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Duas Repúblicas, três jornais: a transição Monarquia – República no Brasil e em Portugal nas páginas da imprensa rio-grandina (novembro de 1889 e outubro de 1910)


Ficha Técnica Título: Duas Repúblicas, três jornais: a transição Monarquia-República no Brasil e em Portugal nas páginas da imprensa rio-grandina (novembro de 1889 e outubro de 1910) Autores: Reto Monico e Francisco das Neves Alves Coleção: Documentos, 11 Composição & Paginação: Luís da Cunha Pinheiro Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Instituto Europeu de Ciências da Cultura Padre Manuel Antunes Biblioteca Rio-Grandense Lisboa / Rio Grande, março de 2018 ISBN – 978-989-8814-96-8 Esta publicação foi financiada por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P. no âmbito do Projecto «UID/ELT/00077/ 2013» Esta é uma obra em acesso aberto, distribuída sob a Licença Internacional Creative Commons Atribuição-Não Comercial 4.0 (CC BY NC 4.0)

Os autores: Reto Monico é Doutor em História pela Universidade de Genebra, com a sua tese Suisse – Portugal: regards croisés (1890-1930), publicada em 2005. É autor de diversos artigos em edições acadêmico-científicas nos quais analisa as imagens dadas pela imprensa internacional e pela diplomacia suíça sobre aspectos e acontecimentos da História contemporânea de Portugal e do Brasil. Francisco das Neves Alves é Professor Titular da FURG, Doutor em História pela PUCRS e realizou Pós-Doutorados junto ao ICES/Portugal (2009); Universidade de Lisboa (2013), Universidade Nova de Lisboa (2015) e UNISINOS (2016). Entre autoria, coautoria e organização de obras, publicou mais de cem livros.


Reto Monico Francisco das Neves Alves

Duas Repúblicas, três jornais: a transição Monarquia – República no Brasil e em Portugal nas páginas da imprensa rio-grandina (novembro de 1889 e outubro de 1910)

– 11 – CLEPUL / Biblioteca Rio-Grandense Lisboa / Rio Grande 2018



Índice Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

I

A República no Brasil (novembro de 1889)

Eco do Sul . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Artista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Diário do Rio Grande . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

II

A República em Portugal (outubro de 1910)

7

11 25 39 55

63

Eco do Sul . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 Artista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189 Diário do Rio Grande . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199

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APRESENTAÇÃO Dois países separados por um oceano, mas com tantas tradições e fundamentos históricos em comum, Brasil e Portugal tiveram vários momentos de intersecção ao longo de sua formação. Ainda que a República no Brasil tenha servido como um forte estímulo ao republicanismo português, a Monarquia Lusitana ainda conseguiria superar a brasileira em duas décadas de existência. A dinastia bragantina caiu a 15 de novembro de 1889, com a queda de D. Pedro II e o exílio da família imperial na Europa, passando pelas terras lusas, havendo o encontro com o soberano português D. Carlos que há pouco acendera ao poder. Apesar da crise constante e do acirramento do movimento antimonárquico, a alternância dos tradicionais partidos ainda sobreviveria em Portugal até o regicídio de 1908, golpe fatal, a partir do qual se davam os estertores da Monarquia Lusa, que viria a expirar definitivamente a 5 de outubro de 1910, com a expatriação do rei D. Manoel II. Nesse sentido, os dois ramos dos Bragança cairiam na América e na Europa em conjunturas históricas diferenciadas. Tais contextos foram comentados e noticiados pela imprensa internacional não sendo diferente no caso do jornalismo brasileiro. A queda do sui generis império tropical causou impacto junto ao periodismo nacional, notadamente pela muitas vezes considera surpreendente deposição de D. Pedro II. Já a derrocada final da Monarquia Lusitana viria a ser apontada como uma continuidade do processo desencadeado a partir do duplo assassinato de D. Carlos e seu sucessor, em fevereiro de 1908. Nos quadros da imprensa brasileira, ela se desenvolveu com mais vigor nas cidades socioeconomicamente mais adiantadas e este foi o caso da localidade


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do Rio Grande, cujos jornais deram ampla divulgação àqueles acontecimentos de novembro de 1889 e outubro de 1910. Ao longo do século XIX e primeiros anos da centúria seguinte, a cidade do Rio Grande foi uma das mais importantes dentre as comunidades da mais meridional das unidades político-administrativas brasileiras, o Rio Grande do Sul. Tal localidade constituiu-se no mais importante entreposto mercantil sul-rio-grandense, exercendo o papel de verdadeira porta sulina, por onde entravam e saíam não só produtos, como também pessoas, ideias, livros e jornais. O avanço econômico da cidade traria consigo também o progresso sociocultural e, como reflexo disso, o aprimoramento das atividades jornalísticas. Foi nesse quadro que surgiram e evoluíram três dos mais importantes periódicos rio-grandenses-do-sul, o Eco do Sul, o Artista e o Diário do Rio Grande. Tais publicações atingiram o ápice de seu desenvolvimento nas três últimas décadas do século XIX, cada qual sustentando com maior ou menor força os conflitos discursivos típicos da vida monárquica brasileira, na qual se defrontavam liberais e conservadores. A proclamação da República, em novembro de 1889, traria por significado um momento de inflexão na vida destes jornais que tiveram de redimensionar suas edificações discursivas, diante das novas contingências. Iniciava-se uma progressiva crise, cujos resultados fariam desaparecer o Diário do Rio Grande e o Artista, ainda no início dos Novecentos, sobrevivendo apenas o Eco do Sul, por mais algumas décadas. As percepções dos periódicos em relação aos eventos de 1889 foram mais diretas, por tratar-se de um assunto mais intrinsecamente ligado à vida nacional, já quanto à transição portuguesa, houve um cuidado redobrado, tendo em vista evitar qualquer tipo de mal estar no âmbito das relações exteriores. Além disso, a transição do século XIX ao seguinte marcou também uma transformação na imprensa brasileira como um todo, crescendo uma tendência de predomínio do jornalismo informativo sobre o opinativo. Tal contexto em muito influiria nas formas pelas quais os três jornais viriam a observar as duas repúblicas instauradas

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no Brasil e em Portugal, recaindo sobre tais reações o objeto de estudo deste livro.

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Parte I A REPÚBLICA NO BRASIL (NOVEMBRO DE 1889)

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A partir de 15 de novembro de 1889, o sui generis império tropical, verdadeira ilha cercada pelas demais repúblicas americanas, deixaria de existir, vindo a ser alocado, quanto à forma de governo, no mesmo rol de seus vizinhos continentais. O processo histórico que levou à desintegração da Monarquia no Brasil desencadeou-se bem antes daquela data. A década de 1860 representou o ápice da Monarquia Brasileira, mas já trazia em si os gérmens de uma etapa de decadência. A prolongação da Guerra do Paraguai, fora dos padrões das práticas intervencionistas brasileiras na região platina, levou a um constante desgaste, tendo em vista os dispêndios humanos, bélicos e financeiros, com um crescente endividamento externo. A inversão partidária de 1868, com a queda dos liberais e a ascensão dos conservadores, levaria a uma virada na vida política nacional, com os liberais aprofundando seu programa reformista e, dentre eles, uma ala mais radical, originaria um movimento republicano mais organizado. O encerramento da Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai agudizaria alguns dos antagonismos para com a Monarquia, trazendo de volta ao país um contingente de militares, com um espírito de classe mais exacerbado, insatisfeitos com o tratamento a eles destinado pelos políticos civis e passando cada vez mais a aperceberem-se de seu papel na manutenção da estabilidade das instituições. A Monarquia passaria a perder progressivamente os pilares que a sustentavam, caso da Igreja, do exército e da escravatura. Desentendimentos quanto às inter-relações entre a religião oficial do país e as práticas maçônicas, comuns a muitos dos homens públicos de então, levariam a chamada Questão Religiosa, que antepôs a coroa aos representantes da Igreja católica apostólica romana. A não aceitação da participação política dos militares traria consigo o acirramento da oposição castrense ao regime vigente, na denominada Questão Militar. Quanto à escravidão e as várias medidas procrastinadoras para a solução definitiva no que


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se refere à sua extinção, esta só viria com a Lei Áurea de 1888, abolindo a escravatura sem a esperada indenização, despertando a ira de parte dos ex-proprietários de escravos, fator considerado como um dos mais fatais para o derruir definitivo da forma monárquica de governo. O movimento republicano iria aproveitar cada um destes revezes para incrementar sua propaganda antimonárquica. Ainda que pouco representativa eleitoralmente, tal força política avançava em termos de organização, com a formação de núcleos e clubes e espalhando periódicos pelo país, aproveitando-se da liberdade de expressão do pensamento, predominante durante a maior parte do II Reinado. A província de São Paulo, precursora no processo de substituição da mão-de-obra escrava pela livre, a partir dos trabalhadores oriundos da imigração, foi aquela onde o republicanismo ganhou mais profundas raízes. Os republicanos brasileiros não constituíam um grupo homogêneo, havendo diferentes estratos sociais e matizes político-ideológicos abrigados sob o ideal de contrariedade em relação ao regime vigente. A extinção do sistema escravista sem compensações financeiras serviria como um fator catalisador do republicanismo para o qual migraram muitos dos insatisfeitos que se transformavam em republicanos de última hora. A Monarquia no Brasil passava por densa crise que recrudescia com o acirramento das disputas entre as duas principais agremiações partidárias da época. Ainda que adoentado e envelhecido, o imperador mantinha-se como um bastião de resistência à extinção do regime, mas suas condições de saúde serviam para que os inimigos da coroa aprofundassem suas campanhas antimonárquicas voltadas a estimular o ideário de que não poderia haver um III Reinado. Segundo eles, a sucessão de Pedro II seria extremamente prejudicial para o país, uma vez que imputavam à herdeira do trono, a princesa Isabel, uma religiosidade considerada excessiva, chegando a afirmar que ela era dominada por um jesuitismo. Além disso, os adversários da forma monárquica insistiam que a princesa não poderia ser entronada por causa da forte influência que receberia de seu esposo, o Conde D’Eu, apontado como um estrangeiro, lançando-se dúvidas quanto à sua

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participação militar na Guerra do Paraguai e acusando-o de atividades pouco lícitas, envolvendo usura e aluguel de casas. Apesar das dificuldades se avolumarem e de toda a campanha contrária, a Monarquia se mantinha e foi necessário um golpe de Estado, perpetrado pelos militares, com a participação de algumas lideranças republicanas, para dar fim à forma de governo vigente desde o nascedouro do país. Sem participação popular, sem maiores alardes e sem firmes resistências surgia uma nova República no contexto continental americano. Como o fora à época do Estado nacional imperial, a gênese do Brasil republicano, em um primeiro momento se dava como uma transição sem sobressaltos, voltada muito mais a uma noção de continuidade do que de ruptura, pois, apesar da mudança na forma de governo, muitas das estruturas nacionais permaneceram inalteradas. Mais uma vez a mudança se dava sob o signo do compromisso, da negociação e da conciliação. Nesses instantes iniciais, poucos foram os alijados do poder que se opuseram à transformação. O imperador e a sua família foram obrigados a partir do país o mais depressa possível. O receio dos novos detentores do poder era de que a presença imperial pudesse suscitar reações contrárias à República, ainda mais se, porventura, tivesse que ser medida a popularidade e a aceitação, submetendo-se as duas formas de governo a uma comparação, tanto que a promessa de um plebiscito que viesse a referendar a transição não chegou a ser cumprida. Quanto a D. Pedro II, a grande discussão dos novos governantes foi a de destinar-lhe ou não uma dotação compensatória, a qual o imperante teria recusado. Restou ao decaído imperador o exílio, primeiramente em Portugal, onde seria recebido pelo seu sobrinho recém-empossado como soberano. Ali passou os primeiros instantes longe da pátria, perdeu a esposa, ouviu planos de restauração que não foram em frente, vindo a, posteriormente, deslocar-se para a França, onde faleceria, dois anos após a República, observando seu país mergulhado em profunda crise. Além de afastarem o imperador, os governantes republicanos lançaram forte esforço para eliminar as memórias da Monarquia, tra-

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balhando na propaganda contrária ao regime decaído e promovendo uma política que seria voltada a eliminar o que consideravam como os males da época imperial, nem sempre com sucesso, ou não acertando propriamente o alvo da necessidade de mudança. A grande preocupação dos novos donos do poder era também a de apresentar uma imagem positiva para o exterior, visando demonstrar que as potencialidades do período imperial iriam prosseguir, sendo garantido o cumprimento de todos os compromissos internacionais. Tais governantes pretendiam também demonstrar que se inaugurara um Estado republicano estável e confiável, buscando uma diferenciação em relação aquilo que se dominava como «republiquetas» latino-americanas, constantemente sacudidas por golpes, revoluções e contrarrevoluções. Instaurada a República, houve uma série de indefinições ideológicas quanto aos rumos a serem seguidos, de acordo com padrões importados do exterior. Em essência, os governantes republicanos intentaram criar identidades entre a nova forma de governo e a liberdade, entretanto, os primórdios do novo regime foram fortemente marcados pelo autoritarismo. O federalismo em oposição ao centralismo monárquico era o denominador comum entre os diferentes grupos que buscavam plasmar a nova República e ele acabou sendo o preponderante a partir dos ditames constitucionais, estabelecendo-se uma federação liberal, tomando o exemplo norte-americano e, não para menos, a recém-nascida República seria batizada como Estados Unidos do Brasil. Passados os governos militares, progressivamente iria se firmar um modelo oligárquico com o predomínio de paulistas e mineiros no controle do aparelho do Estado, constituindo esta transferência geográfica do poder, dos barões do café fluminenses para os cafeicultores paulistas uma das mais efetivas mudanças dos tempos imperiais para os republicanos. A transição na forma de governo no Brasil se constituiria em um acontecimento cujo impacto interno teve proporções menores do que aquele esperado para tal tipo de mudança. Assim, «mesmo ao nível imediato da percepção, quase ao sabor da crônica dos acontecimentos,

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o 15 de Novembro apareceu como um movimento ‘superficial’». Nesse quadro, «por um lado, na expressão consagrada de Aristides Lobo, o povo teria assistido ‘bestializado’» ao que parecia uma «parada militar». Já no que tange ao seio «do exército, a articulação» foi realizada «por intermédio de um punhado de oficiais jovens de baixa patente que, se estavam isolados da soldadesca» – a qual parecia «não ter-se dado conta do alcance de seus atos –, também não se havia articulado, se não muito parcialmente e à última hora, com os oficiais superiores». Nesse sentido, «a ordem republicana» foi «instaurada por intermédio de um putsch militar cujo êxito pareceria repousar apenas na audácia dos jovens oficiais radicalizados», aos quais se associariam alguns republicanos, «e na incapacidade momentânea de reação dos condestáveis da ordem monárquica que detinham, numericamente, esmagadora maioria em comparação com os revoltosos»1 . No sentido de possíveis incertezas muitas vezes imputadas ao próprio proclamador, há referências à possibilidade de que nem ele mesmo tivesse se dado conta de que, naqueles meados de novembro de 1889, «as oligarquias monárquicas pertenciam ao passado, e ia começar o tempo da oligarquia republicana»2 . Ainda assim, nascia a República sob a égide militar e, nesse sentido, «o triunfo republicano de 1889 vai tornar realidade o que os próprios protagonistas resistiam a crer», ou seja, «Deodoro, que se queria conservador e monarquista», se transformaria «em presidente e pouco apego» iria «conservar as formas constitucionais que ele próprio promulgara, ouvida a Assembleia». Enquanto isso, «Floriano, que se pensava liberal», viria a «usar a espada para purificar a República»3 em nome da sua preservação.

CARDOSO, Fernando Henrique. Dos governos militares à Prudente – Campos Sales. In: FAUSTO, Boris (dir.). História geral da civilização brasileira – o Brasil Republicano. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. t. 3. v. 1. p. 15-16. 2 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Do Império à República. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (dir.). História geral da civilização brasileira – o Brasil Monárquico. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. t. 2. v. 5. p. 360. 3 CARDOSO, 1997. t. 3. v. 1. p. 31. 1

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A partir da instauração da nova forma de governo vários grupos políticos, diferentes e divergentes entre si, passariam a digladiar-se em torno do debate quanto ao modelo a ser empregado na edificação do novo regime. Nessa linha, «o fim do império e o início da República foi uma época caracterizada por grande movimentação de ideias, em geral importadas da Europa». Em muitos casos, «eram ideias mal absorvidas ou absorvidas de modo parcial e seletivo, resultando em grande confusão ideológica», de modo que «liberalismo, positivismo, socialismo, anarquismo misturavam-se e combinavam-se das maneiras mais esdrúxulas na boca e na pena das pessoas mais inesperadas»4 . Nesse quadro, havia «pelo menos três modelos de República à disposição dos republicanos brasileiros». Tal «fenômeno de buscar modelos externos» era «universal», mas a seleção, a forma de adoção e a adaptação das ideias, poderiam ser reveladoras «das forças políticas e dos valores» predominantes «na sociedade importadora»5 . Um desses grupos políticos era representado pelos «proprietários rurais, especialmente os paulistas», uma vez que, «em São Paulo existia, desde 1873, o Partido Republicano mais organizado do país». Essa «província passara por grande surto de expansão do café e sentia-se asfixiada pela centralização monárquica», e, «para esses homens, a República ideal era sem dúvida a do modelo americano», convindo a eles «a definição individualista do pacto social». Dessa maneira, era evitado «o apelo à ampla participação popular tanto na implantação como no governo da República», e, «mais ainda, ao definir o público como a soma dos interesses individuais», dava-se «a justificativa para a defesa dos interesses particulares» das oligarquias. Outro ponto essencial era «a solução federalista americana», pois, «para os republicanos» das principais oligarquias provinciais «o federalismo era o aspecto mais importante que buscavam no novo regime». Tais grupos propunham CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. 3. ed. São Paulo: Cia. das Letras, 1997. p. 42. 5 CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1993. p. 22. 4

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também «o sistema bicameral» como «parte da solução federativa» e adotavam «o modelo americano» de modo a atender os seus interesses. Entretanto, a conjuntura estadunidense em muito diferia da brasileira, na qual «a sociedade caracterizava-se por desigualdades profundas e pela concentração do poder». Assim, no Brasil, «o liberalismo adquiria um caráter de consagração da desigualdade» e «de sanção da lei do mais forte», e, associado ao presidencialismo, ficavam estabelecidos «os instrumentos ideológicos e políticos para estabelecer um regime profundamente autoritário»6 . Dentre esses diferentes grupos havia também aqueles que se concentraram em torno de ideias e práticas que ficariam caracterizadas como um jacobinismo, em clara referência a determinados segmentos da França revolucionária da virada do século XVIII para o XIX. Tais segmentos representavam «um setor da população urbana, formado por pequenos proprietários, profissionais liberais, jornalistas, professores e estudantes» para os quais «o regime imperial aparecia como limitador das oportunidades de trabalho». Essa «versão jacobina tendia a projetar sobre a Monarquia os mesmos vícios do Antigo Regime francês, por menos comparáveis que fossem as duas realidades», de modo que via «no império, por exemplo, o atraso, o privilégio, a corrupção», constituindo tais acusações em «parte da crença republicana»7 . Para os representantes do jacobinismo, «a solução liberal ortodoxa não era atraente», pois através dela não poderiam controlar «recursos de poder econômico e social capazes de colocá-los em vantagem num sistema de competição livre». Eles eram antes atraídos pelos «apelos abstratos em favor da liberdade, da igualdade, da participação, embora nem sempre fosse claro de que maneira tais apelos poderiam ser operacionalizados», de modo que «a própria dificuldade de visualizar sua operacionalização fazia com que se ficasse no nível das abstrações», pois até «a ideia de povo era abstrata». Para «os radicais da República, muitas das referências eram quase simbólicas», tanto que falavam «em 6 7

CARVALHO, 1993. p. 24-25. CARVALHO, 1993. p. 25-26.

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revolução» e «do povo nas ruas, pediam a morte do príncipe-consorte da herdeira do trono» e «cantavam a Marselhesa pelas ruas». Assim, «pela própria implausibilidade dessa solução, os partidários da liberdade à antiga formavam um grupo pequeno, embora agressivo». Significativa parte desse segmento «de descontentes percebia a dificuldade, se não a impossibilidade, de se fazer a República na praça pública», ficando «muito clara para eles a importância do Estado», ou seja, «eram contra o regime monárquico, não contra o Estado», o qual era visto como «o meio mais eficaz de conseguirem seus objetivos»8 . Outra característica essencial do jacobinismo era um espírito nacionalista. Nesse sentido, os jacobinos pregavam um «Brasil para os brasileiros», sendo «o nacionalismo, certamente, a mais conhecida característica» de tal agrupamento, constituindo um «poderoso ímã de que se servira para fazer proselitismo». Na concepção desse setor mais radical, o ato de ser brasileiro traria por significado pregar «as boas doutrinas» que enfeixavam «a bandeira do nativismo». Nesse contexto, nativista seria quem combatesse «os estrangeiros ruins» que emporcalhavam «o ambiente diáfano e puríssimo da adorada pátria». Desse modo, «um feroz e exclusivista nacionalismo étnico permeou as palavras e ações dessa corrente política nos primeiros anos da República», e esse «violento nacionalismo étnico, essa clara xenofobia foi sobretudo voltada contra os portugueses»9 . Pela sua ascensão à época em que Floriano Peixoto esteve no poder, o jacobinismo chegou a confundir-se com um florianismo que campeou naquele momento. Nesse caso, «Floriano e o florianismo agiram quase sempre em função de objetivos que garantissem um modus operandi de República», de modo que «o dado da coerência político-ideológica» não chegava a ser «a questão decisiva». Dessa forma, «o pragmatismo do marechal e das expressões contidas no florianismo, CARVALHO, José Murilo de. Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 1999. p. 94-95. 9 QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Os radicais da República – jacobinismo: ideologia e ação. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 99-101. 8

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seja de governo ou de rua, dominou esta prática política, razão pela qual a sua existência» foi «frequentemente marcada por ambiguidades»10 . Um dos argumentos lançados pelos defensores do governo do marechalato era de que para que houvesse «uma República estável, feliz e próspera», seria «necessário que o governo» fosse «ditatorial e não parlamentar», ficando «assim justificada a ditadura florianista bem como a não participação popular nas decisões políticas»11 . Nos quadros dos diferentes grupos que marcaram a gênese republicana brasileira, outra alternativa era «a versão positivista da República, em suas diversas variantes». Nessa perspectiva, «o arsenal teórico positivista trazia armas muito úteis» e uma delas era a «condenação da Monarquia em nome do progresso». Segundo a «lei dos três estados, a Monarquia correspondia à fase teológico-militar, que devia ser superada pela fase positiva, cuja melhor encarnação» seria «a República». Além disso, «a separação entre Igreja e Estado era também uma demanda atraente para esse grupo, particularmente para os professores, estudantes e militares». Os positivistas pregavam «igualmente, a ideia de ditadura republicana», com «o apelo a um executivo forte e intervencionista», que servia «bem a seus interesses». No que tange ao positivismo, «um grupo social que se sentiu particularmente atraído por essa visão da sociedade e da República foi o dos militares» e, «por razões históricas específicas, o modelo positivista seduziu também os republicanos do Rio Grande do Sul»12 , onde se instalaria uma estrutura ortodoxa de tal ideário que perduraria por décadas. Também houve no Brasil dos primeiros tempos republicanos, uma tênue tendência restauradora que, apesar de numérica e ativamente pouco determinante, serviu para que os novos governantes aprofunPENNA, Lincoln de Abreu. O progresso da ordem: o florianismo e a construção da República. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1997. p. 137. 11 COSTA, Cléria Botelho da. Progresso e desordem: o alvorecer da República brasileira. In: HOMEM, Amadeu Carvalho et al. (coord.). Progresso e religião: a República no Brasil e em Portugal (1889-1910). Coimbra: Universidade de Coimbra, 2007. p. 84. 12 CARVALHO, 1993. p. 27-28. 10

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dassem ainda mais suas práticas autoritárias, em nome da «salvação da República». Nesse contexto, mesmo reduzindo-se a uma minoria, «o espantalho monarquista» não deixou de ser «apresentado como o maior perigo para a estabilidade do regime»13 . Dessa maneira, «as atividades dos monarquistas» refletiam «os esforços de um grupo político minoritário» que chegou a mobilizar-se para «promover a queda do novo regime». Por tal motivo, «os restauradores foram responsabilizados pela maioria dos acontecimentos que abalaram os inícios da República», sendo supostamente «temidos pela influência que possuíam, bem menor, aliás, do que se acreditava». Além disso, «foram usados para encobrir muitas das dissidências advindas entre os republicanos», bem como seriam também «utilizados para justificar a repressão, que tinha por objetivo o fortalecimento do poder»14 . A disputa entre tais agrupamentos foi vencida pelos liberais que atuariam para implementar o modelo norte-americano na organização da jovem República. Tal vitória ficaria expressa no texto constitucional promulgado em 1891 que expressava a existência de uma República federativa e liberal. Já no Rio Grande do Sul, a mais meridional província, depois estado, do Brasil, viria a predominar o pensamento positivista, formando-se um modelo autoritário, embasado nas ideias de Júlio de Castilhos, principal liderança republicana que moldou uma ditadura, cujas bases eram a busca da perpetuação no poder e as práticas exclusivistas e personalistas, alijando qualquer um que não estivesse de acordo com a estrutura política montada e, fundamentalmente, com a liderança castilhista. Nesse sentido, primeiramente os liberais, depois os conservadores – muitos deles republicanos de última hora – e ainda várias gerações de dissidentes republicanos – que discordaram e/ou enfrentaram o autoritarismo e o castilhismo – se colocaram em uma ferrenha oposição, gerando ódios e paixões partidárias entre CARONE, Edgard. A Primeira República (1889-1930): texto e contexto. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988. p. 39. 14 JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. Os subversivos da República. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 11. 13

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governistas e oposicionistas que se arrastaram por toda a República Velha, acirrando-se ao ponto de estourarem duas guerras civis, em 1893-1895 e em 1923. Mas logo nos primeiros dias após a proclamação, o que predominou foi um sentimento de incerteza. Seria uma República dos históricos militantes republicanos, ou ainda de alguns dos republicanos de última hora, insatisfeitos com a abolição da escravatura sem indenizações? Ou viria a ser uma República militarista, tendo em vista a ascensão dos militares na implementação do novo regime? Ficaria valendo um modelo liberal ou viria a predominar o autoritarismo? A ordenação político-administrativa seria de um federalismo exacerbado ou permaneceriam alguns dos resquícios centralizadores. Eram muitas dúvidas e poucas respostas. O governo provisório liderado pelo proclamador Deodoro da Fonseca governava através de decretos e a ideia fundamental era a exclusão o mais rápida possível de qualquer detalhe que lembrasse a forma de governo decaída. A partir de então só viria a se estabelecer uma certeza mais consolidada – criticar o recém-instaurado regime e, mormente, os novos donos do poder, poderia ser considerado quase que uma traição ou ainda um crime de lesa-pátria. Era o início de um dos momentos históricos de maior cerceamento à liberdade de expressão e a imprensa desde cedo viria a sentir a influência de tais restrições. Os três jornais diários da cidade do Rio Grande trariam em suas páginas os reflexos da mudança política.

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ECO DO SUL Um dos mais tradicionais e longevos periódicos rio-grandinos foi o Eco do Sul que circulou na cidade portuária entre 1858 e 1934. Desde o início de sua circulação, o Eco esteve próximo de um dos grupos que compôs a vida político-partidária brasileira da época imperial, o partido conservador. Nesse sentido, o jornal esteve ao lado dos conservadores, apoiando os governos destes e opondo-se frontalmente às administrações liberais. Não se tratou apenas de uma simpatia partidária e sim de uma verdadeira filiação, chegando o periódico, por vários anos, a ostentar em seu frontispício o dístico de «órgão do partido conservador». A transição para a República provocaria uma ruptura na ordenação discursiva do Eco do Sul, acostumado que estava ao jogo partidário monárquico, vindo a ter de adaptar-se à nova conjuntura. Diante das dificuldades em obter um conhecimento mais preciso a respeito da mudança institucional ocorrida a 15 de novembro, o Eco optou, inicialmente, por uma posição cautelosa, na busca de informações mais esclarecedoras sobre o ocorrido. A princípio o periódico limitou-se a dar breves notícias e transcrever telegramas sobre os acontecimentos na capital do Império. Segundo o diário, a informação sobre o fim da Monarquia surpreendera a comunidade rio-grandina, afirmando que «as notícias alarmantes» de que estavam «ameaçadas de desaparecer as instituições do país, causaram grande surpresa à pacífica população». Explicava também que ignorava «as causas que


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determinaram semelhantes sucessos» e, «na carência absoluta de pormenores», preferia abster-se «de fazer comentários». Manifestava ainda o seu desejo de que «a paz e a tranquilidade fossem de pronto restabelecidas, com prudência e patriotismo, para a felicidade da pátria» (16/11/1889). Somente mais tarde, o jornal explicaria aberta e diretamente a sua posição diante da nova forma de governo. Abandonando o dístico órgão do partido conservador no seu cabeçalho, a folha declarava sua aceitação da República, apesar de sua «admiração pelo passado», representado pelas estruturas monárquicas. Explicava que aderia à nova situação, acompanhando a maioria dos brasileiros que esperava a queda do regime com a morte de D. Pedro II, numa significativa contradição em relação a opiniões expressas anteriormente, pelas quais garantira a vinda de um «Terceiro Reinado» e manifestara um pensamento abertamente antirrepublicano. De acordo com a filiação partidária até então professada, o periódico atribuía ao ministério liberal a culpa pela antecipação da derrocada da Monarquia, destacando ainda que se tornava «republicano pela pátria». De acordo com esta posição, durante os primeiros meses de vigência da República, a folha rio-grandina deu apoio incondicional aos atos dos novos governantes, destacando que os decretos promulgados pelo governo provisório exibiam «o cunho da mais nítida e justa compreensão das necessidades do momento e patenteavam ao mesmo tempo a índole moderada e o elevado critério prático dos eminentes cidadãos» que tinham «o trabalhoso encargo de organizar o novo regime». Tais atos governamentais eram qualificados como «medidas vasadas nos moldes da mais refletida prudência, umas atinentes a serviços que não podiam sofrer interrupção, outras dando organização federal às antigas províncias», assim como outras, «tendentes a garantir a paz pública e a segurança individual em todas as circunscrições da nova pátria» (23/11/1889). O jornal manifestava sua esperança de que a adoção do modelo republicano da «União Americana do Norte» significaria a garantia de que no Brasil as instituições seriam organizadas «à sombra

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da liberdade política, da liberdade civil e da liberdade religiosa», que iriam «arraigar-se nos costumes e nos espíritos, investindo os cidadãos de todas as dignidades inerentes à soberania coletiva». Esperava, assim, que, «no terreno das liberdades e direitos individuais», a «índole da futura constituição brasileira» viesse a consagrar «todos os dogmas sociais firmados pela democracia moderna» (24/11/1889). No intento de manter o Partido Liberal como o seu tradicional adversário na construção de um conflito discursivo, o Eco argumentava que a existência daquela agremiação não tinha mais sentido depois de instaurada a República. Segundo o jornal, a continuidade da ação dos liberais só faria sentido «sob a única condição de permanecer fiel a sua natureza monárquica e, nesse caso, hostil ao regime republicano», uma vez que, continuar a «ser o que era e cooperar na organização da nova pátria eram intuitos que se excluíam em face da moral política», não podendo compreender-se «essa dualidade de vistas senão como uma abdicação expressa da integridade das ideias e dos princípios», o que equivaleria a uma «submissão medrosa à situação vitoriosamente inaugurada a 15 de Novembro». O periódico buscava demonstrar que os liberais eram os inimigos dos novos governantes, afirmando que não poderia «subsistir o partido que na última hora do Império era mais realista do que o rei», e que teria organizado, «subterraneamente, umas sinistras milícias para desencadeá-las contra os religionários da República» (26/11/1889). Assim, as matérias publicadas ao longo da segunda quinzena de novembro de 1889 revelavam tais posturas do periódico. Logo no dia posterior à proclamação da República, o Eco do Sul trazia na posição editorial o artigo «A morte d’el rei», uma homenagem ao falecido soberano português, da lavra do escritor monarquista Mário de Artagão. Na segunda página, havia referência a «Graves acontecimentos», manifestando a redação do jornal certo estranhamento pela falta de informações do seu correspondente, mas citando a existência de «notícias alarmantes», pelas quais «estariam ameaçadas de desaparecer as instituições do país», o que teria causado «grande surpresa» à «pacífica

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população rio-grandina». O periódico dizia também que eram ignoradas «as causas que determinaram semelhantes sucessos» e, diante da «carência absoluta de pormenores», optava por abster-se «de fazer comentários», mas manifestava o «ardente» desejo de que «a paz e a tranquilidade» fossem «de pronto restabelecidas, com prudência e patriotismo, para a felicidade da pátria» (16/11/1889). As incertezas permaneciam no dia seguinte, declarando o Eco que era «grande a ansiedade de todos por notícias dos acontecimentos da atualidade». A publicação ressaltava ainda que «a ordem não fora perturbada», pois «todos os cidadãos» vinham sabendo «ser prudentes e circunspectos». O periódico descrevia também que «os distintos oficiais da guarnição» vinham se esforçando «vivamente por manter a tranquilidade pública». Por outro lado, o jornal lamentava que o comércio estava «paralisado» e «o movimento nas repartições públicas» vinha sendo «diminutíssimo», passando a transcrever uma série de notas e telegramas, prática mantida na edição seguinte (17 e 19/11/1889). Mais adiante, o Eco do Sul publicou um artigo intitulado «Ave, brasileiros!», assinado por Júlio Soeiro, da vizinha cidade de Pelotas, cujo texto era uma ode de enaltecimento à mudança de governo ocorrida no Brasil, voltado essencialmente a heroificar a figura do proclamador Deodoro da Fonseca e a buscar associar a ideia de República com a de liberdade. Já a 21 de novembro, o Eco deixaria de estampar em seu cabeçalho o dístico «órgão do partido conservador» e, por meio do editorial «Vita Nuova» aderia à República, sem deixar de ressaltar que não esqueceria o seu passado vinculado à forma de governo decaída. Tal adesão seria, pouco depois, estendida não só à República, mas também às ações governamentais, como expressou o editorial «O governo provisório». Já ao final do mês de novembro, o Eco do Sul voltaria às suas tradições de combate aos liberais, antagonizando-os e vaticinando que eles não teriam espaço na nova forma de governo, como expressou no editorial «Os liberais na República», no qual chega a estabelecer debate com a imprensa liberal citadina.

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Ave brasileiros1 . . . clamemos bem alto à Europa, ao globo inteiro! Gritemos – liberdade – em face da opressão! Ao tirano dizei – tu és um carniceiro! És o crime de bronze – escreva-se ao canhão! Castro Alves

Cidadãos! Formai alas, e, descobertos, deixai passar respeitosamente o vulto titânico de Deodoro, o colossal soldado brasileiro, o imortal libertador da nossa querida pátria! Curvai-vos! Ei-lo diante de vós, qual Washington guiando e abençoando os passos dos valentes insurgidos da América do Norte! Ajoelhai-vos! Com ele vem também o sublime e majestoso vulto da liberdade, derramando punhados de luz, de saber de heroísmo! * *

*

E como é bela e encantadora a liberdade! No seu mimoso rosto de fada, está visivelmente impressa a doce satisfação das virgens de Sorrento, quando cantam estrofes apaixonadas, em noites de luar! De seus olhos de vestal, transparece a sublime alegria da mãe extremosíssima que salvou o filho idolatrado, prestes a sucumbir nas mãos do algoz e do tirano. Como nós te somos agradecidos! Como havemos de retribuir-te tanto amor, tanta pureza, tanta generosidade?! Nem sabemos dizê-lo! Porém. . . vai, liberdade! Percorre o solo bendito desta pátria, repara num ser titânico que transita, afirma-te bem, e nele verás claramente o vulto simpático de Leônidas! Mais atrás, com os corações a transbordar de contentamento, seguem-no os seus arrojados esparciatas. 1

Eco do Sul, Rio Grande, 20 de novembro de 1889, ano 36, n.o 267, p. 1.

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Sabes, porventura, quem é ele? Nasceu e cresceu no meio do povo. Pequenino, quando a terna mãe embalava, cantando, o berço do futuro herói, ele desprendia um sorriso casto, inocente, e dormia! E dormindo sonhava-te! De um lado, na alcova silenciosa, alumiada somente pelos frouxos raios de luz que vinham do lampadário, prendia o luzidio sabre que mais tarde ele tinha de empunhar; e, à cabeceira, no leito do gigante, coberto por pétalas de magnólia, velavam as três irmãs do povo: igualdade, fraternidade, humanidade! Cresceu, e no seu cérebro conflagrado de patriotismo, brotou o instinto audaz do soldado e do guerreiro. A pátria precisou de seus serviços: empunhou o gládio flexível e vingador, e, em meio às espirais do fumo e ao estampido medonho das metralhas, desafrontou, briosa e dignamente, a honra ultrajada da nação! Quando voltou, engrinaldava-lhe a fronte a auréola esplendorosa, conquistada por entre uma multidão de bravos, que, como ele, lutaram e venceram! Mas, quanto amor à família e à pátria, quanto entusiasmo, quanta dedicação o povo! Que inúmeros protestos de subida abnegação ele aliou a outras tantas dores e torturas sofridas! Por sobre a sua cabeça esplende radiantemente a estrela da ventura; e dentro, em todas as veias de seu corpo de herói, corre um sangue nobre e valoroso: o sangue de Tiradentes! * *

*

Um dia, a pátria perigou muito; os desmandos dos tiranos, aquecidos pela púrpura real, atiraram-na às bordas do abismo: a desgraça era inevitável! Estávamos no último paroxismo da moralidade governamental; no horizonte divisavam-se nuvens negras, lutulentas: era o prenúncio da catástrofe! Prometeu voou, voou imensamente longe, chegou às regiões aéreas, roubou o fogo do céu, e, com ele, espalhou a sabedoria pelos homens. Ao colossal devastador da tirania, ao valente e denodado libertador do Brasil, não foi preciso isso. De pé, sobre o solo abençoado da pátria, empunhando o gládio da vingança e segurando os pratos da balança da lei, ele fez ecoar, desde o sopé verdejante às grimpas sombrias dos Andes – o grito sublime da liberdade! www.clepul.eu


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* *

*

Salve, 15 de Novembro de 1889! Hosanas, brasileiros! A felicidade de nossa querida pátria está feita! Congregai-vos agora; estreitai-vos no mais santo e doce amplexo, e trabalhai com acendrado patriotismo pelo bem estar de nossos filhos! Aliai à vossa grande força de vontade todo o ardor e heroísmo que tendes acrisolados no coração. Lafayette, Washington e Deodoro são a verdadeira personificação de tudo quanto há de nobre, sublime e portentoso nas páginas da história do universo! Os dois primeiros libertaram a pátria, mas derramaram sangue, e o último libertou-nos, sem que uma gota sequer de sangue brasileiro caísse sobre o solo! Avante, patriotas! Ave, cidadãos!

Vita nuova2 Estamos na República, devemos ser republicanos. . . O sagrado culto da pátria exige o sacrifício de todos os afetos, de todos os laços que nos prendiam ao regime combalido. Isto não é uma abjuração, é um holocausto imposto pelo patriotismo, nesta hora soleníssima da vida nacional. Guardaremos uma grande e sincera veneração pelo passado, porque nele formamos as convicções políticas, que hoje depomos no altar da nova pátria, como vencidos de uma gloriosa revolução; e convertendo-nos à fé dos vencedores, dos generosos vencedores da Monarquia, não lhes poderíamos oferecer mais valiosos troféus do que esses, que foram as nossas armas de combate num largo período do segundo império. 2

Eco do Sul, Rio Grande, 21 de novembro de 1889, ano 36, n.o 268, p. 1.

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Na aurora da Vita nuova, surgida como a Renascença, da elaboração genial dos espíritos modernos, cumpre a todos os membros da vasta comunhão brasileira honrar este assombroso triunfo da democracia, este exaltamento explosivo da consciência nacional, que se expande tranquilamente em toda a vastidão do Brasil; fazendo o Brasil expandir-se gloriosamente no mundo americano. Ainda quando fosse possível a reação; ainda quando a onda de uma insensata contrarrevolução pudesse abalar e derruir a República, restaurando o velho regime tradicional, não se conseguiria em realidade senão transformar a Monarquia constitucional num poder absoluto, armado de cóleras indomáveis contra os revolucionários de 15 de Novembro. Quem são esses revolucionários? São as forças mais vivas e inteligentes da pátria; é o elemento moderno, esse mesmo elemento em cujo seio foi gerada a generosa conquista de 13 de Maio; é a geração viril herdeira das tradições democráticas de 1835 e de 1848; são, finalmente, todos quantos, presos à Monarquia pelo afeto e a admiração que lhes inspiravam as incontestadas e incontestáveis virtudes cívicas do venerando D. Pedro, apenas esperavam a sua morte para prestarem à democracia os tributos da sua adesão espiritual. Todo o país era pois, revolucionário; na própria inconsciência do seu estado político, caracterizado por sintomas de adiantada decadência, a revolução anunciava-se antecipadamente triunfante, quase sagrada por um secreto instinto de simpatia universal, garantida em seus efeitos pela unanimidade dos entusiasmos populares. Esperava-se que explodisse mais tarde, quando D. Pedro cerrasse os olhos; porém o ministério Ouro Preto apressou a explosão, ateando com imperita mão o fogo ao rastilho da mina republicana, desafiando audaciosamente esta grandiosa reivindicação da democracia brasileira. Aí está a República em todo o esplendor da sua majestade democrática, na imortal serenidade do seu glorioso advento; uma República que vem para a História com as suas vestes imaculadas e que principia sendo generosa e justa com o adversário que acaba de abater. Nós a recebemos de braços abertos, porque vem a nós cingida do resplendor da justiça; porque mais gloriosa do que todas as revoluções democráticas do passado, transformou em meia hora, entre hinos de paz e de entusiasmo,

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as bases de uma grande nacionalidade, identificando-a com o gênio e com o espírito da América, o verdadeiro mundo da liberdade. Repetiremos: temos uma grande e sincera veneração pelo passado, mas acima de todos os afetos, muito acima de todas as nossas simpatias pelo regime abatido e pela soberana personalidade que o iluminou com o esplendor das suas virtudes de cidadão e de monarca, está a pátria, esta pátria que desejamos ver sempre grande, sempre gloriosa no seio do Novo Mundo. Somos de hoje em diante republicanos pela pátria, a cujas aras depomos neste momento as armas com que combatemos durante longos anos pela Monarquia constitucional. Que o amor da liberdade e o patriotismo nos inspirem para bem servirmos a causa a que desde já hipotecamos todas as nossas dedicações.

