Manaus Aerotaxi DOC

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ESTADO DO AMAZONAS PODER JUDICIÁRIO Comarca de Manaus Juízo de Direito da 19ª Vara Cível e de Acidentes de Trabalho SENTENÇA Processo n° 0258541-42.2009.8.04.0001 Requerente: Ana Lúcia Reis Lauria. Requerida: Manaus Aerotáxi Ltda. Vistos, etc. Cuida-se de Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais, ajuizada por ANA LÚCIA REIS LAURIA, devidamente qualificada na inicial, em face de MANAUS AEROTÁXI LTDA, também qualificada nos autos, com fundamento nos arts. 186 e 927, do Código Civil Brasileiro. Narra a exordial que a requerente é uma das passageiras sobreviventes do acidente aéreo ocorrido em 07/02/2009, com uma aeronave de propriedade da empresa ré, que caiu nas águas do rio Manacapuru, provocando a morte de 24 (vinte e quatro) pessoas. Assevera que, em razão do fato, necessitou de tratamento médico e também psicológico, frente ao trauma decorrente daquela situação traumática. Aduz que a empresa aérea deixou de prestar-lhe a assistência devida, bem como não providenciou o pagamento do seguro RETA que, por determinação legal, deveria ocorrer em no máximo 30 (trinta) dias após a solicitação. Em sede de tutela antecipada, pleiteou pelo pagamento imediato do seguro referido e de valor mensal suficiente à continuidade dos tratamentos aos quais vem se submetendo. Ao final, requer a condenação da parte contrária ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais), além de indenização por danos materiais no montante de R$ 375.799,32 (trezentos e setenta e cinco mil setecentos e noventa e nove reais e trinta e dois centavos), compreendidos nesta os prejuízos emergentes (R$ 11.799,30), os lucros cessantes (R$ 264.000,00) e à verba referente à "perda de uma chance" (R$ 100.00,00). Acostou os documentos de fls. 30/142. Às fls. 143, despacho acautelatório quando à antecipação da tutela. Devidamente citada, a ré ofertou a contestação de fls. 154/173. Em um primeiro instante, alega que todo o auxílio necessário foi prestado às vítimas do acidente, inclusive no que toca ao seguro RETA, pois logo após o ocorrido a empresa entrou em contato com a seguradora, fornecendo-lhe toda a documentação necessária para a liberação da verba, não podendo ser responsabilizada pelo atraso no repasse das quantias. Defende que não há como reconhecer a procedência dos valores pedido à título de lucros cessantes porquanto a autora não comprovou a contento o prejuízo suportado Av. Paraíba S/Nº, 4º Andar, Setor 04, São Francisco - CEP 69079-265, Fone: (92) 3303-5070, Manaus-AM - E-mail: 19civel@tj.am.gov.br


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pela suposta impossibilidade de continuar a prestar serviços nas cidades do interior. Alega, também, que a Teoria da Perda de uma Chance depende, para ser aplicada, da existência de chance séria e real, uma vez que o dano meramente hipotético não é passível de indenização. Impugna os valores pleiteados pela requerente à título de dano material, considerando que a autora conferiu valor excessivo, fora do preço de mercado, a alguns dos produtos que afirmou portar em sua bagagem no momento do desastre. Finalmente, aponta para a excessividade da indenização por danos morais requerida, considerando que a quantia exposta viola os postulados da razoabilidade e proporcionalidade. Apresentou os documentos de fls. 174/327. Réplica às fls.328/333. Deferida a antecipação parcial da tutela às fls. 346/348. Audiência de Conciliação realizada, consoante termo de fls. 430. Audiência de Instrução e Julgamento às fls. 43. Vieram-me os autos conclusos para sentença. Na essência, é o relatório. Decido.

