PODER JUDICIÁRIO JU S T I ÇA DO TRA B A L HO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 11ª REGIÃO DÉCIMA QUINTA VARA DO TRABALHO DE MANAUS
SENTENÇA PROCESSO: RECLAMANTE: RECLAMADA: RITO:
0000525-23.2011.5.11.0015 RYAN MAYAN MAIA AZEVEDO – REPRESENTADO POR SUA GENITORA MAYARA DA SILVA MAIA CHIBATÃO NAVEGAÇÃO E COMÉRCIO LTDA. ORDINÁRIO
Em 16 de maio de 2011, às 14h30m, na sala de sessões da MM.15ª VARA DO TRABALHO DE MANAUS/AM, sob a direção da Exma. Juíza CARLA PRISCILLA SILVA NOBRE, foi proferida a seguinte decisão nos autos do processo em epígrafe: Vistos, etc. 1
RELATÓRIO
RYAN MAYAN MAIA AZEVEDO – REPRESENTADO POR SUA GENITORA MAYARA DA SILVA MAIA, ajuizou reclamatória trabalhista pretendendo o pagamento de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho sofrido pelo de cujus, alegando que o mesmo exercia a função de vigilante e que foi abalroado ao chegar às dependências da empresa por um caminhão de propriedade da própria reclamada. Rejeitada a primeira proposta de conciliação. A alçada foi fixada no valor líquido da inicial. A Reclamada apresentou contestação, suscitando, preliminarmente, carência de ação – impossibilidade jurídica do pedido, e, no mérito, argumenta que o acidente é de trajeto e que o de cujus contribuiu para o acidente ao trafegar em alta velocidade e na contramão. Produzida farta prova documental. Foi colhido o depoimento das partes e de duas testemunhas do reclamante e uma testemunha patronal. Razões finais aduzidas em audiência. Foi encerrada a instrução processual. Rejeitada a segunda tentativa conciliatória. É o relatório. 2
FUNDAMENTAÇÃO
2.1
Carência de ação – Impossibilidade jurídica do pedido.
A Reclamada suscita questão preliminar de carência da ação, sob a alegação de que o pedido formulado na inicial é juridicamente impossível, pois não se configuram os pressupostos de constituição do dano moral. Só ocorrerá carência da ação quando o pedido for juridicamente impossível, quando não houver interesse processual ou a parte for ilegítima.
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Impossibilidade jurídica do pedido é condição da ação que só tem acolhimento quando o objeto material postulado não encontrar guarida no ordenamento jurídico ou quando a satisfação material é inviável. Esse exame, feito in abstrato, capaz de permitir (ou não) a análise do mérito da ação repousa apenas sobre duas premissas básicas. A primeira seria no sentido de examinar se – e acaso – a ordem jurídica veda o tipo de postulação. Em segundo lugar, deve ser examinado se é possível materialmente impor através de provimento judicial o bem jurídico da vida postulado na ação. O ordenamento jurídico não veda os pedidos postulados na petição inicial, e é possível impor o pagamento do substrato material buscado com a ação. Portanto, não havendo vedação legal ou impossibilidade físico-material à postulação buscada com esta reclamação, não há que se falar em impossibilidade jurídica do pedido. Por tais fundamentos, rejeito a questão preliminar de carência da ação por impossibilidade jurídica do pedido.
2.2
Da responsabilidade do empregador pelos danos alegados.