O governo provisório3 Os decretos até agora promulgados pelo governo provisório exibem o cunho da mais nítida e justa compreensão das necessidades do momento e patenteiam ao mesmo tempo a índole moderada e o elevado critério prático dos eminentes cidadãos que assumiram o trabalhoso encargo de organizar o novo regime. Ao ato da proclamação da República seguiu-se um sem número de medidas vazadas nos moldes da mais refletida prudência, umas atinentes a serviços que não podiam sofrer interrupção, outras dando organização federal às antigas províncias, e ainda muitas tendentes a garantir a paz pública e a segurança individual em todas as circunscrições da nova pátria. Os ilustres membros do governo provisório não têm tido um momento de repouso; anima-os aquele ardor patriótico dos organizadores da República de Fevereiro, na França, e, mais felizes do que eles, nenhuma resistência perturba os seus trabalhos, nenhum acidente interrompe o curso da sua formidável tarefa; parece, ao contrário, que o país inteiro está empenhado em estimular-lhes o patriotismo acolhendo com salvas de palmas cada um dos seus atos. 3

Eco do Sul, Rio Grande, 23 de novembro de 1889, ano 36, n.o 270, p. 1.

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Os cargos da administração pública permanecem em mãos dos funcionários que os exerciam; os senadores continuam no exercício das suas funções, percebendo o subsídio que até agora recebiam do tesouro público; os oficiais de terra e mar estão garantidos nos seus postos; finalmente o governo provisório parece cheio da consciência de que nenhum brasileiro é capaz de trair a revolução, e apenas depõe um ou outro funcionário de categoria política. Compare-se isto com o escândalo das derrubadas do império, aquelas tremendas razias que assinalavam as mutações do cenário político e ver-se-á que a República estreia-se de modo a firmar a confiança no espírito das classes auxiliares da administração, garantindo o pão de milhares de famílias. Não é tudo. A esperançosa República fez o seu início com um ato de generosidade, que traduz as simpatias do país pela pessoa particular do venerando príncipe deposto. Depois de cercá-lo, a ele e à sua família, de todas as garantias possíveis, o Executivo fez-lhe uma dotação de 5 mil contos, decretando ao mesmo tempo o pagamento da pensão majestática, até que a Constituinte resolva sobre o particular em sua futura reunião. Não conhecemos um precedente destes na história das revoluções democráticas, de 1793 para cá; Luiz Felipe, filho de uma revolução e um dos reis que mais entusiasmou o espírito da França, fugiu aterrado diante da tempestade de cóleras ateadas contra ele pelos revolucionários de Fevereiro. Garnier-Pagés diz que todos o abandonaram no momento crítico, e é certo, como observa Pelletan, que o povo ainda foi encontrar posta a mesa em que o representante da Monarquia de Julho tranquilamente almoçava quando estalou o raio. Invadiram-lhe o régio lar e ouve lá um tripúdio, que o patriótico governo dos Onze soube a tempo reprimir em homenagem ao pudor da própria revolução triunfante. Aqui no Brasil, a 41 anos de distância, a revolução põe uma muralha de peitos em torno do respeitável vencido, e ao intimar-lhe o decreto de exílio, como providência indispensável à paz pública e à segurança da República, tem por ele deferências quase carinhosas, considerações em que palpita a respeitosa simpatia de um povo insurgido contra os vícios do velho regime e não contra a pessoa particular do ex-imperador, que foi, apesar de tudo, um bom cidadão, um grande brasileiro.

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A dotação de 5 mil contos e a pensão de 800 contos não foram o preço da venda do trono, mas sim um ato de generosidade da revolução, generosidade a que D. Pedro de Alcântara não podia responder com uma recusa, sem ofensa ao sentimento que a inspirou. Uma República que assim inicia a sua vida: que tem uma palavra de simpatia para todos os que a ela chegam, e uma esperança para os que nela confiam; uma República que principia governando com a cabeça e com o coração, aquela cheia de talento e este cheio de patriotismo, não pode deixar de ter o aplauso universal dos brasileiros e a admiração de todos os povos cultos. Nós os brasileiros, podemos e devemos orgulhar-nos com a consciência de havermos levantado na história um monumento que glorificará eternamente o nosso nome e os brios da geração heroica de 15 de Novembro.

Os liberais na República4 Quase não havia razão para traçarmos estas linhas, porque na contrariedade que o Artista ofereceu ao nosso artigo sobre a estranha atitude do partido liberal coincide exatamente conosco no ponto capital, isto é, em que esse partido não pode sobreviver ao regime extinto com a sua antiga organização. Di-lo a folha conterrânea com uma grande tranquilidade de consciência e, o que é mais, com uma lúcida compreensão das circunstâncias e exigências da atualidade política. [. . . ] Depois disto não sabemos a que rumos pretendia o Artista abicar, dispondo-se a refutar uma proposição que, expressa e categoricamente corrobora, segundo se vê das suas próprias palavras. Não lhe faremos a injustiça de supor que ignora a índole histórica dos velhos partidos constitucionais para lhe perdoarmos a ligeireza de algumas manifestações pouco refletidas. Em virtude da sua origem e do princípio a que subordinaram durante dois impérios as forças do seu temperamento político, esses partidos não 4

Eco do Sul, Rio Grande, 29 de novembro de 1889, ano 36, n.o 275, p. 1.

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podem despojar-se daquilo a que o Artista chama a crença monárquica como quem se despoja de uma velha jaqueta. Essa crença foi a alma do seu corpo, o espírito de toda a sua ação política, o princípio da sua organização histórica. Divergiam nas suas tendências políticas, mas convergiam no princípio da sua origem orgânica – a Monarquia constitucional representativa. Celebrando o holocausto desse princípio às aras da nova pátria, os partidos do extinto império não se limitam, pois, a despir uma sobrecasaca surrada pelos atritos do tempo; renunciam patrioticamente à tradição originária, perdem voluntariamente o seu temperamento histórico e o cabedal de tradições correlativas. Mas ao passo que os liberais de várias localidades dão o exemplo desse patriótico sacrifício, os chefes da capital proclamam com a maior alacridade que o partido continua a ser o que era, conservando-se fiel às tradições do passado e à autoridade moral do seu velho chefe, sob o bizarro pretexto de que a questão da forma de governo sempre foi para os liberais uma questão secundária e de que mantém inalterável o seu culto de sempre à liberdade e ao progresso. Criando a filosofia da história, Maquiavel não inventou uma sutileza desta ordem para demonstrar que os velhos partidos da Itália podiam prolongar a sua existência além das convulsões políticas e sociais que os subverteram. Mas de que modo o partido liberal do Brasil prestou cultos à liberdade? Que o digam os sucessos que precipitaram o advento da República; pelo que particularmente diz respeito ao liberalismo rio-grandense, que o ateste a sanha reacionária, o furor de perseguição do último delgado imperial. Não recordamos isto por espírito de recriminação, utilizamos alguns subsídios fornecidos pela história contemporânea. É preciso que a lógica dos fatos tenha autoridade e direto de palavra no exame e análise da conduta dos partidos. A traça do erro e dos vícios do velho regime alastrou em demasia o manto da liberdade, que os liberais cingiam, para que se pretenda oferecer, a não ser como uma velha e imprestável relíquia, à República triunfante. O Artista fala da necessidade de reconstituir o partido liberal, e isso é justamente o que os signatários do manifesto liberal julgam supérfluo. Com a panaceia bolorenta das ideias de sempre, eles fazem o partido surgir da cabeça de Minerva, armado de todas as precisas forças espirituais para o culto das

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liberdades republicanas. Nada lhe é preciso; ele está pronto e aparelhado dentro da esfera ampla da liberdade para ser um esteio da República; só lhe faltava arrojar ao lixo o trapo da crença monárquica, e fê-lo sem que, ao arrancá-lo do corpo, ferisse as carnes com as próprias unhas. Compreendem esta extraordinária facilidade de adaptação, este poder de identificação manifestando-se independente de qualquer processo revolucionário no mundo das ideias, até há pouco consteladas em torno da Monarquia? Vivíamos num regime liberal, que caiu por consagrar o princípio monárquico; o partido liberal, à vez fator e emanação desse regime, fica de pé aqui, no Rio Grande do Sul, porque nunca fez questão da forma de governo!! Porém será o amor da liberdade o que o partido liberal oferece em realidade à República, como garantia da sua adesão? A República repele instintivamente todos os vínculos com o passado, e não poderá aceitar sem prevenções os pretextos de um partido, que pretende ser um elemento tradicional perante o novo regime. Não; vós, os liberais do célebre manifesto, sacrificais à República a tradição originária do partido, para que a República vos deixe tranquilamente continuar o funesto sectarismo em que abdicastes de há muito até o direito de pensar. Vós pretendeis que o Rio Grande do Sul continue no estado de feitoria, e que a influência de um homem, vosso ídolo, avassale todas as forças e todas as dignidades rio-grandenses, em proveito vosso e dos vossos amigos do peito. Vós não quereis outra coisa senão um eleitorado que vos garanta a perpetuidade de uma cadeira na representação nacional, um eleitorado mantido pela distribuição dos empregos, que esperais senhorear. Vós aspirais à continuação do predomínio do corrilho, porque temeis no segredo das vossas ambições pessoais que vos escape das mãos as glórias e proveitos do poder. Quem não vos conhecer que vos compre. . . [. . . ] Destruindo o regime a cuja sombra lograstes tudo a quanto a avidez de poder pode aspirar, vós, os liberais, quereis ao menos que sopre perpetuamente triunfante o vento das vossas ambições no sítio em que já não existe o antigo moinho.

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ARTISTA Fundado em 1862, como um pequeno semanário a serviço dos artífices, o Artista passaria por profundas transformações até afirmar-se como um dos principais diários da cidade do Rio Grande, circulando até o ano de 1912. Durante toda a sua existência, tal periódico mostrou amplas simpatias pelos liberais. Ainda que não tenha sido um «órgão partidário», tornou-se um verdadeiro doutrinário do ideário liberal, defendendo ardorosamente os gabinetes sob a égide de tal grei e atacando ferrenhamente os governos liderados pelos adversários conservadores. Assim, a base de sua sustentação discursiva embasou-se exatamente nesta alternância entre situacionista e oposicionista de acordo com a posição do partido liberal em relação ao poder. A construção discursiva entabulada pelo Artista passaria por significativa desestruturação a partir da mudança na forma de governo, uma vez que deixaria de existir o alicerce de seu discurso político, o qual estava moldado de acordo com o jogo partidário das duas agremiações em confronto durante o período imperial. De acordo com a ideia manifesta pelo jornal de confiança na continuidade da Monarquia, a qual, na sua concepção, conseguiria contornar a crise que marcava a vida brasileira, a República foi recebida pela folha com certa indiferença e encarada como um «fato consumado», advindo da «fatalidade dos acontecimentos», mas, mesmo reafirmando que não tinha militado junto aos ideais antimonárquicos, propôs-se a cooperar com a nova situação estabelecida (18/11/1889).


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Segundo a folha, era fundamental deixar bem esclarecida a sua posição diante daqueles acontecimentos, porém, afirmava não querer perder-se em «tergiversações», por considerar que «o momento não aconselhava a acender paixões, mas antes a abafar suas labaredas». Destacava que «aderindo à nova ordem de coisas», não intentava «prestar serviços a uma causa vencedora», a qual não prestara «auxílio antes da vitória», buscando não praticar qualquer atitude interesseira «de fazer jus ao agradecimento dos que trabalharam para o triunfo». Afirmava que, como todo brasileiro deveria fazer, aceitava «o fato consumado, na obra da reconstrução do edifício social derrubado», cooperando, «nos limites fixados pela compreensão do seu dever, para que ela se realizasse em completa paz e sem sacrifício da liberdade e dos direitos dos seus concidadãos» (20/11/1889). Ainda no intento de manter sua postura doutrinária liberal, o jornal buscou defender que os membros do extinto partido liberal poderiam ter um relevante papel a representar junto à sociedade brasileira, mesmo após a derrubada da Monarquia. Afirmava que a agremiação liberal deveria adaptar-se à nova forma de governo, tendo «de fatalmente modificar-se, segundo as suas ideias e os deveres que lhe impuser o bem da pátria», isso, porém, não seria «motivo para que se dissolvesse e desaparecesse», ou ainda que fosse «excluída de colaborar na reconstrução» nacional. Segundo o periódico, a participação dos liberais era completamente legítima, já que as suas «ideias e tendências democráticas» permaneceriam «exuberantemente assinaladas na história da vida constitucional e a cujos esforços e trabalhos se devia o caminho andado na estrada da liberdade, que preparou a nacionalidade para a transformação» que ocorrera. Defendia também que a forma de governo não fora «jamais o espírito essencial do liberalismo, nem a base do seu organismo político» e, ao defenderem a Monarquia, «os liberais não o faziam senão por entenderem que mais valia melhorar e aperfeiçoar o que existia do que arriscar a tranquilidade e a integridade da pátria» (30/11/1889).

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Foi nesse sentido que se orientaram as primeiras manifestações do Artista nos dias que se seguiram ao 15 de novembro de 1889. Já no dia da proclamação o periódico publicava notas nas quais fazia referências a «fatos lamentáveis e prenhes em perigo», explicando que a notícia era «para todos tão surpreendente» e «tão graves os sucessos», que buscaria abster-se «de todo e qualquer comentário, de toda e qualquer consideração», até que chegassem «pormenores das ocorrências». Ainda assim, o jornal manifestava o desejo de «que a providência e o bom senso dos brasileiros» evitassem «à pátria os horrores de uma revolução». No dia seguinte, a folha rio-grandina destacava que «o espírito público» tinha «a mais ávida curiosidade de conhecer as ocorrências» e saudava o fato de permanecer «a ordem inalterada», esperando «com confiança da cordura e do patriotismo nacional», que todos fariam «o possível para manter a paz pública» (15 e 16/11/1889). O posicionamento do jornal diante da nova forma de governo viria a ser expresso através do editorial de 18 de novembro, sob o título «A República», no qual o periódico considerava a nova forma de governo como um fato consumado. Ainda que declarasse não ter se batido pela transformação, afilhado que era ao regime decaído, o Artista propunha uma prática plenamente conciliatória em nome dos interesses nacionais, com o possível esquecimento das paixões e ódios até então predominantes. A publicação ainda viria a reforçar suas posições no editorial «A nossa atitude», publicado a 20 de novembro. Apesar da transição da Monarquia à República, o Artista não iria simplesmente abandonar automaticamente sua aproximação com os liberais, tanto que continuou próximo de tal orientação e divulgando manifestos de lideranças partidárias. Nesse sentido, publicou, a 27 de novembro, o editorial «Os liberais na República», no qual defendia as atitudes de seus partidários e empreendia um confronto discursivo com o Eco do Sul, folha que até então defendera os adversários conservadores. Mantendo o tom conciliador, o Artista chegou a aplaudir as autoridades governamentais no editorial «O governo provisório», mormente tendo em vista a possível libertação da principal liderança

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liberal gaúcha, Gaspar Silveira Martins. Já ao final do mês de novembro, o periódico teve mais uma vez de reforçar seu modo de agir e expressar-se, reagindo ao seu antagonista conservador, no editorial «A nossa posição».

A República1 Às velhas instituições subvertidas, outra acaba de ser substituída. A República passou de sonho dos adversários da velha organização, a fato consumado, pela fatalidade revolucionária dos acontecimentos. Não fomos dos que estiveram na brecha e se bateram para operar a transformação, que se realizou. Ao contrário, estivemos ao lado dos que defendiam a antiga construção social, porque, em nossa consciência, questão superior à forma de governo era a da ordem pública, e a Monarquia tinha em seu favor a tradição. Defendendo as instituições não era a coroa nem a dinastia, mas a paz e a unidade nacional, que procurávamos manter. Para nós, a vantagem das instituições estava no fato de existirem, e de à sombra delas se ter mantido a paz e a estabilidade, realizando-se o progresso e o desenvolvimento da nação. Supúnhamos, com franqueza o confessamos, que a mudança de instituições fosse o início de um período de desordem, e a muitos até se afigurava inevitável o desmembramento e a desorganização da nacionalidade. A transformação, porém, acaba de realizar-se. A República é um fato consumado. Qual a nossa posição? Qual o nosso pensamento agora? Em poucas palavras, o definiremos claramente e com a maior franqueza, sem hesitações e sem subterfúgios. Aceitamos a ordem de coisas estabelecidas: aderimos ao movimento reformador; acompanhá-lo-emos. 1

Artista, Rio Grande, 18 de novembro de 1889, ano 26, n.o 263, p. 1.

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Acreditando, embora, secundária, a questão de sistema político, e agora, como sempre, sendo o nosso fito principal a ordem pública, entendemos que no momento atual, ante os sucessos que se desdobram, não deve haver senão brasileiros, e que o dever de todos é cooperar, sem exclusões nem divergências, cada qual na medida da sua condição, para que a reconstrução do edifício social derrubado se efetue, sem comoções que estorvem a atividade nacional, sem conflitos que nos possam fazer retroceder no caminho da civilização. Extinta a causa, cessam os efeitos. Destruído o trono, anulado o direito monárquico, não pode haver monarquistas. Os que persistissem no afã de consolidar e reerguer uma instituição que não soube defender-se, dar-se-iam a uma empresa impossível, cometeriam uma loucura, deixando-se levar por uma miragem. Já agora, diremos a verdade inteira, como a entendemos, embora ela a alguns possa parecer brutal. A coroa, aceitando – se é certa a notícia recebida – um preço pela renúncia dos direitos que exercia, arrancou as raízes que a prendiam ao solo brasileiro, desatou os laços que a ligavam aos partidários do sistema monárquico. Como o Esaú da história bíblica, a dinastia trocando por ouro o seu direito, desligou-se completamente e para sempre da nacionalidade brasileira, fazendo perder até a crença, que todos nutriam, da extrema abnegação do príncipe, que ocupava o trono. Neste momento, pois, o dever de todos os brasileiros, sejam quais forem as convicções que tenham alimentado, quaisquer que sejam as suas simpatias por determinada forma de governo, é serem simplesmente brasileiros, esquecendo todas as divergências e todas as discórdias, que nos têm dividido. A ocasião é difícil. Ante a inconsistência dos elementos conservadores da sociedade brasileira, agora que tudo se tem de consolidar e reedificar, porque tudo foi abalado e se desmoronou, devemos congregar-nos todos para que se não perturbe a paz pública, e subsista a integridade nacional. Que se passe um traço sobre o passado, e que das cinzas dele ressurja a pátria forte e unida! Que a torrente, que minou os alicerces do nosso velho edifício social, afogue também os ódios e as malquerenças produzidas pelas divergências e

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pelos antagonismos políticos! A ordem é a primeira, a condição essencial da existência de uma nacionalidade. Unamo-nos todos para que neste momento difícil da nossa existência, como nação, o trabalho da remodelação social não acoberte a liquidação de antigos ódios e a satisfação de paixões perigosas. O Brasil tem sido excepcional, quanto ao modo por que se tem efetuado as grandes transformações da sua vida política. O 7 de Setembro, o 7 de Abril e o 13 de Maio realizaram-se sem os conflitos e horrores que noutros países acompanharam as mudanças de sistema político. Temos íntima esperança e sincero desejo de que o Brasil dê agora um novo testemunho da cordura, do bom senso e do patriotismo de seus filhos. _____ É isto o que pensamos. Não estivemos entre os que trabalharam para destruir o que existia. Somos porém brasileiros, e a todas as questões e a todas as divergências, antepomos a paz e a prosperidade da pátria, e por isso cooperaremos, na medida exígua das nossas forças, para que a obra da reconstrução se conclua e afirme para glória da nação brasileira.

A nossa atitude2 Não julgamos que nos fosse necessário explicar o nosso pensamento e a nossa atitude neste momento, porque acreditávamos ter sido perfeitamente claros, na franca declaração que fizemos, em nosso número de segunda-feira. Gostamos, porém, das situações claras, definidas. Não nos esquivaremos ao juízo que a opinião pública pronuncie. [. . . ] O nosso dever portanto é explicar bem o nosso sentimento e o nosso pensamento, para que nenhuma dúvida subsista sobre a orientação que regula o nosso procedimento. 2

Artista, Rio Grande, 20 de novembro de 1889, ano 26, n.o 265, p. 1.

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Não atacamos a probidade pessoal do príncipe que foi deposto, e pela generosidade do coração, pela retidão e patriotismo fez jus ao respeito e à consideração de todos os brasileiros, mesmo dos que atacavam as instituições como um obstáculo às liberdades dos cidadãos e ao engrandecimento da pátria. Aderindo à transformação, que se efetuou, e não tendo estado entre os que trabalharam para realizá-la, mandava a justa compreensão dos deveres da mais simples probidade, que manifestássemos o sentimento e a ideia, que nos aconselhava a nova atitude. Foi isso que fizemos, sem subterfúgios, nem tibieza. E com toda a lealdade, com a maior franqueza agora declaramos que assumimos a responsabilidade inteira do que escrevemos, conscientes que dissemos a verdade, e nem de leve ofendemos a pessoa do monarca deposto, que se para nós foi digno de respeito no trono, mais sagrado nos é agora que vai a caminho do exílio. À dinastia nos referimos, quando dissemos que no Brasil não podiam subsistir monarquistas, desde que a Monarquia se desligava do solo da pátria, aceitando um preço ou compensação da sua renúncia. Não aludimos ao imperador que foi deposto, mas evidentemente a quem no período do seu enfraquecimento mental o tem dirigido, e ainda agora, neste momento, abusou certamente da decadência do espírito do príncipe magnânimo, cuja vida foi toda de abnegação, para em seu nome aceitar o que dissemos ser o preço da renúncia. [. . . ] Aceitando-a, a dinastia desprendeu-se dos laços que a ela ligavam os partidários da forma monárquica, porque como há de ser reivindicado um direito que evidentemente cessou, desde que os portadores dele receberam uma remuneração? Esse ato, se não é desdouro, e antes pode ser invocado como testemunho do patriotismo da dinastia, demonstrando que ela preferiu o sacrifício próprio a atear no solo nacional o incêndio devastador de uma luta fratricida, nem por isso deixa de importa na abdicação de todos os direitos que exercia, e na completa separação dos liames, que uniam a dinastia à nacionalidade brasileira. [. . . ] Aderindo à nova ordem de coisas, e dizendo o que sentimos, só em nosso nome falamos.

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Não intentamos prestar serviços a uma causa que está vencedora, e a qual, como lealmente declaramos, não prestamos auxílio antes da vitória, com o fito interesseiro de fazer jus ao engrandecimento dos que trabalharam para o triunfo. Nunca especulamos, nada pretendemos até hoje; não o faremos agora. Somos brasileiros, e aceitando o fato consumado, na obra da reconstrução do edifício social derrubado, cooperamos nos limites fixados pela compreensão do nosso dever, para que ela se realize em completa paz e sem sacrifício da liberdade e dos direitos dos nossos concidadãos. Ninguém nos viu ainda em roda dos que trabalharam para a reforma, procurando conquistar-lhes as boas graças. Entre os que têm ido levar a oblata do seu incenso aos homens preeminentes do novo governo, podem ter estado outros, e alguns até que tenham recebido distinções e favores do poder extinto. Nós continuamos simplesmente a trabalhar, honesta e dignamente.

Os liberais na República3 Em editorial de ontem, analisando o manifesto dirigido ao partido liberal por três dos seus mais preeminentes membros, o antigo órgão do conservantismo estranha que os liberais pretendam conservar-se fieis às passadas tradições, e erradamente conclui que nessas condições a sua cooperação na obra da reconstituição da pátria será uma submissão dúplice, não uma adesão sincera e dedicada. A estranheza do Eco é resultado da orientação de exclusivismo e prevenção, que tem sido sempre a norma do seu critério no exame e na apreciação dos sucessos políticos. Não nos espanta, e bem podíamos não efetuar a palavrosa objurgatória, limitando-nos a lembrar-lhe que mandava a justiça, que para todos deve ser igual, que as mesmas recriminações feitas aos liberais fossem dirigidas ao partido conservador, cujo um dos chefes, em público manifesto, também 3

Artista, Rio Grande, 27 de novembro de 1889, ano 26, n.o 271, p. 1.

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declarou que aderindo ao sistema político estabelecido continuava a defender as mesmas ideias, que os conservadores advogaram sob o regime destruído. Não o queremos, porém, fazer. Entendemos que o dever de todos os que na imprensa temos a missão de cooperar para a síntese esplêndida e vigorosa que se chama opinião pública, é explicar francamente e sem hesitações como compreendemos o dever, e que no momento em que se opera a transição do governo nacional para a forma impessoal da soberania popular, precisamos todos esforçar-nos para que as grandes ideias de fraternidade, que neste momento devem inspirar a todos os brasileiros, se não abrace quem as intente conspurcar para satisfazer ódios e malquerenças. O nosso dever é ser explícitos e francos. Cumpri-lo-emos. Os liberais aceitaram a revolução como um fato e aderiram à transformação nacional. Pública, abertamente o declararam em todo o país, prometendo colaborar lealmente na reconstituição do organismo da pátria. Constituíam, porém, um partido que, além da crença monárquica, que hoje não tem mais razão de ser e não pode subsistir, tinha ideia e convicções que eram o lábaro da sua interferência na direção dos negócios públicos, e consagrava o culto mais sagrado à liberdade, trabalhando pelo progresso sob a ordem. O sacrifício das crenças que os vinculavam ao sistema extinto está feito digna, lealmente, sem nenhuma preocupação, sem nenhum outro móvel que não o do bem e da paz da pátria. As ideias do antigo partido liberal, essas não podem ser renegadas. Isso sim seria abdicar da dignidade e da consciência em medrosa e infamante abjuração. O partido liberal não pode sobreviver sob os antigos moldes. Todos o sabemos. Modificar-se-á, porém, segundo os deveres impostos pelo patriotismo e as necessidades do progresso nacional, de acordo com as largas e generosas ideias, que fizeram o seu prestígio, e sob o regime da República há de reconstituir-se para se consagrar ao engrandecimento da pátria. No mundo moral, do mesmo modo que no mundo físico não há saltos nem soluções de continuidade. Cada fato, cada época é resultado do fato e da época imediatamente anterior, e os laços que os ligam não podem ser des-

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truídos pela força de nenhuma paixão, nem pelas imposições de nenhuns interesses. Nos corpos sociais, como nos organismos vivos, há forças imanentes, cuja exclusão produz nestes o raquitismo, e nos primeiros cria obstáculos à evolução, retarda o progresso, e prejudica o engrandecimento. Os partidos, que existiam são uma força do organismo político; têm direito a concorrer com a sua cooperação para a regeneração da pátria. Na obra da reconstrução todos os brasileiros devem ter o seu lugar; aos liberais não há de ser negado o que lhes pertence. Para comprovar a impossibilidade de se reorganizar o partido liberal, adaptando-se à nova ordem política estabelecida, o Eco acusa os liberais de serem adoradores de ídolos pessoais, e não adeptos de princípios. O argumento, à força de ser batido e repisado, está completamente gasto e é absolutamente inofensivo. O partido liberal militou por largo tempo. A ele deve a província a melhor parte do seu adiantamento no caminho da civilização, e a posição elevada que ocupa na comunhão nacional. Na missão que desempenhou, foi seu chefe o eminente cidadão, a quem o Eco constantemente tem arremessado as mais acerbas e ferinas acusações. O partido liberal, no entanto, acompanho-o indefectivelmente, honrando-se de o ter por guia, e os próprios adversários honestos e justos, mesmo quando combatiam os seus atos como erros políticos, fizeram justiça ao seu patriotismo e à sua lealdade. Porque hão de os seus amigos, os seus companheiros de vinte anos, virar-lhe agora as costas e abandoná-lo, se nas circunstâncias do momento mais necessário se torna o conselho e a coadjuvação de todos os homens de bom senso e de todos os patriotas, e pelas grandes reformas, que a República há de realizar em breve, os liberais se bateram sempre, inscrevendo-se como lema da sua bandeira? O Eco ilude-se supondo que a coesão do partido liberal era filha de fanatismo pessoal. A própria unanimidade de pensamento e de ação, por tantos anos mantida, é a melhor prova de que não era um sentimento de idolatria que ligava os liberais, mas um ideal muito superior às ligações de personalidades. Não pode subsistir, diz o Eco, o partido que na última hora da Monarquia pretendia perpetuá-la pela violência, e menos o do Rio Grande do Sul, que

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desencadeou sobre os partidários do novo regime as cóleras da repressão. Ser-nos-ia fácil refutar, pulverizar tão apaixonada acusação. A ocasião, porém, não é para recriminações; o passado deve ser esquecido em bem da paz da pátria e para que na obra da reedificação possam congregar-se, sem antagonismos e prevenções de ódios antigos, os esforços de todos os brasileiros. Nós todos, que defendemos as instituições, liberais e conservadores, com a mão na consciência, sabemos e podemos afirmar que não era a coroa nem a dinastia que defendíamos, mas a ordem e a integridade da pátria. Para que reavivar agora culpas e erros, que não são nem de uns, nem de outros exclusivamente, mas de todos, e antes do meio social da nossa época do que de nós mesmos? Na pátria regenerada não deve haver párias. A República não foi feita só para os que a promoveram, mas para todos os brasileiros. Todos têm direito a intervir na direção dos nossos destinos, porque só na opinião pública bem esclarecida pode fundar-se solidamente a vontade nacional, soberania única do regime democrático. Nesta fase de regeneração e revivescência não deve haver vencedores, nem vencidos, mas somente irmãos, ligados pela aspiração santa do bom nome e da grandeza da nacionalidade.

O governo provisório4 Por telegrama que o nosso correspondente no Rio nos expediu hoje, sabemos que pelo governo provisório foi posto em liberdade o benemérito e ilustre rio-grandense Silveira Martins. Aplaudimos sinceramente o patriótico procedimento dos eminentes cidadãos, que fizeram a revolução e estão à testa do governo da República. A prisão do nosso ilustre comprovinciano foi uma medida de precaução. Como tal a consideramos, submetendo-nos às razões de Estado que a aconselharam e exigiram. 4

Artista, Rio Grande, 28 de novembro de 1889, ano 26, n.o 272, p. 1.

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O primeiro, o supremo direito da revolução era defender a sua causa. Quebradas as barreiras da legalidade, a ninguém assistia o direito de estranhar que ao assentarem-se os alicerces das instituições novas, tratassem de os consolidar aqueles que se devotavam à reconstrução do edifício nacional. Mas assim como é incontestado ao governo o direito de cercar de todas as garantias a sua obra, e de tomar todas as medidas de precaução que a razão de Estado e a necessidade de manter a ordem aconselhassem, é também certo que a detenção de qualquer cidadão seria uma injustiça, desde que cessasse e desaparecesse a necessidade premente de ordem e paz, que a tivesse determinado. Operada a transformação da nossa vida política, sem abalos nem convulsões em parte alguma do país, acolhida a nova ordem de coisas sem relutância e antes com o apoio de todos os rio-grandenses, manifestada com a maior lealdade a adesão unânime ao novo governo dos antigos liberais, cujo chefe tem sido Silveira Martins, a continuação da sua detenção não tinha mais razão de ser. Ante a lealdade e a franqueza do pronunciamento desse partido, infatigável obreiro do progresso do Rio Grande, não se podia nem se devia, em boa razão e sem ofensa ao seu provado e elevado patriotismo, recear resistências que, de qualquer forma, perturbasse a tranquilidade indispensável à rápida e próspera reconstrução, e a detenção de Silveira Martins transformar-se-ia, de justa medida de precaução, em arbitrária e indesculpável violência. O governo provisório, pondo termo à detenção, praticou um ato de justiça. Ainda bem que o podemos aplaudir sincera e efusivamente, prestando ao seu alevantado patriotismo o preito de admiração que com justiça merece. Nas circunstâncias do momento, a primeira e essencial condição da proficuidade da transformação, que se vai operando, é a da ordem, e esta depende da confraternização sincera de todos os brasileiros, que não pode ser assegurada, se na direção dos destinos da pátria se estabelecerem exceções e exclusões em vez de se deixar o campo generoso e igualmente aberto a todos os cidadãos. A revolução, para ser profícua, para preencher honrosamente o fim que há de legitimar perante a história, para ser consagrada pelo engrandecimento e prosperidade da pátria, deve assegurar a todos os brasileiros o gozo da mais ampla liberdade.

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A República será tanto mais forte e fecunda quanto mais se basear na liberdade a sua ação disciplinadora. Ela deve ser a imagem da pátria regenerada e engrandecida, recebendo e acolhendo a todos de braços abertos, com a mais fraterna igualdade. Seja quem for, braço ou ideia, pensamento ou força que possa cooperar para a obra da reconstituição nacional, tem direito a ocupar nessa grande tarefa o lugar, que lhe for marcado pelo seu merecimento e pela sua dedicação. Excluir alguém, negar-lhe neste momento o direito de contribuir lealmente para a reorganização da pátria, seria mais que um erro, seria um delito de lesa patriotismo. Aplaudimos, por isso, o ato do governo provisório, que acaba de nos ser noticiado. Honra seja ao governo provisório pelo patriotismo, pela alta compreensão dos interesses da pátria, pelo respeito aos sagrados direitos da liberdade, que o seu procedimento demonstra! Viva a República Brasileira! Viva a liberdade!

A nossa posição5 Não precisávamos opor nova contradita às considerações emitidas pelo Eco do Sul com o fim de demonstrar que, ante a revolução, o antigo partido liberal tem fatalmente de dissolver-se, e deve ser excluído de colaborar na reconstrução do organismo nacional. [. . . ] Dissemos, não temos dúvida em repeti-lo, que o partido liberal não pode subsistir com a passada organização e há de fatalmente modificar-se, segundo as suas ideias, e os deveres que lhe impuser o bem da pátria. É isto, porém, motivo para que se dissolva e desapareça, e seja excluído de colaborar na reconstrução? De certo que não. Na índole histórica dos partidos constitucionais encontra o Eco um obstáculo insuperável a que os liberais possam cooperar, sem duplicidade, no 5

Artista, Rio Grande, 30 de novembro de 1889, ano 26, n.o 274, p. 1.

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trabalho da reforma, mas ao contrário, a sua índole e a sua tradição dão esse direito ao partido liberal, cujas ideias e tendências democráticas estão exuberantemente assinaladas na história da nossa vida constitucional e a cujos esforços e trabalhos se deve o caminho andado na estrada da liberdade, que preparou a nacionalidade para a transformação, que se acaba de realizar. Mas vós éreis um partido que serviu à Monarquia, e a convicção que vos levou a defendê-la era a essência do vosso espírito político, a base da vossa organização, e em tais condições não podeis servir à República. Para isso, diz o Eco, teríeis de sacrificar a crença monárquica, e não podeis despojar-vos dela, como quem se desfaz de um móvel imprestável. A forma de governo não foi, porém, jamais o espírito essencial do liberalismo, nem a base do seu organismo político, e defendendo a Monarquia, os liberais não o faziam senão por entenderem que mais valia melhorar e aperfeiçoar o que existia do que arriscar a tranquilidade e a integridade da pátria. Muitas vezes, alto e publicamente, declararam que, no dia em que a Monarquia se tornasse incompatível com a liberdade, os liberais não cometeriam o crime de leso-patriotismo de oporem-se à mudança das instituições. Isto não é inventado, consta dos anais do extinto parlamento provincial, foi repetido muita vez na imprensa e na tribuna. Que motivo há, portanto, para se estranhar que nos separemos dos laços que nos vinculavam ao sistema destruído, se, fazendo-o, não temos de submeter-nos a amputações nem de renegar e abdicar a nossa consciência? Não tendes o direito de colaborar na obra da República, porque não estivestes ao lado dos que trabalharam, mas com os que a combatiam. Se assim fosse, se esta razão, com que o Eco pretende excluir os antigos liberais de intervirem e colaborarem na consolidação do novo regime e na reconstituição da pátria, fosse justa e verdadeira, a vontade e o pensamento da maioria dos brasileiros seria anulada, e à direção dos destinos nacionais assim restringida faltaria à autoridade, porque esta nos governos democráticos, funda-se na livre manifestação da vontade de todos os cidadãos. Não, o exclusivismo pregado pelo Eco é uma injustiça, e quando chegue a hora de ser ouvida a nação na elaboração das leis, que hão de regular o nosso futuro mecanismo administrativo, judiciário, político e social, todos os brasileiros devem ter direito igual a exprimir o seu pensamento e manifestar a sua vontade.

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Os liberais rio-grandenses aceitaram a revolução, aderem patriótica e lealmente ao novo regime, sem prevenções, e sem reservas. Constituem, porém, uma coletividade ligada há muitos anos pela aspiração de todas as liberdades sob a ordem, e têm pleno direito a pugnar pela sua realização, agora como antes. Não quer isto dizer que nos julguemos com direito a ser ouvidos durante o período da elaboração revolucionária. A direção da organização do novo regime, nesse período, pertence por direito aos fautores da revolução, porque a eles cabe a responsabilidade da reforma. Aceitando o fato consumado, os liberais submeteram-se também à direção do governo da revolução, e durante o período da organização ditatorial o seu dever único é cooperar para a manutenção da ordem. Continuam, porém, unidos e quando chegar a ocasião de ser reconstituído definitivamente o organismo nacional, pela forma que for estabelecida pelo governo provisório, temos o direito de ser ouvidos e esforçar-nos-emos pelo voto a colaborar na regulamentação do novo regime. Não nos absteremos de manifestar o nosso pensamento, mas não poremos o menor estorvo à tranquilidade da evolução republicana. Dentro do novo regime trabalharemos sincera e patrioticamente, sem prevenções nem restrições, para o bem da pátria, colaborando para a estabilidade do sistema republicano. Para a paz e o engrandecimento da pátria, para que se constitua de direito o regime estabelecido de fato cooperaremos lealmente. É o dever de todos os brasileiros. Não renunciaremos, porém, à liberdade da nossa consciência e ao direito de manifestar o nosso pensamento. O amor à liberdade, esse ideal da democracia, supremo regulador da oscilação da humanidade entre o progresso e a ordem, manteve até agora unido o partido liberal; conservá-lo-á agremiado sob o regime da República. Tudo pela liberdade foi a divisa da nossa bandeira. À sombra dela continuaremos agregados.

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DIÁRIO DO RIO GRANDE O Diário do Rio Grande foi um dos mais importantes jornais rio-grandinos do século XIX, iniciando sua circulação em 1848 e estendendo-se até 1910. Diante do jogo partidário vigente à época imperial, em períodos diferentes, o Diário esteve ao lado das duas principais agremiações. Dessa maneira, o periódico teve uma primeira fase conservadora para, mais tarde, após uma modificação de proprietário da empresa tipográfica, ter passado a uma etapa liberal que se manteve até a mudança na forma de governo. Ainda que, em cada uma de suas respectivas fases, a publicação rio-grandina tenha realizado a tradicional construção discursiva de situação/oposição, dependendo que quem estivesse no poder – liberais ou conservadores – uma das maiores preocupações do Diário do Rio Grande foi manter um certo equilíbrio entre a expressão mais aberta de suas convicções políticas – normalmente mais restrita às épocas de eleições ou inversões partidárias – e seus interesses comerciais, notadamente os voltados à venda de assinaturas e de espaços publicitários. A chegada da República traria algumas mudanças à estrutura discursiva do Diário. Ainda que, por diversas vezes, o periódico tenha chamado a atenção para os perigos do avanço da propaganda republicana, relacionando-o com a possibilidade do derruir da Monarquia, foi, até certo ponto, com surpresa que o jornal encarou a proclamação da República, fazendo inclusive referências à existência de dúvidas quanto a real efetivação do fato e, embora não tivesse levado em conta essa


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incerteza, a nova forma de governo foi admitida sem maior entusiasmo e apresentada como um «fato consumado», aplaudindo, no entanto, a maneira pacífica pela qual se desenvolveu a mudança. Na concepção do diário rio-grandino, o caráter de tranquilidade que marcara a implantação da República sugeria a aceitação nacional para com a nova situação e declarava, por conseguinte, a sua aprovação à forma de governo recém-instaurada. Segundo o jornal, a «adesão manifestada com a maior espontaneidade, livremente, sem o menor vislumbre de violência» demonstrava «que a instituição recentemente extinta não era a que mais correspondia às opiniões íntimas do povo brasileiro» de modo que «as suas esperanças sobre o engrandecimento e futuro do país» estariam «sensivelmente amortecidas». Desse modo, para o periódico, não haveria «como negar que a forma suave e sem protesto como se operou a rápida e inesperada transição de um para outro sistema» apontava, «inclusive aos mais refratários em submeter-se à evidência dos fatos, que a Monarquia não tinha fortes raízes na opinião nacional» (20/11/1889). Nesse sentido, a folha apressou-se em expressar sua posição favorável com relação ao governo republicano, justificando sua conduta na manutenção de sua postura de defensora do bem público. Explicava, então, que, «como órgão que sempre foi dos interesses gerais do Estado, da província, e principalmente do meio social» em que era publicada, ficaria «ao lado do novo governo, sustentando seus atos, enquanto estes respondessem às necessidades do país, às suas aspirações de progresso e levantamento moral» e à medida que fossem colocadas «em execução as reformas que se faziam mister à autonomia das províncias e dos municípios e ao desenvolvimento da riqueza pública e particular» (20/11/1889). Assim, foi essa a direção que orientou as manifestações do periódico ao longo dos últimos quinze dias do mês de novembro de 1889. As primeiras repercussões no Diário do Rio Grande, na edição de 16 de novembro, referiam-se a «graves acontecimentos», destacando que a população rio-grandina estaria «alarmada» diante das notícias, vindo a

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informar que a redação soubera «posteriormente que a República fora programada». Já no dia seguinte, o periódico permanecia publicando apenas notas e telegramas, e, sob o título de «Assuntos do dia», informava que cessara «no Brasil o domínio da instituição monárquica», pois «o sistema de governo» que passara a preponderar era «o republicano», não deixando de ressaltar que ordem não fora alterada (16 e 17/11/1889). O primeiro posicionamento mais direto do Diário acerca da transformação política nacional deu-se através do editorial «O fato consumado», publicado a 19 de novembro de 1889, demonstrando, na falta de outra alternativa, a aceitação da nova forma de governo. No dia seguinte aparecia o editorial «O dever de todos», o qual reforçava o espírito de acatamento em relação à República, apontada mais uma vez como um incontestável fato consumado. A manifestação de cunho opinativa apareceria ainda no editorial publicado pelo Diário do Rio Grande, a 21 de novembro, sob o título «Os primeiros atos», confirmando a tendência adesista. A partir de então, o periódico rio-grandino iria optar pelas matérias informativas, mormente as transcrições, procedimento confirmado em trecho do editorial «A situação», de 23 de novembro, no qual conclamava pelo patriotismo e pela manutenção da ordem pública.

O fato consumado1 Não há mais dúvidas. Está definitivamente constituída a República dos Estados Unidos do Brasil. Quem quiser duvidar que duvide. Nós submetemo-nos à evidência do fato consumado e congratulamo-nos, em primeiro lugar, pela forma como se operou a transformação, sem a menor perturbação da ordem pública. 1

Diário do Rio Grande, Rio Grande, 19 de novembro de 1889, ano 41, n.o 12.122,

p. 1.

