Dia Mundial da alimentação saudável-2015 Coletânea de poemas temáticos de diversos autores
Poema da alimentação Para a gente ter saúde E sentir‐se equilibrada É necessário que mude Uma coisa ou outra errada. Falar de alimentação Que racional deve ser Quer dizer, ter atenção Ao que vamos comer. Quem quer matar a fome Como que a barriga ilude. Escolhendo o que se come Podemos ter mais saúde. Na criança em crescimento, Que é uma etapa especial, Tem de ser o alimento Coisa mais substancial. Vamos então estudar Uma dieta a preceito, E os meninos ensinar A comerem com proveito. De manhã faz bem Um copo de leite cheio, E pão com queijo também Com manteiga pelo meio. Como a manhã é comprida, Lá para as onze, onze e meia, Uma frutinha comida É sempre uma boa ideia.
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Nos almoços carne e peixe, Ou um ovo tanto faz E uma sopinha que deixe A tripazinha capaz. Lá para as cinco da tarde Lanchar sempre leite e pão. Não é comida que farte; É ligeira a refeição. Porque logo vem o jantar E precisas de ter fominha. Carne ou peixe e, a acompanhar, Arroz, batata ou massinha. Não te esqueças das saladas, Ou dos legumes cozidos: Com as suas cores variadas Fazem pratos coloridos. Água, beber amiúde, E doces só quando há festa. Para poder crescer com saúde, Podendo, dorme a sesta. Assim serás grande e forte, Alegre, são, bem disposto. E ajudarás a sorte Vivendo sempre com gosto.
AREIAS, Conceição. Onde meto o meu nariz?
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Lengalenga Foge o figo da figueira fica a figueira sem figo
fico eu sem as formigas formigas do formigueiro
foge o figo da figueira foge o fogo da fogueira
fico eu sem as farinhas farinhas das farinheiras
foge o figo da figueira fica a figueira sem figo
foge a faneca do forno sem faneca é que eu não fico
MENÉRES, Maria Alberta
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Almoço dos pardais Uma pereira vaidosa gritou: Náo há peras como as minhas!
A cerejeira vaidosa gritou: Náo há cerejas como as minhas!
A macieira vaidosa gritou: Não há maçãs como as minhas!
Os pardais ouviram isto e disseram Vamos ver se é verdade.
Comeram as peras, as cerejas e as
maçãs.
E chamaram a tudo... um figo.
MENÉRES, Maria Alberta in Um peixe no ar, Plátano de Abril
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A defesa do poeta Senhores jurados sou um poeta um multipétalo uivo um defeito e ando com uma camisa de vento ao contrário do esqueleto Sou um vestíbulo do impossível um lápis de armazenado espanto e por fim com a paciência dos versos espero viver dentro de mim Sou em código o azul de todos (curtido couro de cicatrizes) uma avaria cantante na maquineta dos felizes Senhores banqueiros sois a cidade o vosso enfarte serei não há cidade sem o parque do sono que vos roubei Senhores professores que pusestes a prémio minha rara edição de raptar-me em crianças que salvo do incêndio da vossa lição Senhores tiranos que do baralho de em pó volverdes sois os reis sou um poeta jogo-me aos dados ganho as paisagens que não vereis Senhores heróis até aos dentes puro exercício de ninguém minha cobardia é esperar-vos umas estrofes mais além Página 6 de 37
Senhores três quatro cinco e sete que medo vos pôs por ordem? que pavor fechou o leque da vossa diferença enquanto homem? Senhores juízes que não molhais a pena na tinta da natureza não apedrejeis meu pássaro sem que ele cante minha defesa Sou uma impudência a mesa posta de um verso onde o possa escrever ó subalimentados do sonho! a poesia é para comer.
Natália Correia As maçãs de Orestes 1970
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Uma laranja para Alberto Caeiro Venho simplesmente dizer que uma laranja é uma laranja e comove saber que não é ave se o fosse não seriam ambas uma só coisa volátil e doce de que a ave é o impulso de partir e a laranja o instinto de ficar. Não sei de nada mais eterno do que haver sempre uma só coisa e ela ser muitas e diferentes e cada coisa ternamente ocupar só o espaço que pode rodeada pelo espaço que a pode rodear. Sei que depois de laranja a laranja poderá ser até mesmo laranja se necessária mas cada vez que o for sê-lo-á rigorosamente como se de laranja fosse a exata fome inadiável. De ser laranja gomo a gomo o íntimo pomo como se enternece e não cabe em si de amor embriagada de saber que a sua morte nos será doce.
