O estado da formação turística em Portugal

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Carina Monteiro - cmonteiro@publituris.pt / Fotos: Frame It

FORMAÇÃO

O Publituris promoveu um encontro para discutir a formação turística.

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Enquanto as escolas apontam a valorização das profissões como o caminho para atrair mais mão-de-obra ao setor do turismo, empregadores pedem mais componente prática nos cursos.

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escassez de recursos humanos é o tema na ordem do dia no setor do turismo. Num trabalho recente da revista Publituris Hotelaria sobre o porquê da falta de mão-de-obra nos hotéis, esgrimiram-se argumentos de um lado e de outro. Se para os hoteleiros, há falta de pessoal qualificado e não existem

apoios fiscais à contratação, do lado dos trabalhadores, as principais razões apontadas são as remunerações baixas e a fraca política de recursos humanos. Mas nesta equação, o que têm as escolas a dizer? Onde está o problema e se há cada vez mais alunos a procurarem cursos de formação na área do turismo? Foi para responder a estas questões que juntámos à mesma mesa a diretora coordenadora das Escolas do Turismo de Portugal, Ana Paula Pais, a diretora do Departamento de Turismo Universidade Lusófona, Mafalda Patuleia, o presidente da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, Raúl Filipe, e em representação do setor empregador, Eduarda Neves, vice-presidente da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), num encontro que decorreu no hotel Turim Boulevard. A conversa iniciou-se com a evolução da procura dos alunos para cursos na área Turismo. Ana Paula Pais confirma que, nos últimos cinco anos, essa procura tem aumentado na rede de Escolas do Turismo de Portugal. Mas se o aumento é evidente em cursos relacionados com a área da gastronomia (cozinha e pastelaria), o mesmo não acontece nas áreas do serviço (mesa e bar). A falta de valorização destas profissões pode explicar o fenómeno. “Durante alguns anos, tivemos a desvalorização da função do serviço e isso é uma função nobre (o serviço é a base de

toda a hotelaria)”, defende Ana Paula Pais, para quem, o valor aporta-se de várias formas. “Uma delas tem que ver com as condições do trabalho. As pessoas muitas vezes referem que há um problema de salário, mas há um outro conjunto de fatores. Por exemplo: para os jovens, hoje em dia, um dos fatores mais importantes é o horário de trabalho. Os jovens vêem os horários de trabalho de forma diferente do que víamos antigamente. Prezam muito ter tempo para realizar uma diversidade de coisas na sua vida, isso faz com que alguns sintam menos apetência por essas áreas. Há que trabalhar em conjunto com os empregadores para desmitificar algumas ideias que nem sempre correspondem à realidade do setor”, considera. O presidente da ESHTE concorda com a ideia que é preciso dar mais reconhecimento às profissões. O problema não está na procura, já que das 430 vagas abertas para os cursos ministrados na ESHTE, há cerca de 2500 candidatos. Raúl Filipe dá o exemplo da função de cozinheiro. “Há 30 anos essa profissão era mal paga e tinha pouco reconhecimento. Há cerca de 10 anos era uma profissão já relativamente bem paga, mas ainda sem reconhecimento social e, neste momento, estamos numa situação em que os chefes são estrelas de cinema. É necessário assumirmos que o reconhecimento das profissões é importante”. Muto embora a taxa de empregabilidade à saída dos cursos

seja de 100%, o presidente da ESHTE não tem tantas certezas sobre a taxa de retenção do setor. “Seria interessante termos um estudo para avaliar quantos destes alunos se mantêm a trabalhar no setor ao fim de 10 anos e a razão pela qual eventualmente não se mantêm”, sugere o responsável, apontando em seguida algumas razões. “Quem trabalha no turismo fica com um conjunto de competências tal que, com muita facilidade depois agarra noutras áreas onde é muito melhor pago. Temos o exemplo no passado de escolas de renome internacional, em que 80% dos alunos que concluíram os cursos foi ‘apanhado’ para a banca e seguros. Isso reflete que a formação em turismo é de tal forma abrangente que se pode trabalhar noutras áreas e ter outra qualidade de vida, não só em termos daquilo que é o salário e horários laborais”. Mafalda Patuleia destaca a mudança de paradigma dos alunos que escolhem esta atividade, pois procuram cada vez mais o sentido prático do ensino. “Estamos num paradoxo: o que é que é suposto as universidades ensinarem e o que é suposto os politécnicos ensinarem? Um aluno quando escolhe um curso superior pergunta, à partida, qual é a componente prática do curso. É uma atenção que temos de ter a este assunto”, aponta a responsável do departamento de Turismo da Lusófona. Sobre o tema da valorização das profissões, Mafalda Patuleia aponta um 07 junho 2019

