político, tendo também coordenado o suplemento cultural daquele vespertino. José Saramago faleceu em 18 de junho de 2010. Mais informações sobre a vida e a obra de Saramago no site da Fundação José Saramago http://www.josesaramago.org
O sistema de bibliotecas da UFOP possui várias obras desse autor, como: A jangada de pedra: romance. 1991/1999/2005 Ensaio sobre a cegueira: romance. 1995/1999 Ensaio sobre a lucidez. 2004 História do cerco de Lisboa. 1989. Memorial do convento: romance. 1992/1999 O ano de morte de Ricardo Reis. 1989 O conto da ilha desconhecida. 2004 O evangelho segundo Jesus Cristo: romance. c1991/1992/2008
Fonte: imagem retirada do site http://luzesdacidade.blogspot.com.br
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
19
Artigo
A estereotipia punk nas 1 mídias de informação A sociedade é composta por comunidades discursivas as quais, segundo Maingueneau (1993, p. 56), podem ser associadas a grupos de indivíduos que, reunidos em torno de pontos de vista similares e de um modus vivendi, marcado por regularidades comportamentais (indumentária, gosto musical, corte de cabelo etc.), assumem espaços de fala, no intuito de influenciar indivíduos pertencentes a outras comunidades discursivas. A associação desses indivíduos no interior dos grupos parece contribuir para a estabilização de alguns traços identitários desses indivíduos, pelo menos no que se refere ao modo como eles constroem sua autoimagem e a propagam. Segundo Florêncio (2011, p. 36), “quando um indivíduo se define como integrante de um grupo específico, os estereótipos desse grupo tornam-se ‘padrão’ para o seu pensamento, os seus sentimentos e as suas ações”. No entanto, a imagem que esses sujeitos possuem de si mesmos e do movimento ao qual pertencem nem sempre coincide com a imagem construída por membros ligados a outros grupos sociais. Isso acontece porque “o estereótipo não é algo que exista de modo pré-fixado e, por isso, necessita ser resgatado. Estereótipos são construídos nas interações sociais sendo passíveis de constantes reconstruções e construções
a cada nova interação” (op. cit, p. 38). Alguns desses grupos nascem por entrarem em desacordo com os paradigmas sociais predominantes em uma época, seja por considerá-los paradoxais, exagerados ou alienantes. Entre tais indivíduos, unidos em função de pontos de vista semelhantes, organizam-se “tribos urbanas”, sendo que algumas delas são identificadas por assumirem uma postura “contracultural”. Segundo Pereira (1983, p. 9), a contracultura “É um termo adequado porque uma das características básicas do fenômeno é o fato de se opor, de diferentes maneiras, à cultura vigente e oficializada pelas principais instituições das sociedades do Ocidente”. Os primeiros indícios de movimentos contraculturais organizados, conhecidos também como undergrounds, ocorreram com o movimento Beatnik e tem seu momento áureo com o movimento hippie, possuindo ideais libertários e de protesto, divulgados por meio de mídias não oficiais (zines, panfletos, manifestos etc), que divergiam da visão conservadora tradicional e se opunham radicalmente aos valores sociais da época, como consumismo, otimismo, trabalho, patriotismo e xenofobia. O punk, como movimento social, surgiu
Este trabalho é fruto do projeto de iniciação científica “O punk encrenqueiro: uma análise discursiva sobre a estereotipia punk nas mídias de informação“, sob a orientação dos Profs. Drs. Paulo Henrique Aguiar Mendes (Letras UFOP) e Simone de Paula dos Santos Mendes (Letras - UFOP). 1
20
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
A estereotipia punk nas mídias de informação
no fim dos anos 70, como uma contracultura da qual se originou outros “subgêneros”, tais como, os anarcopunks, adeptos da visão anarquista, e os peacepunks, adeptos do protesto social pacífico. O movimento punk é considerado como marco do fim do movimento hippie, diferenciando-se deste último por seu caráter mais “agressivo”, buscando impacto social de maneira mais ostensiva. A negação da não violência gandhiana e a morte de John Lennon foram símbolos da decadência do “sonho hippie”, segundo o movimento punk, o qual objetivou outros paradigmas de comportamento social. A necessidade de discutir a situação atual da sociedade, na qual o indivíduo punk se insere, por meio de manifestações conflitantes, é considerada ponto comum entre os adeptos, pois acreditam que, somente por meio de uma “ação de choque” (não necessariamente violenta), se gera uma conscientização da sociedade, assim os punks poderiam divulgar melhor suas ideias de que é necessária uma mobilização política e social. Essa “ação de choque” busca apenas mostrar o seu caráter simbólico e conotativo, que ganha força por meio das mídias alternativas mais específicas do movimento, como zines, panfletos, gigs (shows) e encontros, além de sites de internet. Se, por um lado, a mídia alternativa divulga as ideias do movimento punk, a mídia de referência, por outro lado, parece não ser muito conivente com o pen-
samento e as ações do movimento, uma vez que parece publicar, de forma regular, uma imagem depreciativa do individuo pertencente a esse grupo. Não nos cabe aqui defender o indivíduo punk, mesmo porque o comportamento de alguns indivíduos acaba dando às mídias de referência motivos para que elas veiculem uma imagem negativa do punk. Além disso, queremos compreender não só quais os estereótipos do punk são veiculados pelas mídias de informação, mas também como a descrição e a análise da situação de comunicação midiática podem nos dar elementos para compreender o funcionamento do mecanismo de geração desses estereótipos. O discurso midiático, por assumir um papel importante na formação da opinião pública, uma vez que se coloca como responsável por dar visibilidade ao que está oculto na sociedade, defendendo, pelo menos em tese, os interesses dos cidadãos, informando-os dos principais acontecimentos, deve ser constantemente objeto de estudo dos analistas do discurso. Interessado em entender o funcionamento discursivo das práticas sociais de linguagem, o analista encontra no discurso midiático um terreno fértil para o mapeamento da circulação de estereótipos, associados a posicionamentos argumentativos. Dessa forma, podemos analisar a imprensa não somente pelo seu aspecto informativo, mas também como agente,
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
21
A estereotipia punk nas mídias de informação
cujas práticas de linguagem modificam em parte a sociedade. Segundo Zaslavsky (2005), a mídia de informação não só intermedia os discursos que veicula, como também os media, interferindo, em maior ou menos grau, no produto final publicado. Se observarmos, historicamente, essa mesma imprensa sempre participa ativamente da sociedade com o intuito de “eliminar” ou “abafar” as ações e os discursos de alguns desses grupos contraculturais, que punham em risco os preceitos regentes “padronizados”, sobretudo, pelos jornais nacionalistas na época da Ditadura Militar no Brasil. As ações e os discursos “ameaçadores” da contracultura punk parecem ser propícios à proliferação de traços estereotipados, amplamente utilizados pelas mídias de informação. Nosso interesse recai exatamente no enquadramento dado pelo discurso midiático de referência à identidade dos indivíduos punks, por meio de elementos linguísticos que nos ajudam a resgatar um julgamento de valor subjacente, já que, como afirma Amossy (1991, p. 21), “o estereótipo emerge na ação do sujeito de selecionar os atributos característicos de um grupo ou de uma situação e reconstituir um esquema familiar”, a fim de, acrescentaríamos nós, captar o leitor, via identificação com esse esquema, levando-o para o interior de um dado jul2
