11
INTRODUÇÃO O cangaço vem sendo tema de meus estudos desde os primeiros textos produzidos na graduação. Lá pelos idos de 2013 comecei a participar de eventos sobre a temática e entrar em contato com sua vasta bibliografia. Natural da cidade de Lastro, no sertão paraibano, convivi com muitas narrativas orais sobre cangaceiros, jagunços e coronéis, sobretudo com as histórias do coronel Manoel Gonçalves, figura que povoa até hoje o imaginário popular dos habitantes da pequena cidade do sertão paraibano. Meu bisavô paterno, Raimundo Augusto, era conhecido por todos da localidade por Ruado Velho, foi um misto de cabra6 e morador do coronel Manoel Gonçalves. Com o passar do tempo, Raimundo Augusto se tornou na comunidade um homemmemória, sendo sempre procurado para falar sobre o passado. Mas que passado era esse? Era o passado do coronelismo e do cangaço, pois a história da cidade, assim como de muitas outras da região, passou a ser representada como inseparável das ações dos coronéis e cangaceiros. Em uma rua estreita, uma ladeira tomada de casas por todos os lados, podia-se encontrar, ao longo do dia e no começo da noite, um senhor negro, que já beirava os noventa anos de idade, sentado em uma cadeira de balanço, na calçada de sua humilde casa. Sorriso no rosto – a imagem que sempre rememoro são de suas constantes gargalhadas, a rostidade7de Ruado Velho estava em seu sorriso –, sua pele negra e enrugada, com marcas e cicatrizes deixadas pela ação do tempo, sinalizava para um passado de trabalho pesado. Essa imagem foi selecionada da minha infância, quando passava esporadicamente na casa do meu bisavô, para pedir-lhe a benção. E ao rememorar agora em forma de texto, sou afetado pelo sentimento saudoso do meu velhinho, digo meu porque ele faz parte de mim, parte de uma temporalidade que agora volta em forma de saudade.
6
Frederico Pernambucano de Mello apresenta uma definição muito utilizada pelos pesquisadores sobre o cabra e o jagunço. O primeiro, é o homem de armas que possui chefe ou patrão, desempenhando mandatos tanto de ordem ofensiva quanto defensiva, geralmente mora e cuida das terras do latifundiário. Tem obrigação de servir em armas ao seu chefe quando este se envolve em algum conflito, encerrado o litígio, volta às obrigações cotidianas da fazenda. Já o jagunço vive das armas, vende sua força de guerra aos interessados, sendo assim, não pertence a um único chefe. Quando um conflito se encerra, o jagunço recebe pelo seu serviço e está livre para servir outros interessados. O cabra tem ligações com a terra, muitas vezes até de parentesco com o chefe, já o jagunço presta serviço momentâneo e tem nas armas seu instrumento de negócio. Ver em: MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 5. ed. São Paulo: A Girafa, 2011. 7 O filósofo francês Gilles Deleuze, no platô “Ano zero – rostidade”, promove uma reflexão textual que não se conforma em ser filosófica e, por isso, paira no território da poesia. Através da ideia de máquina abstrata produtora de rostidade, o autor apresenta uma discussão em torno da produção social dos rostos. Para ele, a rostidade recobre de significância e subjetividade tudo em que se projeta, seja a cabeça ou outras partes do corpo, o corpo, objetos ou paisagens. Por isso que a rostidade do meu bisavô estava no sorriso, lugar que centraliza minhas subjetividades em forma de memória. Ver: DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Felix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 3. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996.