Catálogo-Guia da Exposição Bibliográfica Viriato da Cruz (1928-1973). Movimento dos Novos

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Viriato da Cruz (1928-1973) Movimento dos Novos Intelectuais de Angola (1948) Catálogo da Exposição bibliográfica Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Organização: Grupo de Literaturas e Culturas Africanas do CLEPUL

(arte: Ivone Ralha)

2 a 15 de Maio de 2018


«O movimento» deveria retomar, mas sobretudo com outros métodos, o espírito combativo dos escritores africanos dos fins do século XIX e dos princípios do actual. Esse movimento combatia o respeito exagerado pelos valores culturais do Ocidente (muitos dos quais caducos); incitava os jovens a descobrir Angola em todos os seus aspectos através de um trabalho colectivo e organizado; exortava a produzirse para o povo; solicitava o estudo das modernas correntes culturais estrangeiras, mas com o fim de repensar e nacionalizar as suas criações positivas e válidas; exigia a expressão dos interesses populares e da autêntica natureza africana, mas sem que se fizesse nenhuma concessão à sede de exotismo colonialista. Tudo deveria basear-se no senso estético, na inteligência, na vontade e na razão africanas. Viriato da Cruz

Entre os anos quarenta e cinquenta do século passado nas principais cidades da colónia de Angola algumas associações e os seus jornais dão corpo e voz à “ questão angolana” que, de uma forma ou de outra, ia ocupando os textos em verso e prosa publicados ou de circulação mais restrita. São participantes destas novas inquietações António Jacinto, Mário António, Leston Martins, Filinto Elísio, Mário Alcântara Monteiro, Mário de Andrade e Viriato da Cruz. São todos jovens e acompanham as modificações que têm lugar no continente africano sobretudo depois da segunda guerra mundial. Em Angola a ocupação militar portuguesa está praticamente concluída, depois que o exército colonial mobilizou as “companhias indígenas” e contou com os colonos boers e seus carros de bois para ocupação do espaço e divisão dos espólios (gado, recursos), ao mesmo tempo que a fronteira era negociada com outras potências europeias à revelia da dimensão africana de todos os enunciados. A diferença entre os principais centros urbanos acentuou-se e dentro das cidades as relações entre centros e periferias era cada vez maior e diferente no que dizia respeito a abastecimento de água, saneamento básico, mercados públicos, já para não falar na escola que os estudos recentes remetem para datas mais tardias se tivermos em conta a população na sua totalidade.1 No entanto os movimentos associativistas não eram apenas iniciativa da sociedade colonial e numerosos agrupamentos de filhos do país, angolenses, se filiaram em sociedades com fins mutualistas, de carácter religioso ou fins assistenciais. A longa tradição de associação, segundo Aida Freudhental2, tem o seu auge (principalmente nos meios urbanos) no século XIX e mobiliza os filhos da terra em torno da promoção de festas (carnaval), organizações desportivas, jornais e certas actividades assistencialistas de entreajuda e defesa dos interesses comuns. Particularmente activas foram a Liga Angolana e o Grémio Africano cuja história vai registando a passagem de alguns dos nomes que a história ligaria ao nascimento de uma certa ideia de país e da noção de pertença que os levaria a proclamar a voz de Angola 1

1950 - O censo populacional indica 4 145 266 habitantes, dos quais 30 809 "assimilados". Segundo o censo, Angola tem 78 826 brancos, 29 648 mestiços e 4 036 687 negros. - Por Portaria n.º 7 079, o governo português instituíu a "Instrução Rudimentar" para os indígenas, com instruções pormenorizadas sobre quem, quando e o quê devia ser ensinado. 2 Aida Freudenthal, Angola in Nova História da Expansão Portuguesa ,O império Africano, vol.XI, p.404408


autonomizada do império e das leis do “indigenato” e da “assimilação” que corporizam novas formas de violência sobre as populações do campo e das cidades.3 [...] e nós vamos remontar [...] ao ano de 1948. Que é o ano de referência para a tal geração chamada dos “Novos Intelectuais de Angola “ ou do “Vamos descobrir Angola” ou da “Mensagem”. Uns situam em 48, outros em 50. Nós vamos situar em 48.