gamento de valor (ponto de vista) sobre o referente do estereótipo. O Mecanismo Midiático de Representação Cidadã e a Criação do Estereótipo Punk Uma das funções primárias das instâncias midiáticas é a articulação do discurso informativo, buscando aproximar, seja por efeitos de atualidade ou de imparcialidade, o evento (acontecimento empírico) da informação (a representação do evento). Sua função é gerar um discurso, cuja visada predominante, com relação ao leitor, é a de “fazer saber”, “criando o mundo” pelo discurso, por meio de uma atividade linguística que descreve os acontecimentos, ao mesmo tempo em que os explica, seguindo princípios de visibilidade (facilitar o acesso), legibilidade (ser plausível) e inteligibilidade (se fazer entender) (CHARAUDEAU, 2006). A utilização de um discurso de informação pelas mídias assume, assim, como nos discursos em geral, um vínculo de representação de determinado grupo ou classe social, por meio da criação de uma identidade (implícita, que se constrói em suas notícias) compatível com seus valores vigentes. Em uma parcela dessas instâncias, há aquelas que se julgam representantes2 a ética cidadã, as chamadas mídias de re-
Tal posição social deriva da conceituação de um indivíduo ideal, portador das representações sociais de determinado grupo social, que, segundo Jodelet (2001), é uma interface estruturante, que permite representar o objeto pela maneira como o sujeito o percebe, e, assim, criar uma visão do grupo acerca desse objeto. Tais conceitos de representação são configurados por uma cadeia de valores e conhecimentos, dos quais o indivíduo ou grupo social se apropria, de acordo com sua posição social, política, econômica e histórica, construindo uma imagem do objeto empírico representado, criando conceitos e teorias sobre o mesmo. Ou seja, a representação oriunda de um grupo
22
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
A estereotipia punk nas mídias de informação
ferência, que constroem seu discurso de informação por meio de moldes de uma representação discursiva cidadã, e dos imaginários sociodiscursivos instaurados na sociedade. As representações discursivas são consideradas locais comuns, normas de estabilização e de regulação de trocas sociais, partilhados entre os membros de um grupo social específico, que operam dentro do discurso, em situações de comunicação específicas, instituindo lugares sociais de produção e de interpretação, tais como a instituição de posições de leitura e reações afetivas, ligadas ao polo de recepção textual frente a determinados discursos (EMEDIATO, 2009). Tais representações também possuem uma força coesiva e coercitiva dentro do grupo social que as compartilha, instaurando, no discurso, os limites entre o aceitável e o inaceitável, formas de julgamento pré-determinadas, e as maneiras como o outro será construído pela interpretação de um grupo social, baseado em seus critérios de julgamento. Assim, para que o discurso informativo atinja determinado público alvo, as mídias se utilizam, implicitamente, por meio de um quadro de questionamento subjacente às notícias, das representações discursivas como elementos de pré-validação da instância de produção.
Nesse sentido, as mídias de grande circulação utilizam-se de representações discursivas de cidadania, para caracterizar sua identidade social e, assim, engendrar atitudes, julgamentos e posicionamentos específicos do universo de práticas cidadãs, cujos valores podem ser associados à justiça, igualdade de direitos, democracia, solidariedade e humanitarismo, instaurando, por sua vez, uma exigência com relação à posição específica de leitura a ser adotada pelo leitor, com a finalidade de que as intenções e efeitos patêmicos visados tornem-se efetivos. Se tal posição de leitura não for adotada, tais sentidos e efeitos visados ficam ameaçados. Assim como em qualquer representação, sua lógica discursiva institui efeitos patêmicos a serem processados pelo leitor, ou seja, são consequências afetivas dos julgamentos, propiciados pela representação social de cidadania, que se manifestam após a validação do discurso midiático pelo leitor. Assim, se a notícia validada exaltar eventos positivos ao julgamento da ética cidadã, o efeito patêmico será favorável, e afetos de contentamento, como aprovação e reconhecimento, serão expressos pelo leitor, já notícias que exaltam eventos negativos ao ponto de vista da representação discursiva de cidadania, implicam em um julgamento negativo, tendo como consequência efeitos de descontentamento, tais como indignação ou medo.
social, possui um aspecto de verdadeiro e legítimo por si, porém, quando confrontado com outras representações do mesmo objeto, advindas de outros paradigmas sociais, repercutem defasagens representativas, gerando distorções, suplementações ou subtrações de algumas de suas características, pois são construções do outro com outros saberes e valores (em nosso caso, a representação do punk varia entre os grupos punks e cidadão).
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
23
A estereotipia punk nas mídias de informação
Também é necessário frisar que, ao utilizar-se da representação discursiva de cidadania, a instância midiática constrói seu próprio ethos de representante do cidadão, o que, segundo Bourdieu (2008), permite que a mídia tome para si o skeptron de representante social, autorizando seu discurso e confirmando sua legitimidade de ação social dentre o grupo. Semelhante ao conceito de representações discursivas , o conceito de imaginários sociodiscursivos (CHARAUDEAU, 2007), estrutura o mesmo como uma imagem do objeto empírico representado, por um sistema de pensamento, que independe de julgamentos de verdadeiro ou falso, pois o imaginário, como mecânica de conhecimento real, descreve a visão de um grupo social, que o toma por verdadeiro, justificando assim seus atos, e, ao mesmo tempo, refletindo a natureza do grupo social que o utiliza3. O analista ainda instaura a localização do imaginário na organização dos saberes e valores compartilhados, sejam eles originados por saberes de crença ou de conhecimento, que servem para a construção de valores dos membros de determinada comunidade. Assim, por meio de tal conceito, a representação da ética cidadã pode ser considerada um imaginário sociodiscursivo legítimo, pois são formas preconcebidas de valores compartilhados e motivações sociais, que regem formas de troca social e habilitam a construção do outro a partir de uma sua 3
ótica, postulando-se como verdade aceita por todos os que partilham dos mesmos valores e crenças. No que tange às relações interpessoais, o conceito de imaginário pressupõe a instauração de forças, sejam positivas, que podem manter a coesão e a união de um grupo e seus membros favoráveis, como agregar novos integrantes (uma força centrípeta), sejam negativas, que excluirão os indivíduos que não entram em acordo e devem, por isso, serem expurgados do grupo, mesmo aqueles que ainda almejam à participação no grupo social (uma força centrífuga). Tais forças são aqui apresentadas para conferir uma melhor definição das representações discursivas de cidadania, uma vez que, de um lado, a força centrípeta converge para um modelo ideal da representação, e, por outro lado, a força centrífuga afasta a representação do modelo idealizado pelo enunciado.