Inicialmente, cumpre esclarecer que é possível aferir que o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmite-se com a herança. Isso porque a ação foi ajuizada pelo herdeiro do de cujus. O parágrafo único do art.12 do Código Civil, assegura que a lesão a direitos pode ser pleiteada pelo cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha resta, ou colateral até o quarto grau. Vejamos: "Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau". Relativamente ao dano moral causado por morte, há presunção "juris tantum" da dor sofrida pelo cônjuge, os filhos e os pais, já que a morte de pessoa da família causa sofrimento, o qual decorre da experiência comum. Assim, os dependentes têm legitimidade para postular danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho, que resultou na morte do empregado, porquanto inegável as suas condições de herdeiros necessários na forma da lei, bem como por aplicação do princípio da simplicidade das formas, orientador do processo trabalhista. Feita esta consideração, passo à analise dos pleitos. Requer, o autor, filho da vítima, indenização por danos morais e materiais alegando que o de cujus sofreu acidente ao chegar ao seu trabalho, estando presente os pressuposto caracterizados da indenização pretendida. 2
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A reclamada alega que não estão presentes os requisitos para a sua responsabilização visto que o acidente é de trajeto e que o empregado falecido é culpado pelo acidente já que trafegava em alta velocidade em sentido contrário ao que deveria permanecer. Analiso. Para que seja gerado o direito à percepção de indenização seja material ou moral, decorrente de responsabilidade civil, exige-se a presença de três requisitos: o dano, a culpa (objetiva ou subjetiva, dependendo da natureza da atividade) e o nexo de causalidade. O dano está plenamente configurado, tendo em vista o falecimento do empregado enquanto chegava às dependências da reclamada, consoante vasta documentação acostada aos autos. A culpa, fundamental para a aplicação da responsabilidade civil, deve ser analisada pelo aspecto subjetivo ou objetivo dependendo da natureza da atividade, se de risco ou não, conforme preconiza a Constituição Federal em seu art. 7 o XXVII e Código Civil de 2002. A ocorrência do acidente ou doença proveniente do risco normal da atividade não gera automaticamente o dever de indenizar. Deve-se provar que o empregador agiu com imprudência, negligência ou imperícia ou culpa objetiva. Nos dizeres de Sebastião Geraldo de Oliveira: “Na questão de segurança e saúde ocupacional, o empregador tem obrigação de adotar a diligência necessária para evitar os acidentes e as doenças relacionadas com o trabalho, devendo considerar todas as hipóteses razoavelmente previsíveis de danos ou ofensas à saúde do trabalhador”. No presente caso, em que pese a reclamada basear sua defesa no sentido de que o acidente é de trajeto e que há culpa do de cujus, entendo que houve culpa da reclamada em relação ao evento mortis. Explico. In casu, realmente o acidente ocorreu no trajeto para a empresa, bem nas proximidades da guarita de empresa de grupo econômico da reclamada. Esta matéria é regulada pelo art. 21, IV, letra “b”, da Lei 8.213/91 que equipara o acidente sofrido pelo segurado “no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado”. Assim, é incontroverso que o acidente é de trabalho, inclusive com emissão de CAT pela reclamada. Quanto à questão da responsabilidade, em regra, o acidente in intinere não gera responsabilização da empresa empregadora posto que embora seja equiparado ao típico acidente do trabalho para fins previdenciários, não importaria em responsabilidade civil do empregador, quando não evidenciado o nexo causal entre o acidente causador de danos e o exercício do trabalho da empresa, haja vista que na grande maioria dos casos, o acidente de trajeto ocorre entre o empregado que estava a caminho ou retornando do trabalho e terceiros. Porém, no caso vertente, o acidente foi ocasionado por um empregado da empresa reclamada que dirigia um caminhão de propriedade desta, conforme documentos acostados aos autos. Assim, é latente que a empresa deve responder pelos danos causados aos herdeiros do empregado falecido. 3