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A ter de consumar-se o fato, melhor foi que a transição se efetuasse no meio de geral tranquilidade, sem comoções populares. Atribuam esse sossego a entusiasmo pela nova forma de governo, à descrença pela Monarquia, a indiferentismo, à falta de espírito público, ao que quiserem, enfim. O que é verdade é que o fato aí está patente aos olhos de todos, inclusive dos mais refratários em aceitarem o novo estado de coisas. O Brasil assim o quis. A tácita adesão das principais províncias, o sossego que reina em toda a parte, o estado do câmbio e a confiança que no Rio de Janeiro começa a depositar-se no novo governo, desvanecem todas as dúvidas e dão claramente a entender que a nação está convencida, de que sob o novo regime pode ser, tanto ou mais feliz quanto sob a forma monárquica. O que todos devemos desejar é que o governo provisório e os que lhe sucederem pautem os seus atos pelas severas normas da justiça da razão e do patriotismo; que o seu único objetivo seja promover, o mais possível, a grandeza e a felicidade da pátria brasileira, firmando, cada vez mais, os seus créditos de primeira potência da América do Sul e tornando-a digna dos grandes destinos que a natureza e o caráter do seu povo lhe assinalam. Proceda a República por esse modo, que não lhe faltarão adesões. Os verdadeiros patriotas não hão de preferir ao engrandecimento do seu país a preocupação de formas de governo. Antes de tudo o bem da pátria. O Diário do Rio Grande dá o seu fraco mas sincero apoio à nova administração, certo de que ela, como legítima representante da forma de governo que acaba de se instalar no país, fará por este todo o bem que puder.

O dever de todos2 Dizem telegramas do Rio de Janeiro que todas as províncias aderiram à nova forma de governo. 2

Diário do Rio Grande, Rio Grande, 20 de novembro de 1889, ano 41, n.o 12.123,

p. 1.

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Quer dizer que a República Federativa dos Estados Unidos do Brasil é obra que o assentimento unânime do Brasil consolidou nas bases da sua solidariedade e no tácito reconhecimento de que é esse sistema de governo que mais se coaduna com a sua índole de povo americano, e com as suas aspirações de povo que almeja progredir e fazer as maiores conquistas nos amplos e gloriosos estádios da civilização, da liberdade e do progresso. A adesão manifestada com a maior espontaneidade, livremente, sem o menor vislumbre de violência nem quaisquer dos meios de que têm, em igualdade de circunstâncias, lançado mão outros povos, demonstra que a instituição recentemente extinta, não era a que mais correspondia às opiniões íntimas do povo brasileiro, e que as suas esperanças sobre o engrandecimento e futuro do país estavam sensivelmente amortecidas. Não há como negar que a forma suave e sem protesto como se operou a rápida e inesperada transformação de um para outro sistema, demonstra, inclusive aos mais refratários em submeter-se à evidência dos fatos, que a Monarquia não tinha fortes raízes na opinião nacional. Tratando-se de uma instituição que nasceu com o Brasil livre, e contava, portanto, mais de meio século de existência, era de esperar que a proclamação da República levantasse um ou outro protesto e a reação se manifestasse num ou noutro ponto deste vasto território. No entanto, todos estamos vendo que, pelo menos, até onde chegam as transmissões telegráficas, o Brasil aceita de boamente o novo estado de coisas, dando assim franca e categórica demonstração de que descrente do passado regime, espera encontrar no que acaba de inaugurar-se os estimulantes de que tanto carece para desenvolver os assombrosos recursos com que o dotou a natureza e atingir o grau de prosperidade a que tem direito. Isto posto, cremos que a posição do Diário do Rio Grande, como órgão que sempre foi dos interesses gerais do Estado, da província, e principalmente do meio social em que se agita, deve ser ao lado do novo governo, sustentando seus atos, enquanto estes responderem às necessidades do país, às suas aspirações de progresso e levantamento moral, pondo em execução as reformas de que tanto se faz mister a autonomia das províncias e dos municípios, e ao desenvolvimento da riqueza pública e particular. Resolvida a magna questão do elemento servil, e agora, como consequência daquela, a de forma de governo, pela qual a nação, a julgar pela adesão

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geral das províncias, parece que não tinha grandes simpatias, nada mais resta a todos os brasileiros, verdadeiramente patriotas, que se congregarem em torno da nova instituição, e mutuamente auxiliarem-se na regeneração da pátria. A missão que há a desempenhar é nobre, elevada e grandiosa, necessário se faz, portanto, que todos os cidadãos, que antes de tudo desejam a grandeza e felicidade da sua pátria, colaborem na colossal e nobilíssima tarefa. Mais tarde será indispensável como elementos de conservação e regularidade do sistema governamental, que novos partidos se organizem, girando estes em torno da República. Nestes momentos, porém, é de alto dever, de ordem e patriotismo que todos os brasileiros se unam e em comum trabalhem pela consolidação da nova instituição, símbolo respeitável da atividade e grandeza da pátria, e elemento essencial de tranquilidade e bem estar de todos. É esse o meio de elevar ainda mais aos olhos do mundo este grande povo, que, pela segunda vez, acaba de dar tão alta prova dos seus sentimentos de ordem, de cordura e amor da pátria, sem exemplo na história dos outros povos.

Os primeiros atos3 Os brasileiros patriotas, aqueles que se desvanecem de haver nascido neste abençoado torrão, tão prodigamente dotado pela natureza, devem estar de parabéns pelo que neste momento se está passando no seu grande e formoso país. Operar-se uma transformação radical nas instituições políticas, sem a menor perturbação da ordem pública, antes com geral assentimento e geral tranquilidade dos espíritos, é já de si um fato tão assombroso quanto encomiástico dos sentimentos deste grande povo. A velha Europa, onde estas transições se operam sempre à custa de muito sangue, de violências, de perseguições e profunda perturbação de todos os 3

Diário do Rio Grande, Rio Grande, 21 de novembro de 1889, ano 41, n.o 12.124,

p. 1.

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órgãos sociais, deve estar assombrada de que um país que não tem ainda um século de existência, esteja dando lições de bom senso, e de que por amor de uma família, muito respeitável embora pelas suas virtudes, nenhum povo deve comprometer em lutas fratricidas o seu futuro de progresso e de glórias. A paz, a tranquilidade absoluta que reina hoje de um a outro extremo da República Federal dos Estados Unidos do Brasil, é já de si um fato que dá a mais elevada ideia do critério e do caráter deste grande povo. Mas os atos, com que o governo provisório inaugura o novo sistema, são os atestados mais eloquentes das suas intenções e patriotismo e a coroação mais radiante da grande obra nacional que acaba de ser erigida, como santelmo do povo brasileiro no caminho do seu futuro. Esses atos são, na verdade, dignos dos homens que tão pacificamente conseguiram depor o antigo regime e inauguraram em seu lugar o que a nação recebeu com gerais adesões. Governo e povo são dignos um do outro. Para um povo que recebe sem resistência e sem protesto a nova instituição dominante, só um governo dotado de intuitos elevados e patrióticos, como esses de que nos estão dando provas os cidadãos inauguradores da República no Brasil. Com efeito, os atos do governo provisório são por enquanto de natureza a atrair à República as adesões de todos os brasileiros sinceramente devotados ao engrandecimento e bem estar da sua pátria. Tudo quanto ele há feito é obra de verdadeiros patriotas e de quem visa o duplo objetivo de encaminhar o país pela verdadeira senda da felicidade e do progresso, e de captar a confiança de todos os seus concidadãos. Onde já se viu, no curto espaço de cinco dias, fazer-se a mudança radical da forma de governo e consolidar-se esta por meio de atos reveladores da maior sabedoria e da nobreza de intenções dos seus autores, atos em que transparecem intuitos dignos do maior respeito, quais sejam os de firmar o novo Brasil em bases sólidas e estáveis, e de conquistar para isso o concurso patriótico de todos os cidadãos, de parte todas as considerações para dar lugar à que presentemente deve predominar sobre todas: – o bem da pátria? Há uma outra coisa com a qual a República, representada pelos seus fundadores, se impõe à nossa adesão: é a sua generosidade para com os vencidos, sentimento que tanto enobrece os patriotas que compõem o governo

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provisório, quanto deve ser motivo de orgulho para o Brasil inteiro. No grande acontecimento da inauguração da nova forma governamental, o que mais impressiona e entusiasma, é este sossego geral e sem exemplo e os atos de critério, de moderação, de generosidade e alevantado patriotismo com que o atual governo está firmando o edifício da República Federal do Brasil. Isso é que provoca a nossa admiração. Do país que sob tais auspícios entra em nova fase de existência política e social, não há a esperar senão um futuro de progresso, de felicidade e grandeza.

A situação4 [. . . ] Caracterizou-se já a situação política original do movimento militar de 15 do corrente e que mal se definira nas primeiras horas do dia. O dever que o patriotismo nos impõe nas atuais circunstâncias é aconselhar o maior respeito da liberdade e a mais rigorosa manutenção da ordem pública. Cumprido este dever, limitar-nos-emos a continuar hoje a narração dos fatos de que tivemos conhecimento. [. . . ]

4

Diário do Rio Grande, Rio Grande, 23 de novembro de 1889, ano 41, n.o 12.126,

p. 1.

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Parte II A REPÚBLICA EM PORTUGAL (OUTUBRO DE 1910)

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O regicídio de Lisboa de 1 de fevereiro de 19081 , com a morte do rei D. Carlos e do príncipe herdeiro, Luís Filipe, dá um golpe fatal à dinastia dos Bragança. A monarquia portuguesa já se encontra em situação de crise política e tem de enfrentar uma crescente contestação nomeadamente por parte do Partido Republicano (PRP). O regime não consegue adaptar-se às mudanças sociais e económicas da Belle Époque, deixando praticamente à margem a «nata política das camadas intermédias» urbanas (profissões liberais, pequenos e médios comerciantes, pequena burguesia) 2 e o emergente movimento operário. Por outras palavras, a partir dos anos 1890, as reformas introduzidas pelas elites monárquicas acabam «por bloquear a democratização do poder», impedindo dessa forma a sua «regeneração»3 . Ligeiramente ferido durante o atentado, Manuel II, o novo rei – que sobe ao poder ainda muito novo sem alguma preparação – afasta João Franco do poder. Decreta a amnistia para os prisioneiros políticos e promete novas eleições, que se realizam a 5 de abril. Sete deputados republicanos entram no Parlamento, mas há motins que provocam 14 mortos e cerca de uma centena de feridos. A rainha D. Amélia e o filho tentam «salvar o regime»4 , graças à poCf. ALVES, Francisco das Neves & MONICO, Reto. O Regicídio português nas páginas da imprensa rio-grandina. Lisboa/Rio Grande: CLEPUL /Biblioteca Rio-Grandense, 2016. VIEIRA, Joaquim & MONICO, Reto. Mataram o Rei! O regicídio na imprensa internacional. Lisboa: Pedra da Lua, 2007. SAMARA, Maria Alice & TAVARES, Rui. O Regicídio. Lisboa: Tinta da China, 2008. 2 ROSAS, Fernando, «A queda da Monarquia», in ROSAS, Fernando & ROLLO, Fernanda [coord.]. História da Primeira República portuguesa. Lisboa: Tinta da China, 2011, p. 18. 3 FERNANDES, Paulo Jorge. «A vida política», in TEIXEIRA, Nuno Severiano [Coord.]. A crise do Liberalismo. Lisboa: Fundación MAPFRE, 2014, p. 46. 3o volume da História Contemporânea de Portugal dirigida por António Costa Pinto e Nuno Gonçalo Monteiro. 4 FERNANDES, Paulo Jorge, op. cit., p. 49. 1


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lítica da «acalmação», mas a monarquia, abalada por vários escândalos, já não tem praticamente defensores, estando os próprios partidos monárquicos divididos e a oposição republicana mais forte e decidida. A instabilidade governativa permanece e agrava-se: se, entre 1890 e 1910, os governos duram cerca de um ano, no curto reino de D. Manuel, esta média não chega a seis meses.

Fig. 1: A Ilustração portuguesa de 13 de abril de 1908 publica duas fotografias dos «arruaceiros» que destroem «a guarita da Guarda municipal do Teatro D. Maria», na segunda-feira a seguir às eleições.

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Fig. 2: No mesmo dia, 6 de abril de 1908, no Rossio, o Regimento de Lanceiros tem que intervir para manter a ordem. Nas fotografias, podem-se ver os «garotos armados com os ferros» utilizados para arrancarem as pedras da calçada. [Ilustração Portuguesa, 13 de abril de 1908].

Em maio, o PRP propõe no entanto um pacto ao monarca para «produzir uma diminuição das desgraças no país»5 . Mas esta tentativa de conciliação não é bem acolhida por parte de D. Manuel e dos dirigentes monárquicos, contribuindo assim para enfraquecer a corrente «legalista» no Partido Republicano. Este partido, fundado em 1876, ganha mais força no início do século, nomeadamente nas grandes cidades, sobretudo a partir da ditadura de João Franco em 1907. Neste período de grande contestação, de protestos, de manifestações, de anticlericalismo, o PRP tornara-se «um partido de massas», «dando expressão tanto às contestações populares como à insatisfação das elites»6 , num país onde, contrariamente à 5 6

Ibidem. SERRA, João B., «O assalto ao poder», in ROSAS, Fernando & ROLLO, Fernanda

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França e à Alemanha, o Partido Socialista tinha um peso político irrelevante.

Fig. 3: Setembro de 1910: D. Manuel assiste a uma festa em Sintra. À esquerda, D. Maria Pia, a avó do rei; à direita, D. Afonso, o irmão de D. Carlos assassinado em fevereiro de 1908. [Ilustração Portuguesa, 26 de setembro de 1910]

No congresso de Setúbal, em abril de 1909, o partido mudou de estratégia, abandonando a via reformista e preparando-se para tomar o poder pela força. Para esse fim, o novo Diretório Republicano terá de nomear duas comissões, uma civil e outra militar, trabalho que o irá ocupar o resto do ano. Não será muito simples formar a segunda [coord.], op. cit., p. 46.

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comissão e elaborar o plano militar, fulcral para chegar ao poder. Esta será composta pelo almirante Cândido do Reis, juntamente com os capitães Afonso Pala e Alfredo Sá Cardoso. Nesses meses, há também uma grande campanha de agitação no país, incluindo contactos do PRP com a Maçonaria e a Carbonária Portuguesa, dirigida por Artur Luz de Almeida. Esta organização secreta, fundada nos finais do século XIX, cresce durante o governo de João Franco e, em 1908, reforça-se com a entrada do engenheiro António Maria Silva e do comissário naval António Maria Machado Santos. Juntamente com Luz de Almeida, formam a Alta Venda, a cúpula dirigente. É nessa altura que a Carbonária começa a infiltrar-se nas Forças Armadas e a estender-se, mas sem grandes resultados, à província7 . Os membros desta organização, cujo número é difícil de avaliar8 , provêm das classes trabalhadoras e da pequena e média burguesia urbanas. Alguns «primos», como se tratam entre eles, tornam-se membros da loja maçónica A Montanha e tentam obter o apoio da Fraternidade Lusitana em prol da revolução. Em abril do ano seguinte, no Porto, o congresso do PRP decide enviar uma delegação a França e a Inglaterra para explicar o ponto de vista dos republicanos portugueses e para preparar as duas grandes potências para a mudança de regime. No início de junho, José Relvas, Magalhães Lima e Augusto Alves da Veiga reúnem-se em Paris, onde dão «começo a essa delicada missão»9 . Publicam uma nota oficiosa em vários jornais franceses, italianos, ingleses, brasileiros, norte-americanos e também no diário L’Indépendance belge, de Bruxelas. Encontram-se com vários jornalistas franceses; em Paris, são recebidos Ibidem, p. 49-50. Vasco Pulido Valente (O Poder e o Povo. Lisboa: Dom Quixote, 1974, p. 94-95) fala de 34 000 membros; Rui Ramos (A Segunda Fundação. Lisboa: Editorial Estampa, 1995, p. 367) afirma que «qualquer número de filiados acima dos 2 000 deve ser considerado como duvidoso»; o professor Fernando Catroga, numa conferência apresentada na Universidade Nova de Lisboa em setembro de 1998, dava uma estimativa de 10 000 membros. 9 RELVAS, José. Memórias políticas. Lisboa: Terra livre, 1977, vol. 1, p. 83. 7

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pelo subsecretário do ministro do Interior; em Londres, pelo subsecretário de Estado dos Negócios Estrangeiros. José Relvas nota nas suas Memórias políticas: Será talvez escusado dizer que em toda a nossa missão não perdemos o ensejo de dar o maior relevo às qualidades do nosso povo e às condições em que julgamos dever reconstituir a vida nacional. Sem vaidade, podemos afirmar que a nossa missão visou a assegurar o crédito de Portugal no estrangeiro10

De regresso a Portugal em meados de julho, o chefe republicano nota que «Machado Santos quase não podia conter os grupos de marinheiros, tão impacientes pela insurreição»11 . É por conseguinte indispensável acelerar a preparação da futura tomada do poder. A revolta de 18 de agosto, dez dias antes das eleições12 , fracassa. Os dirigentes do Partido Republicano têm de reconhecer que, sem o apoio da Carbonária, não será possível alcançar este objetivo. Dois meses antes, a organização miliciana recebera o apoio da Maçonaria. Na mesma altura, em junho, durante uma reunião secreta na sede do Grande Oriente Lusitano, é nomeada a Comissão de Resistência, de cerca de dez membros, composta por carbonários (nomeadamente Machado Santos e António Maria da Silva), maçons (entre os quais Miguel Bombarda e José de Castro) e por dois membros do Diretório republicano (Cândido dos Reis e António José de Almeida). Objetivo central: organizar a revolução. A hierarquia do PRP está cada vez mais afastada dos preparativos que se concretizam durante o mês Ibidem, p. 96. Ibidem, p. 93. 12 Nestas eleições perdidas pelo governo, o PRP obtém 14 deputados, eleitos em Lisboa, Setúbal e Beja. Como nota Rui Ramos, as doze câmaras municipais controladas pelo Partido Republicano em 1908 são também todas do Sul do país. Neste último ato eleitoral da monarquia, o PRP consegue 62,3% dos votos em Lisboa e 43% no Porto. O mesmo historiador afirma que «o Partido Republicano era um partido do Sul». RAMOS, Rui, op. cit., p. 343. 10

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de setembro. O Diretório do PRP dá «luz verde à insurreição a 25 de setembro, ficando o almirante Cândido dos Reis como comandante-chefe das operações»13 . O plano da revolução – preparado por dois oficiais do Exército e por um oficial da Marinha – prevê, por um lado, a formação de 60 grupos de 16 homens, tendo cada grupo 5 pistolas e 5 bombas14 , e, por outro lado, a constituição de 7 grupos de 30 homens. A tarefa destes 210 homens é de ajudar os oficiais e os sargentos republicanos a sublevar os quartéis da capital. Outros «primos» terão de atacar, nas estreitas ruas de Lisboa, as tropas fiéis ao regime, ocupar o Arsenal, cortar as linhas do telefone e do telégrafo. Têm dois objetivos principais: por um lado, tomar o Quartel Geral e cercar a Guarda Municipal, o inimigo jurado dos Carbonários; por outro, capturar o rei, se ele não fugir, e ocupar a Baixa lisboeta. O início das operações é fixado para a madrugada de dia 4, uma terça-feira, decisão tomada numa reunião muito agitada, no Chiado, a 2 de outubro. No entanto, no dia seguinte, é assassinado o Dr. Miguel Bombarda por um antigo paciente seu, provocando uma certa confusão. A morte do chefe civil da revolta paralisa muito provavelmente a distribuição de armas aos civis15 . Apesar disso e do facto das tropas de Lisboa estarem de prevenção, numa última reunião, na Rua da Esperança, mantém-se a data prevista. A determinação do chefe militar, Cândido do Reis, é decisiva para evitar um adiamento do plano. Ao mesmo tempo, em Belém, D. Manuel, avisado pelo presidente do ConSERRA, João B., «O 5 de Outubro», in ROSAS, Fernando & ROLLO, Fernanda [coord.], op. cit., p. 55. 14 Na realidade, de 3 a 5 de outubro, os carbonários são mal armados. «A falta de bombas e do armamento (pistolas ou revólveres) que lhes devia ser distribuído, em harmonia com o que o Diretório havia adquirido, anulou a dedicação de muitos centenares de homens [. . . ]» «[Em Alcântara,] os civis, só levaram consigo duas pistolas, obsequiosamente cedidas, e 7 bombas. As pistolas ou revólveres que lhes deviam enviar nunca apareceram!». SANTOS, António Maria Machado. A Revolução. Portuguesa. Relatório. Lisboa: Liberty, 1911, p. 96 e 99. 15 RAMOS, Rui, op. cit., p. 373. 13

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selho, Teixeira de Sousa, da iminência do ataque republicano, oferece um jantar ao presidente eleito do Brasil, Hermes da Fonseca, em visita à capital portuguesa.

Fig. 4: Hermes da Fonseca presidente eleito do Brasil, chega a Lisboa a 1 de outubro de 1910, três dias antes do início da revolução. [Ilustração Portuguesa, 10 de outubro de 1910]

Na madrugada de dia 4, os revoltosos conseguem sublevar o regimento de Artilharia 1 e o regimento de Infantaria 16 e tomam posse do quartel dos marinheiros. Ao mesmo tempo, o S. Rafael e o Adamastor, dois dos três navios de guerra portugueses ancorados no Tejo, amotinam-se. No entanto, nenhum outro regimento passa para o lado www.clepul.eu


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dos revoltosos. A força militar da monarquia parece intacta e o ataque ao Palácio das Necessidades fracassa.

Fig. 5: Lisboa, 4 de outubro de 1910: a tripulação do cruzador S. Paulo, corresponde às saudações feitas ao marechal Hermes da Fonseca. À esquerda, um dos barcos dos manifestantes republicanos, que, depois da amotinação do S. Rafael e do Adamastor, vieram ao encontro do cruzador onde se encontra o presidente brasileiro desde a noite anterior. [Ilustração Portuguesa, 10 de outubro de 1910]

Ao raiar do dia, as duas colunas dos capitães Pala e Sá Cardoso, acossadas pelas tropas do regime, têm de desistir dos seus objetivos (atacar o palácio real e o quartel da Guarda Municipal). Chegam então à Rotunda16 , no topo da Avenida da Liberdade, juntando-se à pequena 16

Hoje, Praça Marquês do Pombal.

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tropa de Machado Santos. São, ao todo, cerca de 500 homens, militares e civis mal armados. O plano republicano parece ter falhado: uma grande parte dos regimentos da cidade não aderiu ao movimento. Além disso, chega a notícia do suicídio de Cândido dos Reis, e uma parte da tropa abandona o acampamento da Rotunda. Os principais dirigentes do PRP, julgando porventura que tudo está perdido, estão ausentes das operações.

Fig. 6: Duas barricadas em cima da Avenida da Liberdade [Ilustração Portuguesa, 17 de outubro de 1910]

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Machado Santos decide ficar com cerca de 200 homens, tomando assim uma decisão capital para o sucesso republicano. Nem tudo está perdido: os rebeldes têm oito canhões e o chefe do acampamento sabe que os carbonários infiltraram os regimentos monárquicos. Neste dia, a situação começa a mudar em favor dos revoltosos: a pequena tropa da Rotunda resiste aos bombardeados de unidades fiéis ao regime, comandadas por Paiva Couceiro; o S. Rafael e o Adamastor bombardeiam o Palácio das Necessidades, provocando a fuga de D. Manuel para Mafra; desembarcam também cerca de 1500 homens na Praça do Comércio, semeando o pânico nas fileiras monárquicas; ao fim do dia, o D. Carlos, o terceiro navio, passa também para o lado republicano.

Fig. 7: O herói da Rotunda: António Maria de Azevedo Machado Santos (1875-1921). [Ilustração Portuguesa, 17 de outubro de 1910]

Na madrugada de 5 de outubro, é evidente que as tropas que ainda estão do lado do jovem rei não têm nenhuma hipótese de vencer, www.lusosofia.net


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e quase ninguém quer combater e morrer para defender o regime. Por volta das 8 da manhã, o encarregado de negócios alemão pede um cessar-fogo para poder evacuar os seus compatriotas das zonas perigosas. À vista da bandeira branca, toda a gente pensa que a monarquia já capitulou e o povo começa a confraternizar com os soldados. Machado Santos decide então descer a Avenida em direção ao Rossio. No quartel-general monárquico, o general Gorjão diz-lhe: «Eu não me entrego porque não tenho nada que entregar». Uma hora mais tarde, José Relvas e Eusébio Leão, membros do Diretório do PRP, proclamam a República na varanda da Câmara Municipal de Lisboa.

Fig. 8: Lisboa, 5 de outubro de 1910: José Relvas proclama a República. A esquerda, Eusébio Leão, futuro ministro em Roma; à esquerda, Ernesto Carneiro Franco (1886-1965), ativo na greve académica de 1907 e que lutará contra a ditadura militar e a de Salazar. Exilado no Brasil desde 1949. [Ilustração Portuguesa, 10 de outubro de 1910].

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Fig. 9: Gibraltar, 16 de outubro de 1910: o rei deposto e D. Amélia partem rumo a Inglaterra. [Ilustração Portuguesa, 14 de novembro de 1910].

Em Mafra, a presença de D. Manuel II, de D. Amélia e de D. Maria Pia torna-se cada vez mais incómoda naquela mesma manhã de 5 de outubro, nomeadamente depois de o presidente da Câmara de Mafra e o comandante da Escola Prática de Infantaria terem recebido um telegrama comunicando a vitória republicana na capital. Decidem então partir para a Ericeira, com o objetivo de ir até ao Porto. À tarde, os três automóveis, acompanhados por uma pequena escolta de cavalaria, chegam à pequena vila piscatória. A família real e o séquito descem a pé para a praia, onde duas embarcações os levam até ao iate Amélia. No entanto, apesar da vontade do soberano, o comandante do navio acha muito arriscado dirigir-se até à cidade invicta. Não tendo a certeza de serem bem recebidos no Porto e argumentando www.lusosofia.net


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também a falta de carburante e o facto de não querer pôr em risco a vida dos membros da família real, João Agnelo Velez Caldeira Castelo Branco sugere ir até Gibraltar, onde chegarão dois dias mais tarde17 . Depois da fuga de D. Manuel II, ninguém acreditará «seriamente numa restauração monárquica»18 em Portugal.

Fig. 10: Excessos do anticlericalismo republicano: busca de subterrâneos dos conventos. Os padres são também acusados de ter atirado bombas para a tropa. [Ilustração Portuguesa, 24 de outubro de 1910] PROENÇA, Maria Cândida. D. Manuel II. Lisboa: Círculo dos Leitores, 2015, p. 114-116. 18 RAMOS, Rui, op. cit., p. 399. 17

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Fig. 11: Lisboa, Cais do Sodré, 3 de novembro de 1910: expulsão de jesuítas. [Ilustração Portuguesa, 14 de novembro de 1910].

No mesmo dia, um governo provisório de oito membros, todos dirigentes do PRP mas que não tiveram nenhum papel de relevo durante os combates, chefiados por Teófilo Braga (um grande universitário, mas muito fraco politicamente19 ), toma o poder até à formação do primeiro governo constitucional, a 3 de setembro de 1911. O «principal arquiteto»20 e homem forte deste executivo é sem dúvida Afonso Costa, que assume a pasta da Justiça e Cultos. É ele o artesão de decretos que têm como objetivo a descristianização da sociedade, entre os quais podemos assinalar, a 8 de outubro, a expulsão dos jesuítas, o encerramento dos conventos e a confiscação dos bens do clero regular. Os outros ministros são: Bernardino Machado (Negócios Estrangeiros), António José «Era o chefe do Governo, mas não sabia como desempenhar mandato de tão grande responsabilidade, nem tinha a inspiração dos meios com que impusesse desde a primeira hora a sua suprema autoridade», RELVAS, José, op. cit., p. 156. 20 SERRA, João B., «O 5 de Outubro», citado, p. 59. 19

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de Almeida (Interior), António Xavier Correia Barreto (Guerra), Amaro de Azevedo Gomes (Marinha) e António Luís Gomes21 (Fomento). José Relvas, membro do Diretório do PRP, fica com o Ministério das Finanças a 12 de outubro, depois da recusa de Basílio Teles. Do governo não faz parte nenhum membro da Carbonária, o que não foi do agrado de Machado Santos22 . O próprio José Relvas exprime uma opinião muito negativa sobre a formação, a estrutura e o funcionamento deste gabinete23 : O governo Provisório foi construído à la diable e as ideias governativas da Revolução foram entregues ao arbítrio dos ministros, donde resultou a obra desconexa do Governo Provisório e a inconcebível situação dum Ministério acéfalo (que o mesmo era ser presidido por Teófilo Braga), com ação independente em cada pasta. Não faltavam entre os homens da Revolução capacidades suficientes, e algumas especializadas, para fixar os princípios de direito, de administração civil e política, de regime financeiro, de organização colonial, de defesa nacional, pela reforma do exército e pela orientação da política externa das novas Instituições. Mas faltava a sequência de esforço, e os paladinos da República julgavam cumprir suficientemente a sua missão numa atividade de comícios e conferências, sem dúvida admirável para despertar as energias da reação popular, mas estéril para com ela se formar um corpo de doutrina, e dirigir um Estado. Deste imenso erro veio a enfermar a vida da República.

No plano internacional, os dois primeiros países a reconhecerem oficialmente a República portuguesa são o Brasil, logo a 22 de outuSubstituído por Brito Camacho a 22 de novembro. Segundo Raul Brandão, Teófilo Braga teria dito a Machado Santos: «O senhor é como o bom sapateiro que vem entregar as botas já prontas ao freguês.» Porém, o herói da Rotunda «considerou sempre que os outros se adiantaram [a formar o governo] – conservando-o na Rotunda até formarem governo.» BRANDÃO, Raul. Memórias, Tomo II. Lisboa : Relógio d’Água, 1999, [1a ed. 1925], p. 111. 23 RELVAS, José, op. cit., p. 101-102. 21

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bro, e a Argentina, a 23, seguidos por alguns outros estados latino-americanos. A Suíça é o único país europeu que o faz ainda no mesmo ano, a 27 de dezembro. Todas as grandes potências tomarão esta decisão em 1911: os Estados Unidos em junho, a França em agosto e as restantes, a Grã-Bretanha, a Rússia, a Itália, a Áustria-Hungria e a Alemanha, só em setembro.

Fig. 12: A Ilustração Portuguesa publica a 17 de outubro de 1910 os retratos dos membros do Governo Provisório.

***** Em outubro de 1910, os republicanos portugueses conseguem tomar o poder, apesar de morte dos seus dois principais chefes, Cândido www.lusosofia.net


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dos Reis e Miguel Bombarda, e da superioridade numérica dos seus inimigos. O que parece evidente é a falta de entusiasmo das tropas monárquicas em defender o regime. O alto comando militar de Lisboa, onde, durante estes dois dias, reina uma grande confusão, é dirigido por burocratas fardados que não conhecem quase nada dos problemas militares: «O Exército era para eles um modo de vida, não um modo de morrer»24 . É preciso lembrar o papel da Carbonária, que tinha infiltrado várias unidades, e a passividade de muitos oficiais, que evitam o combate para ter a possibilidade de se porem, no fim, do lado dos vencedores. Não se pode esquecer, finalmente, que, depois do Regicídio, muitos oficiais fiéis à monarquia foram afastados de Lisboa.

Fig. 13: Lisboa, 16 de outubro de 1910: funerais nacionais de Miguel Bombarda e de Cândido dos Reis. [Ilustração Portuguesa, 24 de outubro de 1910] 24

SERRA, João B., «O 5 de Outubro», citado, p. 391.

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Fig. 14: Manchete do quotidiano romano La Ragione de 9 de outubro.

Depois do dia 5 de outubro, para praticamente todos os jornais, Portugal torna-se o centro de todas as atenções durante mais de uma semana, como foi o caso em fevereiro de 1908, depois do Regicídio. Encontram-se correspondências de enviados especiais, relatos de testemunhas, desenhos, fotografias, caricaturas, diagramas da cidade. Contrariamente aos três jornais rio-grandinos citados neste livro que reproduzem só notícias, por vezes exageradas e falsas, e nenhum editorial sobre a queda da monarquia portuguesa, na imprensa europeia e norte-americana podemos ler muitos comentários e análises das várias redações, mesmo em alguns periódicos regionais. Na primeira parte do século XX, a proclamação da República em Lisboa é sem dúvida www.lusosofia.net


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o acontecimento da política interna portuguesa que provoca o maior número de comentários nos jornais europeus e norte-americanos. Será preciso esperar pelo episódio do paquete Santa Maria, em janeiro de 1961, e pela revolução dos cravos de abril de 1974 para que Portugal volte, durante alguns dias seguidos, às primeiras páginas dos quotidianos mundiais.

Fig. 15: Manchete do quotidiano vienês Volksblatt de 9 de outubro.

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Fig. 16: « O desassossego da Europa», de Balfoulker, caricaturista americano. [Ilustração Portuguesa, 7 de novembro de 1910]

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ECO DO SUL A partir da proclamação da República, o Rio Grande do Sul enfrentaria grave crise política que levaria à guerra civil. Em tal enfrentamento, o Eco do Sul adotou a defesa dos rebeldes e por isso viria a sofrer fortes perseguições. Entre o final do século XIX e os primórdios da centúria seguinte, sua circulação foi interrompida diversas vezes, tendo em vista o cerceamento governamental. Após uma dessas interrupções, já no início do século XX, o jornal anunciava que passara a «grande noite de silêncio», pela qual fora obrigado a passar, garantindo que reaparecia «com a mesma altivez e com as mesmas esperanças que o alentavam vigorosamente quanto suspendeu a sua publicação», voltando «a ocupar o seu posto na imprensa rio-grandense, prestigiado pelas simpatias públicas e pela confiança das heroicas e abnegadas falanges da oposição». Mantendo sua filiação partidária, o periódico declarava que prosseguiria «na luta incruenta em prol dos princípios democráticos», em oposição ao castilhismo (1/3/1902). Ainda ao retornar, a folha propunha-se a prosseguir «combatendo sem dobrez e sem fraquezas a ditadura castilhista» e «lutando pela reabilitação da pátria retalhada em oligarquias odiosas». A folha afirmava que não queria ver a República maculada «pelos elementos ruins, sem prestígio e sem raízes na opinião», nem «falsificada selvaticamente nas suas formosas virtudes», ou ainda «desvestida cruelmente das suas amplas liberdades» e «desamada da grande alma popular». Declarava que, ao contrário, queria a «reabilitação» e a «reconstrução da pátria»,


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de maneira que seria «em prol desta aspiração liberal e salvadora o primeiro esforço perseverante do Eco na sua nova fase de existência» (1/3/1902). Tendo em vista este intento, o jornal passou a estampar em seu cabeçalho o dístico «órgão revisionista». Um ano após a retomada das atividades, o jornal prosseguia definindo-se como uma «folha de combate» e «voluntário lutador em prol da liberdade rio-grandense, conculcada pela selvagem ditadura positivista, instituída pelo odioso sátrapa Júlio de Castilhos». Propunha-se a acatar e defender «com ardor e lealdade o belo e luminoso programa» oposicionista, «por ser ele o que mais se harmonizava e se amoldava às tendências, à índole e às aspirações da sociedade brasileira». Prometendo «jamais esmorecer na luta, que considerava santa cruzada», o periódico manifestava sua «inabalável e segura convicção de que haveria de soar», em breve, «a hora da redenção do Rio Grande, como também não tardaria a ser uma fulgurante realidade a anelada e triunfante aspiração brasileira – a revisão constitucional». Entre 1904 e 1907, ocorreu uma considerável diminuição na quantidade de pronunciamentos político-partidários expressos pelo Eco, em um prenúncio da nova fase na qual ele brevemente entraria. Mesmo assim, a folha persistiu no combate, afirmando que continuaria a «defender o programa do partido a que pertencia», ainda mais quando este programa embasava-se nos «vastos e assombrosos ideais de um estadista superior», consistindo-se esta atitude numa «tarefa indeclinável e gratíssima», sustentando sobre os seus «ombros a responsabilidade de órgão voluntário de uma grande potência política» (15/4/1905). Através desta «luta», o jornal argumentava buscar a vitória «dos verdadeiros ideais republicanos», de modo que, o «patriotismo» viesse a «destronar a anarquia e abater os deturpadores da sã orientação política aconselhada pelo amor às velhas e gloriosas tradições e pela prosperidade da mais gloriosa pátria sul-americana» (14/11/1906). Da gradual diminuição no número de manifestações de cunho político, observada ainda na primeira metade da década de 1910, o Eco do Sul passou a uma progressiva suavização de seu discurso político-

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-partidário, abandonando, inclusive, o dístico de «órgão revisionista», em julho de 1907. O jornal entrava assim, a partir de 1908, numa nova fase, na qual passou a propalar a sua condição de órgão «independente», ou seja, não mais vinculado a um partido político. Essa conduta representava a saída que o periódico encontrava no intento de adaptar-se à renovada etapa na qual o jornalismo passava a se encontrar, além do que, servia como uma forma de reação às amplas dificuldades que a folha vinha enfrentando para garantir o seu sustento financeiro. Nesta conjuntura, se propôs a escrever «com a máxima independência, numa compreensão elevada do que fosse o jornalismo», procurando «enfrentar todas as questões, sem nelas misturar sentimentos que fugissem apavorados da honra e do dever» (18/6/1908). Pouco depois, o Eco reiterava sua nova postura, destacando que era «independente de partido», de modo que acompanhava «par e passo a opinião pública», procurando «dizer o que sentia e o que pensava em face dos males que afligiam a sociedade» (20/6/1908). Buscando enfatizar sua nova proposta editorial, o jornal afirmava que se punha «de parte às preferências dos que mourejavam» no Rio Grande do Sul, estando «livre de quaisquer peias políticas» e, «alheio ao que se murmurava nas facções partidárias», só almejando «o bem da República e a garantia da grandeza futura da sociedade brasileira» (29/1/1909). Mesmo assim, o Eco não chegou a renegar de todo as suas antigas convicções partidárias, de modo que se tornar um órgão «independente» significava não ter mais uma ligação direta e aberta com as forças oposicionistas. Ao abandonar o partidarismo como conduta editorial, o jornal objetivava ajustar-se à modernização pela qual passava o jornalismo, quando passaram a predominar as folhas com os rótulos de «independentes», «neutras» e/ou «imparciais», com uma preocupação básica concentrada no caráter informativo. Assim, o periódico adotava definitiva e diretamente a estratégia de só se expressar político-partidariamente em momentos mais decisivos e demarcados cronologicamente, buscando um equilíbrio entre a manifestação explícita de suas ideias políticas e os seus interesses financeiros de susten-

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tação até o seu desaparecimento em 1934. Foi nas páginas do Eco do Sul que ocorreu a mais ampla cobertura da implantação da República em Portugal. Prevaleceu o caráter predominantemente informativo que o periódico assumira poucos anos antes, de modo que as matérias noticiosas foram amplamente superiores às opinativas. O jornal não só informava por meio de suas folhas impressas, como também servia de central de informações, colocando telegramas à disposição do público e informes em murais estampados nas oficinas da empresa. Cônscio do papel que desempanhava junto a seus leitores, o Eco fez valer o seu «serviço especial» na obtenção de notícias, as quais eram obtidas junto a variados órgãos periodísticos em termos mundiais. Mesmo nas poucas oportunidades em que apareceram artigos de opinião – com identificação de autoria independente da redação – o jornal teve o cuidado de expressar visões emanadas dos dois lados – republicano e monárquico – ou seja, buscava relevar sua proposta de indepedência, ao dar voz a vencedores e derrotados.

Portugal1 _________ Sobre um vulcão _________ Novas alarmantes _________ ∼∼Estalou a revolução∼∼ _________ 1

Eco do Sul, Rio Grande, 5 de outubro de 1910, ano 56, n.o 227, p. 2.

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A REPÚBLICA D. MANUEL PRESO RIO, 5, às 8 horas, pelo cabo: Chega telegrama de Lisboa anunciando ter estalado ali uma revolução. Acrescenta o recado que o rei D. Manuel II, de Portugal, foi preso pelos revolucionários. É voz corrente a proclamação da República. _________ N. da R. – Os últimos sucessos desenrolados em Portugal nos induzem a crer que, realmente, algo de anormal ali se desenrola. Ainda ontem, notícia com procedência de Lisboa anunciava o assassinato do deputado republicano Bombarda. Teria esse sangrento fato precipitado os acontecimentos? Veremos no correr das notícias que forem chegando. A alarmante notícia contida no recado acima, afixamos à porta do Eco do Sul, sendo lida por milhares de pessoas. O telegrama foi copiado por muitas pessoas que o transmitiram para outras localidades. — RIO, 5: No Senado, Severino Vieira elogiou o Dr. Miguel Bombarda, assassinado em Portugal, pedindo que fosse lançado em ata um voto de pesar pela morte daquele parlamentar português, o que foi aprovado. — RIO, 5: Telegrama de Londres informa que rebentou a revolução em Portugal. Os navios surtos no rio Tejo bombardearam o palácio real. As forças do exército e da marinha operam em terra, sustentando os revolucionários que prenderam o rei D. Manuel, hasteando no palácio real a bandeira republicana. www.lusosofia.net


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A agitação em Lisboa é sempre crescente. A maioria dos agentes da guarda civil aderiu ao movimento revolucionário, tendo outros agentes desertado. Foram mortos alguns deles que pretendiam resistir. A guarda municipal, assim que correram as primeiras notícias do levante, pretendeu resistir, recolhendo a quartel e disposta a enfrentar o movimento. Um dos comandantes exortou os soldados a resistirem até à última e a só derramarem sangue em defesa do trono. Apesar desta resistência tenaz por parte da guarda municipal, o quartel foi cercado por forças do exército, marinha, de muitos populares que pretendem reduzi-los à prisão pela fome. A situação é angustiosa. A Lisboa chegam a todo momento enviados dos concelhos próximos com adesões ao movimento. Já há notícias de adesão dos seguintes concelhos: Almada, Sesimbra, Torres Vedras, Oeiras, Alcochete, Setúbal, Vila Franca de Xira e outros. Não há notícias do Porto, onde consta que o povo exaltado pede a cabeça do rei. Para o porto de Leixões seguiu um vapor de guerra a fim de auxiliar aos revolucionários. Tem havido vários conflitos entre grupos de republicanos e de monarquistas. As comunicações telegráficas estão interrompidas, vindo as notícias por meio de radiograma.

Notas e reparos2 [. . . ] Mot de la fin: – Então caiu ou não caiu a Monarquia em Portugal? – Não sei. Mas creio que a Monarquia Portuguesa não cai de cavalo magro. . . e logo agora que o povo viu de perto o Sr. Hermes. . . Barbas de molho. . . 2

Eco do Sul, Rio Grande, 6 de outubro de 1910, ano 56, n.o 228, p. 1.