A relação de semelhança entre tais conceitos pode instaurar uma relação de sinonímia, porém tais conceitos se complementam devido à ênfase aos fenômenos sociais que Emediato (2009) descreve, e as forças sociais instauradas preconizadas por Charaudeau (2007).
24
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
A estereotipia punk nas mídias de informação
Figura: As relações de força dos imaginários sociodiscursivos
Por meio de tais teorias, podemos compreender que, no discurso dos jornais de referência, as instâncias midiáticas constroem o seu discurso, descrevendo a visão e os atos de um cidadão ideal que, a princípio, entra em acordo e se compatibiliza com o ambiente sociopolítico dominante, como um eco do contexto situacional e do consenso social, que gera o modelo a ser seguido (como o modelo de cidadão ideal, comumente veiculado pelas mídias). No que tange ao mecanismo midiático de produção do discurso, Charaudeau (2010) preconiza que tal mecanismo, assim como a produção de quaisquer discursos de informação, se utiliza de fases de produção, produto e recepção, e a compreensão dos conceitos de repre-
sentação discursiva e imaginários sociodiscursivos tornam mais claro, no nosso entendimento, a criação de uma imagem específica de cidadão, em contraponto com a imagem do indivíduo punk. A produção é composta tanto por um staff4, que condiciona o mecanismo pelas suas condições externas, suas razões socioeconômicas e suas ideologias (a ética cidadã no caso), tanto quanto por uma condição semiológica, em que o mesmo decide como apresentar seu discurso, por meio das representações como elementos de pré-validação, buscando um público-alvo (o leitor cidadão) e sua melhor maneira de validá-la por meio da leitura (como estruturar o mundo por meio da ótica cidadã?).
Staff: Equipe de pessoas responsáveis pela produção das mídias, de acordo com Charaudeau (2010), são o redator, o diretor, o jornalista etc. 4
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
25
A estereotipia punk nas mídias de informação
Do ponto de vista de sua produção, seu produto é uma forma da estrutura de seus efeitos visados e condições externas, por meio da utilização de estratégias discursivas. Nesse ponto toda a ótica das representações sociais em que o discurso foi alocado se materializa, tal como sua estruturação composicional e sua seleção lexical, de modo a permite a produção de sua intencionalidade (materializar a voz de um cidadão).
e reproduzi-lo, de forma semelhante em seu discurso.
E sua recepção é prevista, segundo sua “aposta” nos efeitos e no público-alvo previstos, por meio da construção de seu discurso pela ótica da representação utilizada, e se valida (ou não) pela efetivação da leitura do indivíduo, que poderá ou não se reconhecer como alvo do discurso, a partir da confirmação de que as representações veiculadas estão de acordo com as que possuem o leitor. Ou seja, o tratamento das seguintes questões: “A notícia fala pelos cidadãos?” “Há uma efetivação por meio de uma representação cidadã?” e “Que efeitos o discurso irá gerar efetivamente?”.
A necessidade de defasagem5 de muitas representações discursivas, como a de cidadania, advém de uma norma de manutenção da ordem social, tal como uma doutrina, composta por normas rígidas de efetivação social, que buscam uma estabilidade e longevidade do grupo e sua ótica de representação. Diante de tal estrutura, é previsível que qualquer movimento de contestação de um paradigma social seja revogado pela representação ideal de cidadania, pois tais movimentos, além de articularem contra o regime atual de regulação de trocas sociais, podem ser considerados uma “ameaça” de desarticulação e instauração de um novo regime de representação social dominante.
A máquina midiática funciona, assim, na perspectiva de Charaudeau, como uma “construção da construção” da realidade, pois o mundo é descrito pelo discurso, entre seus variados imaginários. Sendo assim, o que a mídia faz é apropriar-se de um mecanismo social de construção e representação do mundo pelo discurso, 5
Portanto, como pertencente a uma representação, o discurso midiático gerará um embate de valores, quando analisado em contraste com o discurso de outros grupos, gerando defasagens na representação dessas outras identidades coletivas, atribuindo características estereotipadas a esses indivíduos.
Diante desse quadro de questionamento, os acontecimentos que envolvem os punks (fenômeno empírico) são mediados e elaborados, como representação, por um filtro axiológico (seu mecanismo
Tal defasagem é oriunda de um embate entre representações diversas, advindas de diferentes camadas sociais, que estabelecem a definição de determinados conceitos, por meio de saberes (de conhecimento e de crença) disponíveis e promulgados por seus integrantes, gerando, assim, uma visualização distorcida, quando percebidos por integrantes de um paradigma social diferente, o que nos permite perceber suplementações (inclusão de características), subtrações (remoção de características) e/ou distorções.
26
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
A estereotipia punk nas mídias de informação
de produção, produto e recepção), acionado pelo staff, criando, através das notícias, uma identidade midiática que projeta e formata o discurso a um “leitor cidadão” idealizado, elaborando, em contraponto, uma imagem estereotipada do indivíduo punk, através, por exemplo, de descrições de suas ações, que se dá por uma ótica da representação midiática.
Tais características parecem ser apresentadas como atributos, considerados elementos inerentes aos seus integrantes (como uma marca social, um estigma), que servem para caracterização do estereótipo, ou seja, uma identificação clara dos indivíduos que são caracterizados como integrantes do movimento punk.
representativa, acabam gerando um efeito patêmico de medo (o punk representado como uma ameaça à ordem e ao bem estar social) e de indignação (o punk é representado como um indivíduo que deve ser “removido” do paradigma social em função do seu comportamento prejudicial à ordem social em voga), entre outros, excluindo, por meio de uma força centrífuga, os indivíduos assim estereotipados.
Assim, há a retomada de julgamento sobre o estereótipo com a ocorrência de outro evento que envolva quaisquer indivíduos punk, completando seu conhecimento sobre o mesmo, segundo os parâmetros de representação cidadã (uma concepção prévia que antecipa os julgamentos e conclusões).