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problema de base. “Portugal é um país de serviços, mas não temos a cultura do serviço. Quando assistimos a outros países que desde o ensino primário já têm o serviço incutido no ensino das crianças, percebemos que temos de fazer muito em relação a isso. O serviço não é bem visto em Portugal ainda.” Apesar de reconhecer que existe cada vez mais procura e formação de bons alunos, prova disso “é que à saída dos cursos, os estudantes vão para áreas completamente diferentes. Temos as grandes casas como a Louis Vuitton a recrutar os alunos de turismo”, Mafalda Patuleia defende igualmente o caminho da dignificação da profissão, seja ela qual for na área do Turismo. “É isso que os alunos essencialmente procuram numa licenciatura em Turismo”.

Eduarda Neves

Oferta formativa vs mercado laboral Nesta relação entre a oferta curricular e as necessidades do mercado de trabalho, nem sempre os dois lados estão em sintonia. Não é o caso dos intervenientes desta conversa que consideram que a componente prática nos cursos de turismo é essencial, mas nem sempre fácil de implementar. Para a vice-presidente da APAVT, as escolas devem melhorar o “lado prático da formação”. “Gosto de contratar alguém que acabou de sair da escola ou que teve uma experiência muito curta e começamos sempre por lhes dar entre seis meses a um ano de formação. Infelizmente, na maior parte dos casos, são eles que saem, ao fim de 15 dias, ou acabamos por não renovar ao fim de seis meses ou um ano, porque não se conseguem adaptar à realidade do dia-a-dia”, constata. “Muitas vezes saem da universidade com aquela postura que são doutores, como tal, já sabem tudo. Mas como não têm conhecimento prático do que se faz no dia-a-dia, neste caso numa agência de viagens, ou têm vontade de aprender, se não têm e têm dificuldades com os horários, então é melhor irem para outra área. No turismo essa é uma questão fundamental, temos de trabalhar 20

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Ana Paula Pais

24h por dia, se for preciso, sete dias por semana”, defende. No caminho que é preciso fazer para adaptar os currículos à realidade laboral, as Escolas do Turismo de Portugal têm uma vantagem competitiva, como explica Ana Paula Pais. “Temos

uma matriz essencialmente prática, porque o objetivo das nossas escolas é diferente de uma universidade ou de um politécnico. E também temos bastante autonomia para fazer essa adaptação. Em 2018, iniciámos um diagnóstico das necessidades das empresas e ouvimos mais de 150 empresas para fazer esse diagnóstico. Desenvolvemos grupos de trabalho, proximidade com as associações e com os seus associados. Este ano vamos mudar a nossa oferta de cursos profissionais, fazemo-lo com base nesse trabalho de diagnóstico com as empresas. Muitas das componentes que os nossos cursos têm hoje, desde a forma como estão organizados até aos conteúdos vêm dos imputs das empresas”, explica. Neste processo, Ana Paula Pais considera que há também um papel que cabe às escolas, “Temos de juntar esses fatores que as empresas apontam como essenciais, perceber quais as tendências do setor e fazer esse match, porque temos a obrigação de liderar e preparar os profissionais para os desafios futuros”. Em suma, a coordenadora das Escolas do Turismo de Portugal considera que há dois aspetos essenciais para adequar a oferta formativa ao mercado de trabalho: “Ouvir as empresas, as escolas têm de ter fórums regulares, ferramentas ou órgãos informais de auscultação das empresas e temos de trazer as empresas para as escolas. Neste momento, um terço dos nossos formadores são pessoas que simultaneamente trabalham no setor”. O outro fator prende-se com a metodologia de formação. “A formação on the job vai ter uma dimensão cada vez mais expressiva, não vamos ter jovens suficientes, até pelas questões demográficas do país, e aí vamos ter que trabalhar com as empresas para que a formação seja no local de trabalho e as escolas possam fazer a diferença em unidades muito especializadas”. Para Ana Paula Pais, esta estrada tem dois sentidos: se por um lado, as escolas têm de criar espaço para acolher as empresas, por outro, as empresas têm de se disponibilizar e comprometer