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A situação em Portugal3 _________________ REVOLUÇÃO E REPÚBLICA _________________ OS ACONTECIMENTOS _________________ Pormenores _________________ NOTÍCIAS DO ESTRANGEIRO _________________ RIO, 6: Telegrama de Lisboa diz que as tropas de várias províncias de Portugal marcham para ali. O movimento revolucionário deu-se somente em Lisboa e Porto. Nesta capital, vários grupos de populares percorrem as ruas vivando as repúblicas de Portugal e do Brasil. — Telegramas de Londres diz que, efetivamente, a República foi proclamada em Portugal. O povo revolucionário reage a bombas de dinamite. — Telegrama de Lisboa para Paris confirma a notícia de que partiram da Inglaterra para Lisboa três navios ingleses, que se achavam em Plymouth. Dois navios da esquadra de Gibraltar partiram igualmente pra Lisboa. — 3

Eco do Sul, Rio Grande, 6 de outubro de 1910, ano 56, n.o 228, p. 2.

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Há suspeita de que a Inglaterra reivindique os direitos de D. Manuel II, visto a aliança existente entre Portugal e aquele país para proteção ao trono, em caso de perigo. — O movimento revolucionário é chefiado por António Almeida, Brito Camacho e Afonso Costa. — O primeiro ataque feito aos ministérios da marinha e da guerra foi realizado por 5000 pessoas que regressavam do enterro do Dr. Miguel Bombarda. A guarda municipal acudiu ao Terreiro do Paço, aproveitando-se disso os revoltosos para irem atacar o Palácio, que se achava guarnecido por 200 homens. — Telegrama direto de Lisboa para Paris diz que os republicanos organizaram o seguinte governo. Presidente da República, Teófilo Braga; ministro da justiça, Afonso Costa; obras e viação, António Luís Gomes; marinha, Azevedo Gomes; exterior Bernardino Machado; fazenda, Basílio Teles; guerra, coronel Barreto e interior António José Almeida. Acrescenta aquele despacho que os navios de guerra portugueses e as fortalezas hastearam o pavilhão republicano. — O marechal Hermes da Fonseca continua no Palácio de Belém, onde D. Manuel o hospedara, vendo-se impossibilitado de embarcar para o Brasil devido ao movimento revolucionário. Le Matin, de Paris, afixou boletim, dizendo que a revolta em Portugal está triunfante e constituído o governo provisório republicano. Acrescenta que a família real está em poder dos revolucionários, com exceção do infante D. Afonso irmão do finado D. Carlos I. www.clepul.eu


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— O Palácio de ajuda, residência da rainha avó D. Maria Pia, foi ocupado pelas tropas revolucionarias. — Consta que o movimento manifestou-se simultaneamente em Coimbra, Porto e Lisboa. Vários navios de guerra estrangeiros foram para a entrada da barra do Tejo, inclusive o couraçado S. Paulo desde o começo do movimento. Notícias de Londres comunicam que o marechal Hermes não saiu de Lisboa, achando-se a bordo do couraçado S. Paulo no porto da cidade, para garantia dos brasileiros ali residentes. O mesmo despacho diz que o rei não está prisioneiro como se supunha. Apenas retirou-se da capital para melhor organizar a resistência. A guarda municipal, de Lisboa, conservou-se fiel à Monarquia além de parte do exército que se bate valorosamente contra os revolucionários. Há grande número de mortos e feridos. A maioria do exército e da marinha está ao lado dos revolucionários. Comunicam, também que o couraçado S. Paulo, já esta fora da barra, voltando para o rio Tejo a fim de receber a seu bordo o rei D. Manuel. — Nas ruas de Lisboa dão-se sangrentos combates. — Telegrafam de Buenos Aires que o jornal Argentina diz que D. Manuel, ouvindo tiroteio nas ruas saiu para o jardim do palácio real, sendo logo cercado por oficiais e soldados que lhe deram voz de prisão em nome da junta republicana. No momento de ser preso, D. Manuel exclamou: «Até os meus soldados me atraiçoam.» — www.lusosofia.net


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Em sessão do Conselho Municipal, desta capital, o intendente Pedro Couto propôs um voto de congratulações a Portugal pelo advento da República. O ministro e o cônsul português não têm por enquanto notícias sobre a revolução de Portugal. Os jornais estão apinhados de grande massa de povo ávido de ler os boletins sobre os sucessos de Portugal. — O ministro português marquês de Soveral, junto ao governo inglês, conferenciou em Londres com o ministro de exterior, constando que pediu a este a intervenção da Inglaterra a favor da Monarquia Portuguesa. — Consta que algumas províncias de Portugal aderiram à revolução. — O Dr. Miguel Bombarda, assassinado há pouco, havia conseguido coligar em ação conjunta as fações republicanas. — O Écho de Paris por meio de radiograma de bordo do paquete Cap Blanc noticia a vitória dos revoltosos. — De Gibraltar seguiram com urgência para Lisboa os cruzadores ingleses New Castle e Minerva. — Os correspondentes dos jornais de Espanha e fronteira de Portugal comunicam que as tropas de Lisboa e os marinheiros cercaram o palácio das www.clepul.eu


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Necessidades, residência real, prendendo D. Manuel e hastearam a bandeira republicana. RIO, 6 (às 2 e 30): Em conferências que o marquês de Soveral, ministro português em Londres, teve com o ministro do exterior de Inglaterra, ficou resolvido que esta nação intervinha no sentido de garantir efetivamente o trono português, repondo D. Manuel II. Neste sentido o governo inglês ordenou que os cruzadores couraçados New Castle e Minerva se dirigissem a toda velocidade para o Tejo. Outras ordens foram dadas pelo almirantado para que parte da esquadrilha inglesa do Mediterrâneo esteja pronta a seguir ao primeiro aviso.

A situação em Portugal4 _________________ Revolução e República _________________ Os acontecimentos. Pormenores _________________ Notícias do estrangeiro. Os próceres da República. _________________ — Notas telegráficas — _________________ SERVIÇO ESPECIAL DO ECO DO SUL _________________ O Eco do Sul, acompanhando os acontecimentos em Portugal, que prendem a atenção do mundo, constituindo assim a nota sensacional do dia, não tem poupado esforços no sentido de trazer os seus leitores ao corrente desses acontecimentos. 4

Eco do Sul, Rio Grande, 7 de outubro de 1910, ano 56, n.o 229, p. 2.

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Antes de enfileirar os telegramas que temos recebido sobre o presidente e ministros da novel República, cujos retratos afixamos ontem na nossa pedra anunciadora:

O PRESIDENTE O Dr. Teófilo Braga, proclamado presidente da República de Portugal, nasceu em Ponta Delgada, a 24 de fevereiro de 1843. Historiador e poeta, pensador e político, a sua individualidade mental portuguesa do século XIX. Discípulo da Filosofia Positiva, membro do Comité Positivo Ocidental, Teófilo é o documento vivo do valor dessa Filosofia, da tenacidade que só ela é capaz de criar e da coerência sistemática que só nela se encontra. Poeta tem a Visão dos Tempos, poema pela concepção e pelo alcance filosófico superior à tentativa de Hugo, A Lenda dos Séculos. Os sonetos de amor esparsos por esses quatro longos volumes, alguns trechos, como a Esfinge, Ondina do lago, são mesmo, na forma, belezas. Sociólogo, tem como obra especialista, o Sistema de sociologia, que é pouco conhecido, porque o público português prefere a sociologia pataqueira. Historiador, tem a História da Universidade, obra monumental que só por si marcaria um homem, e a patriótica História de Literatura, que só tem paridade, pelo seu alcance nacional, nos Lusíadas. Político, tem os seus opúsculos, as suas conferências, os seus discursos. E em milhares e milhares de páginas que escreveu, não há uma página de retórica. Figura assombrosa, num país de palradores.

OS MINISTROS JUSTIÇA O Dr. Afonso Augusto da Costa nasceu em Seia, a 6 de março de 1871, formando-se na Faculdade de Direito, em 9 de junho de 1895. É atualmente lente da mesma Faculdade, na Universidade de Coimbra.

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Professor ilustre, advogado dos mais notáveis e parlamentar dos mais vigorosos, em todos estes aspectos a sua individualidade se tem acentuado notavelmente. Tribuno fogoso e apaixonado, os seus discursos políticos deram-lhe incontestáveis foros de orador de combate, de orador moderno.

INTERIOR O Dr. António José de Almeida nasceu em Vale de Vinha a 18 de julho de 1866, tendo-se formado em Coimbra, na Faculdade de Medicina, em 1895, lutando já nos bancos da escola pelo seu ideal. É o mais prestigioso caudilho republicano português. Alma nobre e generosa, caráter franco e leal, inteligência culta e bem orientada, é o mais querido propagandista. A sua vida é toda uma página de abnegação de desinteresse e de altruísmo, tendo conseguido impor-se a amigos e adversários pelo seu talento, pela bondade do seu coração e pela sua inconcussa probidade.

OBRAS PÚBLICAS Para este posto foi escolhido o Dr. António Luís Gomes, formado em direto (capelo) na Universidade de Coimbra. Foi membro do 1o diretório republicano, tendo tomado parte em toda a campanha da propaganda. É um espírito ilustrado e orador fluente. O Dr. António Luís Gomes é irmão da Exma. Sra. D. Maria das Fores Gomes da Silva, esposa do industrialista Sr. Manuel Gomes da Silva, de quem também é sócio no importante curtume de fábrica de calçados Silva, Gomes & C. de Pelotas.

FAZENDA O Dr. Basílio Telles, o ministro da fazenda do primeiro ministério republicano, é uma das grandes figuras do seu partido pela sua inquebrantável envergadura moral e o seu alto valor intelectual. Temperamento insubmisso e altivo, que fez com que ele abandonasse no 4o ano o curso de medicina em que era o estudante mais distinto a par do www.lusosofia.net


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seu condiscípulo Júlio de Matos, Basílio Teles continuou sendo sempre um rude infatigável lutador, vivendo uma vida de nobres sacrifícios, para não abandonar nunca a defesa dos ideais que tão caros lhe eram. Na sua capacidade intelectual dão sobejos testemunho à sua carreira brilhante de professor os trabalhos sobre economia política e finanças com que enriqueceu as letras portuguesas, dentre os quais citaremos de momento: O problema agrícola português e Da carestia da vida nos campos.

EXTERIOR O Sr. Bernardino Luís Machado de Guimarães nasceu no Rio de Janeiro, filho de pais portugueses, a 28 de março de 1851. Frequentou a Universidade de Coimbra, tomando o grau de bacharel em direito em 15 de julho de 1873 e formando-se na Faculdade de Filosofia, em 2 de julho de 1870. Foi um dos mais considerados lentes deste estabelecimento de ensino, do qual se exonerou em 1907, por ocasião da greve acadêmica. Foi um dos mais considerados ministros da Monarquia. Trabalhador, ativo e inteligente, tem-se afirmado um dos mais respeitáveis monumentos de democracia portuguesa.

GUERRA E MARINHA Os Srs. Coronel Barreto e Amaro Gomes de Azevedo, escolhidos respetivamente para ministros da guerra e marinha, não são desconhecidos.

O GOVERNADOR Para governador de Lisboa foi nomeado o Dr. Eusébio Leão. Ele é médico na capital e membro do diretório republicano. — RIO, 7: Telegramas de Londres para a imprensa daqui afirmam que o governo inglês empregara os seu bons ofícios junto dos revolucionários portugueses a www.clepul.eu


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fim de que estes respeitem as vidas de D. Manuel e das rainhas D. Amélia e de D. Maria Pia. Hoje em Lisboa o novo governo fará a 1a reunião coletiva do ministério. Os combates nas ruas duraram 34 horas consecutivas notando-se grande heroísmo de ambos os lados. Os populares à arma branca avançaram contra as forças legais, a peito descoberto. — Telegrama de Lisboa confirma a proclamação do governo provisório. Adianta que o rei D. Manuel está preso em Mafra como refém. — RIO, 7: O barão do Rio Branco recebeu comunicação de ter sido proclamada a República em Portugal — RIO, 7: Ontem, à tarde, o conde de Selir foi ao Catete comunicar ao Dr. Nilo Peçanha a proclamação da República em Portugal — RIO, 7: Em manifestação à nação o Dr. Teófilo Braga dirigiu saudação ao exército, à marinha e ao povo que instituíram a República. Diz confiar no patriotismo de todos esperando que os oficiais do exército e da armada se apresentem ao quartel-general garantido honrar com fidelidade a República. Acrescenta que as forças que fizeram a República devem se conservar na sua posição a fim de consolidá-la. Exorta todos os portugueses a fazer pela pátria os sacrifícios que a sua constituição reclama devendo o atual momento político marcar o início de uma época de austera moralidade e de justiça imaculada. Termina dizendo que o seu programa será de respeito e generosidade para com os vencidos. www.lusosofia.net


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RIO, 7: Comunicam de Lisboa que a revolução teve início na segunda-feira à insistência do almirante Cândido Reis, que declarou aos revolucionários ser indispensável precipitar o movimento porque devendo partir o cruzador D. Carlos no dia seguinte poderiam perder um elemento importante. — RIO, 7: No Senado, o general Quintino Bocaiuva pediu um voto de congratulação pela proclamação da República em Portugal. Foi aprovado a voto unânime. — RIO, 7: O Conde de Sellir, ministro de Portugal aqui, respondeu assim ao telegrama que lhe foi dirigido pelo Dr. Bernardino Machado, ministro do exterior do novo governo: «Recebi vosso telegrama. No caso de ser certa a implantação da República em Portugal e não podendo por ser convictamente monárquico servir lealmente o novo regime, declaro-me demissionário.» O seu secretário Dr. Faria Machado também pediu demissão. — RIO, 7: Ao contrário do que constava, o general Gorjão não se suicidou, tendo apenas pedido demissão de chefe da 1o divisão militar de Lisboa. — RIO, 7: A Gazeta de Notícias fez embarcar para Lisboa um seu representante, o qual enviará fiéis notícias sobre os acontecimentos. www.clepul.eu


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— RIO, 7: Telegrafam de Buenos Aires, dizendo que é ignorado o destino da família real portuguesa. Telegramas há que informam que D. Manuel e as rainhas D. Maria Pia e Amélia, embarcaram ontem num navio de guerra inglês, e outros noticiam que os mesmos embarcaram anteontem, e ainda outros afirmam que o rei D. Manuel se retirou, à noite, de Portugal, acompanhado de oficiais superiores do exército. — RIO, 7: As tropas legais das províncias de Portugal, em número de 20.000 homens, marcham para Lisboa. Os revoltosos oferecem resistências nas portas daquela capital, com o fim de impedir a entrada dos legalistas. — RIO, 7: Comunicam de Lisboa que os ministros do rei foram presos. Adiantam os despachos que foram feitas muitas outras prisões políticas. — RIO, 7: Será decretado o estado de sítio em todo o país. — RIO, 7: O jornal Berliner Tageblatt diz constar a iminente intervenção da Inglaterra nos sucessos de Portugal. — www.lusosofia.net


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RIO, 7: Em Lisboa, todas as bandeiras que tinham emblemas da Monarquia foram arrancadas pelos revolucionários. — RIO, 7: As notícias são desencontradas a respeito de D. Manuel II. Uns telegramas dão-no como prisioneiros, outros afirmam que ele está refugiado a bordo de um navio de guerra e em viagem para a Inglaterra. Ainda outros dizem que ele está asilado na legação inglesa em Lisboa. — RIO, 7: De Madrid afirma que antes da revolução, o ministério teve uma conferência com D. Manuel, aconselhando-o a fugir, ao que o monarca não acedeu. — RIO, 7: O primeiro sinal da revolução foi uma salva de 21 tiros de canhão. O 1o tiro dado para Lisboa agitou as ruas, que ficaram repletas de paisanos armados e militares. A polícia saiu imediatamente para as ruas a fim de reprimir os revolucionários que se defenderam arremessando sobre os guardas bombas de dinamite e pondo-os em debandada. Os revoltosos apoderaram-se do quartel que fica próximo ao palácio das Necessidades, de onde D. Manuel fugiu com quatro amigos íntimos. As tropas legais resistiram ao ataque, formando barricadas. — RIO, 7: O marechal Hermes e a sua comitiva a bordo do couraçado S. Paulo aguarda a chegada do cruzador Barroso para regressar ao Brasil. www.clepul.eu


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— RIO, 7: Consta que D. Manuel se acha em Mafra, tendo abdicado do trono em favor do infante D. Afonso, seu tio. — RIO, 7: Dizem de Paris que o ministro do exterior dali sabe que a família real portuguesa está a bordo do cruzador D. Amélia o qual se acha escoltado pelo cruzador Minerva, da esquadra inglesa. — RIO, 7: Dizem de Madrid que a revolução no Porto foi chefiada pelo coronel da Infantaria António Antão de Almeida. Os revolucionários proclamaram a República na praça D. Pedro IV onde momentos depois foram derrotados pela Guarda Municipal, travando-se renhido combate. — RIO, 7: O Dr. Teófilo Braga dirigiu uma proclamação banindo de Portugal a casa de Bragança, por serem os seus membros malfeitores e perturbadores da ordem social.

A situação em Portugal5 _________________ 5

Eco do Sul, Rio Grande, 8 de outubro de 1910, ano 56, n.o 230, p. 2.

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Revolução e República _________________ Os acontecimentos. Pormenores _________________ Notícias do estrangeiro. Os próceres da República. _________________ — Notas telegráficas — _________________ SERVIÇO ESPECIAL DO ECO DO SUL _________________ Continuam sendo contraditórias as notícias que chegam, por conduto telegráfico, em torno dos acontecimentos que vêm desenrolando-se em Portugal. Ao que parece, o telégrafo está trancado, pois as notícias procedem de Londres, Paris e Madrid, para onde vão por meio da telegrafia sem fio, e se isto sucede é inquestionável que o telégrafo é ocupado pelo antigo governo. Nada nos induz a crer que, triunfante a revolução, não houvesse conveniência de ser o advento conhecido imediatamente pelo mundo inteiro. A revolta estalou no momento preciso. Quem acompanha os sucessos de Portugal, desde a ação de João Franco, está convencido do que ela precisava estalar agora para arrancar à nação os sofrimentos que pareciam intermináveis e que agora cessarão, embora mesmo com o triunfo completo da Monarquia, pois ao governo assiste o direito de agir, expurgam o país dos elementos que perturbam a sua tranquilidade. Se por outro lado a causa republicana é, ali, uma realidade, ao novo governo cabe igualmente o direito e o dever de separar o trigo do joio, definindo assim as posições dos homens da atualidade e fazendo com que o país amigo entre, quanto antes, na vida normal, depois de um largo período de desequilíbrio, vacilações e dores. As causas da revolta são sobre conhecidas. Que se pode aditar à verdade das coisas é que a revolução foi precipitada pelos últimos acontecimentos, mesmo os violentos, como por exemplo o assassinato do Dr. Miguel Bombarda. www.clepul.eu


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Qualquer comentário será ainda prematuro. Esperemos o curso dos acontecimentos — Passamos a traduzir os telegramas que nos chegam sobre os graves sucessos de Portugal: RIO, 7 (tarde): Segundo O Dia, foi dissolvido o partido chefiado pelo conselheiro José de Alpoim. — RIO, 7 (tarde): Dizem telegramas para os jornais daqui terem aderido ao movimento revolucionário quase todos os regimentos. — RIO, 7 (tarde): São consideradas contraditórias as notícias dos jornais de Madrid, Londres e Paris. — RIO, 7 (tarde): A revolução começou numa arruaça popular a propósito do assassinato do Dr. Miguel Bombarda, arruaça que foi aproveitada pelos republicanos. A multidão, aos brados sediciosos, tentou invadir os edifícios públicos. O choque deu-se com a saída da guarda municipal às ruas. As tropas foram aclamadas. O primeiro regimento que se sublevou foi o 13. Os oficiais que pretendiam impedir a sublevação foram imediatamente fuzilados. A luta renhida começou quando foi hasteada a bandeira republicana, que foi saudada a tiros de canhão. www.lusosofia.net


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RIO, 7 (tarde): Telegrama de Madrid diz que a situação na Espanha está-se agravando com os acontecimentos em Portugal, que excitam os ânimos dos republicanos espanhóis. Estes fazem reuniões secretas. A polícia está em grande atividade. Todos os jornais de Paris anunciam uma iminente crise política na Espanha. — RIO, 7 (tarde): Telegrama agora recebido aqui diz que se reuniu o governo provisório, em sessão ministerial coletiva, sendo tomadas várias deliberações importantes, entre estas considerando criminosos aqueles que estabelecerem instituições religiosas e proibindo que os padres saiam com batinas à rua. — RIO, 7 (tarde): Os jornais de Berlim afirmam que o rei D. Manuel fugiu a bordo do couraçado S. Paulo e pormenorizam a fuga, que, segundo dizem, foi ajudada por alguns revolucionários. — RIO, 7 (tarde): Quase todas as potências receberam comunicação oficial da proclamação da República Portuguesa. — RIO, 7 (tarde): Comunicam de Buenos Aires que o cônsul português aí, ao ter conhecimento da proclamação da República, arrancou o escudo do consulado. Consta que pedirá demissão. www.clepul.eu


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— RIO, 7 (tarde): O Jornal do Comércio publica telegramas dizendo que D. Manuel fugiu para a Inglaterra a bordo do D. Amélia e que a rainha D. Maria irá residir a Itália. — RIO, 7 (tarde): Antes do couraçado S. Paulo zarpar do Tejo, o ministro Bernardino Machado foi a bordo visitar o marechal Hermes da Fonseca. — RIO, 7 (tarde): Sobe a 600 o número de feridos nos combates nas ruas de Lisboa. — RIO, 7 (tarde): O D. Amélia conduz a família real portuguesa, que desembarcou em Gibraltar. — RIO, 7 (tarde): O governo da Madeira aderiu à República. — RIO, 7 (tarde): Confirma-se a abdicação de D. Manuel II. — RIO, 7 (tarde): O couraçado Regina Elena foi a Cadiz receber a rainha D. Maria Pia. www.lusosofia.net


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RIO, 7 (tarde): Anuncia-se para esta noite uma grande reunião do Grêmio Republicano Português desta capital. Finda a reunião haverá passeata. — RIO, 7 (tarde): O Dr. Teófilo Braga telegrafou ao barão do Rio Branco, comunicando os acontecimentos em Portugal. — RIO, 7 (tarde): O ministro inglês em Lisboa comunicou ao Dr. Bernardino Machado o embarque da família real no D. Amélia, na praia de Ericeira, com destino a Inglaterra. — RIO, 7 (tarde): Voltou a calma a Lisboa. A população passeia tranquilamente. — PORTO ALEGRE, (8): Um grupo de alunos da Escola de Guerra daqui dirigiu ontem o seguinte telegrama ao governo provisório de Portugal: Ao ínclito e benemérito governo representado na personalidade magnânima de Teófilo Braga, regaço das tradições de Benjamin Constant, saudamos pela vitória da liberdade finalmente implantada no seio materno da pátria lusitana. — www.clepul.eu


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RIO, 8: Foi implantado definitivamente o regime republicano em Portugal. — PORTO ALEGRE, (8): O Barão Silva Nunes, vice-cônsul daquele país aqui, pediu exoneração. — RIO, 8: A situação em Madrid é inquietadora. Ontem à noite e hoje foram presos muitos indivíduos por darem vivas à República. Dizem que é iminente o motim popular em Salamanca. — RIO, 8: Telegrama de Londres diz que governo provisório de Portugal está empenhado em manter, desenvolvendo, as relações daquele país com as nações sul-americanas. — RIO, 8: Foram nomeados novos governadores civis para várias províncias portuguesas. — RIO, 8: O encarregado de negócios de Portugal em Buenos Aires conferenciou com o ministro do exterior sobre o reconhecimento do novo regime daquele país. Por parte da Argentina o ministro do exterior declarou ao diplomata português que o reconhecimento era prematuro. www.lusosofia.net


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— RIO, 8: Chegou a Gibraltar o cruzador D. Amélia, a cujo bordo acha-se a família real. — RIO, 8: Consta em Paris que em Lisboa está havendo grande bombardeiro sendo fuziladas centenares de pessoas.

A situação em Portugal6 _________________ Revolução e República _________________ Os acontecimentos. Pormenores _________________ — Notícias do estrangeiro — _________________ — Notas telegráficas — _________________ — SERVIÇO ESPECIAL DO ECO DO SUL — _________________ O Jornal do Comércio, do Rio, recebeu de Londres este telegrama: «Em sua edição da manhã o Daily Chronicle publicou a narrativa completa do movimento revolucionário, transmitida pelo seu correspondente em Lisboa num telegrama expedido de Vigo, para onde ele partira. 6

Eco do Sul, Rio Grande, 10 de outubro de 1910, ano 56, n.o 231, p. 2.

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Nesse despacho, depois de descrever a revolta da população e a imediata simpatia das tropas, diz o correspondente: «Ao cair da noite de terça-feira, os dois partidos estavam muito esperançados e confiantes na vitória dos sucessos. Tanto segunda como terça-feira ninguém dormiu em Lisboa. As trevas que caíram sobre a cidade sublevada não podiam ser dissipadas senão pelo vago clarão de alguns tiros de peça, tomando a direção das elevações setentrionais da cidade. Aventurei-me a atravessar as linhas dos combatentes, mergulhando-me na Avenida da Liberdade, então quase deserta. Verifiquei que os realistas tinham guarnecido com canhões os pontos altos, que ficam ao oeste da Avenida e que bombardeavam as posições dos insurretos. Uma segunda bateria, colocada no Terreiro do Paço, perto do asilo dos loucos, bombardeava igualmente as posições dos rebeldes. Na escuridão era, porém, impossível verificar em que lugares caíam os obuses e os prejuízos por eles causados. Voltando ao meu hotel e subindo a um alpendre, cheguei justamente a tempo de acompanhar uma nova fase, esta naval, do movimento. As equipagens dos dois cruzadores republicanos estavam certamente exaltadas, receavam um ataque dos torpedos. Seus obuses roçavam pelos navios ingleses. Os disparos de seus canhões revolviam as águas negras da baía. Depois foram escrutar cautelosamente o dreadnought S. Paulo, como que receando perigo deste lado. Mas já terrível tragédia se consumava. Mais longe da bahía, perto do cais, a meia milha do meu hotel, o cruzador não deu sinal algum de vida. De repente, porém, observava-se a seu bordo viva comoção. Ouviam-se gritos, homens disputando e só apareciam fogos breves, relâmpagos, aqui e aí. Algum acontecimento de importância havia. Súbito uma descarga de fuzilaria, depois outra e logo após ouviu-se troar canhões. Eu e mais três espectadores do alpendre do hotel trocamos olhares que se

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compreendiam. A facção republicana da equipagem se amotinara e tentava apoderar-se do navio, que até o por do sol hasteava o pavilhão real. Todas as nossas dúvidas desapareciam quando o holofote da proa do navio veio aclarar a situação. Um grupo de oficiais e alguns marinheiros estavam de pé perto de um canhão, enquanto o holofote descobria-o e imobilizava por meio de um raio branco os inimigos ocultos na escuridão. Em meio deles vi homens no castelo da popa, assestando um canhão. Mas, cegos pela luz intensa, como podiam eles atirar? Seguiram–se trevas, mas reapareceu a luz dos holofotes, enquanto sombrios uniformes se destacaram no brilho da luz branca. E canhão oculto atroou ainda e o resto do grupo que se achava no castelo da popa mostrou-se calmo. Ainda uma vez os holofotes iluminaram, mas já não era preciso. Outras balas dos republicanos e o pequenino grupo estava morto. Assim pereceram os últimos bravos oficiais e marinheiros do D. Carlos, que selaram com a vida o juramento de fidelidade ao rei! — São interessantes os seguintes algarismos, que demonstram os progressos feitos pela propaganda republicana em Lisboa. A votação monárquica diminuiu, no Porto, de 585 votos, e a votação republicana aumentou de 4.511, não obstante, em três alistamentos sucessivos, os republicanos terem sido sistematicamente perseguidos e lesados. Este ano, no concelho de Beja, o mais votado republicano teve 764 votos, e o mais votado monárquico 701. Em todo o círculo de Setúbal, o mais votado republicano teve 5.429 votos, e o mais votado monárquico 4.579. Conforme noticiou o nosso serviço telegráfico, foi assassinado, a 3 do corrente, em Lisboa o notável médico Dr. Miguel Bombarda, diretor do hospital dos alienados de Rilhafoles, pelo tenente do Exército português Aparício Rebelo dos Santos. Nesse dia o tenente Aparício Rebelo dos Santos pediu para falar ao diretor do hospital, de quem era antigo cliente. Chamado o Dr. Bombarda, e havendo entrado para um gabinete, recebeu ele, a queima-roupa, quatro tiros de revólver, desfechados por aquele oficial. www.clepul.eu


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O Dr. Bombarda, que teve o ventre e um ombro atravessados pelas balas, morreu imediatamente. O Dr. Miguel Bombarda contava 59 anos de idade, e, desde 1880, era professor da Escola Médico-cirúrgica de Lisboa, regendo a cadeira de fisiologia. Era também cirurgião do banco de hospital de S. José, desde 1879; diretor do hospício de Rilhafoles; médico do Laboratório de Higiene de Lisboa, delegado da Escola Médica, dessa capital, do Conselho Superior de Higiene; sócio da Sociedade das Ciências Médicas e da Academia Real das Ciências; membro do Conselho Médico-Legal de Lisboa; secretário da Liga Nacional Contra a Tuberculose; presidente da comissão dos interesses gerais da Associação dos Médicos Portugueses, etc. Como professor, fez parte de várias comissões nomeadas pelo conselho do estabelecimento a que pertencia. Na qualidade de membro das Ciências Médicas, tomou parte ativa nas discussões e nos trabalhos daquela agremiação, tais como tratamentos da raiva pelo sistema Pasteur; epidemia do cólera em Lisboa (1894); hospitalização dos tuberculosos pobres e outros. Como publicista, assina-se, principalmente, na direção da revista – Medicina Contemporânea. Entre as suas numerosas publicações, são mais importantes as seguintes: Do delírio das perseguições (1877); Dos hemisférios cerebrais e das suas psíquicas (1877); Das distrofias por lesão nervosa (1880); A vacina da raiva (1887); Traços de fisiologia geral e de anatomia dos tecidos (1891); Contribuição para o estudo dos microcéfalos (1894); O hospital de Rilhafoles e os seus serviços em 1892-1893 (1894); Pasteur (1895); Lições sobre a epilepsia e as pseudo-epilepsias (1896); O delírio do ciúme (1895); a consciência e o livre arbítrio (1898). — D Manuel II, o rei que acaba de ser deposto pelos republicanos portugueses conta apenas 21 anos de idade, incompletos, pois nasceu a 15 de novembro de 1889. Subiu ele ao trono há três anos quando foram assassinados seu pai, o rei D. Carlos e seu irmão, o príncipe D. Filipe, herdeiro da Coroa. D. Manuel é solteiro; vivia em companhia da sua mãe, a rainha D. Amélia. www.lusosofia.net


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Coincidência curiosa: D. Manuel nasceu no dia em que, proclamando-se a República no Brasil, o seu parente, o imperador D. Pedro II, era deposto pelo marechal Deodoro da Fonseca; e, agora, é ele apeado do trono português quando se acha em Lisboa, e como seu hóspede, o marechal Hermes da Fonseca, sobrinho de Deodoro. — Reside em Porto Alegre, ocupando o lugar de oficial de justiça, o Sr. Manuel Maria dos Santos Pinto, que era sargento do exército português quando rebentou no Porto a última malograda revolução para proclamar a República. Esse sargento sublevou um batalhão em favor do movimento. Sufocado este, Santos Pinto foi preso e degredado para a Costa de África, sendo depois comutada a sua pena para a do exílio, por trinta anos, vindo então ele para o Brasil. — Sabemos que o governo provisório da República portuguesa decretou a censura telegráfica, não se podendo passar telegramas cifrados, conforme a Convenção de Berna, artigo 8 do Regulamento. Telegrama circular neste sentido foi passado à Estação do submarino nesta cidade. — RIO, 10: Comunicam de Londres que em Portugal o 2o corpo de infantaria, munido de 2 canhões, cercou o convento de Quilhas com o fim de prender e expulsar os frades. Este defenderam-se atirando nos soldados bombas de dinamite e hasteando no edifício a bandeira inglesa. —

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RIO, 10: O navio de guerra italiano Regina Elena teve ordem do seu governo de partir de Cádis, levando instruções. [. . . ] — RIO, 10: O jornalista português José Barbosa, que por muitos anos esteve nesta capital como diretor do País, foi nomeado pelo governo provisório de Portugal, diretor geral do ministério do interior. — RIO, 10: Em Oeiras, arrabalde de Lisboa, foi preso o Marquês Pombal apontado como chefe dos reacionários jesuítas. — PORTO ALEGRE, 10: Uma comissão de portugueses residentes e composta de António Marques Guimarães, Eloy Mendes Bagorro e José da Silva Soares dirigiu o seguinte telegrama ao Dr. Bernardino Machado, ministro do exterior do governo provisório português: «Os republicanos portugueses aqui residentes entusiasticamente saúdam a pátria amada na pessoa do valoroso governo provisório». — RIO, 10 O Dr. Teófilo Braga, presidente da República em Portugal, telegrafou a William Taft presidente dos Estados Unidos da América do Norte, comunicando-lhe o advento da República em Portugal e a expulsão da Casa de Bragança do território português. William Taft telegrafou ao comandante do cruzador Demoins, da marinha de guerra dos Estados Unidos, e atualmente em Gibraltar, ordenando-lhe que seguisse para Lisboa e se informasse da estabilidade do governo republicano em Portugal. www.lusosofia.net


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RIO, 10 Pelo governo provisório foram dissolvidas a Guarda Municipal e Guarda Civil. Serão criadas novas forças. — RIO, 10 Contrariamente ao que primeiramente foi propalado, sabe-se em Lisboa que em Moçambique, na África, se fazem grandes manifestações em regozijo pela notícia da proclamação da República na metrópole. — RIO, 10 Conta-se em Lisboa como certa a adesão à República da África Oriental. — RIO, 10 Consta que o presidente da República Portuguesa, Dr. Teófilo Braga, fixará a sua residência no palácio de Ajuda. — RIO, 10 Em entrevista que teve com um jornalista, o Dr. Teófilo Braga declarou que a revolução foi sem caráter militar nem pessoal, puramente um resultado das ideias filosóficas, tendo como base o sentimento popular. Disse mais, que a revolução estalou dois dias antes do dia marcado e foi precipitada pela visita do marechal Hermes, que entusiasmou o povo e a morte de Miguel Bombarda, assassinado por um louco instigado pelos jesuítas. — www.clepul.eu


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RIO, 10 O governo provisório de Portugal deu liberdade a todas as pessoas presas por motivos políticos. — RIO, 10 Dizem de Lisboa que brevemente se dará aí o recenseamento eleitoral para a eleição da Constituinte republicana. — RIO, 10 Preparam-se em todo Portugal as exéquias em homenagem ao Dr. Miguel Bombarda. — RIO, 10 Referem em Lisboa que se deram sanguinolentos combates entre os revolucionários e as forças legalistas. Deram-se cerca de 900 baixas de ambos os lados. — RIO, 10 O cruzador Barroso, da marinha de guerra brasileira, fundeou em Leixões, Porto, em Portugal. — RIO, 10 O general Augusto P. Pinto feito prisioneiro pelos revoltosos portugueses foi posto em liberdade depois de garantir sob palavra de honra não pegar mais em armas contra os republicanos. — www.lusosofia.net


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RIO, 10 Os republicanos portugueses aqui domiciliados fizeram, ontem, grandes manifestações de regozijo pela proclamação da República em Portugal. À noite houve imponente marche-aux-flambeaux. Os manifestantes saudaram a imprensa republicana e levaram as bandeiras brasileiras e portuguesas. O general Quintino Bocaiuva falou, da redação do País. — RIO, 10 O correspondente em Lisboa do Jornal do Comércio daqui, procurando informar sobre os últimos dias de permanência do marechal Hermes naquela cidade, telegrafou dizendo que deixou o palácio de Belém no dia 4. — RIO, 10 Foi preso em Lisboa o ex-ministro Aires Ornelas que fez parte do gabinete de João Franco. — RIO, 10 Os corpos que contribuíram para a queda da Monarquia portuguesa foram os seguintes: 1o e 2o regimentos de infantaria, o regimento de engenheiros, 2o regimento de caçadores e o grupo de bateria de Queluz. — RIO, 10 Em Lisboa, o corpo de artilharia de Queluz, resistindo à intimidação dos revolucionários, entrou em luta sendo derrotado. O comandante deste corpo quando se apercebeu que não podia resistir por mais tempo, dirigiu-se à Ericeira entregando a sua espada a D. Manuel antes deste embarcar. www.clepul.eu


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— RIO, 10 Aderiram ao movimento revolucionário toda a esquadra portuguesa, o corpo de marinheiros, o 1o regimento de artilharia, o 16o regimento de infantaria, parte do 4o de cavalaria e parte do 5o de caçadores. — RIO, 10 Em combate com as tropas revolucionárias foram mortos o comandante e o capitão do 16a regimento de infantaria, e ferido o comandante do cruzador São Rafael, todos em defesa do rei. — RIO, 10 O almirante Cândido Reis morreu em combate, comandando as forças revolucionárias.

A República em Portugal7 _________________ Reinava, em França, Luís Filipe, quando, em 5 e 6 de junho de 1832, houve uma revolução motivada pelo enterro do general Lamarque, vitimado pelo cólera. Esse general, um dos heróis da epopeia napoleónica, como deputado, fez grande oposição do ministério, contra o programa de paz a todo o preço. Um cortesão dizendo-lhe que esse programa era a garantia do repouso, ele respondeu: «Isso não é repouso, é apenas um alto no meio de um lamaçal». Era republicano intransigente e muito querido pelo povo. Mais de 20 mil pessoas acompanhavam o seu enterro, e a revolução foi causada por um viva a República dado por um homem do povo, que logo 7

Eco do Sul, Rio Grande, 11 de outubro de 1910, ano 56, n.o 232, p. 1.

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caiu vítima de um tiro, que lhe desfechou um gendarme feroz. A revolução durou dois dias. As ruas de Paris foram cortadas por barricadas, a custo tomadas pelo exército e a guarda nacional, depois de cruentos combates. Venceu a realeza; venceu Luís Filipe, o traidor que usurpara o trono em 1830, contra a vontade do povo que queria a República. É certo que, neste mundo, quase sempre os maus saem triunfantes. — A revolução em Portugal também teve por causa um enterro, o do Dr. Miguel Bombarda. Tem havido combates, mortos, feridos e . . . fuzilamentos em massa, o que prova que a ideia republicana não tem geral aceitação naquele país sob o regime monárquico desde 1143, isto é: mais de 700 anos desde que foi proclamado reino independente pelas cortes de Lamego. Desde já declaramos, para evitar as descomposturas de algum ardoroso republicano português, que nos é indiferente o sistema de governo daquele país; que seja monárquico, republicano ou mesmo teocrático, nada temos a ver. Isto posto continuemos: Portugal vai sofrer grandes perdas com a sua República, principalmente se aparecer a nuvem de gafanhotos políticos, igual a que infesta o nosso Brasil. Aquela nação possui, na Europa, um território de 92 mil quilômetros quadrados (incluindo a Madeira e os Açores) com 5 milhões de habitantes. As colônias, que hoje possui, são o resto do seu poderoso império colonial de outrora. Essas colônias são: no Atlântico, as ilhas de Madeira, Açores, Cabo Verde e outras; na África, Guiné, Angola e Moçambique; na Ásia, Macau; e na Oceânia, parte da ilha de Timor, fora outras possessões que não temos de memórias. Portugal tem contra si a Inglaterra, o seu amigo urso de todos os tempos; basta lembrar que ela nunca restituiu Tanger e Bombaim, dados em caução do dote de D. Catarina, filha de D. João 4o , quando se casou com Carlos 2o em 1661. O dote foi pago, mas as duas possessões nunca foram restituídas. A velha Albion adotou a política da Roma imperial baseada neste provérbio; Inter duos litigantes tertius gaudet, pois, em todas as questões internacionais, sempre ela tira o melhor quinhão. www.clepul.eu


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Pelo tratado de Utrecht, que pôs fim à guerra de sucessão de Espanha (1701-1713), ela tomou Gibraltar a Espanha; e a Terra Nova, a França. Em 1833, aproveitando as desordens, a anarquia, e a guerra civil da República Argentina, usurpou o arquipélago das Malvinas, logo crismado em ilhas Falkland, e se fôssemos enumerar todas as conquistas do temível John Bull, iríamos longe, afastando-nos do assunto a que nos propusemos. Portugal, pois, com a sua Monarquia de 7 séculos, tinha garantida as suas possessões atuais, resto do grande império colonial devido à iniciativa do príncipe D. Henrique, o navegador. Com a República, parece-nos que vai perder muitas possessões: Moçambique, segundo consta, não aderiu e prefere proclamar a sua independência. A baía de Lourenço Marques é uma joia cobiçada pela Inglaterra, que achará um pretexto para incorporá-la ao seu império, fechando assim o ciclo do seu domínio no sul da África. A China tomará Macau, por julgar, e parece-nos que com razão, que é um absurdo geográfico a existência daquela cidade portuguesa encravada no seu império. Pela mesma razão a Inglaterra se empossará de Diu, Damião e Goa, alegando que Bombaim não pode ficar encravada entre as colônias portuguesas. Assim Portugal, como a Espanha, ficará reduzido ao continente europeu, e com algumas ilhas que aderiram à República: Madeira, Açores e Cabo Verde. Está proclamada a República, mas também contra quem tem havido combates, e que centenares de pessoas têm sido fuziladas para maior glória dos vencedores; centenares de mães, viúvas e órfãos estão de luto, e regando, com lágrimas a árvore da liberdade, plantada por aqueles que assassinam em nome da democracia, como D. Miguel mandava enforcar os malhados em nome do absolutismo. PERSIO

A situação em Portugal8 _________________ 8

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Revolução e República _________________ Os acontecimentos. Pormenores _________________ — Notícias do estrangeiro — _________________ — Notas telegráficas — _________________ – SERVIÇO ESPECIAL DO ECO DO SUL – _________________ Adianta um telegrama que toda a fortuna da rainha D. Amélia está nos bancos da Inglaterra. — O governo provisório tem como principais ideias de governo as seguintes: Desenvolver a instrução, assegurar a liberdade de consciência, imprensa e palavra, descentralizar a administração colonial; expulsar padres e freiras; estabelecer registo civil obrigatório, instituir ensino leigo; separar a igreja do Estado; restaurar o crédito e as finanças do país. — O nosso amigo Sr. Abião Correia Leite recebeu do seu digno irmão, o também nosso amigo Mário de Artigão, ora residente em Lisboa, um telegrama cominando ter sido restabelecido a calma aí. Esta notícia confirma a do nosso correspondente, afixada à meia hora da tarde e lida por centenares de pessoas. — RIO, 11: Dizem de Portugal que as causas do pronto êxito do movimento revolucionário foram estar ausentes o governador militar de Lisboa e a falta de energia do governador civil que não reagiu. www.clepul.eu


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— RIO, 11: O governo provisório está recebendo grande número de adesões pessoais e coletivas. — RIO, 11: Foram presos no quartel geral do exército diversos padres, inclusive o cardeal patriarca de Lisboa. No arsenal da marinha foram detidas 200 freiras. — RIO, 11: Dizem de Londres que o governo português fez guardar por numerosa força de marinheiros a residência do conselheiro Luciano de Castro chefe do partido progressista. O governo também trata de impedir um novo ataque ao convento de Quelhas, achando-se as freiras deste convento recolhidas a uma sala do arsenal da marinha. — RIO, 11: Foram presos muitos padres quando tentavam fugir disfarçados em camponeses. — RIO, 11: Serão nomeados embaixadores do governo provisório: no Brasil, o Dr. João Chagas; em Paris, o Dr. Magalhães Lima; em Madrid, José Relvas. — www.lusosofia.net


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RIO, 11: O governo de Portugal intimará as congregações religiosas a deixarem o país em 24 horas. — RIO, 11: As possessões portuguesas aderiram à República. — RIO, 11: Em Gibraltar a família real com exceção de D. Manuel desembarcou incógnita. O cônsul italiano naquela cidade visitou D. Maria Pia. — BELÉM, 11: Foi içada no Centro Republicano Português aqui a bandeira da República Portuguesa. A multidão em frente ao edifício deu vivas a Portugal e ao Brasil. Em seguida houve passeata pela ruas daquela cidade, executando uma banda de música os hinos português e brasileiro. — RIO, 11: Comunicam de Madrid que em Gibraltar, após demorada conferência entre as autoridades da praça de guerra inglesa, o almirante comandante da esquadra inglesa e o comandante do cruzador norte-americano Demoins, D. Manuel foi para bordo deste navio, que depois zarpou para o norte de Portugal. Dizem que a viagem de D. Manuel prende-se ao acordo entre a Inglaterra, Alemanha e Estados-Unidos da América do Norte. — www.clepul.eu


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RIO, 11: Os populares fazem escavações no largo da Corte a fim de descobrir nos subterrâneos onde se supõe estarem escondidos os padres do convento de Quelhas. — RIO, 11: A guarda municipal de Lisboa foi reconstituída sob a denominação de guarda nacional republicana. O corpo de polícia passará a denominar-se Polícia Civil. — RIO, 11: O comandante do cruzador brasileiro Barroso visitou o Dr. Azevedo Gomes ministro da marinha do governo provisório. — RIO, 11: O conselheiro Luciano de Castro abandonará a política, dissolvendo-se o partido progressista de que ele é chefe. — RIO, 11: O conselheiro José Alpoim aderiu à República, dissolvendo-se, também, o grupo progressista dissidente. — RIO, 11: É considerada completa a adesão de todas as províncias, ilhas e colônias ao governo provisório.