Nos fragmentos de discurso que envolvem particularmente os punks, os valores da representação social de cidadania são confrontados com os valores e ideais do movimento punk (revolução e libertarismo), o que permite que a instância midiática represente-os de forma defasada, de acordo com Jodelet (2001), enfatizando, criando ou distorcendo determinadas características do movimento punk. Portanto, é possível observarmos, a partir de um olhar panorâmico sobre o discurso midiático, a presença de representações do punk como “baderneiro”, “nazista”, “encrenqueiro”, entre outras. Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
27
A estereotipia punk nas mídias de informação
Figura: O mecanismo de estereotipagem do indivíduo punk nas mídias de referência
Tais defasagens, que geram estereótipos, não são concebidas de forma inconsciente; são, como dito anteriormente, supervalorização ou amplificação de atos vinculados ao indivíduo punk ou a sujeitos relacionados, como skinheads. Mesmo que tal ótica desfavoreça o indivíduo punk, a representação de cidada-
nia é amplamente defendida e legitimada na sociedade de um modo geral. Conclusão Conclui-se, então, que a caracterização dos indivíduos punk nas mídias de informação é verificada por um processo de
Este trabalho é fruto do projeto de iniciação científica “O punk encrenqueiro: uma análise discursiva sobre a estereotipia punk nas mídias de informação“, sob a orientação dos Profs. Drs. Paulo Henrique Aguiar Mendes (Letras UFOP) e Simone de Paula dos Santos Mendes (Letras - UFOP). 1
28
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
A estereotipia punk nas mídias de informação
estereotipia, que evidencia, por meio da ótica de representação cidadã, expressões que citam atributos, considerados únicos aos indivíduos punk, os quais se espalham pelo discurso midiático e seus fragmentos, construindo uma “imagem mental”, a seus leitores, de um grupo por meio de tais características. Ou seja, há um apontamento, uma função dêitica (uma corporeidade que remete a uma construção sensorial), que nos permite visualizar o outro “sem vê-lo” pelo discurso, gerado pela representação defasada do punk pela ótica cidadã, remetendo, assim, à criação de um estereótipo (o estereótipo pode ser considerado, aqui, uma imagetização representativa do outro, que retorna ao ser empírico, visualizado pelo leitor cidadão como característica inerente do indivíduo e do grupo).
de criação de uma identidade cidadã por parte da instância midiática. Utiliza-se igualmente do estereótipo em estratégias de captação, que buscam saciar suas necessidades econômicas, agregando e aproximando mais consumidores de seu produto, produzindo, em alguns casos, escândalos e intrigas/narrativas, utilizando-se do efeito de “já dito” a serviço do reforço negativo da identidade do outro.
Trata-se de um fenômeno natural, pois as representações, considerando-se a priorização de valores e conhecimentos, são variadas entre todos os grupos identitários, que constroem o mundo e as pessoas através de uma mecânica pré-estabelecida de um paradigma social, que estrutura a percepção do mundo e sua relação com o mesmo. Tal fenômeno de estereotipia, por sua vez, serve ao propósito midiático, processando tal representação em seus textos noticiosos como estratégia de credibilidade ou autoridade, onde o reforço de tais estereótipos evidencia a tentativa
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
29
A estereotipia punk nas mídias de informação
Referências Bibliográficas AMOSSY, R.; HERSCHBERG PIERROT, A. Stéréotypes et clichés – langue, discours, société. Paris: Éditions Nathan, 1997. BOURDIEU, P. A economia das trocas linguísticas. O que falar quer dizer. São Paulo: EdUSP, 2008. 192p. CHARAUDEAU, P. O discurso das mídias. São Paulo: Editora Contexto, 2010. 288p. CHARAUDEAU, P. Les stéréotypes, c’est bien. Les imaginaires, c’est mieux. In.: BOYER H. (dir.), Stéréotypage, stéréotypes: fonctionnements ordinaires et mises en scène. L’Harmattan: Paris, 2007. DOISE, W. Les représentations sociales. In.: GHIGLIONE, C. B.; RICHARD, J. P. (Orgs.). Traité de psychologie cognitive. Paris: Dunod, 1990. EMEDIATO, W. Representações discursivas de cidadania na mídia. In: SILVA, D. E. G. S.; LEAL, M. C. D.; PACHECO, M. C. N. Discurso em questão: representação, gênero, identidade discriminação. Goiânia: Cânone Editorial, 2009. p. 49-59. EMEDIATO, W. Contrato de leitura, parâmetros e figuras de leitor. In: MARI, H.; WALTY, I.; FONSECA, M. N. S.(Orgs.). Ensaios sobre Leitura 2. Belo Horizonte: PUCMINAS, 2007, p. 83-98. GOFFMAN, E. Estigma - Notas sobre a Manipulação da Identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1980. 160p. JODELET, D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: ______. As representações sociais: Rio de Janeiro: Editora UERJ, 2001. p. 17-41. PEIRCE, C. S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1999. 340p. PEREIRA, C. A. M. O que é contracultura. São Paulo. Brasiliense. 1983. 97p.
30
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
Paulo Henrique Franco Cavalheiro Aluno de graduação em Letras pela UFOP – Universidade Federal de Ouro Preto.
Memórias
Jean Jacques Rousseau (1712-1778)
Filósofo franco-suíço nasceu no dia 28/6/1712, Genebra (Suíça), e faleceu em 2/7/1778 em Ermenonville (França). Rousseu começou a escrever em 1749, quando a Academia de Dijon propôs um prêmio para quem respondesse à seguinte questão: “O estabelecimento das ciências e das artes terá contribuído para aprimorar os costumes?” Jean Jacque Rousseau escreveu o “Discurso Sobre as Ciências e as Artes”, tratando já da maioria dos temas importantes em sua filosofia e respondendo negativamente àquela pergunta. No ano seguinte, mais precisamente em julho, ele recebeu seu primeiro prêmio.
Com a publicação dessa obra, Rousseau conquistou reconhecimento. Em 1755, publicou-se o “Discurso Sobre a Origem da Desigualdade Entre os Homens”, no ano de 1761, escreveu “A Nova Heloísa”, romance epistolar que obteve grande sucesso. No ano seguinte, saíram duas de suas obras mais importantes, o ensaio “Do Contrato Social” e o tratado pedagógico “Emílio, ou da Educação”. Rousseau foi perseguido em 1762 por conta de suas obras, que eram consideras ofensivas à moral e à religião, sendo obrigado a exilar-se em Neuchâtel (Suíça). Além de escritor e filósofo, Rousseau estudou teoria musical e escreveu duas óperas: “As Musas Galantes” e “O Adivinho da Aldeia” e publicou um “Dicionário de Música”.
