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A Guerra do Paraguai na perspectiva de um historiador gaúcho

As temáticas atinentes à Guerra do Paraguai tornaram-se um dos tópicos que contou com significativa abordagem de parte dos historiadores gaúchos. Tal preferência devia-se à importância do conflito para o contexto sul-rio-grandense, uma vez que o próprio território do Rio Grande do Sul sofreu com a invasão do inimigo, além do fato de que uma considerável parte dos contingentes envolvidos no enfrentamento era oriunda da província sulina. Muitos desses estudos buscavam articular a Guerra da Tríplice Aliança com os tantos movimentos bélicos que marcaram a formação da fronteira rio-grandense-do-sul, com os enfrentamentos entre portugueses e espanhóis, à época colonial, e entre o Império e seus vizinhos platinos, no período posterior à independência. Esse foi o caso do texto publicado por Henrique Oscar Wiederspahn, publicado na Enciclopédia riograndense, em seu primeiro volume, editado em 1956. Tal enciclopédia pretendia abordar “uma larga visão do labor humano através do tempo e do espaço no Estado do Rio Grande do Sul”, constituindo uma “obra voltada para um conjunto harmonioso de ideias e realizações do homem gaúcho”. Era anunciado que nas páginas da

publicação “filtram-se, através das múltiplas colaborações das figuras exponenciais da cultura” riograndense, “as luminosidades de um passado pleno de acontecimentos marcados pelo timbre do progresso”. Os editores da obra demarcavam que recolheram “elementos os mais diversos”, lançando-se “a uma empresa de envergadura heroica”, encerrando “tudo quanto diga respeito à unidade política brasileira do extremo meridional do país”37 . O artigo de Wiederspahn foi publicado no volume inaugural da Enciclopédia rio-grandense denominado de “O Rio Grande Antigo”, o qual abordava temas como os indígenas, os açorianos, os colonos alemães, os imigrantes italianos, as questões platinas, a Revolução Farroupilha, a transição monarquia – república e a Revolução Federalista. Na abertura da publicação, o escritor em pauta era apresentado como tenente-coronel, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRGS) e Diretor da Revista Militar e sua colaboração era intitulada “Das guerras cisplatinas às guerras contra Rosas e contra o Paraguai”38 . Henrique Oscar Wiederspahn nasceu na localidade gaúcha de Montenegro, no ano de 1906. Estudou no Grupo Escolar Luís Delfino, em Blumenau;

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37 CUNHA, Liberato Salzano Vieira da. Prefácio. In: Enciclopédia Rio-Grandense. Canoas: Editora Regional, 1956, v. 1, p. iv. 38 WIEDERSPAHN, Henrique Oscar. Das guerras cisplatinas às guerras contra Rosas e contra o Paraguai. In: Enciclopédia Rio-Grandense. Canoas: Editora Regional, 1956, v. 1, p. 149-257.

no Colégio São José, em Porto Alegre; no Ginásio São Jacó, em Novo Hamburgo; no Ginásio Santa Maria, em Santa Maria; na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, na qual se formou como aspirante; e na Escola de Aperfeiçoamento do Exército no Rio de Janeiro. Foi oficial do Exército, tendo servido no Rio de Janeiro, em Cruz Alta, em Belém e em Vitória. Atuou como instrutor da Escola Militar do Realengo e da Escola de Aviação do Rio de Janeiro, sendo ainda diretor administrativo do Observatório da Universidade de São Paulo. Além de militar, foi historiador, ensaísta, heraldista e genealogista, tendo pertencido, ao IHGRGS, ao Instituto Histórico e Geográfico do Pará, ao Instituto Genealógico Brasileiro e à Academia Brasileira de Ciências Sociais e Políticas39 . Alguns dos trabalhos publicados por Wiederspahn foram: a Batalha de Ituzaingó (1933); A conquista das Missões (1934); O Rio Grande do Sul –capitania geral (1934); O caso Saldanha (1934); Cannae e nossas batalhas (1934); Bento Gonçalves da Silva e Lavalleja (1935); Invasões de Ceballos e Vertiz (1936); O homem da pré-história (1936); A Guerra das Reduções (1937); A conquista de Cerro Largo (1937); Os lagunistas e Silva Paes (1937); Origens da raça mediterrânea ocidental (1938); Dos descendentes do vicentista Pedro Leme (1946); A tomada de Curuzu (1947); O III Centenário da 1ª Batalha dos Guararapes (1948); Nomes