Assim é numa palestra nunca publicada, proferida no P.U.N.I.V.(Instituro Pré Universitário de Angola), em Luanda, em Maio de 1989, António Jacinto, poeta de “Carta de um Contratado” ou de “O grande desafio” e contemporâneo destes movimentos, contava como tudo tinha acontecido. Nesta palestra, juntamente com todas as marcas da oralidade, António Jacinto recupera os momentos (um tempo antes e um tempo depois) e a geração que se propunha franquear a muralha de silêncio construida pelo colonialismo e que separava os intelectuais filhos de colonos e de assimilados do povo angolano. António Jacinto fala da importância do Elenco : [...] assim se formou um grupo ocasional em casa de um amigo, em casa de Humberto Machado... Um sobrinho que ele tinha, Higino Aires, que se fazia rodear de um certo grupo de jovens e é o mesmo Higino Aires que batizou esse grupo que se reunia uma vez por semana à noite, de “Elenco”. [...] Também se falava de poesia [...] Esse grupo chamava-se “Elenco” e não é “Vamos descobrir Angola” mas aí começa [...] […] O movimento dos Novos Intelectuais adoptou, sim senhora, Vamos descobrir Angola é Preciso fazer a nova Poesia de Angola.4

Assim nos fala o poeta de “O grande desafio” na entrevista e nas cartas que depois trocou com o investigador francês e que são referidas na publicação referida. O slogan é recuperado de uma palestra proferida por Filinto Elíseo de Menezes, poeta caboverdeano, na Sociedade Cultural de Angola em 19485, palestra essa onde os laços com outros movimentos literários são afirmados e a importância de nomes como Maurício Gomes e Viriato da Cruz sublinhadas como os mentores de um movimento em busca da angolanidade enquanto afirmação e forma de activismo. Com enunciados muito diferentes e impactos difíceis de ser avaliados, os jovens angolanos de Luanda, Benguela, Lobito e outros núcleos urbanos, escolheram uma certa forma de fazer e dizer poesia para dar forma ao manifesto que continha Angola e as diversas afirmações das suas particularidades. Trazemos assim e aqui o momento em que a palavra activismo se lia em forma de poema ou na evocação para memória futura do panteão das figuras de nacionalismo antes do nacionalismo, um movimento em que a ideologia (tomada de posição) iria enformar para sempre a prática do verso e a sua materialização na linguagem enquanto sítio e signo dos ideais da libertação. O Brasil está presente na forma como os jovens angolanos lêem e citam Manuel Bandeira (Brasil, 1886-1968), Ribeiro Couto (Brasil, 1898-1963), e as propostas de ruptura que estes poetas propõem com a estrutura canónica da gramática do verso. Numa

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Para uma actualização ver os trabalhos de Eugénia Rodrigues Ver palestra proferida no PUNIV em 1985 (dactilografada). Ver entrevistas de António Jacinto a Michel Laban in Angola, Encontro com escritores, Porto, Fundação Eng. António De Almeida,1991, p.139-179 5 Ver (1949), ""Apontamentos sobre a poesia de Angola: Maurício Gomes e Viriato da Cruz; precursores de uma poesia em formação", de Filinto Elisio de Menezes", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_83503 (2017-11-22) 4


carta dirigida por José Graça (Luandino Vieira) a Salim Miguel (Brasil 1924-2016) pode ler-se: “Pensámos fazer e fizemos um grupo de novos, que auxiliando-se uns aos outros, publicasse os trabalhos. Organizámos cadernos e vamos começar a publicá-los. Obras todas de jovens que pretendem cantar os temas da sua terra e do seu povo”6. A Santa Catarina (Florianópolis) chegam as ambições dos jovens angolanos e por ali se publicam em alguns jornais contos, poemas, gravuras. A correspondência dá notícia de todos esses “movimentos”, mesmo sem uma existência legal. Registo, manifesto, passam a ser citados como “o movimento” ou “ a descoberta” de um novo tempo que pretende romper com as definitivas fronteiras do asfalto e fundar uma nova angolanidade. Seguem rumos diferentes os participantes nessas reuniões em casa de Ilídio Machado (nacionalista angolano) e formaram O Movimento dos Novos intelectuais de Angola (MNIA), mas a poesia ficou e com ela o momento em que o verso organiza uma nova forma de ver o mundo. Recupera-se uma tradição que a escrita e a oralidade tinha instituído para inventar uma nova ordem que cumpria viver se tomarmos em boa conta que em todo o continente africano novos activismos tomavam forma e encontravam na escrita as falas do futuro. A Viriato da Cruz, nascido em Porto Amboim em 1928, ligado desde sempre aos movimentos renovadores da poesia angolana e também ao activismo pela consciência nacional e a luta pela independência de Angola se recorre para tornar mais clara toda esta época. Os movimentos associativistas e outros de descoberta da verdadeira voz de Angola devem a Viriato da Cruz um primeiro manifesto, a clarificação ideológica que se impunha à criação de um programa libertador e afirmativo da causa que se inscreve no processo de renovação de uma prática poética que naturaliza e se apropria da terra para dizer de uma realidade identitária da nação a construir. Há aqui a descobrir uma teoria do verso que ainda é preciso perceber na sua actualidade reforçada e afirmativa da consciência do eu e do outro angolanos inseridos no espaço, o da cidade e das suas margens. Poema e obra literária profundamente implicados num quotidiano que se liberta pela linguagem. Outros activismos… […] a areia da marca que o seu pé deixou. Ana Paula Tavares CLEPUL