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A situação em Portugal9 _________________ Revolução e República _________________ Os acontecimentos. Pormenores _________________ — Notícias do estrangeiro — _________________ — OS ANTECEDENTES — _____________ — DOS JORNAIS DO PRATA — _________________ Notas do serviço telegráfico direto do «Eco do Sul» _________________ Os telegramas do Eco do Sul Somos poucos amigos de fazer reclamo em torno do nosso labor. Entretanto, não podemos deixar de dizer ao povo do Rio Grande, informado pelo Eco do Sul do que ocorre presentemente em Portugal, que o nosso serviço tem sido o mais completo, pois para tanto os nossos correspondentes telegráficos têm ordens francas, não só agora, como mesmo nas épocas normais. O nosso amplo, vasto, circunstanciado serviço telegráfico estende-se por dez e quinze cartas diárias do Telégrafo Nacional e algumas do Submarino não permitindo que em torno das notícias que nos chegam façamos literatura presuntuosa não dando tempo a que avancemos ao serviço telegráfico dos normais de Bagé para impingí-las como legítima . . . de casa . . . Acresce que muitas pessoas, considerados membros da colônia portuguesa e outras, têm vindo ao escritório do Eco do Sul inteirar-se do que ocorre, e então fornecemos-lhes os inúmeros originais de telegramas que nos 9

Eco do Sul, Rio Grande, 13 de outubro de 1910, ano 56, n.o 233, p. 2.

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chegam e que estão às ordens de todos aqueles que quiserem, com mais pressa, travar conhecimento com os últimos sucessos. Entre as pessoas que frequentemente vêm ler os nossos muitos telegramas no original, temos tido o prazer de ver o apreciável Sr. Dr. de Sampaio Garrido, digno cônsul de Portugal neste Estado. —

Centro R. Português Em reunião que fizeram anteontem às 7 horas da noite, em casa do Dr. Belmiro Pegas, vários membros da colônia portuguesa aqui domiciliados, republicanos, fundaram o Centro Republicano Português, ficando, também, resolvido festejar o advento da República em Portugal desde que oficialmente se saiba do reconhecimento da mesma por alguma nação. —

Antecedentes da revolução LONDRES, 5 (dos telegramas do Dia, de Montevideo): – Acabam de chegar nesta capital vários telegramas em que são narrados curiosos antecedentes que facilitam a reconstrução do processo da revolução que acaba de estalar em Portugal. Dias antes de haver D. Manuel II assinado o decreto de anistia aos presos e emigrados políticos, a polícia achou no domicílio de um republicano em destaque 171 bombas, as quais supõe-se estavam destinadas a servir de projéteis durante a revolução. Parece que ultimamente um grupo de políticos conseguiu impor as suas opiniões ao resto do partido republicano que decidia, enfim, fazer com que o movimento revolucionário estalasse prontamente. Quando, há pouco, Lisboa elegeu dez deputados republicanos e o governo cometeu a leviandade de dividir os votos da Monarquia, em vista do que o partido republicano, em vez de três deputados que tinha antes passou a contar com 18, o Dr. Afonso Costa julgou o partido forte bastante para prescindir da sua ajuda parlamentar e apresentou a D. Manuel a sua renúncia com o www.lusosofia.net


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fim de realizar uma ativa campanha na imprensa francesa, em colaboração com o Dr. Magalhães Lima, grão mestre da maçonaria portuguesa, bem como ajudado pelo Dr. Bernardino Machado. Não há muito, o Dr. Afonso Costa, em uma interview que teve com um jornalista, disse: «A revolução não tardará a estalar sem grandes dificuldades, e o movimento revolucionário não terá caráter sangrento, pois procuraremos dar morte ao menor número possível de pessoas. —

Opiniões optimistas LONDRES, 5 (dos telegramas do Dia, de Montevideo): – O deputado português Sr. Mateus Sampaio, que se encontra atualmente nesta capital, declarou que, se o Porto não se subleva, não há que desesperar, pois o Porto foi a sede da revolução de 1891. Aquele deputado adiantou que a revolução não ia ser feita pelos republicanos, mas sim pelos conservadores. —

DE LISBOA LISBOA, 6 (dos telegramas do Dia, de Montevideo): Os revolucionários cortaram todas as comunicações para evitar a chegada das tropas das províncias. – Sabe-se que a guarnição de Elvas, fronteira à Espanha e a 265 quilômetros de Lisboa, se dirige para esta capital. —

Comentários da imprensa inglesa LONDRES, 6 (dos telegramas do Dia, de Montevideo): – O Pall Mall Gazette, ao comentar o sucesso de Portugal, diz que a extinta Monarquia não tinha popularidade, sendo apoiada unicamente pela igreja e pelos partidos tradicionais, já enfraquecidos. www.clepul.eu


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A larga série de atos de corrupção teve forçosamente de derrubá-la, precisamente no momento em que o exército e a marinha lhe tirassem o seu apoio. Os novos governantes bem andariam se educassem o povo de maneira a coloca-lo em condições de fazer uso da sua independência, o que o Pall Mall Gazette acha tarefa árdua. Só o futuro nos dirá se Portugal é uma nação moribunda ou se foi chamada a iniciar vida nova. —

Opinião do marechal LONDRES, 5 (dos telegramas do Dia, de Montevideo): O marechal Hermes, que do couraçado S. Paulo assistia ao sangrento combate, de pé na coberta, comentava os sucessos no meio de um grupo de oficiais brasileiros, lamentando a precipitação com que haviam agido os republicanos. —

O reconhecimento RIO, 11 (à noite, do serviço telegráfico do Eco do Sul): Numerosos grupos portugueses, em ruidosa manifestação, depois de percorrer várias ruas, foi ao Catete pedir ao presidente da República que reconheça a República Portuguesa. Apesar do disparate do pedido, o Dr. Nilo Peçanha, depois de breve discurso prometeu atender. —

O rei pobre RIO, 11 (à noite, do serviço telegráfico do Eco do Sul): – Em Lisboa afirma-se que o rei D. Manuel II abandonou o trono pobríssimo. O fato é comentado com simpatias. www.lusosofia.net


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Praxes democráticas LISBOA, 11 (à noite, do serviço telegráfico do Eco do Sul): – O termo ilustríssimo foi substituído oficialmente pelo de cidadão e nos ofícios o Deus aguarde etc. por Saúde e Fraternidade —

Emblemas LISBOA, 11 (à noite, do serviço telegráfico do Eco do Sul): – Foram arrancados os emblemas monárquicos dos edifícios públicos, bem como de muitas casas particulares. —

Manifestação RIO, 12 (Manhã, do serviço telegráfico do Eco do Sul): – Na manifestação de ontem, no Catete, falou o engenheiro Otávio Carneiro, que foi quem pediu ao presidente da República o pronto reconhecimento da República Portuguesa. Teixeira Mendes Sobrinho leu uma mensagem no mesmo sentido. O Dr. Nilo Peçanha, respondendo, disse que o governo está-se entendendo diplomaticamente com a República Portuguesa. O presidente da República adiantou que nenhuma nação precederá o Brasil nesse sentido. Regressando do Catete, os manifestantes contornaram a estátua de Pedro Álvares Cabral ao som da Marselhesa —

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Padres expulsos RIO, 12 (Manhã, do serviço telegráfico do Eco do Sul): – Telegrafam de Lisboa dizendo que os frades foram expulsos de Portugal. Dirigem-se ao Brasil com o consentimento do papa. —

A atitude de D. Manuel RIO, 12 (Manhã, do serviço telegráfico do Eco do Sul): – De Paris anunciam que o rei D. Manuel II renunciou definitivamente a qualquer luta com o governo provisório de Portugal. A República é, aí, um fato consumado. – Em Gibraltar foi proibido que bandas de música toquem a não ser a quatro milhas da casa em que D. Manuel está residindo. – Consta que D. Manuel se acha enfermo em Gibraltar. —

O novo governo RIO, 12 (Manhã, do serviço telegráfico do Eco do Sul): – Dizem de Londres que depois de realizada a eleição da constituinte em Portugal, serão nomeados ministros da guerra e da marinha, Brito Camacho e Meneses, principais organizadores da revolução. —

Ainda o reconhecimento RIO, 12 (Manhã, do serviço telegráfico do Eco do Sul): – O Dr. Félix Bocaiuva, secretário da nossa legação em Paris, comunicou ao ministro do exterior Stephen Pichon, que o Brasil só reconhecerá a República Portuguesa depois do pronunciamento da França. — www.lusosofia.net


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Chefes vigiados RIO, 12 (Manhã, do serviço telegráfico do Eco do Sul): Em Madrid estão sendo vigiados pela polícia Lerroux, Soriano, Perez Galdós e outros chefes republicanos, que ultimamente têm tido várias conferências.

A situação em Portugal10 _________________ Revolução e República _________________ Os acontecimentos. Pormenores _________________ — Notícias do estrangeiro — _________________ Notas do serviço telegráfico direto do «Eco do Sul» _________________

UMA CARTA O Sr. Dr. Costa Cabral, advogado em Bagé, enviou ao Comércio de aí, a seguinte carta: «Exmo. amigo Sr. Redator do Comércio – Saudações. Venho fazer-lhe uma pequena observação sobre a notícia publicada ontem no seu jornal relativamente à estadia nesta cidade, do meu particular amigo Dr. António José de Almeida, atual ministro do interior da querida e esperançosa República Portuguesa. Houve equívoco. Quem aqui esteve, em março do ano passado, em visita à minha família, foi o meu íntimo e dedicado amigo e colega Dr. António Luís Gomes, atual 10

Eco do Sul, Rio Grande, 14 de outubro de 1910, ano 56, n.o 234, p. 2.

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ministro da jovem República, na pasta da viação, cujo retrato tenho o prazer de emprestar-lhe para expô-lo ao público. E já que falo nesses dois queridos amigos e correligionários, permita-me que lembre também o nome do distinto médico e meu caro amigo, Dr. Silvestre Falcão, que, com este seu humilde criado, constituíram em 1885 o grupo dos quatro únicos «tinhosos republicanos», que infeccionaram para tal forma o rebanho acadêmico de Coimbra, que, em 1890, por ocasião do Ultimato da Inglaterra contra Portugal, ficou reduzido ao pequeníssimo número de 22 chefiados, por despeito, valha a verdade, por um meu distintíssimo amigo, que é hoje a maior glória do jornalismo republicano brasileiro. Desculpe-me, pois, o amigo o imodesto extravasamento duma pequenina, mas honrosa vaidade. Nas inúmeras raízes dessa imensa seara, cuja ondulação produziu a queda estrondosa da Monarquia Portuguesa, há uma semente pequenina e mirrada, na verdade. Esta semente foi minha: fui eu que a lancei na boa e sempre amada terra portuguesa, foi semeada por mim que 14 anos depois ainda sou o mesmo «tinhoso» entre os chamados republicanos da minha terra. Agradece-lhe o obséquio da publicação desta. O amo . e cro obro . Costa Cabral. Bagé, 10 de outubro de 1910.» —

Portugal-Brasil O ministro do Brasil em Portugal procurou o Dr. Bernardino Machado, ministro do exterior, a quem comunicou haver recebido instruções do seu governo, no sentido de entrar em relações com o governo provisório; em condições idênticas os do governo dos Estados Unidos, quando, a 19 de novembro de 1889, autorizou o seu ministro no Rio de Janeiro a entrar em relações com o governo provisório brasileiro. O ministro do Brasil acrescentou ao Dr. Bernardino Machado que o Brasil estará pronto a reconhecer o novo governo, logo que a República seja aceite em todo Portugal, e, mais, que a deliberação do governo brasileiro não www.lusosofia.net


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importa em reconhecimento oficial, visando apenas os negócios correntes entre os dois países —

O suicídio do almirante Reis Está averiguado que o almirante Carlos Reis se suicidou, ao rebentar o movimento revolucionário. Ao ouvir 3 tiros de canhão, em vez dos 31 que, segundo o plano combinado, constituiriam o sinal para irromper o movimento, supôs ele que esse se houvesse malogrado, e pôs termo à existência. —

O general Vasconcelos Pediu demissão do serviço do exército o general Vasconcelos Porto, notável engenheiro e ilustre militar que exercia o cargo de ministro da Guerra do gabinete João Franco quando se deu o regicídio de D. Carlos, em fevereiro de 1908. O general Vasconcelos Porto foi também, nos últimos anos, político influente, pertencendo ao partido chefiado pelo conselheiro João Franco. Ultimamente, era ele o chefe do partido regenerador liberal. —

Os republicanos de Pelotas Os Srs. Álvaro da Silva, Manuel Pereira Pinto Primo e Manuel Fernandes Vieira, portugueses residentes na vizinha cidade, expediram, ontem, o seguinte telegrama: «Presidente República. – Lisboa. – Glória heróis fizeram República redimiu, dignificou liberdade Pátria.» – Também vai ser expedido ao presidente Dr. Teófilo Braga mais o seguinte telegrama: «Republicanos portugueses, vitoriando entusiasticamente, patrioticamente, a República redentora, saúdam a Pátria gloriosa, liberta, enfim da tirania dos reis e da reação clerical». www.clepul.eu


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Antecedentes Foi distribuído em todo o reino um boletim no qual os republicanos diziam ao povo que só a lista civil do rei e de sua família custava, anualmente 591:000 $ (ou sejam cerca de 1.600 contos de réis em moeda brasileira). O mesmo boletim mostrava, da seguinte forma, como, além da lista civil, a dinastia portuguesa gastava centenas de contos de réis em obras nos paços reais: Anos de 1893 a 1917, segundo as contas apuradas até março de 1908: Palácio da Ajuda: 436 158$671 Palácio de Sintra: 301 167$633 Castelo de Pena e anexos 213 240$935 Palácio das Necessidades 624 047$325 Palácio de Queluz 105 913$155 Palácio de Belém 342 458$895 Cidadela de Cascais 181 495$000 Palácio da Torre Outão (despesas de conservação) 7 978$690 Modificação da escada do camarote real da praça de Touros de Campo Pequeno 280$860 Reais propriedades do Alentejo 77 562$255 Reparos que carece a adega nas reais propr. do Alfeite 2 122$820 Iluminações eléctricas nos palácios de Belém Ajuda e Sintra 3 448$505 Trabalhos urgentes nos reais palácios de Ajuda e Belém 24 999$300$ Reparação das minas que abastecem de água o edifício e jardim real Paço de Ajuda 961$975 Pequenas reparações nos edifícios do estado que fazem parte do apanágio da coroa 4 500$000 Gasto ilegalmente 2 737 894$ 179 Despesa ilegal autorizada por lei de 16 de julho de 1855 (entregue à casa real) 102 000$000 2 839 394$173

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Deliberação Em conferência que tiveram os chefes republicanos, a maioria desses opinou que devem ser confiscados os bens de D. Manuel e dos outros membros da família real. A maioria dos próceres republicanos foi também de opinião que sejam concedidas pensões a todos os oficiais da 1a divisão do exército que aderiram ao movimento revolucionário. Em reunião do ministério do governo provisório português, ficou deliberado o seguinte: Anistiar os presos políticos por delitos de imprensa: Restabelecer a lei de imprensa há tempo elaborada pelo conselheiro Barjona de Freitas, com certas modificações liberais; Aplicar as leis do marquês de Pombal e de Aguiar Braancamp, referentes às associações religiosas; Suspender, por dez dias, o funcionamento dos tribunais judiciários. —

Mortos e feridos RIO, 14: As listas oficiais dão 65 mortos e 728 feridos nos combates ocorridos por ocasião de ser deposta a Monarquia. —

Adesão RIO, 14: O conselheiro Teixeira de Sousa, presidente do conselho de ministros do governo monárquico, aderiu à República e formará um novo partido. —

O ministro das finanças RIO, 14: José Relvas foi empossado no cargo de ministro das finanças em virtude da renúncia apresentada por Basílio Teles. — www.clepul.eu


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A instrução pública RIO, 14: Pelo novo governo foram nomeados diretores da instrução superior o deputado João Meneses, e ensino primário João Barros, professor do Liceu do Porto. —

Portugal-Suíça RIO, 14: Telegrafam de Berna, dizendo que a Suíça ainda não reconheceu a República Portuguesa e sim apenas entrou em relações com o governo provisório a exemplo do Brasil. —

Declarações de Bernardino Machado RIO, 14: Dizem de Lisboa que o Dr. Bernardino Machado, em uma entrevista que concedeu ao correspondente do Figaro, de Paris, declarou que brevemente o Brasil reconhecerá a República de Portugal e em seguida o mesmo farão as outras potências. Acrescentou que os sentimentos de amizade entre o Brasil e Portugal serão cada vez mais intensos, o que muito o rejubilará visto haver nascido no Brasil. —

Cardeal Veneto RIO, 14: Em Lisboa foi posto em liberdade o cardeal Veneto. —

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O partido de João Franco – Outras notícias RIO, 14: Foi dissolvido em Portugal o partido que obedecia à chefia do conselheiro João Franco. – Telegramas de Gibraltar dizem que D. Manuel acha-se abatidíssimo, e partirá para a Inglaterra em companhia da rainha D. Amélia. – O Times, de Londres, desmente as notícias de que tivessem sido praticados selvajarias nos conventos de Lisboa. – Acrescenta que os soldados, ao contrário, respeitaram tudo quanto encontraram nas buscas que deram em tais estabelecimentos. – O governo provisório abolirá a escravidão na ilha de S. Tomé, possessão portuguesa na África Ocidental. —

Em liberdade RIO, 14: Foi posto em liberdade o coronel António Cabral, comandante do 112o regimento de infantaria, e que aderiu à República. —

Exoneração RIO, 14: O governo provisório exonerou os ministros plenipotenciários de Portugal no Rio de Janeiro, Paris e Roma. —

Outra adesões RIO, 14: O Supremo Tribunal Administrativo e o Tribunal de Contas aderiram ao governo provisório. www.clepul.eu


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Desmentido RIO, 14: Está desmentido que o infante D. Afonso tentasse organizar a defesa da Monarquia Portuguesa antes de partir de Lisboa. —

Atos de governo RIO, 14: O governo provisório está tratando da regulamentação hospitalar. —

D. Manuel RIO, 14: Comunicou-se de Gibraltar que D. Manuel acha-se ligeiramente indisposto. —

O palácio das Necessidades RIO, 14: Foi nomeada uma comissão a fim de inventariar o palácio das Necessidades.

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Lerias sérias11 ________________________ Está proclamada a República em Portugal e o governo provisório começou muito bem. Quem ler o seu programa, lançado aos quatro ventos, julgará que o velho Portugal está convertido em uma pipa de mel, em poder do povo arvorado em cardume de moscas. Dentre os grandes projetos saídos daquelas cabeças, como Minerva da cabeça de Júpiter, um dos mais importante é este: assegurar a liberdade de consciência, imprensa e palavra; projeto já demonstrado pelo fuzilamento dos realistas. Ingenuamente confessamos que não sabemos como harmonizar a liberdade de consciência com as execuções sumárias de pessoas que pensam de modo diverso em política e em religião. Se o governo garante essa liberdade, como está perseguindo os padres e as freiras? Pelos telegramas publicados nos jornais, consta que o povo tem atacado os conventos e outras casas religiosas, em atitude hostil contra os padres. Há muitos feridos, outros fugiram; e que o povo, como tatu, está cavando o solo, a fim de descobrir os subterrâneos onde os religiosos se esconderam. Ora, se os religiosos se esconderam, é porque são perseguidos como lebres pela matilhas de galgos; logo, é clara que não estão hostilizando a República. E para que os procuram? De certo não será para lhes darem doce. O que achamos original é a perseguição contra mulheres que vivem nos seus conventos, cantando as suas litanias à Virgem, sem se importarem com a tempestade que ruge nas ruas de Lisboa; o que nos faz crer que o governo provisório, receoso de um golpe restaurador praticado por aquelas terríveis amazonas de escapulário e de ripanços, mandou prender as que, já de pernas trôpegas pelo atrito dos janeiros, não puderam dar sebo às canelas diante dos bravos que as perseguiam. Assim mesmo agarraram 200, que foram recolhidas presas ao arsenal da marinha; e entre essas, algumas feridas pelo cacete dos heróis.

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Eco do Sul, Rio Grande, 15 de outubro de 1910, ano 56, n.o 235, p. 1.

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Assim era necessário para consolidação da República. Outro projeto, e este luminoso pela alta filantropia; o confisco dos bens, não só de D. Manuel, como de toda a família real portuguesa! Porquê? Não sabemos. O confisco dos bens, segundo Montesquieu, é uma das armas do despotismo. Nos tempos de Sula e no do império romano, essa medida tomou proporções escandalosas. Condenavam à morte só porque havia bens a confiscar. Em Portugal, principalmente no reinado de D. Manuel, o venturoso e no do seu filho D. João III, confiscava-se os bens dos judeus, depois de expulsos. Hoje o confisco é considerado um roubo, por todos os governos dos países civilizados. Nesta parte, honra ao governo provisório brasileiro, que não pensando em confiscar os bens de D. Pedro II, mesmo porque o velho imperador tudo dava aos pobres, ao contrário, ofereceu-lhe uma pensão vitalícia que ele não aceitou. Se D. Manuel tem fortuna, foi herdada do seu pai, assassinado pelos Buíças. A fortuna de D. Amélia, parte provem da herança dos seus pais e parte deve ser o produto da economia da sua dotação. Assim também deve ser a origem da fortuna que porventura possa ter a rainha D. Maria Pia. O governo provisório português, confiscando os bens, pratica um roubo, e praticando-o, semeia ventos que mais tarde podem produzir tempestades. A França, depois de 18 anos, além de ter pago uma quantia enorme à Alemanha pela despesas da guerra de 1870, ainda indemnizou 40 milhões de francos confiscados por Napoleão III à família Orléans. Voltemos, porém, à expulsão dos padres e das freiras: se os republicanos asseguram a liberdade de consciência, como decreta a expulsão dos sacerdotes? E para onde os mandarão? Para as ilhas de Vanikoro, ou para a Terra do Fogo? Se o governo português expulsa os sacerdotes e as freiras, é porque julga ser crime o fato de adorarem um Deus que julgam estar no céu, em vez de adorarem os deuses da terra que dispõem dos raios partidos da boca do canhão e das carabinas.

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Quem sabe? Talvez pretendam restaurar o culto da deusa Razão. Há tantos Robespierres e Chaumettes neste mundo. . . PERSIO

A situação em Portugal12 _________________ Revolução e República _________________ Os acontecimentos. Pormenores _________________ — Notícias do estrangeiro — _________________ Notas do serviço telegráfico direto do Eco do Sul _____ Teófilo Braga Pinto da Rocha, num brilhante artigo em torno da República em Portugal, diz de Teófilo Braga: «Teófilo Braga, é um nome puro, límpido, sem uma jaça; é um sábio que aos 67 anos de existência ainda estuda e aprende e que atravessou a vida ensinando a mocidade a ser honesta, a ser leal aos seus ideais e a amar a pátria; é um republicano que nunca foi outra coisa; é um austero cujo lar é um templo das mais santas virtudes; é um forte cujos cabelos brancos e cujos sofrimentos não conseguiram desalentar; é um patriota que não deixou passar um dia inutilmente na obra sublime de levar a grandeza moral e intelectual da sua terra; é um erudito cujo trabalho sistematizado se estende proficientemente sobre todos os ramos do saber e da atividade humana; é um homem de critério elevadíssimo, de uma lealdade indefectível, de uma honestidade invulnerável; é por si uma garantia seguríssima de que em suas 12

Eco do Sul, Rio Grande, 15 de outubro de 1910, ano 56, n.o 235, p. 2.

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mãos a República em Portugal será um governo de honra, de patriotismo e de liberdade. E por esse modelo afinam todos os membros do governo revolucionário: Teófilo foi o Mestre de todos; no dia do perigo o Mestre não abandonou os discípulos, guiou-os à vistoria final, e os discípulos fizeram dele, o nobre ancião, o grande e sábio Professor, o Palinuro das novas instituições, o Jasão dos novos argonautas.» Conclui o articulista: «A República Portuguesa dirigida por esses homens não poderá ser uma ditadura; há de impor-se pela serena energia da alma do seu presidente, cuja influência sobre os seus colegas de governo é uma sombra amiga e doce que cobrirá todos os portugueses. Embora a resistência haja feito correr sangue nas ruas de Lisboa, a liberdade portuguesa terá sempre, como até hoje, no coração desses triunfadores, o mesmo culto respeitoso». —

Em Buenos Aires Telegrafam dessa capital: «O encarregado dos negócios de Portugal, visconde de Riba Tua, recebeu comunicação oficial do governo provisório comunicando-lhe ter sido proclamada a República em Portugal. Imediatamente, o visconde Riba Tua mandou tirar o escudo que se achava à frente do edifício da legação e do consulado com as armas reais portuguesas. Mais tarde, o visconde da Riba Tua foi conferenciar com o ministro das Relações Exteriores, Sr. Rodriguez Larreta, sobre o reconhecimento pelo governo argentino da República Portuguesa. – Na conferência que o visconde Riba Tua, encarregado de negócios de Portugal, teve com o ministro das Relações Exteriores, Sr. Rodriguez Larreta, este limitou-se a declarar que tomava conhecimento da comunicação da República em Portugal, mas achava prematuro qualquer reconhecimento de mesma por parte da República Argentina.» — www.lusosofia.net


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Reunião Aparece nos ineditoriais do Eco do Sul o seguinte convite: «São convidados todos os republicanos portugueses, verdadeiramente convictos, a reunirem-se domingo próximo, à 1 hora da tarde, na casa de residência do correligionário Dr. Belmiro Pegas, para tratar-se da definitiva organização deste grêmio e para resolver a maneira mais digna de comemorar o advento da Lusa República, o fato mais estupendo da nossa História, que, libertando Portugal para sempre da tutela nefasta da nobreza e do jesuitismo, instituiu na Pátria querida o governo do povo pelo povo». —

Na Espanha Em Madrid reuniu-se o conselho de ministros em palácio, sob a presidência d’el rei Afonso XIII, expondo o presidente do conselho, Sr. Canalejas, à sua majestade a situação confusa que reina em Portugal. S. Exa . declarou que entre as informações recebidas o único fato que parece positivo é o triunfo dos republicanos, estranhando-se que o governo provisório não tenha solicitado dos governos estrangeiros o reconhecimento da sua autoridade. O presidente do conselho mostrou-se ainda surpreendido de nada se saber ao certo sobre o paradeiro da família real, acrescentando que a Espanha imitará a conduta das outras nações com relação ao presente momento que Portugal atravessa. —

Notas telegráficas RIO, 15: O governo provisório publicou decreto autorizando o aumento da circulação fiduciária até 3.000 contos de réis. Depois de resolvidos os problemas mais urgentes da administração serão lavrados decretos estabelecendo o sufrágio universal e suprimindo os títulos nobiliárquicos. www.clepul.eu


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— RIO, 15: O Daily Telegraph noticia que D. Manuel logo ao chegar à Inglaterra dirigirá um manifesto aos portugueses. — RIO, 15: O Morning Post diz haver D. Manuel declarado que não abdicou do trono de Portugal, tendo sido obrigado a sair do país porque os seus ministros o abandonaram, após o banquete que lhe oferecera o marechal Hermes, em Lisboa. Segundo o mesmo jornal, D. Manuel disse que os oficiais do exército português lamentavam a partida da família imperial, estando dispostos a lutar com probabilidade de vitória, pois as forças realistas eram muito superiores às revoltosas. Diz ainda o Morning Post que a revolução foi preparada com conivência dos altos funcionários do Paço, não tendo passado de uma farsa o tiroteio havido no palácio das Necessidades pois apenas houve 60 mortos. — RIO, 15: Ainda não está definitivamente resolvida a nomeação de João Chagas para ministro de Portugal no Brasil. É provável que seja nomeado António Luís Gomes, capitalista e que foi estabelecido nesta capital. — RIO, 15: Em Gibraltar foram presos dois indivíduos suspeitos que rondavam a casa onde se acha hospedado D. Manuel. — www.lusosofia.net


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RIO, 15: Foi publicado decreto do governo provisório proibindo estabelecimento de congregações religiosas em Portugal. O mesmo decreto manda que sejam confiscados em favor do Estado os bens das congregações ainda existentes e determina que não poderão habitar sob o mesmo teto mais de três padres. — RIO, 15: Partiu para Gibraltar o conde Figueiral, que era camarista do rei D. Manuel. — RIO, 15: José Relvas, ministro das finanças, entrevistado por jornalista declarou que não governará exclusivamente com o seu partido, e sim com a nação inteira, pois a República é governo de todos e para todos. — RIO, 15: O governo provisório decretará o ensino livre e obrigatório; respeitará a dívida nacional e os contratos regulares; procurará reduzir o deficit orçamentário, valorizando a moeda nacional; revisará as taxas de impostos e concederá a autonomia financeira às colônias, excepto Angola. — RIO, 15: Será exonerado do cargo de secretário da Câmara Municipal de Lisboa, Pedroso Lima, que há muito tempo era mantido neste lugar em virtude da oposição do poder central que tinha por ele o direito da tutela sobre os municípios. — www.clepul.eu


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RIO, 15: Foi aberta uma subscrição em favor das vítimas sobreviventes da revolução.

A situação em Portugal13 _________________ Revolução e República _________________ Os acontecimentos. Pormenores _________________ A reunião de ontem _________________ Fundação do Centro _________________ AS FESTAS _________________ — Notícias do estrangeiro — _________________ Notas do serviço telegráfico direto do Eco do Sul Conforme se anunciou nos ineditoriais do Eco do Sul, realizou-se ontem a convocada reunião dos portugueses republicanos na residência do Sr. Dr. Belmiro Pegas, à rua General Bacelar. A reunião correu animada, deixando os seus nomes no livro de presença [. . . ]14 A sessão foi presidida pelo Sr. Dr. Belmiro Pegas, que tinha à direita do Sr. Manuel da Cruz Dias, servindo de secretário o Sr. Lino Saraiva de Oliveira. O Sr. Dr. Belmiro Pegas falou da situação em Portugal, fez ressaltar as causas da proclamação da República e expôs os fins da reunião.

13 14

Eco do Sul, Rio Grande, 17 de outubro de 1910, ano 56, n.o 236, p. 2. 53 homens assinam.

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Os portugueses no Rio Grande, disse S.S., precisavam fundar um centro a fim de prestigiar o advento da República e dar combate sem tréguas ao clericalismo. Expôs o que se fez na sessão inicial, em que ficou nomeada uma comissão para elaboração das bases do novel centro, que foram lidas. Depois de discutido demoradamente os seus artigos, ficaram essas bases, que são consideradas provisórias, assim aprovadas. 1o . Tomará a sociedade o título distintivo de Centro Republicano Português e será constituída: 2o Na qualidade de sócios efetivos, pelos portugueses republicanos no gozo de seus direitos ou por aqueles que adiram francamente à causa. 3o Na qualidade de sócios contribuintes pelos portugueses republicanos que por qualquer circunstância tenham aceitado a nacionalidade brasileira. 4o Fica subentendido que só os sócios efetivos poderão ter cargo de eleição ou nomeação e que só eles representarão oficialmente o «Centro Republicano Português» em qualquer ato, tendo todos, no demais, iguais direitos. 5o São seus fins principais: A propagação por todas as formas das ideias republicanas; confraternizar com os patriotas que ainda professam ideias contrárias procurando educá-los nos sãos princípios da democracia; ser com esses tolerantes como é de índole do nosso povo e com observância aos ensinamentos dos bravos mestres a quem hoje estão entregues os destinos da Pátria, não dando porém tréguas às instituições monárquicas e jesuíticas por considerarmos aquela completamente inadaptável à geração contemporânea e estas, um voraz flagelo que vem de séculos em séculos estiolando os povos a quem procuram embrutecer para do obscurantismo extrair a seiva de suas vidas de misérias. 6o Empenhar todos os seus esforços pela estabilidade da Paz e do Trabalho, e, prestar à República todo o seu apoio moral, material e intelectual e todo o acrisolado amor à Pátria. Foi, também, longamente discutida a denominação do novel grêmio político, sendo aprovado pela assembleia que seja Centro Republicano Português, ficando a data da proclamação da República gravada no escudo social. [. . . ]

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O Sr. presidente da assembleia, finda a aclamação, disse competir ao Centro Republicano Português festejar entusiasticamente o advento da República, o que se fará assim que se dê o primeiro reconhecimento oficial por parte de qualquer potência. Para traçar o programa das festas ficou nomeada uma comissão composta dos Srs. António Joaquim Barreto, Lino Saraiva de Oliveira e Leonel Furtado Maia. Foi aberta no momento uma subscrição para custear as festas. Iniciada pelo Sr. Dr. Belmiro Pegas com a quantia de 100$, atingiu a 600$ a quantia angariada ontem. O Dr. Presidente agradeceu a comparecência de todos e convidou as pessoas presentes a beberem à República Portuguesa. Passando-se à sala de refeições foram todos obsequiados com doces e líquidos. Trocaram-se amistosos brindes, sendo saudados os Drs. Teófilo Braga e Nilo Peçanha presidentes das Repúblicas de Portugal e Brasil. Entre os brindes, conta-se um, muito gentil, do Dr. Belmiro Pegas ao Eco do Sul e ao seu representante. O Eco do Sul agradece as gentilezas com que foi cumulado o seu representante e faz votos para que a novel associação política tenha brilhante existência. —

Antecedentes Um colega do Rio entrevistou o Sr. A. Magalhães, que é um crente nas suas ideias de republicano convicto. Escreveu ele no Portugal um artigo sobre a situação do seu país, isso a 9 de janeiro deste ano. O seu pensamento sobre a República em Portugal esta aí externado e de antemão estrio pelas colunas do jornal de que era colaborador. Da leitura que fizemos, alguma coisa de bom se encontrava, e apressamo-nos a trazer a público alguns períodos do seu artigo. Eil-os:

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1) O ano de 1910 deve ser assinalado na história portuguesa como data gloriosa de revindicação para a escória social, desse «lixo» humano que se chama povo da liberdade e justiça. 2) Demitindo depois da sua primeira viagem ao Porto o ministro Ferreira do Amaral, que era intencionalmente afeto em princípios liberais, e entregando o poder à reação política rotativa, pela aliança dos progressistas e dos regeneradores afeiçoados a Campos Henriques, a Monarquia Portuguesa abriu a sua sepultura. 3) O povo português que conta um passado que é a garantia do seu futuro não é, nem pode ser, o pântano deletério onde chafurdam os especuladores políticos, verdadeiros focos de micróbios que contaminam a nação. 4) Se as nações não tratam Portugal com o respeito devido, a culpa é da Monarquia e não do povo por quem elas têm ainda o mesmo culto que tinham nos tempos dos nosso avoengos. Nunca, portanto, foi mais nítido e claro o papel do partido republicano em proclamar a República. 5) Os homens que defendem a Monarquia administram para si e para a real família. É a luta entre os que trabalham e os que devoram, entre os produtores e os dilapidadores do erário público. Fecha o artigo o período abaixo: Chama-se a nação inteira, à discussão, muito embora a Monarquia, na vasca da agonia, não o tolere, e ver-se-á como dela sairá o ímpeto sagrado que há de implantar e fixar no bem vindo ano de 1910, a República em Portugal». O Sr. Magalhães externou por esta forma o seu pensamento já há muito profetizando a ruina, o desaparecimento do Monarquia Portuguesa. —

D. AMÉLIA Lemos algures sobre a mãe de D. Manuel II: «Dama e espírito delicado e fino, mulher de uma sentimentalidade extraordinária, em cuja vida de dedicação fulgem atos de humanitários lampejos e heroísmos valorosos, é D. Amélia, das atuais rainhas, a que tem sofrido mais na realeza e no poder! De uma feita assiste ela à morte do esposo e filho amados, vendo as suas existências se findarem brutalmente, sacrificados pelo crime de um «complot» www.clepul.eu


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assassino e tragicamente mau. . . E outro filho sobe ao trono, coberto o coração de luto e a alma juvenil cheia de incertezas e dúvidas. . . Não, D. Amélia acompanha as torturas e vela pela felicidade do filho que começa o reinado na agitação forte de um partido de oposição que dia a dia conquista terreno, adquire prosélitos, distende a sua propaganda, alastra pelo país, aos embates dos sentimentos tradicionalmente conservadores, e por fim explode triunfalmente dum movimento revolucionário, dominando as forças e mantendo-se vitorioso da nação. . . As chagas não curadas ainda do seu infortúnio e da sua extrema e grande dor, sangram fortemente agora ante a incerteza do futuro do jovem rei, obrigado a fugir e entregue, mais tarde, aos azares incautos de uma reação sangrenta. Na debilidade de sua alma branca de mulher, que a desgraça tantas vezes santificou, a rainha de Portugal encontrará ainda forças para suportar os revezes e as torturas sem nome, de sua realeza infeliz! Ao saber a notícia da revolução que tão agitadamente abalou a construção secular, vetusta e histórica da Monarquia Portuguesa, passava por nossa mente, no turbilhão rápido dos fatos a silhouette adorável e bela dessa rainha martirizada para quem a coroa só tem tido espinhos lancinantes e dolorosos, e a vida tem sido ultimamente, tão angustiosa e má» —

TELEGRAMAS do serviço especial do «Eco do Sul». RIO, 17: Foi nomeado secretário geral do ministério das finanças, Inocêncio Camacho. — RIO, 17: O Dr. Afonso Costa está elaborando leis sobe o divórcio e a separação da Igreja e do Estado. — www.lusosofia.net


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RIO, 17: Foram publicados decretos do governo provisório sobre a reforma judiciária. A nova lei cria os cargos de juízes de investigação em Lisboa e Porto. Nos delitos de imprensa não haverá prisão preventiva, sendo simplesmente lavrado termo de identidade. A reforma trará outras disposições liberais. — RIO, 17: A praça Príncipe Real passou a denominar-se Rio de Janeiro. — RIO, 17: Em reunião do ministério, o Dr. Bernardino Machado sugeriu a ideia que se proibisse a emigração de portugueses contratados no Brasil, e obrigar-se as companhias contratantes a fazerem repatraimento gratuito aos que quiserem regressar à pátria. — RIO, 17: O Daily Telegraph, de Londres, diz que o governo inglês aconselhou D. Manuel a que se abstenha de fazer propaganda política durante a sua permanência em Gibraltar. Aquele jornal diz que D. Manuel está disposto a fazer iniciar forte campanha monárquica em Portugal, concitando os correligionários a elegerem representantes que possam combater, no Parlamento, a República, auxiliados pelos miguelistas. — RIO, 17: O visconde de Pindelas, ministro de Portugal em Berlim, pediu a demissão.

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A situação em Portugal15 _________________ Revolução e República _________________ Os acontecimentos. Pormenores _________________ — Notícias do estrangeiro — _________________ Notas do serviço telegráfico direto do Eco do Sul _________________ Contra os frades Um dos principais atos do governo provisório da República Portuguesa foi proibir ao clero o uso público da batina, intimar as congregações religiosas não autorizadas a abandonarem o país, e a isto seguir-se-á a decretação da separação da Igreja e do Estado. São, tudo, consequências lógicas do caráter radical dos homens da situação. Se em relação ao clero não poder usar publicamente das batinas, se pode prever que esta medida teve por fim evitar possíveis agravos a sacerdotes, e foi mais uma medida de simples caráter policial do que político se a aplicação da lei de banimento às congregações religiosas não autorizadas, não provocará acontecimentos, porque Portugal não é fanático e sim convictamente religioso, o mesmo não sucederá em relação à separação da Igreja e do Estado. O povo português das aldeias não está preparado, na sua quase totalidade, para compreender medidas dessa importância. Para ele, o padre só tem uma influência relativa: a Igreja, porém, tem predomínio absoluto no seu espírito. A França, depois da proclamação da atual República, depois de terem estado no poder vários governos radicais, só ao cabo de quarenta anos e de sucessivas investidas parlamentares, conseguiu chegar àquela solução. Portugal, onde o sentimento religioso só é comparável em intensidade ao sentimento pátrio, não está preparado para uma tão profunda transformação, e ou o governo provisório adia os planos que são principalmente do programa 15

Eco do Sul, Rio Grande, 18 de outubro de 1910, ano 56, n.o 237, p. 1.

