LEITE DE VASCONCELOS 75 ANOS DEPOIS Retratos de Leite 6 Dez./31 Dez. na Biblioteca da FLUL
1. Legados leitianos O legado leitiano da FLUL é constituído pela sua biblioteca de Filologia e por um espólio documental em que avultam manuscritos de Linguística, História literária e Etnografia. Estes serviram para as suas publicações em vida e para a série de edições póstumas promovidas por Orlando Ribeiro e Manuel Viegas Guerreiro, do Centro de Estudos Geográficos. Não é possível, por ora, avaliar a dimensão dos materiais inéditos. Outro legado leitiano de grande importância encontra-se no Museu Nacional de Arqueologia: além da biblioteca de História, encerra a correspondência passiva de Leite, a sua documentação pessoal e um espólio manuscrito inédito. Passados três quartos de século sobre a morte de Leite de Vasconcellos, a sua obra continua a reclamar estudo e divulgação, a sua figura excita imaginações. Nesta exposição, os papéis do espólio guardado na Biblioteca da FLUL sugerem vias de aproximação a alguns dos domínios que o Dr. Leite mais investigou e aos seus próprios métodos de investigação (e comprovam a urgência do tratamento arquivístico desta cornucópia documental, condição para que se torne pleno instrumento de estudo e ensino). Ao mesmo tempo, os retratos do Dr. Leite, fotográficos e em verso, inspiram originais visões de artista. A escritora Adília Lopes, que tem com o Dr. Leite afinidades antigas, além do amor aos gatos, interpreta em vídeo o auto-retrato que ele mandou a Hugo Schuchardt para ser mais facilmente reconhecido na estação de comboios de Graz, quando o foi visitar em 1900.
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O fotógrafo Renato Roque associou às imagens históricas de Leite as que resultam das suas próprias pesquisas, como a seguir, com sensibilidade, descreve. (Ivo Castro)
2. O fotógrafo e o fotografado
Foi o escritor Carlos de Oliveira quem me apresentou Leite de Vasconcelos, mas isso é outra história e terei de a contar noutra altura. Reencontrei o Mestre, cerca de um ano mais tarde, ao embrenhar-me na Lhéngua Mirandesa, no âmbito de um estudo de Linguística Românica na FLUP, e, desde então, a figura de Leite de Vasconcelos fascinou-me de vez. Foi quando percebi que partiria de malas e bagagens à sua descoberta. Esta decisão significava obviamente, não só estudar e ler o Mestre, mas também ter de encontrá-lo num sentido literal, utilizando como ferramenta dessa materialização a fotografia. A fotografia como uma máquina mágica que nos permite viajar no espaço e no tempo. A procura de Mestre Leite levou-me a muitos locais, por onde ele andou, ou onde deixou vestígios: Porto, Lisboa, Ucanha, Terras de Miranda, sempre em busca de rastos da sua passagem. Tem sido uma viagem com muitas etapas. Tem sido uma aventura com muitos episódios. E sempre com a câmara dependurada ao pescoço, como bússola, guiando essa caminhada. O projecto fotográfico “À procura de Mestre Leite”, que integra a exposição que relembra os 75 anos da morte de Leite de Vasconcelos, regista uma das etapas dessa viagem: a busca da casa onde Mestre Leite morou no Porto, durante cerca de um ano, depois de concluir o curso de Medicina na Escola Médica do Porto.
Casa onde Mestre Leite morou no Porto
A opção epistolar para realizar o projecto, consubstanciada numa sequência de postais, que envio ao Mestre, ao longo da caminhada na rua onde morou, suporta-se na importância enorme, no seu espólio, da correspondência epistolar, como atestam as abundantes publicações de
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correspondência sua com ilustres personalidades nacionais e estrangeiras e como a bela Fotobiografia do Mestre, editada pelo Museu Nacional de Arqueologia, também tão bem realça.
Esta imagem é uma das poucas do legado da FLUL em que se preservou o negativo
Durante essa viagem fui também participante activo na abertura de alguns dos pacotes do espólio de Leite de Vasconcelos na FLUL. Num deles fomos surpreendidos pelas fotografias de época que encontrámos, de Mestre Leite e dos seus amigos, familiares e conhecidos.
Foram realmente essas fotografias que de imediato nos sugeriram construir esta exposição: uma exposição que lembrasse o Mestre, nesta data especial, a partir dos seus retratos: os retratos de Leite. A fotografia, de novo, como uma máquina de viajar no tempo, para o passado e para o futuro. (Renato Roque)
3. Epístola a Schuchardt (leitura de Adília Lopes)
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EPISTOLA
Do convivio dos sabios levo ufano Lição, exemplo, affecto, ensinamento: Como se diz do frade franciscano, Que não volta sem nada p’ra o convento.
Ao Sr. Dr. Hugo Schuchardt (enviando as informações que me pediu)
Nascido na ribeira do Occidente, Das tradições da Lusitania herdeiro, Acharás, por ventura, surpr’hendente Que eu tambem seja ousado caminheiro?
Estatura mediana. E, p’ra consôlo Ao mingoado cabello, barba inteira, Encrespada em anneis, num negro rolo, Como silvestre matagal da Beira.
Por esta miniatura que te mando (E quem a vir não ria, mas admire-a!) Já facilmente me conheces, quando Eu puser pé no verde chão da Estiria.
Embora dia a dia afeito às iras Do astro que com seu fogo a vida espalha, Jamais sem Sonnenschirm ao pé me víras, Nem na cabeça alvo chapeu de palha. E, como desafio ao duro clima Onde vive entre nevoas o Eslovaco, Sobraço sempre (porque mais se estima O suar que o tossir!) grosso casaco.
Em meio do confuso ajuntamento, No Bahnhof, ao sahir a multidão Em ondas e torrentes, olha attento P’ra onde mais te bater o coração:
Trago comigo a minha mala, cheia De alfarrabios, cadernos, papelada, Como farto museu que me recreia Das fadigas e estorvos da jornada.
Esse o sinal de que já venho perto, Pois tambem forte o meu me baterá, Num sobresalto, num prenúncio certo De que co’o amigo em communhão está.
Ando assim percorrendo grande parte Da velha Europa: os Sénones, os Boios; Ora cativo dos primores da arte, Ora morto de enfado nos comboios.
Oh! amigos! amigos! hoje em dia Tão raros elles são e tão escassos, Que podes calcular minha alegria, Por fim, ao apertar-te nos meus braços! Vienna d’Austria, 22-VII-900 J. Leite de Vasconcellos.
Créditos da Exposição Título: Leite de Vasconcellos 75 anos depois Concepção e organização: Esperança Cardeira, Centro de Linguística da Universidade de Lisboa Pedro Estácio, Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Ivo Castro e Renato Roque Fotografia: Renato Roque Montagem: Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
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