O caso sob enfoque consubstancia-se na pretensão deduzida pela autora de reparação pelos danos sofridos, tanto a nível material, quanto moral, em virtude de acidente aéreo ocorrido com uma aeronave de propriedade da empresa ré. A partir do advento do Código de Defesa do Consumidor, o transporte aéreo, seja nacional ou internacional, desde que contratado no Brasil e inserido numa relação de consumo, é regido por ele, não se aplicando a responsabilidade do transportador aéreo contida nas legislações aeronáuticas, na presunção de culpa, mas sim a responsabilidade civil objetiva, conforme estabelecido em diversas normas ali insculpidas, a exemplo do art. 14. O fundamento legitimador da responsabilidade objetiva é a teoria do risco do negócio, segundo a qual aquele que exerce uma atividade deve assumir os riscos a ela inerentes ou dela decorrentes. Se a percepção de lucros é legítima, integrando às atividades econômicas, também é legítimo que o risco seja assumido exclusivamente pelo fornecedor, pois escolhendo arriscar-se, não é viável que transfira tal ônus ao consumidor, da mesma forma com os seus ganhos não são a ele repassados. Sendo assim, não há de se falar em limites da responsabilidade do transportador aéreo, pois o CDC, com alicerce constitucional, adota o princípio da reparação integral, na proporção do dano sofrido. Nesse espeque, o transportador aéreo só não será responsável, quando provar que o serviço não tem defeito ou a culpa for exclusiva do consumidor ou de terceiro. Nem em casos fortuitos ou por motivo de força maior a responsabilidade é elidida.

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À propósito: "Art. 14, CDC. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".

Dessa maneira, o estabelecimento dever de indenizar nasce do nexo de causalidade existente entre o consumidor (lesado), o produto e/ou serviço e o dano efetivamente ocorrido. O desastre aéreo em foco é fato inquestionável, até porque largamente divulgado da imprensa e não contrariado pela parte adversa. Do mesmo modo, resta cristalino que a autora foi uma das vítimas do infortúnio e que, em decorrência disso, suportou prejuízos, tanto na esfera material, quanto em nível extrapatrimonial. Portanto, reputem-se satisfeitos todos os pressupostos essenciais à responsabilização civil da ré. Aliás, o que se observa ao examinar a peça contestatória é que a empresa aérea em momento algum nega a obrigação ressarcitória que lhe incumbe, mas tão somente questiona os montantes que estão sendo requeridos pela postulante. Assim, partindo desta premissa, incumbe-nos a especificação dos danos efetivamente experimentados e sua correspondente quantificação. Para tanto, vejamos o que pleiteia a postulante a título de dano material: 1º) ressarcimento dos valores referentes aos bens que estavam em sua bagagem, totalizando R$ 9.279,30 (nove mil duzentos e setenta e nove reais e trinta centavos); 2º) reparação pelas despesas com tratamento médico, no valor de R$ 2.520,00 (dois mil quinhentos e vinte reais) e 3º) indenização pela perda de contratos para a prestação de seus serviços nos municípios de Coari e Aripuanã, na soma de R$ 264.000,00 (duzentos e sessenta e quatro mil reais). Quanto ao primeiro pedido, entendo pela sua parcial procedência, sobremodo porque a ré não insurgiu-se contra a planilha produzida pela ré, com o rol dos bens perdidos e seus respectivos valores (fls.50/51), motivo pela qual deduz-se que acatou as especificações ali expostas. Só houve irresignação em face da referência a um notebook, ao qual à postulante conferiu o preço de R$ 4.000,00 (quatro mil reais). De fato, pela experiência comum e considerando que não se trata de produto novo, a quantia parece-me excessiva. Sequer consta da inicial a especificação adequada do produto, a fim de que pudesse se aferir no mercado um valor aproximado. Ademais, inexiste no caderno processual qualquer indício de que a autora, de fato, portava o aparelho ou ao menos que o possuía, como por exemplo, uma nota fiscal. Nesse sentido, importante destacar que o dano material, quando contestado, depende de prova cabal da sua efetiva ocorrência. Acrescente-se a isso que a inversão do ônus probatório, que milita a favor da consumidora, não significa total dispensa de toda a sorte de provas. O direito alegado deve ser minimamente demonstrado. A esse talante, a reparação pelos bens constantes na bagagem deve ocorrer no montante de R$ 5.279,30 (cinco mil duzentos e setenta e nove reais e trinta centavos), ou seja, deduzindo-se o valor referente ao computador. Do mesmo modo, o segundo pedido prospera, porém em valor aquém do pleiteado, isto porque pelos recibos acostados às fls. 44/49, observo que as despesas com tratamento médico foram comprovadas no montante de R$ 1.880,00 (um mil oitocentos e Av. Paraíba S/Nº, 4º Andar, Setor 04, São Francisco - CEP 69079-265, Fone: (92) 3303-5070, Manaus-AM - E-mail: 19civel@tj.am.gov.br