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político do Dr. Teófilo Braga, ou prepara desde já uma situação crítica que o impopularizará e provocará necessariamente represálias. —

Morte do padre Matos O povo, em massa, atacou a redação do jornal Portugal, e assassinou o padre Matos. O Portugal, fundado em 1907, era um jornal do partido nacionalista, com larga circulação no país e tinha como diretor político o padre J. Lourenço de Matos. A direção da folha pertencia ao Sr. J. Fernandes de Sousa, era secretário da redação o Sr. Manuel Pereira Pinto Balsemão e administrador o Sr. Adriano Ferreira Pinto Bastos Martins. O escritório e oficinas estavam situados na praça do Município (antigo largo Pelourinho), n.o 32, em frente do palácio da Câmara Municipal. O Portugal era órgão católico. O padre Matos, como vulgarmente era conhecido, tinha todas as qualidades de jornalista de combate. Ardoroso, valente, polemista, argumentador, enfrentou o partido republicano com a mais ousada energia, escapelando os pontos fracos deste partido e atacando sem tibiezas os deputados republicanos. Desafiado para um duelo, respondeu que a sua crença religiosa o impedia de aceitar o desafio, mas que se o seu adversário quisesse bater-se com ele, havia de ser à moda de Trás-os-Montes: a cacete! Era transmontano, e o ataque à redação do Portugal e o assassinato do padre foram obra da vingança de republicanos delirantes. —

Morte de França Borges Na batalha travada no palácio das Necessidades, foi morto França Borges, diretor do Mundo, um dos jornais republicanos de maior circulação em Lisboa. França Borges publicou alguns romances, um deles a Inês de Castro, que foi bem recebida pelo público. Era um jornalista demolidor, sem outras preocupações, usando de fraseado agressivo. www.clepul.eu


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Há pouco fora condenado à prisão, por abuso de liberdade de imprensa. Fugiu e foi refugiar-se em Espanha. O decreto de anistia por delitos políticos concedido pelo rei D. Manuel, poucos dias antes da revolução, deu-lhe o direito de voltar ao seu país, onde chegou poucas horas antes de ter rebentado a revolução. Tinha uns quarenta anos de idade. —

VÁRIAS Telegrafam de Salamanca dizendo que viajantes chegados do norte de Portugal descrevem a revolução no Porto e Lisboa. Afirma que em Lisboa a multidão atacou o edifício do jornal Portugal, órgão clerical, matando o padre Matos, diretor do periódico, e queimando todo o material. No Porto, a multidão aclamou a República defronte do jornal A Pátria, aderindo ao movimento a Guarda Municipal. Há vinte pessoas feridas. A revolução acabou por triunfar e a República foi solenemente proclamada. Ali considera-se a República definitivamente estabelecida em todo o continente português. – O Sr. Canalejas, presidente do Conselho de ministros da Espanha, continua a declarar que não tem a certeza do triunfo da República em Portugal e que somente reconhecerá o novo governo quando ele estiver definitivamente estabelecido. – O conselheiro José Luciano de Castro foi preso quando se dirigia para Anadia, e recolhido a bordo do cruzador D. Carlos. É intuito do governo provisório que o antigo ministro de Estado responda nos tribunais pelas acusações que lhe são feitas relativamente ao desbarato dos fundos da Companhia de Crédito Predial. – O ministro das Relações Exteriores da Argentina, Dr. Rodriguez Larreta, declarou que a Argentina só reconhecerá a República Portuguesa depois de se saber positivamente o que fazem a Espanha e a Inglaterra, além dos outros países da Europa. – Dizem de Munique que o Príncipe D. Miguel de Bragança, pretendente ao trono português, declarou não acreditar que a República perdure, não só www.lusosofia.net


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pelos sentimentos monárquicos da maioria do povo, mas também porque um dos elementos que mais concorreram para a revolução saiu dos próprios partidos monárquicos, despeitados com o governo do conselheiro Teixeira de Sousa. – O Times insiste em afirmar que o resultado final da revolução portuguesa ainda é duvidoso, porque ela está vitoriosa apenas em Lisboa, e Lisboa não é Portugal. Não acredita numa repercussão grande em Espanha, porque está acima de toda suspeita a fidelidade do exército espanhol a Afonso XIII. – Está oficialmente anunciado que o governo vai proceder imediatamente ao recenseamento eleitoral, novo, para as eleições da Câmara Constituinte. O governo provisório durará no máximo três meses —

PELO TELÉGRAFO (Do serviço especial do Eco) RIO, 18: Em Lisboa, Guerra Junqueiro declarou recusar qualquer legação que lhe ofereçam. — RIO, 18: Será nomeado ministro em Bruxelas o publicista Augusto Manuel Alves Viegas, um dos chefes da revolução de 1891 no Porto. — RIO, 18: Em Gibraltar embarcaram D. Manuel e D. Amélia, com destino à Inglaterra. — RIO, 18: A rainha Maria Pia embarcou em Gibraltar para a Itália. www.clepul.eu


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— RIO, 18: Foram publicados os seguintes decretos do governo provisório: Extinguindo os títulos de nobreza; Banindo a dinastia dos Braganças; Secularizando as instituições de caridade fundadas ou dirigidas por associações religiosas. — RIO, 18: Foi impetrada uma ordem de habeas corpus a favor dos jesuítas expulsos de Portugal. — RIO, 18: Dizem de Gibraltar que as ruas por onde passou o rei D. Manuel II estavam apinhadas de povo sendo-lhes feitas grandes ovações. — RIO, 18: Em Lisboa durante os funerais do Dr. Miguel Bombarda, não houve o menor incidente. O povo se conservou em atitude compungida. — RIO, 18: D. Manuel e D. Amélia telegrafaram a vários soberanos europeus pedindo intervenção a fim de ser restaurada a Monarquia. À Inglaterra, à Rússia, à Alemanha e ao Vaticano foi dirigido esse pedido, não sendo atendido. — www.lusosofia.net


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RIO, 18: É inexato que o Dr. Bernardino Machado propusesse a proibição da imigração portuguesa no Brasil.

A situação em Portugal16 _________________ Revolução e República _________________ Os acontecimentos. Pormenores _________________ — Notícias do estrangeiro — _________________ Notas do serviço telegráfico direto do Eco do Sul _________________ Para se poder apreciar qual a intensidade da campanha religiosa, ou, antes, das congregações, contra o governo, convidamos o leitor a ler o artigo que segue e que transcrevemos do Diário Ilustrado, hoje órgão governamental. [. . . ]17

Frases Em Paris, atribuem aos reis as seguintes frases ao deixarem o palácio de Mafra. O rei: «Adeus para sempre!» A rainha D. Amélia: « Que guerra infame!» —

16 17

Eco do Sul, Rio Grande, 19 de outubro de 1910, ano 56, n.o 238, p. 1 e 2. Segue a transcrição do artigo.

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TEMORES Os jornais de Paris publicam informações de Vigo dizendo que se estão concentrando no norte de Portugal valiosos elementos monárquicos. Acrescentam que dia a dia mais aparente fica a impopularidade da República, naquelas regiões. Nos centros políticos espanhóis, há temores de que possa estalar uma guerra civil.

PELO TELÉGRAFOS (Do serviço especial do Eco) RIO, 19: Em Coimbra os estudantes se revoltam contra alguns lentes destruindo o mobiliário da Universidade. Reclamam eles a reforma liberal do ensino e a expulsão dos lentes reacionários e dos jesuítas. — RIO, 19: Em Lisboa foram presos cinco indivíduos suspeitos do assassinato do almirante Cândido Reis. — RIO, 19: Em entrevista com o redator do Século, o conselheiro Teixeira de Sousa declarou que a revolução não surpreendeu o governo monárquico, o qual, sabendo que o movimento estava preparado desde 1908, conservou-se sempre armado, e mais que, havendo propaganda republicana tomado incremento, o conselheiro Veiga Beirão ante os temores do governo procurara evitar a revolução por meio de medidas liberais, tais como a cessação da condenação dos jornalistas, anistia para os delitos, a liberdade de imprensa e suspensão de prisão por motivos políticos. Disse mais o conselheiro Teixeira de Sousa que o conselheiro Veiga Beirão acrescentara informar a D. Manuel que a revolução rebentaria no dia 4 e que www.lusosofia.net


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a luta seria impossível, pois a Monarquia derreada pelos republicanos estava cercada de pessoas indiferentes. Disse ainda mais o conselheiro Teixeira de Sousa que julga inútil qualquer tentativa de restauração. — RIO, 19: Foram exonerados muitos oficiais da marinha e do exército. — RIO, 19: Um grupo de oficiais alvitrou a ideia de abrir uma subscrição nacional para pagamento da dívida flutuante de Portugal. — Os soberanos ingleses visitarão sábado em Woodworton D. Manuel e D. Amélia. — RIO, 19: É inexato que o papa Pio X chamasse a Roma o Núncio apostólico em Lisboa, por discordar dos propósitos manifestados por Teófilo Braga a respeito do Vaticano. — RIO, 19: No paquete Cap Arcona chegaram alguns frades expulsos de Portugal que foram recebidos pelos frades do mosteiro Santo António. A polícia impediu as manifestações hostis que estavam preparadas. No largo de S. Francisco, realizou-se um novo comício contra o clero falando vários oradores. Os manifestantes foram ao palácio do Catete pedir ao Dr. Nilo Peçanha que impedisse o desembarque dos frades expulsos de Portugal. Foram recebidos pelo Dr. Alcibiades Peçanha que disse estar o Dr. Nilo Peçanha doente. www.clepul.eu


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— RIO, 19: O juiz federal negou habeas corpus aos jesuítas portugueses, entendendo que o governo também pode expulsá-los.

A situação em Portugal18 _________________ Revolução e República _________________ Os acontecimentos. Pormenores _________________ Antecedentes _________________ As cartas políticas de João Chagas _________________ Notas do serviço telegráfico direto do Eco do Sul — Os leitores do Eco do Sul devem estar lembrados de uma série de cartas dirigidas pelo Sr. João Chagas ao rei D. Manuel II, no começo do ano passado. O autor dirigira a esta folha as referidas cartas, algumas das quais foram aqui publicadas. Voltando a oportunidade para elas, pois que constitui a corrente de opinião que então se formava, continuamos agora a publicação das cartas, recomeçando na sexta, que é dirigida aos Srs. da Liga Monárquica e é assim concebida: Lisboa, 11 de janeiro de 1909. [. . . ] — Telegrafaram para La Prensa de Buenos Aires, em data de 13: 18

Eco do Sul, Rio Grande, 20 de outubro de 1910, ano 56, n.o 239, p. 2.

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O marquês de Lavradio, que acompanha a família real desde a sua fuga, declarou ser inexata a notícia de que o rei D. Manuel II e a sua família tenha depositado nos bancos ingleses 360 milhões de francos. A única fortuna da família real consiste no património dos Braganças, isto é, uma quinta em Portugal, muito menos importante que as que pertencem a vários particulares. O mesmo marquês comunicou ao rei a traição do coronel comandante da guarda municipal de Lisboa, que prestou juramento de fidelidade à República e beijou a bandeira republicana, e outras adesões de chefes militares e funcionários civis que ainda há poucos dias faziam alarde da sua lealdade à Monarquia. D. Manuel II publicará brevemente um manifesto em que fará um relatório verídico dos recentes sucessos em Lisboa e restabelecerá a verdade acerca da sua atitude e a do infante D. Afonso, desvirtuando assim as informações que têm sido publicadas a respeito. O rei está convencido que a revolução havia sido preparada de antemão em conivência com altos funcionários e que o tiroteio foi uma farsa. O general que comandava a guarda do palácio entregou o edifício sem opor a menor resistência aos republicanos, e os ministros, por seu lado, fizeram com que o infante fosse para Cascais, enganando-o com um pretexto falso, a fim de impedir que ele se colocasse à frente das tropas leais. Os reis manifestam-se entristecidos pela atitude do patriarca de Lisboa, que se apressou a reconhecer a República. O rei segue para Inglaterra com o título de Duque de Bragança. — Os jornais de Buenos Aires publicam telegramas noticiando ter o Brasil reconhecido a novel República, havendo festas por este motivo. E nós aqui sem saber disso. — Alguns jornais de Lisboa pedem que o governo castigue os que pertenceram ao gabinete presidido pelo Dr. João Franco, que são qualificados pelos referidos jornais, de ladrões e assassinos. Acrescentam que a dignidade nacional exige que se inflija naqueles personagens um castigo exemplar. www.clepul.eu


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— O governo provisório declarou que os padres dominicanos irlandeses e as monjas da mesma nacionalidade ficam excetuadas do decreto de expulsão em vista dos valiosos serviços que prestam à instrução. Dizem que o governo adotou esta resolução a fim de obter as simpatias da Inglaterra.

A situação em Portugal19 _________________ Revolução e República _________________ Os acontecimentos. Pormenores _________________ Antecedentes _________________ As cartas políticas de João Chagas _________________ Notícias do estrangeiro _________________ ÚLTIMAS NOTAS — (Dos jornais do Rio e do Prata) — Continuamos a seguir a publicação da carta de João Chagas à Liga Monárquica, ontem começada: [. . . ] — É fora de dúvida que, se a República Portuguesa se consolidar, isto é, se não se der uma contrarrevolução, o governo provisório procurará reunir o parlamento, em assembleia constituinte, que será de resto, a forma positiva e 19

Eco do Sul, Rio Grande, 21 de outubro de 1910, ano 56, n.o 240, p. 2.

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única de normalizar a vida política do país. Só essa assembleia, portanto, especialmente eleita, resolverá acerca dos moldes em que assentará o novo regime. Pelas tradições, porém, do partido republicano, e pela educação política do povo português, desde que em 1833 foi proclamada a Monarquia constitucional, Portugal só poderá ter uma República parlamentar, mais ou menos semelhante à francesa. Era essa a orientação a que obedeceram Latino Coelho, Oliveira Marreca, Sousa Brandão, Elias Garcias e outros homens eminentes do partido republicano, já falecidos; e nela também se educaram Manuel de Arriaga, Consiglieri Pedroso, etc. É certo quer o Dr. Teófilo Braga, chefe do governo provisório da República, foi sempre apologista da união ibérica, sob a forma de federação de Estados, em que a Espanha entraria, desmembrando-se os seus amigos reinos de Castela, Leão, Galiza, Catalunha, etc. Para se constituírem em Estados que formariam a federação com Portugal. Magalhães Lima é igualmente partidário da federação ibérica, e tem um livro publicado em sustentação dessa doutrina. Deve-se, porém, dizer que a maioria do partido republicano repeliu sempre esses planos, que aliás recebiam aplausos dos republicanos espanhóis, e seria desconhecer o sentimento português, sempre altivamente patriota, para supor que aplausos aparecessem agora às antigas teorias do Dr. Teófilo Braga, Pelo exposto, e se não sobrevierem incidentes de que a nascente República não está ainda isenta, julgamos poder afirmar que a República Portuguesa será parlamentar. — O conselheiro Teixeira de Sousa, que se diz ter conseguido fugir de Portugal, é um homem que pelos seus talentos e rara energia parecia destinado a amparar, com alguma firmeza, o trono vacilante do jovem rei D. Manuel. A verdade é que, nos curtos dias do seu governo, o conselheiro Teixeira de Sousa se afirmou um espírito altamente liberal. As últimas eleições o confirmaram. Os jornais de todas as cores políticas, mesmo no mais violento das discussões, não exibiram uma prova valiosa de que a verdade das urnas fora falseada. www.clepul.eu


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Aqueles 14 deputados republicanos eleitos e aquela oposição total de 45 representantes dos partidos adversos são o mais evidente atestado que o governo presidido pelo conselheiro Teixeira de Sousa cercou a liberdade das urnas. Por outro lado, os seus trabalhos de governo, no sentido de estabelecer a obrigatoriedade do registo civil, e de compelir as congregações de frades e de jesuítas, todos estrangeiros, ao respeito pelas leis do país, respondendo assim a instantes clamores da opinião pública e principalmente dos republicanos dizem que o intuito do príncipe ministro do rei era servir lealmente ao seu país. Assim, arrancado violentamente ao governo, o Sr. Teixeira de Sousa goza do prestígio que os seus derradeiros atos lhe deram, e a simpatia que vai cercá-lo no exílio, se de fato voluntariamente se exilou. — Realiza-se no próximo domingo em Montevideo um grande banquete para festejar a proclamação da República em Portugal. O banquete é promovido pelos estudantes, com o concurso de diversos membros da colônia portuguesa e de outras pessoas distintas. — O Grande Oriente Argentino e todas as lojas maçônicas de Buenos Aires e das províncias enviaram telegramas felicitações à Maçonaria Portuguesa pela vitória da causa republicana e pela atitude do governo provisório na questão religiosa. — A Federação Republicana Espanhola, com sede em Madrid, enviou um longo e cordial telegrama ao Dr. Teófilo Braga, Presidente da República Portuguesa, felicitando-o e ao povo português pela implantação do novo regime em Portugal e fazendo votos para que muito em breve o povo espanhol possa ver a República triunfando em toda a Península Ibérica. www.lusosofia.net


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Reto Monico e Francisco das Neves Alves —

O governo provisório recebeu um telegrama do Foreign Office (ministério das relações exteriores de Londres), comunicando que o Sr. D. Manuel de Bragança será recebido naquela cidade como simples particular, não lhe sendo prestadas honras algumas especiais, a que de resto nenhum direito tem. — O governo provisório da República Portuguesa resolveu abolir a enorme quantidade de feriados anuais, instituídos pela Monarquia derrubada e declarar apenas dias de gala nacional os seguintes: 1o de janeiro (Ano Bom); 31 de janeiro (aniversário da revolução republicana no Porto); 5 de outubro (fundação da República Portuguesa); 1o de dezembro (aniversário da revolução restauradora de 1640) e 25 de dezembro (festa da família). — Foi passada desta cidade o seguinte telegrama, ontem: «Doutor Teófilo Braga, presidente República, Lisboa. – Centro Republicano Português congratula-se heróis revolução proclamação República – Freitas Costas, presidente.»

A situação em Portugal20 _________________ Revolução e República _________________ Os acontecimentos. Pormenores _________________ Antecedentes 20

Eco do Sul, Rio Grande, 22 de outubro de 1910, ano 56, n.o 241, p. 2.

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_________________ As cartas políticas de João Chagas _________________ Concluímos carta de João Chagas dirigida à Liga Monárquica em janeiro do ano passado. [. . . ] — É concebida nestes termos a mensagem que o rei D. Manuel, como dizem, dirigiu ao governo provisório: «Devido a circunstâncias imperiosas, sou obrigado a embarcar para o estrangeiro. Desejo, porém, informar ao povo de Portugal que a minha consciência está tranquila. Sempre procedi como um verdadeiro português; sempre cumpri fielmente o meu dever. Continuarei sempre amando a minha pátria, esperando que ela faça justiça aos meus sentimentos. A minha partida não significa de todo um ato de abdicação. — Nos círculos do governo provisório assegura-se que os ataques aos conventos foram organizados pelos próprios clericais, a fim de alterar a ordem pública e provocar a tropa a desacreditar a República. Tinha com isso o intuito de provocar uma jornada sanguinolenta e a intervenção das potências. Só assim se explica o fato de existirem bombas nos conventos. — O Daily Mail noticia na sua última edição que os bens de D. Manuel serão confiscados pelo governo provisório, dando-lhe somente uma pensão. Serão respeitados, porém, os bens de D. Amélia. — www.lusosofia.net


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É dos telegramas do Morning Post a notícia de que militares e civis em Lisboa descobriram que os frades jesuítas nos subterrâneos conversavam com os outros presos, dizendo que a resistência oferecida explica a confiscação dos bens religiosos, de que resultará um movimento que trará a posse ao governo provisório de riquezas enormes. Estas riquezas compreendem vastas propriedades, numerosos castiçais, cálices de ouro e prata, pedras preciosas, vastas adegas com vinhos velhíssimos, de grande valor.

A situação em Portugal21 _________________ Revolução e República _________________ Os acontecimentos. Pormenores _________________ Notícias do estrangeiro _________________ Os jornais Le Matin, Le Journal, Le Figaro e L’Écho de Paris publicam detalhadas correspondências dos seus enviados especiais a Lisboa. Dizem eles que o fanatismo dos soldados e da população levou-os a penetrar no convento, destruindo móveis e altares, rasgando missais valiosos, exornados de iluminuras de grandes artistas portugueses e estrangeiros, roubando toalhas valiosas e vestindo hábitos sacros, fingindo missas grotescas. Resumindo essas narrativas, os correspondentes desses jornais dizem que tais cenas selvagens foram indignas de um povo civilizado que, aliás, se mostrara tão digno, dias antes, ao proclamar a República. A expulsão das freiras dos conventos respectivos ocasionou vaias monumentais, sendo expostas as pobres moças aos maiores vexames e grosserias da população, reparadas de seus parentes que as poderiam proteger. Um desses jornalistas, o Sr. Jules Herdman, do Matin, diz ter visto uma mocinha que fora posta em um convento, arrancada aos seus parentes e 21

Eco do Sul, Rio Grande, 24 de outubro de 1910, ano 56, n.o 242, p. 2.

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seguir para o Arsenal, a fim de partir para o exílio, juntamente com outras meninas inocentes, consideradas inimigas da República. O Sr. Herdman inquire narrando estes fatos, onde estava o ministro do Brasil, Sr. Costa Mota, nessa ocasião, que não pode evitar a selvageria cometida contra uma brasileira. Dizem os jornalistas parisienses que o magnífico Convento de Mafra sofreu também pilhagem, depois da partida da família real, que ali estivera, antes de ir para Ericeira embarcar no iate Amélia. Todos os conventos de Lisboa estão ameaçados de perder as suas grandes e preciosas riquezas artísticas acumuladas durante séculos, constituindo a grandeza artística de Portugal. O jornalista Herdman conclui a sua notícia dizendo que constrange o coração dos amigos de Portugal o espetáculo deste anticlericalismo selvagem e espera o apelo dos portugueses residentes no Brasil para o governo provisório, pedindo-lhe que faça cessar essa barbárie indigna de uma revolução que triunfou em nome da República. — Telegramas de Lisboa noticiam que o colégio dos jesuítas de Campolide foi completamente saqueado, achando-se vários jesuítas gravemente feridos sem que nenhuma morte houvesse. Os telegramas acrescentam ainda correr em Lisboa o boato de que foram massacrados pela população muitos jesuítas expulsos que se dirigiam à estação da estrada de ferro, após se evadirem do mosteiro que incendiaram. Segundo esse boato, todos os frades teriam perecido, havendo cenas espantosas de carnificina. — [. . . ] O cônsul português em Fortaleza, capital do Ceará, Sr. João de Medeiros, hasteou na sacada do consulado a bandeira da Monarquia Lusitana, declarando às pessoas que o procuraram por estranharem o fato, que não acreditava que a República esteja definitivamente estabelecida em Portugal.

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A situação em Portugal22 _________________ Revolução e República _________________ Os acontecimentos. Pormenores _________________ Notícias do estrangeiro No Rio, foi publicado o seguinte: «O Grêmio Republicano Português do Rio de Janeiro vem dirigir aos seus compatriotas residentes nesta capital, palavras de paz. Desde muitos anos que um duelo político se vinha travando entre portugueses. De um lado, os monarquistas, detentores do poder, defendiam o trono; do outro lado, os republicanos, convencidos da necessidade de regenerar a pátria decadente e adormecida, pugnavam pelas suas ideias. A luta, que ao princípio se limitara ao território nacional, atravessou o oceano e foi-se estendendo a cada palmo de terra onde acaso um português existia. Nem o Brasil, terra de trabalho, escapou. Aqui, abrigados pela generosa hospitalidade brasileira e protegidos pelas leis liberais desta República, se vinham acoitar os perseguidos do regime monárquico, aqueles que, na luta, eram vencidos singularmente, mas que, com o seu sacrifício pessoal, eram um exemplo vivo do valor cívico do cidadão lusitano. O seu esforço juntava-se ao dos outros, daqueles que aqui tinham a noção nítida das necessidades da pátria distante. No homizio, forçado ou voluntário, a que se sujeitavam uns e outros, o seu ardor não desfalecia, antes se retemperava pela persistente adversidade, como acontece às almas fortes. Sempre procedemos com lealdade e firmeza; nunca faltamos ao respeito aos poderes constituídos do Brasil, antes, por vezes, fomos vítimas da injúria, da calúnia e até da agressão pessoal, aliás, dignamente repelida, exercida contra nós por dementados compatriotas, cegos de espírito. Pois bem. Agora somos a Força, não porque ela resida em Portugal, mas porque a sentimos à volta de nós, nesta deliciosa carícia brasileira, nesta espontânea amizade, que tão perdulariamente nos compensa das amarguras 22

Eco do Sul, Rio Grande, 25 de outubro de 1910, ano 56, n.o 243, p. 1 e 2.

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do passado. Essa força nos leva a propor a paz, certos de que esta proposta não pode agora ser interpretada. A nação portuguesa, na lauta política, decidiu-se pela República contra a Monarquia. Nós, que triunfámos, estendemos a mão lealmente aos vencidos, lembramos-lhes que todos somos portugueses, que já não há motivos para que homens de boa fé, nascidos na mesma terra, se digladiem em lutas estéreis, e que o dever de nós todos, republicanos e monárquicos, é trabalharmos honestamente, no legítimo uso dos nossos direitos políticos e sociais, pela grandeza de Portugal de lá, pela grandeza do Brasil, modalidades aparentemente distintas de uma mesma e única nacionalidade, aquela que essencialmente reside no coração de todos nós. Certamente que isso não representa a abdicação das ideias políticas da cada um. O monarquista português sincero é para nós tão respeitável como o republicano ardente e entusiasta. Mas que cada português se examine conscienciosamente a si próprio e se decida, como patriota e como cidadão. Anos e anos a Monarquia Portuguesa se debateu em dificuldades de toda a ordem absolutamente insolúveis. O governo provisório da República Portuguesa, em seis dias, resolveu, apoiado na vontade da nação, as principais aspirações nacionais. Os frades foram expulsos; os refratários do exército e da armada, velha aspiração, e tantos compatriotas residentes no Brasil, foram anistiados: os bens do Estado, de que a coroa indebitamente se apoderara, são restituídos ao seu legítimo possuidor, a nação; as companhias exploradoras dos monopólios são obrigadas a facilitar a vida das classes populares, cumprindo os contratos legais e desistindo de velhos e inveterados abusos. Dentro de três meses a limpeza estará feita e a nação, entregue a si própria, marchará para o futuro, guiada pela divisa inscrita na sua bandeira – ordem e trabalho. Que a paz se faça, portanto, se é essa a vossa vontade: Que a paz se faça, que todos somos portugueses – O Grêmio Republicano Português. ____ Notas impressionistas de um repórter do Século, numa rápida passagem através das ruas de Lisboa – Que se passou em Lisboa logo que a República foi proclamada na Câmara Municipal? Dificilmente se poderá descrever essa www.lusosofia.net


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epopeia heroica, esse colossal, grandioso, extraordinário delírio de entusiasmo. Sentia-se respirar mais forte, pressentia-se que os peitos arfavam com mais desafogo, que as almas e os corpos pareciam rejuvenescer, vibrar, encarar a situação com uma ânsia intraduzível e que ninguém nesta hora bendita, poderia, com calma, fazer reproduzir nestas linhas nervosas, de espaço a espaço, regadas com lágrimas de contentamento e de comoção. É que nenhum coração de português, de cidadão livre, pode, de ânimo leve, neste momento, dizer tudo quanto desde a madrugada de anteontem se desenrolou nesta cidade linda, neste abençoado reduto da Liberdade. Tentar, portanto, descrever a jornada de ontem, é tão difícil como fazer já a oira desta monumental revolução. O que sabemos, e isso pode o leitor verificá-lo, é que jamais se verá brilhar tão resplandecente um sol como o de ontem, encarar com tamanha coragem a luz brilhante que iluminou tantas almas, receber a brisa fagueira que parecia ter vindo de propósito para fazer flutuar com mais galhardias os muitos pavilhões republicanos hasteados por toda Lisboa, a autenticarem o nosso triunfo, a garantirem a nossa independência. Assim, ao atravessar as ruas da cidade baixa, vendo-as coalhadas de mulheres e de crianças, de velhos e de rapazes, gente humilde e gente remediada, chegamos a julgar-nos transportados a uma terra ideal, a um Eden estranho e desconhecido. Ninguém diria que uma revolução formidável tinha acabado de destruir, de há nada, um regime podre e crapuloso, substituindo-o por uma aurora nova de Liberdade, tal era a confiança, a tranquilidade com que todos, à porfia, pareciam desentranhar-se em mostrar o seu entusiasmo, a sua louca alegria. De quando em quando, caras sujas pela pólvora surgem das esquinas; grupos armados, manejando espingardas e carabinas com decidida audácia, perpassam em ar marcial; montes de cidadãos, rubros de tantos aclamarem a República triunfante, ostentam e desfraldam bandeiras verdes e vermelhas; punhados de rapazinhos, de pés descalços e fatos esburacados, gritam alto o seu contentamento; carruagens transportando revoltosos, ainda equipados, cruzam-se por toda a parte, levantando bandeirolas e espingardas; raparigas que trabalham, as humildes costureiras dos ateliers, de braços dados, laços de cores republicanas no peito, não se furtam a juntar os seus aplausos e vivas às multidões que passam às forças que sobem as calçadas entre as aclamações ruidosas e quentes dos que os vêm caminhar ao longo dos passeios.

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Pelas janelas, em toda a parte, nos bairros ricos como nos bairros pobres, nessa Alfama e Mouraria de velhas tradições, no Chiado, nas ruas que desembocam no Rossio, e nesta vasta praça, teatros da consumação de uma gloriosa vitória, tudo aplaude e vibra, todos aclamam as bandeiras que se ostentam por todos os lados, desde os andares nobres às desconfortáveis trapeiras dos telhados.

Telegramas Serv. Esp. Do Eco do Sul A REPÚBLICA EM PORTUGAL Decretos dos governo provisório O reconhecimento pelo Brasil VÁRIAS NOTAS23 RIO, 25: Carlos Mota, ministro de Brasil em Lisboa, comunicou ao Dr. Bernardino Machado, ministro do Exterior de Portugal, que o Brasil, reconhecerá a República de Portugal. — RIO, 25: Foi verificado um desfalque de meio milhão de francos na Casa de Moeda de Lisboa. — RIO, 25: O governo provisório informou que a dívida externa do país atinge a 98.000 contos. — 23

Eco do Sul, Rio Grande, 25 de outubro de 1910, ano 56, n.o 243, p. 2.

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RIO, 25: O comissário Machado Santos, que tanto se salientou durante a revolta, foi agraciado com a ordem da Torre e Espada e com uma pensão de um conto de réis anual. — RIO, 25: A Guarda Municipal recomeçou a fazer o patrulhamento de Lisboa e Porto. — RIO, 25: Foi demitido o secretário da legação desta capital. — RIO, 25: Asseguram que a França, Inglaterra e a Espanha entraram num acordo para propor às potências o reconhecimento do novo regime logo que o governo republicano receba sanção constitucional. — RIO, 25: A eleição da constituinte republicana se realizará em janeiro do ano próximo, sendo adoptado o sistema do sufrágio direto. — RIO, 25: O Dr. Bernardino Machado esteve na casa do Dr. Costa Mota, ministro do Brasil em Lisboa, agradecendo o reconhecimento. — www.clepul.eu


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RIO, 25: O governo provisório de Portugal mandou processar o pároco de Torres Vedras por ter, no púlpito, atacado o novo regime. — RIO, 25: Consta que D. Manuel e D. Amélia irão residir na Bélgica. — RIO, 25: Em Lisboa e nas províncias do ultramar foram realizados bandos precatórios para auxiliar as vítimas da revolução. Por ocasião da passagem do bando pela rotunda da Avenida da Liberdade, a multidão que ali estacionava descobriu-se ante a bandeira republicana. Ao frontear o edifício da legação brasileira, a multidão aclamou com delírio o Brasil, vivando o Dr. Nilo Peçanha, barão de Rio Brando e o Dr. Costa Mota. As bandas executaram o hino brasileiro e a marcha republicana portuguesa. — RIO, 25: Foi extinta a faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra, sendo abolidos os foros acadêmicos e os juramentos dos alunos e lentes, e criados cursos livres

A situação em Portugal24 _________________ Revolução e República _________________ 24

Eco do Sul, Rio Grande, 26 de outubro de 1910, ano 56, n.o 244, p. 2.

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Os acontecimentos. Pormenores _________________ O Dr. Miguel Bombarda _________________ O seu assassinato _________________ COMO SE DEU O FATO O assassino é um louco Palavra da vítima _________________ Notícias do estrangeiro _________________ As primeiras notícias que aqui correram dos sucessos de Portugal davam como os ter precipitado o assassinato do Dr. Miguel Bombarda, quando aquele fato não se pode prender, de forma alguma, os acontecimentos que deram com o trono em terra. O Diário de Notícias, de Lisboa, depois de ter, na sua edição de 4 corrente, traçado a biografia do professor Miguel Bombarda, diz o seguinte em relação ao trágico fim do ilustre homem de ciência: [. . . ] — O governo provisório da República mantém ainda a mais severa censura telegráfica, não permitindo, por vezes, a transmissão dos mais insignificantes despachos. Esta atitude é determinada pelo abuso de alguns correspondentes de jornais estrangeiros que têm transmitido para os seus jornais notícias falsas. — Sabe-se com segurança que a maçonaria tomou parte muito ativa na revolução que proclamou a República em Portugal. — www.clepul.eu


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Graças às medidas tomadas pelo governo provisório, foi suficiente o levante dos estudantes de Coimbra contra os lentes reacionários cuja demissão pretendiam, por causa das suas doutrinas realistas. Para reforçar a guarnição desta cidade, foi enviado o regimento de infantaria 23. A cidade voltou à sua calma, devendo principiar desde já todos os cursos, à exceção do de direito. — Telegrafam de La Spezia dizendo que o rei Vítor Emanuel foi ao encontro de sua tia, D. Maria Pia, a bordo de uma lancha a vapor, na qual, descendo do couraçado Regina Elena, tomou lugar a ex-rainha de Portugal. O encontro entre a velha princesa de Saboia e o seu sobrinho foi comovente. Em terra, esperavam-na a rainha Helena e os principezinhos, seguindo todos para San Rossore. A recepção foi essencialmente íntima. O couraçado Regina Elena, após o desembarque de D. Maria Pia, partiu de novo. — Comunicam de Plymouth que desembarcaram naquele porto do iate real Victoria and Albert el-rei D. Manuel, a rainha D. Amélia e o príncipe D. Afonso. O desembarque efetuou-se às 5:45 da tarde, sem incidente. Os soberanos decaídos foram recebidos por uma camarista do rei Jorge V («lord in Waiting»), pelo embaixador de Espanha, Sr. Ramirez de Villa Urrutis, o marquês de Soveral, ex-ministro português na Inglaterra, e o duque de Orléans, tio de D. Manuel II. O retardamento do desembarque dos soberanos destronados foi para esperar-se aquelas personagens que iam a Plymouth especialmente para receber os príncipes portugueses.

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A situação em Portugal25 _________________ Revolução e República _________________ Os acontecimentos. Pormenores _________________ MANUEL DE ARRIAGA _________________ A bordo do D. Carlos _________________ Notícias do estrangeiro _________________ Manuel de Arriaga deve ter hoje 70 anos de idade. Descendente de uma família ilustre pela posição social e pela soma de serviços prestados ao país, Manuel de Arriaga, fidalgo por linhagem, nobre pelo sangue e aristocrata por educação, deixou-se atrair pelo ideal democrático e, ao sair de Coimbra, formado em direto em 1866, começou uma vida de trabalho e de tortura, advogando, lecionando e combatendo, com uma nobreza sem igual, todos os processos e alicantinas dos diferentes partidos que em Portugal viviam à sombra da proteção dos reis. A sua figura no partido republicano, uma das mais lídimas, impõe-se à veneração de todos, porque a larga folha de serviços que Manuel de Arriaga lhe tem prestado, por si só é um glorioso resumo histórico do republicanismo português, de que ele foi o precursor com Antero de Quental e José Fontana, então imbuídos do ideal socialista. No Centenário de Camões, na campanha de Lourenço Marques e nas festas pombalinas, a sua reputação cresceu grandemente. Eleito deputado republicano pelo Funchal, em 1821, foi um lutador sempre na brecha, sempre em evidência, como o havia sido sempre nos comícios, nas conferências, nos Congressos. Os seus ataques, em 1884, ao ministério de Lopo Vaz por causa dos fuzilamentos do Funchal, e, em 1890, já quando deputado de Lisboa, a Mariano 25

Eco do Sul, Rio Grande, 27 de outubro de 1910, ano 56, n.o 245, p. 1 e 2.

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de Carvalho, o seu grande papel de orador sincero e empolgante por ocasião do Ultimatum, traduzindo em discursos admiráveis a dor e a vergonha da pátria, a sua prisão em 11 de fevereiro de 1890 a bordo do Vasco da Gama e, finalmente, o seu alto papel político daí por diante, tudo fez do ilustre chefe republicano uma nobre relíquia do partido, o seu verdadeiro e legitimo patriarca. E ainda hoje, pobre, carregado de filhos e se é certo que tem, como advogado, uma grande clientela, não é menos certo que da sua profissão pouco ou nada tira. Conta-se a propósito dessa honrada pobreza, que o rei D. Luís, conhecedor do projeto do Manuel de Arriaga sobre a reforma da instrução secundária, lhe escrevera, convidando-o para lhe lecionar os filhos. Sabia-o jacobino, sabia-o intransigente, mas mesmo assim o rei fazia empenho em que ele fosse o mestre dos príncipes. Pois bem, o velho republicano, que talvez nesse dia não tivesse com que acudir às despesas da casa, escusou-se com um requinte de gentileza, não aceitando o convite. Este nobre gesto de Manuel de Arriaga dá bem a ideia exata da independência e sobranceria do seu espírito e contrasta admiravelmente com o procedimento de tantos políticos adiantados que, para se bandear, apenas aguardavam um simples aceno do paço . . . O governo provisório da República, nomeando-o reitor da Universidade de Coimbra, comete um ato de inteira justiça. — Já dissemos que a guarnição do D. Carlos, contida em respeito pelo comandante e respectivos oficiais, ficara impedida de prestar auxílio útil a dois cruzadores Adamastor e S. Rafael, no início da revolta. A bordo havia, na noite de segunda para terça-feira, umas 50 praças, com o primeiro sargento João Duarte Gilberto, que tinha entendimento com os iniciadores da revolta, e uns 20 oficiais, entre os quais o comandante, contra-almirante Álvaro Ferreira; imediato, capitão-tenente António Rodrigues; primeiro-tenente Durão de Sá e segundos Filemon e Costa. Armados com as novas pistolas automáticas Parabellum, os referidos oficiais, tendo conseguido fechar os paiois e os armeiros, mantiveram-se a ré, www.lusosofia.net


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enquanto toda a guarnição permaneceu à proa, não se alternando a situação, durante toda a noite, de 3 e 43, até às 6 horas da tarde. Por essa hora, e depois do jantar dos oficiais, aproximou-se do D. Carlos um vapor do Arsenal, levando a bordo muitos populares armados, acorrendo a oficialidade à amurada, de pistola em punho, e intimando o Sr. Álvaro Ferreira e os do vapor a que não atracassem. Não foi, porém, obedecido, razão porque os oficiais do D. Carlos fizeram logo fogo, logo correspondidos pelos do vapor, que sem demora, atracaram ao cruzador e o invadiram, fraternizando com a guarnição e atacando ato contínuo a oficialidade. Nessa escaramuça, ficaram gravemente feridos, com uma bala sobre o queixo, o Sr. Álvaro Ferreira: com duas, uma na clavícula direita e outra no pulmão correspondente, o primeiro-tenente Marta; e com a coxa esquerda varada e escoriações no joelho, o imediato Rodrigues. A rendição da oficialidade tornou-se então um fato e logo foi arvoada a bandeira republicana, sendo permitido o desembarque aos oficiais que não quisessem aderir ao movimento, à exceção de um segundo-tenente que ficou a comandar o navio. Foram também transportados ao arsenal e daí ao hospital da marinha, os oficiais feridos. Durante a noite, os torpedeiros números 1, 2 e 3, mascarados pelo Berrio, pretenderam atacar o D. Carlos, mas, sendo o Berrio descoberto pelos holofotes do cruzador, foram contra eles disparados dois tiros com as peças de 12c., o segundo dos quais o atingiu, motivo porque logo içou bandeira branca. Quando, porém, o Berrio retrocedia, descobria os torpedeiros, ainda a distância de não poderem torpedear o D. Carlos, continuando contra estes os tiros com peças de 12c. Um dos tiros atingiu um dos torpedeiros que, com grande avaria, foi provocado pelo Berrio, ao passo que os dois outros retiravam a toda força. Toda a noite se esteve a bordo com ativa vigilância, pois se receava nova tentativa da parte dos torpedeiros; mas só apareceu o Berrio, que, sempre com bandeira branca, foi amarrar à boia.

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A República em Portugal26 Prisão A liberdade de imprensa – Outras notícias. Rio, 28: A Lisboa chegou preso o ex-capitão Homem Cristo, diretor do jornal Povo de Aveiro, cuja publicação o governo mandou suspender. — Rio, 28: No próximo despacho do governo provisório será apresentado o projeto regulando a liberdade de imprensa. — Rio, 28: Afirmam que o Brasil consentiu em servir de intermediário perante os Estados Unidos de América do Norte no sentido deste país reconhecer a República portuguesa. Consta que o presidente dos Estados Unidos da América do Norte, William Taft, é de opinião que se deve aguardar a atitude das potências.

