Concurso de poesia 15 16 professora joana

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Paraísos de Cristais de Sal

Poema Vencedor do 1ºLugar Escalão E Autora: Joana Caetano 3ª Edição do concurso de poesia do Agrupamento Sebastião da Gama 2015-2016


Paraísos de Cristais de Sal

Pimentinha - Soubeste-me bem! Procurei-te, por entre vales e montes, noites, dias, horizontes… Estranha e distante lonjura. Divina loucura! Tudo passei… Sempre te tive e nunca te encontrei. Debalde esta procura! Não acreditaria, jamais, que a solução estaria nos cristais. Sentada, cabisbaixa, absorta, apreensiva, nesta vida, de passagem, de elmo, viseira e lança, aparelhei o meu cavalo, para a inaudita viagem que só o sonho alcança. De novo, perdida a esperança! Já longe de te encontrar, num mundo como este.


Oh meu Deus! Desígnios Seus… Foi o esplendor da Luz Celeste, quando, com tenura, de mansinho, surgiste no meu caminho e me disseste - “Pimentinha!”. Então, toda uma galáxia de biliões de estrelas de cristais de sal se cruzou com uma via láctea de pós pimenta. O Universo estava todo ali, naquela fórmula química 2NaOH + H2SO4 →Na2SO4 + 2H2O Era como que o produto de uma reação química entre uma base e um ácido, da qual se formam sal e água. Num segundo, tudo se clareou na minha mente. A meu lado, o sal que sempre lá estivera. A água, essa, senti-a fluir dos meus olhos. Era quente, salgada… Meu Deus, quão saborosa era!


Naquela lágrima estava todo o meu mundo, a minha quinta essência, a descoberta da fórmula alquímica da felicidade. Passaste-me pelos lábios e saboreei-te. Amor, soubeste-me bem! À nossa volta tudo se transformou, quando me disseste “Pimentinha”! Sal - Às vezes, aquilo que mais queremos está mesmo ao nosso lado. Sempre estiveste no pimenteiro, ao lado do saleiro de onde sempre te vi, sem em ti reparar, porque, sabes Pimentinha? Fazias-me espirrar. Agora vejo como és bela. Deixa que o preto dos teus pozinhos empreste alguma cor ao meu mundo de cristal, onde tudo é infinitamente translúcido.


Era um mundo paradisíaco, de palácios de cristais de sal, com torres esguias que desafiavam o céu e faziam cócegas às nuvens de cristal que por ali brincavam às escondidas, em risos incontidos, esbarrando contra as arestas do vento, límpidos cristais de sal… Enfim, um inefável mundo de fantasia, vivenciado no sabor daquela lágrima! As minhas papilas gustativas bateram palmas. Eu sorri e pareceu-me ter descoberto o caminho para a felicidade. Descobri um paraíso que a mente humana, por mais prodigiosa que seja, jamais poderia imaginar, (nem mesmo no Deserto de Uyuni, o maior deserto de sal do mundo, que no Norte da Bolívia podemos encontrar) não fosse a visão paradisíaca que os meus olhos, melhor dizendo,


os nossos olhos, extasiados, agora presenciam. Enchi-me de coragem e perguntei-lhe: Pimentinha - Que fazes tu? Sal - Diz tu primeiro! Pimentinha – Não! Primeiro tu. Eu perguntei primeiro! Sal – Eu não te queria maçar, mas cá vai: Conhecem-me na alimentação, mas também sou usado como conservante. Que o diga Santo António, no seu “Sermão aos Peixes”! Usam-me para remover nódoas de vinho dos tecidos; para afastar as ervas daninhas; Para dar brilho às peças de bronze, estanho, prata e cobre; Para banhos relaxantes;


Para limpar o gelo das rodovias, durante o inverno, pois baixo a temperatura do ponto de fusão da água; Na manufatura de papel e na produção de sabão e detergentes; Sou utilizado, em larga escala, na produção de hidróxido de sódio, cloro, hidrogénio e, indiretamente, no ácido clorídrico, por electrolise da minha solução aquosa. Até para afastar as formigas sou utilizado! Pimentinha – És precioso e muito apreciado! Mas, afinal, em que trabalhas? Sal – Arquiteto estes palácios de cristal que aqui vês. Agora tu! Pimentinha - Eu condimento os alimentos dos humanos. Se abusam na quantidade, faço-os espirrar. Melhor ainda… Tenho honras de pedagogo. Sal - Como assim? Pimentinha - Os humanos têm-me em tão grande critério, que me põem na boca dos petizes, quando se portam mal. Sou eu e o Homem do Saco!


Sal - Compreendo porque te sentes vaidosa, mas não me disseste o que fazes; em que trabalhas? Sou escritora. Escrevo livros em prosa e poesia e tenho muito sucesso entre os pimentoides da galáxia dos espirros. O meu psedónimo é Piper Nigrum. É originário do Latim, da palavra pigmentum que significa pigmento, da família do verbo pingere, que significa “pintar”. A palavra pigmentum era utilizada para definir componentes ou substâncias com propriedades corantes. Sal - Curioso! Mas afinal, em que trabalhas? Pimentinha - No início, usava os corantes; era pintora. O meu lema era “Pinto, logo Existo”, depois, sobreveio a paixão pela escrita e, a partir daí , “Escrevo, logo Existo”! Sal- Eu condimento aquilo que tu apimentas. Agora entendo porque nos puseram lado a lado. Damos sabor à vida!


Então, ele baixou a cabeça, tirou do bolso uma caixinha ínfima de onde saiu um anel de cristais de sal, incrustado com dois magníficos íons, hidrófanos, translúcidos, como tudo era naquele reino diáfano de fantasia e, timidamente, perguntou-me: Sal - Pimentinha, queres ser a minha Pimenta do Reino? A minha Pimenta do Vale? Aceitas apimentar o meu cloreto de sódio, fluoretado e iodado, oriundo das mais cristalinas salinas, puro, sem ter sido refinado? Pimentinha - Meu Sal Marinho, não refinado, meu querido Cloreto de Sódio Iodado, adoro a tua alcalinidade e tudo o que nela há, pois os teus sais neutros não alteram o meu pH. Adoro todos os ácidos em ti: dos acetatos, o acético; dos carbonatos o carbónico; dos cloretos, o clorídrico; dos cianetos, o cianídrico; dos sulfetos, o sulfídrico; dos nitratos o nítrico; dos nitritos o nitroso; dos fosfatos, o fosfórico; dos sulfatos, o sulfúrico e dos citratos, o cítrico.


Sal- Quer, então, dizer que aceitas apimentar a minha vida; dar calor ao meu gótico reino gélido? Aceitas ser a minha Pimenta do Reino, Minha Flor de Sal? Outra lágrima correu-me, rosto abaixo. Belisquei-me, para ver se era verdade. O amor que, debalde, procurara estava ali, ao meu lado, onde sempre estivera. Às vezes precisamos de olhar com olhos de pensar, para descobrir a felicidade que não queremos ver. Esta lágrima foi um paraíso que me levou a descobrir este outro, onde agora vivo. Sal - Brindemos com um chá de menta. Pimentinha - E duas pedrinhas de sal. Agora, sim, sou feliz e escrevo “Paraísos de Cristais de Sal”.


Joana Caetano 2016


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