O sistema de bibliotecas da UFOP possui várias obras desse autor, como: Carta a D’Alembert. 1993 Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdades entre os homens.1981 Do contrato social: ensaio sobre a origem das línguas. 1973 Emilio, ou da Educação. 1995 Ensaio sobre a origem das línguas. 1981 O pensamento vivo de Rousseau. 1951 Os devaneios do caminhante solitário. c1986 , entre outras.
Fonte: imagem retirada do site http://revistaescola.abril.com.br
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
31
Lançamento de livro
Lançamento de Livro No dia 2 de junho de 2013,ocorreu o lançamento do livro Memoriais da Fé: as comunidades da Paróquia Sagrado Coração de Jesus de Mariana (séculos XVIII – XXI). Esta obra foi escrita de forma colaborativa entre a professora Virgínia Buarque, do Departamento de História da UFOP, e oito graduandos do curso de História (UFOP), um graduando de Pedagogia (UFOP), dois professores de História no ensino básico e dois mestrandos em História. Sua proposta é a de reconstituir a trajetória histórico-religiosa de 15 comunidades católicas sediadas nos municípios de Mariana e Ouro Preto, surgidas entre os séculos XVIII e XXI, a partir do depoimento de seus integrantes. O livro vem acompanhado por um DVD, composto por 15 curtas-metragens, que também narrativizam o percurso dessas comunidades. Com esta dupla produção, visou-se apresentar uma alternativa ao processo de diluição das memórias sociais, sofrido pelas sociedades ocidentais contemporâneas. Afinal, mudanças cada vez mais aceleradas têm esvaziado os sentidos associados às chamadas “grandes narrativas históricas”, como o Estado Nacional e a racionalidade científica, até então tidos como propulsores do progresso humano. Ao mesmo tempo, era preciso que o relato acerca das comunidades conferisse protagonismo à vivência e aos discursos de seus integrantes, sem que seus depoi-
mentos fossem reduzidos a meras “fontes informativas”, empregados segundo referenciais alheios à suas práticas de fé. Mas como proceder a uma interpretação da trajetória de fé das comunidades integrantes da Paróquia Sagrado Coração de Jesus sem recair em leituras apologéticas ou então demasiadamente privatizantes e subjetivistas? Como respeitar as vozes dos participantes das comunidades, em suas especificidades, e, simultaneamente, articulá-las em diálogo, a fim de que, dessa pluralidade, viesse a emergir a dinâmica constituidora da Paróquia Sagrado Coração de Jesus?
FORTIN, Anne. L’impossiblesaisie de la mémoire. In: MEUNIER, Martin et THÉRIAULT, Joseph (org.). Les impasses de la mémoire: historie, filiation, nation et religion. Québec: Fides, 2007. p. 356. 1
32
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
Lançamento do Livro
A busca de respostas conduziu, em termos teóricos, à concepção de memorial. Segundo a teóloga Anne Fortin, um “memorial” consiste numa sistematização da experiência vivida, com base em dois elementos cruciais: por um lado, comporta dimensões críticas e inventivas, não se reduzindo a uma lembrança pautada em sentidos pré-estabelecidos; de forma simultânea, ele entrecruza diversas temporalidades, pois, sem privilegiar somente o passado, atenta também à ressonância do já ocorrido no aqui-e-agora, em função de uma expectativa de futuro1. Na inter-relação desses dois aspectos, o memorial refuta, portanto, quer uma leitura proselitista da experiência religiosa, quer sua demasiada afetação pelos meios de comunicação, postulando que nem aquilo que deixou de existir e nem o que ainda não é podem ser completamente transpostos (ou ideologicamente manipulados) no tempo presente.
em 2013 completa 25 anos de fundação. Paralelamente, a FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) concedeu bolsa de apoio técnico para produção do DVD, cuja filmagem e edição ficou a cargo do produtor cultural Julliano Mendes. Já a revisão de texto foi gentilmente promovida por Magda Salmen, técnica-administrativa da UFOP.
No caso das comunidades pesquisadas, sugere-se, assim, que a concepção de memorial encontra-se imbricada a uma tríade socioreligiosa: o papel da atividade mineradora no surgimento das localidades, o protagonismo da liderança feminina e a pluralidade cultural-devocional que caracteriza as comunidades, fatores que, imbricados, dotam a Paróquia de um perfil bastante polissêmico, embora também dialógico. A publicação do livro contou com o financiamento da Paróquia Sagrado Coração de Jesus/Arquidiocese de Mariana, que
Virginia Buarque Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
33
Em Prosa
O sonho de Miguel O garoto chegou da escola ao meio dia. Foi logo tirando a mochilinha, e a deixou em cima da cama. Em seguida foi correndo e beijou o pai. Não teve muito tempo. Na mesma euforia foi até a horta e deu e recebeu um forte abraço da mãe. Era hora do almoço. Sentou à mesa e brincou com as moscas que lá estavam. Na verdade espantou-as, e achou graça. A mãe voltara da horta. Lavou as mãos já umedecidas e frias. Abriu as panelas e viu que a água do arroz havia secado. Desligou-o. Em seguida, enquanto Miguel ainda brincava com as moscas com a ajuda do seu Homem-Aranha, ela fritou rapidamente quatros ovos, e os colocou no centro da mesa retangular de madeira. Miguel seguia distraidamente, às vezes cantava, soltava palavras ao vento. A mãe trouxe as panelas do arroz, feijão, e do tomate picado, e gritou: “Tá na mesa!”. Miguel neste momento estava fazendo seu Homem-Aranha voar. Mas se pôs a postos rapidamente. E ao ver o banquete, arregalou os olhos, passou a língua nos lábios, e os olhos brilharam, ainda mais. O pai chegou e almoçaram os três. Miguel estava cansado. Não havia dormido bem na última noite. Não se lembrava porquê. Aos poucos sua cama foi o chamando, como se nela houvesse um imã. O garoto ainda resistiu. Mas a força do imã foi maior. Foi se aconchegando. Tinha uns lapsos e falava sozinho. Bonequinho do Homem-Aranha em mãos. Até que adormeceu. De boca aberta e olhos suavemente abertos. Partiu da realida-