A situação em Portugal27 _________________ Revolução e República _________________ Últimas notícias _________________ Na imprensa do Rio, encontramos com a data de 22 as seguintes notícias em torno dos acontecimentos em Portugal: 26 27

Eco do Sul, Rio Grande, 28 de outubro de 1910, ano 56, n.o 246, p. 2. Eco do Sul, Rio Grande, 29 de outubro de 1910, ano 56, n.o 247, p. 1

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Corre o boato de que na próxima Assembleia Constituinte os vultos em evidência do partido republicano se extremarão e, segundo o mesmo boato, o Sr. António José de Almeida, atual ministro do Interior, tomará a chefia do Partido Socialista de ideias avançadas. — As Igrejas Protestantes do norte do país felicitaram o Dr. Teófilo Braga, chefe do Governo Provisório, pelas medidas contra as corporações religiosas. Numerosos advogados cumprimentaram o ministro da Justiça pelo mesmo motivo — O Núncio Apostólico, Monsenhor Júlio Tonte, partiu para Paris. — Ao que consta, serão conservadas na nova bandeira da República as cores azul e branca adaptando-se a essas as cores verde e encarnadas. — O Bispo de Lamego, D. Vieira e Brito, aderiu à República. — O Sr. Ramalho Ortigão pediu demissão do lugar oficial da secretaria da Academia de Ciências, que exercia há 42 anos. Os acadêmicos lamentando a inabalável resolução do Sr. Ramalho Ortigão, resolveram elegê-lo sócio efetivo da Academia. — Vai ser expedida uma portaria suspendendo a temporalidade do Bispo de Beja e submetendo-o aos tribunais em caso de criminalidade. www.clepul.eu


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— O ministro do interior, Sr. António José de Almeida, deu conta ao governo do resultado da sua missão a Coimbra e propôs grandes economias nas despesas do seu ministério. — Os proprietários e moradores dos prédios vizinhos ao do quartel de artilharia pediram ao governo indenização pelos prejuízos que lhes causou a revolução. — Reina completo sossego em todo o país. — O escritor Anatole France, analisando a situação em Portugal, aconselha aos portugueses a seguir o exemplo do Brasil, separando a Igreja do Estado. Só assim, os republicanos aprenderão como um governo moderno pode estabelecer a paz religiosa, fundada na liberdade de consciência. — A Chancelaria de Londres propôs às potências que todos os governos reconheçam simultaneamente a República em Portugal. A referida proposta foi acolhida favoravelmente por todas as Chancelarias. O governo alemão, respondendo à nota inglesa, declarou que em princípio estava em perfeito acordo. — O Giornale d’Italia publicou minuciosa narrativa da viagem da Rainha Maria Pia. A bordo do couraçado Regina Elena, a Rainha convidou alternativamente a todos os oficiais para almoçar e jantar em sua companhia. Falou-lhe sempre afetuosamente da Itália, silenciando sobre os últimos sucessos de Portugal. D. Maria Pia queixou-se apenas de abandonar a sua pátria adotiva depois de 40 anos. www.lusosofia.net


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Reto Monico e Francisco das Neves Alves —

Em editorial, o Figaro dedica um longo artigo à individualidade de Teófilo Braga, assinalando as suas qualidades excecionais. Diz esse que o Dr. Teófilo Braga tem publicados oitenta volumes, sem jamais receber os direitos de autor, fato de que só há um exemplo único, no resto do Mundo, em Tolstoi. Continuando diz o artigo que Portugal mostra ao mundo o fenômeno isolado de um chefe de Estado que, todas as tardes, depois do expediente, regressa à sua modesta residência, em uma casa de campo, transportando-se em vagão de 2a classe. Telegramas de Lisboa referem que a adesão do Patriarca dessa Capital à República, indignou profundamente o Papa que o demitiu, mandando submetê-lo a julgamento na Congregação. — Telegramas de Lisboa afirmam que já sobe a muitos contos a subscrição nacional aberta para o pagamento a dívida externa de Portugal. Alguns jornais parisienses, comentado isto que chamam «estes liberalíssimos ideólogos», perguntam se estará fundada no Tejo a República de Platão.

A situação em Portugal28 _________________ Revolução e República _________________ Últimas notícias _________________ Em 16 do corrente completou 53 anos de idade a ex-rainha senhora D. Maria Pia de Saboia, filha do rei da Itália, viúva do rei D. Luís I, e avó do senhor D. Manuel de Bragança. 28

Eco do Sul, Rio Grande, 31 de outubro de 1910, ano 56, n.o 248, p. 2.

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Quis o destino que fosse passar este seu 63o aniversário no exílio, em Gibraltar, possessão inglesa encravada em Espanha, donde embarcou em 17 para o país onde nascera. A Senhora D. Maria Pia, casara em 1862, com 15 anos de idade, havendo do seu consórcio somente dois filhos, D. Carlos, que depois sucedeu ao pai no trono e o senhor D. Afonso Henriques, que era herdeiro presuntivo da coroa, na falta do senhor D. Manuel. A senhora D. Maria Pia vivia, pois, em Portugal, há 48 anos. — Nenhum jornal inglês consagra artigo editorial à chegada de D. Manuel de Bragança; apenas no noticiário alguns jornais fazem boas referências ao desembarque, salientando todos o caráter estritamente privado que teve a recepção. Alguns jornais acham mesmo que o governo forçou um pouco a nota, fazendo sentir demasiadamente que o Sr. D. Manuel não era mais rei. Quanto ao fato de ter o iate, que o conduziu, ficado muitas horas cruzando diante de Plymouth, a fim de só entrar depois do sol posto, – alguns jornais pretendendo negá-lo, dizendo que houve confusão com outro navio, mas o Daily News, órgão governista, publica, uma nota semi-oficial, dizendo que o almirantado enviara um radiograma ao comandante do iate, ordenando-lhe que só entrasse depois do sol posto. Esta resolução do almirantado foi tomada por três razões: – 1a , para poupar ao Sr. D. Manuel o vexame da curiosidade pública; 2a – porque a polícia julgou preferir o desembarque à noite, para melhor garantir a família deposta; 3a – porque desse modo ficou eliminada a questão internacional a propósito das salvas. — Continua a discussão nos jornais de Lisboa sobre a nova bandeira. Foi nomeada uma comissão para dar o seu parecer. Guerra Junqueiro é de opinião que nela devem ser conservadas as cores azul e branca. Diz que o branco simboliza a inocência e a candura da unanimidade do povo português, a pureza da virgindade; e o azul é a cor do céu e do mar, lembra a imensidade, a bondade infinita e a alegria simples. www.lusosofia.net


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O fundo da alma portuguesa, termina o grande poeta – é azul e branco. Segundo opinião da comissão encarregada de estudar o assunto relativo à bandeira da República Portuguesa, parece que não será dotada a atual verde e vermelha, que serviu ao movimento revolucionário. É quase certo que serão conservadas as cores azul e brancas.

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ARTISTA Mesmo após o encerramento da crise revolucionária que marcou os anos iniciais da República, o Artista buscou manter seu discurso voltado à imparcialidade e à independência quanto aos partidos políticos. O jornal afirmava que «a paixão partidária» não exercia qualquer tipo de influência no seu «espírito e desejo manifesto de conciliação da família rio-grandense» (6/4/1896), procurando também garantir que era um convicto defensor dos ideais republicanos (21/8/1896). Além de destacar que se constituía numa «folha independente, sem filiações de partidarismo» e «fora da órbita onde giravam as paixões em excesso», colocava-se como uma publicação «dedicada ao progresso da terra rio-grandense, lutando pelas causas que mais a interessavam e dignificavam» (15/9/1898). O periódico criticava os procedimentos da «imprensa partidária que levava a vida a atirar insultos e a só dar as notícias que favoreciam os seus ideais» (31/5/1900), uma vez que considerava a imprensa como a «mantenedora da ordem», a qual devia «esforçar-se por educar o povo nos nobres princípios da obediência à lei e do respeito pelos direitos humanos» (14/12/1900). Desde 1901, o Artista sofreu vários revezes, passando por uma fase de ampla indefinição editorial, chegando mesmo a voltar-se para temáticas vinculadas ao operariado, quase que como uma volta às suas origens, na época em que era um «semanário dos artífices», com amplas preocupações com as causas dos trabalhadores. A própria redação reconhecia as dificuldades, afirmando que o periódico atravessava «um


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sem número de obstáculos cada qual mais terrível» e que só «lutando titanicamente contra os escolhos de uma existência tormentosa», era conseguida a manutenção da sua circulação (15/9/1902). Foram várias as tentativas de mudanças, com o anúncio de «novas fases», no recorrente intento de modernizar-se, chegando inclusive a ocorrer a inserção de fotografias e caricaturas em suas páginas, em projetos extremamente fugazes. A situação viria a piorar a partir da troca de proprietários, pois o novo dono da folha optou por lançá-la abertamente nas disputas políticas, colocando-a inteiramente a serviço de seus interesses partidários e pessoais. A retomada dos veementes pronunciamentos político-partidários veio a representar um rompimento com as constantes tentativas que o jornal buscara manter, durante a última década, de modernizar-se e adaptar-se ao jornalismo de então, predominantemente noticioso e com uma conduta de suposta neutralidade e equidistância quanto aos partidos políticos. A crescente concentração das atividades jornalísticas, quando só permaneceram os periódicos melhor organizados, apanharia o Artista em uma de suas mais graves crises, sendo que o número de anúncios publicados era cada vez mais reduzido e, com a retomada do embate partidário, a quantidade de publicidade reduziu-se drasticamente. Após quase meio século de vida este seria o triste fim do diário rio-grandino, que deixou de circular a 21 de agosto de 1912. A transição Monarquia – República em Portugal aconteceria bem em meio ao agravamento da crise do Artista, que se via em meio a indefinições editoriais, precariedades de ordem econômica e tentativas de adaptação às novas tendências do jornalismo brasileiro. Tais contingências viriam a influenciar na maneira pela qual o periódico abordou a mudança política lusitana, retratada com maior predominância no segmento noticioso e através de poucos editoriais. Os telegramas em essência tinham um conteúdo muito próximo aos publicados nos demais jornais, notadamente o Eco do Sul. Quanto às materiais de natureza editorial, houve em geral um apoio à transformação lusa, como

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nos artigos «República em Portugal» que teciam rasgados elogios ao movimento republicano luso. Além disso, o jornal trouxe ao público a ação da comunidade lusa residente no Rio Grande, dando cobertura às ações de um «Centro Republicano Português» que passara a funcionar na cidade portuária.

República em Portugal1 Novos telegramas continuam a ser recebido nesta cidade, trazendo notícias relativas à proclamação da República em Portugal e alguns adiantando até a constituição do governo. O Artista espera confirmação sobe a importante transformação, pela qual dizem tais notícias ter passado a terra gloriosa da qual somos legítimos descendentes e à qual nos achamos unidos pelos mais estreitos laços de amizade e de sangue.

A República em Portugal2 Estão, pelo que se vê, do serviço telegráfico dos colegas locais, confirmadas as noticias da proclamação da República em Portugal. Que o movimento estava preparado, contando com elementos os mais sólidos para o seu êxito completo, pelo menos na capital do Reino onde se deu a sua explosão, não pode restar a menor dúvida. E, isso ressalta logo, aos olhos de qualquer observador, pela atitude das forças armadas de mar e terra, que desde o primeiro momento fizeram causa comum com os chefes civis da conspiração, dando-lhes braço forte para a consumação da sua fecunda obra política. 1 2

Artista, Rio Grande, 6 de outubro de 1910, ano XLIX, n.o 203, p. 2. Artista, Rio Grande, 8 de outubro de 1910, ano XLIX, n.o 204, p. 1.

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Não foi, pois, o assassinato do sábio psiquiatra, Dr. Bonibarda3 [sic!], que excitou os ânimos a ponto de gerar o movimento insurrecional contra a dinastia de Bragança. Esse atentado contra a integridade pessoal do ilustre republicano, todo cercado de circunstâncias estranhas à política e oriundo, segundo nos informa quem conhece antigas prevenções entre o assassino e a vítima, pelo alarme que produziu, podia quanto muito ter precipitado os acontecimentos, em consequência da enorme popularidade, do acatamento e da consideração com que os republicanos portugueses cercavam o sábio psicologista e deputado republicano. Quem, de quinze anos a esta parte, tiver seguido o desenvolvimento extraordinário e crescente da propaganda republicana na pátria gloriosa dos nossos antepassados, tem de concluir, desde logo, que a transformação que acaba de mudar por completo a face da política portuguesa, não foi mais do que uma consequência do trabalho profícuo, ininterrupto, pertinaz e inteligente de propaganda. Nela se achavam envolvidos os homens mais eminentes do velho reino, a onda dos intelectuais de maior nomeada, fazendo a evolução decorrente desse trabalho, sentir de dia para dia os seus efeitos com a força indestrutível dessas correntes, cujos elos não se partem, porque já não há energias capazes de lhes poderem produzir soluções de intimidade. Eram, portanto, os propulsores mais eficazes do movimento liberal, homens não só de saber incontestável, mais, muito deles já tendo tido posições da mais alta confiança na alta política do país, e que se divorciaram dos partidos monárquicos, na convicção plena de que só uma remodelação radical nas máquinas governativas podia salvar a terra de tantas tradições nobres da crise inconjurável, que de longos anos a vem jugulando a circunstâncias, que levariam o país à dissolução completa de todas as suas forças com o regime institucional reinante. Era a aristocracia do saber representada em médicos, advogados, cientistas e até em membros dos mais proeminentes das classes armadas, que formavam o núcleo compacto dos combatentes, e seria errar gravemente pensar-se que fora possível com a promulgação de leis as mais liberais conter a avalanche que se despenhava pelo desfiladeiro de uma rocha consciente, de 3

Trata-se do Dr. Bombarda.

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um conjunto homogêneo, onde o pensamento se unificava para derrocar os fundamentos da velha instituição dinástica, para abalá-la desde o momento inicial nos seus alicerces combalidos já, pelos sucessos que desde a memorável Revolução do Porto em 1891, vêm cultivando a semente da planta que surge exuberante, iluminada pelos raios do sol fecundo da liberdade, que é um direito sagrado dos povos. Os erros dos últimos governos, entre os quais, são apontados como mais graves os do conselheiro João Franco, que tiveram como epílogo a sangrenta tragédia de fevereiro, no desenrolar da qual foram imoladas vidas preciosas que teriam sido poupadas, se não tocasse as raias do desespero a paixão oriunda de medidas extremas postas em prática pelo chefe do gabinete que então dirigia a política, deve afigurar-se a todos como os fatores mais preponderantes dos acontecimentos que neste momento fazem convergir para a lusa terra a atenção de todas as nações civilizadas. Enfim, seja como for, está consumado o fato, e, a nós, que tão de perto nos achamos ligados a esse jardim à beira mar plantado, a essa terra, que foi no período áureo das suas conquistas estrela de máximo brilho, astro de primeira grandeza, engastado no céu resplendente dessa Europa que é berço de todas as civilizações, nada mais justo do que aplaudirmos a obra que acaba de ser construída, porque aqui à sombra do mesmo pálio sagrado de ideais idênticos, a árvore grandiosa da liberdade, que nos faz felizes e senhores do nosso destino, está produzindo os frutos que lá desejamos também ver produzidos. Os que dormiam embalados na esperança de uma aurora mais feliz do que essa que agrilhoava um povo à tirania dos privilégios de casta, devem ter tido um despertar esplêndido. Nós daqui os abraçamos. Realizou-se o sonho dos argonautas que lá, embalados nas ondas da crença comum, nossa e deles, soltavam velas ao vento sem o resultado que esperavam e que as vêm agora enfunadas conduzi-los ao porto da mesma fé que nós cultuamos. E oxalá eu neste momento, em que do coração nos surge sinceramente a congratulação que enviamos aos nossos irmãos de além-mar, não corra aí mais gota de sangue; que o que correu até agora seja suficiente para argamassar o mais solidamente possível os alicerces da República; que vencidos e

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vencedores, ao surgir da primeira aurora, se congracem, e unidos trabalhem para a grandeza comum daquela terra, que é também nossa, porque é a dos nossos pais. Que os republicanos vencedores sejam magnânimos e humanos para que a sua obra se consolide sem ódios e possa se tornar triunfante em todos os ângulos desse Portugal que viva na História, reino, como um gigante de tradições inapagáveis, e que na República há de saber honrar esse passado.

República em Portugal4 Telegramas recebidos nesta cidade trazem ainda pormenorizadas notícias sobre o movimento revolucionário que acaba de instituir a República em Portugal. Ao que se vê desses despachos, alguns em inteira contradição com outros, nada ainda de concludente se pode afirmar em relação à consolidação do novo regime, pois parece que muitas províncias não aderiram à revolução, conservando-se fiéis à coroa. Há um telegrama trazendo a triste nova de que toda a guarnição do cruzador D. Carlos que não aderira à revolução, foi morta em combate com uma fortaleza fiel às novas instituições que naturalmente foi auxiliada nessa ação pelos outros navios da esquadra, todos fiéis ao movimento revolucionário. O almirante Reis, chefe da insurreição, suicidou-se por supor que a revolução não havia triunfado. O seu corpo encontra-se embalsamado no edifício do paço municipal em sala transformada em câmara ardente.

Centro Republicano Português5 Conforme convite publicado nos jornais de anteontem, realizou-se, à uma da tarde, na residência do distinto clínico R. Dr. Belmiro Pereira Pegas, uma 4 5

Artista, Rio Grande, 10 de outubro de 1910, ano XLIX, n.o 205, p. 2. Artista, Rio Grande, 17 de outubro de 1910, ano XLIX, n.o 210, p. 1.

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reunião dos republicanos portugueses residentes nesta cidade com o fim de ser fundado o Centro Republicano Português e de serem postas em ação as providências para a comemoração oficial da República em Portugal. Compareceram a essa reunião [. . . ] A reunião foi presidida pelo Sr. Dr. Pegas e secretariada pelo Sr. Lino Saraiva de Oliveira, tendo tomado lugar à mesa como um dos membros da comissão encarregada de organizar as bases da sociedade, o Sr. Joaquim da Cruz Dias. Aberta a sessão, foi feita a chamada pelo livro de presença à qual responderam todos os cidadãos nele inscritos. Em seguida, o Sr. Dr. Pegas, expôs quais os fins da reunião, e, aludindo ao grandioso fato da proclamação da República em Portugal, dissertou longamente sobre a situação do país, sob o governo monárquico e, apelando para o patriotismo dos seus correligionários e compatriotas presentes, concitou-os mesmo à custa de todos os sacrifícios, sustentarem a instituição que acaba de ser estabelecida no velho continente luso, pela glória completa das tradições cultuadas pelos próceres do grande movimento reivindicador. Na sua dissertação, referiu-se também o Sr. Dr. Pegas à influência perniciosa do clericalismo em Portugal, fazendo sentir a necessidade de dar guerra sem tréguas aos jesuítas em qualquer parte que venham eles assentar a sua tenda, como mera medida salvadora da sociedade, do contato pernicioso das seitas religiosas, debaixo de todos os pontos de vista consideradas como um verdadeiro cancro social. As palavras do Sr. Dr. Pegas foram ouvidas com aplausos de todos os presentes. Pelo Sr. Lino Saraiva de Oliveira, foi lida uma proposta da comissão encarregada, em uma reunião anterior a esta, de organizar uma lei provisória para reger os destinos sociais até que se organize uma lei básica definitiva. A referida lei provisória foi lida e aprovada por todos os presentes, depois de discutida em cada um dos seus artigos. Terminada a leitura e aprovação destas bases, foi pelo Sr. Dr. Belmiro Pegas, suspensa a sessão, depois de haver o mesmo, em termos eloquentes, agradecido o comparecimento de todos os seus correligionários que, atendendo ao apelo que lhes foi feito estiveram presentes à reunião, dando assim o seu franco apoio ao ideal que presidiu esta iniciativa e propondo a aclama-

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ção de uma diretoria provisória, constituída pelos seguintes sócios: Presidente Manuel de Freitas Costa. Vice-Presidente: Dr. Belmiro Pegas [. . . ] Esta diretoria foi aclamada unanimemente pela assembleia. Em seguida, o Sr. Dr. Pegas nomeou com aprovação de todos os presentes uma comissão composta dos Srs. António Joaquim Barreto, Lino Saraiva de Oliveira e Leonel Maia, para organizarem o programa das festas a se realizarem para comemoração da proclamação da República Portuguesa. Encerrada a sessão, o Sr. Dr. Pegas ofereceu às pessoas presentes uma mesa de doces e líquidos, trocando-se por essa ocasião diversos brindes. À reunião estiveram presentes representantes desta folha e do Eco do Sul, que solicitaram ao Sr. Dr. Pegas permissão para assisti-la.

Centro Republicano Português6 Para não tornarmos demasiado ampla a nossa notícia sobre a fundação desta nova associação local, deixámos de pormenorizar, em nosso número de ontem, o que ocorreu ao serem servidos os doces e líquidos com os quais o distinto Sr. Dr. Belmiro Pegas, obsequiou as pessoas que apareceram à reunião efetuada na sua residência. A série de brindes foi iniciada pelo representante do Artista que, em breve alocução, lembrando as glórias com as quais a nobre nação portuguesa enche páginas das mais brilhantes da história da humanidade e, aludindo aos feitos valiosos dos seus filhos em todas as tradicionais campanhas que fizeram daquela pequena extensão territorial encravada no centro do velho mundo, másculo povo que se impõe pelas suas tradições, saudou a todos 6

Artista, Rio Grande, 18 de outubro de 1910, ano XLIX, n.o 211, p. 1.

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os republicanos portugueses, na pessoa do atual presidente da República recentemente fundada em Portugal, o Ex. Sr. Dr. Teófilo Braga. Em seguida usou da palavra o Sr. Domingos Rainho de Oliveira que, em eloquentes termos, respondendo a essa saudação brindou à República Brasileira na pessoa do seu atual presidente o Ex. Sr. Dr. Nilo Pessanha. Em brinde feito pelo ilustre vice-presidente do Centro, Sr. Dr. Belmiro Pegas, houve referência distintas ao Artista, e ao seu representante que penhoradamente agradecemos. Convém ainda acentuar, para que outras folhas locais não se sintam melindradas que o Artista e o Eco do Sul tiveram representantes na reunião a que nos referimos, porque eles solicitaram sendo nesse pedido gentilmente atendidos pelos Sr. Dr. Belmiro Pegas.

Portugal7 O jornal The Nation em longo editorial sobre os acontecimentos historia os erros da Monarquia Portuguesa e lembra e a influência funesta que o clericalismo sempre exerceu em Portugal e acentua a analogia das revoluções brasileiras e portuguesa. Termina por estas palavras: «Assim como a República transformou o Brasil de país obscuro da América do Sul em uma grande e próspera nação, respeitada em todo o mundo, também a República converterá Portugal num vigoroso elemento no concerto europeu». — O correspondente de um jornal de Londres conseguiu em Lisboa uma entrevista com o chefe do governo provisório. O Sr. Teófilo Braga declarou que a revolução não tem nenhum caráter militar nem pessoal, sendo o resultado de ideias filosóficas, como a que fez a República no Brasil e instituiu o regime constitucional na Turquia. 7

Artista, Rio Grande, 20 de outubro de 1910, ano XLIX, n.o 213, p. 1.

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Disse mais o chefe do governo provisório que a dinastia de Bragança era incompatível com o progresso moderno e nada fez para tornar o povo feliz e senhor dos seus destinos. Afirmou que a revolução teve por base a emancipação do sentimento popular, visando à realização da vida civil livre dos prejuízos do domínio clerical. O Sr. Teófilo Braga disse ainda que a revolução rebentou dois dias antes do que estava combinada. Duas circunstâncias imprevistas precipitaram os acontecimentos. – uma foi a visita do marechal Hermes da Fonseca que entusiasmou o povo português; a outra foi a morte do deputado republicano Dr. Miguel Bombarda, livre pensador, assassinado por um louco, instigado pelos jesuítas, segundo muitos acreditam. O almirante Cândido Reis – disse ainda o Sr. Teófilo Braga – foi o chefe principal do movimento quis aproveitar essa ocasião e decidiu imediatamente a revolução. — Informações aqui recebidas de Badajoz, dizem que as ruas de Lisboa apresentavam um aspeto horrível, depois dos combates. Várias casas foram atingidas pelas balas da artilharia de mar e de terra. Centenares de cadáveres juncavam às ruas, sobretudo na Avenida. A Cruz Vermelha foi incansável e heroica, recolhendo cadáveres e feridos. As casas particulares prestavam-se espontaneamente a serviço hospitalar. Calcula-se em 12.000 o número total de combatentes empenhados na luta, horas depois de estalar o movimento.

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DIÁRIO DO RIO GRANDE Os resquícios da crise e da guerra deflagradas no alvorecer da República seriam marcantes para a continuidade do Diário do Rio Grande que reforçou ainda mais sua tendência informativa e seu apelo editorial dito como neutro, independente ou imparcial. Nesse sentido, o periódico declarava «que nada absolutamente tinha que ver com a vida íntima dos partidos políticos», apresentando-se «como jornal inteiramente estranho às facções partidárias» (22/7/1898). Também afirmava que, «leal ao seu longo passado de absoluta neutralidade», não fazia «peremptoriamente política nas suas colunas» (11/1/1900). Além disso, dizia-se «fora de todas as parcialidades, alheio ao jogo dos assuntos pessoais», ou seja, aqueles que falavam «às paixões subalternas e não às ideias» (17/10/1901). Buscava sustentar que, independente da «opinião política» preferiria voltar todos «esforços ao seu alcance em prol da República, da sua tranquilidade e grandeza», para que ela pudesse «corresponder aos fins de sua essência», ou seja, «fazer do Brasil uma grande, próspera, poderosa e invejável nacionalidade» (15/11/1896). Já em 1908, passou a ser publicado como um «órgão popular e independente», explicando que pretendia permanecer em «sua característica de imparcialidade, sempre correto nos seus atos de órgão popular, intransigente com o progresso e interesses locais» (16/10/1908). A postura apolítica foi mantida até 1910, quando o periódico passou a tomar posição mais veemente diante dos debates partidários. A adesão praticamente incondicional ao embate político persistiu e cus-


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tou caro ao jornal que chegou a denunciar em suas páginas ameaças de empastelamento que estaria sofrendo de parte dos «situacionistas» (5/3/1910) e acusou a «absoluta falta de garantias» pela qual estaria passando (10/3/1910). Ainda assim, a folha manteve a campanha diariamente, apontando fraudes eleitorais e atacando o governo. Diante disso, a sua circulação chegou a ser suspensa por determinação das autoridades locais entre abril e maio. A 16 de maio de 1910, com a retomada da publicação, o Diário anunciava que não desistia do combate, afirmando que ressurgia «para a luta, com o mesmo ardor de sempre e pronto para ir até o sacrifício em defesa dos direitos populares». Em junho de 1910, a folha novamente apontava para a «falta de garantias» e até para uma possível «agressão e tentativa de morte» de um de seus funcionários (6/6/1910). Apesar das ameaças, os veementes pronunciamentos políticos continuavam sendo publicados, destacando que «os usurpadores das instituições pátrias» tinham rasgado «a constituição e vilipendiado a nação»; e que «a tirania militar triunfara, desagradando o país e aviltando a consciência nacional», através de um governo que seria «um agregado de existências incoerentes e repulsivas, predominando o egoísmo ambicioso da atração do mando» (23/7/1910). Prosseguindo no debate político, em setembro de 1910, o periódico fazia constantes ataques à «má vontade do governo local contra o Diário», chegando a utilizar-se de uma linguagem virulenta com relação ao governante municipal, reclamando que, em vez de liberdade, a única garantia que a imprensa poderia ter era a «tolerância» das autoridades, dependendo, desse modo, da boa ou má vontade das mesmas (19/10/1910). Nesse quadro, o Diário do Rio Grande, que sempre buscara manter incólume sua conduta de representante da imprensa séria, neutra, acima das lutas partidárias, e refratária às paixões políticas, de modo a garantir sua linha editorial embasada na primazia da notícia e manter uma equilibrada quantidade de publicidade em suas páginas, romperia com todos esses pressupostos e atitudes. Naquele ano de 1910, o jornal lançou-se em uma ferrenha campanha política, tomando partido

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e, ao mover essa campanha, o periódico utilizou-se de uma linguagem vibrante e apaixonada, fugindo completamente ao até então propalado estilo da imprensa séria. A organização comercial da folha, decadente desde as duas últimas décadas, entrava na sua crise mais grave, traduzida no extremamente reduzido número de anúncios. Quebrando sua tradicional linha de conduta, enfrentando sérias dificuldades comerciais e não se adaptando a nova fase do jornalismo empresarial, o Diário assinava sua própria sentença de morte, vindo a desaparecer a 19 de outubro de 1910. Foi coincidindo com os momentos decisivos dessa crise estrutural que levaria ao seu desaparecimento que o Diário do Rio Grande veio a abordar a instauração da República em Portugal. Nessa linha, não poderia deixar de ser diferente, resultando em uma cobertura mais limitada, predominantemente descritiva, com destaque para as transcrições telegráficas, muitas delas idênticas às editadas pelo Eco. Além da conjuntura geral que caracterizou as informações/opiniões expressas pela imprensa rio-grandina, no caso do Diário, suas matérias de natureza editorial estavam concentradas no debate político-partidário, restando pouco espaço ao noticiário internacional. Ainda que houvesse interesse da comunidade pelos acontecimentos em Portugal, o periódico já não mais se encontrava em condições de atender tais anseios.

Telegramas _________________ Serviço esp. do Diário do Rio Grande _________________ Sucessos de Portugal – A revolução avança – www.lusosofia.net


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A caminho da República1 _________________ SILÊNCIO Rio, 6 – O cônsul e o ministro portugueses nada até agora receberam sobre os sucesso de Portugal À frente das redações dos jornais, o povo apinhado lê com interesse os boletins sobre os sucessos. —

PEDINDO AUXÍLIO Rio, 6 – Em Londres, o marquês de Soveral conferenciou com o ministro do exterior, pedindo a intervenção inglesa em favor da Monarquia Portuguesa. —

ADESÕES Rio, 6 – Consta que algumas províncias aderiram à revolução em Portugal. —

A BORDO DO «S. PAULO» Rio, 6 – É voz corrente que o rei de Portugal, D. Manuel, está refugiado a bordo do couraçado brasileiro S. Paulo, à entrada da barra. —

A ALIANÇA LUSO-INGLESA Rio, 6 – O Daily Mail, de Londres, diz que a missão republicana portuguesa que aí esteve há pouco, declarou ao governo que a proclamação de Repú1

Diário do Rio Grande, Rio Grande, 6 de outubro de 1910, ano 62, n.o 258, p. 1.

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blica em Portugal estava iminente, comprometendo-se os republicanos a respeitar a aliança com a Inglaterra, que consideram um pacto entre dois povos e não uma coligação dinástica. —

DR. MIGUEL BOMBARDA Rio, 6 – O Dr. Miguel Bombarda, assassinado pelo tenente Rebelo, havia conseguido coligar, para uma ação conjunta, as fações republicanas. —

RADIOGRAMA Rio, 6 – O Echo, de Paris, recebeu um radiograma, expedido de bordo do Cap Branco, atualmente em Lisboa, confirmando o triunfo da revolução. —

CARTA Rio, 6 – O Dr. Magalhães Lima, representante de Portugal em Paris, dirigiu uma carta ao Matin, declarando que os acontecimentos de Lisboa eram fatais, desde a obra ditatorial de João Franco, mantida pelos governos que o sucederam depois de D. Carlos. —

CRUZADORES INGLESES Rio, 6 – De Gibraltar partiram, com urgência, para Lisboa os cruzadores ingleses New Castle e Minerva. —

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GARANTIAS Rio, 6 – Dizem de Londres que o marechal Hermes ainda não saiu de Lisboa, visto o couraçado S. Paulo e os brasileiros aí estarem cercados de todas as garantias. —

NÃO ESTÁ PRESO Rio, 6 – Afirma-se que o rei D. Manuel não está prisioneiro, como se tem dito, mas afastado de Lisboa, para melhor dirigir a resistência. —

FIDELIDADE Rio, 6 – Dizem de Lisboa que a guarda municipal se conserva fiel à Monarquia, além de parte do exército, forças estas que se batem com admirável bravura. —

MORTOS E FERIDOS Rio, 6 – É considerável em Lisboa, no Porto e em Coimbra o número de mortos e feridos. —

EXÉRCITO E MARINHA Rio, 6 – A maioria do exército e da marinha portugueses está só do lado dos republicanos. —

COURAÇADO S. PAULO Rio, 6 – O couraçado S. Paulo que já havia saído à barra, voltou ao porto de Lisboa, a fim de receber, como refugiado, o rei D. Manuel. — www.clepul.eu


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COMBATES Rio, 6 – Continuam os combates nas ruas de Lisboa. —

O QUE DIZ LE MATIN Rio, 6 – O Matin, de Paris, diz, em boletim, que a revolução portuguesa triunfante constituiu já o governo provisório, acrescentando que a família real, com exceção apenas do infante D. Afonso está em poder dos revolucionários. Adianta mais o boletim do jornal parisiense que o palácio da Ajuda, residência da rainha mãe D. Maria Pia, foi ocupado pelas tropas revolucionárias. —

LEVANTE REVOLUCIONÁRIO Rio, 6 – Diz-se que o movimento revolucionário português irrompeu simultaneamente em Lisboa, Porto e Coimbra. —

NA BARRA Rio, 6 – Os navios estrangeiros, inclusive o couraçado S. Paulo, que se acham em Lisboa, permanecem à entrada da barra desde o início do movimento. —

CÂMBIO Rio, 6 – Banco de Portugal 18 1/4; bancos estrangeiros, 17 31/32 e 18. Porto Alegre, 6 – A taxa cambial aqui foi, ontem; 17 11/16 e 17 3/3. — www.lusosofia.net


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AVANÇADO Rio, 6 – As tropas das províncias portuguesas, avançam sobre Lisboa. —

GOVERNO PROVISÓRIO Rio, 6 – É o seguinte [. . . ] —

MARECHAL HERMES Rio, 6 – O marechal Hermes acha-se, em Lisboa, no palácio de Belém, impossibilitado de seguir viagem, em vista dos sucessos. —

ATAQUE Rio, 6 – Após o enterro do médico republicano Dr. Miguel Bombarda, houve em Lisboa um ataque de cinco mil pessoas ao ministérios da Marinha e da Guerra. —

CHEFIA DA REVOLUÇÃO Rio, 6 – A revolução portuguesa está sendo chefiada por António de Almeida, Brito Camacho e Afonso Costa. —

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D. MANUEL Rio, 6 – O rei D. Manuel saindo do jardim do palácio viu-se cercado de oficiais e praças, que lhe deram voz de prisão em nome da junta republicana. D. Manuel teve então esta exclamação: «Até os meus soldado me atraiçoam». —

A VITÓRIA REPUBLICANA Rio, 6 – O comandante do couraçado S. Paulo, Pereira e Sousa, comunicou ao almirante Alexandrino de Alencar a vitória da revolução em Portugal. A bandeira republicana, em cores verde e azul, acha-se hasteada aí em toda parte. —

COLÔNIA PORTUGUESA Porto Alegre, 6 – Reunir-se-á, domingo, a colônia portuguesa desta capital para tratar dos sucessos. —

REGOZIJO Porto Alegre, 6 – Reina verdadeiro regozijo entre os portugueses aqui domiciliados pelas vitórias alcançadas, em Portugal, pelos republicanos. —

TELEGRAMA Porto Alegre, 6 – Um português, republicano e exaltado e forte comerciante aqui, passou este telegrama ao seu respetivo cônsul no Rio: Pêsames pela queda dos baronatos e quejandos. Viva a República Portuguesa! Salve Teófilo Braga, redentor da liberdade de minha terra! www.lusosofia.net


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BATERIAS ASSESTADAS RIO, 6 – Os navios revolucionários surtos no Tejo conservam acesos os fogos e têm as baterias assestadas no palácio real. _________________ N. da R. – Estes telegramas estiveram afixados à porta do nosso escritório sendo lidos, no original, por inúmeras pessoas.

TELEGRAMAS _________________ Serviço esp. do Diário do Rio Grande _________________ Sucessos de Portugal – A proclamação de Teófilo Braga – Abdicação de D. Manuel – Banimento da casa de Bragança – A República2 _________________ SEM FUNDAMENTO Rio, 7 – Dizem não ter fundamento o boato que circulou da fuga do rei D. Manuel, de Portugal, a bordo de um cruzador inglês. —

CONSELHO DO MINISTÉRIO Rio, 7 – Em Lisboa, o ministério aconselhou ao rei D. Manuel que abandonasse o palácio. — 2

Diário do Rio Grande, Rio Grande, 7 de outubro de 1910, ano 62, n.o 259, p. 2.

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COURAÇÃO S. PAULO Rio, 7 – O Couração S. Paulo só sairá de Lisboa após a chegada ali do cruzador Barroso. —

ESTADO DE SÍTIO Rio, 7 – O governo provisório de Portugal decretou o estado de sítio. —

MORTOS E FERIDOS Rio, 7 – Em Lisboa, o corpo de bombeiros recolhe nas ruas os mortos e feridos, que são em número elevado. —

NAVIOS ESPANHÓIS Rio, 7 – A Espanha mandou para Portugal alguns navios, a fim de oferecer as precisas garantias aos seus súbditos ali domiciliados. —

A FAVOR DO REI Rio, 7 – A Guarda Municipal de Lisboa continua a se bater, com extraordinário denodo, a favor do rei. —

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210

Reto Monico e Francisco das Neves Alves

A REPÚBLICA EM PORTUGAL — COMUNICAÇÕES OFICIAIS Rio, 7 – O ministro português aqui comunicou ao presidente da República ter recebido participação oficial do estabelecimento do regime republicano em Portugal. O ministro do exterior, barão do Rio Branco, recebeu idêntica comunicação. —

VOTO DE CONGRATULAÇÃO Rio, 7 – No Senado, Quintino Bocaiuva propôs um voto de congratulação a Portugal pelo advento da República ali. —

CÂMBIO Rio, 7– Permanecem inalteráveis as taxas cambiais que ontem vigoraram. [. . . ]

BANIMENTO Rio, 7 – O chefe do governo provisório de Portugal, Teófilo Braga, lançou uma proclamação banindo a casa de Bragança, por considerar os membros dela malfeitores e perturbadores da ordem social. —

ABDICAÇÃO Rio, 7 – D. Manuel abdicou, em Mafra, em favor do infante D. Afonso. —

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PAZ Rio, 7 – A exceção de Setúbal, onde tem havido renhidos conflitos, reina perfeita paz nas províncias portuguesas. —

NÃO SE SUICIDOU Rio, 7 – Não é verdade que o general português Gorjão se tenha suicidado. —

MOVIMENTO NAVAL Rio, 7 – Foi sobre a chefia do almirante Dantas que se operou o movimento naval português de ataque à Monarquia. —

A «MARSELHESA» Rio, 7 – O governo republicano português adotou a Marselhesa, baixando nesse sentido um decreto. —

RESISTÊNCIA Rio, 7 – Em Lisboa, duas fortalezas não aderiram à revolução, oferecendo resistência ao governo republicano. —

A REVOLUÇÃO NO PORTO Rio, 7 – Do movimento revolucionário no Porto é chefe o coronel António Antão de Almeida. www.lusosofia.net


212

Reto Monico e Francisco das Neves Alves —

A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA Rio, 7 – A proclamação da República em Portugal revê lugar na praça D. Pedro, depois de derrotada a valente e heroica Guarda Municipal, que resistiu até ao último. —

RESPEITO AO MONARQUISTAS Rio, 7 – O ministro republicano António José de Almeida pediu ao povo de Lisboa que respeitasse os monarquistas. —

OPINIÃO INGLESA Rio, 7 – O Westminster, órgão oficial da Inglaterra, diz em editorial que, embora D. Manuel mereça simpatias, a nova forma de governo é assunto que Portugal deve resolver por si mesmo, pois passou já o tempo em que as dinastias podiam ser impostas ao povo pelas potências. —

CONFLITO Rio, 7 – Os soldados do 16o batalhão de infantaria travaram conflito, em Lisboa, com as tropas republicanas, saindo estas vencedoras. —

DISTRIBUIÇÃO DE ARMAMENTO Rio, 7 – Em Lisboa, o 1o e o 5o corpos de caçadores se apoderaram do arsenal de guerra, distribuindo pelos populares todo o armamento e munições nele existentes. www.clepul.eu


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UM PEDIDO DA INGLATERRA Rio, 7 – A Inglaterra pediu aos republicanos de Portugal que respeitem a vida da família real. —

COMBATE DE 36 HORAS Rio, 7 – Em Lisboa, os populares, a peito descoberto, brigaram de arma branca contra as forças do governo, por espaço de 36 horas. Há centenares de mortos e feridos. —

O MANIFESTO REPUBLICANO Rio, 7 – Teófilo Braga, chefe do governo provisório, exorta, em manifesto, as forças armadas a serem fiéis à República, dizendo que confia no patriotismo dos oficiais. Termina por exortar o povo português a defender a pátria neste momento político, afiançando que o seu programa será de tolerância e respeito para com os vencidos da democracia. —

O PLANO REVOLUCIONÁRIO Rio, 7 – O plano da revolução em Portugal havia sido ajustado há muitos dias. —

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BANDEIRAS Rio, 7 – Forças republicanas percorrem, com muitas bandeiras, as ruas de Lisboa, ao som de uma nova marcha portuguesa da lavra do compositor luso Alfredo Kiel. —

ATITUDE INGLESA Rio, 7 – O Daily Mail, de Londres, diz que a Inglaterra não costuma intervir na administração interna dos outros países, deixando, por isso, de atender ao pedido de auxílio à Monarquia Portuguesa, solicitado ao governo britânico pelo marquês de Soveral. —

FORÇAS LEGAIS Rio, 7 – Vinte mil soldados legalistas marcham sobre Lisboa.

TELEGRAMAS _________________ Serviço esp. do Diário do Rio Grande _________________ Sucessos de Portugal – Novas adesões à República – O exílio da família real3 COINCIDÊNCIA ASSINALADA Rio, 8 – A maioria dos jornais franceses assinalam a coincidência da passagem do marechal Hermes por Lisboa com a revolução em Portugal. — 3

Diário do Rio Grande, Rio Grande, 8 de outubro de 1910, ano 62, n.o 260, p. 1.

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MARECHAL HERMES Rio, 8 – Entrevistado por um redator do Figaro, de Paris, o notável político português Xavier de Carvalho declarou estar convencido de que a estadia do marechal Hermes em Lisboa se deve a efervescência popular que deu origem à revolução. —

PRESIDÊNCIA DE PORTUGAL Rio, 8 – Em Paris, o Dr. Xavier de Carvalho declarou à imprensa que, no seu modo de ver, o único homem capaz de assumir a presidência da República de Portugal é atualmente o Dr. Bernardino Machado. [. . . ] —

MANIFESTAÇÃO Rio, 8 – O Grémio Republicano Português desta capital realizou, ontem, uma manifestação em homenagem a Portugal. —

TELEGRAMA Rio, 8 – O senador Lauro Sodré passou ao chefe do governo provisório de Portugal, Teófilo Braga, um telegrama de congratulação pelo advento da República ali. —

MISSAS Rio, 8 – Parentes do médico republicano Dr. Miguel Bombarda, assassinado em Lisboa pelo tenente Rebelo, mandarão celebrar missas aqui em sufrágio da sua alma. www.lusosofia.net


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Reto Monico e Francisco das Neves Alves —

EM ORDEM Rio, 8 – Em Portugal, no Funchal, a proclamação da República correu em ordem, sendo feita na presença das tropas armadas. —

NÃO ADERE Rio, 8 – A província de Moçambique, em Portugal, não adere ao movimento republicano, preferindo a aceitá-lo tornar-se independente. —

ADESÕES Rio, 8 – As ilhas portuguesas dos Açores e da Madeira aderiram ao movimento republicano. —

COURAÇADO S. PAULO Rio, 8 – Os revoltosos de Lisboa quiseram penetrar no couraçado S. Paulo, atualmente ali. O comandante do navio, Pereira e Sousa, repeliu a invasão, declarando que ele e o marechal Hermes haviam assistido como simples hóspedes, sem interferência alguma, ao bombardeio da capital portuguesa. —

FUZILAMENTOS Rio, 8 – Têm sido fuzilados, em Portugal, centenares de pessoas. — www.clepul.eu


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ADESÃO DO PORTO Rio, 8 – A cidade do Porto aderiu francamente ao movimento republicano de Portugal. —

D. MANUEL Rio, 8 – O rei de Portugal, D. Manuel, deixou o palácio sorrindo, fumando e declarando que iria onde o quisessem levar. [. . . ]

ENTUSIASMO Rio, 8 – Reina entusiasmo, entre os portugueses, pelo estabelecimento do regime republicano em Portugal. —

NOTÍCIAS Porto Alegre, 8 – As edições do Correio do Povo vêm repletas de telegramas sobre os sucessos de Portugal. O povo, ávido de notícias, acorre às redações dos jornais. [. . . ]

NOVAS ADESÕES Rio, 8 – Dizem que aderiram à República em Portugal outras ilhas que até aqui se conservavam fiéis à causa monárquica. —

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EXÍLIO Rio, 8 – Escoltado por um navio de guerra inglês, ancorou na baía de Gibraltar o iate D. Amélia, que leva para o exílio, em Londres, a família real portuguesa. Esta desembarcou em Gibraltar. —

ABDICAÇÃO DE D. MANUEL Rio, 8 – É certo que o rei de Portugal, D. Manuel, abdicou em favor do infante D. Afonso, seu tio, antes de partir para o exílio. —

FATO CONSUMADO Porto Alegre, 8 – Segundo as comunicações que chegam, o estabelecimento do regime republicano em Portugal é um fato consumado. O Dr. Carlos Barbosa já recebeu comunicação oficial a respeito.