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Também é inegável que a empresa reclamada não conseguiu provar a culpa exclusiva ou concorrente do de cujus na ocorrência do acidente, ônus que lhe competia. Nenhumas das testemunhas confirmaram a pretensa alegação de velocidade excessiva por parte da vítima e nem mesmo que este invadiu a pista contrária. Por outro lado, as testemunhas do autor fizeram prova de que os motoristas carreteiros da reclamada é que andavam em constante velocidade excessiva, em pista não sinalizada e após várias “viradas” em horas sobrejornada, causando desgaste físico e mental aos trabalhadores. Já a única testemunha da reclamada disse que sequer viu o acidente, pois estava dentro do caminhão causador do acidente, de costas para a rua. Esta mesma testemunha da reclamada confirmou a imprudência do motorista da reclamada que levava consigo dois passageiros de “carona” quando tal procedimento era proibido pelas normas da empresa. Se não bastasse isso, os laudos do Instituto de Criminalística concluíram que o motorista da carreta da reclamada foi o causador do acidente que gerou a morte do de cujus por condução sem atenção e na contramão. Portanto, o motorista da reclamada que atingiu o de cujus foi o causador do acidente, agindo de forma imprudente, possivelmente após turno de labor excessivo, conforme relato das testemunhas do autor. Dito isto, não vislumbro a diligência necessária a respeitar a saúde e dignidade do trabalhador que são tão importantes em nosso ordenamento jurídico. Aliás, a dignidade da pessoa humana deve ser vista como centro de nosso ordenamento, ou seja, o legislador e o aplicador das leis deve levar em consideração esse princípio como máxime para que se dê efetividade à vontade constitucional. Com relação ao nexo de causalidade este está plenamente estabelecido com a emissão da CAT e comprovação de que o acidente ocorreu em virtude do deslocamento do de cujus ao seu local de trabalho vindo a ser abalroado nas proximidades da empresa por caminhão da própria reclamada. Logo, concorrendo dano, culpa e nexo de causalidade entre a função exercida pelo de cujus e o acidente que causou a sua morte, verificada a responsabilidade da reclamada em indenizar os herdeiros no lastro da responsabilidade civil. 2.3
Da indenização por dano moral decorrente do acidente de trabalho.
O autor pretende o pagamento de indenização por danos morais. Como já mencionado, a responsabilidade da reclamada já foi amplamente configurada e nem há que se falar do dano, diante da morte prematura do empregado. Assim, no que diz respeito ao dano moral, inegável o sofrimento causado aos demandantes pelo evento que resultou em óbito, sendo devida, por isso, a indenização pretendida. Desse modo, julgo procedente o pedido de indenização por danos morais decorrentes da doença profissional adquirida pela reclamante,restando fixar o valor do quantum indenizatório. 4
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A fixação do quantum a título de danos morais embora seja subjetiva, deve ser pautada nos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, uma vez que o objetivo principal da mesma é propiciar ao lesado meios para aliviar sua mágoa e sentimentos agravados e não fonte de enriquecimento. Cabe, ainda, ao julgador, como órgão de distribuição de justiça, aplicar a teoria do desestímulo, de forma a evitar a reincidência da prática delituosa. Por tal razão, a fixação do quantum merece muita cautela. A extensão do dano, a condição socioeconômica do causador do dano e da vítima, a intensidade real e concreta do dano, a repercussão da ofensa no meio social onde vive o ofendido, a existência de má fé por parte do ofensor, a possibilidade concreta de o ofensor voltar a praticar o ato danoso, as práticas atenuantes realizadas pelo ofensor visando minimizar a dor do ofendido, são alguns dos parâmetros que servem de base para fixação do valor da indenização. No caso concreto, o dano moral funda-se no acidente de trajeto equiparado a acidente de trabalho que levou a óbito o jovem empregado que ocorreu por imprudência de motorista da reclamada. Nesse contexto, considerando o contexto em que se deu o acidente e sua consequência, e ainda, levando em consideração a capacidade econômica das partes, a extensão do dano sofrido, a participação da reclamada na ocorrência do infortúnio, arbitro a indenização por danos morais no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Correção monetária: A correção monetária da indenização de dano moral deve incidir a partir, tãosomente, da data em que fixada a indenização por danos morais, ou seja, maio de 2011, conforme entendimento do STJ. 2.4
Da indenização por danos materiais.
Pede o autor que lhe seja deferida indenização por danos materiais, calculada sobre a expectativa de vida de mais 29,9 anos do de cujus segundo tabela de expectativa de vida do IBGE. Ao contrário do dano moral puro, cuja reparação decorre do simples fato da violação a dever legal, os danos materiais dependem de prova do prejuízo em concreto. Embora presumível o prejuízo, a recomposição do dano material necessita de prova pormenorizada a respeito. No caso dos presentes autos, a morte do empregado se não tirou totalmente a fonte de sustento de sua família, pelo menos diminuiu consideravelmente, portanto não há que se questionar o prejuízo. Assim, considerando a privação dos rendimentos advindos do trabalho do falecido, gerando significativa redução da renda familiar, bem como o fato do de cujus estar em plena capacidade produtiva à época do acidente, pois se encontrava com 25 anos, entendo que faz jus ao dano material.