34
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
de para o mundo dos sonhos. A princípio sonhos desconexos, como se estivesse num torvelinho e fosse transportado para outra dimensão. O Homem-Aranha passava por ele. A escola. Um grito. Mas um tempo depois o torvelinho se dissipou, e repentinamente se encontrou sentado em sua cama, amarrando apertado o cadarço de seu tênis. O preferido. Usava camiseta amarela e preta, short também amarelo e preto, e meião amarelo. Terminou com o tênis e estava pronto. Deu dois pulinhos para aquecer. E chutou a bola para baixo de sua cama. Gritou “gol!”. E foi alegre para o treino. Lá, foi recebido por uma moça simpática. Ela lhe falava que ele devia escovar os dentes e ler livros. Miguel não a entendia sempre. Mas adorava sua companhia. Contou aos pais que no time havia uma “psicólga”. Eles a princípio ficaram suspeitos, mas tranquilizaram-se no dia em que o menino chegou em casa com uma pasta de dente e um livro do Pequeno Príncipe. O treino começou, e Miguel se divertia. Corria bastante. Às vezes ficava nervoso com um colega, e fazia beicinho. Gritava, pulava, e caia. O gol era o grande momento. Tinha uma sensação indescritível, de puro prazer. Neste tempo de atividades seu cérebro era oxigenado e seu corpo era desenvolvido, sob todos os aspectos. Mas disso ele não sabia. Fim de treino. Contava à sua prima sobre o time, que havia chegado um “taanto” de bola, e abria os braços para mostrar quantas eram. A
O sonho de Miguel
prima estava mais atenta à novela, mas ainda assim ele foi até seu quarto, abriu a gaveta, e voltou correndo e animado para mostrar a ela a foto dele vestido com o novo uniforme. Depois voltou ao quarto e guardou a foto lá, no cantinho da gaveta. A prima de Miguel o chamou para ver novela. Ele disse que não podia, que tinha de ir no “dintista”. O time dele oferecia “dintista”, “dôtor”, “psicólga”. Miguel tinha os dentes brancos, o sorriso claro, e a vida estampada em seus olhos. Chegou em casa, jantou e tomou banho. Poderia sentar-se ao lado dos adultos, mas não devia. Lembrou-se que trouxera do futebol um exemplar do Pequeno Príncipe. Foi até o quarto, abriu a mochila e o retirou. Olhou a capa e sentiu-se boquiaberto, os olhos interessados, e aos poucos imergia ao mundo fantasioso que o livro lhe proporcionava. Deitou-se na cama e abriu a primeira página. Encantava-se com as gravuras, e dava seus primeiros passos na leitura - gostava muito, graças à professora que lia para eles na escola (era a melhor aula), estórias como Barcos de Papel e A Montanha Encantada. Aprendia muito devido aos livros. Um aprendizado difícil de se mensurar, paulatino - aprendia. Manuseava o livro, página a página lia, viajava, sonhava. Mas de repente um barulho começou a lhe importunar. Era um “tututu” muito forte, seguido de silêncio. E depois outro “tututu”. O livro parecia agora sair de suas mãos, à medida que o “tututu” continuava, e
aparentava ser mais frequente. O garoto se desesperou, o livro se desprendia dele, parecia que iria voar num fluido que era mais viscoso que o ar. “Tututu”, “Tututu”. De sobressalto, Miguel se levanta da cama, suado e assustado. Estivera num sonho. “Tututu”. Levantou-se e foi até onde vinha o barulho. Era o seu irmão, que estava de frente do quarto da mãe, batendo na porta fortemente. Os olhos dele estavam vermelhos, inchados, e roxos ao redor. Suava, e parecia mais uma vez estar virado, sem dormir. Batia na porta fortemente e gritava, “Anda logo mãe!”. Miguel foi se aproximando, e quando ouviu que sua mãe estava chorando, deu uma de herói, e foi puxar o braço do irmão que batia na porta. Tomou uma cotovelada que lhe atingiu a boca, caiu no chão, e ela começou a sangrar. Parecia que a porta era transparente, pois a mãe viu tudo, e logo a abriu. Chorava. Mas o filho mais velho, atormentado, não viu nada disto. Agarrou-a pelo braço fortemente, e falou, “Me dá o dinheiro logo”. Ela, sentindo um aperto no coração, esbaforida, com as mãos tremendo, deu-lhe o que tinha, e foi acudir o garoto. O filho mais velho fora embora aos tropeços. A mãe cuidou de Miguel, abraçou-o, e ele se aconchegou em seu colo. Os dois choravam, mas foram juntos, aos poucos, se acalmando. Miguel soluçava, mas lembrava que estava ao lado da mãe, e a apertava. Então gradativamente o choro dela foi aumentado, aumentando,
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
35
O sonho de Miguel
até que ficou estridente e ininterrupto, até ao ponto de incomoda-lo. Cada vez mais alto, Miguel se inquietava, e se remexia, até que, de repente, acordou mais uma vez. Vivera um sonho dentro de outro, e agora sim voltava à realidade. Não havia futebol, não havia livros, nem dentes limpos. Não havia mãe, nem irmão. Este, preso. Aquela, morta. Esfregou os olhos, e percebeu em que lugar estava. O quarto se encontrava muito bagunçado, e escuro. Da parede uma lagartixa mirava-o, atônita. Desamarrotou a roupa com as mãos, e foi até o espelho. Olhou-se. Tinha as mãos sobre a mesa. Os olhos tornaram-se profundos e umedeceram-se; foi aí onde o tempo mais passou. Uma picada lhe bateu no estômago, trazendo-o de volta à tona, e pensou: “Arrumar algo para comer”. Caminhava ainda dentro de casa, e parou subitamente quando o sonho lhe voltou aos pensamentos. Balançou a cabeça para dissipa-lo, e continuou o caminho para a rua; o conterrâneo Miguel...
Thalles Simplício de Faria Estudante de Engenharia Ambiental – UFOP Servidor lotado no SISBIN – UFOP 36
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
Conheças as funcionalidades do equipamento! http://goo.gl/vmxAr
Você sabe como renovar seus livros de casa? Caso tenha alguma dúvida assista o vídeo explicando todo o processo pelo link abaixo! http://goo.gl/icFCn
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
37
Serviços
Já utilizou o equipamento de autoempréstimo da Biblioteca do ICHS?