Natália Correia, in “O Vinho e a Lira”, O Diário de Cynthia, Poesia Completa Página 8 de 37
Frutos Pêssegos, peras, laranjas, morangos, cerejas, figos, maçãs, melão, melancia, ó música de meus sentidos, pura delícia da língua; deixai-me agora falar do fruto que me fascina, pelo sabor, pela cor, pelo aroma das sílabas: tangerina, tangerina.
Eugénio de Andrade
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AS AMORAS O meu país sabe às amoras bravas no verão. Ninguém ignora que não é grande, nem inteligente, nem elegante o meu país, mas tem esta voz doce de quem acorda cedo para cantar nas silvas. Raramente falei do meu país, talvez nem goste dele, mas quando um amigo me traz amoras bravas os seus muros parecem-me brancos, reparo que também no meu país o céu é azul.
Eugénio de Andrade Página 10 de 37
Dobrada à Moda do Porto Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo, Serviram-me o amor como dobrada fria. Disse delicadamente ao missionário da cozinha Que a preferia quente, Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria. Impacientaram-se comigo. Nunca se pode ter razão, nem num restaurante. Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta, E vim passear para toda a rua. Quem sabe o que isto quer dizer? Eu não sei, e foi comigo ... (Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim, Particular ou público, ou do vizinho. Sei muito bem que brincarmos era o dono dele. E que a tristeza é de hoje). Sei isso muitas vezes, Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram Dobrada à moda do Porto fria? Não é prato que se possa comer frio, Mas trouxeram-mo frio. Não me queixei, mas estava frio, Nunca se pode comer frio, mas veio frio.
Álvaro de Campos, in Poemas heterónimo de Fernando Pessoa Página 11 de 37
Figuinho da Capa rota Figuinho da capa rota É tão pobre e tão rotinho; Figuinho da capa rota Foi rota devagarinho. Figuinho da capa rota, Ai quem te quer almoçar! Figuinho da capa rota Eu nem o posso provar... Figuinho da capa rota, Verde nos primeiros tempos; Veio o Sol e veio a Lua. Vieram chuvas e ventos. Figuinho da capa rota; Que nasceu da mãe-figueira; Teve sóis e teve luas, Pássaros à sua beira. Figuinho da capa rota Bicado pelos passarinhos: Figuinho da capa rota Ninguém lhe põe remendinhos! Figuinho da capa rota Tornou-se da cor do mel; O tempo veio a rompê-lo, Rasgou-se como papel. Mas agora a mãe-figueira Está com folhas e sem fruto, Que o verde é sua maneira Muito simples de pôr luto. Matilde Rosa de ARAÚJO In: O Livro de t Página 12 de 37
A Amiga da China Tangerina que tanges O Sol do meio-dia És cara de menina Com pintas de alegria Teus gomos perfumados Tua pele tão fina Tangerina tão doce Que vieste da China Quando ia para - escola Teu perfume nas mãos Teu perfume no bibe Nos cadernos. No pão. Tu eras tão bonita! Eu era tão menina! Que saudades eu tenho Minha amiga da China
Matilde Rosa de ARAÚJO In: O Livro de ti Página 13 de 37
A Romã Passarinhos de cristal Cantam rubros em cada bago Caixa de música real Perdida por um rei mago.
Foi brinquedo de Natal Para o menino nascido Passaritos de cristal Brinquedo cedo perdido
Matilde Rosa de ARAÚJO In: O Livro da Tila Página 14 de 37
Baile das frutas Houve um dia na roça, Um baile espetacular, Organizado pelas frutas, Dentro de um belo pomar. O caju dançava com a pitanga, A jaca com o mamão, O caqui com a manga E a carambola com o limão. O baile seguia alegre, Cada vez mais animado, Com a chegada de mais frutas E os seus belos bailados. O jambo dançava com a uva, O abacate com a goiaba, O abacaxi com a banana E o melão com a jabuticaba. E nesse bailão animado, Triste estava a laranja, Ao ver o seu amado Dançando com a jabuticaba. O baile ia noite adentro, Atravessando a madrugada, Quando ouviu-se uma voz: "Vamos todos dançar e aproveitar, senão quem sabe amanhã, alguém pode nos chupar! "E assim continuou o baile, Até o sol raiar!...