TELEGRAMAS _________________ Serviço esp. do Diário do Rio Grande _________________ Sucessos de Portugal – Prisão do Marquês de Pombal – Medida do Governo Provisório – Outras notícias4 CRUZADOR ADAMASTOR Rio, 10 – Em Lisboa, o cruzador Adamastor, que se conservava fiel ao rei, 4

Diário do Rio Grande, Rio Grande, 10 de outubro de 1910, ano 62, n.o 261, p. 2.

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tentou aproximar-se do porto, para atacar os revolucionários. Sendo, porém, canhoneado por outros navios, fez-se ao largo, rendendo-se. —

TRISTEZA Rio, 10 – O aspeto das ruas de Lisboa é tristíssimo. Inúmeras casas estão com a frente cravejada de balas. Centenares de cadáveres apodrecem nas ruas. O corpo de bombeiros e outras forças trabalham com atividade, recolhendo os mortos. É calculado em 12.000 o número de combatentes desaparecidos, sendo para relevar que horas depois de estalar o movimento, era já estimado em 2.000 o número dos mortos e feridos. —

GOVERNADORES Rio, 10 – Foram já nomeados, em Portugal, os governadores civis de Lisboa, Porto, Viseu, Coimbra, Beja, Faro, Portalegre, Angra, Ponta Delgada e outras localidades. [. . . ] —

FUNERAIS Rio, 10 – Preparam-se nesta capital solenes funerais ao médico republicano português Dr. Miguel Bombarda, assassinado, há dias, pelo tenente Rebelo. —

BANDEIRAS HASTEADAS Rio, 10 – O Banco de Portugal aqui conserva as bandeiras brasileira e portuguesa. www.lusosofia.net


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Reto Monico e Francisco das Neves Alves —

COMBATES Rio, 10 – Houve em Setúbal, entre monárquicos e republicanos, encarniçado combate, do qual resultaram, em ambas as forças, novecentas baixas. —

CRUZADOR BARROSO Rio, 10 – Chegou a Lisboa, como era esperado, o cruzador brasileiro Almirante Barroso. —

SOB PALAVRA Rio, 10 – Foi solto, em Lisboa sob palavra, o chefe monárquico Pimentel Pinto. —

MARQUÊS DE POMBAL Rio, 10 – Foi preso em Oeiras o marquês de Pombal, considerado chefe da reação jesuíta contra a República. —

RECENSEAMENTO Rio, 10 – O governo republicano português procederá a recenseamento eleitoral para eleição da constituinte. —

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NOVA FASE Rio, 10 – Atendendo às exigências da nova fase em que entra a política portuguesa, o governo provisório de Portugal cogita já: da reforma do sistema de instrução pública; do aperfeiçoamento das defesas marítimas e terrestres; da decentralização da administração colonial; do estabelecimento do poder judiciário; de criar plenas garantias à liberdade de pensamento, consciência e palavra; da expulsão de frades e freiras; do estabelecimento do registo civil obrigatório; da instituição do ensino leigo; da separação da Igreja do Estado; da fortificação do crédito e das finanças; da abolição do juízo de instrução criminal e outras medidas de largo alcance político-social. [. . . ]

COMUNICAÇÃO Rio, 10 – O chefe do governo provisório de Portugal, Teófilo Braga, comunicou ao presidente dos Estados Unidos, William Taft, o advento da República em Portugal. Este ordenou que o cruzador norte-americano Desmoines, atualmente em Gibraltar, seguisse para Lisboa, a fim de se informar, de visu, da estabilidade do novo governo. —

DISSOLUÇÃO DAS MILÍCIAS Rio, 10 – Foram dissolvidas a Guarda Municipal e a Polícia Civil de Lisboa, as únicas duas corporações que se mostraram, até ao último, fiéis à Monarquia. Serão criadas, para as substituir, novas milícias. —

NÃO É EXATO Rio, 10 – Não é exato que a província de Moçambique houvesse, como se há noticiado, resistido à República. Pelo contrário, a notícia da proclamação da nova forma de governo foi ali recebida com manifestações de regozijo. www.lusosofia.net


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Reto Monico e Francisco das Neves Alves —

ÁFRICA ORIENTAL Rio, 10 – O governo republicano de Portugal conta como certa a adesão à sua causa das possessões portuguesas da África Oriental.

TELEGRAMAS _________________ Serviço esp. do Diário do Rio Grande _________________ Sucessos de Portugal – Perseguição religiosa — 200 freiras presas5 [. . . ] [. . . ] CINCO DE OUTUBRO Rio, 11 – O cruzador D. Carlos, da marinha portuguesa, tomará o nome de Cinco de Outubro, devendo vir a esta capital. —

MINISTRO PORTUGUÊS Rio, 11 – Foi nomeado ministro de Portugal no Brasil, o Dr. Magalhães Lima. —

SUICÍDIO Rio, 11 – Em Lisboa, por ocasião de rebentar o movimento revolucionário, 5

Diário do Rio Grande, Rio Grande, 11 de outubro de 1910, ano 62, n.o 262, p. 1.

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o chefe republicano Carlos Reis, ouvindo apenas três tiros de canhão, em lugar de trinta e um, que era o sinal combinado para o inicio da revolução, suicidou-se. Supôs que a tentativa houvesse fracassado. —

DEMISSÃO Rio, 11 – Pediu demissão do exército português o general Vasconcelos Porto. —

ADESÕES Rio, 11 – Continuam em Lisboa as adesões coletivas e pessoais ao governo republicano. —

PRESO Rio, 11 – Acha-se preso, no quartel general do exército português, o patriarca de Lisboa. —

PRISÃO DE FREIRAS Rio, 11 – Em Lisboa, acham-se recolhidas presas ao Arsenal da Marinha 200 freiras. —

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CONFISCAÇÃO DE BENS Rio, 11 – Tem havido entre os chefes republicanos de Portugal repetidas conferências. A maioria opinou pela confiscação dos bens não só de D. Manuel como de toda a família real portuguesa. —

PENSÃO Rio, 11 – Foi concedida em Lisboa uma pensão a todos os oficiais da primeira divisão do exército que aderiram ao movimento revolucionário. —

ESTRAGOS Rio, 11 – Enormes foram os estragos causados em Lisboa pelo bombardeamento. O palácio das Necessidades apresenta as portas e as janelas varadas por balas, os móveis do interior fraturados, os espelhos quebrados. —

ENGANO Rio, 11 – É inexato que o marechal Hermes da Fonseca passeasse, em Lisboa, em companhia do Dr. Teófilo Braga, bem como que o couraçado S. Paulo, houvesse, como se noticiou, salvado a bandeira republicana. Quanto a isto, deu-se o seguinte: ouvindo, pela manhã quatro navios portugueses salvarem, o comandante do S. Paulo, Pereira e Sousa, acompanhou, supondo que D. Manuel andasse no Tejo. Reconhecendo logo, porém, o seu engano, mandou suspender a salva. [. . . ] — www.clepul.eu


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EMBAIXADORES Rio, 11 – Consta que serão nomeados embaixadores de Portugal; em Paris, João Chagas; em Madrid, José Relvas; em Roma, Magalhães Lima. —

CONTRA O CLERO Rio, 11 – O governo republicano de Portugal baixará uma intimação às congregações religiosas para abandonarem o país em 24 horas. —

AMNISTIA Rio, 11 – O governo provisório de Portugal resolveu anistiar todos os presos políticos, visto considerar a República definitivamente estabelecida ali. A lei da imprensa será também restabelecida estes dias. —

GARANTIAS Rio, 11 – O novo governo de Portugal mandou garantir a residência de José Luciano de Castro, chefe monarquista. —

GUARDA NACIONAL Rio, 11 – A antiga Guarda Municipal de Lisboa passará a se chamar Guarda Nacional Republicana. —

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Reto Monico e Francisco das Neves Alves

HINOS Rio, 11 – No Centro Republicano de Lisboa foi hasteada a bandeira nacional, sendo executados os hinos brasileiros e português. —

ADESÃO Rio, 11 – Aderiu, em Lisboa, ao governos republicano o chefe monarquista conselheiro Alpoim. —

DISSOLUÇÃO DO GRUPO Rio, 11 – Foi dissolvido em Lisboa o Grupo Progressista Dissidente. —

REPRESENTANTES PORTUGUESES Rio, 11 – Fala-se também aqui que João Chagas virá como ministro de Portugal para o Brasil, sendo nomeado para idêntico lugar em Paris Magalhães Lima. [. . . ] —

A VIAGEM DE D. MANUEL Rio, 11 – Diz-se que a viagem do rei de Portugal, D. Manuel II a Londres, foi resolvida de acordo com a Alemanha, a Inglaterra e os Estados Unidos. —

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CONTRA A IGREJA Rio, 11 – Em Lisboa, o povo tem atacado conventos e outras casas religiosas, em atitude hostil contra os padres. Há muitas freiras feridas. Outras fugiram. O povo cava o solo em procura dos padres. Estes vivem escondidos nas torres das igrejas e nos subterrâneos dos conventos. —

MOÇÃO Rio, 11 – A assembleia estadual aqui votou uma moção de aplauso à República Portuguesa. —

EXCUSA Rio, 11 – Os oficiais superiores que compunham a casa militar de D. Manuel escusaram-se de continuar a servir no exército, apresentando atestado médico. —

PIMENTEL PINTO Rio, 11 – Umas das causas que mais influíram no pronto êxito da revolução portuguesa foi a adesão a ela de Pimentel Pinto, que, na ausência do general Gorjão, governador militar de Lisboa, favoreceu o movimento com a força armada.

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TELEGRAMAS _________________ Serviço esp. do Diário do Rio Grande _________________ Notícias de Portugal – A pobreza da família real — [. . . ] — «Meeting contra os padres — [. . . ]6 [. . . ]

IATE D. AMÉLIA Rio, 13 – De volta de Gibraltar, onde fora levar a família real portuguesa, o iate D. Amélia entrou no porto de Lisboa sem bandeira. O navio foi entregue ao governo, a fim de ser anexado à armada portuguesa. Todos os seus marinheiros, ao abandonarem a baía de Gibraltar, beijaram, com carinho e respeito, a mão de D. Manuel. —

LEI MARQUÊS DE POMBAL Rio, 13 – Em Lisboa, o Diário do Governo publica a lei do Marquês de Pombal, que entra em vigor. — EM LIBERDADE Rio, 13 – O conselheiro Campos Henrique, como o patriarca de Lisboa, foram postos em liberdade, partindo para o interior, com destino ao estrangeiro. — 6

Diário do Rio Grande, Rio Grande, 13 de outubro de 1910, ano 62, n.o 263, p. 1.

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JOÃO FRANCO Rio, 13 – Com a bandeira republicana hasteada no automóvel, fugiu de Lisboa para Espanha o conselheiro João Franco. —

PUNIÇÃO Rio, 13 – Em Lisboa, o ministro republicano Dr. Afonso Costa declarou a um jornalista que punirá, como caluniadores, os diretores da imprensa que afirmou que a tentativa da separação da Igreja do Estado ali estava sendo feita de acordo com a lei Briand. —

LEI DO DIVÓRICO Rio, 13 – O governo republicano português decretará a lei do divórcio. —

NOMEAÇÃO Rio, 13 – Foi nomeado José Barbosa diretor da administração da polícia civil de Lisboa. —

FESTAS Rio, 13 – Projetam-se grandes festas em Portugal, em ação de regozijo pela proclamação da República. — Rio, 13 – O reitor do Colégio de Órfãos de Lisboa acaba de aderir ao governo republicano. www.lusosofia.net


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Reto Monico e Francisco das Neves Alves —

REVOLTA Rio, 13 – Revoltaram-se, em Portugal, os presos recolhidos à cadeia de Limoeiro. A força, para restabelecer a ordem no presídio, teve de matar dois, ferindo vinte. —

RECONDUÇÃO ÀS FRONTEIRAS Rio, 13 – Estão sendo reconduzidos às fronteira e entregues às suas respectivas seitas os religiosos estrangeiros que, devido à revolução portuguesa, têm invadido ultimamente a França. —

LIBERDADE DE CULTO Rio, 13 – O governo provisório de Portugal acaba de proclamar e estabelecer a liberdade de cultos. —

OS REIS DE PORTUGAL Rio, 13 – Afirma-se que os reis de Portugal, ao invés de irem, como se há noticiado, para Inglaterra, fixarão residência na Vila Manrique. Sabe-se que toda a família real portuguesa está paupérrima, o que prova a sua honestidade na posse do trono. —

MISSAS Rio, 13 – Estiveram concorridíssimas as missas aqui celebradas em sufráwww.clepul.eu


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gio da alma do médico republicano português Dr. Miguel Bombarda, assassinado a 3, em Lisboa, pelo tenente Rebelo. —

ESPIONAGEM Rio, 13 – Estão sendo vigiados, em Madrid, por espiões secretos do rei Afonso XIII, os chefes republicanos Lerroux Soriano, Pérez Galdós e outros, que têm tido ultimamente repetidas conferências. —

FERIDOS Rio, 13 – Entre os feridos dos últimos conflitos em Lisboa, conta-se o notável político português Teixeira de Sousa atingido por uma bala. —

POBREZA Rio, 13 – A família rela portuguesa saiu de Lisboa sem recursos. A rainha avó, D. Maria Pia, está endividada. O infante D. Afonso, rei de Portugal por abdicação de D. Manuel, embarcou com 200 francos. —

A CONSTITUINTE Rio, 13 – A assembleia constituinte de Portugal foi eleita pelo sufrágio universal. —

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Reto Monico e Francisco das Neves Alves

ESTAVA AUSENTE Rio, 13 – Dizem que o rei de Portugal, D. Manuel, não estava em Lisboa na noite em que rebentou o movimento revolucionário. O monarca estava em Mafra, onde passou a noite numa chácara. O duque do Porto estava e acompanhou D. Amélia a Sintra, voltando para Lisboa, para tentar a reação. Vendo, porém, que os revoltosos venciam e que na manhã de 5 já as bandeiras republicanas se achavam desfraldadas nas ruas de Lisboa, comunicou o fato a D. Manuel, regressando este, então, com urgência de Mafra. —

MANIFESTAÇÃO Rio, 13 – Houve uma manifestação aqui, promovida por patrícios nossos aos portugueses, em homenagem à proclamação da República em Portugal. Em frente ao Catete falaram Teixeira Mendes e Octávio Carneiro, respondendo o Dr. Nilo Peçanha. Os manifestantes visitaram depois a estátua de Pedro Álvares Cabral, fazendo-se aí ouvir a Marselhesa. [. . . ]

MEETING Rio, 12 – Houve, ontem à tarde, no largo de S. Francisco, um meeting de protesto contra a invasão dos frades e freiras que, expulsos de Portugal, pelo governo republicano, começam a desembarcar nos portos do Brasil. Diversos oradores fizeram uso da palavra. Um destes, que ousou defender o clero, foi esbordoado e quase que ia sendo linchado. Não o foi devido à intervenção da polícia, que travou luta com os populares, saindo alguns destes feridos. [. . . ] — www.clepul.eu


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EXÉRCITO E MARINHA DE PORTUGAL Rio, 13 – O Dr. Bernardino Machado declarou, em Lisboa, que governo fortalecerá o exército e a marinha, tornando-os uma garantia da justiça, a fim de desfazer a opinião de alguns países, que encaram ainda Portugal como nação colonial. —

PASTA DAS FINANÇAS Rio, 13 – É possível que Basílio Teles, ministro das finanças de Portugal, deixe esse cargo, sendo substituído por José Relvas. —

REVOGAÇÃO DE LEI Rio, 13 – O Ministério português resolveu, em reunião, revogar a lei de 13 de fevereiro, sobre repressão ao anarquismo, por considerá-la criada para perseguir aos republicanos. —

O PATRIARCA DE LISBOA Rio, 13 – O patriarca de Lisboa, que tinha sido posto em liberdade, acaba de ser preso novamente, quando seguia para a estação de Viação Férrea, em companhia de vários frades. O patriarca protestou contra a violência, apelando para a imunidade de que goza. Foi desatendido. Tendo, porém, conferenciado com o ministro da Justiça e prometido que se retiraria de Portugal foi solto, dando-lhe o ministro o respetivo passaporte. — www.lusosofia.net


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AS FREIRAS Rio, 13 – O governo de Portugal declarou consentir que as freiras fiquem ali contando que abandonem a vida monástica. Algumas que se negaram a despir o véu foram expulsas do território da República. —

IATE D. AMÉLIA Rio, 13 – Acaba de chegar a Lisboa o iate D. Amélia. A sua oficialidade incorporada apresentou cumprimentos aos ministros da Guerra e da Justiça. —

CARTA DE D. MANUEL Rio, 13 – De Gibraltar, antes de partir para Londres, D. Manuel II escreveu a Teixeira de Sousa, dizendo que a sua consciência de nada o acusava e que, portanto, a sua partida não constituía uma forma de abdicação dos seus direitos de legitimo soberano português. [. . . ]

RENDA MENSAL Rio, 13 – A renda, no Brasil, do chefe republicano português Dr. Bernardino Machado é de oito conto de réis mensais. —

ADESÕES Rio, 13 – Aderiram à República em Portugal os jornais monarquistas Novidades e A Notícia. www.clepul.eu


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OS JESUÍTAS Rio, 13 – A grande maioria dos jesuítas que estão sendo expulsos de Portugal mostram desejos de vir para o Brasil. —

AINDA AS FREIRAS Rio, 13 – Foram conduzidas, presas, para o Arsenal da Marinha, em Portugal, mais 180 freiras. O governo ocupará militarmente os conventos, que serão confiscados. As famílias ricas têm dado abrigo a centenares de freiras. —

APREENSÕES Rio, 13 – O governo republicano português mostra-se apreensivo com a agitação anticlerical. Grande multidão de populares que entrou, de archotes acessos, na igreja do Senhor dos Passos, em atitude agressiva aos padres, foi recebida por estes a tiros e a bombas de dinamite.

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Reto Monico e Francisco das Neves Alves

Notícias de Portugal – [. . . ]7 CONTRA O CLERO Rio, 14 – No comício anticlerical havido no largo de S. Francisco falou Deoclides Carvalho. Em seguida, a multidão percorreu diversas ruas, saudando as redações dos jornais. Foram vaiados os mosteiros de S. Bento e o convento dos Carmelitas, está na Lapa. A polícia impediu um ataque a essas casas religiosas. A concorrência de povo ao meeting foi extraordinária. Após, um grupo de populares foi ao palácio do Catete, pedindo ao presidente da República que impedisse a entrada no território brasileiro dos frades ultimamente expulsos de Portugal. Nilo Peçanha respondeu que escapava isso à sua alçada, sendo uma atribuição do congresso nacional. A comissão irá hoje ao congresso. [. . . ] —

NÃO RECONHECE Rio, 14 – Telegrafam de Berna, capital da Suíça, dizendo que o governo ali não reconhece a República de Portugal e que apenas estará em relações, a exemplo do que está fazendo o Brasil. —

ENFERMO Rio, 14 – Adoeceu, em Gibraltar, o rei de Portugal, D. Manuel II. — 7

Diário do Rio Grande, Rio Grande, 14 de outubro de 1910, ano 62, n.o 264, p. 2.

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INVENTÁRIO Rio, 14 – Em Lisboa foi nomeada uma comissão para inventariar o palácio das Necessidades. —

COMBATE DO DIA 4 Rio, 14 – No combate do dia 4, em Lisboa, morreram 68 pessoas e saíram feridas 728. —

NOVO PARTIDO Rio, 14 – O chefe monarquista português Teixeira de Sousa, que acaba de aderir ao governo republicano, formará um novo partido. —

POSSE Rio, 14 – Deixou, como ontem comuniquei sob consta, a pasta das finanças do Portugal o Dr. Basílio Teles. O seu substituto, José Relvas, já tomou posse do cargo. —

LIBERDADE Rio, 14 – Por ter declarado que aderia à República, foi solto, em Lisboa, o chefe monarquista António Cabral, que se achava recolhido ao quartel do 11o batalhão de infantaria. —

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Reto Monico e Francisco das Neves Alves

DEMISSÃO Rio, 14 – Foram demitidos os ministros de Portugal aqui, em Paris, Viena de Áustria e Berlim. —

ADESÕES Rio, 14 – Os supremos tribunais portugueses aderiram à República. [. . . ] —

NADA FARÁ Rio, 14 – O rei Afonso XIII, de Espanha, nada fará pela defesa da Monarquia Portuguesa. —

O RECONHECIMENTO Rio, 14 – O Dr. Bernardino Machado declarou, em Lisboa, que entre as muitas potências que reconhecerão a República de Portugal figurará, como uma das primeiras, o Brasil. —

REIS DE PORTUGAL Rio, 14 – A rainha D. Amélia e o seu filho D. Manuel II, abatidíssimos, deixaram Gibraltar, seguindo para a Inglaterra.

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TELEGRAMAS _________________ Serviço esp. do Diário do Rio Grande _________________ Notícias de Portugal – [. . . ]8 NOMEAÇÃO Rio, 17 – Em Lisboa, foi nomeado secretário do ministério das finanças Inocêncio Camacho, lente da Escola Politécnica. —

LEIS PORTUGUESAS Rio, 17 – O governo português substituiu o código administrativo em vigor ali pelo de 1878. A elaboração do código de instrução criminal será confiada a dois juízes togados. O Dr. Afonso Costa está elaborando as leis do divórcio e da separação da Igreja do Estado. As câmaras serão autónomas. [. . . ] —

ALMOÇO Rio, 17 – Em Lisboa foi oferecido um almoço à oficialidade do cruzador Barroso. O cônsul brasileiro ali, Ferreira da Cunha, brindou à República de Portugal. [. . . ] 8

Diário do Rio Grande, Rio Grande, 17 de outubro de 1910, ano 62, n.o 266, p. 1.

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Reto Monico e Francisco das Neves Alves —

EMIGRAÇÃO Rio, 17 – Em Lisboa, o Dr. Bernardino Machado sugeriu a ideia de ser feito, sobre emigração, um pacto com o Brasil, ou então forçar as companhias contratantes ao transporte gratuito de todos os emigrantes que queiram regressar à pátria.

A revolução em Portugal _________________ OPINIÕES DA IMPRENSA ESTRANGEIRA _________________ NOTAS DIVERSAS9 _________________

No intuito de bem informar os nossos leitores em relação aos sucessos de Portugal e à maneira, lisonjeira aos republicanos desse país amigo, como está sendo recebida pela imprensa estrangeira a notícia do movimento reformador que nele atualmente se opera, fazemos aqui hoje o arrolamento de diversas notas, sem dúvida interessantes, sobre o assunto: O Standard, de Londres, receia que a revolução tenha uma repercussão prejudicial na Espanha. O Sr. Canning Hame Grahame publica em The Nation um artigo em que trata de mostrar que o povo republicano não é realmente republicano. A Pall Mall Gazette acha que a monarquia era impopular, sendo apenas apoiada pela igreja, debilitada por uma série de corrupções. Ela devia, pois, ser derrubada – diz o articulista – mas os novos governantes do país fariam bem em educar o povo no sentimento de fazer bom uso da independência. — 9

Diário do Rio Grande, Rio Grande, 17 de outubro de 1910, ano 62, n.o 266, p. 1

e 2.

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Telegrafam de Lisboa para Londres que o governador civil da cidade, Sr. Eusébio Leão, publicou um edital recomendando ao povo ordem e trabalho, que será a devida da Pátria libertada pela República e pedindo a todos os cidadãos que sejam os primeiros a manter a tranquilidade pública, respeito às pessoas e as propriedades dos estrangeiros, respeito às pessoas e propriedades dos portugueses qualquer que sejam as suas posições, profissões e opiniões políticas ou religiosas. — O presidente do governo provisório, Dr. Teófilo Braga, fez publicar um manifesto ao exército e à armada. Nesse manifesto, o governo provisório da República, saúda as tropas de terra e mar que com o povo instituíram a República para felicidade da Pátria e manifesta a sua confiança no patriotismo de todos, por isso é que a República foi feita para todos. Acrescenta esperar que os oficiais do exército e da armada que não tomaram parte no movimento revolucionário se apresentem ao quartel general a fim de garantir sob sua honra a mais absoluta lealdade ao seu regime. Termina aconselhando aos revolucionários guardarem todas as suas posições para defesa e consolidação da República. [. . . ] — Sabe-se que no Buçaco estavam concentradas algumas divisões do exército português para as manobras do outono. Essas manobras, este ano, tinham ainda um motivo particular de realce: a comemoração do centenário da guerra peninsular. É possível que os revolucionários tivessem aproveitado a ausência dos batalhões de suas paradas fixas para provocarem o movimento. Das tropas reunidas no Buçaco não se tem notícia certa. —

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A revolução estalada da forma que já noticiámos, tomou incremento quando a guarda municipal saiu para as ruas em armas e o povo se dirigiu aos quartéis aclamando as tropas, parte das quais fez causa comum com os revolucionários. O primeiro regimento que se sublevou foi o 13o . Alguns oficiais quiseram impedir a sublevação das tropas, mas foram logo crivados de balas. O 5o de linha e o 1o de caçadores seguiram o movimento. No mesmo instante o almirante comandante da esquadra içava a bandeira da República, que foi saudada com 30 tiros de canhão. Desde esse momento, os combates não cessaram nas ruas de Lisboa. — Viajantes chegados a Biarritz dizem que a população de Lisboa absolutamente não tomou parte na revolta, pelo menos no começo. Um regimento de artilharia abriu o fogo sobre a guarda civil. Algumas tropas permaneceram fiéis ao rei, mas os revolucionários ocuparam todos os pontos estratégicos da capital. — Os jornais republicanos de Paris, exprimindo embora sua simpatia pessoal pelo rei D. Manuel e à família real portuguesa, esperam que, com o apoio do exército e do povo, os chefes do presente movimento revolucionário de Lisboa possam estabelecer um regime liberal sólido e capaz de acabar com os erros e abusos que justificam o derribamento da monarquia portuguesa. O Journal, comentando os acontecimentos de Portugal, prediz uma crise política em Espanha. O Gaulois lastima que el-rei D. Manuel tenha dado prova de insuficiente autoridade a propósito do parlamento, em cuja dissolução consentiu, mas recorda que ele era uma criança quando recebeu sua coroa de sangue. — Telegrama de Lisboa para o Lokal Anzeiger de Berlim afirmava, em data de 6, que El Rei Dom Manuel se achava a bordo do couraçado brasileiro S. Paulo. www.clepul.eu


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Dizia a mesma informação, pormenorizando a sua fuga para bordo, que, ao cair da noite de terça-feira, o S. Paulo mandou uma chalupa bordejar nas proximidades do Palácio Real das Necessidades, para aí apanhar o Rei e os outros membros da família real e conduzi-los para bordo. Após uma pequena hesitação, os soberanos aceitaram o convite e resolveram embarcar para o S. Paulo. O diretório revolucionário posto ao corrente da fuga, fechou os olhos. — Os jornais de Roma ainda se ocupam largamente dos acontecimentos de Portugal e todos eles consideram a República ali como um fato consumado. Muitos publicam os retratos dos membros do governo provisório. — O chefe do governo provisório da República de Portugal, Dr. Teófilo Braga, notificou às potências a proclamação da República sob a direção de um governo provisório que garante a ordem pública, assim como a solidariedade das províncias com a capital. Quanto aos boatos da intervenção da Alemanha, são absurdos, diz uma folha de Berlim, pois Império Alemão cogita tão somente de proteger a vida e propriedade dos súbditos alemães. Relativamente ao casamento da princesa imperial Vitória Luísa com Dom Manuel, dizem os jornais que nunca se pensou em tal na Corte alemã, pois este boato teve origem em círculos da aristocracia portuguesa. — Telegrafam de Roma, dizendo que o Vaticano não tem recebido comunicação oficial alguma dos acontecimentos de Portugal, com que Sua Santidade o Papa se mostra muito sentido. Considera-se a situação do Núncio Apostólico ali muito embaraçosa. A atitude do Vaticano em face do novo governo é ainda incerta. — www.lusosofia.net


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A notícia da proclamação da República em Portugal foi geralmente bem acolhida na Argentina. — Acredita-se em S. Sebastian, Espanha, que o ex-Rei D. Manuel passou por ali em caminho de ferro acompanhado por sua mãe D. Amélia. — Na sua edição da manhã, de 7 do corrente, o Daily Chronicle, de Londres, publicou a narrativa completa do movimento revolucionário em Portugal, transmitida pelo seu correspondente em Lisboa, num telegrama expedido de Vigo, para onde ele partira. Nesse despacho, depois de descrever a revolta da população e a imediata simpatia da maior parte das tropas, segunda e terça–feria, diz o correspondente do jornal londrino: «Ao cair da noite de terça-feira, os dois partidos estavam muito esperançados e confiantes nos sucessos. Tanto segunda como terça-feira ninguém dormiu em Lisboa. As trevas que caíram sobre a cidade sublevada não podiam ser dissipadas pelo vago clarão de alguns tiros de peça. Tomando a direção das elevações setentrionais da cidade, aventurei-me a atravessar as linhas dos combatentes. Mergulhando-me na Avenida da Liberdade, então quase deserta, verifiquei que os realistas tinham guarnecido com canhões os pontos altos que ficam a oeste da Avenida e bombardeavam as posições dos insurrectos. A segunda bateria colocada no Terreiro do Paço, perto do Asilo de loucos, bombardeava igualmente as posições rebeldes. Na escuridão, era, porém, impossível verificar em que lugares caiam os obuses e os prejuízos por eles causados. As equipagens dos dois cruzadores republicanos estavam certamente exaltadas e receavam o ataque a torpedos. Os seus obuses roçavam pelos navios ingleses e os disparos dos seus canhões revolviam as águas negras da baía. Depois foram escrutar cautelosamente o «dreadnought» brasileiro S. Paulo, como que receando perigo deste lado. www.clepul.eu


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Mas já a terrível tragédia se consumava. Mais longe, na baia, perto do cais Cassinai, a meia milha do meu hotel, o cruzador D. Carlos ancorava. Durante o dia, o cruzador não deu sinal algum de vida. De repente, porém, observava-se a bordo viva comoção: ouviam-se gritos de homens disputando-se apareciam fogos aqui e ali. Algum acontecimento de importância se passava. Súbito, uma descarga de fuzileiros, depois, uma outra; logo, após, ouvia-se o troar de canhões. Três espectadores no alpendre do hotel trocaram olhares, que se compreendiam. A fação republicana da equipagem se motinara e tentava apoderar-se do navio que, até o pôr do sol, hasteava o pavilhão real. Todas as nossas duvidas desapareceram quando o holofote de proa do navio veio aclarar a situação. Um grupo de oficiais e alguns marinheiros estavam de pé, perto do canhão, enquanto o holofote descobria a imobilizava em meio de um raio brando, inimigos ocultos na escuridão. Em meio deles vi homens no castelo de popa assestando o canhão. Mas, cegos pela luz intensa com podiam eles atirar? Seguiram-se as trevas, mas reapareceu a luz dos holofotes, enquanto sombrios uniformes se destacavam no brilho da luz branca, o canhão oculto atroou ainda e o resto do grupo que se achava no castelo de popa caiu. Ainda uma vez os holofotes iluminaram, mas já não era preciso outras balas republicanas. O pequenino grupo estava morto e assim pereceram os últimos bravos oficias. Os homens do D. Carlos selaram com a vida o juramento de fidelidade ao rei.» — O Journal, de Paris, recebeu o seguinte telegrama de Lisboa: «No momento em que rebentou a revolução, El-Rei D. Manuel acordou-se e perguntou ao pessoal do Palácio as razões do tumulto. Responderam-lhe que era uma reunião de praça pública, mas foi preciso logo depois dizer-lhe a verdade e pedir-lhe que abandonasse o Palácio, porque a segurança não estava garantida. O Rei recusou-se com energia, declarando que era seu dever aguardar os acontecimentos quaisquer que eles fossem. www.lusosofia.net


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Finalmente, quando o Embaixador da Espanha e o Presidente do Conselho o persuadiram, D. Manuel partiu para Sintra, onde conversou com sua mãe, a Sra. D. Amélia. O Rei esforçou-se ainda por tornar a Lisboa, mas foi afinal persuadido que devia embarcar num navio de guerra». — No momento de embarcar no iate real D. Amélia em Lisboa, o Príncipe D. Afonso despedindo-se do povo que o acompanhava, disse, comovido, que era português e esperava morrer em Portugal. — Sabe-se que a revolução foi antecipada, pois somente deveria rebentar depois da partida de D. Manuel para o norte do país. Conforme o plano assentado pelos revolucionários, uma vez tendo partido o comboio real, seriam presos na «gare» do Rossio os membros do governo todas as autoridades oficiais que fossem acompanhar o Rei no seu embarque. O comboio conduzindo o Monarca seria detido numa estação intermediaria e aí capturado D. Manuel pelos revolucionários. — O jornal republicano A Capital de Lisboa, diz que, um pouco antes das 8 horas da manhã do dia imediato à explosão do movimento revolucionário, o Duque do Porto embarcou no iate Amélia, o qual partiu para a Ericeira. No mesmo momento a rainha D. Amélia partia de Sintra, em automóvel, para Mafra, e, uma hora depois, a Sra. D. Maria Pia partia igualmente para Mafra. No meio da noite procedente, enquanto o Palácio das Necessidades era bombardeado, D. Manuel saía por uma porta dos fundos, ganhava Sintra e depois Mafra. Às 10 horas da manhã o iate Amélia, que estava pronto para a fuga, ancorou ao largo das costas da Ericeira. Entretanto eram terminados todos os preparativos para a família de Bragança partir para Ericeira, escoltada por vinte cavaleiros da Escola de Mafra. www.clepul.eu


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Chegou à praia às 3 horas da tarde e aí embarcou em barcos de pesca, acompanhada por duas damas e dois homens e ganhou o iate real. – Adiantam de Lisboa os seguintes pormenores sobre a fuga da família real: D. Manuel saiu do Palácio das Necessidades no dia 4, envolto em cobertores, tomando um automóvel que seguiu para Mafra. Em outro automóvel, partiram com o mesmo destino o Conde de Sabugosa, Grão Mestre da Corte e o Marquês de Faial, Capitão da guarda real. Na praia de Ericeira, por ocasião do embarque no iate D. Amélia, o rei D. Manuel estava abatido e triste. A Rainha D. Maria Pia tinha o aspeto de uma pessoa dolorosamente agitada. A Rainha D. Amélia, revelando maior presença de espírito, despediu-se das poucas pessoas da Corte que acompanharam a família real até à praia, dizendo: «Até à volta, até à volta. Eu confio que ainda haja portugueses.» As autoridades civis e militares de Mafra forneceram ao Governo relatórios circunstanciados sobre a fuga e o embarque da família real. — O Coronel Xavier Barreto, Ministro da Guerra, ao atravessar as ruas de Lisboa, foi alvo de delirantes ovações, durante as quais as senhoras, das janelas, agitavam os lenços. O Ministro da Guerra visitou o acampamento da rotunda, tendo-lhe sido apresentado os revolucionários que mais se distinguiram, entre os quais duas mulheres que combateram heroicamente ao lado dos insurretos, disparando carabina. — O Capitão-Tenente Frederico Pinheiro Chagas comandante de um torpedeiro, vendo-se desobedecido pela tripulação, no momento em que se deu a sublevação da esquadra em Lisboa, suicidou-se. —

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O Rei Vítor Manuel recebeu um telegrama da Rainha D. Maria Pia, que o cruzador inglês Newcastle expediu para Roma, e imediatamente o Governo italiano deu ordem de seguir para Cádis o cruzador Regina Elena — Um telegrama de Turim diz que a Princesa Clotilde ofereceu hospitalidade à Rainha D. Maria Pia, em seu castelo de Moncalieri, tendo esta aceitado o oferecimento e resolvido ir residir com ela. — Entre os revolucionários mortos cita-se o Dr. França Borges, diretor do jornal republicano do Porto O Mundo. O Dr. França Borges teria sido morto no momento em que chegava à entrada do palácio real, com um grupo com que combatia os oficiais que se opunham ao movimento e que foram executados sumariamente. — Segundo se diz, o Rei D. Manuel logo depois de romper a revolução, viu-se quase abandonado. No Palácio das Necessidades chegou a estar acompanhado apenas de dois criados. Sabe-se que D. Manuel e a Rainha Maria Pia, na ocasião do embarque, declararam que com muita saudade deixavam Portugal, onde tinham certeza que não mais voltariam.

TELEGRAMAS _________________ Serviço esp. do Diário do Rio Grande _________________ www.clepul.eu


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Notícias de Portugal — Contra o clero [. . . ]10 REVOLTA ACADÉMICA Rio, 19 – Os estudantes da Universidade de Coimbra revoltaram-se contra os lentes, destruindo o mobiliário da academia. Uma das suas reclamações é a reforma liberal do ensino, pedindo também a expulsão dos lentes reacionários. —

O ÊXODO Rio, 19 – Chegaram, pelo Cap Arcona, alguns dos muitos frades recentemente expulsos de Portugal. Os seus correligionários do mosteiro de Santo António, aguardavam-nos, garantidos pela policia. Não houve desordens. [. . . ]

OS JESUÍTAS Rio, 19 – O Juiz federal negou a habeas corpus impetrado pelos jesuítas expulsos de Portugal, visto não ser caso para isso, podendo o governo português fazer o que está fazendo, escudado na lei que regula a expulsão. [. . . ]

SUCESSOS DE PORTUGAL Rio, 19 – Foram presos em Lisboa cinco indivíduos suspeitos, que, segundo se supõe, pretendiam assassinar o Dr. Cândido Reis. —

10

Diário do Rio Grande, Rio Grande, 19 de outubro de 1910, ano 62, n.o 268, p. 2.

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Reto Monico e Francisco das Neves Alves

ADESÃO DO PATRIARCA Rio, 19 – Aderiu ao governo republicano de Portugal o patriarca de Lisboa. —

NÃO SURPREENDEU Rio, 19 – O ex-chefe monarquista português Teixeira de Sousa declarou, entrevistado, que a revolução não surpreendeu o governo, pois que este sabia perfeitamente que ela estava sendo preparada desde janeiro de 1908. —

DÍVIDA FLUTUANTE Rio, 19 – Os oficiais da marinha portuguesa alvitraram pagar a dívida flutuante do país, por meio de uma subscrição nacional. —

A RESTAURAÇÃO Rio, 19 – Teixeira de Sousa que foi um monarquista de prestígio e tido sempre como um dos melhores e mais dedicados amigos da Casa de Bragança, acaba de declarar que considera inútil a restauração. [. . . ] —

MEETING Rio, 19 – Devido ao desembarque nesta capital de vários frades expulsos de Portugal, houve esta noite no Largo de S. Francisco, outro comício, falando Deoclides de Carvalho, que protestou, com energia, contra a invasão dos padres estrangeiros. A multidão dirigiu-se, depois, ao palácio do Catete, sendo recebida por Alcebides Peçanha, irmão de Nilo, que prometeu levar o fato ao conhecimento do presidente da República. www.clepul.eu


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DIRECTORIA DIRECTOR: ERNESTO RODRIGUES DIRECTORES-ADJUNTOS: JOSÉ EDUARDO FRANCO ANA PAULA TAVARES SECRETÁRIA: LUÍSA MARINHO ANTUNES VOGAIS: LUÍS DA CUNHA PINHEIRO PAULA CARREIRA

DIRETORIA PRESIDENTE: FRANCISCO DAS NEVES ALVES VICE-PRESIDENTE: PEDRO ALBERTO TÁVORA BRASIL DIRETOR DE ACERVO: MAURO PÓVOAS 1º SECRETÁRIO: LUIZ HENRIQUE TORRES 2º SECRETÁRIO: RONALDO OLIVEIRA GERUNDO 1º TESOUREIRO: VALDIR BARROCO 2º TESOUREIRO: ROLAND PIRES NICOLA



Conselho Editorial António Ventura (Universidade de Lisboa) Carlos Alexandre Baumgarten (PUCRS) Carlos Carranca (Universidade Lusófona) Eloisa Helena Capovilla da Luz Ramos (UNISINOS) Ernesto Rodrigues (Universidade de Lisboa) Francisco das Neves Alves (FURG) Francisco Topa (Universidade do Porto) Isabel Lousada (Universidade Nova de Lisboa) José Eduardo Franco (CIDH-CLEPUL) Luiz Henrique Torres (FURG) Maria Eunice Moreira (PUCRS) Mauro Nicola Póvoas (FURG) Vania Pinheiro Chaves (CLEPUL)



Esta publicação foi financiada por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do Projecto «UID/ELT/00077/2013»


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Vinte e um anos separam a proclamação da República no Rio de Janeiro e a de Lisboa. No Brasil, em novembro de 1889, um golpe militar palaciano põe um ponto final ao Império e manda D. Pedro II para o exílio. Em outubro de 1910, na capital portuguesa, uma revolta militar republicana obriga D. Manuel II (nascido a 15 de novembro de 1889) a deixar definitivamente o país rumo à Inglaterra. Depois de ter perdido o poder no Brasil, os Bragança são forçados a abandonar o trono igualmente em terras lusas. Neste livro, Reto Monico e Francisco das Neves Alves apresentam aquilo que três jornais da cidade de Rio Grande publicam sobre estas duas revoluções, as quais marcam uma viragem institucional na história dos dois países, separados por um oceano, mas com tantas tradições e fundamentos históricos em comum. Se, em relação aos eventos de 1889, o Eco do Sul, o Artista e o Diário do Rio Grande escrevem artigos nos quais exprimem a sua opinião sobre a mudança de regime, vinte e um anos mais tarde, os três periódicos riograndinos só publicam notícias e despachos, sem dedicar nenhum editorial à Revolução republicana portuguesa. Por um lado, há um cuidado redobrado para evitar problemas nas relações bilaterais; por outro lado, isso tem a ver com a transformação da imprensa brasileira em geral, na qual a informação toma cada vez mais força e espaço à custa dos comentários editoriais e das análises jornalísticas.


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