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Mafalda Patuleia

com a formação que é preciso ser feita para combater a taxa de saída do setor. “Podemos ter um problema com a atração de talento, mas temos um problema com a retenção também No Ensino Superior, a adequação dos programas curriculares é mais complexa e obedece a determinadas regras que são comuns às diferentes áreas de estudo. Todos os cursos do Ensino Superior, seja Medicina, Engenharia ou Turismo, têm de ser certificados pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), que define uma série de critérios. Um deles é determinar o número mínimo de docentes que deve pertencer ao quadro da instituição de ensino, assim como o número de docentes desse quadro que deve ser doutorado ou especialista. “Não temos nada contra isso”, começa por dizer Raúl Filipe, “mas em escolas como a nossa, em que privilegiamos muito o contacto com o mundo do trabalho e onde para nós é importante ter profissionais que estão no terreno, tenho receio que, se esta lógica muito académica continuar a evoluir, fiquemos cada vez mais limitados na possibilidade de contratar estes colegas”, considera. 22

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Raúl Filipe

O processo de adaptação dos currículos pode não ser fácil, até porque “todos os académicos estão de acordo que os cursos sejam reestruturados desde que a sua área científica não perca peso”, conclui o responsável. No entanto, a ESHTE já iniciou o processo de revisão curricular. “Posso dizer que encetámos este processo há um ano, estamos a três terços, há que ouvir muita gente e depois há que obedecer a uma série de regras da A3E’s, acho que a qualidade deve ser aferida e é importante que haja uma certificação, mas principalmente no turismo deve haver alguma flexibilidade porque a componente prática é muito importante”. Mafalda Patuleia põe o dedo na ferida. “Estamos completamente constrangidos relativamente ao exercício da educação em Portugal. Para termos especialistas no nosso corpo docente, os profissionais têm de se submeter a provas públicas para estarem a lecionar dentro de uma academia. É isto que está acontecer. Não retirando o mérito, tem que haver exigência, rigor e a A3ES tem feito um trabalho importante neste caminho, mas o turismo não é uma área qualquer, não é ciên-

... “Portugal é um país de serviços, mas não temos a cultura do serviço. Quando assistimos a outros países que desde o ensino primário já têm o serviço incutido no ensino das crianças, percebemos que temos de fazer muito em relação a isso. O serviço não é bem visto em Portugal ainda”, Mafalda Patuleia

cia, não pode ser tratada como uma economia, uma história ou sociologia, tem características muito específicas, muito práticas que têm de ser salvaguardadas”, defende. “Não é por acaso que os alunos das universidades e dos politécnicos concorrem diretamente com as escolas profissionais. Muitas vezes entram os alunos do profissional e não entram os da licenciatura e não tem só a ver com a remuneração, mas também com a parte de aprendizagem e competências que não tiveram”, reconhece. “É bom que o mercado de trabalho saiba que não têm porque muitas vezes não temos professores, porque temos de fechar cada vez mais a porta aos professores que estão a trabalhar numa agência de viagens e que ao mesmo tempo têm ensinamentos práticos para dar nas academias. Não vejo essa realidade noutras escolas internacionais. Estamos a cair num constrangimento, num exagero relativamente a este tipo de profissionais, e depois temos o mercado de trabalho a dizer que esta componente não existe”, lamenta. Licenciada em Turismo e Guia Intérprete, pelo Instituto de Novas Profissões (INP), Eduarda Neves conta que, nessa

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altura, muitas das disciplinas foram dadas por profissionais da área. Teve docentes que eram guias intérpretes ou agentes de viagens. “Isso agora não é possível e é uma falha”, considera. Para a responsável da APAVT, o INP era uma escola “extremamente inovadora, as pessoas que a fundaram e a geriram tinham uma visão fantástica do futuro, e foi a melhor escolha que podia ter feito”. Eduarda Para Eduarda Neves, existe ainda a questão dos estudantes conhecerem ao máximo as profissões e o que fazem as empresas do setor. “Na APAVT temos todo o tipo de agências de viagens. Temos agências retalhistas, que vendem ao público, ao balcão, temos agências que fazem corporate travel, fazem reservas de aviação e hotelaria para clientes que estão em viagens de negócio, temos os operadores turísticos, temos o incoming, com várias especificidades. Há uma variedade enorme de agências. Seria ótimo que os cursos com saídas profissionais para esta área contemplassem uma apresentação sobre o setor da distribuição para que os alunos percebam que saídas têm e se lhes interessa ou não”.