Jaime Rezende Marquita Página 15 de 37
Banana Verde eu não presto e ninguém assim gosta, Macacos me adoram e pessoas deliram, Na feira estou em pencas à mostra, Passarinhos afoitos com bicos me bicam, Furando a casca e minha popa exposta, E bem “madurinha” a frigideira me tosta, Pareço salsicha meio torta e grossa, Mas eu sou humilde e só vivo na roça, Eu sou devorada por pobre ou bacana, E assim sou querida e por isso sou prosa, Então, muito prazer: eu sou uma banana...
Lucas Dura Página 16 de 37
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Mil árvores estão ao céu subindo, Com pomos odoríferos e belos; A laranjeira tem no fruito lindo A cor que tinha Dafne nos cabelos. Encosta-se no chão, que está caindo, A cidreira cos pesos amarelos; Os formosos limões ali, cheirando, Estão virgíneas tetas imitando. As árvores agrestes, que os outeiros Tem com frondente coma enobrecidos, Alemos são de Alcides, e os loureiros Do louro Deus amados e queridos; Mirtos de Citereia, cos pinheiros De Cibele, por outro amor vencidos; Está apontando o agudo cipariso Pera onde é posto o etéreo Paraíso.
58 Os dões que dá Pomona ali Natura Produze, diferentes nos sabores, Sem ter necessidade de cultura, Que sem ela se dão muito milhores: As cereijas purpúreas na pintura, As amoras, que o nome tem de amores, O pomo que da pátria Pérsia veio, Milhor tornado no terreno alheio.
59 Abre a romã, mostrando a rubicunda Cor, com que tu, rubi, teu preço perdes·; Entre os braços do ulmeiro está a jucunda Vide, c'uns cachos roxos e outros verdes; E vós, se na nossa árvore fecunda, Peras piramidais, viver quiserdes, Entregai-vos ao dano que cos bicos Em vós fazem os pássaros inicos.
Luís de Camões (1524-1579)
pomo -fruto carnudo fruito =fruto Dafne--ninfa amada por Apolo. Transformada em Loureiro pelo próprio pai para evitar os excessos do amante. cos= com+os agreste(adj.) -não cultivada outeiro- pequena colina frondente (adj.) -que tem folhas ou ramos; frôndeo. coma (s. f.) - cabeleira, crina, cauda de um cometa , copa de árvore; (Do gr. kóme, «cabeleira», pelo lat. coma-, «id.») alemos = álamos = choupos. mirto= murta (planta) Alcides - Hércules louro Deus -Apolo Citereia -Vénus Cibele-deusa cujo amante foi transformado em pinheiro. cipariso- (poético) cipreste. Derivado de Cyparissus, moço querido de Orfeu que se transformou em cipreste com desgosto de ter morto um veado que muito estimava dões=dons Pomona = deusa dos jardins e das árvores frutíferas. purpúreas (adj.) - da cor da púrpura substância corante vermelho-escura; pomo que da pátria Pérsia= pêssego rubicundo (adj) - vermelho; corado. ulmeiro-árvore tb. conhecida por mos-queiro, negrilho, olmeiro,olmo, ulmo, etc. jucundo (adj.) alegre; agradável; prazenteiro. vide- videira inicos= iníquo (adj.)contrário à equidade; injusto; mau;perverso.
Os Lusíadas. Canto IX(Ilha dos Amores)
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Cerejas Bebo o licor na tua boca Bebes o licor no meu umbigo Mais que fantasia... passamos horas nessa brincadeira louca Delírios do prazer de estar contigo Trilhas de cerejas em nossos corpos Alimentos degustados pouco a pouco Sinto tua sede e me alucino... Somos cálice iguarias somos loucos Bêbados de paixão e Maraschino...
(Mel) Britto
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O Louro Chá no Bule Fumegando O louro chá no bule fumegando De Mandarins e Brâmanes cercado; Brilhante açúcar em torrões cortado; O leite na caneca branquejando. Vermelhas brasas, alvo pão tostado; Ruiva manteiga em prato bem lavado; O gado feminino rebanhado, E o pisco Ganimedes apalpando; A ponto a mesa está de enxaropar-nos. Só falta que tu queiras, meu Sarmento, Com teus discretos ditos alegrar-nos. Se vens, ou caia chuva, ou brame o vento, Não pode a longa noite enfastiar-nos, Antes tudo será contentamento.