Em Prosa
À minha mãe, em mãos! Preâmbulo O texto que se apresenta é uma ficção baseada nas obras Boca de Chafariz, de Rui Mourão (1992) e Advento da Dictadura Militar no Brazil, de Visconde de Ouro Preto (1891). Trata-se de uma carta pessoal escrita pelo Visconde de Ouro Preto e endereçada à sua mãe. O conflito se instala a partir de seu contato com o livro de Rui Mourão Boca de Charafiz, cujo conteúdo é o testemunho de diversas figuras, tais como Aleijadinho, Tiradentes, Antônio Dias de Oliveira, Jair Inácio, Bené da Flauta, Luís da Cunha Menezes, entre outros, sobre suas histórias. Com o intuito de expressar sua perturbação por não ter tido a chance de dizer o que sabe sobre a Proclamação da República no Brasil e a parte que teve na história da política brasileira nesse livro, Visconde, envolto por essa perturbação, confessa à sua mãe seus mais íntimos infortúnios. Para ele, a perda dessa chance de se explicar foi a maior debilidade de sua existência. *** Sem lugar, 8 de maio de 1992 Mãe, Nem lhe saudarei porque sigo meu coração através de uma dor profunda. A senhora precisa saber que chegou até mim uma poeira da história. Um simulacro da intimidade dos outros. Um tal de Rui Mourão publicou um discurso singular em uma trama que não domina e cujo todo não percebe. Editou um livrinho aí intitulado Boca de Chafariz, em que a cidade de Ouro Preto está se acabando debaixo de um temporal diluviano e dessa desgraça, emergem as vozes de consideráveis personagens que vêm em socorro dela. Pelas águas do chafariz, jorram diversos discursos em um plano no qual homens, e somente homens experientes, gritam como sentinelas. Afastado o flagelo, Ouro Preto inicia sua recuperação e renasce atingindo sua glorificação ao receber o título de Patrimônio Cultural
38
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
da Humanidade. Mãe, isso é patético! Uma história com uma cena assim escatológica, não poderia ser de outra maneira. Depoimentos e narrativas se misturam. Fico confuso! O fato é que esse Rui Mourão ofereceu-lhes a única oportunidade de explicar tudo sobre suas vidas e atuações no cenário político e social do Brasil, dando-lhes a chance de vomitar qualquer coisa que emergisse das turvas águas de Ouro Preto. Lendo esse livro e regurgitando o que declararam Aleijadinho, Tiradentes, Antônio Dias de Oliveira, Jair Inácio, Bené da Flauta, Luís da Cunha Menezes, entre outros, posso deduzir que muitas pessoas acreditarão neles, tomarão os testemunhos como verdades absolutas. Descubro que meus companheiros e conterrâneos puderam se manifestar! E eu? Percebo a sorte que eu nunca terei. Mãe, a senhora acredita que esse Rui fingiu não me ouvir quando eu o cha-
À minha mãe, em mãos!
mava aos berros, no centro da Praça Tiradentes de Ouro Preto? Eu só queria pedir a única possibilidade de também me justificar. Por isso, estou tão mal humorado. Eu provei a tristeza em minha língua. Minha alma está em recessão, dolorosa para manifestar-se. Toda essa merda que pareço suportar é uma história das amargas pílulas do destino. Eu arranco com minhas unhas, dentes e punhos. Agora eu sei a qual lugar eu pertenço: nenhum. Reviravoltas virão e eu poderei cuspir na cara deles. Sei que a senhora me entende, pois me fez um homem íntegro, batizou-me com o nome de Afonso Celso de Assis Figueiredo e me tornei, para seu orgulho, o único Visconde de Ouro Preto. E mais, fui o protagonista daquela grande sedição de 15 de novembro. Aquele dia de 1889 em que a monarquia brasileira foi deposta. Mãe, a senhora mesmo sabe que eu fui um político atuante no parlamento brasileiro, fui presidente do gabinete 7 de junho de 1889 a pedido de D. Pedro II, fui ministro da Marinha, tomei decisões importantes para o rumo da nação. De todos esses acontecimentos, o mais marcante foi a Proclamação da República do Brasil, em 15 de novembro de 1889. Gostaria de ter tido a chance de habilitar meus concidadãos a julgarem com perfeito conhecimento de causa o procedimento do governo, naquele dia deposto pela força pública amotinada. Por hora, contento-me em desabafar com a senhora. O que ocorreu foi que no final de fevereiro de 1888, alguns militares foram mandados para o estado de Mato Grosso sob o co-
mando do Marechal Deodoro da Fonseca. Como uma forma pessoal de se vingar das suas acusações sofridas, Deodoro coagiu o exército a ficar contra a Monarquia e instaurar um novo regime político. No ano seguinte, no Ministério Ouro Preto, o qual eu presidia, aprovei o regresso da força expedicionária cumprindo solicitação de Floriano Peixoto, no qual eu depositava extrema confiança. Pensei que Deodoro e o exército só queriam retornar de Mato Grosso. Entretanto, assim que chegaram ao Rio, exatamente em 15 de novembro de 1889, conforme desejo dos chefes republicanos, fez-se a Proclamação da República. Juro que eu não sabia dessa trama de Deodoro e Floriano contra mim. Eles não me contaram porque sabiam que eu não concordaria com tal fato, sobretudo proclamar uma república de modo tão arbitrário. Fui enganado e ainda culpado pela revolta do exército! A minha ingenuidade, pois, consistiu na convicção de que uma revolução e revolução militar, especialmente, não explode sem motivos sérios ou graves. Jamais pensei que isso aconteceria tão sub-repticiamente. Quem contemplasse aquela força, suporia que em frente ao quartel ocorria uma simples parada ou acompanhamento de procissão. Impressionou-me funda tristeza que se estampava na fisionomia dos oficiais, quer superiores, quer subalternos. Decorrido algum tempo, dirigiu-se até mim o marechal Deodoro da Fonseca confessando que se pusera à frente do exército para vingar as gravíssimas injustiças e ofensas por ele recebidas do governo. Declarou que
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
39
À minha mãe, em mãos!
o meu ministério estava deposto e disse que todos os ministros podiam retirar-se para suas casas, exceto eu, Visconde de Ouro Preto, “homem teimosíssimo, mas não tanto como ele” – declarou. Fui preso e exilado por ordem do Marechal Deodoro, partindo para a Europa sob a acusação de incitar o exército contra o governo. Abominado no Brasil, meu filho e eu tivemos nossas candidaturas recebidas com desprezo; apreciei gratuitos insultos contra mim lançados pelo ministro da fazenda Ruy Barboza. Fui contrário a essa ditadura. Ela surgiu com pseudônimo de República como uma demonstração eloquente das condições a que o país se reduziu. Portanto, os motivos aduzidos para justificar a sedição de 15 de novembro, referentes ao exército, são absolutamente destituídos de fundamento, porque não foi um movimento súbito, a obra de um dia; o golpe estava já preparado de muitos anos. Uma nação de homens livres não suportará por muito tempo tão intolerável regime. A república brasileira, qual foi proclamada, é uma obra de iniquidade, não pode perdurar. A fidelidade aos compromissos e o futuro da pátria correm perigo no Brasil. Mãe, infelizmente, nada mais posso fazer para auxiliar os meus concidadãos. Sinto muito que esse Rui Mourão não tenha me conhecido. Aliás, o que é que ele conhece? Nada, porque pôde me ignorar. Sei que esse escritor era puxa-saco de Tiradentes, por isso deu a esse inconfidente páginas e mais páginas. Considerou a Inconfidência Mineira como o único movimento que prestasse.