Fazer carreira no turismo Como é que o turismo se pode tornar mais atrativo para as pessoas e evitar a fuga de mão-de-obra? É a pergunta que se impõe. Do lado do empregador, existe vontade de valorizar as profissões, considera Eduarda Neves. “Algo que é muito importante para nós mas onde encontramos alguma dificuldade é na formação ao nosso pessoal durante um ano de trabalho. Há falta de opções de formação contínua. Tento, no meu caso pessoal, fazer todos os anos formação à equipa, duas vezes por ano. Contrato empresas específicas para darem formação na empresa porque não posso correr o risco de inscrever as pessoas num curso, que depois não acontece porque não há gente suficiente inscrita. Faço inclusivamente formação no estrangeiro. Temos que valorizar as pessoas e temos que lhe dar algum tipo de estabilidade e mostrar que podem valorizar-se 24

... “Hoje o setor do turismo tem uma função ímpar na sociedade e é isso que temos de promover junto dos jovens: entusiasmo em trabalhar num setor que é o motor da economia portuguesa”, Ana Paula Pais

dentro da nossa empresa”. Sobre a construção de carreira no turismo, Ana Paula Pais considera que, em geral, o setor do turismo é, provavelmente, um dos mais céleres para fazer uma carreira. “Temos setores onde as pessoas dificilmente chegam ao topo da liderança de uma empresa, se pensarmos na indústria em geral, é mais difícil”, defende. Para a responsável das Escolas do Turismo de Portugal, há um conjunto de características do setor do turismo que se podem utilizar para cativar mais as pessoas e aponta quais. “A celeridade na construção de uma carreira é um deles, quando a pessoa gosta deste setor, pode constituir carreira e sabe como fazê-lo. Depois, temos outros complementos que o empregador pode utilizar: dar formação - é dos setores com maior mudança, onde as pessoas têm de estar sempre a aprender. Isso é um fator que sabemos que constitui uma satisfação enorme, quando trabalhamos de forma rotinada muitos anos, cansamo-nos do nosso trabalho, somos todos tendencialmente assim”. Por outro lado, Ana Paula Pais aponta a diversidade de tarefas, como sendo algo que as empresas podem oferecer aos colaboradores e com isso criar “autonomia, responsabilidade, complementaridade de funções”. Em suma, “há uma série de fatores que caraterizam a própria atividade do turismo e

que são em si mesmo fatores de atratividade para a profissão, seja ela uma profissão mais específica, ou outras mais abrangentes”, alerta. “Quando nós, escolas ou empresas, temos de atrair pessoas, temos de tornar esta atividade aliciante pelas suas características intrínsecas. O que julgo que falta às profissões do turismo é que as pessoas olham só para os detalhes negativos”. Na opinião de Ana Paula Pais, há muitas outras profissões com horários complicados, mas, “como têm uma notoriedade na sociedade, não olhamos para os aspetos negativos, olhamos para a nobreza dessa função e a sua função na sociedade”. “Hoje o setor do turismo tem uma função ímpar na sociedade e é isso que temos de promover junto dos jovens: entusiasmo em trabalhar num setor que é o motor da economia portuguesa. As pessoas no Turismo podem encontrar emprego em segundos, não há outro setor assim. Acredito que temos de trabalhar estas características, que são aliciantes no setor, para que consigamos depois, num trabalho contínuo entre escolas e mercado, organizar as profissões e colocar as pessoas onde precisamos delas. Mesmo assim vamos precisar de cativar pessoas fora do país, precisamos de mais pessoas do que as que temos no país”, alerta. P Agradecimentos ao Turim Boulevard

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