Pedro António Correia Garção, in 'Antologia Poética'
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Manga, manguinha A manga é um símbolo de África: No seu sabor No seu aroma Na sua cor Na sua forma. A manga tem o feitio do coração! A África também. Tem um sabor forte, quente e doce! A África também. Tem um tom rubro-moreno Como os poentes e as queimadas Da minha Terra apaixonada. Por isso te gosto e te saboreio Ó manga! Coração vegetal, doce e ameno. Tu és o amor do abacate Porque ele guarda no seu meio Um coração que por ti bate;
Bate, bate, que bate! Ó manga, manguinha, Amor do abacate!
Tomás Jorge Vieira da Cruz,1928 Várias antologias. Página 20 de 37
Poesia IV (1 ed. 1970) A laranja em vez de cair do ramo abriu duas asas imprevistas e voou para a fome do sol. A manhã continuava verde com esta inquietação nas árvores que se confunde com a brisa e os saltos dos pássaros.
(este poema é dos anos 50) José Gomes FERREIRA
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A LENDA DA LARANJA
Deus desejou produzir uma fruta diferente, que pudesse traduzir um pouco a alma da gente. E começou pela flor, fazendo-a encanto e beleza, como um símbolo do amor, da esperança e da pureza ...
Retratando a criatura que vegeta, sem viver, fez um tipo sem doçura, amargo a mais não poder. - É por isso que a DA TERRA , com esquisito travor, em seu simbolismo encerra os que vivem sem amor ... Ao revés, fez outro, doce, que agrada constantemente, como se uma cópia fosse de quem só vive contente. - É por isso que a SELETA não desagrada jamais : como a alma de um poeta, é boa e doce demais ... Para as sortes alternadas, que vão do bom ao ruim, fez umas adocicadas que amargam muito no fim. Se a felicidade é isto : sementeira de saudade, a LIMA, então, pelo visto, retrata a felicidade ... E, arranjando a solução - o que é que um Deus não arranja ! na História da Criação, surgiu, assim, a LARANJA, que, como nós, as pessoas, cumpre sinas desiguais : - umas são doces e boas ... - outras, amargas demais ...
Élton Carvalho (em memória) Publicado no Recanto das Letras em 09/01/2008
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(...)
A queda da laranja provocará o poema? A laranja voadora é, ou não é, uma laranja imaginada por um louco? E um louco, saberá o que é uma laranja? E se a laranja cair? E o poema? E o poema com uma laranja a cair? E o poema em forma de laranja? E se eu comer a laranja, estarei a devorar o poema? A ficar louco? (...) E a palavra laranja existirá sem a laranja? E a laranja voará sem a palavra laranja? E se a laranja se iluminar a partir do seu centro, do seu gomo mais secreto, e alguém a (esquecer) no meio da noite-servirá (o brilho) da laranja para iluminar as cidades há muito mortas? E se a laranja se deslocar no espaço-mais depressa que o pensamento, e muito mais devagar que a laranja escrita - criará uma ordem ou um caos?(...)
Al Berto - Prefácio para um livro de poemas
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Laranja
Redonda como sóis Que sóis maiores são Redonda como seios Que são corações Só na calçada nua Caiu da árvore Órfã das suas irmãs luminosas Chutada para baixo dos carros Estacionados Ali ficou Menino de bicicleta Está ali uma laranja Deve estar podre Chove e a fruta rola Na enxurrada desce a rua Até à paragem Uma laranja Eu levo-a Hoje está na minha cozinha Irmanada e menos só.
Carlos Teixeira Luís
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Poema das Frutas 1 Por dentro sou branco e talvez amarelo, Por fora sou rude e áspero eu sou, A casca espinha e com meu rabo espeto, Por isso pelado na mesa estou, Por dentro sou doce e às vezes azedo, Sou digestivo e viro suco por ti, Sou diurético e não sou esquelético, Quem me saboreia de gosto sorri, E eu o ajudo fazer muito xixi, Eu sou saboroso, bonito e formoso, Sou um gostoso de um abacaxi...