39 MARTINS, Ari. Escritores do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da UFRGS; Instituto Estadual do Livro, 1978. p. 625.; e VILLAS-BÔAS, Pedro. Notas de bibliografia sulrio-grandense: autores. Porto Alegre: A Nação; Instituto Estadual do Livro, 1974. p. 547.

de famílias brasileiras (1950); Apontamentos sobre a família dos Zielewicz (1951); A Corte Portuguesa no Rio de Janeiro (1957); e A missão de D. Diogo de Souza (1963)40 .

40 MARTINS. p. 625-626.; e VILLAS-BÔAS. p. 547-548.

O texto publicado na Enciclopédia Rio-Grandense por Wiederspahn abordava as inter-relações entre o Brasil, e especificamente o Rio Grande do Sul, com a região platina, localizando as origens de tais interfaces na fundação da Colônia do Sacramento, em 1680, e, a partir daí dedicando-se a temas como “As guerras guaraníticas”, “Dominação espanhola no Rio Grande do Sul”, “A reconquista do Rio Grande”, “Conquista das Missões Orientais e de Cerro Largo”, “Causas ideológicas das Guerras Cisplatinas”, “A campanha de D. Diogo de Souza; Guerra Cisplatina contra Artigas”; “A independência e a organização do primeiro exército nacional”, “Guerra Cisplatina contra Buenos Aires” e “A

Guerra contra Rosas”. Já “A Guerra do Paraguai” constituía o derradeiro segmento do capítulo. Na abertura da parte a respeito da Guerra da Tríplice Aliança, o autor destacava algumas divergências quanto às fronteiras argentino-paraguaias e brasileiroparaguaias. Em seguida, já era demarcada a primeira crítica ao Paraguai, no que tange à sua formação histórica, com a asseveração de que em tal país, “desde sua declaração de independência criara-se uma situação de verdadeira tirania interna, sob uma administração personalista e cruel”, ainda que “sob o nome pomposo de república”. O olhar de censura recaía também sobre o sistema de “sucessão hereditária” que estaria a dominar o Paraguai. Francisco Solano Lopez, por sua vez, era definido como, apesar de “amigo da ilustração”, um “homem atrasado que com ninguém se aconselhava quanto aos negócios públicos”. De acordo com o historiador gaúcho, o Paraguai “era administrado como se fosse uma propriedade particular e com o mesmo rigorismo autocrático de um ‘senhor de engenho’ antigo”. Nessa linha, Wiederspahn defendia a ideia de que Solano Lopez sustentava projetos expansionistas em relação aos seus vizinhos, bem como almejava a hegemonia subcontinental41 . O militar-historiador sul-rio-grandense apontava para “todas as deficiências” da “organização militar” paraguaia, as quais seriam “decorrentes do atraso cultural e técnico existente no país”, embora reconhecesse que a mesma possuía a vantagem de já estar preparada há muito tempo e sob cuidadoso sigilo. Além disso, o autor lembrava o “patriotismo” e o “ardor

41 WIEDERSPAHN. p. 231-232.

cívico do povo paraguaio”, como fatores que beneficiaram a resistência guarani. Para Wiederspahn, todo esse forço acabaria por servir apenas para sustentar um “sistema característico dos comandos ditatoriais, como o exercido pelo Ditador-Presidente”, ou “pelo elSupremo, como era designado” Lopez42 . O capítulo escrito por Wiederspahn descrevia o contexto político argentino e uruguaio, nos anos que antecederam a Guerra do Paraguai, com especial atenção à intervenção brasileira no Uruguai, fator que serviria de estopim para a deflagração daquele conflito. Segundo o autor, no entanto, as causas da Guerra da Tríplice Aliança prendiam-se às invasões que os paraguaios moveram contra o território brasileiro. Ao comentar estes primórdios do enfrentamento, o escritor defendia que “o Brasil inteiro se ergueu, como um só homem, para lavar esta afronta, na primeira guerra externa verdadeiramente nacional”, pois a mesma seria “diferente das anteriores lutas no sul”, as quais, “de fato, apenas haviam apaixonado os moradores do Rio Grande do Sul, como diretamente envolvidos e interessados”43 . Fez parte do interesse da abordagem do autor a construção das forças bélicas brasileiras que estivesse “em condições de repelir dignamente a afronta recebida”, referindo-se ao contingente regular e à formação dos corpos de voluntários da pátria. O escritor preocupou-se em descrever minuciosamente os números de militares engajados para o enfrentamento bélico, bem como com as baixas sofridas em combate e os montantes despendidos para sustentar a guerra. Também era