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Salim Miguel, Cartas de África e Alguma Poesia, Rio de Janeiro, 2005, p.30


SIGLAS UTILIZADAS [B.FLUL] – Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

NOTAS 1. As referências bibliográficas constantes neste catálogo estão ordenadas pela respectiva ordem numérica e alfabética 2. Referências Bibliográficas de acordo com a Norma Portuguesa 405. 3. O Catálogo da Exposição Bibliográfica poderá ser solicitado para o endereço electrónico do Núcleo de Comunicação e Gestão de Actividades Culturais: bib.dif.cultural@gmail.com


Catálogo Bibliográfico da Exposição Viriato da Cruz (1928-1973). Movimento dos Novos intelectuais de Angola (1948) 1.

Angola - Viriato da Cruz, o homem e o mito: Porto Amboim (Angola) 1928 - Beijing 1973. Lisboa: Prefácio, 2008.

[COTA B.FLUL: 821.134.3(673).09 CRU,V/ROC,E]

2. Antologias de poesia da Casa dos Estudantes do Império: 1951-1963. [Lisboa]: ACEI, 1994. [COTA B.FLUL: 821.134.3(6)-1"19" ANT 1] [COTA B.FLUL: 821.134.3(6)-1"19" ANT 2]

3. CRUZ, Viriato da - Colectânea de poemas: 1947-1950. Lisboa: [s.n.], 1961. [COTA B.FLUL: MF 209]

4. CRUZ, Viriato da - Poemas. Lobito: [s.n.], 1974. [COTA B.FLUL: MF 3251]

5. DASKALOS, Sócrates - Memórias: a Casa dos Estudantes do Império: fundação e primeiros anos de vida. Lisboa : Câmara Municipal, [1993]. [COTA B.FLUL: HP 227-ICH/AM]

6. FARIA, António - Linha estreita da liberdade: a Casa dos Estudantes do Império. [Lisboa]: Colibri, [1997]. [COTA B.FLUL: CUL 5-ICH/AM]

7. MATA, Inocência - A Casa dos Estudantes do Império e o lugar da literatura na consciencialização política. Lisboa: UCCLA- União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa, 2015. [COTA B.FLUL: LP 2137 P]

8. Mensagem: boletim da Casa dos Estudantes do Império. [Lisboa]: ALAC, 1996. [COTA B.FLUL: MF 2383] [COTA B.FLUL: MF 2384]

9. Mensagem: circular da Casa dos Estudantes do Império. Lisboa: C.E.I., 1949-1964. [COTA B.FLUL: PP 1050-MF]


Catálogo Bibliográfico da Exposição Viriato da Cruz (1928-1973). Movimento dos Novos intelectuais de Angola (1948) 10. Mensagem: [número especial 1944-1994]. Lisboa: Associação Casa dos Estudantes do Império, 1997. [COTA B.FLUL: 930.85(469)"19" MEN]

11. MONTEIRO, Maria Rosa da Rocha Valente Sil - C.E.I. celeiro do sonho: geração da "mensagem". [Braga]: Universidade do Minho, 2001. [COTA B.FLUL: 821.134.3(673).09"19" MON,M]

12. No reino de Caliban : antologia panorâmica da poesia africana de expressão portuguesa : Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola, São Tomé e Príncipe, Moçambique. Lisboa : Seara Nova, 19751976. [COTA B.FLUL: MF 1727] [COTA B.FLUL: MF 1728]

13. Poetas angolanos. [Lisboa: s.n., 1959]. Sep. Boletim da Casa dos Estudantes do Império. Pert.: Biblioteca Alfredo Margarido e Isabel Castro Henriques. [COTA B.FLUL: LV 73 ICH/AM]

14. Poetas angolanos: antologia da Casa dos Estudantes do Império. Lisboa: s.n., 1962. [COTA B.FLUL: MF 1995]

15. TRIGO, Salvato - A poética da "geração da mensagem". Porto: Brasília, 1979. [COTA B.FLUL: 821.134.3(673).09"19" TRI,S]


FICHA TÉCNICA Organização

Grupo de Literaturas e Culturas Africanas (CLEPUL) Execução Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa


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