2 Verde eu não presto e ninguém assim gosta, Macacos me adoram e pessoas deliram, Na feira estou em pencas à mostra, Passarinhos afoitos com bicos me bicam, Furando a casca e minha popa exposta, E bem “madurinha” a frigideira me tosta, Pareço salsicha meio torta e grossa, Mas eu sou humilde e só vivo na roça, Eu sou devorada por pobre ou bacana, E assim sou querida e por isso sou prosa, Então, muito prazer: eu sou uma banana... 3 Na sua camisa seus braços eu envolvo, O nome é igual, mas sou diferente, Estou no pomar e alimento meu povo, Você se lambuza e me crava seu dente, Cuidado amigo, pois tenho caroço, No pomar todo ano eu faço um alvoroço, Atendo a todos com muito carinho, Meus nomes são lindos depende de ti,
6 Eu posso ser verde ou até mesmo roxa, Às vezes, vermelha, e muito apreciada, Cuidado comigo, não me pegue com força, Sou admirada na parreira e na caixa E em lindos cachos, eu linda me acho, Você me despenca e me come com graça, E bem lavadinha sua boca me suga E pode comer até meu bagaço Ao me saborear você fica até muda E sou muito nobre e me colhem com luva Já sabe quem sou? Eu sou uma uva... 7 Posso ser pequeno e, às vezes, grandão, Sou vermelhinho e não vivo no chão, Bom pra a saúde e macio e fofinho, E se estou maduro meio amarelinho, E a salada de frutas sem mim não é nada, Retiram a casca e minha polpa é cortada, Por sua boquinha sou apreciado, E a qualquer hora eu sou devorado, Regulo intestino e a digestão, Nunca fique sem este seu grande amigão Pois sou um gosto e saudável mamão... 8 Se a gripe chegar, se lembre de mim, Deste verdinho que à gripe põe fim, Eu sou muito azedo, mas curo você, Tenho uma vitamina chamada de C, E não posso faltar na sua dieta, Pode perguntar pra vovó e pra neta, Dos meus predicados naquele chazinho, Se alguém da família anda gripadinho, É só me usar e abusar de montão,
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Sou Rosa, Espada, Ubá, Abacaxi, E bem madurinha eu vou pra capanga, Sou apetitosa, pois sou uma manga... 4 Do prazer em me ver eu causo sorriso, Sou linda e cheirosa e de mim ficam fã, Meu sabor é divino e já houve castigo, Por mim até Eva ficou meio tantã... E com Adão foi expulsa do paraíso, Comeram-me logo com muito afã, Sou vermelhinha e por dentro sou branca, Agrado o adulto e também a criança, Eu estou na feira e bem de manhã, E de me comer ninguém nunca se cansa, Pois sou uma linda e cobiçada maçã... 5 Na árvore onde moro agarro nos galhos, Grudada eu cresço até ficar preta, Eu sou uma bolinha redonda e xereta, Em volta de minha tem outra grudada, Na época certa eu sou muito amada, Uma farra se faz quando a criançada, Na boca me põe para eu ser esmagada, E por lindos dentinhos eu sou estourada, No chão do terreiro a casca é jogada, Cuspindo o caroço a polpa é sugada, Sou pretinha e docinha, uma jabuticaba...
Que a gripe vai embora, num estalão, Graças a este azedinho limão... 9 Eu sou uma fruta muito grande e pesada, Se você não for forte, eu não sou carregada, Pareço uma bola assim meio achatada, De verde e branco sou por fora pintada, Na feira me cortam para eu ser mais olhada, E por dentro sou fofa e bem avermelhada, Com pintinhas pretinhas sou toda enfeitada, Por uma só pessoa não sou devorada, Pra você me comer eu sou bem fatiada, E então sua boca dá aquela dentada, Nesta melancia muito apreciada... 10 Eu sou tão amado que a raiz do meu pé Dá um doce legal, e eu mesmo verdinho Ralado ou cortado viro doce também... Mas se por fora eu fico meio amarelinho Lá vem uma vara e me derruba alguém Depois sou guardado pra ficar “madurão” De mim se faz suco bem avermelhado Ou em pedaços mordidinhas me dão E para digestão sou muito indicado Eu sou bem macio e bem gostosão Prazer em servi-lo, eu sou um mamão...