40
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
O que fez Tiradentes? Nada também, era um louco e furioso. Como contribuiu para a política desse país? Quanto a mim, um político atuante, o que ganho é desprezo. Não só por esse Rui Mourão, como também pelo pérfido Marechal Deodoro da Fonseca. É outro demônio. Todos são. Percebo, Mãe, que nasci para tocar só a ponta dos dedos da felicidade, nunca para abraçá-la. Há algum sentido em ter existido e nunca ser lembrado? Sinto inveja de Tiradentes, porque ele pôde até depor diante do juiz. Como Tiradentes, também protagonizei um insucesso. Nesse sentido, por que distinguem a nós dois? Sinto vontade de chorar. Estou deformado, há dias não como, não me penteio, sequer faço a barba, quebrei meus óculos de raiva e mal enxergo. Pareço uma escultura de Aleijadinho com o sofrimento no meu rosto emagrecido e pensativo sobre as incongruências de minha vida. Perdoe-me, Mãe, por lhe escrever uma carta tão melancólica. Ultimamente, tenho lido muito as obras de Walter Benjamin. Ele parece me entender, somos filhos de Saturno, o planeta dos desvios e dos atrasos. Folheio seus livros à procura daquele quadro de Paul Klee e me incorporo naquele Angelus Novus com uma paralisia no olhar, um semblante carregado de pavor e uma força que me empurra para frente, forçando o meu olhar para o futuro que só consigo ver sangrando, uma catástrofe única. Benjamin me mostra que a história é um acúmulo de ruínas. Concordo. A propósito, este livro de Rui Mourão vem sobre mim esmagando
À minha mãe, em mãos!
minha aura, essa aura que me fazia uma figura singular. Desculpe-me, minha Mãe, se vou ofendê-la, mas eu me sinto um verme antes de ser um homem. O meu outro eu se foi. Se foi. Logo, logo, minha vida será novamente apagada. A senhora acha que eles irão se lembrar de mim? Iluda-se! Não foi desta fez e não será jamais. A senhora sempre me disse para seguir em frente. Estou seguindo, já me encharquei de gasolina. Um estalo para a morte: era o que me faltava. Quem virá em meu socorro? Com sua bênção,
Visconde de Ouro Preto.
Nárllen Dayane Advíncula-Miguel Mestranda do Programa de Pós-graduação em Letras: Estudos da Linguagem, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil. Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
41
@contece
Cobertura do III Seminário de Bibliotecas Setoriais da UFOP O Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) recebeu no dia 16 de maio o III Seminário de Bibliotecas Setoriais da UFOP organizado pelo Sistema de Bibliotecas e Informação (SISBIN), este ano com a temática Trabalho em equipe novas perspectivas para as bibliotecas. Pelo terceiro ano, esta atividade que já faz parte do calendário do SISBIN pode permitir a troca de experiências, apresentação de novos serviços e produtos, conhecer os novos servidores da UFOP, a integração, interação e descontração dos funcionários (bolsistas, anistiados, terceirizados) das 13 bibliotecas setoriais localizadas nos campi das cidades de Ouro Preto, Mariana e João Monlevade devido a dinâmica realizada, e pensar em novas ações para as bibliotecas. Atividade como esta é importante, não somente para o produto final a ser apresentado no dia do evento, mas deste o seu início, sua preparação, onde mobilizam os colegas a expor suas habilidades, criatividade, definir a temática, propor discussões, como também à prática de gestão das bibliotecas. Além de manter sua visibilidade,reconhecimento fren-
te à Universidade e poder trazer a participação de outros profissionais da UFOP para agregar conhecimento e conhecer o trabalho das Bibliotecas da Universidade Federal de Ouro Preto. A oportunidade de o evento ter sido realizado no campus de Mariana, agradou os funcionários dessa setorial, em poder receber os colegas no seu ambiente de trabalho, esta rotatividade de local é importante, e pode ser vista como um ponto positivo na organização do seminário. Receber o seminário em Mariana permitiu que os demais funcionários pudessem conhecer o novo espaço físico da Biblioteca Alphonsus de Guimaraens, as novas ideias que serão propostas futuramente pela setorial, conhecerem o funcionamento do equipamento de autoempréstimo. O evento contou também com a participação de Bibliotecários do IFMG campus Ouro Preto e da Biblioteca Pública também de Ouro Preto.
Michelle Karina Assunção Costa 42
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
Cobertura do III Seminário de Bibliotecas Setoriais da UFOP
Realização da dinâmica
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos
43
col@bore conosco! A publicação Uni/Versos convida todos os seus leitores a enviarem seus textos para o nosso próximo número. Aceitaremos textos nas seguintes temáticas: • que abordem a inter-relação entre a universidade e a sociedade; • sobre os projetos de Extensão e Pesquisa da UFOP; • resenhas de livros que fazem parte do acervo da Biblioteca do ICHS e que tenham sido publicados (ou reeditados) nos últimos 5 anos; • textos literários e artísticos nas seguintes modalidades: prosa (como conto, por exemplo), lírica (como poesia, por exemplo) e quadrinhos/charges; • textos que abordem temáticas relevantes da área de humanidades. Orientações para envio * Os trabalhos de divulgação, técnico-científicos, ensaios e contos deverão conter no máximo 08 páginas, incluindo anexos, tabelas e gráficos; não incluir resumo e palavras-chave (incentivamos o uso de imagens em todos os textos, com as devidas referências). * Quadrinhos e charges o limite é de 1 (uma) página em tamanho A4. * Todos os textos devem ser digitados em papel A/4, fonte Arial ou Times, 12; o espaçamento entre linhas de 1,5 cm; com tabelas e gráficos na mesma versão (fonte Arial ou Times, 11); as margens superior e esquerda de 3 cm; margens inferior e direita de 2 cm.
* Notas (colocadas no rodapé com espaçamento simples, tamanho 10): devem ser evitadas, utilizá-las em casos especiais, não utilizando este espaço para referências bibliográficas. * As citações longas (mais de três linhas), as legendas das ilustrações e/ou tabelas devem ser digitadas com espaçamento simples. * As referências devem ser digitadas com espaço simples e separadas entre si por um espaço em branco simples, alinhadas à esquerda.
Lembramos ainda que os textos serão avaliados e podem ser publicados até mesmo em números futuros (informaremos aos autores se for essa a situação). Os autores deverão enviar juntamente como texto uma pequena nota biográfica contendo: nome completo, instituição de formação e curso e o atual vínculo institucional (se tiver). Deve ser encaminhado ainda, uma foto (preferencialmente em arquivo do tipo *.jpeg ou *.png) que irá acompanhar o texto da publicação. Os textos deverão ser encaminhados para o e-mail universos.bibichs@gmail.com O prazo máximo de envio do texto para a publicação no próximo número é dia 30 de junho!!! 44
Uni/Versos - ano 1, nº 3, junho de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos