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CURADORIA David Klein Martins Diana V. Almeida Miguel Troncão Patrícia Infante da Câmara
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BODY AND DESIRE: CROSSING OVER
Introductory notes The Body and Desire: Crossing Over exhibition is the culmination of artistic reflections on women artists. It brings together a great spectrum of artistic responses to U.S. women artists from a European and Middle Eastern cultural perspective. Indeed, it develops a dialogue between the unique universes of each of these artists and the personal stories of a group of students. Body and Desire: Crossing Over offers multiple points of entry into the complex conversation cut across the boundaries of gender, sexuality, aesthetics, race, and nationality. The exhibition questions concepts such as femininity and gender, and, through meditations on mortality or through a more political stance on women’s rights in the United States, it explores the long-silenced topic of the desiring female body. Based on our personal backgrounds and stories, as master’s and doctoral students, we were given the task of re-examining a set of artworks by a selected artist. What came to life is the diversified body of works that Body and Desire: Crossing Over encloses, reaching from visual pieces of art such as photographs, graffiti paintings, collages, or computer animated “gifs,” to explorations into the realm of music. David, Miguel & Patrícia 3
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Os corpos vivos “É a minha entrega à alegria de viver, sem que esconda a existência de razões para tristeza, que me prepara para estimular e lutar pela alegria na escola.” Paulo Freire1 Foi com imenso prazer que preparei e lecionei o seminário de pós-graduação Corpo e Desejo na Arte Contemporânea Feminina, ou, Body and Desire in Contemporary Women Artists, pois a nossa língua de trabalho foi o Inglês. Este seminário decorreu no âmbito do programa de Estudos Americanos do MEIADEIA (Mestrados e Doutoramentos oferecidos pelo DEA, Departamento de Estudos Anglísticos, FLULisboa), no ano letivo de 2014-2015. Como sucede em todas as cadeiras que leciono, criei um blogue para acompanhar o nosso percurso de aprendizagem, com entradas sobre as diversas artistas por nós estudadas, desde 1970 até à contemporaneidade. A saber: Alma López, Barbara Kruger, Cindy Sherman, Faith Rinngold, Janine Antoni, Judy Chicago, Louise Bourgeois, Martha Rosler, Guerrilla Girls, Mary Kelly, Nan Goldin, Sally Mann,Vanessa Beecroft. Esta plataforma de interação digital recebe livremente posts dos alunos, com os quais interajo ao longo do semestre.Vamos acrescentando informação e partilhando recursos e saber(es). Podem deliciar-se em ‘Body and Desire in Women’s Art’ — http://womenartists-flul.blogspot.pt/ Os objetivos da cadeira são os seguintes: “Refletir sobre: i) conceitos de género, políticas de identidade e corporalidade; ii) condições de produção específicas das mulheres artistas; iii) expressão criativa no feminino e suas temáticas recorrentes. Analisar obras de autoria feminina produzidas nos E.U.A., desde 1970 até à atualidade, situando-os no contexto mais amplo da história de arte contemporânea. Tendo como paradigma de análise transversal o conceito de corpo, relacionar textos teóricos e literários com obras das artistas visuais/performers estudadas.” 1
Professora sim; tia, não. Cartas a quem ousa ensinar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. 142. 4
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A estes ingredientes juntámos um desafio engendrado pela minha querida amiga e companheira intelectual, Margarida Vale de Gato, que sugerira aos seus alunos de poesia estado-unidense que criassem uma ‘obra de arte’, inspirados pelo texto de um dos autores estudados ao longo de semestre. E, assim, os alunos de Corpo e Desejo na Arte Contemporânea Feminina avançaram com valentia, definindo a artista para o projeto de pesquisa criativo. A ideia seria criar um envolvimento analítico-criativo com a obra de uma das artistas eleitas por cada um dos alunos. As apresentações orais foram incríveis. Os alunos empenharam-se em saber mais sobre a artista escolhida e em criar elos com o seu universo estético. Foram tomando notas sobre este processo, em particular, sobre os elementos / conceitos / textos que os inspiravam, à medida que afinavam ideias. Enquadraram a obra da artista no contexto contemporâneo, recorrendo a teorização recente e citando exemplos do trabalho de outros artistas contemporâneos. Partilharam reflexões sobre este percurso, entremeando a dimensão crítica e criativa. Criaram uma obra da sua autoria, em diálogo com uma série de categorias metodológicas: temáticas recorrentes na produção da artista; leitura poética de séries fotográficas; reconhecimento do impacto de uma performance; experimentação com estratégias composicionais; projetaram mostras museológicas com uma seleção do trabalho da artista; compuseram a voz de uma das figuras retratadas ou... Ele há dias em que sabe bem aprender e ensinar. O corpo cruza biologia e cultura, carne e imagem, i.e. o corpo é o espaço-tempo onde se encontram diversos eixos significativos da nossa articulação identitária no planeta humano. É, pois, fundamental compreender os mecanismos das políticas de identidade, num dado contexto sociopolítico, para ler a realidade e agir criativamente. De facto, algumas feministas contemporâneas, como Rosi Braidotti2, advogam que a consciência crítica serve para melhor sonhar e colocar em ação mundos novos, em que seja maior a justiça entre os corpos. Entre o corpo da Terra e o corpo das pessoas, entre o corpo das pessoas, das plantas e dos animais, entre o corpo das pessoas e o corpo das pessoas... Podemos criar um novo paradigma, no respeito mútuo pela diferença, de modo a que todos possam florescer na sua singularidade, em comunidades vibrantes (KHughes).3 2
“Between the No Longer and Not Yet: Nomadic Variations on the Body” 4th Feminist European Conference, 29 Sept. 2000 // http://www.women.it/quarta/plenary/braidotti.htm 3 Krista E. Hughes, “Beauty Incarnate: A Claim for a Postmodern Feminist Theology”, in 5
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Os alunos deram o corpo ao manifesto. Viram o seu corpo transformado por artes de maquilhagem (David / CSherman); implicado em ações de rua (Miguel / BKruger); exploraram o corpo da montanha, onde jaz um misterioso cadáver masculino (Patrícia / SMann); desconstruíram o corpo da diferença, oscilando entre nudez fetichizada e traje islâmico (Allen / VBeecroft); envolveram os corpos vivos da comunidade doméstica (Judit / NGoldin); imaginaram um corpo marcado pela diferença étnica, reclamando os ícones visuais da “fronteira”4 (Janete / ALópez); cantaram a voz de um retrato repetido, da filha da artista crescendo (Joana / SMann). Os media utilizados variam entre a fotografia, o vídeo, a colagem, o stencil e o canto. Defendo o valor instrumental das Humanidades na formação de gerações hábeis para recriarem um mundo melhor. O modelo neoliberal, seguido nos últimos cinquenta anos, tem vindo a arruinar o planeta e a economia, com custos humanos cada vez mais fortes. É importante, pois, apostar em pessoas capazes de reclamar o seu agenciamento, a partir de uma postura consciente, curiosa, criativa. Dar aos alunos a oportunidade e o desejo de expressarem tão generosamente os seus talentos é uma escolha política. Apela à ação, tanto na dimensão analítica, como criativa, através da materialização de um objeto visual. Por outro lado, provoca uma reflexão sobre o corpo viv(id)o (fenomenológico), na interação com a comunidade criativa contemporânea. As artistas estudadas interrogam os limites do corpo feminino, socializado para servir o lar, para dar lugar ao homem no universo profissional e político, para sofrer de amores nos filmes românticos, chorando um pouco. Ao longo do semestre fomos juntos refazendo o mapa da história de arte contemporânea, dando visibilidade à obra de artistas extraordinárias, a maior parte das quais ainda ativas, a criar. Compreendemos melhor como os discursos hegemónicos configuram a mulher, nos limitados papéis que lhe são oferecidos pela narrativa patriarcal. Ler é um modo de resistência ativa. Como professora, sugiro o risco de pensar, imaginar, falhar, repensar, ler, sentir, investigar, criar. As políticas educativas nos últimos anos tenderam a privilegiar métodos utilitários, com resultados mensuráveis, no estertor de um ensino repetitivo e massificado. Gilbert, Sandra e Diana V. Almeida (Eds.). Feminisms Today and Tomorrow. Anglo Saxonica III: 6, 2013. 103-126. 4 Gloria Anzaldúa, Borderlands/La Frontera:The New Mestiza (1987). 6
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Acredito que a tendência de valorizar os números em detrimento das pessoas está a dar lugar a uma maior atenção à felicidade individual e coletiva. Acredito que a cidadania se constrói através da expressão artística, na partilha estética e imaginativa.5 Acredito nas gerações com quem dialogo e sonho. Grata* Agradeço A cooperação do David, do Miguel, da Patrícia e do seu companheiro, o Nuno ‘Azelpds’ Almeida, na curadoria e produção de material gráfico. A recetividade da equipa da Biblioteca da FLULisboa. O apoio recolhido através de Crowdfunding. O renovado apoio da Associação de Estudantes da FLUL. Agradeço ainda a tod@s @s meus alun@s (1995/...) pela sua sempre tão generosa dádiva. Diana V. Almeida Lisboa, fevereiro 2016
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Vide Roger Hopkins: “[The] view of knowledge as social product, and its development via collective discussion, heightens the possibility of people gauging, through exchange with others, the possible consequences of their intended actions and therefore being able purposefully to influence community relations and conditions.” Empowering Education. Educating for Community Development:A Critical Study of Methods,Theories and Values.Winchester: John Hunt Publishing, 2013. 299. 7
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ALLEN SEUDIN
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Allen Elia Seudin was born in 1987 in the ancient Assyrian city of Iraq, Erbil, now the capital of Kurdistan. He is currently taking a Master‘s degree in English and American Studies at FLULisboa. Allen is interested in presenting Eastern Culture details that are almost foreign to the West. He’s also passionate about reading books and he aspires to become a writer. *** The woman’s body is subject to societal norms and religious beliefs, that limit her freedom.Typically, in most middle-eastern countries the Niqab is a symbol of chastity, and those disobeying this ordain are depreciated or very often publicly executed. In creating my first animation, I took inspiration from Vanessa Beecroft’s performance “VB43”, which was performed at the Gagosian Gallery (London), in 2000. It is important to comprehend that this work reflects my personal perspective and by no means an established fact. For my second animation, my starting point was a photograph from Vanessa Beecroft’s performance “VB45”, performed at the Kunsthalle Wien (Vienna), in 2001. A manipulation of body tones confuses our reading parameters, and it becomes difficult to figure out the original skin color of the models. To create both animations, I used Photoshop 2000 CC software.
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DAVID KLEIN MARTINS David Klein Martins is currently writing his master’s thesis as part of the English and American Studies MA program at FLULisboa, centered ostensibly on queer representations in the American slasher film of the 1980s. His particular research interests lie in the fields of Gender Studies, Queer Theory, American Popular Culture, as well as (horror) Film Studies. Born and raised in a bilingual German/ Portuguese household in southwestern Germany, David has chosen the city of Lisboa as his new home. *** I took on the challenge of producing a creative work about Cindy Sherman (1954), as I am deeply interested in the idea of the deconstruction of gender through subversive artistic means. Analyzing Sherman’s pictures, I quickly realized that they spoke about 10
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the same issues that the art of drag tries to tackle, namely to reveal the artificiality and performativity of gender by parodying it. Accordingly, Sherman recreates images of women publicized by the mass media and thus plays with these collectively known representations of femininity to reveal their artificial nature. In other words, “Sherman’s women are not women but images of women, specular models of femininity projected by the media to encourage imitation, identification; they are, in other words, tropes, figures” (Owens 18).1 The artist’s strategy lies in recreating these female tropes by turning her face into a mask with the help of makeup and by immortalizing these characters in her photographs. Her highdefinition2 pictures function as tools of scrutiny: every brushstroke and every detail of the masking process is disclosed under the great and revealing lightning she uses. While browsing through Sherman’s large artistic catalogue, the idea emerged to recreate a few of her characters. This way, I would be able to visualize what Judith Butler has described in her writing; namely that “I”, as a man, wearing the same layered mask as Sherman, can likewise recreate the same female tropes. In turn, I wanted to link this idea of gender as an ongoing imitation process to Baudrillard’s postmodern concept of the simulacrum, i.e. the process of creating an endless array of copies during which the original source is lost.This way I would be able to experience that gender identities are indeed based on superficial and arbitrary signifiers, handed down through time without being questioned. In my work, this imitation process reads as follows: A) The imitation process starts with my male identity, which according to Butler is already a construct. B) It is then continued by me wearing female attire and thus adapting a different, female identity, which C) imitates the phantasy of a photograph, which is in turn D) already depicting a phantasy. E) Underneath this phantasy lies Cindy Sherman, a woman (again being a construct), who F) is adapting a different identity through transformation, which G) is linked to and plays with the illusion of a female archetype/ the idea of femininity. Makeup: Nuno Neves Photos: Patricia Jiménez Barceló, Nuno Neves Postproduction: Gilda David 1
Owens, Craig. „The Allegorical Impulse: Toward a Theory of Postmodernism, Part 2.“ Cindy Sherman. Ed. Johanna Burton. Cambridge, MA: MIT, 2006. 3-23. 2
Untitled Film Stills (1977-1980), the artist used the reverse strategy, 11
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JANETE RODRIGUES
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O meu nome é Janete Isabel Monteiro Rodrigues, tenho 25 anos e nasci na Guarda, a 25 de Agosto de 1990. Nesta cidade eu cresci, passei a minha infância e adolescência, ao lado dos meus pais, irmãos e amigos. Ao concluir os meus estudos secundários, na Escola Secundária Afonso de Albuquerque, em 2010, mudei-me para Lisboa, onde me licenciei em Design de Moda, pela Faculdade de Arquitetura da ULisboa.Atualmente frequento a Pós-Graduação de Especialização em Comunicação de Tendências, na Faculdade de Letras da ULisboa. Faço desporto e voluntariado em diversas áreas. *** Alma López foi a inspiração para este trabalho. A artista nasceu no México e cresceu em Los Angeles. Trabalha com diversos media, tais como pinturas, murais, gravuras, arte digital e instalações. A pesquisa foi baseada nas culturas mexicana e chicana, nas suas tradições, festas e ícones populares. Para a realização do projeto utilizei máquina fotográfica, computador, software visual e impressora. Fiz um mood board onde se destacam alguns dos símbolos mais importantes destas culturas, tais como as celebrações, figuras religiosas, lutadores e pintores. No decorrer do processo criativo, emergiram dois temas principais que acabaram por resultar em dois trabalhos digitais: Guadalupe Mother of Mexico e Where you can´t love, do not delay (citação de Frida Kahlo).
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JOANA MACHADO Nascida no Funchal em 1978, Joana Machado começou a tocar piano aos 6 anos. Aos 15 foi rockstar, tendo vencido o concurso local “Super Rock”, com a sua banda Et7ra. Mudou-se para Lisboa em 1995, ano em que completou o 12.º ano, na Escola António Arroio. Em 1998, entrou para a Escola do Hot Clube sendo, um ano mais tarde, considerada a “nova voz revelação do Jazz em Portugal”. Paralelamente, formou-se em Design Industrial (1996-2001, pré-Bolonha). Em 2002 mudou-se para Nova Iorque e, com uma bolsa de estudos, formou-se em Performance em Jazz e Música Contemporânea na New School University (2004). 14
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Em 2012 obteve o grau de Mestre em Performance na ESMAE (IPP). Atualmente, frequenta o Doutoramento em Artes Performativas da Universidade de Lisboa. É professora na Licenciatura em Jazz e Música Moderna da Universidade Lusíada, onde ensina Instrumento, Classe de Conjunto, Formação Auditiva e Harmonia e na Escola de Jazz Luiz Villas-Boas (HCP). No seu currículo constam performances com artistas de renome internacional e, para além dos discos em nome próprio – Crude (2006), A Casa do Óscar (2009), Travessia dos poetas - Rosapeixe (2010) e Blame it on my Youth (2014) –, participou em gravações de Abe Rábade (2008), Amílcar Vasques Dias (2011), Ricardo Pinheiro (2013) e do Septeto do HCP (2015). *** Quando escolhi trabalhar sobre uma obra de Sally Mann no meu projecto criativo, foi claro para mim que teria de abordar a controversa Immediate Family. Toda aquela nudez infantil, os valores exorbitantes pelos quais se venderam algumas das fotografias em grande formato e, sobretudo, a enorme exposição de Jessie, a filha do meio da artista. Após ter pesquisado sobre o seu paradeiro, constatei que o seu percurso escolar não teria sido o mais regular, com desistências no currículo e que, chegada a adolescência, a sua relação com as drogas e o álcool era já antiga. Hoje, Jessie, é psicóloga de formação, artista plástica e fotógrafa, colaboradora e modelo do fotógrafo Len Prince de profissão. Especulei que a fama obtida na infância e uma certa desproteção da sua imagem, do seu corpo, lhe teriam causado alguma instabilidade e especulei ainda, mesmo após ter lido as entrevistas de Jessie a propósito do trabalho da mãe — em que não há uma palavra rancorosa, muito pelo contrário —, que de alguma forma o lugar-comum da criança famosa que tem um crescimento problemático (Drew Barrymore, Macaulay Culkin, Lindsay Lohan, entre muitos outros) aqui se aplicava e que se deveria, talvez, a essa grande exposição de que Jessie foi vítima na infância. Pensei em compor uma peça a duas vozes, que invocasse uma certa melancolia, com clusters e dissonâncias. A beleza das imagens e das cenas nelas retratadas, ao ar livre, fizeram-me pensar na brisa que se poderia sentir naquela Virgínia a preto e branco. Na introdução, as vozes simulam o vento. Segue-se um “A” onde a 2ª voz se desenrola lentamente e com notas longas que, após a repetição do motivo melódico principal, em que o lócrio natural nove (o 6º modo da escala menor melódica) transita para a menor melódica (mãe) e para o dórico (2º da escala maior), resolve na sensível. Lídia é a cor presente no “B” e voltamos ao “A”. Surgiu um paralelismo entre as duas vozes que rapidamente passou a contraponto, qual vendaval que desfolha as árvores. Depois o vento volta a acalmar-se e a introdução repete, em tom de despedida. A canção está aberta a outras interpretações (não estão todas?). A possível fuga de Jessie da Virginia ou o desejo de uma infância normal, quiçá. O vento. 15
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JUDIT DEL RĂ?O
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Judit del RĂo (Spain, 1991) studies History of Art with a specialization in Contemporary Art, Film Studies and Theory of Art. Her approach draws its focus from the critical theories that emerged in the 1970s, shifting the research paradigms, in particular, Postcolonialism, Feminism, and Intersectionality, all of which have a broad impact on artistic proposals even today. *** This series was not planned as a strict copy of Nan Goldin’s (1953) work. Rather I pretended to mimic in some way her particular approach to a special kind of portrait, whose goal is not to depict the person in the picture, but mainly the domestic landscape, a certain kind of atmosphere that includes the people and interferes with them and their lives. The photographs were shot following some basic guidelines loosely drawn from the artist’s portfolio, of which the use of a flash is blatant. I purposely tried to bring attention to the everyday life, aiming for a diary-like record of common, ordinary moments, thus creating the feel of a spontaneous snapshot. This also relates to the ephemeral nature of these images. Luck and the current mood of the people involved in this experiment played an important role in the final configuration of the images shown here.
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MIGUEL TRONCĂƒO
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Miguel Troncão studies at FLULisboa, doing a Master’s Degree on English and American Studies. His area of academic study is contemporary English-speaking fantasy literature and medieval literature. Right now he is developing his Master’s thesis on Tolkien’s work, specifically The Lord of the Rings and The Hobbit. During his Master’s he also took an interest on other subjects like the cinematography of Alfred Hitchcock, the photography of Sally Mann and the literary work of Allen Ginsberg. Besides his academic life, he is also an active part of the Student’s Association, where he promotes many events with the main focus of art and culture. Up until doing the stencils, Miguel had always been an exemplary citizen. *** My creative work was based on and influenced by Barbara Kruger’s art, specifically her collages.This influence is not only in technique and color, but also thematic.With each stencil I tried to replicate the conjunction of colors, mainly black/white and red, that Kruger uses in her collages, although in this case the text is not over the image, but next to it, so it would be perceptible. The themes were also inspired by Kruger’s work and revolve mainly around political and social issues, with an emphasis on consumerism, the normative society and embodiment. There were some particular pieces that had a more direct influence on my work. You are Seduced by the Sex Appeal of the Inorganic (1982) helped me to develop a different perspective about some of our social symbols, namely the big corporations’ brands, and how they contribute to the perpetuation of a patriarchal mindset. With Your Body is a Battleground (1989), I approached in a more direct way the shape of the female body itself, addressing the issue of the male gaze and the sexual objectification of the female body. Finally, with Pro-Life for the Unborn, Pro-Death for the Born (20002004), I addressed the themes of government legislation regarding female choices and the female body. The use of stencil allowed me to play with the dichotomy of colors that Kruger uses, taking advantage of the chromatic simplicity of her style. Thematically, using an underground artistic approach allowed me to tackle these politically charged themes. 19
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PATRÍCIA INFANTE DA CÂMARA
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Patrícia Infante da Câmara é licenciada em Estudos Portugueses e Franceses (2008, ULisboa e Univ. Paris IV-Sorbonne) e mestre em Ensino de Português e Línguas Clássicas (2010, ULisboa). Trabalhou como leitora de língua e literatura portuguesas na Faculdade de Letras da Universidade Eötvös Loránd e na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Corvinus, em Budapeste/Hungria (2012-2014), onde também desempenhou funções como diretora do Centro de Língua Portuguesa, representante de Portugal no cluster EUNIC-Hungria e coordenadora de exames do Centro de Avaliação de Português Língua Estrangeira. Atualmente, é aluna de doutoramento no Centro de Estudos Comparatistas da FLULisboa, onde desenvolve a sua tese sobre literatura portuguesa contemporânea e Literatura-Mundo e colabora no projeto “Literatura-Mundo: Perspectivas em Português” (CEC-MORPHE). Já fez teatro, tertúlias e um curso de Língua Gestual Portuguesa, tem alguns textos publicados em antologias e revistas culturais, expôs trabalhos fotográficos em várias cidades portuguesas e organizou conferências, exposições, festivais de cinema, concertos e feiras do livro na Hungria. *** Escolhi desenvolver o meu trabalho criativo a partir da obra de Sally Mann (1951) por me identificar, há já alguns anos, com a sua estética, os seus temas e a sua mundividência, no que concerne o conceito de ‘corpo’ (humano, animal ou vegetal). Revejo-me na proximidade, na simplicidade e na liberdade com que Sally Mann se relaciona com o mundo natural à sua volta e foi esse o ponto de partida para o conjunto de fotografias que desenvolvi – de resto, a escolha de trabalhar em fotografia pareceu-me evidente, não apenas por ser o medium privilegiado pela artista, mas também por ser aquele com que sempre senti mais afinidade. Inspirei-me particularmente nas séries Body Farm (2000-2001, sobre decomposição do corpo humano), Battlefields (2000-2003, sobre transformação do corpo vegetal por interação com o corpo humano), Southern Landscapes (1998, pelos cenários, enquadramentos e jogos de luz) e Proud Flesh (2003-2009, pelo olhar sobre a evolução de um corpo masculino do qual se está emocionalmente próximo). Tentei conjugar, estética e conceptualmente, os principais traços de cada uma destas séries, de modo a chegar a uma ideia final que gravita e medita em torno dos possíveis da mortalidade: quando morre um corpo humano, como é que se pode fundir com o corpo natural maior de que faz parte e de que formas é que ambos podem transformar-se mutuamente? Quis desenvolver uma hipótese de repensar a morte dos corpos como fim último, a que por vezes também aludem os trabalhos de Sally Mann, aceitando 21
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que podem metamorfosear-se de formas variadas. Trata-se de uma proposta de releitura mais cultural e antropológica do que propriamente espiritual ou esotérica – na altura em que imaginei esta série, estava atenta aos textos críticos de René Girard e Mircea Eliade, A Violência e o Sagrado (1972) e O Mito do Eterno Retorno (1949), respetivamente, que acabaram por influir no processo criativo. Paralelamente, estava ainda a trabalhar em alguns artigos sobre Metamorfoses (séc. VIII a.C.), de Ovídio e Mayombe (1980), de Pepetela – que, conhecendo um pouco, rapidamente se percebe como ecoam nesta série fotográfica. Concebi uma espécie de story board e planeei cada fotografia como parte de uma sequência lógica, com critérios específicos e uma narrativa própria. Sabia que queria fotografar um corpo masculino nu (que acabou por ser o do Nuno ‘Azelpds’ Almeida, colaborador nesta exposição e meu parceiro), sabia que teria de encontrar um espaço florestal acidentado e elevado que me permitisse vários ângulos e grandes planos (calcorreei a Serra de Sintra até encontrar o espaço perfeito), sabia que precisava de uma luz forte mas nebulosa para recriar a técnica de wet plate com que Mann trabalha (o que implicou um acompanhamento constante das previsões meteorológicas) e sabia que precisava de alguns ossos para representar os estágios de decomposição do corpo humano (que só consegui encontrar, nas dimensões e com as características certas, depois de algumas reuniões amigáveis com o talhante local). O resultado é o que podem observar nestas 13 fotografias, que narram o encontro “fortuito” com um corpo humano que jaz morto na floresta e que acompanham o decurso da sua decomposição, até ao momento em que ele se funde com o corpo vegetal circundante e se transforma ‘em coisa nova’ (no caso, o corpo animal de uma borboleta, símbolo de mudança por excelência). Segui uma estratégia cinematográfica de long shot (plano aberto) inicial, closeup progressivo até ao plano de detalhe, e regresso gradual ao long shot para criar a impressão de uma narrativa cíclica; e na primeira apresentação que fiz desta série incluí como música de fundo a faixa de abertura do álbum Metamorphosis (1989), de Philip Glass, não só pela coincidência temática como também pela sua cadência repetitiva e circular.
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AGRADECIMENTOS
a todos os que apoiaram financeiramente este projeto, tornando-o possível:
Allen Elia Seudin, Adriana Crespo, Associação ComuniDária/Magdala de Gusmão, Ana Sofia Bessa Carvalho, Claudia Klein Martins, Crisanta Alves, Diana V. Almeida, Edgardo Medeiros da Silva, Elsa Maurício Childs e Jeffrey Childs, Joana Farinha Marques Maria, João Pedro Miranda, Isabel Oliveira Martins, Luís Freitas, Manuel e Maria Teresa Campos Almeida, Margarida Vale de Gato, Marta Soares, Nuno Eduardo Gomes das Neves, Ricardo Filipe Teixeira, Rita Queiroz de Barros, Rita Aleixo, Rute Osório, Teresa Cid
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BIBLIOGRAFIA DE APOIO À EXPOSIÇÃO
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Body and Desire: Crossing Over
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BODY AND DESIRE: CROSSING OVER
FACULDADE DE LETRAS ULISBOA GALERIA EXPOSIÇÕES DA BIBLIOTECA 22 FEVEREIRO - 07 MARÇO 2016