42 WIEDERSPAHN. p. 232. 43 WIEDERSPAHN. p. 233-237.

reservado no texto espaço para a mobilização de tropas em diversas das zonas e localidades sul-rio-grandenses. A partir de significativo fervor patriótico, o historiador destacava o papel dos “bravos militares brasileiros participantes desta campanha”, os quais mereceriam a “admiração e o culto ancestral de todos os que no Brasil têm a sua pátria e que cooperam para deixá-la digna e respeitada como foi naquele tempo” e ainda “como é e deverá permanecer como herança ancestral a filhos e seus descendentes dignos deste nome”44 . De acordo com o autor, “os acontecimentos desta campanha são bastante conhecidos”, passando a enfatizar certos detalhes de alguns dos combates, com destaque para as dificuldades enfrentadas pelas tropas brasileiras, mormente as de ordem climática e as vinculadas ao terreno, passando o escritor a privilegiar nesse segmento de seu trabalho a abordagem calcada na História Militar. Ao narrar o encerramento do conflito, com a morte de Lopez, Wiederspahn constatava que terminara “aquela guerra sanguinolenta, uma verdadeira guerra total para o bravo e destemido povo paraguaio que ainda sofre em nossos dias consequências” daquela “louca aventura provocada por seu chefe de então”, em um quadro pelo qual “os poucos sobreviventes, na sua grande maioria mulheres e crianças, mal atingiriam 200.000 habitantes”, que estariam “em condições de iniciar a reconstrução de sua pátria coberta de destroços e ruínas”45 . Ao concluir, Wiederspahn, demarcava que, “ao folhearmos as principais e mais conhecidas obras sobre

44 WIEDERSPAHN. p. 238-246. 45 WIEDERSPAHN. p. 246-257.

esta guerra contra Lopez”, não seria possível “deixar de verificar que em todas as fases deste drama sangrento, todos aqueles que do mesmo participaram no exército” e na “marinha o fizeram com entusiasmo e abnegação, sem distinção de posto hierárquico e nem de função”. O autor reconhecia “que nem todos aparecem citados nominalmente, mas o dever e os méritos a todos igualaram”, de modo que “seus nomes aparecem claramente nos feitos aqui resumidos ao lado daqueles que como seus chefes os conduziram”, naqueles “tantos feitos, maiores ou menores”. Nessa linha, ao fim, o historiador-militar exclamava que “brasileiros de todas as antigas províncias e brasileiros de todas as origens, de nascimento ou adoção”, que fossem “veteranos do Paraguai” e de “outras campanhas que tiveram o Rio Grande do Sul como palco ou como início, merecem de todos os seus descendentes um pouco deste carinho” exigido pelo “amor à tradição e ao culto ancestral”, de modo que aquilo “que foi feito e realizado com sangue e suor dos que morreram continue alicerçando o presente e o futuro do nosso Brasil”46 . Dessa maneira, já na segunda metade da década de 1950, o historiador-militar Henrique Oscar Wiederspahn mantinha em seus escritos pressupostos extremamente tradicionais em termos historiográficos. Sem levar em conta qualquer dos preceitos teóricometodológicos que então renovavam o ato de fazer história, o escritor optava por manter a perspectiva da glorificação do passado, visando a enaltecer os considerados “feitos” dos antepassados, guindados à categoria de heróis, cujas ações deveriam servir como

46 WIEDERSPAHN. p. 257.

exemplos cívicos e morais para as novas gerações. Nesse sentido, em seu texto acerca dos confrontos bélicos platinos, ao dedicar-se à Guerra do Paraguai, o autor preferia o tom laudatório e a heroicização para com os personagens que atuaram no teatro de operações. Nessa linha, os acontecimentos pretéritos deveriam ganhar vida no presente e marcar sua presença para o futuro, sendo a História encarada como a “mestra da vida”, ou seja, aquela da qual emanavam ensinamentos e linhas de condutas regidas pelo patriotismo.

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