Lucas Durand
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Poema às massas Amassa a massa o padeiro, vende massa o merceeiro, usa massa o vidraceiro e também o cozinheiro. Na Avenida e no Rossio passam massas populares, as canções que as massas cantam vão voando pelos ares. Ó ladrão, senhor ladrão, responda, mas não se zangue, a mania de roubar está-lhe na massa do sangue? Perdi todo o meu dinheiro, fui pedir massa emprestada, mas a massa que me deram, vejam - foi massa folhada! Uma massa, outra massa... Com tanta massa amassada, digam lá se este poema não é mesmo uma maçada!
Luísa Ducla Soares
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Bucólica Vêm do olival os cestos Sendas por pastagens e lameiros à mistura de verbena e dos teus risos Na telha de rebordo dos beirais o rumor do vento. Ninhos em rama presos às goteiras. Passos pelo chão das urtigas. Azeite cru na torcida das candeias. Azeite velho sobre sêmea torrada. E bagaço. E a alegria das mãos sujas, Ervas brancas e resedas cobrem as cântaras de leite, Vai anoitecer para nós partirmos.
Joaquim Manuel Magalhães Segredos, Sebes , Aluvi Página 28 de 37
Morango Roça nos lábios tua polpa macia Beijo vermelho Liberta meu desejo Vem... e me sacia... Morango (ou qualquer que seja o teu nome) carne saborosa paladar vigoroso quero aplacar minha fome deleitar-me do teu sabor prazeiroso Marca teu gosto rola na boca enrosca na língua remodela tua forma em busca da minha O doce dessa carne viva o licor que a boca suga Deixa que a avidez enxuga o coquetel da fruta e da saliva Mas antes que eu descubra o prazer delicioso na tua cor rubra o néctar do gozo escapa da mordida de dentes famintos excede tua pele sensível explode quase inesperadamente murcha suave e lentamente fluindo com lascívia deixando com malícia o sumo que pelo queixo escorre...
Rejane Mel Britto Página 29 de 37
O homem das Castanhas Na Praça da Figueira ou no Jardim da Estrela num fogareiro aceso é que ela arde ao canto do Outono à esquina do Inverno o homem das castanhas é eterno.
Não tem eira nem beira nem guarida e apregoa como um desafio é um cartucho pardo a sua vida e se não mata a fome mata o frio.
Um carro que se empurra um chapéu esburacado no peito uma castanha que não arde tem a chuva nos olhos e tem um ar cansado o homem que apregoa ao fim da tarde.
Ao pé dum candeeiro acaba o dia voz rouca com o travo da pobreza apregoa pedaços de alegria e à noite vai dormir com a tristeza.
Quem quer quentes e boas quentinhas a estalarem cinzentas na brasa! Quem quer quentes e boas quentinhas! Quem compra leva mais calor (amor) para casa
A mágoa que transporta é miséria ambulante Página 30 de 37
passeia na cidade o dia inteiro é como se empurrasse o Outono diante é como se empurrasse o nevoeiro.
Nunca ninguém pensou que ali ao lado ardem no fogareiro dores tamanhas. Quem sabe a desventura do seu fado? Ouem olha para o homem das castanhas?
Poema: J. C. Ary dos Santos Música: Paulo de Carvalho Canta: Carlos do Carmo
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Nós II […]
«Sim! Europa do Norte, o que supões Dos vergéis que abastecem teus banquetes, Quando às docas, com frutas, os paquetes Chegam antes das tuas estações?!
Oh! As ricas “primeurs” da nossa terra E as tuas frutas ácidas, tardias, No azedo amoniacal das queijarias Dos fleumáticos “farmers” de Inglaterra!
Ó cidades fabris, industriais, De nevoeiros, poeiradas de hulha, Que pensais do país que vos atulha Com a fruta que sai dos seus quintais?
Todos os anos, que frescor se exala! Abundâncias felizes que eu recordo! Carradas brutas que iam para bordo! Vapores por aqui fazendo escala!
Uma alta parreira moscatel Por doce não servia para embarque: Palácios que rodeiam Hyde-Park, Não conheceis esse divino mel!
Pois a Coroa, o Banco, o Almirantado, Página 32 de 37
Não as têm nas florestas em que há corças, Nem em vós que dobrais as vossas forças, Pradarias dum verde ilimitado!
Anglo-Saxónicos, tendes que invejar! Ricos suicidas, comparai convosco! Aqui, tudo espontâneo, alegre, tosco, Facílimo, evidente, salutar!
Opondo às regiões que dão os vinhos Vossos montes de escórias inda quentes! E as febris oficinas estridentes Às nossas tecelagens e moinhos!