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oitenta reais). Logo, tal é a soma devida. No que pertine ao montante pleiteado à título de lucros cessantes, com base na teoria da "perda de uma chance", não comungo da tese esposada na exordial. Explico: A autora sustenta que, em virtude do trauma sofrido pelo acidente, não possui mais condições psicológicas de viajar para o interior e, assim, de auferir os lucros decorrentes dos serviços que costuma prestar nos municípios de Coari e Novo Aruanã. Nessa esteira, pleiteia pelo recebimento das quantias que supostamente seriam angariadas caso ela continuasse a prestar assessoria técnica à administração pública daqueles locais. Ocorre que, os sofrimentos e abalos psicológicos a ela incutidos devem ser indenizados à título de dano moral, conceito no qual já estão compreendidos os transtornos à esfera íntima da pessoa lesada, incluindo-se as consequências e traumas psicológicos advindos do evento lesivo, no caso, o alegado temor exarcebado de viajar novamente em aeronaves de pequeno porte. Não trata-se de negar reparação, mas sim de ressarcir da forma devida.

Imperioso ressaltar que, embora seja evidente o sofrimento que adveio do acidente, a extensão desse trauma psicológico e sua incidência da esfera de atividades cotidianas e profissionais da pessoa lesada, deve ser aferida por profissional capacitado, o que na hipótese não ocorreu. Além disso, embora tenham sido apresentadas declarações das referidas prefeituras municipais informando o interesse em contratar os serviços prestados pela autora não há como saber se tal interesse perduraria durante toda a gestão dos administradores declarantes. A continuidade dos contratos, embora possíveis, não pode ser aceita como fato certo. Ressalto isso porque os valores requeridos pela autora são calculados levando em conta 04 (quatro) anos de prestação de serviços. A indenização por dano moral, como dito alhures, é perfeitamente cabível e de necessário reconhecimento. Tanto é cristalina a sua ocorrência, que sequer houve contestação nesse sentido. O pânico de ver-se e sentir-se em uma aeronave em queda, presenciando a morte de diversas pessoas e travando luta para desvencilhar-se dos obstáculos e salvar-se, é situação de abalo profundo, que vilipendia a esfera íntima da pessoa lesada e, portanto, comporta ressarcimento que, malgrado não possa cessar a dor e angustia advinda do fato, pretende, ao menos, amenizá-la, trazendo-lhe algum conforto. Ante à falta de parâmetros legais, a indenização nesses casos deve ser quantificada com fulcro nos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, bem como das condições do ofensor, do ofendido e, sobretudo, do bem jurídico atingido. Nessa seara, alguns pressupostos podem ser traçados para fundamentar a quantificação do dano moral: a indenização não pode constituir-se em causa de enriquecimento, à custa da ruína financeira do agente causador do dano; a quantia mensurada deve considerar a condição financeira das partes; também deve prestar-se a abrandar a aflição do ofendido, exercendo, ainda que secundariamente, um propósito pedagógico, de desestímulo a comportamentos lesivos da mesma natureza, que na situação específica, significa maior zelo com o dever objetivo de cuidado, imposto a todos os membros da sociedade. Ante as razões acima esposadas, JULGO PARCIALMENTE Av. Paraíba S/Nº, 4º Andar, Setor 04, São Francisco - CEP 69079-265, Fone: (92) 3303-5070, Manaus-AM - E-mail: 19civel@tj.am.gov.br


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PROCEDENTES OS PLEITOS CONTIDOS NA INICIAL, para CONDENAR a Ré ao pagamento de: a) indenização por danos materiais no valor de R$ 7.279,30 (sete mil duzentos e setenta e nove reais e trinta centavos);

c) indenização por danos morais na importância de R$ 200.00,00 (Duzentos mil reais), corrigido monetariamente a partir desta data até o efetivo pagamento. Tudo isso, com a incidência de juros de mora de 1% ao mês, a partir da ocorrência do evento danoso. Condeno, ainda, o réu ao pagamento das custas do processo e dos honorários advocatícios do patrono dos autores, que fixo em 15% sobre o valor da condenação. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Manaus, 12 de abril de 2011. Rogério José da Costa Vieira Juiz de Direito

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