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Como se sabe, o dano material abrange o dano emergente, caracterizado pelo prejuízo imediato que surge em razão do acidente de trabalho, bem como o lucro cessante, correspondente aos ganhos futuros a serem percebidos pela vítima. Estabelece ainda o art. 950 do Novo Código Civil de 2002: “Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. Parágrafo único: O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.”(adicionado deste parágrafo único, sem correspondente no Código Civil de 1916, revogado). Assim, com arrimo na legislação vigente (art. 950, parágrafo único do CC/02), e considerando que a representante do herdeiro do de cujus, já esta habilitada junto ao órgão previdenciário para recebimento de pensão, arbitro como indenização, 50% do valor do seu último salário na reclamada que era de R$ 1.270,65 (R$ 635,32), como quantia que ressarcirá a perda financeira de sua família. Considerando a idade do obreiro (25 anos) à época do acidente, e ainda, o valor arbitrado de R$ 635,32 (seiscentos e trinta e cinco reais e trinta e dois centavos) mensais, e, por fim, considerando como marco final a idade de 65 anos, admitida pela previdência social, entendo que o autor faz jus ao valor de R$ 304.953,60 (trezentos e quatro mil, novecentos e cinqüenta e três reais e sessenta centavos) a título de indenização por danos materiais (40 anos x 12 = 480 meses x R$ 635,32 (valor arbitrado) = R$ 304.953,60). Desse modo, arbitro a indenização por danos materiais em R$ 304.953,60 (trezentos e quatro mil, novecentos e cinqüenta e três reais e sessenta centavos) pelos lucros emergentes e cessantes decorrentes do acidente de trabalho. 2.5
Honorários Advocatícios
Indevidos os honorários advocatícios, uma vez que a presente reclamatória não se enquadra nas hipóteses das súmulas 219 e 329 do TST, já que nas causas que versam sobre relação de emprego a condenação a tais honorários não decorre pura e simplesmente da sucumbência, motivo pelo qual indefiro tal pedido. 2.6
Da Justiça Gratuita
Diante da declaração de insuficiência de recursos para custear as despesas processuais, nos moldes do art. 790, § 3º, da CLT, defiro ao Reclamante os benefícios da justiça gratuita. Nos termos do art. 832, parágrafo 3o da CLT, declaro que todos os valores deferidos possuem natureza indenizatória.
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DISPOSITIVO
Ante o exposto, decide a MM. 15ª Vara do Trabalho de Manaus, na reclamação trabalhista proposta por RYAN MAYAN MAIA AZEVEDO – REPRESENTADO POR SUA GENITORA MAYARA DA SILVA MAIA em face de CHIBATÃO NAVEGAÇÃO E COMÉRCIO LTDA, julgar PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos constantes na petição inicial, condenando a reclamada a pagar ao autor a quantia de R$ 504.953,60 (QUINHENTOS E QUATRO MIL, NOVECENTOS E CINQUENTA E TRÊS REAIS SESSENTA CENTAVOS) a título de indenização por danos morais (R$ 200.000,00) e materiais (R$ 304.953,60). Improcedentes o que exceder ao ora deferido. TUDO NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO. Defiro ao autor os benefícios da Justiça Gratuita. Juros e Correção monetária na forma da lei e da fundamentação. Nos termos do art. 832, parágrafo 3o da CLT, declaro que todos os valores deferidos possuem natureza indenizatória. Custas pela Reclamada no importe de R$ 10.099,07, calculadas sobre o valor da condenação de R$ 504.953,60 (QUINHENTOS E QUATRO MIL, NOVECENTOS E CINQUENTA E TRÊS REAIS SESSENTA CENTAVOS) Cientes as partes. E, para constar, lavrou-se o presente termo. Manaus, 16 de maio de 2011.
Carla Priscilla Silva Nobre Juíza Federal do Trabalho Substituta
Silvanilde Ferreira Veiga Diretora de Secretaria
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