E ó condados mineiros! Extensões Carboníferas! Fundas galerias! Fábricas a vapor! Cutelarias! E mecânicas, tristes fiações!
Bem sei que preparais correctamente O aço e a seda, as lâminas e o estofo; Tudo o que há de mais dúctil, de mais fofo, Tudo o que há de mais rijo e resistente!
Mas isso tudo é falso, é maquinal, Sem vida, como um círculo ou um quadrado, Com essa perfeição do fabricado, Sem o ritmo do vivo e do real!
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E cá o santo sol, sobre isso tudo, Faz conceber as verdes ribanceiras; Lança as rosáceas belas e fruteiras Nas searas de trigo palhagudo!
Uma aldeia daqui é mais feliz, Londres sombria, em que cintila a corte!... Mesmo que tu, que vives a compor-te, Grande seio arquejante de Paris!...
Ah! Que de glória, que de colorido, Quando, por meu mandado e meu conselho, Cá se empapelam «as maçãs de espelho» Que Herbert Spencer talvez tenha comido!
Para alguns são prosaicos, são banais Estes versos de fibra suculenta; Como se a polpa que nos dessenta Nem ao menos valesse uns madrigais!
Pois o que a boca trava com surpresas Senão as frutas tónicas e puras! Ah! Num jantar de carnes e gorduras A graça vegetal das sobremesas!...
Jack, marujo inglês, tu tens razão Quando, ancorando em portos como os nossos, As laranjas com cascas e caroços Comes com bestial sofreguidão!... Cesário Verde O livro de Cesário Verde
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Feijoada à Minha Moda Amiga Helena Sangirardi Conforme um dia prometi Onde, confesso que esqueci E embora — perdoe — tão tarde (Melhor do que nunca!) este poeta Segundo manda a boa ética Envia-lhe a receita (poética) De sua feijoada completa. Em atenção ao adiantado Da hora em que abrimos o olho O feijão deve, já catado Nos esperar, feliz, de molho E a cozinheira, por respeito À nossa mestria na arte Já deve ter tacado peito E preparado e posto à parte Os elementos componentes De um saboroso refogado Tais: cebolas, tomates, dentes De alho — e o que mais for azado Tudo picado desde cedo De feição a sempre evitar Qualquer contato mais... vulgar Às nossas nobres mãos de aedo. Enquanto nós, a dar uns toques No que não nos seja a contento Vigiaremos o cozimento Tomando o nosso uísque on the rocks Uma vez cozido o feijão (Umas quatro horas, fogo médio) Nós, bocejando o nosso tédio Nos chegaremos ao fogão Página 35 de 37
E em elegante curvatura: Um pé adiante e o braço às costas Provaremos a rica negrura Por onde devem boiar postas De carne-seca suculenta Gordos paios, nédio toucinho (Nunca orelhas de bacorinho Que a tornam em excesso opulenta!) E — atenção! — segredo modesto Mas meu, no tocante à feijoada: Uma língua fresca pelada Posta a cozer com todo o resto. Feito o quê, retire-se o caroço Bastante, que bem amassado Junta-se ao belo refogado De modo a ter-se um molho grosso Que vai de volta ao caldeirão No qual o poeta, em bom agouro Deve esparzir folhas de louro Com um gesto clássico e pagão. Inútil dizer que, entrementes Em chama à parte desta liça Devem fritar, todas contentes Lindas rodelas de linguiça Enquanto ao lado, em fogo brando Dismilinguindo-se de gozo Deve também se estar fritando O torresminho delicioso Em cuja gordura, de resto (Melhor gordura nunca houve!) Deve depois frigir a couve Picada, em fogo alegre e presto. Uma farofa? — tem seus dias... Porém que seja na manteiga! A laranja gelada, em fatias (Seleta ou da Bahia) — e chega Página 36 de 37
Só na última cozedura Para levar à mesa, deixa-se Cair um pouco da gordura Da linguiça na iguaria — e mexa-se. Que prazer mais um corpo pede Após comido um tal feijão? — Evidentemente uma rede E um gato para passar a mão... Dever cumprido. Nunca é vã A palavra de um poeta...— jamais! Abraça-a, em Brillat-Savarin O seu Vinícius de Moraes
Vinícius de Moraes Texto extraído do livro "Para viver um grande amor",
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